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Contos e Lendas - Leda Saraiva Soares, 1995

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Coletânea de contos e lendas da região do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, reunidas pela pesquisadora Leda Saraiva Soares.

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    Leda Saraiva Soares

    CONTOS E LENDAS

    Pimeira Edio

    - 1995 -

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    Copyright 1995 by Leda Saraiva Soares

    Capa: Fotografia da primeira Capela de Tramanda "Nossa Senhora dos Navegantes",

    construida em 1908 Av. da Igreja com a Av. Emanicipao. Foi demolida em 1954.

    Cortesia do Estdio Photogrphico "Paragem das Conchas", Rua Sahyde Abraho, 238

    Tramancia.

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    APRESENTAO

    H alguns anos passei a me preocupar com o registro de nossa histria. As geraes vo

    passando e quase nada de sua cultura fica registrada. Iniciei uma pesquisa entrevistando os

    antigos moradores de Tramanda e de Imb. Este trabalho me fascinou, pois, descobri muitas

    coisas interessantes que me fizeram admirar mais nossa terra e nossa gente. Passei a

    pesquisar sobre o litoral. Depois ,encantaram-me as estrias que o povo contava e que corriam

    de boca-em-boca: contos, causos, lendas... fatos pitorescos acontecidos...

    Com base no que ouvi e vivi nesta regio elaborei alguns contos e lendas tentando colocar a

    paisagem da poca e dar uma viso de como viviam, o que pensavam e como era a vida da

    gente corajosa e pioneira que, enfrentando toda sorte de dificuldade, se estabeleceram no

    povoado de Tramanda, antes mesmo da virada do sculo.

    De certa forma, procurei empregar certos vocbulos e expresses das pessoas que me

    contaram as estrias, para torna-las mais puras, mais autnticas, mais nossas.

    Alguns causos e lendas, transcritos neste trabalho encontram-se publicados nos livros

    TRAMANDA TERRA E GENTE de minha autoria com Sonia Purper e no livro IMB HISTRICO -

    TURSTICO de minha autoria. Achei por bem reuni-los nesta obra, juntando-os a tantos outros,

    at ento inditos.

    CONTOS E LENDAS DA REGIO resgata um pouco do antigamente, podendo ser utilizado nas

    Escolas para que os estudantes possam conhecer os usos e costumes de geraes que fizeram

    a histria de Tramanda.

    a autora

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    AGRADECIMENTO

    A todos que colaboraram, concedendo-me entrevistas, contando-me "causos" e lendas com os

    quais elaborei esta pequena obra:

    Sr. Edmundo Silveira de Souza.

    Srta. Elo de Oliveira Santos.

    Sr. Jardelino Peroni.

    Sr. Jos Batista de Oliveira.

    Prof. Helena Mafalda Dossena.

    Sra. Virgulina L.Muri.

    Sra. Maria Rosa do Amaral Saraiva.

    Dr.Guido Muri.

    Agradeo a todos que direta ou indiretamente contriburam para a elaborao deste trabalho.

    "In Memriam":

    Sr.Fernando Silveira do Amaral.

    Sra.Altiva de Souza Heto (D. Filuta).

    Sr. Palmarito de Almeida Saraiva.

    Pensamento: O homem s pode progredir intelectual e moralmente, em sua vivncia

    especfica, se ajudado pela experincia coletiva que as geraes precedentes acumularam e

    preservaram.

    (Jacques Maritain)

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    TRINTA ANOS DE EMANCIPAO POLTICA DE TRAMANDA

    Vinte e quatro de setembro - 1965 - 1995.

    Tramanda, parabns!

    Trinta anos de conquista gloriosa, impe - te como a mais popular praia do Sul do Brasil: A

    CAPITAL DAS PRAIAS!

    H um sculo como eras diferente!... Teus ranchinhos de palha... teus poucos hotis de

    madeira cobertos de palha, depois de zinco, mais tarde de telhas de barro ...hoje tua moderna

    arquitetura transformou tua fisionomia. A vida era difcil. Como sofriam os pescadores e os

    comerciantes para atravessarem o longo inverno!...

    E a aventura dos veranistas pelos idos de 1900? Carretas cortavam caminhos, escolhendo

    terreno aqui e acol, com pernoites pela estrada, trazendo capoeiras de galinhas mantas de

    charque, bolachas, conservas e de tudo o que pudessem necessitar nos trs meses de veraneio

    que passariam na praia. Tudo isso, todo esse sacrifcio, transformava-se em faanha quase

    heroica, nica e exclusivamente para alcanar o mar e desfrutar de sua magia com poderes de

    cura. A temporada na praia era sonhada durante o ano inteiro porque representava verdadeiro

    tratamento de sade. Comboios de canetas, lentamente arrastavam-se rumo ao litoral. Havia

    carretas de carga para transportar toda a tralha necessria e as que transportavam pessoas. As

    senhoras e as crianas acomodavam-se sobre cobertas espalhadas pela carreta. Os homens, os

    jovens e os guias seguiam frente, a cavalo escolhendo o melhor caminho.

    1920 pelo automvel e nibus. As estradas, entretanto eram as mesmas e esses veculos

    sofriam com a precariedade dos caminhos, quebrando ponta de eixo, furando pneu, perdendo

    parafusos, atolando. Frequentemente eram tracionados por juntas de bois, onde a areia e a

    lama permitiam o trnsito normal. Depois de alguns dias de sacrifcio, peripcias, imprevistos e

    situaes difceis (que depois de vencidas eram motivo para risos), chegavam a Tramanda. Era

    como encontrar o paraso. Lugar to diferente da cidade, pequeno ncleo de pescadores

    aninhado entre o rio e as dunas de areia. O vento corria solto na vrzea que atravessava o

    centro deste balnerio.

    Tramanda de dois tempos: de gente humilde e de gente ilustre. Da vida agitada do vero e da

    vida difcil e nostlgica do inverno que s era animada pelo bulcio da pesca no tempo da

    tainha, em maio; no tempo da miraguaia em outubro e, em especial, no tempo do bagre.

    Agitava-se Tramanda, tambm, por ocasio das festas religiosas, animadas pela Banda de

    Msica local. Eram dez dias de novenas seguidas de bailes e o dcimo baile era dedicado ao

    festeiro novo. Os naufrgios de navios causavam muita agitao populao, recolhendo a

    carga que a violncia das guas expulsava dos pores que se rompiam. Tambm

    acontecimentos polticos, em Conceio do Arroio (Osrio), movimentavam o stimo distrito:

    Tramanda.

    Na temporada de vero, o pequeno balnerio transformava-se: o pescador deixava a pesca e

    se fazia garom, pedreiro, carpinteiro eletricista e "faz-tudo.

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    E o vento? O Nordeste, mesmo no vero, forava as mulheres a usar lenos, chapus e redes

    na cabea para proteger os cabelos. A umidade dos terrenos encharcados e a areia solta

    impunha o uso de tamancos. Chals de madeira construdos pelos primeiros veranistas

    descendentes de alemes erguem-se com varandas envidraadas, armrios embutidos e

    enfeitados com molduras cheias de recortes. Os beirados dos chals eram todos rendilhados

    de lambrequins estilo arquitetnico que marcou poca.

    A cada ano Tramanda se desenvolvia mais e mais. Edifcios se erguiam. Casas modernas eram

    construdas. Com a autoestrada FREE WAY Tramanda transforma-se em bairro de Porto

    Alegre. Alteram-se os hbitos. O veranista, que s retornava a Tramanda nas temporadas de

    vero, agora, tambm vem passar os fins de semana durante o ano. Muitas pessoas que se

    aposentaram transferiram sua residncia para esta praia, onde se leva uma vida mais tranquila

    e se respira um ar ainda puro. O comrcio conserva-se aberto durante o ano todo, em sua

    maioria.

    Tramanda tens muita histria para contar a todos que te visitam!...

    Tramanda atinge a sua maturidade aos trinta anos de emancipao poltica. Desperta para a

    busca de suas razes. Valoriza o seu passado e busca uma identidade para projetar um futuro

    seguro genuno, voltado para o turismo, descobrindo seus encantos que so tantos...

    Tramanda, ainda quero ver-te com a tua histria em cada canto, em monumentos, nas ruas,

    nas praas, nos hotis em cada casa de comrcio. Quando teus habitantes souberem contar a

    tua histria queles que nos visitam, para seus filhos e para seus netos, porque te querem

    bem, te admiram, orgulham-se de ti.

    Nesse tempo, ento, sers uma cidade turstica!

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    FOGO SIMBLICO? BOITAT?

    O TIRO DE GUERRA, criado em 14 de maio de 1928, em Conceio do Arroio (Osrio), veio

    favorecer o jovem desta regio, que poderia prestar servio Ptria sem se afastar de seu

    meio social. Tramanda, como todo o litoral gacho, por muito tempo sofreu um isolamento

    cultural. De maro a dezembro no havia presena de veranistas, cujas casas se fechavam em

    maro, para se reabrirem somente na temporada seguinte. A populao residente, durante a

    "baixa estao", ocupava-se da pesca e do comrcio inexpressivo. Sobrevivia do pouco que o

    trabalho de dois meses lhe rendera. Pouco a fazer havia no inverno, sobrando muito tempo

    para causos, contos e lendas... Vestir-se de fantasma e sair noite para assustar as pessoas era

    um divertimento muito apreciado Estrias de assombrao, apario passavam de boca em

    boca no pequeno povoado. A cabea das crianas e dos adultos guardavam estrias

    horripilantes! ... Por volta de 1942, um jovem de Tramanda, fora servir no TIRO DE GUERRA,

    em Conceio do Arroio (Osrio). Aproximava o ms de setembro. No dia primeiro, o Fogo

    Simblico costumava sair da cidade onde nascera algum heri da ptria, ou de um lugar onde

    ocorrera algum fato histrico expressivo. Militares ou atletas acendiam urna tocha nessa fonte

    ardente e iam levando esse fogo a todas as partes do territrio brasileiro. Cada cidade

    destacava grupos de militares ou atletas para iro, ao encontro do Fogo Simblico para

    acenderem a tocha para ser levada a sua cidade, onde grande parte da populao, numa

    demonstrao de Civismo, aguardava a chegada do grupo com espocar de muitos fogos

    artifcio.

