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18 ModaPalavra e-Peridico
Ano 6, n.11, jul - dez 2013, pp. 18 36. ISSN 1982-615x
Contextura: processos produtivos sob abordagem Zero Waste
Contextura: production processes under ZeroWaste approach
Anne Anicet
Doutora em Design pela Universidade de
Aveiro e Professora do Curso de Design de
Moda do UniRitter
Evelise Anicet Rthschilling
Ps-Doutora em Design Sustentvel pela UFPR e
Professora dos Cursos de Design e Artes Visuais da
UFRGS,
Pesquisadora PQ CNPq
Resumo
Este artigo apresenta resultado de anlise dos processos de fabricao de
roupas da marca Contextura, sob o enfoque do zero waste, ou seja, desperdcio
zero. Para tal, foram elencados os principais processos adotados pela empresa, tanto
os de confeco como os de tratamentos de superfcies txteis, que se encaixam na
referida abordagem. A metodologia adotada de mini estudos de casos que
exemplificam os principais processos. O trabalho tem como objetivo provocar a
reflexo na dialtica entre teoria e prtica industrial, fomentar a tomada de
conscincia sobre os conceitos norteadores da empresa e compartilhar os resultados
com o meio acadmico.
Palavras-Chave: moda, design, sustentabilidade, zero waste.
Abstract
This article presents the results of analysis of manufacturing processes of
the Contextura clothing brand under the approach of zero waste. To this end, the
main processes adopted by the company were listed, both confection and textile
surfaces treatments that fit in the same approach. The methodology adopted is mini
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case studies that illustrate key processes. The objectives are to provoke reflection
on the dialectic between theory and industrial practice, promote awareness of the
concepts guiding the company, and share the results with academia.
Introduo
A sustentabilidade uma questo bastante observada atualmente na rea
da moda e vesturio. Muitas vezes, porm, usada apenas como um mero apelo de
marketing para promover e divulgar uma determinada marca, sem o efetivo
comprometimento com a causa.
No cenrio mundial, a indstria da moda tem sido considerada como a
terceira atividade econmica em termos de gerao de renda e movimentaes
financeiras (Berlim, 2012). Por outro lado, esta posio de destaque no est
alinhada responsabilidade com o meio ambiente. Designers de moda,
fornecedores, fabricantes, estudiosos e demais atores das cadeias criativa e
produtiva da moda tem se manifestado e adotado atitudes que esto promovendo
mudanas de comportamento, que certamente traro mudanas conceituais e
culturais neste contexto.
O problema de minimizar a poluio causada pela indstria txtil tem sido
abordado sob vrios vetores, aliando aspectos sociais, econmicos e ambientais na
busca de solues estticas inovadoras. Mas isso no uma tarefa fcil e, at que
essas mudanas se efetivem, teremos um tempo e um percurso a percorrer limpando
o caminho. So identificados entraves de vrias ordens, como a falta de
conscientizao de empresrios, designers e usurios; falta de polticas
governamentais de incentivo e fomento no apenas restritivas de produo mais
limpa, mas tambm de auxlio s pesquisas, desenvolvimento e construo de
novos conhecimentos, bem como de certificaes que orientem os processos
alinhados ao desenvolvimento sustentvel.
Percebe-se um preconceito por parte de muitos empresrios que acreditam
que uma empresa que aposta na sustentabilidade no d lucro. A Universidade de
Harvard, nos Estados Unidos, vem pesquisando o tema e responde que sim, as
empresas que se preocupam com a sustentabilidade do lucro e ainda recebem da
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sociedade a licena para lucrar (Abraho, 2013). A universidade pesquisou o
desempenho das maiores empresas globais listadas em bolsas de valores, entre 1992
e 2010, e enumerou vinte e sete polticas de sustentabilidade mais adotadas pelas
empresas nas seguintes reas:
a) meio ambiente (ex.: eficincia energtica, reduo de emisso de gs carbnico,
destinao de resduos slidos etc.);
b) social (ex.: integrao entre empresa e comunidade, respeito diversidade,
respeito aos direitos humanos, promoo da agenda do trabalho digno etc.);
c) governana (ex.:transparncia nas informaes, cdigos de tica etc.).
