Construindo o Canto Coral

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Fernando Martins Mouro Oliveira

Construindo o Canto CoralA construo dos conhecimentos musicais no ensaio coral a luz da teoria scio histrica de Vigotski.

So Paulo 2011

II Fernando Martins Mouro Oliveira

Construindo o Canto CoralA construo dos conhecimentos musicais no ensaio coral a luz da teoria scio histrica de Vigotski.

Requisito para defesa da dissertao de mestrado para o curso de Educao Arte e Histria da Cultura da

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Orientador: Prof. Dr. Martin Cezar Feij So Paulo 2011

III Fernando Martins Mouro Oliveira

Construindo o Canto CoralA construo dos conhecimentos musicais no ensaio coral a luz da teoria scio histrica de Vigotski.

Requisito para defesa da dissertao de mestrado para o curso de Educao Arte e Histria da Cultura da

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Martins Cezar Feij Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dra. Maria Aparecida de Aquino Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dra. Lia Vera Tomaz Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

IV

O Canto Coral o mais perfeito exemplo de comunismo, jamais conquistado pelo homem Murray Schafer (1991)

V

AGRADECIMENTOSAntes de tudo agradeo a Deus e a aqueles que me inspiraram no decorrer deste trabalho.

Agradeo aos meus pais Jos Gonalves de Oliveira e Lcia Maria Martins Mouro Oliveira pelo suporte e pelo apoio no decorrer desta pesquisa, sem eles nada disso seria possvel.

Agradeo a minha namorada Luana Correia Machado, por ler o meu trabalho e me ajudar com o portugus, e tambm pela pacincia, por toda ajuda e por ter ficado ao meu lado nos momentos mais difceis.

Em especial Agradeo ao amigo e parceiro Tiago Xavier dos Santos por me hospedar em sua casa, por me ajudar com a minha pesquisa lendo dando sugestes que foram valiosas. Sou muito grato aos primos Anna Flvia Correia Bueno Pinto e Anderson Hermes Pinto, por terem me hospedado em seu apartamento durante o perodo desta pesquisa.

Gostaria de agradecer o meu cunhado Alexandre Machado de Lima e sua esposa por tambm me hospedarem em sua casa durante este perodo em que estive vindo a so Paulo.

Em especial, agradeo aos regentes Roberto Panico, e Jos Mario Tomal por permitirem serem gravados e entrevistado, e a regente Michele Campos, tambm dona da escola em que eu dou aula pela sua compreensividade e grande ajuda nos momentos em que eu precisei liberar horrios para poder me dedicar a pesquisa.

Gostaria de agradecer a professora Maria Aparecida de Aquino, que me ajudou muito com suas observaes no decorrer da banca, e tambm fora da banca, nas aulas de metodologia da pesquisa e tambm em momentos informais e todo o auxlio que tornou este trabalho possvel.

VI Dedico este trabalho a minha professora da Universidade Estadual de Londrina, que me forneceu a luz com a qual eu cheguei a este tema. Tambm dedico este trabalho a professora Regina Giora, que me indicou boa parte da literatura sobre Vigotski e tambm pelo momento em que conversamos sobre o tema, conversas que me forneceram diversos insigts sobre o meu assunto.

Agradeo a professora Lia Toms pelas sugestes e observaes bastante insisivas sobre as minhas referncias bibliogrficas, e tambm pelo valioso material a que me apresentou.

Por fim agradeo ao meu orientador Martin Czar Feij, pela sua pacincia, para com o seu aluno, e pela orientao no decorrer deste trabalho, tanto com o trabalho sobre Orfeu, que me ensinou muito sobre o processo de se escrever um mestrado, quanto pelas aulas de histria da cultura no decorrer do curso.

VII

RESUMO

Esta pesquisa vai investigar o momento do ensaio de canto coral atravs da viso da teoria Scio Histrica de Vigotski. Para tal, primeiro ser definida o que a teoria da construo do conhecimento que tem sua gnese no perodo da Revoluo Russa. No primeiro captulo, faremos um estudo da teoria de ensino Scio Histrica atravs, da bibliografia do prprio Vigotski, alm de alguns autores que se propuseram a explorar a pesquisa desse psiclogo que tem o materialismo dialtico de Marx como mentor de seu trabalho. Tambm necessrio definir o ensaio coral e seus componentes, trazendo para discusso o regente e a pedagogia musical utilizada, alm de alguns elementos tcnicos como o aquecimento e a preparao do repertrio. Assim, estabelecemos as bases para um segundo momento que consiste na anlise de cinco ensaios de diferentes corais utilizando de gravaes e observaes, para verificar tanto a aplicabilidade da teoria, quanto as aes no ensaio que podem ser entendidas atravs da teoria scio histrica de Vigotski.

Palavras Chaves: Ensaio, Canto coral, pedagogia scio histrica, Vigotski

VIII

ABSTRACT

This research will investigate the rehearsal moment of the choral experience throw the vivion of the socio historical theory of Vigotski. For that we will start defining what is the theory of knowledge construction witch have born in the Russian Revolution period. On the first chapter it will be study the socio historical teaching theory throw the literature of Vigotski himself, and some other authors that explore this psychologist research witch have the dialectical materialism of Marx as mentor of his work. Its also need to define the choral rehearsal and its components. Bringing to the discussion the conductor, the pedagogy of music used on the rehearsal and some technical elements as the war-ups and the repertoire preparation. That way we should establish the bases for a second moment that consists in the analysis of five different choral rehearsals using recordings and observations of those rehearsals. In order to analyze the applicability of Vigotski theory and the actions in the rehearsals that can be understood throw the socio historical theory of Vigotski.

Palavras Chaves: Canto coral, pedagogia scio histrica, Vigotski

IX SUMRIO INTRODUO__ __________________________________________________________ 1 CAPTULO 1: TEORIA SCIO HISTRICA __________________________________ 3 1.1 - A PESQUISA DE VIGOTSKI_____________________________________________ 6 1.2 - APRENDIZADO E O CONTEXTO SOCIOCULTURAL ______________________ 16 1.2.1 - ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL E A RELAO ENTRE O DESENVOLVIMENTO E O APRENDIZADO __________________________________ 22 1.3 - VIGOTSKI E A EDUCAO ___________________________________________ 28 CAPTULO 2: O CANTO CORAL ____________________________________________ 32 2.1 - O REGENTE DO CORO AMADOR ______________________________________ 41 2.2 - AQUECIMENTO E TCNICA VOCAL ___________________________________ 48 2.3 - PREPARAO DO REPERTRIO _______________________________________ 53 CAPTULO 3: O ENSAIO ___________________________________________________ 65 3.1 - QUEM SO OS CORAIS _______________________________________________ 67 3.1.1 - O CORAL DA SERLIMP ______________________________________________ 70 3.1.2 - O CORO DA ESCOLA DE MSICA SEMITOM __________________________ 72 3.1.3 - OS CORAIS DA CASA DE CULTURA JOS GONZAGA VIEIRA ___________ 73 3.1.4 O CORAL ESPRITA HUGO GONALVES _____________________________ 76 3.2 OS REGENTES_______________________________________________________ 78 3.3 ATITUDES DOS REGENTES ____________________________________________ 81 3.3.1 ROBERTO PEREIRA PANICO E OS CORAIS DA CASA DE CULTURA JOS GONZAGA VIEIRA _______________________________________________________ 82 3.3.2 - O REGENTE JOS MARIO TOMAL E O CORAL HUGO GONALVES ______ 89 3.4 - ATITUDES DO CORO _________________________________________________ 97 3.4.1 - COMUNICAO QUE PARTE DOS CORALISTAS _______________________ 99 3.4.2 - OS CANTORES E A PARTITURA _____________________________________ 102

X 3.4.3 - OS MECANISMOS DE ASSIMILAO, MEMORIZAO E A CONSTRUO DA IMAGEM SONORA INTERNA __________________________________________ 104 CAPTULO 4 - CONSIDERAES FINAIS: CANTO CORAL E EDUCAO MUSICAL ______________________________________________________________ 109 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS _________________________________________ 123 ANEXOS _______________________________________________________________ 128

1

INTRODUO

O interesse nesse tema veio pela observao, atravs da experincia do autor dessa dissertao, dos trabalhos de canto coral em que se inseriu como cantor e posteriormente como regente. O canto coral, pelo fato de ser uma atividade artstica coletiva, se torna um corpo social em que a educao musical possibilitada por essa ao em grupo. Nos ensaios, a integrao no somente faz parte da rotina do canto como pode vir a ser um importante meio de educao musical. A teoria scio histrica surgiu da necessidade de uma forma de se pensar a psicologia que incorporasse os ideais marxistas e da Revoluo. Vigotski foi um dos pesquisadores que viram no projeto da revoluo o guia do seu trabalho. A pesquisa deste autor se props a abordar o desenvolvimento das funes superiores da mente, do intelecto humano e de como se do o aprendizado e a construo de conceitos culturais e cientficos pelo indivduo, sempre do ponto de vista da ao deste em sociedade. Para este autor, a ao coletiva e a interao ativa entre as pessoas so o meio pelo qual a cultura humana se constri e se modifica. Essa teoria defende que as funes mentais se desenvolvem a partir do meio social para o individual. A partir dos seus trabalhos acerca do desenvolvimento, Vigotski discutiu a funo da escola e tambm do professor. A sua pesquisa lhe forneceu dados acerca do desenvolvimento da linguagem e de como operam as ferramentas de mediao dos processos de desenvolvimento dos conceitos que o indivduo carregar no decorrer de sua vida. O aprendizado para a teoria scio histrica constante, sempre se modifica, mas nunca acaba. Por outro lado, temos o canto coral. No segundo captulo sero abordadas algumas concepes e posicionamentos sobre o canto coral, com nfase no momento do ensaio. Dentre estes aspectos, falaremos sobre o prprio canto coral amador, suas caractersticas sociais e pedaggicas, e a sua atuao como meio de educao musical, sobre o regente e o professor de tcnica vocal, enfatizando sempre qual o papel do maestro neste tipo de prtica coral e, por fim, o ensaio.