    A turma do TIRO DE GUERRA de Conceio do Arroio (Osrio) foi destacada para buscar a

    tocha ardente perto de Santo Antnio da Patrulha. O jovem de Tramanda, a quem vamos

    chamar de Mundinho, nunca ouvira falar em FOGO SIMBLICO, mas no perguntou nada a

    ningum. Ficou pensando com "seus botes": Fogo Simblico?... Ser que tem a ver com

    Boitat?... Meu Deus! ... No podia fugir, nem demonstrar medo para no servir de chacota

    aos companheiros... noite, um caminho de carga ia distribuindo soldados, um - a - um, ao

    logo da estrada RS 30, que liga Osrio a Santo Antnio da Patrulha. Mundinho ficou nas

    imediaes da lagoa dos Barros. A noite estava muito escura. H pouco tempo, nesse local,

    ocorrera um crime que abalou o Estado do Rio Grande do Sul: Ao sair de um baile o noivo

    matou a noiva, Maria Luiza, moa da alta sociedade de Porto Alegre, jogando - a na lagoa dos

    Barros com uma pedra amarrada ao pescoo. Mundinho, sozinho beira da estrada, entre o

    matagal que se alteava, prximo lagoa, s pensava no fantasma da moa que, a qualquer

    momento, poderia emergir das negras guas da misteriosa lagoa... pensava tambm em tantas

    outras aparies que costumavam se manifestar naquelas guas... De repente, uma coruja pia

    de um jeito agourento e, num farfalhar de asas, cruza rente cabea de Mundinho que quase

    desmaia. Olhos arregalados, cabelos em p, um arrepio lhe faz estremecer todo o corpo.

    Refeito do susto, olha ao longe e, para sua aflio, v um fogo em movimento: ora sobe, ora

    desce, ora vai para um lado, ora vai para outro... Seu corao dispara. demais!...

    Descontrolado, solta um grito de horror que ecoa no meio da noite - o Boitat!... !...

    !... Imvel, branco como cera, no arrisca sair do lugar. O fogo cada vez se aproxima

    mais. Mundinho vai se refazendo medida que distingue, na escurido, a presena de seus

    companheiros. Entre eles, um traz uma tocha de fogo com a mo erguida acima da cabea. O

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    soldado que trazia o FOGO SIMBLICO entregou - o para Mundinho, dizendo: - a tua vez!

    Corre e entrega para o prximo que est na estrada, mais adiante! ... Naquele dia simblico!...

    Mundinho entendeu o que era FOGO SIMBLICO!...

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    A APARIO

    Palmarito era caixeiro - viajante. Viajava pelo Rio Grande do Sul, no lombo de um cavalo. Por

    volta de 1936 chegou a Osrio e hospedou-se no Hotel Amaral. Em uma de suas viagens,

    deixara em Tramanda uma namorada, Srta. Maria Rosa do Amaral. J era noite, mas a

    saudade era muito grande e no queria esperar para viajar no dia seguinte. Inteirou-se das

    novidades e ficou sabendo que haveria um grande baile naquela noite em Tramanda. No

    hotel, encontrou um amigo, Sr. Teotnio Freitas que concordou em fazer - lhe companhia

    naquela viagem noturna. Montaram em seus cavalos e tomaram a estrada. Conversa vai,

    conversa vem, Palmarito pergunta ao companheiro: - Teotnio vou fazer uma pergunta pr ti.

    Tu acreditas em apario ? Estou te perguntando por que ouvi dizer que no Passo da Me Rosa

    * costuma aparecer fantasmas. Eu, pr te ser bem sincero, no acredito nessas coisas... -Eu

    tambm no, Palmarito - respondeu Teotnio com sua voz bem arrastada, demorando-se nas

    palavras. Palmarito, muito valento que era acostumado em suas viagens, a enfrentar todo

    tipo de perigo, em tom de desafio falou: - Se existe Deus e alma do outro mundo, hoje eu

    quero ter uma prova! Continuaram a trote largo e nem mais se lembravam do que haviam

    falado. A noite no poderia ser mais escura! O silncio era profundo, pois o assunto j se

    esgotara e a monotonia da viagem era propcia a um recolhimento, ouvindo-se apenas o rudo

    dos insetos que se misturavam com o som surdo das patas dos cavalos na estrada de areia.

    Palmarito quebra a quietude que os envolve e diz para o amigo

    -Teotnio, ests vendo alguma coisa na frente do meu cavalo? -Estou vendo um vulto todo de

    branco!... -respondeu Teotnio numa fala arrastada. - o que pedi pr ver!... Palmarito, sem

    perder a coragem, puxou de seu revlver trinta e oito e gritou para o amigo: - Vamos cercar a

    "coisa!... Cerca por l que eu cerco por c!...

    Apertaram o cerco e o vulto sumiu do mesmo modo como apareceu. Estavam justamente no

    Passo da Me Rosa... Calados, entregues a seus pensamentos, tentando entender o que

    acabara de acontecer, prosseguiram a viagem a trote mais acelerado por causa da excitao

    que a APARIO lhes causara. Naquele momento s se ouvia a respirao ofegante dos

    cavalos, o rudo de algum inseto ou o pio de alguma coruja nos matos que se alteavam

    prximos estrada...

    * Me Rosa - (arroio da -) Arroio que nasce no campo e desgua na lagoa do Pesqueiro. Este

    arroio atravessa a estrada que conduz de Osrio a Tramanda.

  • 11

    O BICHO MEDONHO

    No tempo da tainha gorda, ms de maio, a turma de pescadores, convidados por meu pai,

    Palmarito de Almeida Saraiva homem honrado e admirado pela gente de Tramanda, foram de

    caminho de carga l para os lados da praia da Solido, fazer uma pescaria.

    Os integrantes do grupo diziam - se cada qual mais valente, Nem de alma do outro mundo

    tinham medo...

    Alfredo Firmino, um tipo muito especial que se achegara a nossa casa de comrcio e ali foi

    ficando. Era muito amigo de meu pai Sentia - se como gente de casa. Muito brincalho,

    gracioso, daqueles que, de repente, arrancava o faco da cintura e num pular de quem vai

    atacar, riscava o cho rente aos ps de um grupo de pescadores que estava a conversar,

    demonstrando valentia e ligeireza. Quando percebia que os homens, tornados de surpresa,

    preparavam-se para se defenderem, batia com o p direito no cho, agachava-se e dava uma

    gargalhada das suas, inconfundvel!

    Sem ele a pescaria no tinha graa. Bem. Essa turma de pescadores, j na praia, tomavam

    "umas que outras" com o pretexto de se aquecerem e, alm de aquecidos, ficavam valentes

    barbaridade...

    No cu, nenhuma estrela. A lua no sara. Escurido total. O velho Alfredo Firmino, sempre

    querendo aprontar das suas, afastou-se por alguns instantes, indo para trs dos comoros.

    Esperou o momento certo de aparecer para os mais valentes.

    Quando Arthur, com o Xiru e mais outro valento estavam distrados, o velho, na escurido,

    com urna capa sobre a cabea surgiu de trs dos comoros, meio agachado e aos pulos,

    largando urros e guinchos medonhos para o lado dos nossos heris que s no encheram as

    botas porque estavam descalos... Estes, tornados de tanto susto, saram gritando por socorro:

    - Palmarito. Palmarito!... Tem um bicho medonho atrs do caminho!...

    -O que que hai, indiada!... Deixem comigo que eu crivo de bala esse monstro filho da manha,

    com meu trinta e oito!...

    Nessas alturas, o velho Alfredo Firminio j estava a bater com o p direito no cho, curvado,

    segurando a barriga, de tanto que ria do susto que pregara nos companheiros...

  • 12

    MINGUTA

    A personagem deste episdio chama-se Domingos Leandro dos Santos mais conhecido, nos

    anos vinte por Minguta. Parente do Sr. Alfredo Firmino, pescador j mencionado em outro

    "causo". Era rfo e morava com sua vo Carlota, me da Bela Florisbela'. Foi ele o primeiro,

    empregado de meu av na "CASA AMARAL ". Era muito esperto. Trazia sempre o troco certo.

    Ningum o lograva. Fazia todo tipo de servio era uma espcie de mandalete. Tinha uns

    dezesseis anos . Seu passatempo preferido era assustar as pessoas. Vestia-se de fantasma,

    com lenol envolto no corpo e saa pelos becos, noite, procura de medrosos...

    Certa feita, conta - nos D. Filuta, o Minguta resolveu assustar a D. Joaquina, irm do Ari, filho

    do Chico Rita, antigos moradores de Tramanda.

    Morava essa senhora numa casa simples, na esquina da Av. Fernandes Bastos (antiga Rua

    Grande), com a Av. Fernando Amaral (antiga Vicente Barcelos). Prximo casa, a uma

    distncia de mais ou menos um metro, havia uma pea que servia de cozinha. Alis,

    antigamente as cozinhas costumeiramente, eram construdas separadas do corpo da casa O

    piso desta cozinha era de "cho batido. M linhas que sustentavam a pea ficavam afastadas

    do solo uns dez centmetros. D. Joaquina estava ali, na lida da cozinha, sozinha, o sol j havia

    posto. Era a hora do crepsculo. Aquela hora da silhueta em que a terra parece revestir-se de

    mistrio... Minguta, do lado de fora, comea a remexer rente linha, roncando fungando e

    gemendo como um bicho... A senhora Joaquina, cuja cabea se povoava dos mais horrveis

    contos de fantasmas e assombraes, quase teve um ataque de nervos. Saiu espavorida, aos

    gritos, pedindo socorro, dizendo haver ali um bicho horroroso, querendo invadir a cozinha.