Agregando todas essas informaes, o resultado obtido foi o seguinte: as empresas de alta sustentabilidade apresentaram melhores taxas de retorno, num perodo de 18 anos. O patrimnio delas valorizou 30% a mais do que aquele das empresas de baixa sustentabilidade; a rentabilidade lquida desse primeiro grupo cresceu o dobro da rentabilidade do grupo de baixa sustentabilidade. Analisando a evoluo do valor das empresas, ano a ano, tambm possvel verificar que, mesmo em momentos de queda nas bolsas, a desvalorizao das empresas de alta sustentabilidade foi significativamente menor que a das empresas de baixa sustentabilidade (Abraho, 2013).
Apesar de esta pesquisa citada no se direcionar apenas a empresas
relacionadas rea da moda, ela serve como um parmetro para que as empresas da
cadeia txtil inspirem-se nesses dados para mudar a mentalidade e alinhar suas
polticas internas e externas. Por outro lado, j so percebidas inmeras aes para
minimizar os impactos gerados ao meio ambiente, mas infelizmente essas aes
ainda so praticadas por poucos, ao mesmo tempo em que muitos utilizam essa
bandeira mais para se promover em nvel de marketing do que para realmente
colocar em prtica estratgias sustentveis.
Dentro desse cenrio, este artigo aborda prticas adotadas por designers
internacionais de moda comprometidos com o problema da sustentabilidade aliada
inovao, com foco na estratgia do zero waste, trazendo para discusso
resultados positivos atingidos pela marca nacional Contextura.
Zero Waste
O zero waste (resduo ou desperdcio zero) uma abordagem
contempornea desde a criao, o desenvolvimento e a produo, que abrange
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vrias metodologias que visam preveno e reduo de resduos durante o
processo produtivo.
Resduo Zero uma meta que tica, econmica, eficiente e visionria, para orientar as pessoas em mudar seus estilos de vida e prticas sustentveis para emular os ciclos naturais, onde todos os materiais descartados so projetados para tornarem-se recursos para outros usarem. Resduo Zero significa projetar e gerenciar produtos e processos para evitar e eliminar sistematicamente o volume e toxicidade dos resduos e materiais, conservar e recuperar todos os recursos, e no queimar ou enterr-los (Duarte, 2013).
Vrios estudos (Perez & Martins, 2012; McQuillan & Rissanen, 2011)
mostram que o desperdcio de tecido usado em confeces fica na ordem de 15-
20%, em mdia, no s no Brasil, mas tambm no mundo. Alm de grande perda
monetria, esse montante precisa ter uma destinao. Esse problema normalmente
resolvido de forma paliativa, enviando-se o resduo para lixes autorizados pelos
rgos pblicos, e sendo o empresrio obrigado a pagar novamente pelo transporte
at l e pelo seu depsito, onerando ainda mais os custos de fabricao (Fletcher,
2010). Existem outras solues menos interessantes, como incineradores e
processos de reciclagem, que geram subprodutos sem valor agregado. Nesse
contexto, a soluo mais promissora so os processos de upcycling ou
reaproveitamento do material no estado em que se encontra, reduzindo os custos e
ampliando as possibilidades expressivas do material.
O termo zero waste tem origem recente. Nos ltimos vinte anos ele tem sido adotado de modo crescente como uma meta para minimizar o desperdcio comercial. uma ampliao de ideias japonesas de qualidade total de administrao (TMQ) no campo ambiental (Murray, 2002, p. 19).
O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentvel
(2011) prope a chamada Produo mais Limpa. Trata-se da aplicao contnua de
estratgias tcnicas, econmicas e ambientais integradas aos processos, produtos e
servios, a fim de aumentar a eficincia no uso de matrias-primas, gua e energia,
pela no gerao, minimizao ou reciclagem de resduos e emisses, com
benefcios ambientais, econmicos e de sade.
Na rea da moda em especial, a abordagem zero waste manifesta-se desde
o projeto da roupa, que adquire novas aparncias, at o estudo de novos enfoques
para a modelagem, visando possibilidade de melhoria de encaixe de moldes no
infesto. So projetos de roupas que tenham um encaixe com desperdcio zero, ou
praticamente zero, com reaproveitamento planejado previamente.
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Aplicao do conceito zero waste na confeco da roupa
Percebe-se que h um retorno s solues dadas durante a histria da
moda: na Antiguidade, quando os tecidos eram feitos em tear manual, as roupas
eram compostas por panos inteiros, pois os recortes podiam causar desfiadura do
tecido. Ou havia as formas simples de panejamentos encontradas em vrias
culturas, como as dos kimonos, sris, saruis, etc..