2 O ensaio ser tratado com mais detalhamento. Entendemos que neste momento preciso descrever os procedimentos caractersticos de um ensaio de coroe que estaro sendo observados em loco. Nestes procedimentos, temos dois grandes momentos: a tcnica vocal, que envolve aquecimento e desaquecimento vocal, os vocalizes e a educao musical voltada para a percepo e produo sonora de forma mais especfica, e a preparao do repertrio, onde ser aplicado o que foi apreendido nos momentos de tcnica vocal ao repertrio e as exigncias do repertrio. Neste segundo momento, o trabalho de educao musical acontece ligado claramente a um conjunto especfico de peas musicais. Aqui a percepo e a emisso vocal atuaro para expressar as caractersticas musicais das obras que variam muito de acordo com o estilo e o contexto da pea. Na preparao, os saberes relacionados msica como expresso artstica se tornam mais evidentes. Temos, ento, o aprendizado das formas e expresses musicais atravs da voz na preparao do repertrio, e na tcnica vocal se constri a ferramenta que permitir a experincia posterior do canto. Todos os momentos de um ensaio coral so voltados para as msicas, para o aprendizado da linguagem e da expresso musical. Porm, em momentos diferentes esse aprendizado toma formas distintas, ou seja, a tcnica vocal, com seus conceitos acerca da execuo da voz e a preparao do repertrio, que aplica esta execuo, se reportam ao aprendizado da expresso artstica em si. Em todos os momentos a prtica do canto coletivo se volta tanto para o aprendizado da tcnica, quanto para a manifestao artstica propriamente dita. Depois da base terica construda, ser feito o trabalho de campo, onde os ensaios do coral da SERLIMP, Coral Musiarte, Conjunto Feminino Musiarte, coral da Escola de Msica Semitom, todos na cidade de Londrina - PR e o Coral Esprita Hugo Gonalves de Camb - PR sero gravados, observados e com a anlise dos dados passaremos para o ltimo captulo, que discutir a educao musical no ensaio desses coros tendo por lente a teoria scio histrica de Vigotski.

3

CAPTULO1:TEORIASCIOHISTRICA

Este captulo abordar a teoria scio-histrica de Vigotski com a finalidade de estabelecer as bases para que este trabalho possa relacionar os estudos acerca do desenvolvimento da mente humana e dos processos psicolgicos e culturais, com a experincia do ensaio coral. A ideia de trazer a teoria de desenvolvimento do pesquisador russo Lev Semenovich Vigotski (1896 1934) - que trata do desenvolvimento de funes psicolgicas superiores1 - ao canto coral se deve ao fato desta teoria abordar o processo de construo do conhecimento como uma atividade social que atua em conjunto com os processos individuais de desenvolvimento da pessoa, coincidindo em alguns pontos com a prtica de canto coral, no somente no que diz respeito ao pedaggica em conjunto, mas tambm, aos processos de ensino e aprendizagem que naturalmente aparecem e que podero aparecer de acordo com a forma com que o ensaio conduzido pelo regente em conjunto com seus cantores. A teoria scio histrica uma corrente de pensamento, atualmente utilizada na rea da psicologia da educao, que considera o homem no simplesmente aprendiz dos conhecimentos que lhe so disponibilizados. Ele atua sobre sua cultura que, por consequncia o modifica. Assim, o conjunto de saberes que acompanham o individuo durante a sua vida construdo e reconstrudo dialeticamente2 medida que a pessoa e seus processos psicolgicos e biolgicos interagem com os contedos sociais que a cercam e com as pessoas com quem se relaciona de alguma forma.

(...) a formao da conscincia e das capacidades humanas s possvel no processo de trabalho na relao com outros homens e com a utilizao de instrumentos materiais e psicolgicos; o pensamento culturalmente mediado e a linguagem o Funes psicolgicas superiores so as formas mais complexas de pensamento como a memria a capacidade de aprender e os caminhos mentais que so criados no decorrer da vida do indivduo. 2 DUARTE, Newton. No captulo 3 do livro Vigotski e o Aprender a Aprender ao abordar a dialtica entre objetivao e apropriao, explica que dialtica quando ao homem se apropriar da natureza, para satisfazer suas necessidades, cria uma realidade humana o que implica na transformao tanto da natureza quanto do prprio homem. (2006, p.118)1

4principal meio dessa mediao; os processos intelectuais e afetivos so inseparveis.3

Esta teoria v o desenvolvimento da psique4 humana e dos saberes culturais ligados s vivncias do sujeito em meio sociedade e como ambos se reconstrem mutuamente. Assim, para esta linha de pensamento, as capacidades humanas de aprendizado s se desenvolvem em conjunto com o outro, ou seja, a criana capaz de fazer em colaborao hoje, o que ser capaz de fazer sozinha amanh Vigotski (2001 p.241). Esta viso bastante evidente no livro Formao Social da Mente e no captulo sexto de Pensamento e Linguagem o qual exposta a teoria de ensino que se originou da pesquisa de Vigotski.

Temos afirmado que a criana capaz de realizar em cooperao muito mais do que sozinha. Porm temos de acrescentar que no infinitamente mais, mas dentro de alguns limites, estritamente determinados pelo seu estgio de desenvolvimento e por suas capacidades intelectuais. Em Cooperao, a criana se faz mais forte e mais inteligente do que quando sozinha, capaz de superar dificuldades intelectuais ainda maiores, estritamente regulada, que determina a divergncia entre o trabalho divergente e em cooperao. (VIGOTSKI, 2001 p.240)

Embora em boa parte da pesquisa de Vigotski5 o objeto de estudo seja o desenvolvimento das funes psicolgicas na criana, ele demonstrou a preocupao em verificar como o desenvolvimento atua em outras faixas etrias. Justamente pelo fato destes estudos tentarem observar como se d o processo de formao do conhecimento no ser humano, podemos nos basear neles para entender estes mesmos processos no ensaio de um coro adulto. O prprio autor recheia seus estudos com comparaes entre a adolescncia e o3

MEIRA, Marisa E. M. Psicologia Histrico Cultural: fundamentos, pressupostos e articulaes com a psicologia da educao. Orgs.: MEIRA, Marisa E. M.; FACCI, Marilda G. Dias. Editora: Casa do Pisiclogo So Paulo, SP. 2007 p.27 p.62. 4 Para Vigotski (1997 p.100) a psique a expresso subjetiva dos processos mentais que se desenvolve no indivduo, como uma faceta especial, uma caracterstica qualitativa especial das funes superiores do crebro. 5 O Livro Formao social da mente composto por artigos de Vigotski que fala sobre a pesquisa que foi conduzida tendo por objeto de estudo o desenvolvimento das funes psicolgicas superiores na infncia.

5 pensamento na idade adulta. Afinal, os processos de ensino e aprendizagem apresentados esto presentes em toda a vida do indivduo, porm com uma diversidade de experincias que vo se acumulando com o tempo, desta forma esta teoria do desenvolvimento pode ser aplicada ao canto coral em geral. Procuraremos entender neste trabalho, ento, at que ponto e como essa pesquisa do comeo do sculo XX pode aparecer em uma situao de educao musical tpica do canto coral amador. No entanto, no podemos nos esquecer que Vigotski est inserido em um contexto que se diferencia qualitativamente do contexto atual. Vigotski um pesquisador que viveu o perodo da Revoluo Russa e tinha o objetivo de redefinir o pensamento da psicologia aplicada ao desenvolvimento do intelecto humano, tendo por base ideolgica o marxismo de sua poca e por base terica os pesquisadores do seu perodo, como Jean Piaget, Willian Stern, Kurt Koffka e Ivn Petrvich Pavlov. J o canto coral da atualidade uma situao de construo de conhecimentos musicais que geralmente acontece em um ambiente informal de ensino, onde a expresso artstica o elemento fundamental desta prtica cultural. O regente de um coro amador se v na tarefa de fazer com que pessoas que no tem um contato especfico com msica desenvolvam sua musicalidade a fim de se expressar atravs do canto. Desta forma, o canto coral necessariamente se torna um ambiente de educao musical e de construo de conhecimentos musicais. Os processos de assimilao, internalizao do conhecimento, imitao e reconstruo de conhecimentos culturais se fazem presentes em todo o trabalho de musicalizao no canto coral. O elemento principal da teoria de Vigotski, a construo do sujeito histrico cultural de forma dialtica, constante no trabalho de canto coral. Assim, mesmo que os tempos histricos e sociais se diferenciem, fazendo com que no seja prudente simplesmente transportar o pensamento de um autor de 1920 para a atualidade sem considerar estas diferenas contextuais, as relaes de construo do conhecimento continuam. A teoria que apresentada por Vigotski condiciona o desenvolvimento do indivduo e a forma como este acontece ao ambiente histrico em que est inserido; desta forma a pessoa vista como um sujeito histrico que modificado e modifica o seu ambiente scio cultural. O canto coral, por sua vez, se torna um ambiente pedaggico cultural que utiliza o coletivo como mediador da construo dos conhecimentos

6 culturais, dando aos seus integrantes a oportunidade de criarem as ferramentas que permitiro a expresso da musicalidade do grupo, e tambm, dos indivduos.

1.1APESQUISADEVIGOTSKI

Recuperar a historicidade do pensamento de Vygotski significa, antes de tudo pensar a sua concepo terica a luz da histria, ou seja, como projeto coletivo psrevolucionrio, tal como se fez, sem julgar os acontecimentos como produto de boas ou ms intenes dos homens, ou como fruto de equvocos tericos ou prticos.6

Vigotski comeou seu trabalho como psiclogo logo aps a Revoluo Russa de 1917. Os seus estudos foram efetuados primeiramente no laboratrio do Instituto de Psicologia de Moscou e posteriormente no Instituto de Estudo das Deficincias, sendo este ltimo por ele fundado, concentrando o seu trabalho na rea de psicologia nos anos que vo de 1924 a 1934, quando morreu vitima de tuberculose. Vrios livros atribudos a Vigotski so compilaes de artigos e anotaes sobre seu trabalho, que somente vrios anos aps a sua morte foram publicados por seus companheiros e alunos. Os ttulos, Psicologia da Arte, Formao Social da Mente e Pensamento e Linguagem, so, portanto, publicaes pstumas do trabalho e a produo deste pesquisador. No perodo da pesquisa de Vigotski a psicologia na Rssia estava em busca de uma identidade que se harmonizasse com os ideais da Revoluo de 1917. A primeira proposta de uma psicologia marxista apareceu com Kornilov em 1923, no Congresso Sovitico de Neuropsicologia, onde o autor tece duras crticas ao pesquisador - ento diretor e fundador do Instituto de Psicologia de Moscou - G. Chelpanov, pelo fato de seu trabalho no atribuir ao marxismo um papel de destaque na construo de suas idias. Estas crtica fizeram

TULESKI, Silvana Calvo. Vigotski: a construo de uma psicologia marxista. 2ed. Editora: Universidade Estadual de Maring. Maring PR 2008 p.71

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7 com que Kornilov assumisse o cargo de diretor do instituto, trazendo com ele uma equipe de pesquisadores jovens para pensar uma psicologia marxista. Dentre estes pesquisadores se encontrava Alexander Lria, Alexei Leontiev e Lev S. Vigotski. De acordo com Michael Cole e Sylvia Scribner (2009), os trabalhos de Vigotski aparecem em um perodo no qual a psicologia, que at ento era muito recente, se encontrava em plena formulao. Muito da metodologia aplicada aos estudos do comportamento humano at ento ainda se baseava nas cincias naturais, principalmente em Charles Darwin, Gustav Fechner e I. M. Sechenov.

