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C omo entender o momento do mo- vimento de responsabilidade social corporativa no ano da crise tida como a maior dos últimos 80 anos? Qual é o balanço que pode ser feito sobre o modo como o consumidor brasileiro per- cebe o papel das empresas e avalia seu desempenho como agentes indutoras de mudanças cidadãs? E até que ponto o Bra- sil é um caso singular no mundo, em ter- mos das reações e expectativas de seus consumidores ante as responsabilidades e tarefas do universo corporativo? Nas páginas seguintes, este Dossiê apresenta o cenário e os rumos futuros nos quais se encaixa o debate sobre ci- dadania corporativa a partir da perspec- tiva de um consumidor em carne e osso. Para tanto, baseia-se na série histórica e única de pesquisas anuais realizadas no Brasil, pela empresa de pesquisa Market Analysis, acerca das percepções e com- portamentos dos indivíduos diante da atuação das grandes empresas. O estudo Monitor de Responsabilidade Social permi- te acompanhar a evolução, desde o início desta década, na maneira de refletir, pen- sar e agir dos brasileiros sobre as ques- tões-chave do investimento social pri- vado e da sustentabilidade empresarial. Graças à parceria da Market Analysis com a rede GlobeScan, de origem canadense, mas com atuação mundial, foi possível, além do mais, elencar dados comparati- vos exclusivos sobre como consumido- res em diferentes países reagem a idên- ticos assuntos, o que permite identificar em que situações e diante de quais tó- picos o brasileiro se sobressai como um consumidor especial. O estudo vale destacar foi realizado em mais de 20 países. Em 2009, estendido a um uni- verso de 31. No entanto, algumas evolu- ções históricas só existem para um grupo reduzido de nações Convém iniciar recapitulando o pano- rama da opinião e percepção dos consu- midores do mundo sobre Responsabilida- de Social Empresarial (RSE) até meados de 2008 em pleno auge da economia, do crédito e do consumo , instantes antes do início da tempestade financeira que E ste dossiê é resultado da par- ceria entre Ideia Sustentá- vel, a empresa que edita a revista Ideia Socioambiental, e a Market Analysis, especializada em pesqui- sa de mercado. Com 10 anos de experiências em estudos nacionais e em países da América, a Market Analysis rea- liza, entre outros importantes es- tudos regulares, dois que se afinam com os temas tratados na revista: o Monitor de Responsabilidade So- cial Corporativa e o Barômetro Am- biental. O Monitor é uma pesquisa anual sobre percepções, expecta- tivas e atitudes dos consumidores brasileiros a respeito de temas do universo da sustentabilidade. E o Barômetro consiste em um estudo, também anual, que aborda opiniões e reações do público consumidor frente às mudanças climáticas e a crise ambiental. Pela parceria, a revista se pro- põe a publicar, de modo inédito, dados mais específicos dos estudos da Market Analysis, utilizando-os como mote para matérias especiais, entrevistas, artigos e encartes es- peciais como este. Nota sobre o dossiê Consumo Responsável: Tendências, riscos e oportunidades Fabián Echegaray* *Fabián Echegaray é o diretor geral da Market Analysis, instituto de pesquisas especializado em responsabili- dade social, sustentabilidade e consumo. Ele é doutor em Ciência Política pela Universidade de Connecticut (EUA) e consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Divulgação SETEMBRO 2009 Ideia Socioambiental 75 Dossiê conhecimento para a sustentabilidade 4

Consumo Responsável: Tendências, riscos e oportunidadesideiasustentavel.com.br/pdf/IS17 - Dossie.pdf · de legitimidade crescente para o exercí-cio ativo da cidadania empresarial,

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Como entender o momento do mo-vimento de responsabilidade so cial corporativa no ano da crise tida

como a maior dos últimos 80 anos? Qual é o balanço que pode ser fei to sobre o modo como o consumidor bra si lei ro per-cebe o papel das empresas e avalia seu desempenho como agentes indutoras de mudanças cidadãs? E até que ponto o Bra-sil é um caso singular no mundo, em ter-mos das rea ções e expectativas de seus consumidores ante as responsabilidades e tarefas do universo corporativo?

Nas páginas seguintes, este Dossiê apresenta o cenário e os rumos futuros nos quais se en cai xa o debate sobre ci-dadania corporativa a partir da perspec-tiva de um consumidor em carne e osso. Para tanto, ba seia- se na série histórica e única de pesquisas anuais rea li za das no Brasil, pela empresa de pesquisa Market Analysis, acerca das percepções e com-portamentos dos in di ví duos dian te da atua ção das grandes empresas. O estudo Monitor de Responsabilidade So cial permi-te acompanhar a evolução, desde o início

desta década, na ma nei ra de refletir, pen-sar e agir dos bra si lei ros sobre as ques-tões- chave do investimento so cial pri-vado e da sustentabilidade em pre sa rial. Graças à parceria da Market Analysis com a rede GlobeScan, de origem canadense, mas com atua ção mun dial, foi possível, além do mais, elencar dados comparati-vos exclusivos sobre como consumido-res em diferentes paí ses rea gem a idên-ticos assuntos, o que permite identificar em que si tua ções e dian te de quais tó-picos o bra si lei ro se sobressai como um consumidor es pe cial. O estudo — vale destacar — foi rea li za do em mais de 20 paí ses. Em 2009, estendido a um uni-verso de 31. No entanto, algumas evolu-ções históricas só existem para um grupo reduzido de nações

Convém ini ciar recapitulando o pano-rama da opi nião e percepção dos consu-midores do mundo sobre Responsabilida-de So cial Em pre sa rial (RSE) até mea dos de 2008 — em pleno auge da economia, do crédito e do consumo —, instantes antes do início da tempestade fi nan cei ra que

Este dossiê é resultado da par-ceria entre Ideia Sustentá-

vel, a empresa que edita a revista Ideia So cioam bien tal, e a Market Analysis, es pe cia li za da em pesqui-sa de mercado.