O tipo de planificao de moldes e encaixe observado nos trabalhos dos
estilistas contemporneos parecem tambm sofrer influncia da genialidade da
Madeleine Vionnet, precursora da moulage1, que apoiava a inovao da modelagem
plana. Primeiramente ela modelava as roupas em um busto de manequim, ou em
uma pequena boneca para, posteriormente, planificar o molde. Alm disto, sempre
buscou o aproveitamento total da matria-prima nos seus moldes, como se pode
observar nas figuras 1 e 2.
Figura1: Molde planificado do vestido e vestido de Madeleine Vionnet. Fonte:
Kirke, 1998.
1Moulage tcnica de modelagem em trs dimenses feita diretamente sobre o corpo do manequim, modela o tecido sobre o volume, considerando o comportamento e caimento do tecido.
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Figura 2: Vestido feito a partir do molde mostrado na foto anterior. Fonte: Kirke,
1998.
Alm de diminuir a gerao de retalhos txteis, esse tipo de modelagem
uma forma criativa e estimulante de raciocinar o desenvolvimento de um novo
produto. Por outro lado, as peas apresentam uma falsa simplicidade, demonstrando
grande complexidade na sequncia operacional de costura, dificultando o
entendimento por parte das costureiras, o que eleva o tempo de produo, o gasto
de energia e o aumento de custo.
Dentro desse contexto, atualmente j possvel identificar vrios
designers internacionais de moda comprometidos com essa estratgia. So
apontados como expoentes internacionais Zandra Rhodes, Yeohlee Teng, Mark Liu,
Julian Roberts, Susan Dimasi, Chantal Kirby, Holly McQuillan, Timo Rissanen,
David Telfer, Jennifer Whitty, Caroline Priebe, Carla Fernandez, Tara St James,
Sam Formo e Natalie Chanin (Conrad, 2010; McQuillan & Rissanen, 2011; Enting,
2011, in: Martins, 2012, Anais 4 SPDS, p. 107). No cenrio nacional, pode-se citar
o trabalho de moda sustentvel realizado pelo Orbitato, em Santa Catarina, e a
Contextura, no Rio Grande do Sul.
A seguir, so apresentadas figuras que do uma amostragem do trabalho
desenvolvido por esses designers, evidenciando a estratgia seguida por alguns. As
figuras 3 e 4 mostram o aproveitamento de tecido para executar uma cala e um
casaco desenvolvidos por Timo Rissanen (2013).
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Figuras 3 e 4: Timo Rissanen (2013). Fonte: Duarte, 2011, disponvel em
http://lucianaduarte.org/2011/09/09/zero-waste-na-modelagem-plana/.
Outra forma de explorar o zero waste atravs do reaproveitamento de
resduos resultantes do corte para a criao de novas texturas e novos designs de
superfcie. A figura 5 mostra um vestido desenvolvido por Nick Cave, o qual possui
composio de texturas em sua superfcie aproveitando inmeros resduos txteis
(Rissanen, 2013).
Figura 5: Vestido de Nick Cave (Rissanen, 2013).
Fonte: Rissanen, Timo. Disponvel em:
http://timorissanen.com/page/10/.
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Os exemplos citados mostram que cada designer-criador desenvolve o seu
jeito prprio de dar respostas inovao com conscincia ecolgica, apesar de que,
nem sempre, so solues viveis em prt--porter, devido aos altos custos de
criao e mo de obra artesanal. De toda forma, contribuem para divulgao de
novas possibilidades de construo de vesturio (Oliveira, 2012) e para a mudana
encaminhada nos sistemas produtivos atuais da cadeia de moda.
O sistema de modelagem atualmente em vigor na indstria de alta escala
necessita de urgente reestudo, uma vez que os moldes planos tradicionais
apresentam formas irregulares, com curvas, pences etc., que dificultam o encaixe e
contribuem para o aumento do percentual de retalhos gerados (Oliveira, 2012).