Esses trs livros, de Darwin, Fechner e Sechenov, podem ser vistos como constituintes essenciais do pensamento psicolgico do final do sculo XIX. Darwin uniu animais e seres humanos num sistema conceitual nico regulado por leis naturais; Fechner forneceu um exemplo do que seria uma lei natural que descrevesse as relaes entre eventos fsicos e o funcionamento da mente humana; Sechenov, extrapolando as observaes feitas em preparaes neuromusculares isoladas de rs, props uma teoria fisiolgica do funcionamento de tais processos mentais em seres humanos normais. Nenhum destes autores se considerava (e to pouco era considerado pelos seus contemporneos) psiclogo. No entanto, eles forneceram as questes centrais que preocuparia a psicologia, uma cincia jovem, na segunda metade do sculo: quais so as relaes entre o comportamento humano e animal? Entre eventos ambientais e mentais? Entre processos fisiolgicos e psicolgicos? Vrias escolas de psicologia atacaram uma ou outra destas questes, contribuindo com respostas parciais dentro de perspectivas tericas limitadas. (COLE e SCRIBNER, 2009 p. XIX XX).

Neste perodo, fora da Rssia, havia diversas escolas de psicologia7 que, de certa forma, tinham pensamentos muito diferentes e at mesmo divergentes em alguns pontos, mas cada uma delas respondendo, mesmo que parcialmente, algumas lacunas sobre o desenvolvimento do pensamento e comportamento humano, que at ento era uma linha de estudo ainda jovem e muitas vezes ligada s patologias da psicologia humana. um perodo que o prprio Vigotski considera como um tempo de crise na pbere cincia da psicologia (1997 p.259-p. 260), porm, uma crise que tem bases metodolgicas. A forma com que se

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Vigotski abre o texto O instrumento e o Smbolo no Desenvolvimento da Criana enumerando algumas destas tendncias como o alemo Karl Stumpf que Comparou o estudo das crianas a botnica, Wolfgang Kohler e seus estudos com macacos antropides, K. Buhner e uma grande diversidade de outros trabalhos de sua poca.

8 aborda o desenvolvimento do intelecto humano no capaz de explicar o funcionamento das funes psicolgicas superiores e complexas da mente humana. Poucos eram os estudos que caminhavam, de fato, em direo compreenso dos aspectos do desenvolvimento da mente humana. Dentre os estudos de seu tempo, os trabalhos de Jean Piaget8 foram de grande importncia porque trazem uma nova viso acerca do desenvolvimento das funes cognitivas da criana. Embora diferente em vrios aspectos da teoria de Vigotski, est entre os primeiros pesquisadores a humanizarem o desenvolvimento da criana, ou seja, tentar compreende-la na totalidade das relaes que ocorrem durante o seu crescimento cognitivo. O behaviorismo ou construtivismo de Piaget busca identificar os processos de construo do pensamento pelos quais o sujeito passa para poder desenvolver os conceitos culturais e tcnicos que faro parte dele como um todo.

As investigaes de Piaget inauguram uma nova era na teoria do desenvolvimento da linguagem e do pensamento da criana, de sua lgica e de sua concepo de mundo. Tem importncia histrica. Pela primeira vez, Piaget, Com ajuda do mtodo clnico de investigao do pensamento e da linguagem da criana, elaborado e introduzido na cincia por ele mesmo, levou a cabo com excepcional audcia, profundidade e amplitude uma investigao sistemtica das particularidades da lgica infantil em um novo plano de anlises. (VIGOTSKI 2001 p.29)

Assim como Piaget, Vigotski tambm viu a necessidade de reformular as maneiras como o objeto psicolgico era abordado, reconstruindo procedimentos e formas de anlise que eram utilizados at ento. Desta forma, a pesquisa de Vigotski buscou suprir as lacunas que ainda restavam na abordagem construo do pensamento. Diferente de Piaget, Vigotski via nas concepes marxistas a soluo para estas lacunas que a psicologia do desenvolvimento ainda apresentava, desta forma, o conceito de construo do meio cultural e a viso do sujeito como um ser histrico defendido por Vigotski8

Jean Piaget foi um Psiclogo Suo que, segundo VIGOTSKI (2001 p.29) inaugurou uma nova era no desenvolvimento da teoria da linguagem e o densamento da criana. Os seus estudos esto entre os mais significativos no pensamento construtivista, onde a pedagogia um conjunto de processos e de interaes ativas entre o indivduo e o conhecimento que levam a construo dos saberes individuais e coletivos em uma sociedade.

9 esto ligados a uma viso marxista da histria do homem e da humanidade, que v no contexto geral e complexo a chave para compreender o particular e o mais simples, ou seja, compreender o obrok a partir da renda e a forma feudal a partir da burguesa 1997 p.262). Este conceito de que, atravs da compreenso do todo se chega s partes, permeia toda a discusso metodolgica Vigostkiana. Assim, possvel dizer que Vigotski viu nos mtodos e princpios do materialismo dialtico a soluo dos paradoxos cientficos fundamentais com que se defrontavam seus contemporneos. 10 Ento, ao ver o sujeito como um ser histrico, que se forma em meio social e dialeticamente se relaciona com o seu contexto, o mtodo de abordagem da sua pesquisa tende a contemplar esta viso marxista da ao do homem no seu meio. MEIRA (2007), ao falar da psicologia histrico cultural aponta para a necessidade de se entender o mtodo do materialismo dialtico de Marx para poder determinar as bases ideolgicas de Vigotski.9

(Vigotski

Ao defender a necessidade de se conceber as idias como produtos situados em relaes sociais que se desenvolvem historicamente, evidenciando a Histria como um processo ordenado que se constitui produto da atividade humana, Marx no apenas fez a crtica as principais correntes filosficas de seu tempo, como ainda buscou organizar os princpios fundamentais de um mtodo cientfico que fosse adequado a compreenso dos fenmenos como fatos sociais concretos. (MEIRA, 2007 p.35)

Neste momento, a autora acima citada, ao falar sobre as influncias marxistas de Vigotski, explica brevemente o mtodo e a viso de histria do pensamento materialista dialtico. Embora no seja inteno deste trabalho discutir as idias marxistas sobre a histria da humanidade, importante clarificar o que o mtodo materialista do qual estamos falando. Este mtodo, fala da relao do homem com a natureza regrada atravs do trabalho e daChayanov A. V. Teoria da Economia Camponesa. Editora: Universidade de Manchester, Inglaterra. 1986 p.16, explica que o termo obrok se refere ao porcentual da produo do campons - que se dedicava exclusivamente ao seu ofcio - cobrado pela monarquia russa tal como um imposto. 10 COLE, Michel; SCRIBNER, Sylvia. Introduo em: Formao Social da Mente Org: COLE, Michel; SCRIBNER, Sylvia; JOHN-STEINER, Vera; SOUBERMAN, Ellen. Trad: NETO, Jos C. BARRETO, Lus S. M. AFECHE, Solange C. editora: Martins Fontes, So Paulo SP. 2009 182p.9

10 modificao da prpria natureza, o que acarretar na modificao da sociedade. Portanto, todas as transformaes sociais so dependentes da ao econmica da humanidade. Desta forma, o indivduo se torna um ser histrico que atua de forma dialtica no mundo, em que ao transform-lo, transforma a si mesmo. A cultura, portanto, se constri a partir do social para o individual e do individual para o social.

Poderamos dizer que em todos os captulos conseguimos identificar aqueles momentos fundamentais e que tem um profundo significado para a educao cultural da criana. O primeiro deles consiste em que se modifica o prprio conceito de desenvolvimento: em lugar do desenvolvimento estereotipado, estabelecido das formas naturais, parecido com uma substituio automtica das formas to caractersticas na infncia uterina, teremos um processo vivo de estabelecimento e desenvolvimento que caminha em constante contradio entre as formas primitivas e culturais como j dizamos antes, este vivo processo de adaptao pode ser comparado, por analogia, com o vivo processo de evoluo dos organismos ou com a histria da humanidade. (...) O segundo momento, mais importante e mais essencial. Introduz pela primeira vez no problema da educao um enfoque dialtico do desenvolvimento da criana. Se antes, ao no diferenciar os planos de desenvolvimento, cabia ingenuamente imaginar que o desenvolvimento cultural da criana era continuao e conseqncia direta de seu desenvolvimento natural, hoje em dia tal concepo impossvel. (VIGOTSKI 1998 p.304)

Nesta passagem do texto de Vigotski a concepo marxista do desenvolvimento se torna bastante visvel. Vigotski, ao considerar que o desenvolvimento cultural como uma continuao da evoluo das funes biolgicas no mais uma posio vivel, passa a ver o sujeito como um ser que se constri de forma dialtica, tanto nas relaes internas entre o contedo psicolgico e biolgico da pessoa, quanto nas relaes externas entre o indivduo e o seu contexto cultural. Portanto, o complexo psicolgico e cognitivo das pessoas construdo no seio das relaes sociais em constante choque com as relaes internas da pisque do indivduo. O autor se via engajado em um processo de revoluo da psicologia, a nova psicologia deveria contemplar o contexto social, o aprendizado e deveria instrumentar o indivduo para a prxis social. J a antiga psicologia se equivocava em diversos pontos, dentre eles, a falta de capacidade de reconhecer a dinmica dialtica dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem. A escola, que at ento se baseava nesta psicologia,

11 precisava aprender a contemplar o contexto social como ponto de partida do ensino possibilitando ao aluno desenvolver novas ferramentas de ao cultural, ao esta que dialtica e historicamente ativa.

Opondo-se aos estudiosos de sua poca, ele procura demonstrar os elementos da crtica e da anlise das teorias existentes para construir uma nova psicologia. (...) Vygotski deixa claro que, ao analisar as teorias psicolgicas de sua poca, no tem como inteno realizar crticas a esse ou aquele autor em particular, mas sim explicar as tendncias objetivas que conduzem os postulados cientficos. Para ele na objetividade, para ele na objetividade, nas necessidades que a realidade impe, de acordo com a organizao dos homens, que possvel entender as idias, suas limitaes e contradies. (TULESKI, 2008 p.81-82)

Voltando-nos agora para os procedimentos metodolgicos da pesquisa de Vigotski, o livro Pensamento e Linguagem (2001) dedica todo o seu primeiro captulo para falar sobre o seu mtodo de anlise e sobre as abordagens que eram usadas pela psicologia at ento, apontando as falhas nos mtodos correntes e explicando como a sua pesquisa pretendia resolver os problemas por ele apontados. Neste perodo, era comum se pensar que para estudar os processos mentais era necessrio isolar os elementos a serem analisados. Portanto, ao se analisar os processos mentais no indivduo, alguns pesquisadores optaram por dividir os elementos psicolgicos em partes independentes para a melhor compreenso de cada processo individualmente. Porm, cada processo no opera individualmente na pessoa, desta forma esta metodologia no permite o entendimento das funes psicolgicas. Esta idia de decompor o pensamento em partes menores pode at facilitar a compreenso das partes, porm, obscurece o todo. Vigotski usa o exemplo do estudo da molcula de gua: o fato de estudar a molcula como um todo que possibilitar ao pesquisador a descoberta das caractersticas de cada parte, observ-las separadamente no fornece pistas concretas sobre o funcionamento real da molcula ou de como os seus componentes reagem entre si (VIGOTSKI p.18 2001). O trabalho de Vigotski se props ento, a estudar um elemento que para se constituir utiliza diferentes partes do intelecto do indivduo, permitindo a analise do conjunto dos processos

12 e levando a uma melhor compreenso de como operam os diversos elementos cognitivos da mente humana. Ele sugere que ao invs de se estudar os elementos do pensamento individualmente mais interessante encontrar uma unidade de pensamento onde eles se encontrem nas suas relaes, ou seja, um produto de anlise que, ao contrrio dos elementos, conserva todas as propriedades bsicas do todo, no podendo ser dividido sem que as perca (VIGOTSKI, 2008 p.5). Vigotski indica a palavra como exemplo de unidade a ser estudada. No a palavra que externalizada, mas o significado interno dela, assim, ao se verificar como se d o processo de construo destes significados, possvel entender como a criana e suas estruturas psicolgicas se desenvolvem e como acontecem os processos de ensino e aprendizado. O objeto da pesquisa se torna os processos e no apenas os objetos psicolgicos 11.

