Upload
lyliem
View
219
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
~~RSIDADETurrITIDOPARANA
Lucilene Aparecida Soares [email protected]
CONSTRUIR ADIVERSIDADE BRINCANDO: COMO OS Joe OS
PODEM CONTRlBUIR NO DEBATE ETNICO-RACIAL NO
ESPAC;::OESCOLAR
CURIT[BA
2009
CONSTRUIR ADIVERSIDADE BRINCANDO: COMO OS JOGOS
PODEM CONTRIBUIR NO DEBATE ETNICO-RACIAL NO
ESPA<;O ESCOLAR
CUlUTIBA
2009
Lucilene Aparecida Soares [email protected]
CONSTRUIR ADIVERSIDADE BRINCANDO: COMO OS JOGOS
PODEM CONTRrBUIR NO DEBATE ETNICO-RACIAL NO
ESPACO ESCOLAR
Trabalho de Conclusao do Curso de Pas Graduayao: Historia e
Cuitura Africana e Afro-Brasileira e A~oes Afirmativas, da
Faculdadc de Humanas da Univcrsidadc Tuiuti do Parana.
Oricntador: Henrique Cunha Jr.
.<?'~t3-'
){
,,-0'} CURlTlBAl' 2009
TERMO DE APROV A<;:AOLucilene Aparccida Soares
CONSTRUIR ADIVERSIDADE BRINCANDO: COMO OS JOGOS
PODEM CONTRIBUlR NO DEBATE ETNICO-RACIAL NO
ESPA(:O ESCOLAR
Esta mOllografia roi julgada c aprovad.1 pam a oblenyiio do titulo de cspccialiSL1. em Hist6ria c CullumMricnna e Afrobrdsileira, Educavao c A~oes Afinnativas no Brasil. no Program<l de P6s-Gmdua~iioPcsquisa e Extens.:l0 da Univcrsidadc Tuiuli do Parana.
Curitiba, 25 de junho de 2009.
Historia e CuJlum Africana e Afrobrasileim. Educar;5o c Avocs Afinnalivas 00 Brasil.Universidade Tuiuti do Parana
Oricntador: Prof. Dr. Henrique Cunl.l..1 Ir.
Professor
Professor
Este troba/lio e dedicado a toda a popu/m;iio afro-.descendente que selldo
negra resiste a esta sociedade racisla; sendo pobre persi.\1e muna estrufura
c1assista e selldo mu/her ollsa enjrentar esta orgallizar.:iio machista.
Aos nleliS pais, Delma e Custodio, ao melt companheiro Pedru e de
forma especial ao meu filho Artllr Ganesh, que IJascell a sell tempo, resisfindo,
vel1cel1do obstirculos e ,ran.iformando nossas vidas em essel1cia e exislel1cia.
Aos negros e negras do IPAD - instituto de
Pesquisa da Afro-descendcncia, que transformaram a
necessidade de formayao acerca das relavoes etnico-raciais
nesta experiencia coletiva.
INTRODUCAo
CAPiTULO 1
A LEI 10.639/03 COMO SiNTESE DA LUTA DO MOVIMENTO SOCIALNEGRO... . 11
CAPiTULO 2
REVlSAo DE LITERATURA2.1 A ESCOLA E SUA FUNCAo SOCIAL. 172.2 A INTERIORlZACAO DO RAC1SMONO PROCESSO DECONSCIENClA... . 232.3 FUNCAo SOCIAL DO lOGO 282.4 A RELACAO DOS JOGOS E A COSMOVlSAo .A.FRlCANA:COW·IECIMENTO VIVENCIADO, CORPOREIDADE ECOLETIVIDADE... ....32
CAPiTULO 3
A opcAO PELO METODO: METODOLOGIA AFRODESCENDENTE DEPESQUlSA... . 37
CAPiTULO 4
CONSTRUIR ADlVERSIDADE BRlNCANDO: 0 UNIVERSO DA PESQUISA. ...404.1 A EXPERIENCIA NA FORMACAo CONTINUADA .434.2 A EXPERIENCIA NA FORMAcAO INICIAL .47
CAPiTULO 5
CONSIDERAC;;OESFINAlS ... . 50
REFERENClAS 53
INTRODUCAO
o racismo inscreve-se numa sequencia de constru90es hist6rico-sociais,
podcndo seT compreendido como urn conjunto de opinioes pre-concebidas, sem
fi.mdamenta~ao cientifica, que hierarquiza as gropos bumanos em superiores e
inferiores, atribuindo esta ciassificayao a constituicao bio16gica (BENTO, 2002).
Esta ideoJogia de dominacao foi em diferentes momentos, utilizada para justificar
o processo de escraviza9ao.
Hist6rica e socialmente construido, 0 racismo permeia diferentes setares
da sociedade, fazendo-se presenlc, tam bern, no espayo escolar. Esta instituiyao por
sua vez, tanto pode atuar na manuteny..1o de preconceitos e privilegios, como
inscrever-se enquanto esfera de reflexao, denuncia e debate, estabelecendo
parceria com 0 movimento de avan~o e supera~ao das desigualdades raciais e
soeiais (CA VALLEfRO, 2006).
o racismo se faz semir de diferentes maneiras no ambiente escolar, desde
a discrimina~ao direta, exercida por meio de persegui~ao, piadas, xingamentos,
apelidos pejorativos e agressao fisica; passando pelo preconceito implicito nas
imagens e representa~6es; interpretac5es negativas que mantem 0 estereotipo que
vincula 0 negro ao marginal, ignorantc, violenlO, idcias presentes em livros
didfllicos, na lileratura e na midia, traduzindo·se em ultima instancia, no racismo
institucional, que percebe com naturalidadc a alta taxa de evasao escolar por parte
dos educandos arrodescendentesl
1 cr. Rosemoc'Tg(1985), Ncgri'io e Pinto (1990). Dazilli (1999), Sil\'a (2005). Souza (2006), 01iYeim (2006).Ca\'a11ciro(2006)
Focada neste contexto, a Lei 10.639/032, estabelece a obrigatoriedade do
eosino da Hisloria e Cultura Afro-Brasileira em todo 0 curriculo escolar, sendo
complementada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa~ao das
Rela~oes Etnico-Raciais e para 0 Eosino de Hist6ria e Cultura Afro-Brasileira e
Africana e, na esfera Estadual, pela Delibera~o 04/06. Tais documeotos
corroboram para desenvolver uma visiio positivada acerca da rermitica,
reconhecendo a contribuivao do povo negro no processo de constru~ao do Brasil.
Neste processo de resssignifica~o da presenQa da popuJavao negra
brasileira, no esforvo de valorizavao de sua contribuiyao para a matriz civilizat6ria
nacional e na edificavao de uma escola plural - que sendo multipla atenda a
totalidade da populayao e de forma particular contempie as diversidades - a
atuavao doslas profissionais da educat;ao e fundamenta1. Entretanto, muitos
desteslas educadoreslas3, formados com base 00 eurocentrismo4, argumentam que
ainda nao dispoem de subsidios teoricos e vivencias que Ihes permitam trabalhar a
tematica africana e afro-brasileira em sala de aula.
Nesta perspectiva, a Lei 10.639103 abriu urn leque de possibilidades para a
educa~ao. Assim, 0 desafio que se impoe a pnitica escolar e edificar uma
educacao que alenda ao conjunto da sociedade em sua totalidade e,
sirnultanearnente, contemple as singularidades presemes nas diversidades. Este,
porern, e urn desafio coletivo que pressupoe cornpromisso par parte dos
: Lei de autoria da ex Deput.lda Fcdeml Esth~r Grossi c do Dcputado Bern Hur, ambos do Partido dosTrnballL.1dorcs. AprcSClll<ldilem 1999, e fl!llletida 30 Scnado sornente err:.2002 c \·otada em 2003.
~ A partir de agora utilizarcm05 a exp;essiio no masculino. port:'1Il, conlemplaooo 0 gL:llcro fcminino.~ 0 CODCCltO de euroccntrislllo So? 'IDcula a wna esp.."eIC de doutrina que comprccndc a hist6ria dahumanidade 1] partir <1.1cxpcriertcia europeia, olllros gropes hummms, 5.10 de acardo com esta corrente depznsamenlo, perrehidos como cx6tic-os c ellcaraclas de runneim xenof6bica. Muitll$ VC"lCSeste conccito .:substituido pcln (,.oxprcss,:ioocidcntalismo. COUfOnllC CunhH Jr. (2006, p. 4) "[a)crcditnmos que 0 conf)ilomaior e dado pclo canit<:r geopoHtico cia fonllll):uo da sociccladc ocidellta\ NC5\a relayuo geopolitic:l, porseculos. AfriwnQS c Europeus, esSo em orosi~ao, send,l que os ultimos dubornm umn idcologif! dedomiwH;iio que dCllomiurnnos de CODstnl~o do ocidcntc t·
profissionais da educayao e participayao do corpo discente, num processo que
compreenda 0 educando como protagonista da construvao do conhecimento.
Este trabalho inscreve-se na buscR de estrau~giasde ayao que atendam as
necessidades vinculadas a pratica pedagogica dos educadores em sala de aula.
o primeiro capitulo tnis a Lei 10.639/03 como resultado da luta do
Movimento Social Negro, seodo compreendida num vasto contexto de rejeiyao, j:i
que para muitos, a questao etoico-racial, ainda e percebida como problema do
negro.
A revisao de literatura, constituj 0 segundo capitulo desla pesquisa ,
destacando a funyao social da escola, os discursos e curriculos, presentes nas
diferentes concepyoes de educac;;ao e de que maneira estas contemplam a
discussao acerca da tcm:itica diversidade. 0 t6pico seguinte trata da imeriorizayao
do racismo no processo de consciencia, para tanto, apropria-se de uma discussao
da psicanilJise que apresenta os avanc;;ose recuos que penneiam a consciencia
enquanto processo. Este capitulo conta ainda com 0 debate em torno da funyao
social do jogo e suas aplicac;;oessocio-escolares, apresentando urn subitem que
vincula os jogos a cosmovisao africana.
o terceiro capitulo trata da identidade e filiavao desre trabalho it
Metodologia Afrodescendente de Pesquisa, especificaodo de modo geral, os
principios e conceitos que 0 fundamentam.
A realizavao pnitica esta. detalhada no capitulo quatm. Ali esta exposto 0
universo da pesCJuisa,assim como as atividades Gogos e dinamicas) realizadas
com educadores da formav-aocontinuada e fom13yaoinicial
Finamente, temos no quinto capitulo, as impressoes finais e em seguida a
referencia bibliograficil.
10
CAPITULO I
A LEI 10.639/03 COMO SiNTESE DA LUTA DO MOVIMENTO SOCIAL
l\'EGRO
Conmnicaq-Jo [c] a co-participav:ao dos SujcilOS no .110 depensar (. ..) lela1 implica lUna rcciprocidadc que nao podc seTrompici.'l ( ... )comunica(ffio c di{llogo na medida em que roo ctransfcrcncia de &'lbcr, mas urn cnconlro de SujcilOSintcrlocutores que bU5Cama significacao dos significados.
Paulo Freire
Podemos vincular os esfOfctOSacerca da impJementavao da Lei 10.639/03 a
citayao de Paulo Freire com rclayao ao proccsso de comunicayao. Historicamente
a Lei 10.639/03 surge como resultado de decadas de reivindicayoes do
Movimento Social Negro, de forma particular a partir de 1970, quando em plena
Ditadura !\1.ilitar, 0 Movimento Negro produziu urn momento de efervcscencia e
avanyos.
A Lei em questao vern senda tratada como necessidade formal de se
atender a legislayao especifica, DaO a1canyando a real contTibuiyao da inseryao do
en sino de Cultura e Hisloria Africana e Afro-Brasileira, em todo curriculo escolar,
como possibilidade de emancipayao da sociedade brasileira, no sentido de
ressignificar a presenya da populayao negra no Brasil, restabelecendo assim, 0
5 Conccituulm::nh: ~ Diladurn Militar pod.:: ser cOlllpreeudida como urn regime politico autoriUirio em qu~ 0$
podcrcs lea~h1tivo, executivo e judiciinio estfio na.<;miio;; de lima -[mica pessoa ou gropo de pcssoas, quec.xen:CIIl estes podcrcs de nmneim abso!uta sobre toda a populm;['io. No Brasil, a Ditudurd Militar vigorou de1964 a 1985. periodo de extrenm \'iolencia e intolcr'illlcia nile somcnte polilic.(!, mas tamhem rdigiosa ecultural, yide pcrseguis:llo SOfriOll pelo camdomblc e pratic.'lnte;; de capoeim. 0 que denot..- •. em \'utimainst.'incia a cxistencia de uma ideologia de domimll;ao, que se jll';tificavu na prlitic.a a yiolfuIcia contraUlaIufC.5lao;5es culturais de matriz <lfricall!l
11
debate em torno da identidade nacional, da releitura do passado e das alternativas
de futuro, alem das transformaC;6es que ba muito urgem necessarias.