    Minguta feliz e, ao mesmo tempo, assustado com o rebulio que causara, quase matando D.

    Joaquina de susto, "cravou o p" na estrada e foi se colocar atrs do balco da venda como se

    nada tivesse feito.

    Enquanto isso, os parentes, intrigados, faziam conjeturas chegando a concluses desse tipo:

    - S pode ser o diabo do Minguta!...

  • 13

    O BANHO DE SODA

    Minguta era moreno, pele escura, sem ser negro. Era, digamos assim, encardido por natureza.

    Desejava ardentemente ter a pele clara. Um dia, chegou ao emprego todo vermelho,

    parecendo queimadura. O pessoal da casa perguntou - lhe:

    - O que isso, rapaz?

    -Ah! ... Isso foi um banho de soda custica que eu tomei para ver se clareava a minha pele...

    A GEMADA

    Minguta adorava comer gemada. Porm achava muito pequeno um ovo de galinha. Ficava

    sempre desejoso de comer mais um pouco. O seu sonho era fazer gemada com um ovo de

    avestruz! ... A sim, poderia fartar-se. Assim pensou, assim o fez.

    To logo botou os olhos num ovo de avestruz que chegara ao armazm, comeou a pensar "

    hoje!... hoje!....

    Fez a gemada a capricho. No ofereceu para ningum. Comeou a comer s escondidas, mas

    no conseguiu comer tudo, Pois comeou a ficar enfarado... A noite ainda no chegara e o

    Minguta j estava a vomitar at no poder mais...

    Por muito tempo, no podia nem ouvir falar em gemada quanto mais sentir o cheiro... Ou ver

    um ovo de avestruz!...

    Obs.: Dizem que um ovo de avestruz equivale a uma dzia de ovos de galinha. Nos campos da

    regio Litoral Norte, havia grande quantidade de avestruz. Os ovos eram utilizados para fazer

    po de l, merengue esquecidos, etc.

    Para extrair o contedo do ovo, sem estragar a casca perfuraram-se as extremidades. As

    pessoas habilidosas pintavam paisagens na casca do ovo. Transformava-se em objeto de

    adorno.

    O PAPAI NOEL

    Outro dia, Minguta foi ao Hotel Corra comprar um balaio de po para o armazm. Diga-se

    que esse hotel tinha padaria de primeira qualidade.

    Era tempo de Natal. O rapazote nunca havia visto Papai Noel, muito menos ouvido falar... O

    padeiro vestiu-se de Papai Noel, mas daqueles brabos, com relho na mo dando relhao a

    torto e a direito, fazendo respingar moleque para todos os lados... Era um "salve-se quem

    puder!"

    Minguta, que gostava de assustar os outros, dessa vez se deu mal. Trazia o balaio cheio de po,

    quando botou os olhos naquele bicho vermelho, barbudo e enlouquecido... No teve dvida:

    largou o balaio no meio da rua e... Pernas para que te quero?...

    Voou para a casa de seu patro sem balaio nem po!...

  • 14

    ACREDITE SE QUISER...

    Contava Fernando Silveira do Amaral, comerciante abastado e proprietrio do primeiro

    sobrado de alvenaria de Tramanda que, numa de suas faanhas, meteu-se a caar nos

    banhados da regio, no tempo das vacas gordas, no tempo que se amarrava cachorro com

    linguia...

    Sua arma era um cordo com um pedao de toucinho amarrado na ponta.

    O dia no estava l muito bonito, nem muito feio nem chuvoso, nem ensolarado. Era daqueles

    dias em que no apetece fazer nada. Um dia em que no se arranja parceiro nem para

    caada...

    Foi ele caar sozinho, sem testemunho para seu feito.

    Chegou ao local, olhou para todos os lados, sondou daqui sondou dali... Aproximava - se a hora

    do cruzo dos marreces. Lanou a linha com toda a sua fora pelos ares, bem no local onde

    mirara - pois o homem era bom de mira... Ficou na espreita por detrs de uma moita.

    Comeava a se inquietar, quando a linha em suas mos era puxada de forma ritmada.

    Comeou a contar os puxes: parou no cinquenta. Estava intrigado. Que diabo seria aquilo?

    Sua linha agora era puxada com grande fora e comeava a subir feito pandorga. Agarrou-se a

    um p de guanxuma e, com a fora de um touro bravo, conseguiu, de uma feita, ver do que se

    tratava. Aos seus olhos, parecendo at ser mentira, coisa de no se acreditar, ondulava no cu

    uma enfiada de marreces, dominou - a. E como quem recolhe pandorga veio trazendo

    devagarito, para junto de si aquela bicharada vivinha, vivinha!...

    A isca, lanada na ponta da linha, era engolida por um marreco. O toucinho produzia uma

    diarreia de imediato no bicho que a excretava, tal qual a engolira. A mesma isca era engolida

    pelo segundo marreco. O mesmo acontecendo com o terceiro, at chegar ao

    quinquagsimo...

    Essa enfiada foi levada para casa e por muito tempo comeu marreco!...

  • 15

    FLORISBELA

    Florisbela mais conhecida por Bela era filha de D. Carlota, av do Minguta. Nascida, mais ou

    menos em 1870.

    Bela era muito pobre. Vivia de esmolas e morava numa casinha bem pequena, com um

    quartinho que mal cabia a cama e uma cozinha.

    Era magra e caracterizava-se por um sinal muito grande, negro e spero na face. Usava um

    leno amarrado sob o queixo. Andava muito suja, sempre com uma cesta de palha quadrada

    com duas alas.

    Era cartomante para o "gasto". Nas sortes, no lia o que fosse negativo, dizendo: "Nas coisas

    ruins a gente mete os ps..." E passava a ler o que fosse bom.

    Dizia ter parentes em So Luiz Gonzaga. Sempre falava ter sido filha de gente abastada; criou-

    se "chutando pataces de prata". Usava tamanco, e chamava a ateno o brilho na parte

    interna de seu calado. Elogiava constantemente seus ps, dizendo: Meus pezinhos so muito

    mimosos!

    Quando era bem velhinha, sua voz estava rouca e sua pele adquirira uma tonalidade escura,

    como a das pessoas que vivem prximas ao mar. Ela mostrava os braos e apontava para a

    garganta, dizendo: "Eu fiquei assim, porque comi rapadura, bebi gua e fui pro sli..." (sol).

    Recebia ajuda de todos. Quando no tinha o que comer chegava CASA AMARAL, subia para o

    andar superior, dirigia-se cozinha e, ali era servida. Dizia: "Bota bem pouquinho, Mariquinha,

    quase no como nada". E repetia a refeio quatro ou cinco vezes. Isso era frequente.

    Esta figura quase folclrica se integrara famlia Amaral e comunidade tramandaiense. Viveu

    muitos anos, deveria estar na casa dos noventa. Morreu de velhice.

  • 16

    CLARA

    Clara era benzedeira. Todos lhe tinham muita f. Sua me era parteira.

    Desde 1908, ela, sua me e seu irmo rezavam tero nos velrios e nas novenas, nas ocasies

    em que o sacerdote no se fizesse presente.

    Atribuam Clara, certos poderes extrassensoriais: mistrios da meia noite...

    Falava meia lngua. No tinha quase nenhum dente, o que dificultava, ainda mais, a sua

    dico. Salivava muito e, ao falar respingava o seu interlocutor com perdigotos.

    Quando encontrava algum, costumava dizer: Ti vai, tirida? (Como vai querida?).

    Um defeito na perna a fazia claudicar. Dizia ser consequncia da mordida de um cachorro.

    Andava apoiada num bordo. Usava sempre um leno, j sem cor, preso nuca pelas trs

    pontas, escondendo todo o cabelo. Uma cesta quadrangular, de palha, muito grande,

    encardida pelo uso, j se integrava sua personalidade.

    Clara era de cor branca. Sua pele, judiada pelo vento e queimada pelo sol, a deixava mais

    velha. Caminhava muito. Percorria todas as casas dos moradores de Tramanda. Nas sadas de

    Missas ou Novenas, l estava Clara, pedindo seu bulo, para sobreviver.

    H certas passagens de sua vida que os antigos lembram, sem maldade, mas que so

    engraadas, por sua espontaneidade.

    Contam, por exemplo, que nos teros rezados acompanhada de sua me e de seu irmo a

    quem chamava Mandivera (mano Oliveira). Os trs se revezavam durante a reza.

    Clara apresentava certa dificuldade respiratria talvez sofresse de asma - e se cansava logo,

    sendo acometida, ainda, por constantes bocejos. Iniciava a reza, puxando o tero e, no meio

    da Ave-Maria, sem interromper a orao, pedia ao irmo para rezar com os fiis a segunda

    parte. Dizia assim:

    Ave - Maria, cheia de graa

    O Senhor convosco

    Bendita sois vs entre as mulheres

    Mandivera, pega nu p ditrais..."

    E bendito o fruto de vosso ventre Jesus

    "Mandivera, pega nu p ditrais" queria dizer: Mano Oliveira, reza tu a segunda parte da Ave -

    Maria, com o povo.

    E o mano Oliveira respondia: Santa Maria me de Deus...

  • 17

    Em outra ocasio, sua me estava rezando o tero. Diga-se que nesses encontros para orao

    comunitria, os cachorros acompanhavam seus donos. s vezes, o imprevisvel, ou melhor, o

    indesejvel acontecia. Sem maldade alguma, a me da Clara fazia o seu comentrio

    espontneo, ou a sua reclamao, no meio da orao. Vejamos:

    -Ave - Maria, cheia de graa

    O Senhor convosco

    Bendita sois vs... cufum Quilara!... Cachorro peid, entre as mulheres...

    E bendito o fruto...

