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Construtivismo-texto
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A publicação deste ensaio abalou profundamente o campo de estudos das RIs.
Através de uma análise epistemológica da disciplina, o autor propõe uma terceira
via para o entendimento das relações interestatais e do funcionamento da
sociedade internacional. Dessa forma, o autoe pretende estabelecer uma ponte
entre as abordagens realista e liberal, criando, assim, um novo modelo: o
construtivismo social.
Segundo Alexander Wendt, todas as teorias vigentes possuem elementos
plausíveis, mas também possuem falhas. O autor acredita que a preocupação
central da corrente liberal é o entendimento das relações internacionais enquanto
processo, assim, as instituições são responsáveis por transformar os interesses dos
atores e para tal, os acadêmicos, ao analisá-las, lançam mão de fatores endógenos
ao processo, tais como, identidade e interesses. Contrariamente a essa perspectiva
encontra-se o realismo. Para os teóricos defensores dessa corrente, os Estados são
atores dominantes do sistema, e sua preocupação central gira em torno das
estruturas, optando pela utilização de fatores exógenos. Anarquia é entendida,
pelos realistas, como um sistema de auto-ajuda, no qual não há possibilidade de
alcançar um ambiente e segurança coletiva o que torna praticamente impossível o
estabelecimento de uma organização capaz de exercer uma autoridade central. A
tradição realista-racionalista tende a reificar o sistema de auto-ajuda, tratando-o
separadamente das práticas que o produzem e o sustentam.
Para que a abordagem teórica das relações internacionais se torne mais inteligível,
segundo Wendt, seria necessário apoiar-se tanto em elementos endógenos quanto
exógenos. Para que isso ocorra, o autor propõe que as estruturas – fatores
exógenos – sejam entendidas a partir dos processos sociais – fatores endógenos –
e reconhece a anarquia no cenário internacional como fator estrutural, no qual os
Estados residem. Nesse sentido, a auto-ajuda e a política de poder devem ser
apreendidas como produto de uma construção social empreendida pela anarquia.
Ao conceber a anarquia enquanto estrutura, Wendt estabelece um elo entre o
liberalismo e o realismo, pois não nega o estado de anarquia entre os Estados, mas
afirma que esta condição pode ser moldada e até mesmo alterada pela identidade e
interesses dos atores e, portanto, a cooperação e esforços internacionais podem
criar e reforçar, ainda mais, as identidades coletivas. Como o estado de anarquia é
uma estrutura construída e não previamente estabelecida, cabe aos políticos, em
última instância, reconhecer o que se deve fazer para amenizá-la.
O autor explica que as identidades e interesses são estruturas sociais criadas a
partir de uma interação recíproca entre os atores e o relacionamento entre eles é
permeado pelas noções de identidade e alteridade, sendo assim, as decisões
tomadas pelos Estados envolvem sempre um cálculo de probabilidades que são
produzidos por suas interações, por isso, é um processo de ordem social. Tal
afirmação pode suscitar uma desconfiança nos autores mais céticos em relação à
recorrência da política de poder e dos dilemas de segurança no cenário
internacional. No entanto, Alexander Wendt nos fornece a resposta pra essa
possível pergunta. De acordo com ele, ainda que a política seja construída
socialmente, isto não significa que ela seja maleável, pois existem mecanismos
para impedir que mudanças bruscas aconteçam. Em primeiro lugar, o sistema de
auto-ajuda tende a gerar competição e a punir o altruísmo. E em segundo, os
atores possuem interesse em manter estável o papel de suas identidades.
Mais adiante, o autor se aproxima das proposições liberais ao afirmar que as
instituições são capazes de transformar os interesses e identidade dos atores,
sendo assim sempre há uma possibilidade de mudança. Contudo, ele reconhece que
existem certas práticas que continuam sendo recorrentes no ambiente
internacional. A soberania, o reconhecimento desta e a segurança são instituições
que pouco se alteraram ao longo da história e, mesmo em tempos nos quais a
cooperação e integração política têm alcançado níveis sem precedentes, continuam
a desempenham um papel importante, quiçá central, nas relações internacionais.
Nessa perspectiva, as práticas, por si só, não são capazes de transformar um
sistema de segurança competitiva e o conhecimento dessa possibilidade por parte
os atores passa a ser fundamental para efetivar uma possível mudança.
A respeito das proposições modernistas e neoliberais que afirmavam que, em
virtude, dos processos de globalização e de revolução técnico-informacional, o
Estado perderia espaço para outros atores não governamentais, Wendt se posiciona
contrariamente. Este autor acredita que o ator principal continua a ser é o Estado,
mas não se deve ignorar o papel que os outros organismos vêm assumindo
gradativamente na esfera internacional. Assim, Wendt rompe com a perspectiva
estadocêntrica da tradição realista, mas sem se deixar levar pelas deduções
simplistas e deterministas dos modernistas.
Para Wendt, todas as teorias em relações internacionais deveriam ser baseadas em
teorias sociais, focando principalmente nas relações entre agências, processos e na
estrutura social. No entanto, até a década de 90, o mundo político ignorou o
processo de formação de identidade e interesses. Para o autor, todas as teorias
possuem pontos fracos e pontos fortes e que a elaboração de uma teoria das
relações internacionais mais adequada só pode ser feita a partir do reconhecimento
dessas falhas. Sob esse aspecto, essa disciplina ainda tem muito que avançar em
termos epistemológicos.
A análise desse ensaio, embora bastante complexa, é muito elucidativa. Ao propor
um entendimento das relações internacionais, a partir de elementos da construção
social, Wendt consegue elaborar uma mediação entre as correntes extremamente
contrárias, como é o caso do liberalismo e do realismo. Além disso, esse texto
também permite uma melhor compreensão do significado real da abordagem
construtivista. Ao contrário do que se costuma pensar, o construtivismo está
relacionado a práticas sociais, e não a práticas de cunho estritamente cultural.
Wendt tem toda razão ao afirmar que a disciplina das relações internacionais ainda
precisa progredir, no entanto, deve-se levar em consideração que este é um campo
de estudo relativamente novo quando comparado a outras áreas das ciências
sociais. A vantagem de se pesquisar em áreas de pesquisa que não estão tão
consolidadas é justamente a possibilidade de fomentar e participar e um constante
debate.