Ate 0 presente momenta, nao conse,guimos estabelecer uma dinamica de
comunicac;ao com relac;ao a implementavaa da Lei 10.639/03, pais se
considerarmos que comunicac;ao, confonne Paulo Freire (2001, p. 66) e "co-
participac;aa de Sujeitos no ato de pensar", pressupondo dialogo e nao
"transferencia de saber, mas urn encontro de Sujeitos interlocutores que buscam
signjficar os significados", a realidade escolar denuncia que a Lei nao tern sido
concebida como co-participaIf3o. Aqui retomamos tambem 0 problema exposto
par Carone (2006) que coloca as dificuldades econ6micas e sociais, assim como a
discriminay30 a que esta submetida a populaC;30 negra e afrodescendente, como
"problema do negro", a ser resolvido pelo proprio nebJfO, nao observando olegado
historico que gerou a atual configurayao da populayao brasileira no ambito geral e
de forma especial a do povo negro.
A supera<;:ao do racismo, assim como outras formas de discriminac;ao, tern
sido relegadas aos grupos diretamente atingidos, desconsiderando-se 0 carater
organico-funcional que rege a sociedade, em que urn fato interfere no todo, assim
como 0 todo interfere nas partes.
Corroborando com este raciocinio, Giannotti (2004), faz uma analogi a da
obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Scnzala6 com 0 atual momenta de
desenvolvimento da sociedade brasileir~ alegando que continuamos
estruturalmente organizados em Casa Grande, representada pelas elites, e
~ A principal critic<! a ohm de Gilberta Freyre esta 110 carMer amena que 0 autor imprime as reku;:oi!sescrmistas, dcsconsider:mdo a e:\",rema violCncia cs!rutural prCSi:nlC durant<: todo periodo escrilvocrata,atribuiudo aos cscrayizadores, lidos como "senhoR3" a func;lIo paternalDcstacamos "9ul 0 primc;ro inlclect\lul brasileiro " se debnHr~r sobr.;! " conlribuiriio dos "fricanos :lconstruryiio do Brasil. reconlle....-Unento reirindicado pda Lei 10.639/03 ej5 llllquele pt.">fiociofaziu-se ou\':irpeia\'OZ c pela escrita de Manuel Querina, mn llOmCfi1 negro, nascido em 1851, que fal<l\'fi com propricdade sobr~o tema, pois cOl1ljosamenie enfrclltava a caoa dia a fa!;c escramcrala do Brasil dtJ epoca
12
Sel1Zala, pelas classes populares, defendendo ainda, que esta cisao penneia
inclusive 0 campo da comunica~ao:
[, .. ] eSla injustir,:a secular, este espctaculo de desllmanidadc, se reneleem toda a vida de milhOcs de bmsileiros e brasilciras e,cspecil1camentc, na sun. linguagcm. Nossa sociedade conada em doisc a aplicw;;io, em lodos os SCI orcs, da divisfto secular do pais entre :l
Casa Grande e a Sen7.a.ia. Essa C II chave P:U<lemender 0 porquc dasf:lVclas, 0 porquc dos baixissimos s..'ll:irios, 0 porquc d1 imcnsaviolcncia existcntc. Chave pam sc cntcndcr a situar,:iio da saude, dacducar,:ao, enfim, a chavc-geml pam sc comprcellder a sociedadebrnsilcira. (GiANNOTTI, 2006 p. 16).
Giannotti observa que ex.iste uma forma de falar e entender 0 mundo,
desenvolvida singularmente pelos integrantes da Casa Grande, que nao e
compartilhada e compreendida pelos que comp5cm a Senzala, porque esta
cOlllunica~aa esta absalutamente vinculada a produ~aa material da vida e, da
mesma maneira, autra fonna diametralmeme diferente de falar e compreender 0
mundo, desenvolvida a partir do contato com a realidade existente oa Senzala.
Impartante frisar que, de fato, a materialidade da Casa Grande assim como
da Senzala, permanece presente na realidade socia-racial brasileira, por isso, a
oP'Yao pela analogia de Giannotti.
Sabemos que Freyre foi 0 primeiro aulor a deslocar 0 problema do
desenvolvimenlo brasileiro da biologia para a cultura, contribuindo para 0
reposicionando da discussao para 0 ambito social. Destacamos, porem, que sua
obra esta marcada pela ideologica brandura do sistema escravista, a ponto de
atribuir a potencial violencia exercida peJos dominadores a fim'Yao paternal.
A analogia apresentada denuncia como as praticas sociais baseadas na
logica escravagista, continuam prcsentes e permeando as relat;;oes da sociedade
contemporanea. Prova disso esta no fato de Gilberto Freyre, ainda hoje ser
considerada 0 kone intelectual que «melhor" retratou as relat;;oes sociais
13
estabelecidas no Brasil escravocrata. Para illlstrar este fa1O,salientamos a recente
ediyao, datada de 2005, da obra Caso Grande e Senzala em quadrinhos. Episodio
que demonstra 0 quanto a poplliayao brasileira apreendeu em sua consciencia
social a ilus6ria imagem de brandura do sistema escravista, talvez como forma de
apagar a culpa e desconsiderar a responsabilidade com todo processo.
Podemos c1assificar esta rcedi930 de Casa Grande c Senzala, no formato
quadrinhos, como uma tentativa de aproximar a obra ao publico infanto-juvenil e
mesmo de popularizar seu conteudo. A experiencia, porem, revela que as ideias
presenles neste livro encontram-se de fonna geral, interiorizadas e assimiladas,
por toda popula9ao, independente de seu pertencimento etnico-racial, indicando
que a noyao de "democracia racial" esta mais viva do que nunea. E as que ousam
discutir este axioma sao repudiados pela sociedade.
Sendo entendida por muitos gestores da educa9ao como simplesmente
mais uma legisia9ao, mais uma obrigac;;aoa ser comprida, a Lei 10.639/03
encontra uma bizarra impiementac;;ao.Que outra expiicayao para a adoc;ao da
tradicional obra de Gilberto Freyre, agora em quadrinhos. por diversas Secretarias
Estaduais e Municipais?
Somente lima profunda ignodincia, para nao dizer estrategia de ac;;ao,para
ressuscitar, agora para uma nova faixa etana. uma obra que subjuga a popuiaQao
afrodescendente ao inves de valoriza-Ia
Neste contexto, compreendemos a Lei 10.639/03 como uma reivindicayao
popular. de iniciativa do Movimento Social Negro e resultado de uma cultura
popular, lembrando que
rtl popular a culturd. quando C cOlllunicavcl ao POllO, isto C, quandosilas significm.;Ocs, valorcs ideais, obms. SIO dcstinadas cfc\ivamcntcao povo c respol1dcm 11Ssuas cxigcncias de rcalizayao hurnana em
14
determinada epoca, em suma a sua coltscicncia historica do real(FAVERO, 1983, p. 23).
Nesta configura~ao, a Lei confronta amplamente os interesses de uma elite
racista, macrusta e c1assista, que uruversaliza suas crenc;as e valores para 0
conjunto da sociedade. Desta maneira a Lei nao e compreendida nem aceita pelos
estratos superiores da sociedade ou por aquelcs quc apesar do pertencimcnto
social real, inscrevem-se e comungam das ideologias defendidas por estes grupos.
Refletindo acerca do significado da Lei 10639/03, utilizamos as palavras
de Favcro (1983) que situa socialmcnte a localizayao do conflito em questao: "[a]
significa9ao da cultura popular e precisamente entrar em temmo ideol6gica contra
uma dimensao de cultura de uma c1asse (polarizayao ideo16gica na afirmavao de
uma cultura contra outra)" (FA.VERO, 1983, p. 24).
Sabemos que a luta contra 0 racismo transcende as relac;oescapitalistas de
c1asse, embora muitos estudiosos da qucstao etnico-racial, tendem a situar 0
debate no ambito das relac;oes sociais, limitando suas reflexoes a urn inflexivel 1
insensivel materialismo hist6rico7 E 0 caso, por exemplo, de pesquisadores ja
renomados no que se refere ao estudo das reiay5es raciais no Brasil que,
recentemente, assinaram urn manifesto posicionando-se contra politicas
afirmativas instauradas no Brasil8
Esse quadro evidencia uma postura que difere contundentemente da
proposta aqui apresentada, par considerar que apesar de hoje a sociedade e, par
extensao, a escola (par ser objeto desta pesquisa) atuar na manutenc;ao de uma
, Este trnbalho se utiliw das aproximm,:oes epistcrnol6gicas e conceituais entre n disclIss;10 de classe e ra9ft,mas nllo percle de foco a critica possIve! a maioria dos intclcctu.1is maIXistas, que blim:L1lll SlllL<; \'erdadesclnssistas contra as reivindic.[u;Oes especificas presente !las diversidades.Reconheccmos que muitos avuU!;os foram nlcwH,:ados pela atum,i'!o deum fcrrcnho rnatcrialismo hiSl6rico emproi dos "1filbalhadon:.'s do mundo". Porem, duruntc sCculos os africanos e seus descend=:[lIe.<;foram "as maose pernas" da cstern produtiva bmsilcira, proonzinJo riqUCZllS que jamais puderam usufruir, llI..'ID no passado cmuitas vezcs nell fin atualidadc. Longe da org.aniw9ao e da proteyBo sindical, foram mais que expiorndos,foram animalizados, coisificados8Disponi\'cl cm <http://www.lpp-u..:.'Ij.nctloJpedfdocumcntosfI744.pdf>acessoem 14/0212009.
15
16gica excludente, naD s6 de classes, mas racial mente, acreditarnos que esta ultima
pode curnprir a sua funvao social que c possibilitar a pluralidade cultural, social e
etnica, criando urn tratamento pedagog1co positivado e cntico da diversidade
brasileira.
16
CAPiTULO 2
REVISAO DE LlTERATURA
2. I A ESCOLA E SUA FUNCAO SOClAL
Urn dos facos desta pesquisa questiona a escola enquanto espac;o de
transformavao e/Oll manutenyao da realidade socia-cultural, mas devemos nos
perguntar do que e constituida a escola, pais se nos limitarmos a analisar a escola
apenas em sua pon;;ao fisica nao cncontraremos as respostas para as quest6es que
ha muito estao pastas.
Nao descartamos a importancia de discutirmos materialmente a escola, ja
que as quest6es de infra-estmtura, assim como de remunerayao, nilmero de alunos
por sala, interferem diretamcnte no projeto de edUC3y80 e no perfil de cidadaos
que se quer formar. Neste momento, pon::m, interessa-nos desnudar a institui'Yao
escola enquanto palco de idcias antag6nicas, "ringue de luta" para diferentes
teorias e ideologias, cada qual com suas fiJiaQoes e interesses
Cabe-nos observar quais teorias sustentam as concepQoes acerca da funyao
da escola no seio da sociedade, para verificannos em que medida seus discursos
postulados e travestidos em curriculos, contemplam ou nao a construyao da
diversidade enquanto principio pedag6gico.
Para tanto, abordamos inicialmente a Pcdagogia Liberal, em sua tentativa
de juslificar 0 sistema capitalista de produyao, dando "nfase • defes. da liberdade
17
e interesses individuais, fortemente illfluenciada pelos principios da Revoluyao
Francesa. As tendencias fjliadas a esta Pedagogia podem ser c1assificadas como
Tradicional ou Conservadora; Escola Nova, contemplando sua rnanifestaC;8o
Diretiva e Nao Diretiva, e ainda a Tecrucista.
De acordo com estas tendencias temos respectivarnente sua defesa e sua
concepyao acerca do papel da escola, conforme indica Luciana Szenczuk (2005 et
ai, 2005, p. 44):
Tradicional ou ConscrvadoraConvcrter 0 sudito em c:idadiio que dominc a arte e a rct6rica;Tnmsmitir conhecimentos aeumu1ados pcla humanidadc;Realizar a prepara¢io mlclccillal c mornl dos individllos pam assumirsell lugar na sociedade:Ofertar 0 mesmo cmrnllho para todos, privilegialldo assim as camadasmais f:worecidas.Escolll Nova - Dircti\'lIEscola democriltica proclamada para todos;Valori:t_.ar 0 conhecimento qllc 0 aIlino tmz:Adequar;ao das neccssidades individuais .10 mdo social;Ajustamento social por meio de expericllcias, em que a escola deveretrnwn\'ida;Escola Nova - Nao Dircti\'3Preparar 0 individuo para dcscmpcnhar papeis sociais:Promovcr 0 auto dcsenvolvimetilo e prom0V<1o pessoal;Foco na forma~10 individual;Enfoquc no afrOllxamcnto das nOnD:lS discipl.in.'lTCS (auloridadcdisfar~ada, as fllll~OeS do professor e do aluno se confundem).TccnicistaAl1icula-sc com 0 sistcma produtivo para apcrfei~oamento do sistemacapitalista: pro\'C a forma~iio de individuos para 0 mcrcado detrabalho, de ncordo com as exigcncias da socicdadc industrial ctccnol6gica:Prcocupa-sc com os aspectos mcnsucivcis C observ:ivcis;P alnno e um scrbiol6gico-social:Funciona como modcladom do comportamento humano.