De acordo com Martins (2012), especial ateno deve ser dada na
identificao da origem do resduo no sistema produtivo para se transpor esse
conhecimento incorporado no projeto da roupa. Mesmo que existam softwares para
aperfeioar o aproveitamento do tecido no encaixe visando ao corte, a eficcia
ainda deixa a desejar, devido a aspectos tcnicos, como necessidade de gradao
dos moldes em diversos tamanhos e capacidade da programao dos softwares em
acompanhar os conceitos sustentveis vigentes, estratgias de reaproveitamento e
critrios de inovao para confeccionar roupas.
Por outro lado, a pesquisa identificou que o tamanho individual dos
retalhos armazenados no Banco de Vesturio de Caxias do Sul, RS, advindos de
confeces da regio serrana gacha, tem reduzido bruscamente, configurando-se
em finas tiras de tecidos. Isso leva a crer que os fabricantes esto observando os
pressupostos de reduo de resduos e fazendo uma produo mais limpa.
Nesse cenrio, fundamental a mudana de perspectiva, mesmo que no
corresponda necessariamente soluo (Fletcher, 2010). Ou seja, todos esforos e
criatividade so bem-vindos. Segundo Oliveira (2012, p.67), o zero waste pode ser
aplicado na confeco de roupas de duas maneiras principais:
H zero waste mtodo de modelagem, onde o padro para fazer a pea especificamente projetado para no gerar resduos ou voc pode ter zero waste em nvel de empresa, onde as peas so cortadas na forma tradicional, mas os restos de tecido so reutilizados ou reciclados (Oliveira, 2012, p. 67).
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A seguir so apresentados os processos de zero waste desenvolvidos na
Contextura, atendendo a abordagem de uso de formas geomtricas simples na
modelagem, mas principalmente o aproveitamento total de seus prprios resduos
de corte em solues de tratamentos de superfcie e consequente agregao de valor
ao produto.
Contextura
A Contextura um ateli de investigao txtil. Configura-se como uma
empresa hbrida que desenvolve produtos de moda sustentvel, decorao e arte,
presta servios de design de superfcie, alm de funcionar como laboratrio de
experimentos que fundamentam a pesquisa cientfica nas reas de moda, design de
superfcie e sustentabilidade.
Um dos grandes diferenciais da Contextura est na criao de peas
realizadas em pequena escala, inaugurando uma nova esttica do reaproveitamento
de resduos de forma criativa. Os processos produtivos mais usados so a
sublimao, a moulage, e as colagens txteis.
Sublimao
A tcnica de sublimao consiste na passagem das partculas de pigmento
contido no papel transfer, em estado slido, para o gasoso, indo de encontro ao
tecido por ao de presso e alta temperatura em prensa trmica. Essa tcnica de
estamparia considerada sustentvel por trabalhar com impresso a seco,
diminuindo drasticamente a contaminao de guas, o que muito comum em
diversos tipos de estamparia txtil.
A Contextura trabalha a sublimao de trs formas: manual, em que so
realizadas pinturas gestuais com tintas sublimticas sobre papis; com a criao de
desenhos prprios desenvolvidos no computador; e com o reaproveitamento de
papis sublimticos provenientes de excedentes de outras empresas txteis. Os trs
tipos de tcnicas de constituio de imagens para estampas do origem a estampas
singulares, como pode ser observado nas figuras 6 e 7.
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Figuras 6 e 7: Blusas Contextura Outono/Inverno 2011. Fonte: as autoras.
Como o processo de montagem da estampa artesanal e depende de
material encontrado e/ou produzido em quantidade suficiente, o resultado so
composies em peas nicas, que recebem tima aceitao do pblico preocupado
em compor sua identidade e evitar a obsolescncia dos produtos tradicionais de
moda.
O alinhamento com o zero waste ocorre na medida em que no h
desperdcio de papel transfer e, ao mesmo tempo, tem-se o reaproveitamento de
papeis descartados em empresa de estamparia de larga escala.
Moulage
A moulage, palavra de origem francesa, significa moldagem, normalmente
usada para referir-se tcnica de reproduo de formas em trs dimenses, feita
diretamente sobre o corpo ou busto de costura (Anicet, Cunha & Broega, 2007). No
processo criativo das designers da Contextura, a moulage utilizada tanto para a
criao de peas inovadoras, quanto como um exerccio para as designers
elaborarem peas com o mnimo ou nenhum desperdcio, com foco em polticas
como o zero waste, conforme se pode observar na figura 8.
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Figura 8: Molde do colete Contextura Inverno 2013. Fonte: as autoras.