Com 10 anos de ex pe riên cias em estudos na cio nais e em paí ses da América, a Market Analysis rea-li za, entre ou tros importantes es-tudos regulares, dois que se afinam com os temas tratados na revista: o Monitor de Responsabilidade So-cial Corporativa e o Barômetro Am-bien tal. O Monitor é uma pesquisa anual sobre percepções, expecta-tivas e atitudes dos consumidores bra si lei ros a res pei to de temas do universo da sustentabilidade. E o Barômetro consiste em um estudo, também anual, que aborda opi niões e rea ções do público consumidor frente às mudanças climáticas e a crise am bien tal.

Pela parceria, a revista se pro-põe a publicar, de modo inédito, dados mais específicos dos estudos da Market Analysis, utilizando- os como mote para ma té rias es pe ciais, entrevistas, artigos e encartes es-pe ciais como este.

Nota sobre o dossiê

Consumo Responsável: Tendências, riscos e oportunidades

Fabián Echegaray*

*Fabián Echegaray é o diretor geral da Market Analysis, instituto de pesquisas especializado em responsabili-dade social, sustentabilidade e consumo. Ele é doutor em Ciência Política pela Universidade de Connecticut (EUA) e consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).Di

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Dossiêconhe c imen t o p a r a a s u s t en t ab i l i d ade

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abalou os mercados. O que pensava a opi-nião pública sobre cidadania corporativa naquele momento?

Em todo mundo, apesar do avanço nas ações de sustentabilidade e programas de investimento so cial, a ava lia ção sobre o desempenho responsável da grande maio-ria dos setores da economia permanecia sob olhar crítico dos consumidores. A mé-dia das notas dadas a 10 segmentos dife-rentes oscilava entre estável ou em queda, a des pei to do maior número de empresas publicamente compromissadas com o con-cei to. Esse compromisso se manifestava de variadas formas, desde a maior adesão aos padrões exigentes de re la tó rios da Global Reporting Ini tia ti ve (GRI), até o maior ali-nhamento com as diretrizes do Global Compact, das Nações Unidas, até mesmo a redução nos casos de escândalos corpora-tivos. Am pliou- se a distância entre as ex-pectativas públicas quanto à atua ção em-pre sa rial e a percepção da performance do

universo corporativo em matéria so cioam-bien tal, dando con ti nui da de a um fenôme-no que não parou desde 2001, quando o Monitor ini ciou suas medições.

Ao mesmo tempo, como consequên-cia, completava este quadro o interesse crescente dos consumidores pela questão so cioam bien tal. Ano após ano, eles vêm adotando cada vez mais a prática de usar cri té rios éticos ou políticos em suas com-pras, visando in fluir nas decisões fi nais das empresas quanto a investimentos so-ciais e mudanças de processos produtivos. Chama a atenção esse ativismo a partir do consumo, em expansão nos últimos anos, na medida em que indica uma integra-ção cada vez mais próxima entre valores ou pre fe rên cias e condutas fi nais, forta-lecendo a evolução do chamado consumo ético ou responsável.

Tal cenário ensejava uma lei tu ra do tipo “meio copo cheio ou meio copo va-zio”: o boom de expectativas sobre a

atua ção em pre sa rial e o endosso a um papel so cioam bien tal pró-a ti vo para as grandes com pa nhias, assim como um maior engajamento dos in di ví duos no ponto de venda, po diam significar opor-tunidades inigualáveis para o exercício (e a pre mia ção pelos consumidores) de comportamento sustentável.

No entanto, considerando que este fato positivo coe xis tia com uma percep-ção mui to crítica da atua ção corporati-va — caracterizada, entre ou tros si nais, por descrença em relação à comunica-ção ins ti tu cio nal das empresas —, o qua-dro de pos sí veis vantagens significava, para algumas, ganhos remotos e proble-mas ime dia tos. Pior ain da para os par ti-dá rios do pessimismo: a pou ca con fia bi li-da de nas campanhas de divulgação sobre RSE foi se somando ao interesse cada vez mais claro do público por aprender e sa-ber mais sobre a atua ção corporativa. As-sim, 2008 encerrou oferecendo um espaço

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76 Ideia Socioambiental SETEMBRO 2009

de legitimidade crescente para o exercí-cio ativo da cidadania em pre sa rial, mas em um contexto de ceticismo e relativa revolta dos consumidores.

Esse era o cenário até há pou co mais de um ano.

Mas o que aconteceu entre o final de 2008 e o início de 2009? Quais mudan-ças a crise fi nan cei ra provocou entre os consumidores das prin ci pais eco no mias mun diais? Quais características passou a ter o contexto atual em que as empresas devem interagir com os seus consumido-res, as suas expectativas e cobranças de comportamento cidadão?

Uma seleção dos prin ci pais achados do Monitor 2009 e dos dados in ter na-cio nais coletados em ou tros 31 paí ses, além do Brasil, contribui para identificar o efei to da crise e o rumo tomado pelo humor dos consumidores sobre as pers-pectivas da RSE1.

Em todo o mundo, a crise econômica estava plenamente instalada. Com ela, vie ram a recessão, desemprego, pobreza, miséria. Alguns de seus efei tos mais ime-dia tos, como o au men to da fome e crimi-nalidade, não dei xa ram de ser percebidos pelos consumidores.