Continuando nossa amilise temos as mani restac;oes Reprodutivistas, ja que
para as autoras estas concepc;oes nao podem ser denominadas como Pedagogias,
pois "nao se apresentam como propostas pedag6gicas", argurnentando ainda que
"0 cariner reprodutivista da escola impede que ela seja diferente impossibilitando
uma proposla pedagogica vinculada a classe lrabalhadora" (IDEM, 2005, p. 47).
18
Desla fonna podemos considerar as seguintes vertentes: Teona do Sistema de
Ensino Enquanto Vioh~ncia Simb6lica, tendo como teoricos P. Bourdieu e J. C.
Passeron; Teoria do Sistema de Ensino Enquanto Aparelho Ideol6gico de Estado,
em que L.Althusser figura como principal pensador e por ultimo Teona da Escola
Dualista (aplld SZENCZUK e/ ai, 2005).
Para as pesquisadoras em destaque, a escola numa sociedade capitalista,
funciona como um instrumemo de discriminayao social, na medida ern que reforya
a dominayao e legitima a marginalizayao escolar e cultural, curnprindo neste
senti do urn papel essencia1 no processo de reproduyao do Capitaiismo.
Finalmente localizamos nesta discussao a Pedagogia Progressista,
sustentando a finalidade socio-politica da educayao, constituindo-se como
instrumento de luta dos professores, junto a outras pniticas sociais e fundament ada
na concepyao dialetica (SZENCZlJK, et ai, 2005). Apresentando as seguintes
tendencias: Libertaria, Libertadora e Hist6rico-Critica e de acordo com esta
cOITente a funyao da escola vincula-se a:
LTBERTARIADesenvolver mecanismos de mudan~ institucionais e no aiuno, combase na paI1:icipav;:logmpal, onde ocorrc a pr:itica de 10(1..1 "aprcndiz<lgcm;Excrccr uma trallsfonna¢io na pcrsonalidade do aluno, no sentidolibc.rtiIDoe autogestion;irio;Resistenciil contra a burocracia como instrumclIIo de ilr;<lodominadome controladora do Estado.LIBERT ADORAFornmr;iioda collsciencia politica do aluno pam aluar c transformar arcalicL1de;Problcmatiza~i"ioda rcali(bdc. das rclar;i5essociais do horncm com anutllrcza c ouU"OShOlllcns,vis::J.ndoa U"ansformayi"iosocial.RISTORICO-CR1TICAValorizar;ao da escola como espayo social rcsponsavcl pelaaproprim;ao do saber Imivcrsal;Socializa~ao do saber clabomdo :'Iscamadas populares, entendcndo aapropria~o critjca e hisl6rica do conhecimcnto enqmlnlOinstrulIlcntode comprccllsao da rea.lidadc social e al11<l(;;aOcOI.ica c dcmocr,iticapara" tr"llsfOfllli!,JO ue'li! reali<lade (SZENCZUK, [/ ai, 2005,p 50)
19
Nao e necessaria uma observat;:ao minueiosa para pereeber que a
Pedagogia Liberal, vigente no BrasiJ de forma geral ate 0 final da decada de 70,
deteetavel, porem, ate os dias atuais, nao contempla as questoes que dizem
respeito as diversidades apresentadas pela popula~ao. Ji nas manifeS1a~oes
Progressistas e possivel identificar a preocupacao com as discussoes referentes a
cJasse trabalhadora. sem, no entanto, abranger os inlercsscs e necessidades de
pareelas especificas da sociedadc como genero, rayaJetnia, religiao, etc.
Tomaz Tadeu da Silva (2004) condensa 0 debate acima, argumentando que
"uma tcoria define-se pelos conceitos que utiliza para conceber a 'realidade'"
(p.17, destaques do autor). Nesta perspectiva, 0 examc dos diferentes conceitos
revela as diversas Teorias do Curriculo que permeiam 0 pensar e 0 fazer escolar.
Assim para Silva (2004) as Teorias Tradicionais se conslituem de conceitos como
ensino, aprendizagem, avaliacao, melodologia, didatica, organizaCao,
planejamento, eficiencia e objetivos~ as Teorias Criticas estao repletas de
pensamentos como poder, reprodu~ao cultural e social, ideologia, cJasse social,
capitalismo, relacoes sociais de produ~ao, conscientizayao, emancipacao /
libertayao, cumculo oculto c rcsistencia; ja as Teorias P6s-criticas contemplam
quest5es como identidade / alteridade / difercnca, subjetividadc, significayao /
discurso, saber-poder, representa~ao, cultura, genero / ra~a / etnia / sex'Ualidadee
multiculturalismo.
o autor defende ainda que:
r...] as teorias Criticas dc curriculo. 30 dcslocar a cnfase dos conceitossimplesmente pcdagagicos de ensiJlo c aprcndizagem partl. osconceilOs de ideologia e poder. por c.xclllplo. nos pcrmitem vcr aeducaclio de uma nov,'} pcrspcctiva. Oa mcsm;1 forma, ao enfatizar0conccilOde discurso em vez do eonccito de ideologia, as teorias pas-
20
criticas de curricula efeluaram lll1loutTOimportante deslocamenlo nnnossa mallein!de concebcr 0 cuniculo (SILVA, 2004, p. 17).
Aqui adentramos a urn importante debate referente it escola e educayao: a
discussao de curriculo, entendido como uma quesHio de conhecimento,
dire(amente ligado it construyao da identidade, tambem uma quesHio de poder, ja
que "[p]rivilegiar urn tipo de conhecim~nto e uma opera~o de poder" (IDEM,
2004, p. 16).
A Lei 10.639103, porem nao pode ser compreendida como uma simples
adapta<;ao institucional, no sentido de atender a legisla<;ao vigente. Silva (2004)
argumenta que apenas a inc1usao das questoes etnico-raciais no curriculo na~
garante a construyao de uma educayao multicultural. Lembra tambem que:
A quest.-io da m~ e cia ctnia nao c simpiesmente urn "tematransversal": cle e uma questfio central de conhecimenlo, poder eidentidadc. 0 conhecimento sobre my<! e etnia incorporado nocuniculo nao pode seT sepamdo d:lquilo que as cri:rn~s e jovens setomardo como seres sociais (2004, p. 102, destaques do aUlar).
Conforme ja afirmado anteriormente, a escola que conhecemos e
concebida nos principios do pensamento liberal, da Revoluyao Francesa, com base
no individualismo, propriedade, igualdade e liberdade. Apesar de inicialmente
apresentar-se como instituiyao pensada e organizada para a c1asse dominanle, a
escola publica hoje, atende primordialmente as camadas populares, sendo
constituida por profissionais oriundos das classes trabalhadoras. Mesmo
constituindo-se e atendendo os filhos dos trabalhadores, a escola continua
assumindo, em larga escala, a ideologia dos grupos dominantes, sellS valores,
conceitos e preconceitos.
Considerando este conte>.'1o, precisamos descnvolver alternativas no
campo da comunicay8o, que sensibilizem a comunidade escolar, que promovam a
21
co-participa<;:aodos Sujeilos no processo de reflexao e cornbate a todos os tipos de
discrimina~ao, enfocando de forma particular 0 tema dcste trabalho de pesquisa, 0
racismo9 e a discrimina~ao raciallO
Por um lado, a comunica((ao pressupoc diilogo. troca de ideias, de
experiencias, formula((ao de conceitos, socializayao, por outro, a falta de
comunicayao contribui para a constfU((aOde preconceitosll e estere6tipos12
Pensando neste fen6meno procuramos uma configurayao que cumprisse a fum;:ao
da comunicayao, servindo ainda como eiemento de sensibiliz3<;:aOe socializayao.
Esta busca defrontou-se com a possibilidade dos jogos Judicos, ja que estes
promovem a construyao de relayoes. atuam como instrumentos de sociabiliza~ao e
interayao social positiva.
Aqui vale lembrar que somente as seres humanos podern estabelecer
rela((ao. Segundo Paulo Freire (2001, p. 39) , os homens constroem reiayoes com
o mundo e este relacionamento possibilita a desenvolvimento da postura critica,
9 Rcmelc a um conjllllO de teorias, cn::m'::ls e pr.ltic.1s que es1abclcce Ulna hicrurquia entre as n1't-'lS,consideradas C[ln10fenorncnos bioJ6gicos (IYtUNANGA, 20(4). Doutrina ou sistema politico fi.mdndo sobre 0din::ito de Urn...1 rnr;.a (considem(L'l purn ou sup...";or) dt! dominar Olltr.ls; ptcconecito extremado contraindh·iduos pertencentcs a lLma rn~ Oll ctnia ditcrente, ecralmente eonsidcradzi inferior. atitudc dc hostiJidadeem rclar;:iio a delcrruinada calcgoria de pesw~s. (MilllSITRIO DA EDUCA\:AO, 20OG)10Ar;ao, atitude, ou nI<miftSta'Yao contrd uIlla pessou u grupo de p:::ssoas em nwl0 de sua lTI.'Yllou ··cor·'. Adlscriminar;.i!o ucoutece quando 0 rncista cxtcmaliz~ SCli r~dsmo ou prcconceito e age de algumu fonna queprcJudic.1 uma pc5...«oa ou grupo (MULLER, 20056). De acordo com a com·cll'Yiio dr. ONU de 1996,disc:rimina'Yfto meial "signifiea qualqucr distim,iio, exc}usiio, restri'Yi'iou prcf •.:rcilcias bascadas em ra~, cor,dcscendencia ou origem nacionhl ou emicol, que tenha wmo objcto 011 cfeilo anular 011 restringir 0
rcconhccimento, 0 gozo ou eXi.:rdcios, em condir;oes de ig\lalcb.dc, dos dircitos lmmanos e hberdadc~fundamentais do dominic politico, social ou culmraL on em 0111rodominio do vidll plthlicn" (ONU aplld$ANT'ANA, 2(01). (J"v1Th.'lSTERlO DA EDUCA<;:AO, 20(6)1\0 preconccito C, principalml..'Ule, uma opiniilo que se coote antecipa<L1menle, a partir de infonmujo<:s acCTcade pessoas, grupos c sociedadcs, em ger.\\ infundadas ou blSC8dus em eS1.erc6tipos, que sc tI;ll\SfOllllilffi emJulg:m1cnto prc\'io, negativo. "Os prcconccil05 silo opinioes kvjanus c arbrtriirias, mas que nao surgcm rJ.olinda. Nern, ao conmirio do que Se po~ pI.'US3r. sao opiIriOes indi\iduais. Em gcrn.l, Jln'iCe da TCpetili'a:oirrdlctida de prejulgamentos que ja oU\imos anles mais de uma ,.(2. Fi.nalmentc a f~a de tUllt.1rcp<."'1i~ao,Icrmlnrunos por accita-los como ver<htdciros. E 0 rcpetimos scm scqucr nos preoC\lpanilos em ,-eriftcar 0qui!o ccrtns 5:10" (INSUJvro JNTERAMERICANO DE DlREITOS HUMANOS. 1995. P.l7)(MINISTEruO DA EDUCA<;AO, 2006)12 EstcreOtipos 530 opinioo prccoIlccbidas. difuflI.lid'ls Clltrc os elementos rJ.c lima co1c!i\'idaclC".WJlceilolUuito proximo dc pru;uHccito. &:mt'nil dcfmc c;)!cr~lipo wmo: wm tendencio it padronw!t;o, com ;1eliminayilo rJ.asqualidades imhvidua.is c das dlferal(;ll!', com a ausi!ncia total do C~l)irito eritico nas opinioess\lstcllwdas" (2004, p. 57) (IvfIN1STERJO DA EDUCA<;Ao, 2006)
22
da vivencia da pluralidade, da percep~ao das conseqOencias e da possibilidade da
transcendencia.
!iii unUl pluralidade nas rclar;6es do homcm com 0 IIlwldo, na medidaem que cste responde a ampla varied.:1de dos seus dcsalios. Em queml0 sc esgota 1l1lll1tipo padroni7..ado de resposta. A sua plumlid<lde ml0e sO em face dos difcrentcs dcsafios quc partCItl do sell contC:\10, mascm face de urn llIcsmo desafio. No jogo constante dc suas rcspoS1as,altera-sc no proprio ato de responder. Organiza-sc. Escolhe a melborresposta. TeS1a-sc. Age. Faz tudo isso com a ccnC7.,a de qucm usa umaferramema, 00111 a conseicncia de quem est:' diantc de algo que 0
dcsafia. f ... } A captay.-lo que fazem dos dados objctivos de suarcalidade, como dos lar;os quc prendem um dado ao outro, OLI Utll fata:1 outro, C 113turnlmcute crilic.1. [. ..} No aiD de disccrnir I...] sc aeha amiz da descoberL1 de sua lcmporalidade, que elc come!;a a fazerpreciS.1.111cnte qunndo, vlltando 0 tempo, de ccna fonna Cllmounidimensional, aUnge 0 onlem, reconhccc 0 hoje e descobre 0
amanhii (FREIRE, p. 39-41).