A figura 8 mostra a modelagem de um colete realizada atravs da tcnica de
moulage. Apenas a parte em vermelho foi o que sobrou de tecido, muito pouco at
para fazer testes de costura. O desafio dessa pea foi transformar uma echarpe de l
feltrada numa roupa, que pode ser observada na figura 9.
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Figura 9: Colete Contextura Inverno 2013. Fonte: as autoras.
De acordo com McQuillan (2011, p.85), o zero waste um processo em
que o design definido atravs do corte, resultando em peas de vesturio que
desafiam muitas normas de formas de roupa. Algumas formas s se revelam sob o
corpo, quando vestidas.
Colagem Txtil
A colagem txtil uma tcnica que tem como princpio a utilizao de
uma cola especial na forma de vu fino e leve (20 a 35g de cola por metro
quadrado), composta por adesivos termoplsticos, polmeros com a propriedade de
amolecimento quando expostos a determinada temperatura, tempo e presso,
mediante processo de prensagem trmica. Esse tipo de colagem usado para a
unio de extratos txteis, que podem ser aderidos a outros tipos de matrias-primas
naturais, artificiais e sintticas (Anicet, 2012, p.117).
Entre as vantagens dessa tcnica, tem-se a aplicao uniforme de
quantidades mnimas de cola, que, se aplicada de outra forma, seria invivel ter
uma quantidade to reduzida, caso a cola estivesse na forma lquida. Esse tipo de
colagem considerado ecologicamente amigvel, pois, alm do desperdcio ser
mnimo, ou at inexistente, o produto integralmente reciclvel e, por no conter
solventes, no libera gases txicos durante a aplicao.
Na Contextura, a sustentabilidade trabalhada nas colagens txteis atravs
do reaproveitamento das matrias-primas provenientes de outras indstrias txteis,
por exemplo, as coletadas no Banco de Vesturio de Caxias do Sul2; ou atravs da
reutilizao dos prprios resduos provenientes do excedente do corte de peas
confeccionadas na Contextura. Os resduos tornam-se matrias-primas para
tratamentos de superfcie e embelezamentos. Vrios so os tipos de aplicaes.
Muitas vezes, os resduos so usados na forma como surgiram; outras vezes,
necessrio fazerem-se adequaes das formas aos projetos definidos pelas
2O Banco de Vesturio de Caxias do Sul foi fundado com a misso de identificar e recolher os escedentes industriais, tais como, retalhos e resduos de fios, tecidos e malhas, para depois os redistribuir por entidades, como clube de mes, asilos, penitencirias, grupos indgenas, entre outros, com servios voltados para a produo do artesanato utilizando materiais oriundos dos resduos txteis.
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designers, criando um design de superfcie inusitado. O resultado por ser observado
no vestido da figura 10, o qual possui aplicao de colagem txtil na pala com tiras
advindas do prprio resduo excedente do corte do vestido.
Figura 10: Vestido com pala trabalhada com colagem de resduos excedentes do
prprio corte da pea de roupa. Fonte: as autoras.
A figura 11, por sua vez, mostra a soluo de tratamento de superfcie de saia com
colagem de resduos advindos do corte da prpria pea e a insero de outros
resduos, como se pode observar, que compem a textura em outras cores.
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Figura 11: Saia com superfcie tratada com resduos do corte da prpria saia e de
outros tecidos. Fonte: as autoras.
A figura 12 mostra outra saia, mas desta vez com a colagem de resduos de
diferentes tecidos na mesma cor e a insero de fio plstico reciclado prateado. O
resultado uma pea exclusiva, pois, por mais que se utilizem os mesmos tipos de
resduos na composio de novas peas, a composio final nunca ser a mesma.
Figura 12 Saia feita de retalhos de tecidos de cor lils e fio plstico prateado.
Fonte: as autoras.
Mesmo com o reaproveitamento dos resduos no corte, em alguns casos,
ainda se tem algum excedente que, por sua vez, reutilizado na criao de
acessrios, como colares txteis (figura 13 e 14), e de painis txteis artsticos
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(figura 15), utilizados na decorao de ambientes. Para a unio desses resduos
tambm utilizada a tcnica da colagem txtil.
Figuras 13 e 14: Colares txteis feitos com aproveitamento de resduos. Fonte: as
autoras.