Da palavra conhecemos sempre o seu aspecto externo, dirigido aos demais. Seu outro aspecto, o interno, seu significado, to desconhecido como a face oculta da lua, tem permanecido e permanece sem estudar. No obstante, a precisamente onde se oculta a possibilidade de resolver as questes que nos interessam sobre as relaes entre o pensamento e a linguagem, porque no significado da palavra onde reside a chave da unidade que denominamos pensamento lingstico. (VIGOTSKI, 2001 p.20) 12

Para que as estruturas mentais apaream, necessrio criar as condies para provocar as reaes a serem estudadas. Explicando melhor, falamos aqui sobre o mtodo experimental, ou seja, por mais que a palavra e a linguagem sejam a unidade onde as relaes mentais se encontram atuantes, preciso criar certos estmulos e formas de direcionamento para que, com a diversificao de situaes, os dados colhidos sejam mais completos no11

Vigotski em pensamento e linguagem e tambm no livro histria do desenvolvimento das funes psquicas superiores coloca que o objeto de seu trabalho na so partes isoladas como a memria a percepo e o pensamento, mas sim os processos que envolvem a construo destes elementos e a atuao destes elementos na vida social e particular do sujeito. 12 Unidade do pensamento lingstico e justamente a parte do pensamento em que se concentram as relaes que ocorrem na formulao do pensamento lingstico como um todo. O signo quando associado palavra concentra em si uma variada gama de relaes cognitivas que so necessrias para a criao deste elemento, se tornando uma parte em que o todo pode ser visto.

13 sentido de trazerem consigo uma viso mais ampla acerca do objeto de estudo. Por isso a situao controlada no laboratrio se faz fundamental para os estudos que levaram teoria scio histrica do desenvolvimento humano. Assim, Vigotski e a equipe que o acompanhava utilizaram de diversos experimentos nos laboratrios em que atuavam para obter as reaes que melhor expunham as unidades do funcionamento da mente a serem investigadas. Um destes experimentos foi o uso de um jogo de cartas criado especificamente para trazer reaes que possibilitassem ao pesquisador investigar o funcionamento da memria em relao ao desenvolvimento do indivduo. Ele consistia em determinar a ao do signo sobre capacidade de memorizao das regras do jogo:

Pedia-se as crianas que participassem de um jogo no qual elas tinha =m que responder a um conjunto de questes, sem usar determinadas palavras. Em geral, cada criana recebia trs ou quatro tarefas que diferiam quanto s restries impostas a suas respostas e quanto aos tipos de estmulos auxiliares em potencial que poderiam usar. Cada tarefa consistia de dezoito questes, sete delas referentes a cores (por exemplo, qual cor...). A criana deveria responder cada questo usando uma nica palavra. A tarefa inicial foi conduzida exatamente dessa maneira. A partir da segunda tarefa, introduzimos regras adicionais que deviam ser obedecidas para que a criana acertasse a resposta. Por exemplo, a criana estava proibida de usar o nome de duas cores e nenhuma cor poderia ser usada duas vezes. A terceira tarefa tinha as mesmas regras que a segunda, e fornecia-se as crianas nove cartes coloridos como auxiliares para o jogo( estes cartes podem ajudar voc a ganhar o jogo). A quarta tarefa era igual a terceira, e foi utilizada nos casos em que a criana no usou adequadamente os cartes coloridos ou comeou a faz-lo tardiamente na terceira situao. Antes e depois de cada tarefa fazamos pergunta com o objetivo de determinar se as crianas lembravam das instrues e se as tinham compreendido. (VIGOTSKI 2009 p.34-35)

Neste experimento, conduzido por Leontiev, Vigotski analisa o uso da ferramenta o carto como um mediador da memria, que possibilita a ampliao da capacidade de memorizao da pessoa. Esta anlise, ento, trata do papel do uso de instrumentos externos e internos para auxiliar funes cognitivas ainda no amadurecidas13. Percebeu-se que medida que a fala se desenvolve e a operao com signos se faz intelectualmente vivel, a criana se13

O termo amadurecimento utilizado em Vigotski para se referir ao nvel de desenvolvimento de determinados elementos da psique.

14 v capaz de utilizar elementos externos a sua memria natural para transpor a sua prpria capacidade de armazenar informaes. Assim foi possvel evidenciar a capacidade mediadora do signo da ao com o outro e do instrumento. Esta discusso metodolgica, caracterstica de vrios escritos de Vigotski, aparece em funo de uma nova viso de ser humano. A teoria scio histrica traz o estudo do desenvolvimento como sendo a compreenso da histria da construo dos processos cognitivos e culturais do sujeito em sociedade. TULESKI (2008 p.87) explica que para Vigotski, a natureza determina que o homem tenha necessidades, e a histria, por sua vez, determina quais sero estas necessidades. Decorre, portanto, que o conhecimento cientfico o conhecimento da natureza, mas so as relaes sociais engendradas pelos homens em um determinado perodo que determinam a forma de relao do homem com a natureza. Por isso o foco sobre as relaes mais do que sobre a individualidade das partes da psique. A pesquisa de Vigotski considera o amadurecimento das funes psicolgicas superiores como um conjunto complexo de relaes e processos intra e interpessoais. Porm, Vigotski coloca que, ao mesmo tempo que o amadurecimento das funes superiores esto inter-relacionadas, nem todas estas funes se desenvolvem em conjunto ou, ao desenvolver uma certa habilidade, esta interfere em todas as outras. As diferentes habilidades do ser humano se desenvolve de maneira independente, mesmo que atuando como parte de um conjunto psicolgico. Um exemplo disto que para Vigotski o aprendizado e o desenvolvimento no caminham juntos. O aprendizado sempre deve preceder o desenvolvimento, ou seja a pessoa aprende algo novo e ao internalizar este novo conhecimento se desenvolve, permitindo outros aprendizados em nveis mais difceis, que permitiro novamente o desenvolvimento.

Essa pesquisa mostra que a mente no uma rede complexa de capacidades gerais como observao, ateno, memria, julgamento etc., mas um conjunto de capacidades especficas, cada uma das quais, de alguma forma, independente das outras e se desenvolve independentemente. O aprendizado mais do que a aquisio de capacidade para pensar; a aquisio de muitas capacidades especializadas para pensar sobre vrias coisas. O aprendizado no altera a nossa capacidade global de focalizar a ateno; em vez disso, no entanto, desenvolve vrias capacidades de focalizar a ateno sobre vrias coisas. De acordo com esse ponto de vista, um treino especial afeta o desenvolvimento global somente quando, seus elementos seus materiais e seus processos so similares nos vrios campos especficos; o hbito nos governa. Isso leva a concluso de que, pelo fato de cada atividade depender do

15material com a qual opera, o desenvolvimento da conscincia o desenvolvimento de um conjunto de capacidades independentes ou de um conjunto de hbitos especficos. A melhora de uma funo da conscincia ou de um aspecto da sua atividade s pode afetar o desenvolvimento de outra na medida em que haja elementos comuns entre ambas as atividades. (VIGOTSKI 2009 p.92)

Todo este trabalho de reformulao metodolgica e de estudo do desenvolvimento junto com a viso marxista de humanidade vai produzir o material necessrio para a teoria scio histrica de desenvolvimento intelectual e cultural. A pesquisa percebeu que o movimento de aprendizado dos saberes culturais parte do corpo social para os indivduos. As funes cognitivas que se desenvolvem e amadurecem so instrumentos mediadores na relao do sujeito com o mundo, permitindo que este atue dialeticamente sobre o seu contexto tanto fisicamente como simblico e intelectual. Segundo Vigotski o aprendizado desperta vrios processos internos de desenvolvimento, que so capazes de operar somente quando a criana interage com outras pessoas em seu ambiente e quando em cooperao com seus companheiros (VIGOTSKI 2009 p.103). Este estudo em questo se direciona, portanto, aos processos de construo de conceitos tericos e culturais, que segundo o autor da pesquisa s se concretizam atravs relao com o meio fsico e principalmente social.

Poderamos dizer que em todos os captulos conseguimos identificar aqueles momentos fundamentais e que tem um profundo significado para a educao cultural da criana. O primeiro deles consiste em que se modifica o prprio conceito de desenvolvimento: em lugar do desenvolvimento estereotipado, estabelecido das formas naturais, parecido com uma substituio automtica das formas to caractersticas na infncia uterina, teremos um processo vivo de estabelecimento e desenvolvimento que caminha em constante contradio entre as formas primitivas e culturais como j dizamos antes, este vivo processo de adaptao pode ser comparado, por analogia, com o vivo processo de evoluo dos organismos ou com a histria da humanidade.(...) O segundo momento, mais importante e mais essencial. Introduz pela primeira vez no problema da educao um enfoque dialtico do desenvolvimento da criana. Se antes, ao no diferenciar os planos de desenvolvimento, cabia ingenuamente imaginar que o desenvolvimento cultural da criana era continuao e conseqncia direta de seu desenvolvimento natural, hoje em dia tal concepo impossvel. (VIGOTSKI 1998 p.304)

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1.2APRENDIZADOEOCONTEXTOSCIOCULTURAL

Um dos principais pilares da teoria de Vigotski a construo dos conhecimentos culturais e especficos atravs da interao com o meio social. Podemos dizer que para Vigotski o homem, como um ser cultural e inteligente, se constitui nas relaes entre seus pares e seu meio fsico e psicolgico. O conceito de eu, por exemplo, aparece na infncia a partir do momento que a criana reconhece os outros, ou seja, o ser humano se descobre como indivduo a partir do momento que se percebe em meio a outros sujeitos, assim a prpria formao da personalidade humana constituda socialmente.