Portanto, os jogos podem ser concebidos como instrumentos capazes de
contribuir na constru~ao de relar;oes do ser humane com 0 mundo e com outros de
sua especie. lnteressa-nos acessar estas potencialidades que permitirao uma
sincera comunica~ao, entre pares, que se reconhecem herdeiros de uma dada
realidade, nao detemlinista, mas suscetivel as necessarias mudanyas que se fazem
urgentes.
2.2 A INTERJORlZA(:AO DO RACISMO NO PROCESSO DECONSCIENClA
A pratica do racismo esta estreitamente ligada a valores gerados e
aplicados pela sociedade. No Brasil, por exemplo, criou-se na consciencia e na
pnhica coletiva a falsa impressao, ou a no~ao ideological3 de que neste pais nao
13A ideoloaia oj 11mdos meios USo1.dospelos dominanlCS pard cxerccr a domiw:u;:iio, fazcndo com qU(! CSIa niioseja j>-'Tocbida como tal p!los domrnados (CHAm. 1981. p. g6). Neste tmbrrltlO a ideoluglil t wllccbidn nilpcrsJ)l:cti\'a da ullrog~neralil.a1tiio e do mnscl1ramcnto d1 sciedode pelo;;: objcth·os do gropo etmicamenledominantc.
23
existe racismo, crcn~a que sustenta a conccpyao de "'democracia racial" 14, que
mascara e dificulta 0 combate it discriminayao racial.
Detectada a dinamica de fonna~ao dos valores sociais no processo
hislorico, convem verificar como se desenrola 0 fenomeno da consciencia. Para
lanto, nos apropriamos de uma indica~ao que concebe a compreensao do mundo
con10 ponto de partida para 0 processo de desenvolvimento da consciencia (aplld
lASI, 1999)
Como vinculamos 0 fenomeno da consciencia a uma determinada visao de
mundo, podemos considerar que:
1...1 inicialmente, a conscicncia seria 0 processo de represcll1ac<10mcntal (subjcliva) de uma rcalid.1dc concrcta e cXlema (objetiva),fonnada neste momento, atravcs de seu vinculo de inser~,10 imediata(pcrccpeiJo). DilO de OUU';I .Ill2.Ilcira, uma rcal.irulde externa que seinterioriza (lASI, 1999, p. 23).
No casa do racisrno, interessa-nos buscar nao sua genese, pais demandaria
uma longa retrospectiva historica e sociol6gica, mas 0 movimento de sua
rnanuten~ao. Desta forma, ernpenhamo·nos em compreender 0 fen6meno da
consciencia, na perspectiva do avan~o desta nurn permanente processo, a esse
respeito, afirma lasi (1999):
Falamos em proccsso de conscicncia c rno upcnas conscicncia porquemio a COllccbcmos como lima cois."l que possa ser adquirida e que,porlanto, antes de sua posse, podcriamos supor um estado de "naoconsciencia". Assim como pam Marx, nao nos inlcrcssa 0 fcnomeno csuas leis cnquamo lem fonna definida, °mais importanle c a lei de suatransformay:.l0, de seu desenvolvimcnlo, as transi~Ocs de uma fonnapam outr.l. (p. 33, dcstaqucs do autor).
H [t]l1lnsfommt.;ao simulLiinca de relat.;5cs ra:;inis c de rcl:tt.;Oe:ido.:clasSC5. nns quais (os negrosJ se acilamenvol\'idos. Existem b.1rreiras socinis e. no lado delas. barrcU8S raciais nn Imn pcla conquista de "urn lugar nosol" c dn "condiyiio de gcntc". Muitm: aHmlllrn que 0 pre(ollceito de (or C um fellomello de class!! e que 110DIlI~il DaD c:-.istcm IxureinIs md9is. Tod(!\'ia, e;:;ws sc manif<St..'1lnde ,"arias modos c sao muito foncs.Aquclcs que conSt.,£uem \'anlT" as bam::iras sociais, quali[iC".ando-se como tecnicos ou como proGssioroislihcmis, logo sc dcfrontnrn com barrciras radais (fER.."N"ft.NDES, 1989, p. 22)
24
A interface da formayao da consciencia com 0 tema de pesquisa deste
trabalho, encontra-se num antigo proverbio arabe, que aflrma: IInia pessoa e JT1uiro
mais parecida com seu tempo do qlle com ,Ileus pr6prios pais, ou seja, somos de
forma ampla reflexo de nasso tempo e das reJayoes estabelecidas em nossa
coridiano e em detenninada organiznyiio social. Nosso questionamento a esse
propOsito, fundamenta-se em verificar como a crianya tern cantata com a pnitica
discriminat6ria e verificar ate que ponto esta coneepyao pode sofrer influencias,
pais como afinna lasi, a consciencia "nao 6" "ela se toma" (1999), passando por
urn processo de arnadurecimento, com avancos e reeuos, impulsiona por um
movimento que compreende etapas ja superadas, que pod em, por vezes,
apresemar elementos de fases anteriores.
Para 0 auror, a consciencia compreende quatro periodos essenciais: a
primeira fase denaminada de Aliel1ac;iio; 0 sef:,'Undo estagio conhecido como de
COl1sc;{mcia em Si; seguido do periodo classificado de COllsciel1cia
Revo/liciomiria e 0 uhimo movimento no processo de consciencia a Nova
COllscicncia. Este estudo foi concebido tendo como objeto a historia de vida de
militantes da esquerda brasileira.
Atendendo aos objetivos dc nossa pesquisa, pret.endemos verificar ate que
ponto os jogos Judicos, brincadeiras e dinamicas, cumprindo a fut19aO de
instrumentos pedag6gicos, podem contribuir no avan<;:o no processo de
consciencia, servi.ndo de base para 0 combate a toda fornla de discrimina98.0, de
forma particular discrimina9ao racial.
Para lasi, a consciencia e constituida a partir do contato com a realidade,
por meio da CaplQ(;ao de 11m concreto aparente, por considerar que a inser~ao do
rectm nascido no conjunto social, sc dft a partir de rciay6cs sociais pre~
25
estabelecidas. Ja que 0 novo sujeito nasee numa familia, cuja estrutura e secular e
esta organizayao nao se dispoe a reorganizar em fun~o da chegada do novo
membro; Limilado, pois circunscrito exc1usivamente pelo circulo familiar; Parle
do mov;mento, porque 0 recem nascido. nao tern a leitura de que a familia que 0
gerou e acolheu, e apenas urn modele de organizayao familiar e que em outras
experiencias humanas esta ordenayao se estrutura de diferentes maneiras (1999).
Assim. as caractcristicas apontadas. Ievam 0 individuo a tentar
compreender a totalidade do movimento. considerando apenas uma pequena parte,
o que constitui 0 processo de ultragelleraliza¢o.
Por conseguinte, conscicncia concebida enquanto
"interiorizas;ao das relaS;6esvividas pelos individuos" (IDEM, IBIDEM). Neste
movimento a familia e a primeira organizavao que coloca 0 individuo diante de
relaS;5essociais.)'
Logo ap6s 0 Ik"lscimcnlo,a crianva vive urna rase, que em lermospsicol6gicos C cllllmada de "pre-objctaJ"', oude nao distingue 0 queseria ela e 0 que mio seria Vern de nove meses de gestar;Jo onde seconfundia organic'clIncntc com 0 corpo da milc, percebe aindaprccariamcille 0 mundo como 11mcomplemclllo dc si mCSm:1. 0 sciomaterno C visto como parte da anatomia dc sell proprio corpo e, logo 0
hebe descobrc 0 llIcio de aciona~lo: 0 chom. NITopodemos direr neslemomento que a criallya tenha conscicncia, embora tcuba pcrce~csbasicas, uma vcz que por roo conceber algo que seja 0 outro, naoestabelece proprialllcnie uma "rela9<1o" SUliS acocs sao aindadcterrninadas mais pelo universo pulsioIl.:'l1C orgfmico do que social."(IDEM, IBIDEM, dcst:lqucs do aUlor).
A medida que se desenvolve a
crian<;3pcrcebe que uITopode controlar panc do que supOe ser suapropria analomia. Somcntc a partir da descobcna eta c.xistcnciade algoex1.ernoe que p.1ssa a fazcr scntido a noyiio de "eu". Dadas estascondiyOes.podcmos falarde umarela~o (lASt.. 1999, vcr p 15).
Nestas oondi¢es e que podernos afirmar que:
l~ Em lasi. a famHiacomo dctcmIinwyuodas relayoesprimci.ras a sen.'1TI vivcnciadaspclo individuoemfonna~uo, tnmbcm c dctcmlinada pelo cstil.:;;io hisl6rico em que se cncontm. sendo, portanto wnasubjcti\idadcji\cducada.
26
6")"/: . . . ~~ "E na intcrac:lo com 0 mundo cxtcmo que sc{2: ::: forma 0 psiquismo, a CSlrutur.l b<isica do universo subjctivo do- ,. 'i;'~_.\ individuo. Chcgamos .10 mlUldo munidos apcnas de nossa corpo.-~: •. ;,. :: orgunieo e de sellS in51i11105,ou itnpulsos basicos (0 que Freud chama~, .~~-7de ID: instinlos que sc originmll da organiL<I~1o som:ilica). A
ffJrfu; '!o.~~.:'Yvivencia <las rela~ na familia pennilc que imeriorize-sc eSlasrelat;Oesconstruindo 0 universo intcriorizado. (lASl, 1999, vcr p 16)
Os elementos apontados ate 0 presente momento possibilitam a
constituir;ao dos elementos que formarao e caracterizarao a primeira fase do
processo de consciencia. Vejamos:
./ A vivcncia de rela~ que ja cslavam precstabclccidas como rcalidadcdada;
./ A perccp!;iio da parte pclo lodo, onde 0 que c vivido particulanncnlcCOIllO uma realidadc ponmal loma-se "a realidadc'" (uJtra-gcneraliz:l9l'io);
vi' Por cstc IIlcc:<mismo as rclllr;6es vividas pcrdcm SCli car:iter hisI6rico e
cultural para tomarern-se NATURAlS, Jcvando it pcrccj)9.io de que"sempre foi assim c sewprc sera".
vi' A satisra9<10 das neressidadcs, seja da sobrcvivcncia ou do dcscjo, dcvcrcspcitar II forma e a ocasiiio que ml0 sao dcfinidos par qucm scotc, maspclo outro que lem 0 poder de dclcmlinar 0 qlJ.1ndo c 0 como;
vi' ESlas rela¢cs nao pcrmanccem cxtemas, mliS interiorizam-se comonormas, valorcs e padrocs de companamento, formando com 0SUPEREGO lim compollentc que 0 individuo ve como dclc, como autocobranya c 1\,'10 como uma c.xigcncia c:\1erna;
vi' Na luta entre a satisfa930 do desejo c a sobrcvivcncia rcprimc oudesloca sell desejo; (lASI, 1999, P 17)
Imponante frisar que 0 que fica registrado na experiencia do individuo,
nao sao propriamente as relacoes, mas as concepcOes, val ores, padr6es
comportamemais, ja que neste estagio rudimemar, tanto a constituic;ao do aparato
psiquico quanta uma concepr;ao de mundo, se dao simultancamente (IASl, 1999).
As relac6es interiorizadas pelo sujeito sao transmutadas em normas, utilizadas
como parametros em diferentes relayocs por meio da associayao.
A familia, porem, nao detem a exclusividade das relacoes socials e deve
ser percebida como urn elemento, como pane cornponente da estrutura social. 0
fato e que as primeiras relayoes vivenciadas no seio da organiza~ao familiar
funcionarao como modelo para as experiencias porvir na vida do individuo.
27
Reconhccemos que os sujeitos sao historicamente construidos, esta
concep~o esta presente no proverbio arabe. ja citado anteriormente.
Conhecimento que nao nos deixa fugir da realidade de que, a estrutura<=ao da
seciedade innuencia de forma delerminante na formatayao da mentaljdade
coletiva. Portanto, urna sociedade racista constitui individuos racistas.
A sociedade, porem, experimenta a essencia do processo dialetico, produz
diversas contradiyoes e novas sinteses. Nesta perspectiva, 0 joge e urn
instrumento que possibilitaria em tese, a vivencia de novas experiencias; 0 sentir-
se no lugar do outro e principalmente a possibilidade de conforme Orlick, em
produyao de Sanmartin, enquanto recreayao "continuamente criar a sociedade em
que se realiza" (MURCIA e Cols, 2005, p. 46).