    "Cufum" = rumor que fazia com o nariz e com a boca expirando e maldizendo o mau cheiro

    exalante

    "Quilara" = queria dizer Clara. Tambm a me era meia - lngua.

    Clara morreu como indigente, por volta de 1963.

  • 18

    AS PEGADAS NA AREIA

    Contam que Man - Chico, pescador antigo, conhecido de todos em Tramanda, por seus

    causos fantsticos, um dia sara para pescar na barra. Nesse dia, no encontrou l nenhum

    pescador. Estava solito e Deus. Atirou vrias vezes a tarrafa no rio, na tentativa de trazer algum

    peixe para a janta. Nada.

    Era primavera!

    O rio estava calmo, espelhando as guas que, naquele instante, tingiam-se dos mais diversos

    matizes. Paisagem digna de ser apreciada! Man - Chico olhou ao longe, at onde sua vista

    alcanava e admirou aquela beleza indescritvel, como se fosse a primeira vez que se

    deparasse com tal espetculo. As guas estavam muito calmas. As ondas espumantes com

    delicadeza, nesse dia, vinham banhar-lhe os ps. O sol j se dirigia para o oeste. Uma barra

    avermelhada desenhava no firmamento as mais estranhas formas. Esse homem simples

    deixou-se enlevar, nesse momento, por forte emoo. Ficou extasiado diante de tanta beleza.

    Uma gaivota cortou os ares e, num mergulho decidido, buscou um peixe, fazendo um rudo

    que tirou o nosso pescador daquele encantamento.

    Tarrafa recolhida s costas, meio curvado, retira-se do local e comea a caminhar, quando

    percebe, na areia, umas pegadas pequeninas. Dois ps em miniatura. Curioso, comea a segui-

    las. Caminha, caminha, seguindo-as por toda a praia. Numa determinada altura, as pegadinhas

    tomam a direo da Av. N. Senhora dos Navegantes (Avenida da Igreja). Naquela poca, 1920,

    os comoros vinham at a Prefeitura Municipal. Sua curiosidade aumenta. Ainda dia claro. O

    sol ainda no se pusera de um todo. As pegadas ficavam cada vez mais ntidas. Animado pela

    curiosidade, acelera o passo, sobe comoro, desce comoro... e as pegadas ali, na sua frente. E,

    para seu espanto, as pegadas terminam na porta da Capelinha.

    Man-Chico sente-se preso a terra. No consegue dar passo. Olha para a Capela que tantas

    lembranas lhe traz: batizados, casamentos, enterros de pessoas amigas e de parentes...

    Festas religiosas... Tudo isso se mistura em sua cabea. Lembra-se da construo do tempo:

    pedra sobre pedra, madeirame... Passa-lhe pela cabea a figura Comendador Milito

    D'Almeida, homem devoto a quem se deve a construo desta capela.

    Abandona estes pensamentos que o perturbam, hesita por um instante. Decide entrar. Deixa a

    tarrafa porta, benze-se com devoo. No v ningum na casa de Deus. Dirige-se ao altar.

    Corre os olhos pelos Santos... e o que v?

    Nosso Senhor Jesus Cristo, Menino Jesus, no colo da Virgem Maria com os pezinhos sujos de

    areia!... No acredita. Com todo o respeito, passa a mo nos pezinhos do Deus-Menino para

    tirar qualquer dvida. areia mesmo!

    Aquele homem baixo, de olhos azuis, chapu na mo ajoelha-se, deixando-se ficar ali por

    momentos que pareciam eternidade. Depois, como se despertasse de um sonho, levanta-se,

    olhar vago, vai at a porta que d para a rua, apanha a tarrafa, sai, atravessa a rua

    empoeirada, em direo norte e entra no boteco do Sr. Antnio Isabel. Encosta-se no balco,

    pede um aperitivo para sair do torpor que se apodera dele e, mais reanimado, conta o fato aos

  • 19

    companheiros que, costumeiramente, quela hora, estavam ali para um gole de purinha e para

    um dedo de prosa...

    - Juro por essa luz que me alumia que eu vi!

  • 20

    A CUMBUQUINHA

    Quem nos conta D. Filuta...

    Quando criana aconteceu-lhe um fato que at hoje est vivo em sua lembrana. Isso j vai

    muito longe... l pelos idos de mil novecentos dez, quando em Tramanda no havia mais do

    que cem ranchos de pecadores que se distribuam ao longo do piscoso rio. Esses ranchos eram

    de madeira, mui pequenos, cobertos de palha; a cozinha era de cho batido.

    Atendendo ordens de seus pais que moravam na Av. Beira-rio, logo a nordeste da ponte que

    vai para o Imb, ela e sua amiguinha Cebeli, foram recolher as vacas que pastavam l para as

    bandas do Sr. Manoel Jos (hoje Imobiliria Casa da Praia).

    Naquela poca, o centro de Tramanda era cortado por uma vrzea que se estreitava entre os

    comoros e o rio, entremeado de banhados, excelente pastagem salitrada para o gado.

    Debruados nas taquaras da mangueira, seus pais seguiam, com os olhos, as meninas que,

    saltitantes, corriam em direo s vacas.

    A garotinha Filuta, que tinha mo uma taquara para tocar os animais, viu, rolando na areia,

    uma cumbuquinha muito engraadinha. Enfiou-a na ponta da taquara; no sabia o que era;

    levou-a para casa. A me, ao ver as meninas se aproximarem, disse para o marido, intrigada:

    -O que aquilo que a Filuta traiz na ponta da vara?

    Quando a Filuta chegou perto, a me perguntou-lhe:

    -O que isso, rapariga?

    -No sei me. uma cumbuquinha que achei l nos combros...

    -J me leva isso de vorta, sua bruaca! uma cabea de defunto!... Corre e vai j colocar isso no

    lugar onde encontraste! Seno o defunto vem de noite mexer contigo!...

    Mal a menina ouviu aquilo, cravou o p com sua amiguinha para devolver o achado ao seu

    lugar. Chegaram l excitadas os olhos no lhes cabiam nas rbitas.

    E agora? No sabiam mais de onde haviam tirado a cumbuquinha. O vento, indiferente ao fato

    j havia apagado qualquer marca na areia. Sem tempo a perder, atiraram o crnio humano em

    qualquer lugar, pois a noite j vinha caindo e o frio era intenso.

    Cravaram o p de volta casa, empurradas pelo medo e pelo vento Minuano gelado que,

    implacvel, fustigava-lhes as pernas com nuvens de fria areia, deslocadas dos comoros, feito

    chicotadas em mo de hbil e impiedoso feitor.

    Chegaram a casa com os olhos esbugalhados, olhando sempre para trs, durante o trajeto de

    volta, a ver se o defunto no as estava a perseguir...

  • 21

    O TOURO NA FAXINA DE IMB

    Era junho de 1914. O dia amanhecera bonito, apesar de ser inverno. De vspera, fizeram a

    combinao. Dona Maria Germana, com as filhas Nicuta e Filuta, sairiam bem cedinho para

    cortar junco em Imb. Com elas iriam a Cota e a Estelita, vizinhas de porta. Moravam prximo

    ao rio, hoje, Av. Beira Rio, com Rua Doze de abril, Com esse material confeccionariam esteiras

    e trilhos para vender no vero. Escolhiam os juncos verdinhos, sem defeito. Secavam-nos em

    casa.

    D. Maria preparou uma cesta com rosca, po de casa, p de caf, uma chocolateira para ferver

    gua e ainda uns pedaos de peixe que sobrara da janta.

    - Filuta, anda ligeiro, rapariga! Agarra a cesta e vai v se a comadre j t pronta - disse D.

    Maria, quase a gritar para a filha que estava na outra pea.

    Filuta era adolescente. Aquela atividade a deixava muito animada, pelo menos era uma

    programao diferente que a tirava da rotina. Saiu quase a correr com a cesta no brao.

    Enquanto caminhava apressada, tentava colocar por baixo do pano que cobria o balaio, uma

    rapadura para roer, quando tivesse vontade. E l se foi porta fora. S se ouvia o plc...

    plc...dos tamancos, batendo nos seus calcanhares.

    Todas prontas, dirigiram-se para o passo do Tramanda.

    Nessa hora muitos pescadores j estavam cuidando de seus afazeres. Uns consertando redes,

    outros voltando da pesca. Algumas galinhas soltas ciscavam ao redor das casinhas. O cheiro da

    fuligem dos candeeiros de querosene misturavam-se com a fumaa do fogo, mal aceso, nos

    foges rsticos. Talvez porque as achas de lenha estivessem verdes no permitindo que o fogo

    se acendesse de vez, impregnando de fumaa todo o rancho, fazendo arder os olhos de quem

    estivesse por perto.

    Do outro lado do rio, em Imb, havia muito gado solto e, vez por outra, um touro bravo e

    impertinente corria com algum.

    Aproximaram-se do rio. Buscar junco era uma atividade das mulheres. A Cota era a remadeira.

    Puxavam a canoa, j com os remos, o mais prximo possvel do barranco. Com os tamancos

    numa das mos e a saia presa outra, embarcaram e comearam fazer a travessia. Alguns

    respingos de gua provenientes dos remos, quando trocados de lado, aspergiam a tripulao,

    abrandando a excitao das mulheres que paravam de tagarelar. Chegadas a Imb amarraram

    a canoa. Os pescadores que sempre andavam por ali, j familiarizados com os animais soltos

    nos campos de Imb, recomendaram:

    "- Ceis cuidi que tem toro brabu na faxina!...

    Os cachorrinhos saltaram da canoa e comearam a fazer reconhecimento do lugar, cheirando

    aqui, latindo ali, levantando a perna acol... Um dos ces chamava-e Menino. Os cachorros

    sempre acompanhavam os donos em toda parte. E, nessa atividade, serviam para correr com o

    gado.

  • 22

    Foram em direo aos juncos que ficavam nos terrenos encharcados. A Filuta no largava a

    cesta da comida e, de vez em quando, mordiscava a rapadura.