O momento decisivo no desenvolvimento da personalidade da criana a tomada de conscincia de si eu. A princpio e como sabido, a criana se identifica com o seu prprio nome e assimila com certa dificuldade o pronome pessoal. J. Baldwin assinalou acertadamente que o conceito de eu se desenvolve na criana atravs do conceito sobre os outros. Assim, o conceito de Personalidade social, um conceito reflexo que se forma na criana quando a criana aplica a si mesmo os procedimentos de adaptao que aplica aos outros. (VIGOTSKI 1995 p.337)

Pode se dizer por este pargrafo que medida que a criana reconhece a individualidade presente no outro, passando a ver os seus pares como sujeitos diferenciados do todo, consegue se ver da mesma forma, surgindo assim, o conceito de eu. A identidade cultural do ser humano, ento, parte do coletivo para o singular, quando a criana aprende a individualizar as pessoas sua volta ela aplica o mesmo para si, porm, isso s possvel quando ela passa a ser capaz de uma viso mais analtica do mundo sua volta, ou seja, enxergar as partes meio ao todo. A teoria scio-histrica do desenvolvimento considera o aprendizado da criana como uma constante interao entre o seu desenvolvimento natural e o cultural, formando assim a personalidade e estruturando a crescimento e maturao das funes superiores da

17 mente. O prprio processo de adaptao14 expresso no pargrafo citado acima reflete essa dialtica entre o ambiente interno e externo da psique do sujeito. Portanto, para a teoria scio histrica expressa neste trabalho, o aprendizado acontece em dois nveis: primeiro externamente, no qual o indivduo assimila os contedos culturais e cientficos (no caso da criana em idade escolar) e posteriormente a nvel interno, quando os contedos assimilados so desconstrudos e reconstrudos se tornando parte da personalidade do sujeito, ou seja, a pessoa internaliza aquilo que assimilou do contexto com o qual convive. James V. Wertsch, no Livro Vigotski e a Formao Social Da Mente (1988 p.78), explica que Vigotski afirma que a estrutura do funcionamento interpsicolgico tem um enorme impacto sobre a estrutura do funcionamento intrapsicolgico resultante.15 O contexto cultural uma construo da ao histrica do homem sobre a natureza, ou seja, se desenvolve ligado s adaptaes que o homem faz para suprir suas necessidades, as quais tambm se transformam em funo do contexto social em que a pessoa se encontra. O indivduo se constitui no processo de trabalho que produz realidades, coisas, imagens, palavras, metforas e objetos que passam a fazer parte do universo social no qual vive e, por sua vez, o modificam. (MEIRA 2007 p.43). Desta forma a idia de dialtica material, em que a relao do homem com o seu trabalho modifica a natureza, e esta por conseguinte, modifica o homem, est presente em toda teoria de aprendizagem de Vigotski. A dialtica no estudo das funes psicolgicas d uma nova viso pesquisa do desenvolvimento cultural e intelectual do homem a partir de sua ao em sociedade. Desde as aes da criana at a formao das concepes de mundo do adulto so determinados em conjunto com o meio em que o indivduo se encontra. WERTSCH (1995 p.75-78) esclarece que a viso marxista na obra de Vigotski contribui muito para entender a funo do contexto na constituio do homem. Um dos princpios fundamentais que guiaro as intenes de Vigotski de reformular a psicologia partindo dos pressupostos marxistas era que, para entender o indivduo, primeiro devemos entender as relaes sociais em que o indivduo se desenvolve.14

Em Vigotski a adaptao envolve todos os movimentos biolgicos e cognitivos que permitem o desenvolvimento em uma determinada cultura ou meio fsico. Ou seja, desde as mudanas internas que fornecero ferramentas para a ao fsica no mundo, at as transformaes intelectuais e psicolgicas da pessoa. um conceito que tem suas razes na dialtica materialista de Marx. 15 Na teoria scio histrica, o funcionamento interpsicolgico se refere aos movimentos da psique voltados ao social, ou seja as relaes entre as diferentes psiques do meio coletivo e o funcionamento intrapsicolgico se referem s funes internas da mente humana.

18 O desenvolvimento das caractersticas culturais e sociais do ser humano consiste em aes e processos mediados principalmente pela linguagem e pelo signo, sendo que estes so as suas ferramentas bsicas da ao cognitiva e psicolgica. O conceito de mediao, que tem um lugar de destaque na teoria histrico cultural, est ligado aos instrumentos facilitadores da ao humana, que tratam-se de ferramentas ou signos utilizados para controlar o prprio comportamento, e influir no comportamento alheio. Estes instrumentos se fazem imprescindveis nos processos de aprendizagem do indivduo, a linguagem e o signo que possibilitam o contato social e a ao cultural tal como conhecemos. Para VIGOTSKI (1995 p.146) o signo, a principio, sempre um meio de relao social, um meio de influncia sobre os demais e to somente depois se transforma em meio de influncia sobre si mesmo. As operaes com signos nos primeiros anos de vida so resultados de diversas interaes entre a criana e as pessoas mais prximas, surgindo primeiramente como um meio de comunicao. Portanto, segundo VIGOTSKI (2009 p.41), o signo primeiramente um meio de comunicao e posteriormente se transforma em mediador de processos internos e externos psique humana propriamente dita, ou seja, surge de algo que originalmente no uma operao com signos, tornando-se uma operao deste tipo somente aps uma srie de transformaes qualitativas. Estas transformaes no so somente as mudanas de ordem biolgica, falamos aqui principalmente das mudanas geradas pela ao cultural.

Se certo que o signo foi a princpio um meio de comunicao e to somente depois passou a ser um meio de conduta e da personalidade, resulta completamente evidente que o desenvolvimento cultural se baseia no emprego dos signos e que sua incluso no sistema geral de comportamento transcorre inicialmente de forma social, externa (VIGOTSKI p.147)

O desenvolvimento das operaes com signos impactam e so impactados pelo desenvolvimento das funes biolgicas da mente que posteriormente se transformaro em funes superiores, portanto, culturalmente resignificadas. Podemos dizer que nos primeiros anos da vida da criana a memria natural biolgica - extremamente desenvolvida, porm, medida que se domina as operaes com signos a memria natural e instintiva se retrai e a

19 memria mediada e voluntria se desenvolve.16 A utilizao da memria voluntariamente requer, ento, o desenvolvimento das operaes com signos, desenvolvimento este que tambm uma construo cultural coletiva. A memria, inicialmente, um instrumento de captao dos elementos culturais do entorno da criana. A partir do momento que estes elementos passam a fazer parte das operaes internas da mente da criana, a memria se reestrutura, e o signo assimilado pela ao da memria, surge como um instrumento de comunicao e posteriormente se transforma em uma ferramenta cognitiva. Essa ferramenta assume a funo de um instrumento de mediao entre o sujeito e os contedos de seu meio social. A memria que com a utilizao do signo passa a ser mediada pelo mesmo, assimila, agora, o meio scio-cultural de forma ativa e consciente. importante, tambm, pontuarmos o desenvolvimento da ateno, que a princpio se baseia em um processo puramente orgnico de crescimento, maturao e desenvolvimento dos aparatos nervosos e das funes da criana (VIGOTSKI 1995 p.214), e medida que se desenvolve este processo biolgico passa-se para um segundo plano e a ateno torna-se desenvolvida culturalmente. Da mesma forma que a memria, o desenvolvimento da ateno tambm passa pela mediao do instrumento e do signo. Para que a criana chegue a novos nveis de ateno as ferramentas mediadoras exercem uma funo complementar muito importante, ou seja, ajudam o indivduo a dominar a prpria ateno. Este processo mediado ocorre durante toda a sua vida. Para Vigotski o desenvolvimento no termina depois de uma idade, mas sempre recomea, porm cada vez mais complexo e diverso. Ou seja, por mais que existam elementos coincidentes entre o desenvolvimento da criana, do adolescente e do adulto, cada perodo da vida individual tem caractersticas prprias e se diferem qualitativamente entre si, tal como se o desenvolvimento do intelecto humano recomeasse a cada grande transformao na vida social do indivduo. Esta ateno que se desenvolve atravs do instrumento e do signo se tornar, ento, um processo interno e que poder ser utilizado como mediador do aprendizado das formas culturais de conduta daquele indivduo.

Chamamos aqui a memria de mediada quando o sujeito utiliza-se de signos internos e abstratos e signos externos para ampliar a capacidade de memorizao, j o termo memria voluntria usada pelo prprio Vigotski (1995 p.253) se refere ao ato de memorizao em si.

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20O desenvolvimento de qualquer funo, includa a ateno consiste em que o ser social no processo de sua vida e atividade elabora uma srie de estmulos e signos artificiais, graas a eles orienta a conduta social e de sua personalidade; os estmulos e signos assim formados se convertem em meio fundamental que permite ao indivduo dominar seus prprios processos de comportamento. (VIGOTSKI, 1995 p.215)

Para a pesquisa de Vigotski, a aprendizagem se torna um fenmeno comunicativo, onde a interao, a comunicao e o outro se tornam ferramentas de mediao no processo que ensino e aprendizagem. O ensino, no aparece aqui tal como o conceito tradicional, mas se refere ao momento em que o coletivo possibilita aos indivduos transcenderem a si mesmos. O professor, nesse contexto pedaggico, exerce o papel de guia desse coletivo e das relaes entre as partes, direcionando assim os contedos culturais e intelectuais a serem construdos. O desenvolvimento do conceito cientfico de carter social se produz nas condies do processo de instruo, que constitui uma forma singular de cooperao sistemtica do pedagogo com a criana(VIGOTSKI, 2001 p.183) Portanto, o papel do professor no se atenua, mas amplia, e ele se torna responsvel pela qualidade das relaes que acontecem no grupo. Embora o processo de educao implique em cooperao, o professor se torna o guia das crianas no processo pedaggico. O professor - ou o regente do coro que o caso deste trabalho - atua como um mediador entre os conceitos culturais e naturais e os conceitos cientficos. Ele coloca o aluno em contato com os contedos escolares e incentiva a manipulao destes contedos dando, ao aluno, a possibilidade de se desenvolver e de criar novos caminhos e ferramentas de mediao e condio. Portanto, ao educador dado o papel de incentivar a ao cultural e intelectual de forma ativa e consciente. Vigotski, ao falar sobre a educao na perspectiva da nova psicologia do desenvolvimento, explica que ao mesmo tempo que a escola deve incentivar a criatividade, o pensamento concreto e a imaginao na criana, deve faz-lo com o objetivo de levar as crianas a superarem este estgio. A imaginao e a criatividade sempre faro parte do vivncia humana, porm a imaginao infantil uma fase que, da mesma forma que deve se desenvolver, no pode prender o indivduo neste perodo de seu desenvolvimento. Para Vigotski, a educao deve levar a uma constante superao dos momentos em que o

21 desenvolvimento do sujeito se encontra. O processo de ensino e aprendizagem mais que um conjunto de transformaes paulatinas, uma constante luta entre o sujeito e o meio, portanto, a educao deve considerar que o desenvolvimento ocorre aos saltos. Contrapondo, portanto, com as prticas de ensino de sua poca, e tambm, com boa parte da pesquisa psicolgica at ento vigente, Vigotski prope que a educao considere um processo de dinamismo entre o desenvolvimento adquirido at ento e o desenvolvimento potencial da criana. Embora concordasse com a idia de que somente atravs do desenvolvimento adquirido seria possvel uma experincia pedaggica, a educao no deve se ater somente aos elementos culturais e cognitivos trazidos pela criana.