2.3 FUN(:AO SOCIAL DO JOGO
Partindo do principio que 0 racismo 16 nao e algo inerente ao ser bumano,
ele e ensinado e aprendido. Prctendemos invertes a 16gica enos aiiarmos aos
jogos para a construyao da diversidade17. Concebemos 0 jogo como urn
impuisionador da aprendizagem, nao qualquer aprendizagem,. mas 0 relacionado
ao "desenvolvimento de valores sociais atraves das brincadeiras" (SANMARTiN,
2005, P 45).
l"Eixo cslnllurunte do si.'itema capitalista, comprecn.di.do como: Conjunto ideoJ6gioo de 'mores, idCias ccomportamenlos, historicanl(.llle constiruidos com 0 objetivo de promo,·cr a w\'isilo dos seres hllmanos em,grupos superiores (broncos) natuIalmcntc dcstinados n oondi~ii.o de dominadores e grupos inferiOIC:S (n1l"0br.uJcos' particul3Imentc 0 negro) ''biologicamentc'' dcstinados a condic,:ao de domirodos.17Nas palanfls de Sodrc, "A dj\·crsidade etn1ca-..cultW"O.I nos mostrn que os sujcitos soeiais, scndo hlst6ricos,sao tamix-m cullUmis. Essa con.statac,:1io indica que (: Ilecessfuio repen:ror a noS5:l cscoJa e os processos deforma"ao doccnle, rompendo com as praticas selcli\'<lS, fra~entadas. corpClmtivistas, scxisias e meistas aindacxislCIllcs" (2001, p. 218). (MlNISTERIO DA EDUCA<;AO, 2006). Tomaz Tadeo d3 Silvn, lcmbra que aDiversidnde: ••...150 rcsulludo de um proccsso relacional - hist6rico c discurssivo - de construy.1o ciadifcn:nlJ-U."(2004, p. 101)
28
Pois como afinna Sanmartin (1990, p. 46), "[j]ogar e 0 meio ideal para
uma aprendizagem social positiva, pois e natural, ativo e muito motivador [ ...]. As
brincadeiras envolvem de modo constante as pessoas nos processos de ayao,
rcayao, sensayao e experimentayao" Segundo 0 aUlOr, par meio das
brincadeiras os participantes sacm dos Iimites do presente para vivenciar
diferentes personagens e papcis sociais, alcanyados somente fora dos limites do
cotidiano.
A escola contemporiinca concorre com diferentes meios de comunicaeao,
aos quais os educandos esUio habitualmente expostos. Nossos cducandos tern
acesso a diversas fontes de entretenimento e informayao, neste contexto, a escola
e apenas urn apendice. Desta forma, entre os desafios postos a escola do seculo
XXI, esta a necessidade da elaboraeao de estrategias de educaeao que vinculem 0
conhecimento escolar aos interesses dos educandos. Portanto, os diferentes jogos
e dinamicas podem se constituir em instrumentos pedag6gicos, visto que
contemplam a necessidadc de 3r;aO / participay30 que motiva 0 corpo discente.
SANMARTiN (2005, p. 47) nos lembra que a briucadeira e sempre
expressiio e descobrimelllo de si me!J711Oe do mundo. Nesta perspectiva, os jogos e
a propria ludicidadel8, podem ser considerados motores de avaneo no proces50 de
consciencia e da transieao da consciencia de si para 5119 Os jOg05 podem
funcionar como elemento de criacao e recriacao de 5i e do mundo (Idem, p. 46),
considerando-se que a brincadeira e de maneira geral entrosamento de individuos,
IS 0 lildico tem su~ origem na pOlmTa latina "!udus" que qucr dlZCI "jogo~.Sc se aclmssc confinado a SU'lorigem. 0 termo ludico e:;:taria se rcfLTlndo [)j'l',;mtS no jogur, ao brinc-Ur, ao movimcnlo e~pontfincoAcomJXInha!ldo as pesquisas de psicomotricidmk do comportamento hUIll.!lIlO,a denominar;:iio "lUdico"transccndcu a simples rc1m;:iiocom 0 jogo c 0 brincar csponliinco e aka~ou (l csfern da.'l ntiv:idades cSSt.--nciaisda dinfllllica humar:a e do mundo culmral que d.1imkem.19 0 Processo de Consciencia ]lode ser compreentlido como 0 dcscmohimenlQ cia con sci en cia. CSta scndoconcehida como inlerprCI8!;:ao do mundo. llestc se:ntido e de m:ordo com Tasi. a consciencill parte de umaprimcirn fas.:: dcnominad.1 de AIi(!JIQf(io: 0 seg.undo estagio conhccido como de COlIsciclicia ('IIISi: scg:uidodo periodo classificado de COllsciencia RC'l'Ollfciow.a e 0 t'tltimo monmento no PiOceSSO de cOfl5(;irncia aN(JI'o COn";cicllcia. Estc cstlldo foi com:cbido tendo como obicto n hist6ri:l de \;d<l dc mihtantes cb csqucrdabrasilcim. .
29
instrumento de socializa~ao e comunica~ao de visoes de mundo, e esta rela~ao
pode abrir espaco para reflexoes e transformacoes.
o jogo vern sendo -utilizado no espa~o escolar como urn referencial no
processo de aprendizagem, de forma acentuada na inrancia, fase em que
predomina a vigencia da imaginayao e do faz de conta. Nesta fase da vida, grande
parte das relac;oes de aprendizagern sao mediadas por momentos Judicos, que
podem ser denominados de jogos.
Num ambito mais amplo, Augusto Boal vern desde a decada de 70
desenvolvendo, par rneio do TeatTOdo Oprimido, urn arsenal de jogos ludicos e
dramaticos, que servem como base de apoio a urn movirnento de empoderamenlO
dos sujeitos frente a cidadania. Esta experiencia, presente no Brasil, America
Latina e Europa, tem revelado resultados positivos e, alcauyando cada vez mais
adeptos.
Nesta modalidade de Teatro, os jogos cumprem a func;ao de preparar
pessoas para a lransformac;8o.Esta caractcristica permeia todo 0 processo criativo,
desde os rituais realizados para 3quecirnento fisico, vocal e ideol6gico, que
desafiarn os participantes a ousarem, enfrentar seus medos e dificuldades, ate 0
momento do espeta.culo propriamente dilO, em que ° publico e convidado 3
intervir no desfccho do enrcdo. Subversao e transformac;ao sao as palavras que
melhor definclll eSla pratica artistica-social.
Nas palavras de Boal:
Pam que se comprccnda bcm a Poetica do Oprimido de"e-se tersempre preseme SCIl principal objetivo: transfonnar 0 PO\·o."especlador", ser passi\'o no fcnomeno lC::llr'<lI, em sujeilo. em alOf,em tr.-msforntador £1.1 a¢io dram,itica. (...) 0 que a Poetica doOprimido prop&: c a propria aCiio!0 cspcctador nao dclega podercs.10 pcrsonagem pam que :lIne nem para que pense em sell lugar: aoCODut'uio, elc Illcsmo assume um papcl prowgonico, transfonna aa~ao dranllitiCil inicialmentc proposta, ensaiH solw;oes possivcis,debate projclos modificadores: em reS\lIl1O,0 especlador ensaia
30
prcparandcrsc para a a~o real. Par isso, cu crcio quc 0 tcatro nao ercvolucimcirio cm si mcsmo, mas ccrtamcnlc podc ser um cxcclcntc"casalo" da rcvolu~o. UIll CSpccladorIibcrado, um homcm intcgro,se lall¥! a uma ayao! Nao import••que scja ficticia: in/porta que elima afiio. (BOAL, 1988, p. l38)
Podemos local.izar discussees a respeito da importlincia dos jogos para 0
desenvolvimento da humanidade, tambem no campo das pesquisas hist6ricas.
Joban Huizinga,20 urn historiador holandes, definiu 0 homem como "0 ser que
brinca". Afirrna 0 autor: "'0 jogo e urn tra~ esseneial tal;ez 0 mats impartante
das sociedades humanas. Diferentemente dos outms animais que brincam, 0
hornem e 0 unieo que faz conscicntemente e durante tada a vida para obter
prazer." (HUJZlNGA, 1993, p. 19)
Corroborando com esta perspectiva LatInan.21 defende que 0 jogo jamais
se opee ao conhecimento, configurando-se como urn instrumento de aquisivao de
saberes e condutas. Acostumamo-nos a considerar 0 «Homo Sapiens" enquanto
ser social, Lotman, reconhecendo 0 valor positivo do jogo, denomina 0 ser
humane como "Homo Ludem''', pois para a aulor 0 jogo e urn fenomeno da esfera
cultural, perrneando toda a sociedade e devendo ser compreendido ern sua
perspectiva historica e nao estritamente cientifico.
Podernos afirmar que 0 fogo tnis em sua essencia a conduta )udica, aberta
as prapostas da imaginayao e do faz de conta e, lambcm uma postura pratica,
vinculada a necessidade de resolver 0 problema proposto. Jogar ou brincar
contempla tanto 0 caniter ludico. quanto 0 16gico, sem., porem, sofrer a dOnUnavao
da ultima instancia, e da interay30 destas duas esferas que 0 ser humane adentra
para "camadas" mais profundas do eu, produzindo novas vivencias. possibilidades
lOQ..all.1945), professor c historiador holnndes, conllerido por seilS IrnbnlllOs sabrI! a b:U.m Made Medin. aRefomla C 0 Renascimento. Cabc dl.'siacar aqui suapnncipnl contrihU1~o: 0 Homo Ludcns,~scritopor elenoanode 193811Semi6tica sovlclil.::1 de Iuri Lotman
31
e alternativas, que podem se ampliar para mudancas e chegar a significativas
transformayoes comportamentais.
Independente do jogo que se prop5e, os jogadores assumem regras e
estrategias, que sao assimiladas e continuam presentes em outros momentos do
cotidiano, orientando suas ac5es e decis6es. Entao, os jogos vinculados a
construcao da diversidade, cumprem a funvao educacional em urn determinado
espaco de aplicacao: a escola. E para al6m, permanecem presentes e atuando na
memoria e na expcriencia dos sujeitos.
2.4 A RELACAO DOS JOGOS E A COSMOVISAO AFRlCANA:CONlIEClMENTO VIVENCIADO,CORPOREIDADE, COLETIVIDADE
o presente trabalho fundamenta-se no esfor~o de reconhecimento e
valorizay3.o da cosmovisao africana e sua contribuicao no processo civilizat6rio
brasileiro.
Lembramos que esta cosmovisao de matriz africana, assume-se afro-
brasileira e expressa-se por meio de uma particular leitura de mundo.
Comprometida com a coletividade, a soJjdariedade, a fest a - como valor simbolico
e religioso ~ com 0 combate a toda e qualquer manifestacao de preconceito au
discriminay30 e, muito antes de se falar em sustentabilidade, com a reiacao
sustentaveJ com a nahlreZ3. Compreendemos que todos estes referenciais
expressam-se no plano cultural. Neste seniido, 0 corpo na cosmovisao africana
transcende 0 conceito fisico-material dcixando-se perm ear pelas construy6es
sociais e culturais, tamando-se por assim dizer territ6rio da cultura (OLIVEIRA,
2007). Tanto que os primeiros africanos que aqui chegaram, vitimados pelo
processo de escravizacao, desterritorializados de seu tempo, espaco e familia,
32
guardaram consigo suas lembranyas, suas mem6nas, guardaram sua Africa no
unico local posslvel, em seu corpo. 0 escravizador jamais conseguiu dominar
aquilo que 0 africano, mesmo preso e coisificado pelo contex10 social, tinha de
mais seu, 0 desejo de liberdadc, a fome de justiya e a ceJteza do movimento, dos
ritmos e da rnudanya.22
Nesta perspectiva a Fi16sofo e pesquisador Eduardo Oliveira afirma que:
" ... e preciso sempre partir de urn lugar. Partirnos do Jugar cultural africano que e
urn lugar desterritorializado. Pela diaspora negra e pela pr6pria aventura humana 0
lugar cultural africano tomou-se urn entre lugar." (2007, p.105). 0 autor continua
"0 entre-Iugar da cultura afrodescendente e 0 que perrnite a ela estar em todos os
lugares e ali jogar com suas possibilidades, que sao sempre possibilidades de
c0l1texl0." (2007, p. 105)"
Oliveira nos lembra que 0 corpo nao se descobre apenas pelo cerebra, mas
pelas possibilidades de percepvao oferecidas por este. E neste ponto que criarnos a
intersecyao necessaria a interface deste trabalho com as principios presentes na
21 Frnnz FanOH em Pek Neg.r.;!, Mascaras BrdIlcas., cx<.:mplifica estu relnr;:i"ioentre 0 eSCJ1lviz.;!do e 0escrayizador, por mcio <lll lilcruluJit.. rut flboli.,[lo da eseravatura 0 escrnvizador examinav.;! 0 ngom homemlivre, se:ntindo que uquele Ihe suulmia algwlla coisa, mns [lSsim como ns poc:,-ia de: Vinicius dt: Mom~,Openi.no em Constru~o, "0 que yia 0 operario 0 patr;'io nunca Ycria", rcfcrindo-sc a constnu,:iio materiaJ dasociedade e Ull prrx.:c£so de proJUi;:iiD. ESlava 6bvio para 0 negro li\Te que ele 1e"a\"a muitas coisasCXpcri<:Dcias,vin:ncias, todns alhcia ao CSCf/i\'izfldof. A grande duvida do escf[l"l'izador era justamcnlc andc ,;que cJe, 0 l1egro, guarclava tudo aquilo que elc estava lile .';UbtIUintiO.Comprccndcndu a wS1l1ovisao africam ..pcrc.ebcmoo que todas as riquczas produz.idas pela pop111a~iioufrodesc<'">{1denteestavam e estiio gnardadas,protegida.;; sem eS!ar trancafiadas, em seu corpo. .,3 A palavra Di(lspor.J. de acordo com a dcfini(,:ilo do dicionfuio Larousse - Atica (\"cr Aurelio, Wuae-is) rcferc-sc: a) a dispcrsJo cos judcus no dccorrcr dos sC;;ulos: b) dispcrsiio de lUllll etnia, de um povo atrnvcs domundo. Ne:>te C01lte"io a express.fto foi emjlf<!o>tadada ,·ivenciajudia. visando cxplicar a disp.."'TsJoaplicmia aeste }Jovo desdc Abrauo, lUll dos profetns judellS. Al~n da identidadc criada, 0 dccorrcr dos anos cuidou dedesenvoh·er uma identidade acerca do significado da palavra, resgalando a e:>.:periencia sofnda pelascomunidades judaicas anccstrais, criando aind~ 11mmonmcnio de rcssignifica9fio c nxria;-iiQ da.;; tradi~Oesdcse!wohidas em diferentes cultums, com os diferenfes povos.Na perspcctiva da diitSjlOr.J.,os armdes~endcnles tambclll sc cspalh.1mm por difcrer.tcs continentes, emdccorrcncia do proccsso de c,<'craviz4110, c it cxpressao '·diasporn africana'· passon a dcsignar 0 mO\'imCDlo der,;-sga\c e rcssignificm;50 dos principios a£ricanos. como cstra\cgia de sobrc~i\·encia e manut,;-nyii0 de Ja;;os deidC!ltidade entre as diferclltcs ctnias afii.cmms espalhadas ~lo murido.