    Estavam a meio caminho, quando um touro, incomodado com o barulho, levantou a cabea,

    deixou o gado e comeou a correr na direo delas. Estas corriam campo a fora rumo a um

    albardo de mato que se alteava nas proximidades do rio velho. Filuta perdeu uma tamanca na

    desabalada corrida que empreendeu, mas, em momento nenhum, largou a cesta do caf.

    Conseguiu subir num araazeiro muito dbil. Para seu azar a perseguida pelo touro fora ela.

    Sobre a rvore quase sem flego, agarrada a cesta, estava salvo. Muito branca, l de cima,

    olhava o touro que nervoso, fazia investidas sem direo. As outras mulheres j haviam

    chamado os pescadores que espantaram o touro com remos e redes.

    Meio trmula Filuta desceu da rvore. Em pouco tempo se refez do susto. Sua tamanca, p

    esquerdo, nunca mais achou. Deve estar at hoje nos banhados que havia no Imb.

    Por muito tempo lembraram-se dessa histria e riam muito ao cont-la.

  • 23

    O MONSTRO

    Seguidamente tropeiros passavam por Tramanda e Imb, levando gado vacum, cavalar e

    muar para outros estados do Brasil. Esse fato aconteceu na primeira dcada deste sculo.

    Nesse dia, um burro se extraviara da tropa e ficara vagando pelos campos de Imb.

    Joo colono, negro, tocador de gaita-ponto e soldado da poca, era um tipo muito bonacho,

    que gostava de dar gargalhadas. Quando chegava numa venda, sentava - se a tocar gaita,

    enquanto um pescador contava um causo ou outro.

    Fernando Damsio era pescador e tocava na Banda de Msica de Tramanda. Os dois

    combinaram fazer urna pescaria noite. Tarrafas s costas, iam passando de venda em venda ,

    benzendo - se com caninha de Santo Antnio da Patrulha, para no sentirem frio, ou melhor,

    pr esquent u peitu. J estavam altos...

    Chegando ao rio arregaaram as calas de riscado e, sem muito equilbrio, entraram na canoa.

    A noite era escura como breu. Uma quietude se espalhava pela lagoa, quando, de repente, um

    rudo assustador na gua, amedronta os dois homens. Cada um deles pensava: "Ser o

    Minhoco, o monstro que bota fogo pelos olhos e, com rabanadas costuma virar as canoas dos

    pescadores?

    Fernando grita para o negro Colono:

    -Rema ligeiro, "home, que o monstro "ta perto!...

    Joo Colono, entorpecido pelo lcool, remava para um lado e Fernando, afobado, remava para

    outro lado; e o bicho cada vez mais perto... E, cada vez mais perto! To perto que quase botou

    a cabea dentro da canoa. A escurido era total e a proximidade do monstro os deixava

    atordoados. O barulho desencontrado dos remos que batiam nas laterais da canoa, associado

    ao rudo que o bicho produzia na gua, cada vez mais perturbava os pescadores. Nesse

    momento de maior nervosismo, o monstro resfolegou e bufou dentro da canoa. Joo Colono e

    Fernando Damsio que, nessas alturas, j estavam de p, desequilibraram-se e caram na gua.

    O choque da gua fria pe tenncia nos dois homens que veem passar por eles um burro

    extraviado... No preciso dizer como que ficaram as duas figuras, saindo do rio, molhados

    at a alma, brancos de susto, sem peixe e, ainda, tendo que amarrar a canoa sem muita

    coordenao motora...

    Pelo menos, teriam assunto para muitos dias!

  • 24

    O LOBISOMEM

    Contam que...

    Era uma vez, uma mulher casada com um lobisomem e no sabia.

    Era sexta-feira. Aps o jantar, o marido arranjou um pretexto qualquer e saiu. A mulher ps

    em ordem a cozinha, acomodou os filhos e foi deitar-se. Dormiu profundamente. Era meia-

    noite, quando se acordou com latidos de cachorro. Possua um cachorrinho de estimao e

    ficou preocupada, "Meu Deus, o que h de ser isso? - pensava l com seus botes. Apalpou o

    lado da cama onde o marido deveria estar dormindo. Nada. Ainda no voltara. Sentou-se na

    cama acendeu o candeeiro. Os latidos tornavam-se cada vez mais intensos.

    Tomou-se de coragem. Apressadamente vestiu a saia de baeta * vermelha que usara durante o

    dia, passou a mo num xale que estava sobre a cadeira, colocou-o sobre a cabea para se

    proteger do sereno e do frio. Armou-se com um pau e saiu ligeiro para ver o que era.

    O cachorrinho latia nervoso para um cachorro enorme, preto, com o pelo todo eriado e os

    olhos em tocha. Parecia querer devor-lo. A mulher estacou. Arrepiou-se toda. Nunca vira

    bicho to grande! Seu corao disparou. Mas agora estava ali, no ptio. Estimava demais o

    cozinho e precisava fazer alguma coisa para evitar o pior.

    A lua cheia prateava o arvoredo no quintal. Tirante os latidos e o rudo de algum inseto, tudo

    era silncio. Havia qualquer coisa de mistrio no ar!...

    O cachorro, nesse momento, indiferente ao latido do outro, buscava a lua cheia no

    firmamento, com os olhos em fogo, principiando a uivar. A mulher ficou paralisada. Aquilo

    poderia ser prenncio de mau agouro. Investiu contra o co, com o pau (sua arma) para

    quebrar aquela situao agourenta. O co enraivecido e com o pelo eriado, avanou contra

    ela, latindo, tentando despeda-la. Esta, disparou em direo casa. Ningum para socorr-

    la. Nervosamente, abre a porta da cozinha, virando a tramela. Quando estava a entrar, o

    animal abocanhou-lhe a saia, arrancando um bom pedao de tecido vermelho. Fechou a porta

    atrs de si e enconstou-se nela. Talvez para impedir que o monstro entrasse... ou porque

    estivesse aterrorizada... Faltaram-lhe as foras. Parecia que ia desmaiar. O relgio marcava

    pouco mais de meia-noite. Suas pernas tremiam como vara verde. Na casa reinava um silncio

    mortal. As crianas dormiam. Conseguiu dar alguns passos e preparar gua com acar para se

    acalmar. Agora menos tensa dirige-se para o quarto. Adormeceu e nem viu o marido chegar.

    Ao amanhecer, levantou-se como de costume para fazer as tarefas da casa. O marido

    ressonava alto, de boca aberta. Uma rstia de claridade iluminava seu rosto. Olhou para ele e

    estranhou. Estava com os dentes cheios de fiapos vermelhos. O mesmo tecido de sua saia!...

    Com o olhar perdido, no acreditou no que via, dizendo para si mesma:

    Ento eras tu o LOBISOMEM!...

    * Baeta Tecido felpudo de l.

  • 25

    PROCISSO DAS ALMAS

    Contam que numa determinada noite do ano acontecia a procisso das almas. Todas elas

    vestidas de branco, com uma vela na mo, vinham do cemitrio em direo ao centro, num

    silncio aterrador. Iam at a Capela Nossa Senhora dos Navegantes, depois se recolhiam,

    sumindo como por encanto. Uma senhora que morava em Tramanda, nessa poca, queria

    muito assistir a esse acontecimento, ainda que todos a aconselhassem a desistir de tal ideia.

    Obstinada, quando chegou a dita noite, escondeu-se atrs de uns gravatas e arumbevas que

    serviam de cerca ao terreno de sua casa. Ali no escuro, meia-noite, estava ela.

    A lua cheia, muito redonda, emprestava ao ambiente um ar de mistrio, prateando aquela

    vegetao que circundava a quadra gramada. A casa pequenas de tbua, cobertura de tiririca

    do brejo, ficava a uns cinquenta metros. Um valo dividia o terreno, drenando-o. Os copos-de-

    leite, no valo, em grande quantidade, nessa noite, pareciam luminosos, pelo efeito do luar.

    A senhora continuava espreita. Nem respirar direito podia - tal era a emoo que se

    apoderara dela. Nesse meio tempo, esticou o pescoo para olhar mais longe, esgueirando-se

    por entre os espinhos. Um arrepio percorreu-lhe todo o corpo. Seus cabelos pareciam

    levantar-se. Uma nuvem encobria a lua e uma lufada de vento Minuano gelava-lhe a alma.

    A procisso surgia l, muito longe, deslocando-se com certa velocidade como se estivessem

    sobre patins. O silncio era aterrador. Agora, j esto passando bem frente. Consegue ver

    por entre a vegetao espinhosa, um grande nmero de entes do outro mundo, todos muito

    compenetrados, olhar distante, como se nada vissem, caminhando como se deslizassem.

    Nisso, desloca-se uma alma em sua direo e lhe entrega uma vela.

    A senhora, branca como cera e trmula, segura-a como autmato. To logo pode refazer-se da

    emoo, tenta correr em direo casa, mas sente-se puxada pela saia.

    Um grito de horror ecoa na noite, estendendo-se por toda a vrzea. Sua saia estava presa nos

    espinhos do gravat.

    Consegue dar uns passos, sempre com a vela na mo. O medo a faz andar. Pula o valo e quase

    cai. Finalmente chega a casa. Entra. Fecha a porta com a tranca. Coloca a vela sobre a mesa.

    Atira-se cama trmula. Todos dormem. Exausta, adormece.

    No outro dia, foi ver a vela (objeto comprovante de sua coragem). No lugar desta, havia uma

    canela de defunto (osso humano).

    A senhora quase ficou louca! A famlia reuniu-se em conselho e decidiu que a canela deveria

    ser levada ao cemitrio. E, assim foi feito.

  • 26

    O BAILE

    Grande acontecimento em Tramanda no Hotel Pelgrini.

    Por volta de 1912, foi programado um baile nesse hotel. Os preparativos eram grandes. D.