A concepo antiga se regia unicamente por um lema sumariamente importante, o de adaptar a educao ao desenvolvimento e isso era tudo. Supunha-se que era preciso seguir a direo do tempo, do ritmo, das formas de pensamento prpria das crianas, de sua percepo, etc. No se abordava a questo de forma dinmica. Por exemplo, se reconhecia justamente que a memria do escolar todavia era concreta, seus interesses emocionais, e se deduzia dele deduo igualmente correta que as lies nas primeiras aulas deviam ser concretas, imaginativas e altamente emocionais. Sabiam que a educao s eficaz quando conta com o apoio do desenvolvimento da criana. Essa era toda a sabedoria desta teoria. O novo ponto de vista ensina a buscar tal apoio, mas com o fim de supera-lo. Estuda a criana na dinmica de seu desenvolvimento e crescimento; se pergunta sobre a finalidade da educao, mas resolve o problema de distinto modo. Para o novo ponto de vista seria uma loucura se as aulas no tivessem em conta a ndole concreta e imaginativa da memria infantil: ela deve servir de suporte; mas seria tambm uma loucura cultivar este tipo de memria, pois significaria reter a criana em uma etapa de desenvolvimento inferiaor e no compreender que o tipo de memria concreta no mais que uma etapa de transio, de passagem ao tipo superior, em cuja memria concreta h de superar-se no processo educativo. (VIGOTSKI, 1995 p.307)

O Processo educativo colocado na citao acima resume, de certa forma, o pensamento do autor acerca do papel da escola e conseqentemente do professor, que independente da matria que ensina, deve conduzir este processo de revoluo17 do17

Os movimentos revolucionrios do desenvolvimento de que Vigotski faz referncia, so os saltos e os conflitos entre os velhos e novos contedos e formas de desenvolvimento que ocorrem no desenvolvimento cultural do indivduo, as novas investigaes tem demonstrado (..) que ali onde se via antes um caminho reto, existe de fato uma ruptura; ali onde parecia haver um movimento paulatino por uma superfcie plana, se avana a saltos (Vigotski 1995 p.306)

22 desenvolvimento cognitivo, o qual para a teoria scio histria melhor explica o processo de transformaes da psique humana no decorrer de seu desenvolvimento. O educador comea, agora, a compreender que quando a criana adentra a cultura, no somente toma algo dela, no somente assimila e enriquece com o que est fora de si, e sim que a prpria cultura reelabora em profundidade a composio natural de sua conduta e da uma orientao completamente nova a composio natural do desenvolvimento. (VIGOTSKI, 1995 p.305) A educao, portanto, exerce a funo de, a partir do desenvolvimento e dos contedos culturais inerentes ao indivduo, promover a superao das capacidades j adquiridas pelo sujeito. Na viso marxista de Vigotski seria a promoo de uma revoluo intelectual. Dessa forma, o contexto cultural transforma e transformado pela ao humana. escola e ao professor ou regente (no caso do coro) cabe possibilitar o desenvolvimento das ferramentas de expresso e resignificao cultural, fazendo com que o grupo reconstrua os significados socioculturais do meio em que esto inseridos de maneira dialtica. A escola seria uma das principais instituies para responder pelo desenvolvimento das funes psicolgicas superiores, pois ajuda a criana a se apropriar dos signos/mediadores culturais, que permitem o autodomnio ou autocontrole das capacidades mentais (intelectuais e emocionais). (TULESKI, 2008 p.143)

1.2.1 ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL E A RELAO ENTRE ODESENVOLVIMENTOEOAPRENDIZADO.

O aprendizado e o desenvolvimento so facetas diferentes da vida do indivduo, ambos contm caractersticas diferentes e interagem de forma a um possibilitar a ao do outro. O aprendizado para a teoria scio histrica acontece quando diversas funes superiores como o pensamento a memria e a percepo atuam sobre o meio com o qual o sujeito interage. O desenvolvimento acontece quando, pela ao cognitiva sobre os contedos

23 do aprendizado, os elementos da psique se tornam mais complexos possibilitando o uso de novos instrumentos de mediao, como o signo e a linguagem, resignificando os elementos estruturais da psique do indivduo. O aprendizado, portanto resulta em desenvolvimento que pr-requisito para um novo e mais complexo aprendizado. Em outras palavras, na maturao das funes psicolgicas e intelectuais o indivduo constri a base para o seu aprendizado, que por sua vez, possibilita o desenvolvimento da conscincia e inicia novos processos de maturao e desenvolvimento. VIGOTSKI (2009) coloca que: um fato empiricamente estabelecido e conhecido que o aprendizado deve ser combinado de alguma maneira com o nvel de desenvolvimento da criana. Portanto os processos de ensino e aprendizado que se fazem eficazes medida que se adiantam ao desenvolvimento.

Para Vigotski, o principal fato humano a assimilao e transmisso da cultura, j que a aprendizagem se constitui em condio imprescindvel para o desenvolvimento das caractersticas humanas. Com esse pressuposto estabeleceu as bases para uma discusso inteiramente nova no s em relao a aprendizagem, mas tambm no que se refere ao desenvolvimento e s funes de ensino. (MEIRA, 2007 p.51)

A relao entre o aprendizado e o desenvolvimento aparece com mais clareza no conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal que analisa como acontece a interao entre o sujeito, os elementos de mediao e os elementos fsicos e intelectuais de seu meio scio cultural. Este estudo surge como soluo para os problemas relacionados a aprender qual o nvel de aprendizado da criana na idade escolar, se tornando, assim, uma ferramenta pedaggica indita para o tempo em que surge, permitindo verificar no aluno o seu nvel inferior de desenvolvimento real e o nvel de desenvolvimento potencial, determinando com preciso os elementos que so possveis de ser assimilados pelo aluno e at que ponto este pode transcender as suas capacidades. Esta ferramenta cria a necessidade de constantemente avaliar o aluno, apreender do eduncando o que ensinar no sentido de que o professor somente pode instruir-lo dentro de suas capacidades naturais e potenciais.

24Devemos determinar sempre o limiar inferior da instruo. Mas a coisa no acaba a: devemos saber estabelecer o umbral superior da instruo. Somente dentro dos limites existentes entre estes dois limites pode resultar frutfera a instruo. Somente entre eles est encerrado o melhor momento para o ensino da matria em questo. O ensino deve orientar-se no para o ontem, mas para o amanh do desenvolvimento infantil. S ento a instruo poder provocar os processos de desenvolvimento que esto agora na zona de desenvolvimento prximo. (VIGOTSKI, 2001 p.242)

Vigotski aborda a Zona de Desenvolvimento Proximal atravs do estudo da formao dos conceitos cotidianos e cientficos na criana em idade escolar18. A princpio, a Zona de Desenvolvimento Proximal a diferena entre o desenvolvimento real do aluno e o desenvolvimento potencial do mesmo, ou seja, a diferena entre o desenvolvimento dos conceitos cotidianos e cientficos, assim os cotidianos parte do pensamento concreto, da assimilao dos elementos que constitui o contexto da criana, enquanto os cientficos, utilizam-se dos conceitos espontneos para se desenvolverem, porm, so frutos da atividade psicolgica consciente e mediada pelo outro que no ambiente escolar representado pela figura do professor e dos colegas de classe esta atividade mediada faz com que os conceitos cientficos sejam dominados e assimilados de forma a funcionarem como os conceitos cotidianos, permitindo assim o aprendizado de novos conceitos. Mas no que consiste, ento, o desenvolvimento real do aluno? Os processos de aprendizado, para a teoria scio histrica, comeam muito antes da criana chegar idade escolar. A prpria aquisio da linguagem e as primeiras operaes com signos so resultante de um processo complexo de aprendizagem. Quando o indivduo se envolve em uma nova situao de ensino, esta mediada pelos processos e contedos j internalizados. Assim, os processos que j fazem parte do repertrio do sujeito, as funes mentais que j maturaram e que so inevitavelmente mediadoras entre o sujeito e as novas experincias com o qual este se depara so considerados o desenvolvimento real do aluno, ou seja, o nvel de desenvolvimento das funes mentais da criana que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desenvolvimento j completados. (VIGOTSKI, 2009 p.96).

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MEIRA (2007 p.53 ) define os conceitos cotidianos como conceitos que expressam o nvel mais elevado de generalizao e abstrao em uma situao evidente e j conhecida. Eles so formaes genricas que em sua formao percorrem o caminho do concreto ao abstrato. J os conceitos cientficos formam-se de outro modo, so generalizaes do pensamento, no se relacionam a aspectos particulares , mas a todo uma classe de fenmenos. Neste caso, estabelece uma dependncia entre conceitos que leva a constituio de um sistema.

25 Por outro lado, o desenvolvimento potencial so aquelas funes que esto em processo de maturao, ou seja, so os contedos e a habilidades que o indivduo sozinho no capaz de executar, mas que com a ajuda do outro ou de um instrumento se torna capaz de fazer. O potencial de desenvolvimento da pessoa se mede, ento, pelas aes que realiza em grupo e que posteriormente as internaliza transformando-as em desenvolvimento real. VIGOTSKI (2009, p.97) define a Zona de desenvolvimento proximal como sendo a distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma determinar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento potencial, determinado atravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto ou em colaborao com companheiros mais capazes19 Para que os elementos externos psique do sujeito se transformem em desenvolvimento real preciso que passem por um processo de internalizao. Este processo consiste em trazer para o plano intrapsicolgico elementos que so disponibilizados pelo contexto externo e social. Os conceitos cientficos, que so primeiramente de ordem social, a princpio esto acessveis mediante a cooperao do adulto e dos colegas, ou seja, excedem a capacidade real do indivduo. atravs da ao coletiva que estes conceitos podem ser reconstrudos internamente se tornando parte do intelecto individual.