O Gráfico 1 sintetiza o contexto das relações consumidor- empresa e da intera-ção em torno das questões de sustenta-bilidade so cial e am bien tal, caracterizan-do o pri mei ro semestre de 2009. De forma inconfundível, a crise e suas manifesta-ções de desordem econômico- financeira global marcaram a fogo a agenda dos con-sumidores no mundo. Seus impactos ime-dia tos percebidos se refletiram em menos di nhei ro no bolso (e sob este rótulo são

1 O período da coleta no Brasil ocorre todos os anos entre meados de novembro até a segunda semana de dezembro. Nos outros países, costuma se estender até finais de fevereiro. Para efeito da análise dos da-dos de 2009, isso significa que em todas as socieda-des consultadas os consumidores respondiam já sob efeito da crise financeira. Os países onde parte ou to-das as perguntas feitas no Brasil foram reproduzidas incluem: Argentina, Chile, Peru, Panamá, Costa Rica, El Salvador, Nicarágua, Honduras, Guatemala, Méxi-co, EUA, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Es-panha, Portugal, Itália, Grécia, Turquia, Rússia, China, Índia, Japão, Coréia do Sul, Filipinas, Indonésia, Aus-trália, Nigéria, Quênia e Gana.

Gráfico 1 – Principal problema do paísPaíses desenvolvidos vs. emergentes

Problemas econômicos

Desemprego

Problemas políticos

Meio ambiente*

Pobreza/Sem teto

Educação

Saúde

Terrorismo/Guerra

Falta de valores/Moral

Falta de assistencialismo

Crime/Violência

Fome/Falta de alimentos

Superpopulação

■ Países desenvolvidos

■ Países emergentes

■ Brasil

*Inclui contaminação, poluição, mudança climática e desastres naturais

Pergunta: “No geral, para você qual é o principal problema do nosso país hoje em dia?”

15

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fei tas menções que vão de perdas na pou-pan ça ou nos investimentos até súbitos cortes em gastos pes soais como resultado do crédito curto, passando pela admissão de uma recessão econômica), mas tam-bém na amea ça de desemprego. Ambos os fatores ultrapassam com folga mais da metade das preo cu pa ções do mundo.

Não é menos interessante reconhe-cer o modo pe cu liar como os he mis fé rios Norte e Sul foram diferentemente afeta-dos. Entre os paí ses emergentes, as difi-culdades econômicas de ordem genérica impactaram menos do que no centro do capitalismo, concentrando o foco mui to mais em questões so ciais resultantes da crise, mas não na própria crise, tais como o desemprego, a pobreza, o encarecimen-to ou falta de alimentos e a criminalida-de. A percepção dos bra si lei ros é mui-to clara a este res pei to. Eles começaram o ano exibindo certa consideração pelas oscilações da economia mun dial e local.

Mas nem de longe experimentaram o pâ-nico dos paí ses desenvolvidos.

Entre os bra si lei ros (assim como em mui tos paí ses emergentes), a rea ção tem sido estimulada menos por eventos de cur-to prazo (falta de crédito ou a brusca re-cessão) e mais por fatores con tí nuos (não súbitos) e de longo prazo, como crimina-lidade, pobreza, au sên cia de educação e saú de apro pria das ou a falta de comida.

Abrindo parênteses na agenda in ter-na cio nal gerada pela crise, que, de modo com preen sí vel, passou a pau tar a vida das empresas, é relevante notar o lugar des-tacado das preo cu pa ções am bien tais en-tre os consumidores. Observou- se uma clara apreen são ante a rea ção ime dia ta de governos e empresas de prio ri zar o com-bate à recessão sem exigir contrapartidas verdes ou ecoe fi cien tes.

Mas, então, o que a crise tem repre-sentado em termos de consequências diretas para o indivíduo e seu círculo

SETEMBRO 2009 Ideia Socioambiental 77

Dossiêc o n h e c i m e n t o p a r a a s u s t e n t a b i l i d a d e

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familiar? O gráfico 2 compara o impac-to de três efei tos adversos dela no bol-so do consumidor.

De longe, lá fora e no Brasil, pegou mais o consumidor a inflação de preços da cesta básica e, portanto, da dificul-dade de comprar alimentos. Empresas que agiram para neu tra li zar esse impacto conseguiram se po si cio nar de forma efe-tiva como so cial men te res pon sá veis aos olhos do consumidor. No curto prazo, o laço emo cio nal de proximidade, sensibi-lidade e cumplicidade com o consumidor (tão vi tais para a construção du ra dou-ra da força da marca) deve se mostrar, na prática, um elemento facilitador do acesso aos bens necessitados ou dese-jados. Na crise, res pei to e flexibilidade são respostas valorizadas pelo consumi-dor. Isso é algo extremamente práti-co e relevante para a indústria alimen-tícia, mas também para empresas com atua ção no varejo de alimentos, bebidas e produtos far ma cêu ti cos.

Gráfico 2 – Impactos negativos recentes na situação pessoal e familiar

■ Muito ■ Em parte ■ Pouco ■ Nada

Espaço em branco representa “NS/NR”.

Pergunta: “Algum dos seguintes acontecimentos econômicos recentes teve alguma influência negativa em você e na sua família? Para cada um, por favor, me diga se teve uma influência negativa muito grande, razoavelmente grande, pouca ou nenhuma influência negativa pra você e pra sua família.”

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9

14

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35

45

Subida no preço dos alimentos

Mundo

Brasil

Recessão econômica

mundial

Mundo

Brasil

Queda na disponibilidade

de crédito

Mundo

Brasil

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A brecha entre expectativas e resultadosAnalisando os dados, o Monitor 2009 con-firma uma tendência observada na última década, de dis tan cia men to entre o que o consumidor espera da empresa e a per-cepção sobre o quanto esta efetivamente tem fei to. Para ilustrar o descompasso, o estudo da Market Analysis se ba seia em duas de suas métricas históricas: a opi-nião sobre quanto uma série de obriga-ções de atua ção deveria constar entre as prin ci pais responsabilidades de grandes empresas e a ava lia ção da qualidade do desempenho de 10 setores da economia em matéria de RSE.