    Concheta e seu esposo Pelegrini, proprietrios da casa, cuidaram de tudo para que tal festa

    fosse inesquecvel.

    Autoridades do Municpio de Conceio do Arroio (Osrio) estariam marcando sua presena

    como de costume. O Sr. Firmiano Osrio, na poca, Intendente, na companhia de seu irmo,

    Manoel Luiz da Terra Osrio, conhecido por Dad Osrio, chegaram de charrete para o baile,

    muito bem trajados e bem armados. A Winchester era o seu anjo da guarda. Impunham

    respeito e temeridade a todos por sua severidade e pelos cargos polticos que ocupavam.

    A noite chegou. Nessa poca, moravam em Tramanda aproximadamente, umas cem famlias.

    A festa comeara. Bancos e cadeiras dispostos ao redor do salo eram ocupados por quem no

    estivesse danando, especialmente pelas senhoras mais idosas que se ocupavam em observar

    o modo de danar decente dos moos e das moas.

    O Sr. Firmiano e o Sr. Dad Osrio sentavam-se em atitude severa, eretos segurando as armas

    sua frente, com a coronha apoiada no cho e, assim mantinham a ordem.

    A certa hora da noite, Alfredo Matilde e Chico Marinheiro entraram no meio do salo

    fantasiados: formavam um casal de negros. A negra trazia um enorme travesseiro no traseiro.

    O Sr. Firmiano e o Sr. Dad Osrio acharam que aquilo era uma provocao para desfazer do

    baile. Houve interveno autoritria e uma reao em defesa prpria, por parte dos artistas.

    A briga se formou. Os dois travestidos apanharam tanto quanto apanha um boi ladro!

    Queriam explicar que sua inteno no era aquela imaginada por eles... mas... contra a fora

    no h argumento...

    O rolo foi grande. Mulheres e crianas gritavam e choravam. Sim, crianas, porque naquele

    tempo os pais levavam at os nenns para as festas, bem como era de costume os ces

    acompanharem seus donos. At pelas janelas saia gente com medo de receber algum tiro

    perdido.

    Quando a briga havia sido controlada e tudo j voltava calma, aconteceu o inesperado: A

    cachorrada, que acompanhava seus donos, estranharam-se no meio do salo e a sim... rolava

    cachorro pelo cho... era dentada pr c... dentada pr l... uns abocanhando os pescoos dos

    outros, numa briga desenfreada, sem se soltar nem mesmo quando lhes atiravam gua. As

    mulheres e as crianas que no puderam fugir para fora do salo, estavam subidas nas

    cadeiras, tentando proteger-se das dentadas. Objetos de uso pessoal era o que mais se via

    espalhados pelo salo e debaixo dos bancos...

  • 27

    A BRIGA DAS DUAS BANDAS

    No incio do sculo, Tramanda era um povoado de pescadores. Nessa poca, j havia uma

    Banda de Msica regida pelo professor Ldio Janurio da Rosa.

    A barra nem sempre permanecia aberta. Tendia a correr em direo Norte at perder a fora,

    terminando por obstruir-se totalmente. O peixe que, costumeiramente, entrava na barra,

    passava de largo. E o nosso pobre pescador ficava prejudicado em sua pesca artesanal.

    Nessa poca, como em outras, os pecadores se reuniram e, em mutiro, abriram a barra.

    Era uma obra que merecia comemorao, ainda porque tambm vinha beneficiar os

    fazendeiros da regio que teriam seus campos menos inundados. E nada melhor, do que uma

    churrascada e um baile para comemorar.

    O ento Intendente de Osrio, Sr. Firmiano e seu irmo Dada Osrio, chegaram a Tramanda

    em sua tradicional charrete. O local da comemorao seria sombra de uma frondosa figueira:

    esquina Jorge Enias Sperb com Av. Fernandes Bastos, ento Rua Grande. Durante o almoo

    comeram bastante, beberam muito, festejando a conquista da abertura da barra com tudo

    que tinham direito. As autoridades de Osrio trouxeram a Banda de Msica para dar mais

    brilho aos festejos.

    A Banda de Msica de Tramanda no poderia deixar de marcar sua presena. Estava l

    tambm.

    Diga-se que havia uma rivalidade muito grande entre as duas Bandas. Osrio, na poca, era

    Vila, enquanto que Tramanda no passava de um pequeno povoado de pescadores, muito

    pobre. Os arroienses (osorienses) sentiam-se superiores. Chegavam a dizer que, quando os

    msicos de Tramanda viravam seus instrumentos de sopro para limp-los, caam espinhas de

    peixe, porque os elementos componentes da banda de Tramanda, em sua maioria, eram

    pescadores.

    Aps o almoo, para evitar desavenas, o Intendente determinou que as duas bandas se

    deslocassem para o salo onde se realizaria o baile, tomando direes opostas: A de

    Tramanda seguiria pela Av. Fernandes Bastos, em direo ponte, at a Rua Cndido Osrio

    da Rosa, dobrando direita at a Av. Emancipao (Capito Mariante); Enquanto que a banda

    de Osrio seguiria at a Rua Fernando Amaral (Vicente Barcelos), para chegar Av.

    Emancipao. Nessa avenida, as duas bandas seguiriam tocando diferentes msicas, at se

    encontrarem na frente do salo de baile - esquina Jorge Sperb com a avenida j referida local

    onde hoje h a casa (GULA GULA).

    Ao se aproximarem, cada qual queria tocar mais alto para fazer prevalecer seu som. Os

    bumbeiros vinham frente, puxando o grupo de msicos. Quando as duas bandas se

    defrontaram, ficando os bumbeiros cara a cara, a confuso se formou. Nenhuma das duas

    bandas cedia. O som tornou-se infernal. A provocao estava feita. O bumbeiro de Osrio,

    num mpeto de dio, levantou o brao com a baqueta e, em vez de bater no bumbo, acertou

    com toda a fora a cabea do negro Virge que era o bumbeiro da Banda de Msica de

  • 28

    Tramanda. A, fechou o tempo e a briga se instalou. Uns com o rosto ensanguentado, outros

    pisados...

    O Intendente Firmiano Osrio, dono da festa, ficou indignado. Passou uma descompostura nos

    msicos de Osrio, at que conseguiu acalmar os nimos.

    Briga controlada, dirigiram-se para o salo. As bandas se colocaram em lados opostos, tocando

    uma de cada vez, alternadamente.

    Por ordem de Intendente, quando terminou a festa, os msicos tiveram que se despedir como

    gente civilizada.

  • 29

    O NADADOR IMBATVEL

    Jorge Jos Muri deveria ter vindo da Sria em 1877 e aqui chegando, dedicou-se ao comrcio.

    Inicialmente era mascate. Vendia corpetes de tecidos, miudezas, bijuterias e at espartilhos

    que ajudava a ajustar no corpo das moas, quando os experimentavam, colocando o joelho em

    suas costas. Com o tempo, tornou-se proprietrio de terras em Tramanda e Imb.

    Foi pioneiro no comrcio de Tramanda.

    Certo dia, Jorge, saudoso de sua terra, numa tarde muito bonita, dirigiu-se praia para nadar.

    Nadou, nadou... e retornou sentando-se na areia branquinha. Um tanto melanclico, comeou

    a contemplar o mar. A saudade de sua ptria crescia dentro de seu peito machucando sua

    alma. Para afugentar tal estado de esprito, retornou ao mar. Nadou at cansar... Quis retornar

    e a correnteza cada vez o afastava mais da costa. Tentou dar mais algumas braadas. Avanava

    um metro e era arrastado trs. Pensou que chegara a sua hora e comeou a exclamar: "Ai

    dios!... Dios!... Por que Dios mi trouxe de mi terra pr vir morer to longe? Nunca fiz mal a

    ningum!... Nunca roubei! Dios mi trais de mi terra pr vir morer aqui to longe!... Adios, mi

    casinha! Adios Deolinda! (Deolinda era sua namoradinha). Dios,sei que vou morer..."

    Cruzou as mos sobre o peito e, num gesto de entrega, ficou boiando a merc da correnteza.

    No tentou fazer mais nada. Deixou-se ficar ali para morrer. Perdera a noo do tempo.

    Boiou... boiou ... boiou...

    Depois de ficar algumas horas naquele estado de torpor, sentiu necessidade de suspirar.

    Suspirou profundamente como se estivesse voltando a viver. Sentiu-se recuperado em suas

    foras, parecia outro. Deu algumas braadas e tentou ficar de p. Encontrou cho. Surpreso

    apressou-se a sair do mar. Olhou para um lado e para outro, reconheceu que estava em

    Cidreira.

    Descansou um pouco e caminhou at Tramanda. Ningum acreditava no que contava.

    Achavam que ele teria nadado at Cidreira. Desde ento era considerado um nadador

    imbatvel!

    Esse fato foi muito comentado na poca.

    Salvou-se porque no se afobou. Assim corno a correnteza o levou mar adentro, assim

    tambm o devolveu a terra.

  • 30

    O BA DE MOEDAS DE OURO

    O Sr. Jardelino Peroni trabalhava intensamente na urbanizao de Imb, para a firma

    "SOCIEDADE TERRITORIAL PRAIA DE IMBE LTDA", em 1940. Nessa poca morava nas

    imediaes da Av. Osrio, numa casinha que servia de depsito ao DAER.

    Estava fazendo um canteiro grande, em forma de estrela, no local onde se inicia o Imb, ao sair

    da ponte principal. Seria uma estrela de grama com uns vinte metros de dimetro. Atento ao

    seu trabalho estava, quando se aproximou o Sr. Coufal, dizendo-lhe que trouxera do Aguap e

    do Arroio das Pedras umas mudas de flores. Pediu-lhe que interrompesse o servio no

    canteiro, para plantar as mudas na costa do valo que corria ali por perto.