Igual a outros autores como Piaget, Vygotsky concebia a internalizao como um processo onde certos aspectos da estrutura da atividade que se tem realizado em um plano externo passa a executar em um plano interno. A diferena de outros autores, sem embargo, Vygotsky definia a atividade externa em termos dos processos sociais mediados semiticamente e argumentava que as propriedades destes processos proporcionam a chave para entender a apario do funcionamento interno. (WERTSCH, 1988 p. 78)

Vigotski entendia justamente porque baseava seu mtodo em uma viso marxista do desenvolvimento, que a chave para a compreenso do funcionamento interno da mente est nas relaes externas, portanto necessrio compreender o homem em sociedade antes de poder compreende-lo no mago de sua individualidade.19

Itlico presente no livro

26 A Zona de Desenvolvimento Proximal, o crescimento do indivduo atravs da ao histrica e dialtica, quando os conhecimentos antigos e j internalizados se confrontam com os novos que esto sendo constantemente produzidos pelo meio social. Deste conflito entre o contedo psicolgico j constitudo e o externo criado um novo contedo que ser utilizado como ferramenta de ao no meio interpsicolgico do sujeito. Um dos elementos da teoria scio histrica que de fundamental importncia para este trabalho o conceito de imitao. Que aqui no apenas a cpia de elementos externos ao sujeito, mas uma reconstruo de elementos e aes sociais. Esta reconstruo, que na criana acontece atravs do jogo, leva a uma posterior internalizao de elementos concretos na sociedade, ou seja, ao imitar a criana no copia, mas utiliza-se da percepo e da memria para reconstruir situaes que de fato ela ainda no capaz de executar sozinha. O indivduo ao imitar, transcende a sua capacidade de ao. Quando falamos, por exemplo, na brincadeira e no jogo, estes possibilitam a criana a assimilar as regras de conduta do meio social reconstruindo os papeis sociais de forma cognitiva. A imaginao, neste contexto, uma forma de experimentar regras de conduta que ainda no fazem parte do seu campo de ao. As regras do jogo, portanto ensinam a criana a controlar a sua conduta meio a um sistema social pr estabelecido. VIGOTSKI (2009, p.110-111) coloca que a situao imaginria permite criana experimentar regras de conduta que a princpio esto presentes na ao do outro. Ao se imaginar no papel de outra pessoa, ou at no papel de si mesmo, imita as aes pertinentes para aquele papel, ou seja ao se colocar como me no jogo, reconstri as atitudes maternas que percebe nas mes com que se relaciona. A imitao, portanto, fundamental porque o indivduo se torna capaz de transcender a sua capacidade de ao e de aplicar a si mesmo as adaptaes cognitivas que aplica aos outros. Porm, esta transcendncia limitada pela Zona de Desenvolvimento Proximal, ou seja, a pessoa capaz de imitar apenas o que suas habilidades reais e potencias permitirem. VIGOTSKI (1995 p.137) diz que: O prprio processo de imitao pressupe uma determinada compreenso da ao do outro. Portanto, a imitao uma ao que tambm surge na relao com os demais. Nos processos de ensino e aprendizagem, tal como a

27 aquisio da linguagem falada e escrita,20 a imitao se torna uma das ferramentas primrias de assimilao. Porm, esta assimilao est condicionada s capacidades naturais do indivduo. Tal como a Zona de Desenvolvimento Proximal, a imitao depende da relao entre as funes amadurecidas e as funes potenciais do indivduo, na psicologia scio histrica pode considerar-se estabelecido que a criana somente pode imitar o que se est na zona de suas possibilidades intelectuais prprias(VIGOTSKI, 2001 p.239). A instruo possvel onde cabe a imitao, (VIGOTSKI, 2001 p.242). A capacidade de imitar, portanto, delimita o aprendizado. Dessa forma, condio primria para o desenvolvimento, podendo ser utilizada como uma ferramenta fundamental para o processo de instruo do indivduo. O professor, neste contexto, se encarrega de disponibilizar os materiais e as aes a serem reconstrudas pela imitao, sempre tendo em vista a Zona de Desenvolvimento Proximal em que o aluno se encontra. Os conceitos de imitao e de Zona de Desenvolvimento Proximal so aplicveis a qualquer idade, principalmente porque aplicar estes conceitos, implica contextualiz-los dentro da idade cultural dos estudantes. A imitao e as aes ldicas esto presentes em toda vida do indivduo, porm, de acordo com a idade e o nvel de desenvolvimento das funes intelectuais e psicolgicas da pessoa estes processos se tornam qualitativamente distintos.

As idades constituem formaes globais e dinmicas, so as estruturas que determinam o papel e o peso especfico de cada linha parcial de desenvolvimento. Em cada perodo de idade o desenvolvimento no modifica, no seu decorrer, aspectos isolados da personalidade da criana reestruturando toda a personalidade em seu conjunto; no desenvolvimento, precisamente, existe uma dependncia inversa: a personalidade da criana se modifica em sua estrutura interna como um todo e a leis que regulam este todo determinam a dinmica de cada uma de suas partes. (VIGOTSKI, 2006 p. 262).

A imitao como ferramenta de assimilao de contedos sociais sempre estar presente nos processos de desenvolvimento, porm, medida em que a personalidade do20

A linguagem falada e escrita representam dois momentos distintos do desenvolvimento: a linguagem falada resultado da formao dos conceitos infantis na fase pr escolar, enquanto a linguagem escrita representa, aqui, o perodo em que a criana entra em contato com os primeiros contedos intelectuais que iro constituir o pensamento lgico do indivduo.

28 indivduo se transforma e a relao com os contedos se modifica, a ao imitativa toma novas propores e novas formas. Assim como todos os processos de aprendizado uma ferramenta que se constri do meio coletivo para o individual. Ao passo que o sujeito se desenvolve a capacidade de imitao aumenta. O que hoje uma forma imitada de um estmulo externo, amanh se tornara uma ao diferente da ao imitada.

1.3VIGOTSKIEAEDUCAO

A educao na teoria de Vigotski deve estar atenta aos processos de desenvolvimento da vida do educando. Educar para este pesquisador significa modificar comportamentos e hbitos culturais, alem de integrar o aluno no universo dos conhecimentos cientficos. VIGOTSKI (2001 p.185 187) tece uma crtica bastante incisiva aos mtodos tradicionais de educao. Ele expe que a criana aprende pela experincia, a partir do seu desenvolvimento e da sua ao. A instituio de ensino que se prope apenas a expor contedos e utilizar o antigo mtodo pedaggico, no qual o professor ensina e o aluno passivamente apreende, no conseguir muito mais do que algumas assimilaes por parte dos indivduos, negligenciando assim o desenvolvimento e o aprendizado de seus educandos.

Creiamos que o caminho que vai desde o primeiro conhecimento que a criana estabelece com um novo conceito at o momento em que a palavra e o conceito se convertem em propriedade sua um complicado processo psquico interno. Este momento encerra a compreenso da nova palavra, que se desenvolve paulatinamente a partir de uma idia vaga, o prprio emprego dessa palavra pela criana e sua assimilao real como elo final. Temos tratado de expressar nos pargrafos anteriores este mesmo pensamento, a dizer que no momento que a criana penetra no significado de uma palavra nova para ele, o processo de desenvolvimento do conceito no termina, mas sim, comea. (VIGOTSKI 2001 p.187)

29 A idia de construir os conhecimentos e saberes da pessoa, passa necessariamente pelos caminhos do desenvolvimento da psique e das capacidades cognitivas. Quando pensamos nesta construo em meio ao desenvolvimento, estamos falando de um conjunto de adaptaes e assimilaes que so mediados por diversas ferramentas disponveis ao educando. Partindo do momento em que consideramos os processos de adaptaes, somos levados a ter em conta a dialtica das interaes humanas. Temos ento um movimento em que a cultura modifica profundamente o indivduo que se encontra nela. Nestes processos no podemos pensar unilateralmente considerando apenas o fato do homem modificar a natureza. Na dialtica das interaes humanas, temos que o meio faz com que aqueles que atuam sobre ele reestruturem a sua ao. Vigotski explica que no processo educativo, as habilidades naturais so profundamente influenciadas pela cultura do educando. A conduta e os processos mentais do aluno se adaptam aos contedos com os quais ele se relaciona.

Antes os psiclogos estudavam de maneira unilateral os processos de desenvolvimento cultural e de educao cultural. Procuravam averiguar que capacidades naturais condicionam a possibilidade do desenvolvimento da criana, m que funes naturais da criana o pedagogo deveria apoiar-se para introduzir-lhe uma outra esfera do cultural. Se analisava por exemplo como o desenvolvimento da linguagem e a aprendizagem da aritmtica dependem das funes naturais e do crescimento natural da criana, mas no se analisava o contrrio, ou seja, como a assimilao da linguagem e da aritmtica transformam essas funes naturais, a profunda reorganizao que introduzem que introduzem em todo o curso do pensamento natural, como interrompem e deslocam as velhas linhas e tendncias do desenvolvimento. O educador comea a compreender agora que quando a criana se adentra na cultura, no somente toma algo dela, no somente assimila e se enriquece com o que est fora de si, mas que a prpria cultura reelabora em profundidade a composio natural de sua conduta e da uma orientao completamente nova a todo o curso de seu desenvolvimento. (VIGOTSKI 1995 p.305)

Para que o aprendizado se faa efetivo a motivao e o interesse do aprendiz so indispensveis. VIGOTSKI (2010 p.163) coloca que a aprendizagem s possvel quando se baseia no prprio interesse da criana. Trazer para a sala de aula o interesse do aluno significa entender como funcionam os mecanismos relacionados motivao e vontade. VIGOTSKI (1995 p.295) diz que a vontade tem seu incio em um estmulo, e que este incentivado pela capacidade do professor de gerenciar o ambiente de ensino. O mestre exerce

30 o seu papel quando influncia o desenvolvimento do aluno preparando-o para a investigao e a construo dos conhecimentos cientficos, necessrios para a ao no mbito cultural do prprio indivduo. Assim, tanto os conhecimentos do aluno modificam a metodologia do educador, que precisa se adaptar aqueles sujeitos que compes a sua turma, quanto o educador influencia a construo dos saberes do educando. A teoria scio histrica colocada neste captulo se constituiu, sua poca em uma forma indita de se pensar o aprendizado e o desenvolvimento, reconsiderando inclusive, a escola como instituio e local de aprendizado. Vigotski ao estudar o desenvolvimento das funes superiores da mente props uma pedagogia voltada para a humanizao do indivduo. O olhar marxista permitiu-lhe ver o ensino como um fenmeno social, em que a formao do sujeito parte de sua relao com a cultura que socialmente construda pela ao humana, propondo ento s instituies de ensino este olhar para desenvolver o aluno em meio ao seu contexto cultural. A prpria educao uma forma de disponibilizar as ferramentas que daro ao indivduo a possibilidade de se apropriar dos conceitos culturais e modific-los e adaptlos a suas necessidades pessoais que tambm se constroem no seio do corpo coletivo. A mediao e o aprendizado que vm do coletivo se tornam aqui palavras chaves para a construo do professor e daqueles que lideram os processos de ensino e aprendizado. O regente de canto coral atua ou deve atuar como este professor Vigotskiano, ou seja, ele no ensina no sentido de impor conhecimentos, como um lder o regente do coro amador estimula, incentiva e cria o ambiente propcio educao e expresso musical. O coralista, por sua vez, se desenvolve vocalmente tendo como ponto de referncia o maestro e o grupo, pois entre si as pessoas aumentam sua qualidade e capacidade vocal. Pode se dizer que o som do coro est um passo frente dos sons individuais, porque um media o aprendizado do outro, os cantores amadurecem e crescem vocalmente e socialmente, empurrando tambm o crescimento do coro. Vigotski defende em seu trabalho que as funes superiores de mente, como a memria, a cognio, as emoes e a percepo so construdos culturalmente. O canto coral atua sobre estes elementos atravs da construo de uma memria musical que acontece com o desenvolvimento de uma forma de percepo bem especfica da expresso artstica, que influi sobre a relao do cantor com uma emocionalidade expressa em sons e com o aprendizado da partitura que uma ferramenta no desenvolvimento da percepo e memria

31 musical e permite a formao de novos signos relativos a uma nova forma de linguagem com regras e escrita prpria. pode-se dizer que esta ajudaria a compreender os processos de ensino e aprendizagem no canto coral. Partimos, ento, da premissa de que o canto coral se configura como uma ao coletiva de construo de conhecimentos. A ateno, a memria culturalmente construda e os conceitos culturais do coralista so parte integrante dos processos de ensino e aprendizado que envolvem a prtica coral. Portanto, aqui a construo das ferramentas de expresso musical tambm parte do coletivo e do social para depois se tornarem operaes internas e individuais, assim temos que a teoria scio histrica poderia aplic-las com preciso na anlise das aes pedaggico msicas do canto coral.