Ao observar graficamente as curvas de evolução de ambos os indicadores, sobres-salta a imagem de um consumidor que de-posita mais responsabilidades nas corpo-rações, embora se mostre crescentemente mais de cep cio na do com a sua atua ção. A consequência mais natural desse quadro é um misto de estranhamento e frustração. Em um momento de retomada do ativis-mo dos consumidores, movido por razões éticas e so cioam bien tais, isso deve ser visto por empresas como um sinal verme-lho. Ou uma janela de oportunidades para quem estruturar de forma contínua, coe-ren te e estratégica um programa de cida-dania corporativa sensível às necessida-des e cobranças da so cie da de.

No inicio da década (2001), segun-do os dados de 15 paí ses monitorados2, 50% dos consumidores apontavam alta responsabilidade por parte das empre-sas para uma série de atividades à parte de suas ha bi tuais obrigações corporati-vas. Tarefas tra di cio nal men te rea li za das pelo Estado, Igreja, organizações da so-cie da de civil e organismos mul ti la te-rais, como estabilizar a economia, redu-zir as vio la ções aos di rei tos humanos e a desigualdade so cial, assim como aju-dar no combate às mazelas so ciais decor-rentes desses fenômenos, precisam ser

2 Além do Brasil, são monitorados nessas questões os seguintes países: Alemanha, Austrália, Canadá, Chile, China, Coréia do Sul, Estados Unidos, Fran-ça, Itália, México, Nigéria, Reino Unido, Rússia e Tur-quia. No total, estes 15 países respondem por 65% do PIB mundial.

Gráfico 3 – Expectativas vs Desempenho em RSEValor médio para 15 países (Mundo)† e para Brasil, 2001–2009

■ Expectativas em RSE – Mundo*

■ Expectativas em RSE – Brasil*

■ Desempenho em RSE – Mundo**

■ Desempenho em RSE – Brasil**

†Inclui Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, China, Coréia do Sul, Estados Unidos, França, Itália, México, Nigéria, Reino Unido, Rússia e Turquia.

*Expectativas de atuação das empresas em 10 responsabilidades diferentes**Avaliação do desempenho em RSE de 10 setores da economia

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- 20

2001 2003 2005 2007 2009

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55

–9–12

assumidas, na visão de metade dos entre-vistados, pelas grandes corporações.

Como esses mesmos consumidores jul-gavam o desempenho de 10 dos prin ci-pais segmentos da economia e indústria na sua capacidade de absorver com efi-ciên cia essas tarefas e implementar po-líticas de responsabilidade so cioam bien-tal? Essa é uma pergunta relevante para este Dossiê. Em média, a análise da con-duta em pre sa rial se mostrava levemente positiva: 6%3. A distância de 44 pontos per cen tuais entre expectativas e resulta-dos não dei xa de im pres sio nar. Por ou tro lado, nada mais natural aos seres huma-nos do que esperar sempre mais do que efetivamente recebem (ou percebem re-ceber). A moral da história aqui, entre-tanto, é ou tra: a brecha de 44 pontos foi

3 Como a pergunta é feita usando uma escala de cinco pontos, na qual as duas notas mais baixas re-presentam um avaliação desfavorável e as duas no-tas mais altas, um julgamento favorável, esse per-centual representa a diferença agregada deste tipo de opinião entre todos os consumidores, simbolizan-do a vantagem positiva dos setores em termos de imagem em RSE.

o momento de ouro da cidadania corpo-rativa aos olhos dos consumidores nos anos 2000!

De lá para cá, como bem ilustra o Grá-fico 3, a brecha só se aprofundou. E isso se deu menos em decorrência de uma ex-plosão de expectativas, e mais por cau-sa de uma queda drástica na ponderação sobre o comportamento em pre sa rial. Com o au men to do número de com pa nhias que passaram a abraçar ins ti tu cio nal ou pu-bli ci ta ria men te a mensagem da responsa-bilidade so cial, e, portanto, com a maior visibilidade que ganhou o tema, am plia-ram- se não só as exi gên cias mas tam-bém o olhar agudo e crítico sobre as pa-lavras e os fatos das ações em pre sa riais em sustentabilidade.

Em 2003, a queda na atua ção perce-bida das com pa nhias (de +6% para –2%) é quase pro por cio nal ao incremento nas expectativas (de 50% para 57%). Por quê? Porque é o momento da enxurra-da ou comprovação dos escândalos cor-porativos, como os emblemáticos casos de Enron, WorldCom ou Arthur Andersen nos EUA, e do Royal Ahold e Parmalat,

SETEMBRO 2009 Ideia Socioambiental 79

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na Europa, com respingos importantes no Brasil. Vale ressaltar, como fatos relevan-tes, a série local de escândalos vincula-dos às privatizações das operadoras te-lefônicas como a es pio na gem fei ta pela Kroll e o banco Opportunity, envolven-do a Telecom da Itália. A interação, por-tanto, entre expectativas e percepção de atua ção marca uma via de duas mãos: a da erosão de con fian ça na atua ção em pre sa-rial e a duplicação das exi gên cias por um comportamento ético e so cial por parte das grandes com pa nhias.

Entre 2005 e 2009, as expectativas se estabilizaram. Ficaram menores se com-paradas com 2003. Em expansão cons-tante, a percepção de que as empresas dei xam a desejar no seu comportamento am pliou a brecha para 63 pontos per cen-tuais, a maior desde o início do estudo. Se por um lado se mantém alta a atri bui ção de responsabilidades so ciais e am bien tais ao mundo corporativo, isso ocorre junto com a redução na fé de que as empresas possam ser agentes eficazes de mudan-ça. Uma das lei tu ras retrospectivas que o mundo faz da crise de 2008 é que as gran-des empresas, como símbolo do mercado,

fracassaram na sua autorregulação, no cumprimento dos quesitos ope ra cio nais e cidadãos mais básicos em termos de responsabilidades so ciais e na execução das promessas de sustentabilidade. E isso se expressa claramente no olhar crítico sobre todos os setores, em 2009.