Figura 15: Painel txtil realizado com colagens txteis de resduos diversos. Fonte:
as autoras.
Segundo McDonough & Braungart (2002), esse processo de
transformao dos resduos e produtos descartados em novos materiais ou produtos
com maior valor acrescentado, uso ou qualidade, chamado de upcycling.
O princpio a utilizao de materiais ou produtos, que se encontram no fim da vida til, da mesma forma em que foram encontrados no lixo, para que adquiram novas funes. Desta forma, evita-se o desperdcio de materiais potencialmente teis e, tambm, possibilita-se a reduo dos excedentes provenientes dos processos industriais (Anicet, 2012, p.102).
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De acordo com McDonough & Braungart (2002), o processo de
reaproveitamento de resduos derivados de uma produo que servem de matria-
prima para outro processo chamado de bero ao bero (cradle to cradle).
Pode-se dizer que a prtica do zero waste ainda pouco utilizada na
confeco de roupas. Percebe-se a tentativa de diminuio de desperdcio de
resduos atravs da modelagem, mas a pesquisa no encontrou empresas que
utilizem o reaproveitamento dos retalhos em novas formas de embelezamento de
superfcie txtil.
Neste cenrio, a colagem txtil desenvolvida na Contextura atinge o
objetivo de desperdcio zero e, em muitas vezes, at negativo por faltar material
tanto para colagem de superfcie quanto para testagens tcnicas de costura.
Concluso
Inmeros so os desafios na sociedade atual para a preservao do meio
ambiente, e, na moda, no diferente. A moda sustentvel prima por qualidade,
design atemporal, reduo de desperdcio de matria-prima, reduo de consumo de
energia, facilidade de manuteno, dentre outras questes. Nesse sentido, existem
inmeras estratgias para atender a demanda do consumidor comprometido com a
causa ecolgica, primando pela criao e desenvolvimento de roupas confortveis,
fsica e psicologicamente; de baixo custo, com alto apelo esttico, visual inovador e
com baixssimo impacto ambiental.
Essas estratgias devem ser construdas dentro de cada empresa, de acordo
com suas especificidades, vocao e alinhadas aos processos desenvolvidos na
confeco. A partir dessa crena, a Contextura vem se debruando no estudo dos
procedimentos produtivos realizados, com o firme propsito de dar solues de
design de moda e de superfcie aos problemas de resduos de produo e tambm
compartilhar com a comunidade acadmica e industrial da moda seus achados
positivos.
O estudo aqui apresentado mostra que a preveno de gerao de resduo
passa a ser um componente do briefing e est sob o controle do designer j na fase
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de projeto da coleo. O gerenciamento das aes em prol de um desenvolvimento
sustentvel pode ser apoiado por abordagem de design estratgico, que ir articular
todos os setores da empresa implicados na confeco do produto.
As novas perspectivas de cunho sustentvel esto reconfigurando as
silhuetas e os volumes das roupas em relao ao corpo, ou seja, influenciando a
moda. O zero waste tende a reproduzir peas com modelagens amplas, com poucos
cortes, reduo de costuras e formas geomtricas.
Na mesma direo, estudo anterior sobre consumo de moda sustentvel,
Rthschilling (2012) aponta para a tendncia de roupas com modelagem afastada
do corpo, com caimento mais solto do tecido, como recurso para evitar as
constantes lavagens, que desgastam os tecidos, consomem produtos qumicos
poluentes e energia no ato de passar a ferro, aumentando assim tambm os custos e
o impacto ambiental. Nesse cenrio, a implementao de abordagem sustentvel
direciona o design de moda para inovao, durabilidade, singularidade, fomentando
qualidades, ampliando desempenhos de aspectos fsicos, tcnicos, estticos e
simblicos que se mostram como antdotos contra a obsolescncia programada, o
descarte e a fast-fashion.
Olhando para o futuro, acredita-se que o sistema industrial de manufactura
de roupas caminhe para sua reconfigurao com vistas a atender a demanda de
atualizao de processos, alinhada ao desenvolvimento sustentvel. Mesmo se
apresentando hoje como um desafio quase impossvel de ser transposto, dever ter
como uma das principais metas o desperdcio zero (de resduos, energia etc.) que,
sem dvidas, trar ganhos financeiros, sociais e ambientais, instalando um novo
paradigma produtivo.
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