CAPTULO2:OCANTOCORAL.

32

Discutido algumas das teorias de Vigotski do captulo anterior, entraremos mais especificamente no canto coral e nos processos de educao musical que a ele se aplicam atualmente. Este captulo ir discutir o canto coral nas suas dimenses sociais e pedaggicas. Iremos verificar o que esta modalidade de canto coletivo e no que consiste um ensaio do coro no contexto atual. Portanto, embora parte da literatura que ser utilizada seja de origem estrangeira, as idias aqui discutidas tm em vista os grupos corais do contexto em que esta pesquisa e o pesquisador se inserem. Mesmo assim, as concluses atingidas por este trabalho, sero acerca da prtica de canto coral como um todo. Para tal, o objeto de estudo deste captulo o ensaio coral (momento no qual se desenvolve a ao coletiva do canto). O coro atualmente um meio de expresso musical e cultural extremamente diverso e que se desenvolve coletivamente. Esta coletividade do coro faz com que o canto seja acessvel a uma variedade muito ampla de pessoas, desde as mais leigas musicalmente at aquelas que possuem uma musicalidade mais desenvolvida. Aqui, o conjunto de aes pedaggicas desenvolvidas no ensaio possibilitar o acesso dos coralistas ao canto e desenvolver sua capacidade de se expressar musicalmente. Os mais leigos, ento, iniciam a descoberta da sua prpria musicalidade, enquanto os cantores mais experientes tm a possibilidade de desenvolver-se ainda mais e experimentar os processos de produo musical em grupo.

No ambiente social, o canto coral tem acontecido como uma manifestao cultural onde pessoas de vrios segmentos da sociedade se renem com um fim comum, em busca de realizao cultural pessoal que ser manifesta atravs de experincia ou vivncia da sensibilidade esttica. Felizmente, no discriminatria e se d nos variados nveis sociais, dependendo apenas da iniciativa de algum agente societrio, seja uma instituio, ou at mesmo indivduos idealistas iniciadores da prpria atividade coral. Neste contexto, o canto realizado de forma amadorstica. Em todo o mundo, e o Brasil no exceo, a grande maioria dos grupos corais de amadores. So movimentos de natureza comunitria em geral ligados uma instituio, ou independentes (JUNKER21, 1999 p.1)21

JUNKER, David. Movimento Do Canto Coral No Brasil: breve perspectiva administrativa e histrica. Em: Anais do XII encontro anual da Associao De Pesquisa E Ps Graduao Em Msica (ANPPOM). Salvador BA, 1999. Disponvel em: http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_1999/ANPPOM%2099/CONFEREN/DJUNKER.PD F ltimo acesso 05/09/2010

33 SCHAFER22 (1991 p.279) vai dizer que o canto coral o mais perfeito exemplo de comunismo jamais alcanado pelo homem, se referindo ao fato de que o coro busca fazer com que as vozes se percam umas nas outras formando uma mistura homognea onde no se permite que as vozes se individualize com exceo dos momentos especficos para solistas. Neste momento Schafer critica a busca do virtuosismo, colocando que a sala de aula uma sociedade em microcosmo onde se d a oportunidade para o desenvolvimento individual, que acontece no meio coletivo da classe. O canto coral como experincia educativa tambm anseia pelo desenvolvimento da musicalidade dos indivduos, mas um desenvolvimento que parte do coletivo e se expressa nele. NARDI23 compara o coro como uma amostra da sociedade em que ele est contido, principalmente quando se trata de coros de aficionados tal como ele mesmo descreve. Ao se pensar neste tipo de conceito sobre o canto coletivo, ele se torna um corpo social no qual a educao musical se faz necessria a fim de permitir a sua ao artstica e tambm no nvel comunitrio. tambm uma prtica de re-significao de hbitos sociais e culturais que atinge o grupo, a platia que se envolve com as apresentaes e as pessoas que acompanham o coro de forma indireta.

Temos dito a princpio que o coro uma expresso musical de profundo contedo social, por extrair sua substncia dessa mesma vida. Essa caracterstica se pe de manifesto com maior evidncia nos coros de aficionados, onde geralmente sua composio humana est formada por pessoas de diversas extraes sociais, que desenvolvem ocupaes diferentes na vida diria.(NARDI, 1979 p.11)

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SCHAFER, Murray. O Ouvido Pensante. Trad. FONTERRADA, Marisa; PASCOAL, Maria Lcia; SILVA, Magda R. Gomes da. Editora: UNESP, So Paulo SP. 1991 399p.

23

Nardi, Hctor. Introduo: El significado scio-cultural del canto vocacional em:

NARDI, Hctor; GALLO, Jos A., GRAETZER, Guillermo; RUSSO, Antonio. El Director de Coro. Editora: Ricordi Americana, Buenos Aires, Argentina 1979.

34 Para o Regente Carlos Alberto Figueiredo24 o coro se assemelha a uma tribo, que possui seus personagens essenciais, tais como os cantores e o regente; rituais tpicos, tais como ensaios e apresentaes; e objetos culturais imprescindveis, tais como a msica e a partitura, sua representante material. Ao pensar no conceito de tribos, consideramos que cada coro tem caractersticas e sonoridades prprias que so determinadas pela ao coletiva dos personagens destes grupos. O repertrio, assim como os objetivos dessas tribos, se diversifica de acordo com o contexto cultural e as necessidades musicais do grupo e dos indivduos que o integram. Podemos dizer, ento, que desde o aparecimento das sociedades corais na Europa do sculo XIX, que eram constitudas de cantores amadores ou profissionais, que o canto coletivo vem se tornando uma expresso social cada vez mais pluralizada. Todos estes autores acima citados vo falar no coro como um corpo social, uma pequena tribo dentro de outra maior, e que se caracteriza por ter pessoas de grupos culturais diferentes. Poderia dizer que na empresa se une o patro e o funcionrio, na igreja e em locais de voltados para a divulgao cultural encontramos pessoas dos mais variados pontos da cidade onde o grupo sediado. Ao comear a falar desta diversificao de repertrio e da sonoridade dos coros no Brasil da primeira dcada do sculo XXI, passaremos brevemente por um processo que comea pelo nacionalismo da dcada de 30 com Villa Lobos e o canto orfenico. Neste perodo a prtica do canto em grupo acrescentada ao currculo escolar brasileiro criando uma estrutura considervel no que se refere formao de professores e divulgao do canto coral. O coro se torna, atravs da nacionalizao do canto, mais prximo da populao e do meio popular. O canto orfenico pode ser considerado como um passo inicial na construo de uma cultura de canto coral fora do ambiente religioso e erudito. Porm, o canto coletivo do qual falamos e que pontuamos, se desenvolve principalmente a partir da segunda metade do sculo XX, perodo no qual o coro passou a acontecer no somente nas igrejas, nos conservatrios, nos teatros e na escola, mas tambm na universidade, na comunidade e nas empresas. ngelo Jos Fernandes, no seu trabalho de Doutorado defendido na UNICAMP em 2009, coloca que as dcadas de 60 e 70 tm uma especial insero na histria recente do canto

FIGUEIREDO, Carlos Alberto. Reflexes sobre aspectos da prtica coral em: Ensaios: olhares sobre a msica coral brasileira Org. LAKSCHEVITZ, Eduardo. Centro de Estudos de msica Coral, 2006 p.8

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35 coral no Brasil. Neste perodo surgem os coros nas universidade, que so influenciados tanto pela msica vanguardista e erudita, quanto pela msica popular brasileira. um perodo em que, segundo o autor, o canto coral teve acesso uma variada gama de repertrio (msica popular, vanguardista, erudita e tambm msica antiga)25 e o coro, deixa de ser estritamente religioso ou pedaggico. Esta diversificao do coro foi muito intensa tambm nas dcadas de 80 e 90, quando se propagaram tambm os coros de empresa, que segundo FERNANDES (2006 p.185), se tornaram um importante instrumento de integrao e de socializao dos funcionrios das organizaes que adotavam esta prtica artstica como atividade de lazer dos empregados.

Com relao ao repertrio coral no erudito brasileiro, este passou lentamente do folclrico para o popular (inicialmente com canes consideradas clssicas como por exemplo Luar do Serto), e deste para a cano de massa. Cozzella talvez tenha sido o maior responsvel pela diversificao do repertrio coral em So Paulo em funo de sua imensa produo de arranjos que vo de Os Carnavais I e II aos poutpourris de Rita Lee e Beatles. A introduo do repertrio popular nos coros passou a sugerir maior liberdade corporal. Para tanto, a utilizao de tcnicas de relaxamento e exerccios de soltura tornaram-se parte do aquecimento inicial dos coros, prtica bastante disseminada durante a dcada de 80. Embora no se soubesse precisar poca, constatamos que tais exerccios eram na sua maioria jogos e exerccios teatrais advindos do diretor Augusto Boal, que por sua vez se utilizava de exerccios de Stanislawsky e Brecht. Alguns desses jogos e exerccios foram adaptados e utilizados por Marcos Leite um dos regentes mais reconhecidos no Brasil pela atividade coral cnica - nos seus ensaios e oficinas.26 (OLIVEIRA 1999 p.2)

Segundo Ana Yara Campos, um fato bastante importante ocorrido a partir das dcadas de 50 e 60 foi a difuso de inmeros acervos de msica medieval e renascentista. Desde ento, a prtica da msica desses perodos tem sido cada vez mais aperfeioada. No Brasil, inmeros grupos se dedicaram com excelncia interpretao desses repertrios. Os principais precursores desta prtica foram o Madrigal Renascentista de Belo Horizonte sob a regncia de Isaac Karabtchevsky e Afrnio Lacerda; o Collegium Musicum de So Paulo criado em 1962, sob a regncia d