E no Brasil? Aqui a história da inte-ração entre expectativas e desempenho tem características pe cu lia res. Em 2001, o movimento da RSE ins ti tu cio na li za da era apenas em brio ná rio, a publicação de balanços so ciais cons ti tuía uma raridade e o assunto mal frequentava as páginas dos jor nais. Os consumidores bra si lei ros, mesmo assim, depositavam altas espe-ranças na resolução de problemas pelo engajamento das empresas e, compara-do ao resto do mundo, enxergavam com mui to mais simpatia a atua ção so cial dos agentes do mercado. Contudo, a diferen-ça entre umas e ou tras era a mesma que no resto do mundo.

O que aconteceu de 2001 para os dias de hoje? Mais do que os de ou tros paí ses, o consumidor bra si lei ro mostrou- se bem mais sensível à ideia de pre miar ou punir as empresas, oscilando entre momentos

de intenso questionamento e lapsos de redenção do universo corporativo. Se nos pri mei ros anos da década, o tamanho da brecha fora e dentro do Brasil era quase o mesmo, de 2005 em dian te o consumi-dor local começa a se desalinhar da ten-dência in ter na cio nal. Aumenta no país o fosso entre o que a atua ção em pre sa-rial deveria fazer e os resultados perce-bidos. Em 2009, essa lacuna entre expec-tativas e desempenho atingiu no Brasil 87 pontos per cen tuais! Isso significa um au men to de mais de um terço su pe rior ao registrado no resto do mundo.

Fei to esse resumo, cabe a seguinte pergunta: quais as implicações desses achados para o futuro? Há três respostas seguras: (1) as demandas sobre as empre-sas con ti nua rão crescendo; (2) a neces-sidade de se di fe ren ciar em termos de como os consumidores ava liam a perfor-mance da própria empresa será cada vez mais importante; (3) as percepções, mui-tas vezes, irão além do que pedaços de informação objetivos possam sugerir.

Assim, mesmo que nos últimos anos tenha se multiplicado o número de em-presas publicando balanços so ciais de

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acordo com os cri té rios mais estritos do GRI, mesmo que as equipes internas en-carregadas das atividades de RSE tenham atingido um nível de pro fis sio na li za ção e ins ti tu cio na li za ção ja mais visto antes, e mesmo que o volume global de despe-sas tenha crescido em comparação com o início da década, a batalha pela men-te e pelos corações dos consumidores se-guirá firme. Seu teste- chave será a con-fluên cia entre execução e comunicação pela empresa e a interpretação e rea ções dos consumidores.

Nesse sentido, os resultados apontam uma boa notícia para quem dei xou o dis-curso rumo à prática. Com pa nhias que, nesse pe río do, implementaram ações efe-tivas de RSE conseguiram comunicá- las de modo efi cien te obtiveram ganho estraté-gico. Em um cenário de críticas e pres-sões cada vez maio res, suas ini cia ti vas so cioam bien tais vão se tornar grandes di fe ren cia do res de sucesso.

Velhas e novas expectativas: das preocupações operacionais à iniciativa cidadãÉ certo que os consumidores acumulam uma série de cobranças quanto ao com-portamento so cioam bien tal men te res-ponsável de empresas. Mas, de concreto,

quais são as dimensões nas quais se espe-ra que elas ajam com efetividade?

Ao longo dos últimos anos, o Monitor tem identificado dois ei xos cen trais capa-zes de articular o conjunto de atividades demandadas das empresas: as responsabi-lidades de índole ope ra cio nal e as de na-tureza cidadã. Entre as pri mei ras, figuram aquelas atividades que caem dentro do controle da própria organização, re la cio-na das a como os produtos são fabricados, ao impacto am bien tal da produção, às consequências de consumir os produtos e ao que acontece com os fun cio ná rios e fornecedores por trás dos produtos.

Essas são atividades que a maio ria dos consumidores aponta sistematica-mente como principais responsabilidades das empresas. Mesmo quando a intensi-dade da expectativa sobre as responsa-bilidades ope ra cio nais é mui to maior nas so cie da des desenvolvidas do que nos paí-ses emergentes, elas cons ti tuem o tipo de obrigação percebida como primária. Observando os dados de 2009, ilustrados no Gráfico 4, a minimização do impacto am bien tal provocado pela empresa surge como a atri bui ção corporativa de maior consenso para os consumidores: 71% nos paí ses cen trais concordam que essa tarefa “deveria ser total responsabilidade” das

O Pano de Fundo: O que os Consumidores do Mundo Pensavam até

2008 sobre RSE…

Crescente legitimidade para ■■■

um papel socioambiental propositivo para as grandes empresas; desafios e problemas públicos (como crime, falta de educação, degradação ambiental) passam a ser incorporados à agenda corporativa;

Pouca alteração ou mudança ■■■

para pior nas avaliações feitas do desempenho das grandes empresas em matéria socioambiental;

Brecha contínua entre ■■■

expectativas e desempenho percebido em responsabilidade social, gerando pressão sobre certos setores da economia;

O meio ambiente e as mudanças ■■■

climáticas assumiram um lugar cada vez mais destacado entre as preocupações dos consumidores;

O consumo ético ganhou força, ■■■

tanto em mercados maduros como na Europa e América do Norte, quanto em mercados emergentes, principalmente na Ásia, mas também em alguns países latino-americanos;

Desencanto do consumidor em ■■■

relação às propostas do mundo empresarial em RSE: perda de audiência como resultado da baixa confiabilidade na comunicação sobre atuação cidadã e reversão nos níveis de interesse por conhecer mais sobre o comportamento ético e socioambiental das empresas.