33
cosmovisao africana. 0 corpo e condic;aopara nossa relac;.aocom 0 mundo e com
nossos pares, toda e qualquer experiencia passa pelo corpo, e mediada pelo corpo.
Vale resgatar aqui 0 esfonyoda construc;.aode uma pedagogia sedimentada
nos principios africanos e afro-brasileiros. Nesta perspecliva nao basta incluir de
forma aleatoria os conhecimentos de matriz africana no curricula escoJar, mas
buscar a construyao de alternativas que partam dos principios africanos.
Corrobora com esta defesa a proposta do professor Cunha Junior, acerca
de uma metodologia especifica que contemple as particularidades tecnicas e
culturais da matriz africana.
Seguindo eSla linha de pensamento, Oliveira nos lembra que 0 corpo na
cultura da referida matriz afrodescendenie pode ser compreendido sob tn!s
principios balizadores da cosmovisao africana: diversidade. integrac;ao e
ancestralidade: 1. A diversidade focalizando 0 respeito a multiplicidade das
experiencias, etnicas-culturais e politicas das diferentes comunidades; a
il1legrafiio respondendo pelo vinculo que liga a todos com a preocupac;ao com a
bern comum da comunidade, e a ansce.wralidade, concebida enquamo tradic;ao,
nas palavras do proprio Oliveira: "malha que sustenta todos esses principios
historicamente construidos" (2007, p.106), produzindo uma memoria coletiva e a
manutenc;.aodesla forma de pensar e sentir 0 mundo, que cristalizou-se em nossos
corpos, permeou a cullura cruzando seculos e oceanos (OLIVEIRA, 2007).
o autor em quesHio trabalha na perspectiva do corpo como potencia para
qualquer ato, neste sentido. filosofa-sc a partir do corpo e nao sobre 0 corpo. Esta
e nossa proposta ao utilizannos os jogos, partir do corpo para alcanyar novas
movimentos, a1temativas de sentir, ver, ouvir e pensar. Mover 0 corpo
vislumbrando movimentar a cultura. J3 que para Oliveira "0 carpo se faz na
34
multiplicidade dos eventos e dos fluxos que 0 atravessam (p. 106)", queremos
atravessar nossos corpos com a possibilidade de transcendencia, de ir al<.!nl do que
esta posto para nos e para a sociedade.
Os jogos poder perpassar !lOSSOS corpos abrindo espa~o para novos
sentidos, significados, construy6es, pois nassos corpos sao conseqOencias de
anterioridades, sao resistencia, sao integrac;:ao, pois condic;:ao para qualquer
reial'ilo (OLIVEIRA, 2007).
Considerando que:
"0 corpo c mais que uma memoria. Elc e lUnatrajetoria. Uma anterioridadc. Uma anccstralidade ... Tmta-sc de sc re-Cri.1T enquanto sc rccupem. Assim c 0 movimento do eorpo e ciacuhum. A cullum do COIpO nilo nos inlereSstl. Tral:l-sc, islo sim. depensar a cullum dcsdc 0 corpo, lrala-sc de lilosofar clcsdc 0 corpo,rillo sabre clc au contra ele."(2007, p. 107)
Outra contribuic;:ao acerca da tematica COrpO, numa perspecriva mais
proxima da cosmovisao africana. vem da antrop61oga e professora Nilma Lino
Gomes, na obra "Sem Perder a Raiz: Corpo e cabelo como simbolos da identidade
negra", com 0 autor Paulo Sergio do Carmo, ao apresentar um estudo introdut6rio
sabre 0 fil050fo frances Merleau-Ponty2,\ segundo Carma: "Hit no corpo
entrelac;:amento entre natureza e cuhura, pois os gestos mais simples, como um
sorriso de crianc;:a. a alegria, a tri5teza, etc., sao tanto naturais quanto culturais. 0
corpo deixa de ser urn 'mecanismo cego' ou a soma de seqliencias causais
independentes. Assim, nao ba, entao, horneOl-ern-si, mas homern em situa'tao.
Nesse sentido, 0 corpo nao tem um papel de passividade e inercia, mas sirn 0 de
colocar-nos em contato com 0 oulro e com 0 mundo." (CARMO, 2000, p. 81 -82)
(Gomes, 2007, p. 263)
;! Maurice Merleau-Ponty, fil6sofo feno1l1enologis[<J frallC~5 do sCcuJo XX, que considcro.ya 0 scr hwnallocomo principal eixo nn discllSs.'io a respeito elll prodw,iio do conllccimcnto, sendo (J conhecimt1lto produzidoveJns SCllS<19ikSda corporcidmk hunlUIIll.
35
As concep¢es de corpo apresentadas ate aqui rompem com a 16gica do
sistema capitalista, que atribui ao corpo a funyao: 1) de forya de trabalho,
fundamental ao processo produtivo; 2) objeto sexLlal, papel social legado
principal mente a mulher, que apresenta-se como mercadoria, no ambiente de
negociayao, onde tudo pode ser consumido e; tambem a prerrogativa de
reproduyao.
o carpo e a corporeidade sao concebidos na cosmovisao africana, como
busca da transcendencia do "status quo", no sentido de "estado atual das coisas",
neste sentido, 0 corpo e as diversas re\ayoes que pode estabelecer, podem produzir
novas vivencias, outras experiencias e aitemativas, abrindo espayo em ultima
instancia para as transfonnayoes que se fazem necessarias na esfera social, mas
que devem se enunciar em nossa pratica cotidiana e em nossa experiencia com 0
mundo.
36
CAPiTULO 3
A OPCAO PELA METODOLOGIA AFROI>ESCENDENTE DEPESQUISA
o presente trabalho fundamenta-se na Metodologia Afrodescendente de
Pesquisa, conceilo elaborado pelo Professor Doutor Henrique Cunha Junior, que
que compreende 0 metoda como" [... ] uma sistematizayao da perspectiva de
afastamento e de ruptura com 0 eurocentrismo" (2006)?5
o eurocentrismo pode seT compreendido de fomla geral, como uma
dctenninada vi sao de mundo que situa a Europa no centro constitutivo da
sociedade moderna. Esta construvao engendra urn racismo manifesto, ja que
eSlabelece uma rclavao hienirquica, a partir do padrao normativo europeu,
articulado de maneira universal por meio de preconceitos e discriminar;oes,
dirigidos a grupos humanos diversos do padrao eurocentrico - branco, urbano,
heterossexual, integrante do sistema de produ1(ao e consumo capitalista
A Metodologia AfTodescendente constitui essencialmeme a oposi1(ao a
16gica eurocentric~ deste modo, 0 autor utiliza-se do principio diversialisla, que
contempla a pluralidade cultural e a valorizayao da matriz africana. Cunha
entende 0 racismo como eixo articulador de um processo de dominayao,
extremamente funcional ao sistema capitalista em sua manurcn1(ao da
desigualdade social (CUNHA JR., 2006)
:-< 0 conceit!) di! eurocentriSIIlo se vincula a uma csp&;ie de doutrina que comprccllde n hiSI6rin dahumanid.1dc a pmtir tla expcriC:lcia curopcia, oulros grupo::t hlLilnn03. s.10 de (lcordo com csta corrente d:::pcm:amenlo, pl"fCehidos como cXliticos c encamdas de mnncim xenof6bica. Mtrita5 \,cZCS cste cone<:ilO ~,substituido pela cxpre:<:.~o ocidenlalismo. Conformc Cunhll Jr_ (2006. p. 4) "[aJtredit.l1UOS que 0 ~nflitommor e dado pclo earitter g~politico da forma~fio da sociedade ocident.11. Nesta rel!l~50 geopolihca. perstelilos. Africanos c Europcus, esrno em opo~i<riio, scudo quo: os tlllimos clubomm uma ideolo~ia dedominaviio que dcnominamo~ de coDstmyiio do ociu..:-nt<!."
37
Opondo pesquisas aeerca da temil.tica, que empregam 0 conceito de
racismo enquanto categoria universal, 0 pesquisador trabalha na perspectiva do
racisl1IO anli-negro, por considerar que:
C.. ) laJ uni,·crsalidade da calcgoria le"aa lima dcfinivcl0 dc rncismo rcslriln .lOS preconccilos e adiscri.Jnina~Jl0,no uni"erso das rcla~Ocsintcrpcssoais. Esln dcfinir;-c1oiguala rnciSIIlOaos prcconccilos SC:"ll:lisenos dos usos c costumes.Desla fonnn racismo nao lem rclaif<iodireta, apenas indireta com osproblemas estrunuais clasocicdade. Nesta der.n.i~o de racismos estenfio lem carater institucional e nem sistematico lIa sociedade.RaCiSIllOanti-negro "islo COIllOprocesso de domina~ao procura ainc1uSll0das relat;OcseSlrulurais da socicd.lde. (CUNHA JR, 2006)
Esta nova modalidade de pesquisa compreende que "todos os seres e todos
os ambiellles tern conhecimento", sendo assim, .• [0] conhecimento nao precisa ser
produto da sistematizayao cientifica para ser compreendido como conhecimento"
(CUHA JR., 2006, p.6). Pais, "[tlrata-se do processo da produ,ao de conceitos e
de metodologias dentro de urn projeto cientifico de expressao das
afrodescendencias com a finalidade de mudanca das reiayoes sociais brasileiras"
(CUNHA JR., 2006, p. I)
Este trabalho se justifica peia necessidade de criayao de tratamentos
pedag6gicos paras as quest6es etnico-raciais e referentes it diversidade. Aqui vale
urn pressuposto fundamental da Hist6ria, enquanto ciencia: 0 conhecimento
elaborado tern que servir de base para a trans formacao.
Cunha vai alcm, propondo uma rnudan~ de caniter dialetico. Desta [onna,
"[0] pesquisador se reconhece na pesquisa, como tambem se modifica durante a
pesquisa devido aos novos conhecimentos" (ClJJ\1fI~1\ JR. 2006, p. 8)
Dianle dest.a identidade com a metodologia em dcstaque, esta pesquisadora
se auto-decJara mulher, negra e educadora. Tres condivoes necessarias, alias,
essenciais a realiza<;ao des!e trabalho nos moldes da fundamemar;ao
38
afrodescendente. Pois como educadora, sabe das dificuldades e dos emhates
travados no espayo escolar em prol de uma educavao plural e abertamente anti-
racista; como mulher negra, sabe-se no extrema mais discriminado da sociedade,
sentindo-se constantemente desafiada a continuar lutando; e ainda, como
estudante negra, recorda-se como recorrente alvo das "brincadeiras", piadas e
apeJidos pejorativos, que rnarcam a memoria e a identidade de nossos educandos
negros
Considerando estas circunstancias, nenhum outro metodo de trabalho
permitiria a esta pesquisadora, desenvolver urn trabalho com 0 conteudo e as
caracteristicas aqui aprcsentados.
Nesta perspectiva, os jogos como estrategias de discussao e tratamemo da
questao etnico-racial e da diversidade no espayo escolar, vern propor vivencias
que sirvam de base para 0 enfTcntarnento do radsmo anti-negro. Atraves de
experiencias diferenciadas que permitam 0 conhecimento da cullura de matriz
africana e a produvao de novos saberes edificados na pluralidade cultural e no
respeito multirracial.