    A noite chegou. Cansado, Peroni adormeceu. Sonhou. Em sonho algum lhe dissera que no

    poderia deixar de cavar no canteiro de estrela, porque havia ali um ba cheio de moedas de

    ouro, com mais ou menos doze ou catorze quilos. Mas, para cavar, teria que usar uma p nova.

    De manh, bem cedinho, foi para o servio. A primeira coisa que fez foi plantar as mudas no

    valo. Mas o sonho no lhe saa da cabea. s nove horas parou para descansar e pensou:

    "Agora vou cavar onde parei. No vou comprar p nova, coisa nenhuma..." Comeou a cavar e

    encontrou uma camada de carvo, como indicara o sonho. Continuou cavando e a p bateu

    num metal. Cavou mais um pouco e veio uma Pea cheia de areia. Limpou-a, examinou-a. Era

    uma pea com formato de uma portinha de oratrio, de prata, com Jesus crucificado e So

    Jorge em alto relevo. Nesse momento vem passando o Z Branco que trabalhava no DEPREC,

    disse-lhe:

    - Tu tens que me vender esse Santo!

    - No. Esse Santo eu no vendo por dinheiro nenhum. Isso aqui no tem dinheiro que me tire.

    A notcia de que Jardelino tivesse encontrado um tesouro correu longe!...

    Impressionado com o achado, tornou a sonhar. Mas teria que ir meia noite, sozinho, porque

    ali havia um ba cheio de moedas de ouro. Corajoso, e na esperana de achar o tesouro,

    meia noite estava cavando. Cavou... cavou... cavou... quase foi cho adentro e nada!

    Tornou a sonhar. Sonhou que era a perna de Nosso Senhor Jesus Cristo, de prata, que teria de

    tirar. Depois, os sonhos comearam a se transformar em pesadelos: "que a alma do dono do

    tesouro o estava a perseguir..."

    Chateado com os sonhos e j nervoso, fez uma promessa: "S queria ficar com a imagem que

    achara. Se tivesse ba ali no o interessaria mais. O mais importante era recuperar a

    tranquilidade e poder dormir sossegado. Graas a Deus os sonhos no voltaram!

    Pessoas diziam que, naquele local, aparecia uma moa, toda de branco, muito bem vestida,

    bem alta. Depois, costumava aparecer uma bola de fogo que comeava a se deslocar bem

    baixinho e quando a pessoa se aproximava dela, tentando peg-la, no conseguia nunca...

    Seria Boitat? S sei que aquele que tentasse peg-la, saa com os cabelos em p...

  • 31

    Dizem que, depois de algum tempo, veio uma senhora de So Paulo, com um detectador de

    metal e arrancou o ba cheio de moedas de ouro!

  • 32

    O CASAMENTO

    Helena Mafalda Dossena, filha do Sr. Reinaldo Vaccari, era noiva do Senhor Quinto Dossena,

    natural de Encantado. O seu casamento realizar-se-ia em Santa Terezinha, 19 de maio de 1951.

    Aproximava-se o grande dia. Durante a semana foram grandes os preparativos. Seus pais

    ofereceriam um verdadeiro banquete como era costume na poca. A cerimnia seria realizada

    nas primeiras horas da manh.

    Na vspera do casamento, uma grande tempestade se abateu sobre a praia com forte vento

    Sul. O mar, em ressaca, avanava at os comoros. O noivo deixara para vir no dia, para viajar

    com os parentes. Vieram em comitiva. Chegaram cedo a Imb e ficaram retidos nas esteiras

    que davam acesso praia, sem possibilidade de prosseguir viagem. A praia estava

    intransitvel. Procuraram conduo em Tramanda, porm o nico carro que fazia servios de

    txi, no quis se aventurar pela praia. O tempo se escoava. No havia alternativa. Os

    convidados, j vestidos para a recepo, descalaram-se, segurando seus calados,

    empreenderam caminhada pela praia, por sobre os comoros. O vento acompanhado de uma

    chuva contnua, fustigava-os, regelando-lhes o rosto. O rugido do mar os amedrontava.

    No hotel, os convidados que chegaram de vspera, no acostumados com temporais beira da

    praia, temiam que o mar tragasse o hotel, quando fortes rajadas de vento o sacudiam. O Padre

    Pedro Jacobs, o Juiz de paz, Palmarito de Almeida Saraiva e o Escrivo, Zeferino Silveira do

    Amaral (Lila), j haviam chegado, pois saram de Tramanda, de manh, bem cedo, a cavalo.

    Estavam encharcados at a alma. Todos se voltavam em ateno para o Padre Pedro,

    querendo secar-lhe as roupas. Deram-lhe, para vestir, as calas do dono da casa, at que

    providenciassem a secagem em de suas roupas, porm as calas no fechavam na cintura,

    porque o Padre era bem mais gordo, mas... a batina escondia esses pormenores.

    No faltavam aquelas pessoas "agourentas" que, baixinho entre si, murmuravam: "Ser que o

    noivo vem?

    J era perto do meio dia, quando o padre impaciente e nervoso, declarou terminantemente:

    -Se o noivo no chegar at s duas horas da tarde, eu vou embora! Ainda tenho mais dois

    casamentos para realizar em Osrio.

    A noiva, nervosa, corria de um canto para outro. Um certo desconforto comeava a reinar na

    casa. Num determinado momento, a noiva sem muita esperana, correu para seu quarto. O

    seu vestido de noiva, todo branco, de brocado, com uma cauda longa, jazia ali, dependurado

    num cabide. A grinalda e o vu estavam sobre a cama. Seus olhos encheram-se de lgrimas e

    fez urna orao que saiu do fundo de seu corao, para que seu noivo chegasse a tempo.

    No salo, a todo momento, algum espiava pela janela ou entreabria a porta para ver se havia

    sinal de gente chegando. Os ponteiros do relgio, indiferentes a toda ansiedade reinante,

    avanavam no tempo marcando hora por hora. J passava do meio dia. Os assados: leites,

    perus, galinhas... as saladas ... j estavam dispostos sobre a mesa cuidadosamente decorada. O

    cheiro daquelas iguarias deliciosas, chegavam s narinas dos convivas, estimulando-lhes o

  • 33

    apetite. A fome inquietava os convidados impacientes e deixava em situao de desconforto

    os anfitries. A todo momento, o padre ameaava ir embora.

    De repente, um grito ecoou pelo salo, invadindo todas as dependncias do hotel:

    - O noivo chegou!

    O noivo, os convidados e os parentes surgiram por entre os comoros. Pareciam estar voltando

    de uma expedio ao martrio: cansados, com os cabelos em desalinho, sujos de areia e

    encharcados. As senhoras, com seus casacos de pele, vestidas para a cerimnia, estavam em

    estado deplorvel! A caminhada por sobre as dunas os deixara extenuados!

    A noiva, ao ouvir o grito, exultou de alegria e seu corao estremeceu no peito. Comeou a se

    vestir apressadamente. A alegria tomou conta de todos.

    Os recm-chegados foram recebidos muito bem. Roupas secas foram providenciadas para

    vestirem. Seus casacos e capotes foram colocados sobre o fogo, numa corda, bem ao alto,

    para secar. Os calados foram colocados no forninho do grande fogo lenha. Enquanto a

    aventura da "misso quase impossvel" para chegar festa, se arrumando e se preparando

    para a cerimnia. A roupa do noivo havia ficado na casa da noiva e no teve problemas

    maiores. A confuso era generalizada e a euforia por tudo terminar bem, fez com que no se

    lembrassem dos calados no forno. Quando a cozinheira os retirou, as botas e alguns calados

    estavam retorcidos e torrados. Alguns tiveram que assistir celebrao do casamento, com

    sapato emprestado.

    Finalmente chegou a hora! Celebraram o Sacramento do Matrimnio s 14 horas, mesmo com

    o padre mal-humorado.

    Tudo comeou a melhorar. A tempestade foi se amainando. A festa se estendeu por toda a

    tarde. Ao entardecer, os noivos conseguiram partir de automvel, em lua de mel para Porto

    Alegre.

  • 34

    LENDA DA ABERTURA DA BARRA

    Conta-se...

    No tempo em que a barra no era fixa, o rio Tramanda ia caminhando em direo Norte, at

    perder sua fora. Bastava uma cheia de mar grosso para que a barra ficasse totalmente

    fechada. Esse fenmeno no era bom nem para os fazendeiros da regio que ficavam com

    seus campos inundados, nem para os pescadores que ficavam prejudicados em sua pesca. O

    rio de Tramanda recebe toda a carga de gua que procede do sistema lagunar que se estende

    ao Norte, desde Itapeva (Torres) e ao Sul. Toda essa carga desgua no mar atravs de sua

    embocadura.

    Sabe-se tambm que em pocas de grandes enchentes, pela fora das guas, naturalmente a

    barra se abria. A barra estava fechada. A distncia entre o rio e o mar era de uns quinhentos

    metros, aproximadamente. Havia poucos moradores em Tramanda nessa poca.

    Num dia, que j vai muito longe, contam que o mar estava muito grosso em ressaca. Ventava

    Minuano. O rio, aps continuados dias de chuva, tornou-se volumoso. Mar e rio pareciam

    buscar-se. Nesse tempo uma mulher que andava por ali, olhou para a fora daquelas guas e

    despretensiosamente, fez um sulco na areia com o seu tamanco, na tentativa de interligar as

    guas. Conseguiu 'que um filete de gua doce corresse a se misturar ao oceano. O sulco foi

    tomando corpo, dando vazo s guas represadas. A cada minuto, a fora colossal da natureza

    assuma dimenses assustadoras arrastando, sua passagem, comoros inteiros que se

    esboroavam fria da correnteza.

    Era um espetculo indescritvel e emocionante!

    A barra do Tramanda estava aberta! ... e... com um tamanco!!! ...

    Atribui-se essa passagem Sra. Maria Bernarda.

    * Esta lenda nos foi contada por D. Filuta, antiga moradora de Tramanda, nascida no final do

    sculo passado.