Gráfico 4 – RSE: Os Indicadores OperacionaisEmpresas “Deveriam ter total responsabilidade sobre isso”,

Países desenvolvidos vs. emergentes, 2009

Não prejudicar o meio ambiente

Tratar os funcionários de forma justa

Garantir a sustentabilidade em todo o processo produtivo

Fornecer produtos e serviços de boa qualidade pelo menor preço possível

Aplicar mesmos padrões elevados a nível mundial

■ Países desenvolvidos ■ Países em desenvolvimento

Pergunta: “Agora vou ler uma lista de coisas que algumas pessoas dizem que deveriam fazer parte da responsabilidade das grandes empresas. Para cada uma, diga até que ponto você acha que as empresas deveriam ter esta responsabilidade. Para responder, utilize uma escala de 1 a 5, em que 1 significa “não deveriam ter essa responsabilidade”, 3 significa “deveriam ter parte dessa responsabilidade” e 5 significa “deveriam ter total responsabilidade sobre isso”.

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5768

5866

5657

4256

SETEMBRO 2009 Ideia Socioambiental 81

Dossiêc o n h e c i m e n t o p a r a a s u s t e n t a b i l i d a d e

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grandes com pa nhias. Nos paí ses emer-gentes, 62% pensam da mesma forma.

O ou tro grupo de responsabilidades, denominadas “cidadãs”, não tem relação com o processo produtivo, nem está sob controle interno da empresa. São ini cia-ti vas vo lun tá rias relativas ao valor so cial

agregado que a empresa pode oferecer à so cie da de. São, sobretudo, tarefas novas para as com pa nhias, que permitem di fe-ren ciar uma empresa do restante do setor ou do mercado. Nos mercados emergen-tes, entretanto, a demanda por atua ção so cial e cidadã das empresas tem in cluí-

Gráfico 5 – RSE: Os Indicadores CidadãosEmpresas “Deveriam ter total responsabilidade sobre isso”,

Países desenvolvidos vs. emergentes, 2009

Aumentar a estabilidade econômica no mundo

Reduzir violações de direitos humanos

Ajudar a reduzir a distância entre ricos e pobres

Apoiar projetos comunitários e de caridade

Resolver problemas sociais

Apoiar políticas e leis favoráveis à maioria da população

■ Países desenvolvidos ■ Países emergentes

G2.t “Agora vou ler uma lista de coisas que algumas pessoas dizem que deveriam fazer parte da responsabilidade das grandes empresas. Para cada uma, diga até que ponto você acha que as empresas deveriam ter esta responsabilidade. Para responder, utilize uma escala de 1 a 5, em que 1 significa “não deveriam ter essa responsabilidade”, 3 significa “deveriam ter parte dessa responsabilidade” e 5 significa “deveriam ter total responsabilidade sobre isso”.

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38

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do rapidamente cobranças fun cio nais em torno de produtos, de práticas co mer ciais e de gestão.

Como é previsível, segundo os con-sumidores emergentes, a cobrança pelo as sis ten cia lis mo de grupos ex cluí dos ou em desvantagem, por meio de alternati-vas filantrópicas, deve integrar a agenda corporativa cidadã. Porém, essa expecta-tiva está longe de se limitar a ações que envolvam apenas um au men to das despe-sas so ciais das grandes empresas. Espe-ra- se das corporações, por exemplo, que estejam alinhadas com uma agenda pro-gressista, aderindo ou ca pi ta nean do ini-cia ti vas le gais (ou pas sí veis de virar lei) fa vo rá veis à maio ria da população. No Brasil, o apoio à legislação em favor de uma licença maternidade mais longa foi estranhamente desperdiçado como cau sa de RSE, por mui tas com pa nhias mul ti na-cio nais que, na prática, já exer ciam essa política para seus fun cio ná rios.

Qual a lição que esses dados permi-tem formular? (1) Que existe um hori-zonte extremamente plural para planejar e trabalhar o portfólio de atua ção so-cioam bien tal, mesmo quando se identifi-ca uma hie rar quia de prio ri da des; (2) Que

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não adian ta uma empresa erguer ban dei-ras cidadãs se continua tendo problemas na esfera ope ra cio nal; (3) Que nem sem-pre é fácil — pensando nas mul ti na cio nais bra si lei ras ou es tran gei ras — definir um único programa estratégico para a matriz igualmente aplicável em todas as partes do mundo onde a empresa opera.

Sinais amarelos no balanço da reputação socioambientalO lado complementar da brecha em RSE é representado pela percepção do desem-penho de diferentes in dús trias no que diz à qualidade da sua cidadania corpo-rativa. O monitoramento de 10 segmen-tos da economia revela quedas e um rela-tivo estancamento na ava lia ção popular, mesmo com a considerável multiplica-ção dos volumes de investimento so cial ao longo desses quase 10 anos. Nenhum dos setores analisados apresentou uma melhora. A mensagem dos consumido-res às empresas parece clara: “queremos mais e melhor!”.

Gráfico 6 – Desempenho em RSE de Setores da EconomiaDiferença liquida*, Média histórica para 14 países

Setores que sofreram quedas de 2001 a 2009

■ TI/Computação

■ Alimentos

■ Telecomunicações

■ Cerveja

■ Energia Elétrica

■ Farmacêutica

■ Vestuário

■ Automotiva

■ Bancos/Financeira

■ Petróleo

*Diferença líquida representa a diferença entre opiniões positivas (Setor “entre os melhores” e “Acima da média” em RSE) menos opiniões negativas (Setor “abaixo da média” e “Entre os piores” em RSE)

40

20

0

–20

–40

23

4 31 0–2–7

–16

–29

Pergunta: “Avalie cada tipo de indústria em relação a quanto cumpre bem suas responsabilidades sociais. Comparado a outros setores da economia, você diria que (INDÚSTRIA) está/ estão...?”