39
CAPiTULO 4
A OPCAO PELA METODOLOGlA AFRODESCENDENTE DEPESQUlSA
o numero total de participantes desta pesquisa e de 100 pessoas, senda
divididos em dais grupos, de acordo com sua fonnayao. Assim, 0 primeiro grupo
foi constituido de 40 integrantes da formacao continuada e, 0 segundo gropo
contou com 60 estudantes da formayao inicial.
Os 40 educadores, entre homens e mulheres, da formacao continuada,
cram todes professores da Rede Estadual de Educayao do Parana, participando de
urn evento organizado par esta Secretaria de Educayao.26 A oficina, realizada nos
dias 14 e 15 de junho de 2008, reuniram-se no municipio de Paranagua, em duas
oficinas de 8 haras, com publico de 20 pessoas por grupo, com 0 objetivo de
discutir a implementacao da Lei 10,639/03, pclaja referida Secrelaria.
Os QuIros 60 participantes - em suas absoluta maioria mulhcres, contando
com a presenca de apenas dois homens - sao estudantes do Curso de FOImac;;ao -
Anos Inieiais, do Instituto de Educacao do Parana Erasrno Piloto.
Duas ofieinas foram efetivadas, na primeira quinzena de maio de 2009,
ambas eontando com 30 pessoas em eada grupo.
26 Os relalos aqui aprescnlados, assim como. as experiencias ,ivenciadas. n1io dc\·em ser considcradas emsell car.l.!er illstilllcionlll, R'Presentundo a vislio tb Secrclmill de Erudo da Educas:ilo do PaJan.'i. mas comC'obje!o de anfilise desia J)(!.'~quisadorn, alias, ~mo considcrn~oes de uma educadora compromctidn com (Isupcms:iIo de qualqucr forma de discrimillllro:iio. que, porC!ll, l1acpoca prestava scnis:o nesta Sccrctaria
40
o cotidiano revela que as dificuldades em tralar a quesHio etnico-racial em
sala de aula, vao muito alem da falta de preparo dos profissionais da educac;ao em
sua forma<,:ao inicial ou continuada. As resistc.ncias em trabalhar estas discuss6es
no espac;o escolar passam pela cren<,:a no mito da democracia racial, que nao
admite 0 Brasil como urn pais racista. Seguindo esta 16gica urn Estado "nao"
declaradamente racista, nao constitui individuos preconceituosos. Esta concepc;ao
nao permile aos educadores perceber a discriminac;ao racial agindo ern suas
classes, ern suas mais variadas manifestac;oes, desde as brincadeiras, piadas e
apelidos, passando pel a ausencia no material didatico, ate a agressao fisica
propriamente dita. (CA VALLEIRO, 2007)
Nas oficinas executadas, parte considenivel dos participantes, de inicio,
rejeitou a discussao. Justamenle por nao admitir a ideologia de domina<,:ao racial
que rege as relaC;5es sociais brasileiras. Estes sujeitos estao de tal forma
impregnados pel a ilusao da harmonia, que percebem a denuncia do racismo como
uma of ens a pessoal. Esta postura inviabiliza qualquer tentativa de debate acerca
da questao etnico-racial. Ha aqui uma inversao ideol6gica de situayoes, desla
forma a discussao do assunto originaria a discriminac;ao e nao 0 contrario, oode 0
racismo e suas conseqQcncias se fazem b'litantes, ainda que silenciosos, gerando a
necessidade de aC;ao com vistas a superayao.
Excmplo do descrito acima, foi a atirude de uma professora, que ja no
momenta da apresentac;ao, argumentava que nao via necessidade da ex.islcncia da
Lei 10.639/03, pois seus alunos nao eram racislas, sua escola nao apresenrava
ncnhum tra¥o discriminat6rio e que ela enquanto profissional tratava igualmente a
lodos, sem maiores distinc;oes. Sua fala foi carrcgada de violcncia, como se
estivesse se Justificando por algo
41
Mesmo para a produf;ao intelectual brasiieira, nao e interessante desnudar
o fenomeno da branquidade como "locus de privih~gios, poder e ideologia"
(G[ROUX, 1999). Partindo desta perspectiva a acJamada neutralidade cientifica
cai por terra, ja que no Brasil ainda nao se elaborou a analise do discurso da
branquidade como uma "constrwyao social. cultural e historica" (GIROux. 1999),
ainda vivenciamos a naturalizayao das desigualdades sociais na es[era das
individualidades, sem a percepyao das relayoes sociais e raciais que detenninam
papeis e lugares sociais, de acordo com 0 pcrtencimcnto racial.
A reavao dos profissionais da educayao, casa perfeitamcnte com a
dcfiniyao que Giroux utilizou para c1assificar a relayoes raciais norte americanas
na decada de 90, periodo em que as politicas afirmativas ja haviam se estabelecido
e mostravam resultados. Neste contexto a populayao ranya none americana se
auto definia como "viti rna de urn preconceito racial reverso" (GIROUX:, 1999).
A argumentayao de uma professora enuncia muito bern esta situavao Ja
que part.icularmente ele nao apresentava nenhuma objevao as politicas
compensat6rias, ate que urn dia. de acordo com sua fala: _ "teve seu direito
prejudicado pela s cotas". Esta professora conta que apesar de ter sido c1assificada
num concurso publico, teve sua vaga ocupada par urn calista negro e a partir dai
posicionou-se contra as politicas afirmativas, pois de acordo com sua
argumentavao todos deveriam merecer 0 mesmo tratamento.
Neste sentido, a populayao branca brasileira, nao se percebe enquanto
delcnlora de privilegios pelo simples fato de pcrtencer ao gropo etnicamente
dominante e neste sentido que a politica de ayoes afirmativa e duramente rebatida,
42
pois estaria beneficiando injustamente uma parcela da populayao em detrimento
"maioria".27
A experiencia tern demonstrado que trabalhar a questao etnico-racial,
assim como a africanidade e 0 combate ao racismo, exige alem de conhecimento,
uma seduyao.28 propria dos saberes de matriz africana. Neste sentido os jogos, as
dinarnicas e a ludicidade inscrevem-se na tarefa de desenvolver uma corporeidade
especifica que possibilile vivencias, transcendencia de padroes preestabe!ecidos e
o resgate da festa enquanto vaJor simb6lico. Por isso, durante todo 0 processo a
discussao continua sendo politica, comprornetida, porcm, replela de seduyao, da
alegria de abrir os olhos para 0 novo, da satisfayao de olhar 0 outro com os olhos
"dele/dela" e nao pelos "preconceitos nossos de cada dia".
A pesquisa nos possibilitou a percepyao, de que 0 debate quanto Ii tematica
em questao, deveria contar com uma preliminar constituida por dinamicas e/ou
jogos, que desarmasse ou ao menos diminuisse 0 nive! de rejeiyao, a urn ponto
que tornasse viavel 0 trabalho.
4.1 A EXPERUtNCIA NA FORMACAO CONTlNUADA
Os panicipantes sao convidados a abstrair seus conhecimentos a respeito
da realidade social e coletivamente reconstruir estas reiayoes sociais, panindo da
~~ Apa\nYrl'l tnaiorill vem sc£uidn de aspas, pois u popula~ao hr.:u.JC.<lja n1\o n:presenta a maior pane dapopula~~o, 0 C<."1lSOdo mOE re.llizado em 2UOO, reyci<l que a poptJ!m;50 negra (pn:tos + pardos) represclllilaproxinmdamente 46% da popuku;50, a c",te nUmcro devano;; ncrcscel1t:1f laml,em n popula~!;o illdigen:l cnsiallcn280 dicion:irio Aur..!lio, descrcve 0 vcrbo $f'dll=ircomo: "I. IncliuaT unificiosamel\tC P.1H1 0 m,tl OU para 0erro: de:oe:ncmninhar:· Nosso objcti\·o 010 milizar a pala ••..ra e promon::r uma suh,·ers:l0. jil que cs\.1mos 1.000Sseduzidos peln verd.1dc eu!uccntrica I ocid"'ltaJ, peln 16f!.icado pcn,lmento imico.A seduyilo, necess.:iria ao trntx1lllC etnico-rncial, I.! aquda jlrOXlllU! ans griols, que com suns hist6rii1..",cncantnm, alrncm, apaixollam, scnsibiliz.lm, tran;;milcm algo tEo vo.l105O, que 0 dinheiro jnmnis podem pagnr,o conhccimcDlo, \i\-et\cilldo e claborado po~ no~o;; nl11epassatlos. Por mdo de S\UlSpala ••..ras. tomaro-Dospane de lUll circu!o, de urna nlinm;:a. que lIlle os que uqui e.<;\;We os que ha muilo partirnrn, scm, poTem.dcixarde nos acompanbar. Fnzent-no:; elo da comunidndc. ciamtiltipin U1tidadc que e <1humanidndc
43
analise individual de alguns sujeitos, dentro da estrutura social. Nas experiencias
realizadas ate 0 presente momenta, os grupos, neste momenta, agem como urnjuri
simulado, com defesas e dentillcias acaloradas na definic;aoda estnltura sociaL Os
participantes sao instigadas a faiaT, a camper a analise, que encaminha-se para
seguinte construc;ao:
Sistema de PraducaoCapitalista
Relas:oes de GeneraPatriarcais - Machistas
as sociais
Seguindo este contexto a sociedade esta organizada em diferentes pilares
de dominac;ao, e estes pilares posicionam e c1assificam os individuos de acorde
com seus pencncimentos sociais. Desta fenna temos: a estrutura social, os
per1encimentos identitatios e algumas possibilidades.
Estrutura Social
Capitalista I Machista I Racista'"
Personagens Possiveis
Patr6es 1 Homens I SrancosTrabalhadores I Mulheres I Negras
'-mportante frisar que as reJac;5es sociais definidas pelo sistema capiralista,
nao nos permite uma co-existencia harmonica, mas uma sobrevivencia dualisla,
:9 Aqui friS:tnlOS a difert':!l'rR e,istent.:! el.ltre prCC01lceitos gerais. que cllg.iobam n discrimina<;:ilo a obcsos.homa"ssc~\:l.L.li;;. ponadores de dcficiencias. etc_. c 0 rnrismo especificamcutc anti-llegro, que e historloo csoeiaimcntc difcrcntc do racismo anti-scnutn ou 1I1lti-nsi,itico.
44
opondo-nos enquanto diferentes e hierarquicamente c1assificados. Logo, teriamos
a ser:,ruime estrutura:
Estrutura SocialCa italista Machista Racista
Persona ens PossiveisPatr6es X Trabalhadores Homens X Mulheres Brancos X Ne ros
Con forme esta construc;ao, 0 grupo e convidado a refletir sobre qual °tratamento destinado a algumas combinac;6es de pertencimentos. Por exemplo,
uma sociedade Capitalista., Machista e Racista. Como urn individuo patrao,
homem, branco, e c1assificado e tratado peJa sociedade?
Compreendendo que numa sociedade Capitalista os Patr6es ocupam uma
posic;ao de domina~ao ern re\agao aos trabalhadores; em lima organizac;ao
Machista os homens subordinam as mulheres; e numa estruturayao racista a
populayao branca usufrui de privi\egios em detrimemo da popuJayao negra.
Neste contexto qual 0 tratamento destinado a uma trabalhadora, mulher,
branca? A um trabalhador, homem, negro e a uma trabalhadora, l11ulher, negra?
Con forme a combinar;:3o, podemos atribuir a cada item convergente com 0
padrao social estabelecido, urn sinal positivo e, para cada item divergente do
modelo vigente, urn sinal negativo. De acordo com esta c\assificar;:ao Lemos a
seguimc visualizar;:ao, para as combinac;oes propostas:
Estrutura Social TratamentoDestinado
Capitalista Machista RacistaPatrao Homem Branco +++
Trabalhadar Homem Branco -++Trabalhadar Homem Neara -+-Trabalhadara Mulher Branca --+Trabalhadara Mulher Neara ---
45
Por se tratar de urn pllbl.ico adulto, nesta atividade, utilizamos uma
dinamica de grupo, com 0 mesmo objetivo do jogo: criaT urn clima descontraido;
unificar 0 grupo em torno do trabalho, independente de suas collvicvoes; provocar
a panicipavao; desenvolver a consciencia critica.
Este quadro foi desenvolvido no intuito de proporcionar uma discussao
participativa, que compreenda os integrantcs como sujeitos da conslruvao do
conhecimento, contrapondo ao mon610go solitario que centraliza no expositor a
responsabilidade pelo sllcesso da cOlllunicayao,onde os integrantes do grupo sao
tratados como meres espectadores.