  • 35

    LENDQA DA LAGOA DOS BARROS

    "BARROS (Lagoa dos -) Extensa lagoa que fica na divisa com o municpio de Santo Antnio da

    Patrulha, na costa da Serra. Seu primitivo nome foi "Lagoa Formosa. Mais tarde tomou o

    nome de Lagoa do "Defunto Barros" porque Manuel de barros Pereira fora concessionrio de

    grande extenso de campos, banhados pela dita lagoa. Por idntica razo, chamou-se tambm

    mais tarde "Lagoa do Machado Gomes. navegvel em toda sua extenso. Por enquanto, no

    navegada. Diz a lenda, que aparecem ali, noite, sobre as guas, ninfas montando belos

    corcis brancos, enquanto que um rumor estranho quebra o silncio daquelas paragens e um

    vento todo misterioso agita fortemente as guas da lagoa. Diz outra verso lendria, que em

    noites de luar, em determinados lugares da praia ocidental dessa lagoa, aparece uma moa

    lindssima coberta de tnue vu branco, ostentando basta e ondulada cabeleira dourada, que

    lhe chega quase aos ps. Costuma ela pedir um pente. O mortal que conseguir trazer-lhe este

    objeto, guardando o mais rigoroso segredo, quebrar o encanto e receber enorme tesouro

    que se encontra misteriosamente oculto em lugar prximo lagoa. Ao contrrio morrer

    irremediavelmente no dia da apario. Mais de uma pessoa, levadas por essas lendas, tm

    feito escavaes em lugares onde tm imaginado existir cobiada riqueza. Afirma-se que

    algum j conseguiu encontrar um boio contendo onas de ouro. Outras pessoas tm visto

    nessa mesma lagoa, a horas tardias, linda embarcaes feericamente iluminada e de velas

    amplas e douradas. frequente em dias de forte vento, principalmente de sudoeste,

    levantarem-se nessa lagoa, trombas dgua que atingem altura considervel. (...)

    Transcrio do Pequeno Dicionrio Hitrico e Geogrfico de Osrio de M. E. Fernandes

    Bastos 1935.

  • 36

    O MINHOCO

    H uma lenda entre os antigos pescadores de Tramanda sobre um MINHOCO que aparecia

    na Lagoa do Armazm. Dizem os que viram tratar-se de um monstro, com forma de serpente

    gigantesca, com olhos verdes de fogo, pelos na cabea. Pela lngua soltava labaredas. Esse

    monstro, quando surgia na lagoa, ao se locomover, dava rabanadas to fortes que virava as

    embarcaes que estivessem por perto, enquanto dava medonhas bufadas que apavoravam os

    pescadores. Alm de virar barcos, dizem que o monstro se alimentava de porcos e galinhas

    que se aventuravam at a beira da lagoa. Transcorrido o tempo, nunca mais o Minhoco se

    manifestou. Acreditam alguns que ele tenha sado mar a fora por um canal subterrneo,

    afastando-se desta regio.

  • 37

    DO SIRI, DO LINGUADO E DA SAVELHA

    Contam os pescadores que, em certa ocasio Nossa Senhora andava catando gravetos para

    aquecer o menino Jesus que ficara em casa. Fazia muito frio. A Me de Deus caminhou muito e

    se perdeu. Chegou junto a um rio e precisava atravess-lo. Na beira d'gua, viu um linguado e

    lhe perguntou:

    - Linguado, a mar enche ou vaza?

    O linguado retorceu-se todo, fez umas caretas, entortou a boca e, com voz esquisita,

    arremedou Nossa Senhora:

    -Linguado, a mar enche ou vaza?

    Por castigo, desde aquele dia, o linguado ficou muito feio com boca torta e os dois olhos de um

    lado s, alm de ficar bem achatado.

    A savelha, que assistia a tudo, no se contendo, deu uma gargalhada, divertindo-se com o fato.

    Nossa Senhora, irritada, atirou-lhe o feixe de gravetos dizendo-lhe:

    -Savelha, cada uma destas varinhas ser uma espinha em teu corpo!

    A partir desse dia, a savelha transformou-se num peixe com muitas espinhas.

    Um siri, que andava ali por perto e presenciara tudo prontificou-se a atravess-la. Nossa

    Senhora abenoou-o, deixando sua imagem em seu casco.

    Olhando-se detidamente a casca de um siri, v-se a imagem de Nossa Senhora.

  • 38

    LENDA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIO

    Alguns historiadores dizem que a causa da apario da Santa foi o afundamento de um dos

    navios que transportavam imagens de Santos da Espanha para a Provncia de Buenos Aires. Tal

    feito ocorreu nas proximidades do Rio Tramanda e, com forte borrasca, uma das imagens

    entrou pelo rio e acabou em terra, s margens de um arroio pertencente ao municpio de

    Tramanda. O senhor Romrio Machado (pesquisador osoriense) chegou a pesquisar em uma

    das Congregaes Religiosas (Companhia de Jesus) de Buenos Aires onde encontrou a

    confirmao desse fato.

    Logo que soube da descoberta, o proprietrio da fazenda do Arroio, por ser muito crente,

    tratou de traz-la para a capela da Vila da Estncia da Serra que depois passou a chamar-se

    Conceio do Arroio (Freguesia de Nossa Senhora da Conceio do Arroio), o que os escravos

    no admitiam, pois a descoberta havia sido feita por eles. Durante muito tempo, os moradores

    da vila tentaram manter a imagem da Santa na Capela-Mor, mas os escravos a levavam

    durante a noite, fato esse que gerou, naquela poca, a crena de que a Santa fugia da Capela

    indo instalar-se na Capela da Fazenda (Fazenda do Arroio). Da surgiu a lenda da apario de

    Nossa Senhora da Conceio.

    Por muito tempo houve esse vai e vem da Santa. Quando a Santa sumia, ia o povo da Vila, mais

    o padre, e buscava a Santa. Isso ocorreu muitas vezes, at que, um dia, o padre resolveu

    mandar fazer uma redoma de vidro para Nossa Senhora da Conceio, colocando-a na Capela

    que era coberta de palha.

    O Padre, aproveitando a ocasio, resolveu fazer uma campanha para que os moradores da Vila

    se empenhassem financeiramente e construssem uma nova capela para a Santa.

    A Capela foi construda graas a f e a boa vontade dos moradores do lugar. E a imagem nunca

    mais saiu daqui.

    Nossa Senhora da Conceio padroeira de Osrio (Conceio do Arroio) e a festa em sua

    homenagem dia 08 de dezembro.

    Observao: Esta lenda foi transcrita do livro REMEMBRANAS DE CONCEIO DO ARROIO, v.2

    1989, gentilmente autorizada pelo autor Dr. Guido Muri.

  • 39

    LENDA DA LAGOADA PINGUELA

    "Pela revoluo de 1835, dois negros, em uma pequena canoa, atravessaram, com vento forte,

    a lagoa da Pinguela. Vinham dos lados do Morro Alto e traziam dinheiro e roupas de seus

    donos, para esconderem do outro lado, em algum recanto do morro.

    Acontece, porm, que chegando perto da ilha, a canoa vira perecendo ambos os tripulantes.

    At hoje, os moradores daquelas imediaes afirmam que em dias calmos aparece,

    justamente no lugar onde se deu o naufrgio, uma canoa tripulada por dois remadores, e que

    essa canoa transforma-se rapidamente em dois formosos patos brancos, que, a seu turno,

    emergem graciosos nas guas mansas da lagoa, reaparecendo mais adiante."

    Nota: Lenda transcrita da obra de Antnio Stenzel Filho - A VILA DA SERRA - CONCEIO DO

    ARROIO.

  • 40

    PAI MANUEL

    Na Ponte do Camaro, antigamente, havia apenas um crrego que se avolumava, um pouco,

    quando ocorriam enchentes.

    Em 1907, rompeu-se esse sangradouro, ligando, at hoje, a lagoa das Custdias lagoa do

    Armazm.

    Por ocasio de seu rompimento, aconteceu ali uma tragdia que deu origem ao nome do novo

    sangradouro SANGRADOURO PAI MANUEL.

    Pai Manuel era um negro velho - "Pai Manuel do Arroio", contemporneo da guerra de 35.

    Morava em Conceio do Arroio (Osrio).

    Pela manh viera a Tramanda, tendo passado pelo crrego normalmente, embora notasse

    que estivesse um pouco mais volumoso, devido chuva.

    noitinha, quando retomava o caminho de volta, no trote macio de seu cavalo, uma surpresa

    o aguardava. Jamais passou por sua cabea que seria sua ltima travessia...

    Ao se aproximar do crrego, diminuiu a marcha de seu cavalo e, como sempre fizera, comeou

    a atravess-lo cuidadosamente, at porque estava muito cheio. Caiu num poo profundo que

    se formara pelos redemoinhos causados pelo rompimento do novo rio.

    Pai Manuel e seu cavalo, companheiros inseparveis morreram dentro da noite, tragados pelas

    guas do rio, sem ningum para socorr-los.

  • 41

    SUMRIO

    Apresentao

    Agradecimento

    Trinta Anos de Emancipao Poltica de Tramanda

    Fogo Simblico?...Boitat?

    A Apario

    O Bicho Medonho

    Minguta

    O Banho de Soda... A Gemada

    O Papai Noel

    Acredite se Quiser

    Florisbela

    Clara

    As Pegadas na Areia

    A Cumbuquinha

    O Touro na Faxina de Imb

    O Monstro

    O Lobisomem

    Procisso das Almas

    O Baile 35

    A Briga das Suas Bandas

    O Nadador Imbatvel

    O Ba das Moedas de Ouro

    O Casamento

    A Lenda da Abertura da Barra

    Lenda da lagoa dos Barros

    O Minhoco

    Do Siri, do Linguado e da Savelha

    Lenda da Conceio do Arroio

    Lenda da Lagoa da Pinguela

    Pai Manuel