2001 2003 2005 2007 2009

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Segundo a percepção dos consumi-dores, alguns segmentos econômicos são vistos como mais sen sí veis às questões so cioam bien tais. Os resultados agrega-dos para os 14 paí ses, in cluin do o Brasil, onde o Monitor acompanha as ten dên cias, desde 2001, apontam o setor de tecnolo-gia e informática como aquele com maior capital re pu ta cio nal em matéria de sus-tentabilidade. Mesmo enfrentando me-nos prestígio so cioam bien tal do que de-tinha no início da década, a indústria de TI e computação consegue manter uma folgada liderança em comparação com os ou tros setores.

Por que semelhante vantagem? Em grande medida, ela decorre da convic-ção sobre seu bai xo impacto am bien tal, mas também de uma percepção cria da de que esse setor observa uma ética de investimento no fun cio ná rio, contribui para a redução de despesas e está ali-nhado com uma das frentes nas quais se concentram as maio res expectativas de engajamento em pre sa rial: a educação e a inclusão na modernidade. Por ou tro lado, o jogo não pode ser considerado ganho. Se não apresentar respostas con-vincentes para questionamentos sobre a

Gráfico 7 - Consumo de premiaçãoRecompensou empresas percebidas como socialmente responsáveis, 2009

■ Fez ■ Pensou, mas não fez ■ Não fez

Espaço em branco representa “NS/NR”.

Pergunta: “Agora eu gostaria de saber se no último ano você fez alguma das seguintes ações ou pensou em fazer? Recompensar uma empresa que você achasse socialmente responsável, comprando seus produtos ou falando bem da empresa para outras pessoas.”

América do Norte

Oceania

Europa

Ásia

África

América do Sul

América Central

56 20 23

54 19 24

29 17 52

24 34 36

24 22 48

11 18 65

7 24 65

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responsabilização pela coleta e recicla-gem dos equipamentos, sua imagem de polidez am bien tal poderá sofrer abalos.

São os mesmos motivos que moldam as opi niões dos ou tros setores? Não. Na ou tra ponta desse quadro de ten dên cias encontra- se a indústria petrolífera. Em relação a ela, são as questões de saú-de, segurança e impacto am bien tal que governam a atitude do consumidor.

A consolidação do consumidor responsávelEm todo o mundo, cresce a cons ciên cia de que, com suas escolhas de compra, os consumidores definem o sucesso das empresas. Com as suas opi niões trans-mitidas via boca- a-boca, real ou vir-tual, levantam ou afundam reputações. Como em nenhum ou tro tempo, dispõem de poder de barganha su fi cien te para in fluen ciar as ações em pre sa riais com alcance coletivo.

O ativismo dos consumidores con-tinua em alta. Mas isso ocorre princi-palmente fora do Brasil, onde os mo-vimentos de boi co te e buycot (compras pre mian do uma empresa pela sua atua-ção pública) existem há décadas. Obser-vando os resultados da medição de 2009, por exemplo, identifica- se uma correla-ção quase per fei ta entre ativismo de re-compensa e o quanto cada re gião do pla-neta integra a vanguarda ou a retaguarda do movimento de RSE.

Por ou tro lado, ao monitorar a evo-lução da compra responsável em termos punitivos fica claro que o ativismo con-sumidor não é um fenômeno restrito aos paí ses desenvolvidos, podendo ser veri-ficado em algumas eco no mias emergen-tes. Mais ain da, os anos mais recentes do gráfico 7 revelam a ver da dei ra aceleração das compras motivadas pela ética e pela responsabilidade so cioam bien tal, com um

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salto considerável es pe cial men te de 2007 para 2009, isto é, de um ano de auge para ou tro de colapso econômico.

A mensagem que surge desse dado é cristalina: quem não estiver prepara-do para defender de ma nei ra pró-a ti va e coe ren te suas ações de sustentabilida-de, corre o risco de enfrentar a fúria do consumidor. Con tra ria men te ao sugerido por alguns, no calor da crise, prio ri zar a saú de fi nan cei ra das com pa nhias em de-trimento dos investimentos so ciais pare-ce mais um tiro no pé. Congelar as ações de sustentabilidade, em cenário de res-trição econômica, contribui apenas para disseminar uma imagem de oportunismo ou falta de comprometimento real com a so cie da de e o meio am bien te. Mobilizar contra si os consumidores mais ativos só vai acelerar a perda de mercado e au men-tar seus problemas fi nan cei ros.

No Brasil, como já men cio na do, o ati-vismo ain da é tímido entre os consumido-res. Entretanto, um em cada 3 bra si lei ros rea li za compras motivadas com base na informação sobre o comportamento so-cioam bien tal das empresas.

Gráfico 9 – Comportamento responsável: tipologiaBrasil 2009

Pergunta: “Agora eu gostaria de saber se no último ano você fez alguma das seguintes ações, pensou em fazer? Recompensar uma empresa que você achasse socialmente responsável, comprando seus produtos ou falando bem da empresa para outras pessoas; Punir uma empresa que você não achasse socialmente responsável, deixando de comprar seus produtos ou criticando a empresa para outras pessoas.”

Nem pensou Pensou fazer Fez

PUNIR

Consumo de Recompensa

Consumo Indiferente

Consumo Demagogo

Consumo de Retaliação

Consumo Ético

Nem

pen

sou

Penso

u fa

zer

Fez

PREM

IAR

59,3

15,2

10,2

8,2

7,1

70

60

50

40

30

20

10

Gráfico 8 – Consumo de retaliaçãoPuniu empresas percebidas como socialmente irresponsáveis

Países onde houve aumento: 2001–2009

Pergunta: “Agora eu gostaria de saber se no último ano você fez alguma das seguintes ações, pensou em fazer - mas não fez, ou nem fez nem pensou em fazer? Punir uma empresa que você não achasse socialmente responsável, deixando de comprar seus produtos ou criticando a empresa para outras pessoas.”