Procuramos tambcm desconstruir a perccpvao de que 0 desafio impasto it
necessidade de politicas afirmativas e it SUperayaOdo racismo e social,
caracterizando cada esfera com suas respectivas particularidades. A constrUl;:aoe
analise do quadro pemlitem, ainda que simplificada, uma visualizayao, da
eSlrutura social, mostrando seus diferentes segmentos, assim como algumas
combinayoes de pertencimentos identitarios. Esta observavao possibilita ao
participante a nOyaOde que nao basta resolver sornente 0 problema na esfera
economica, pois restam outras camadas it espera de respostas. Agui impera a
enfogue diversialista, presente na rnetodologia afrodcscendcnte de pcsquisa. Os
envolvidos na dinamica podem confirmar que as "solu~6es" universalistas sao
incapazes de solucionar os obstaculos de caratcr especifico, pois abrangendo a
"totalidadc" estas respostas - por imposiyocs logisticas au dcliberada astUcia -
perdem a capilaridade fundamental it permeabilidade das partes.
46
4.2 A EXPERIENCIA NA FORMA<;:AO INICIAL
Nesta etapa agrupamos duas dinarnicas, que detalhamos a seguir:
Num primeiro momento 0 grupo e orientado a ocupar 0
espayO, seguindo 0 ritmo de uma musica, ou de urn instrumento musical,
ern seguida os participantes sao convidados a cscolher uma figura
geometrica que se encontra disponivel na sala, sempre fOfmando dupias.
Assim que cada pessoa escolhe uma figura, damas inicia ao baile, em que
cada figura geometrica deve procurar seu par. Formadas as dupIas, os
integrantes sao desafiados a superar urn desafio. Aqui iniciamos 0 sC,bTUndo
jogo.
Todas as duplas recebem uma falha de jornal e sao
orientadas a subir na falha, delimitando seu espaco na sala. 0 desafio
consiste em virar a folha, respeitando alguns criterios: Os dois inlcgrantes
da dupla devem virar a folha sem sair de cima do jomal, no momento em
que a folha sera virada; esla nao deve ser rasgada, ou amassada, A unica
forma de resolver 0 desafio e comando com a colabora9fio de outra dupla,
assim uma dupla passa para 0 jomal da dupla vizinha, vira a sua folha,
depois volta para a folha virada dando a oportunidade para a outra dupla
resolver a tarera.
A resolu9aO do desafio s6 e possivel com a colabora9ao de ouiros
participantes, ou seja, a resposta para esta questao e colctiva. Para tanto, os
panicipantes devem se propor e pedir e a oferecer ajuda a oulros integranles. No
final do jogo, revel amos que aquclas figuras gcometricas representavam, na
47
verdade, personagens marginalizados da sociedade (negros, hornossexuais,
ponadores de I-IJV, etc).
A primeira reayaO dos jogadores e repudiar 0 personagem que
rcprescntavam, numa declarada atitude de ndicularizagao de segmentos excluidos
da sociedade. Em urn dos quatro grupos em que a dinamica foi realizada, a dupla
que represenlava as personagens negras, na~ comprcendia porque 0 negro estava
ali coiocado, ja que estes nao sofriam preconceito, diferente dos homossexuais
que eram alvos de discriminayao. Percebemos aqui, a minimizayao do problema
racial, atribuindo ao preconceito a fTagmentayao de sociedade em diferentes
grupos tambem discriminados. Nesta pcrspectiva 0 racismo e somente mais urn
preconceito, diluido no mar de preconceitos que constitui a experiencia humana.
Urn dos integrantes do grupo chegou a argumentar que 0 negro era 0 "menos pi~r"
e na~ deveria ser inserido enquanto personagem. Esta fala foi seguida da
afirmayao, "na verdadc, 0 negro se auto discrimin~ 0 preconeeito esta na eabe~a
dele"
Porem, quando 0 gropo foi indagado se pediria ajuda a urn negro, para
resolver quaJquer problema, a resposta foi massiva: nao! E os motivos foram os
mais diversos, "os negros sao mal encarados"; "sao pcssoas que nao possuem
muita cultura" e "nao tenho 0 habito"
Todos os elementos apresentados pelo grupo, fundamentaram uma rica
diseussao aeerea de estere6tipos, preconceito, discriminavao, racismo anti-negro e
racismo institucional. Neste jogo, ao contrano do realizado no grupo da forma.:;:ao
continuada, a estrategia foi trabalhar com difercmes preconceitos c provocar 0
senso comum.
48
o diferencial no debate estit na forma de participayao, ja que todos
falavam de uma experiencia vivenciada coletivameme, estao instigados a
participar, mesmo falando sobre urn lema bastante complexo.
49
CAPiTULO 5
CONSIDERAcOES FINAlS
Pod cmos afirmar que a forma~ao inicial raramentc contempla a discussao
acerca da diversidade cuirurai c da questao etoico-racial presentes no espac;o
escolar. Desta forma, existe a demand a por parte des profissionais da educac;ao,
rcfcrentc it falta de formac;ao e rccursos para tTabalhar a questao etmco-racial em
sala de aula.
Mesilla reconhccendo e considerando as esforc;os de diferentes setares do
Estado como - Secrelaria Especial de PoHticas de Promoyao da 19uaJdade Racial I
SEPPIR; Secretaria de Educac;:ao Continuada, Alfabetizav8.o e Diversidade /
SEeAD e, outras Secretarias de Estaduais e Municipais - sabemos que a Lei
10.639/03 sera realmente implcmentada no cotidiano escolar, a partir do chao da
escola, com todas as suas dificuldades e possibilidades.
Neste aspecto, 0 presente trabalho visou apresentar estrategias que
pudessem ser incorporadas ii pni.tica pedag6gica, como possibilidade de urn
tratamento pedag6gico para a diversidade.
A primeira expectativa, levando em coma 0 corpo docente, era verificar
em que a medida a utilizavao de jogos podena baixar as resistencias que
permeiam 0 debate etico-racial n3 escola, possibilitando aos profissionais da
educavao a percepvao da urgencia no trato das questocs etnico-raciais no curricula
escoJar, assim como a necessaria construvao da igualdade multirracial.
50
Em seguida, interessava-nos observar de que maneira a utilizayao de jogos
Judicos, na funyao de instrumentos pedagogicos, poderiam contJibuir na esfera da
formayao moral, gerando transformay6es nos padroes morais e comportamentais
do corpo discente e nas relac;:6es estabelecidas entre estes.
Podemos concluir que as expressoes da cosmovisao africana estiveram
presentes na corporeidade, pois nas duas atividades ~ na primeira dinamica
direcionada a formac;:ao continuada e na segunda dimensionada para a formayao
inicial ~ os participantes assurnem seus personagens, agem, falam, brincar de ser
"outros", mas assumindo suas posiyoes e preconceitos. Partimos de urn corpo
inflexivel, porque comprometido pelo pensamcnto padronizado do coJonizador,
irnpenneavel em sua defesa, mesmo que "inconsciente", de seus priviJegios,
justificados pela roupagem da meritocracia. Iniciamos separados peIo senso
comum, peJa resistencia ao novo oIhar, peIa falta de conhecimento, pelo
menosprezo e preconceito.
Ainda nao chcgamos ao nosso destin~, pon!m, por meio dos
questionamenros e vivencias, alcanc;:amos a solidariedade possiveJ aqueJe
momento. 0 poder desta solidariedade se pennuta em comunhao, nao a
unanimidade da harmonia, mas as possibilidades da diversidade, do conflito
enquanto movimento, da possibilidade do oprimido erguer sua voz e so fazer
ouvir pelo opressor. Sabemos que nao basta, mas todos os implicados no
processo, inclusive esta educadora, sairam instigados, provocados. E quic;:a em
uma proxima oportunidadc de rclavao clOll comunicac;:ao tenhamos novos
elementos para interferirmos de forma transforrnadora na realidade vigente.
51
Este trabalho e realizado no intuito de compor com outras [oryas e
esforyos, de afrontar 0 desafio e ousar ac.alentar cotidianas vit6tias, que nos
empoderam na persistencia da luta e da resistencia.
52
REFERENCIAS
BAZILLl, Chirley. Discrimina~ocs contra negros 113 literatura infanto-juvenilbrasilcira contemporiinca. Sao Paulo: Dissenayao de mestrado em PsicologiaSocial (PUC-SP), 1999.
BRASIL Presidencia da Republica. Lei 9394 de 20 rie novembro de 1996.EstabeJece as Diretrizes e Bases da Educa<;:ao Nacional. Disponivel em: «http://www.planalto.gov.br/ccivil_03ILEISfL9394.htm>> Acesso em 1111212008.
BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras Poeticas.S ed. Rio de Janeiro:Civilizayao Brasileira, 1988.
CARONE, Iray. Breve hist6rico de uma pesquisa psicossociai sabre a questaoracial brasileira. Tn: CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida Silva. (Orgs.).Psicologia social do racismo: estudos sabre branquidade e branqueamento.Pelropolis, RJ: Vozes, 2002.
CARONE, Yray. BENTO, Maria Aparecida Silva. .Psicologia Social doHacismo: estudos sobre branquitude e branqueamemo no Brasil. Sao Paulo:Vozes,2006.
CA VALLErn.O, EJiane dos Santos. Do silencio do lar ao sill~ocio escolar:racismo, preconceito e discrimina~ao na educa~ao infantil. 5. ed. Sao Paulo:Contexto, 2006.
CHAUl, Marilena. 0 que c ]deologia. 2 ed. Sao Paulo: Brasiliense, 198 J(Primeiros Passos)
CUNHA JR., Henrique. M.ctodologia Afrodescenden1.e de Pesquis:l. Texto delfabalho na disciplina de Etnia, Genero e Educa~ao na perspectiva dosAfrodescendentes. Disponibilizado no Curso de Pos Graduacao lato senso:J-listolia e Cuit"ura Africana e Afro-Brasileira e Ac6es Afirmativas, resultado daparceria fpAD -Instituto de Pesquisa da Afrodescendencia, lvtEC - Ministerio daEduca~ao e Cultura e Universidade Tuiuti. Curitiba. 2006.
FAVERO, Osmar. Cultura Popular / Educac;..10 Popular: mem6rias dos anos60. Sao Paulo: Graal, 1983.
FR.E[RE, Paulo. Extcnsiio ou comunicac;.ao. 1\ ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.2001 (0 Mundo Hoje)
fREYRE, Gilberta. Cas:! Grande & Scnzala - em quadrinhos. Sao Paulo:Liberdade,2005.
53
GIANNOTTl, Vito. Muralhas da .Linguagcm. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.
GOMES, Nilma Lino. Scm pcrder a raiz: corpo e cabelo como simbolos deidentidade negra. Bela Horizome: Autentica, 2006.
GIROUX, Henry. Por uma pcdagogia c politica da hranquidadc. In: Caderosde Pesquisa, n 107, p. 97 - 132. Julho de 1999.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. Sao Paulo: Ed. Perspectiva, 1993.
JOVINO, lone da Silva. Literatura infanto-juvenil com personagens negros noBrasil. In: SOUZA, Forentina; LIMA, Maria Nazare, Literatura afro-brasilei,"a.Salvador: Centro de Estudos AfTO-Orientais; Brasilia: Fundayao CulturalPalmares, 2006.
LOTMAN, Turi.A estrutura do texto artistico. Lisboa: Estampa, 1978.
MINTSTERIO DA EDUCA<;:AO I SECRETARIA DA EDUCA<;:AOCONTINUADA, ALFABETIZA<;:AOE DlVERSlDADE. O"ienta~iies e A~iiespara a Edllca~ao das Rcla(:oes ctnico-Raciais, Brasilia: SEeAD, 2006.
MUNANGA, Kabengelc. Superando 0 racismo na escola. 20 ediyao revisada IKabengele Munanga, organizador. (Brasilia): Ministerio da Educayao, Secretariade Educayao Continuada, Alfabetiza.yaoe Diversidade, 2005, 204.:il
NEGMO, Esmeralda Vailati e PINTO, Regina Pahim. De olho no precollceito:um guia para professores sobre racismo em livros para criancas. Sao Paulo: FCC,1990.
OLIVEIRA, Eduardo. Filosofi:1da Ancestralidade: Corpo e Mite na Filosofia daEducayao Brasileira. Curitiba: Grafica Popular, 2007.
OLIVEIRA, Maria Anoria de Jesus. Negros personagens 113 literatura nasnarrativas literiirias infanto-juvenis brasileiras: 1979-1989. Disserta~ao(Mestrado). Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educacao,Salvador, 2003. 182f.
PlZA, Edith Silveira Pompeu. 0 camiuho das aguas: estereotipos depersonagens femininas negras na obra para jovens de escritoras brancas. SaoPaulo: Tese de doutoramento em Psicologia Social (PUC-SP), 1995.
ROSEMBERG, Fulvia. Literatura inf:\Iltii e ideologia. Sao Paulo: Global, 1984(Teses; II).
SANMARTiN, Melchor Gutierrez. Aprendizagem de valores sociais atraves dojogo. In: MURCIA, Juan Antonio Moreno. Aprendizagem atraves do jogo. PortoAlegre: Artmed, 2005. p. 45 - 58.
SILVA, Paulo Vinicius Baptista da. .Rela~oes raciais em livl'os didiiticos deLingua Portuguesa. Tese (doutorado) Pontificia Universidade Cat61ica de SaoPaulo, 2005.
54