■ EUA

■ Canadá

■ Itália

■ Reino Unido

■ Turquia

■ Coréia do Sul

■ Espanha

■ China

■ Japão

6257

474640 39373431

1999 2001 2003 2005 2007 2009

Esses consumidores res pon sá veis são de pelo menos 3 tipos:

O consumidor ético, aquele que exerce ■◆

sistematicamente uma compra susten-tável, punindo e pre mian do empresas em decorrência da sua atua ção pú-blica. Representa uma minoria de 7% dos consumidores;O consumidor de recompensa, aquele ■◆

que prefere pre miar e evita punir em-presas, mantendo uma indução positi-va entre as com pa nhias sobre seu en-gajamento so cioam bien tal. Soma 15% dos consumidores;O consumidor de re ta lia ção, aquele ■◆

que escolhe punir e não pre miar em-presas como forma mais eficaz de in-fluir no mercado. Totaliza 8% dos consumidores.

ConclusõesO ano de 2009, longe de significar o mo-mento em que os consumidores troca-ram prio ri da des so cioam bien tais pela sobrevivência econômica, como mui tos

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antecipavam, está representando o ins-tante em que a ban dei ra da responsabi-lidade so cioam bien tal passou triun fan te por um teste de fogo, tendo os consumi-dores como grandes alia dos.

Durante este ano, ten dên cias iden-tificadas, originalmente, em 2001, não perderam força. Ao contrário, ganharam impulso e se consolidaram, fun cio nan-do como incentivo de peso para a con-ti nui da de e aprofundamento dos traba-lhos rea li za dos por aquelas corporações ge nui na men te engajadas na sustentabi-lidade. Os consumidores, vale reforçar, estão mais atentos e, portanto, mais

preparados para desmascarar as em-presas que investem apenas por orien-ta ção de mar ke ting e que hoje fazem competição des leal para as com pa nhias res pon sá veis.

Os dados do estudo Monitor de Res-ponsabilidade So cial legitimam, assim, a relevância do trabalho contínuo e anco-rado nas necessidades da população fei-to por aquelas com pa nhias que colocam a RSE no coração das suas es tra té gias. São evi dên cias importantes do benefí-cio que tal atua ção pode resultar tanto para o capital re pu ta cio nal, como para seu lugar no mercado.

A realidade de 2009: as principais tendênciasConsumidores reagem à crise econômica, mas no mundo emergente e no ■■■

Brasil são os problemas estruturais como crime, educação, pobreza e saúde os que preocupam mais;Contudo, a crise elevou duas pressões no plano individual dos consumidores: ■■■

a crescente dificuldade em ter acesso aos alimentos e a sombra do desemprego — são essas, portanto, as dimensões mais sensíveis aos olhos do consumidor, com base nas quais as grandes empresas precisam, hoje, reconstruir ou relançar sua plataforma de ação socioambiental;Em todo o mundo, a brecha entre expectativas e resultados continua ■■■

se ampliando;Mas, no Brasil, essa brecha atinge um verdadeiro recorde, soando o ■■■

alarme para o movimento de RSE. O consumidor está enviando uma mensagem muito clara: as empresas deveriam fazer mais e o que estão fazendo não é satisfatório;A legitimidade para agir em mais áreas continua forte no mundo, ■■■

e isso é mais intenso em relação às responsabilidades operacionais;Entre os mercados emergentes, a demanda por atuação social e cidadã ■■■

das empresas passa a incluir cobranças sobre minimizar o impacto ambiental da produção, garantir segurança e saúde nos produtos e controlar a sustentabilidade da cadeia de valor;As críticas ao desempenho em RSE afetam, inclusive, setores com alto ■■■

impacto na economia e empregos, líderes em inovação e segmentos até há pouco tempo campeões de reputação;Aumentam as críticas contra a indústria automobilística e o setor ■■■

bancário-financeiro. Já as companhias de tecnologia e informática — embora tenham observado uma queda — ainda continuam sendo percebidas de maneira favorável;O ativismo dos consumidores segue em alta principalmente fora do ■■■

Brasil. No país, ele se traduz em três tipos de consumo responsável: o ético, o de recompensa e o de retaliação;Ao todo, um em cada três brasileiros pratica o consumo responsável, ■■■

isto é, com base na informação sobre o comportamento socioambiental das empresas.

A nAturezA de dA VinciLeo nar do da Vinci foi provavelmente um dos maio res gê nios da Renascença, com projetos que até hoje são referência em áreas tão distintas quanto artes plásticas, arquitetura e anatomia humana. Em seu livro A Ciên cia de Leo nar do da Vinci – Um mergulho profundo na mente do grande gênio da Renasceça, Fritjof Capra apresenta uma visão coe ren te do método cien tí fi co e das rea li za­ções do ícone renascentista que tanto in fluen ciou seu trabalho.

O au tor utiliza elementos retirados de teo rias de Da Vinci para questionar como devemos utilizar o po ten cial humano em pleno século XXI para so­lu cio nar impasses e promover o desenvolvimento em equilíbrio com o planeta. Para isso, Capra ressalta a importância da atua ção dos in di ví duos como intérpretes da natureza, interligando obser­vações e ideias de diferentes disciplinas a fim de reconhecer a interdependência fundamental dos fenômenos na tu rais e rees ta be le cer a conexão do homem com a Terra.

A Ciência de Leonardo da Vinci – Um mergulho profundo na mente do grande gênio da RenascençaFritjof CapraEditora CultrixR$ 45,00

NA CABECEIRA

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