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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP ANO 13 N 0 88 Outubro 2013

Contraponto Nº 88

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Outubro 2013

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Page 1: Contraponto Nº 88

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 13 N0 88 Outubro 2013

Page 2: Contraponto Nº 88

CONTRAPONTO2 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

PUC

PUCEXPEDIENTE

Pontifícia Universidade católica de sÃo PaUlo

PUc-sP

reitor

vice-reitor

Pró-reitora de Graduação

Pró-reitor comunitário

facUldade de filosofia,comUnicaçÃo, letras e artes

faficla

diretormárcio alves da fonseca

diretora adjuntaregiane miranda nakagawa

chefe do departamento de Jornalismovaldir mengardo

suplentelaís Guaraldo

coordenador do Jornalismomilton Pelegrini

vice-coordenador do Jornalismofrancisco chagas câmelo

c o n t r a Ponto

conselho editorialHamilton octavio de souza, José arbex Jr.,

José salvador faro, marcos cripa,Pollyana ferrari

comitê laboratorialluiz carlos ramos, rachel Balsalobre, salomon cytrynowicz, Wladyr nader

editorJosé arbex Jr.

ombudsmananna feldmann

secretárias de redaçãolu sudré e carolina Piai

secretária de produçãoJacqueline elise

editora de fotografiaBruna Bravo

E D I T O R I A L

SUMÁRIOcapa: victoria azevedo

CartasdeCoimbra Portugal é colônia do Brasil.............................................................. pág. 3

Guerranasíria Conflito ameaça produzir uma guerra civil ......................... pág. 4

internaCional O Uruguai à frente da América Latina ............................................... pág. 5

raCismo De Luther King s a Obama ..................................................................... pág. 6

Chile Há 40 anos, golpe de Pinochet matou Allende .............................. pág. 8

homofobia Políticas conservadoras de Putin colocam a Rússia .................. pág. 10

ensaiofotoGráfiCo O colorido de Berlim ............................................................................. pág. 12

blaCkbloC Jovens disparam pedras contra o capital ......................................... pág. 14

mídiaemdisCussão Muito além dos jornais ........................................................................... pág. 16

poetinha,100anos “Mas que seja infinito enquanto dure” ................................................ pág. 18

Crisenojornalismo E os protestos balançam ... ................................................................. pág. 20

trabalhosujo ONG ligada à Igreja Católica é acusada de desviar R$47 milhões . pág. 21

resenha A jornada de um homem livre ................................................................ pág. 22

CrôniCa D’a gente ..................................................................................................... pág. 22

antena Dez PMs são indiciados pela morte de Amarildo ............................ pág. 23

entrevista Do fotojornalismo ao bordado ................................................ pág. 24

simetria design Gráfico – projeto/editoraçãoWladimir senise – fone: 2309.6321

contraPonto é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUc-sP.

rua monte alegre 984 – PerdizesceP 05.014-901 – são Paulo – sP

fone: 3670.8205

número 88 – outubro de 2013

Wt Gráficafone: 993.583.533

Fale com a genteenvie suas sugestões, críticas, comentários: [email protected]

A mídia desinforma e o público pagaGanharam grande destaque na mídia as revelações feitas pelo ex-agente da CIA Edward Sno-

wden, segundo as quais o governo dos Estados Unidos mantinha uma operação permanente de espionagem dos e-mails trocados entre integrantes do governo brasileiro, incluindo a presidente Dilma Rousseff. Mas uma análise um pouco mais cuidadosa da cobertura feita pelos grandes veículos levará o observador a concluir que se fez muito barulho por nada. À parte o aspecto escandaloso e espetacular da notícia, quase nada se discutiu sobre a natureza política das ope-rações promovidas pelo governo estadunidense, nem as medidas que poderiam e deveriam ser adotadas – tanto da parte do governo brasileiro como de organizações internacionais como a ONU – como forma de punição. De fato, houve uma tentativa sistemática, da parte da maioria dos veículos e comentaristas, no sentido de minimizar o “incidente”.

Coube a Dilma fazer o ataque mais duro a Washington, durante o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, em 24 de setembro, após cancelar uma “visita de estado” que faria ao presidente Barack Obama. “Recentes revelações sobre as atividades de uma rede global de espionagem eletrônica provocaram indignação e repúdio em amplos setores da opinião pública mundial”, declarou Dilma. “No Brasil, a situação foi ainda mais grave, pois aparecemos como alvo dessa intrusão. Dados pessoais de cidadãos foram indiscriminadamente objeto de intercep-tação. Informações empresariais – muitas vezes, de alto valor econômico e mesmo estratégico – estiveram na mira da espionagem. (...) Imiscuir-se dessa forma na vida de outros países fere o Direito Internacional e afronta os princípios que devem reger as relações entre eles, sobretudo, entre nações amigas. Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra soberania.(...) Pior ainda quando empresas privadas estão sustentando essa espionagem.” (…) “Fizemos saber ao governo norte-americano nosso protesto, exigindo explicações, desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão.”

Os habituais “especialistas” convocados pelos grandes meios, em geral, adotaram uma pos-tura conciliadora. A comentarista de política externa do Jornal da Cultura (TV Cultura) Maristela Basso, professora da USP, por exemplo, responsabilizou o Brasil (isto é, a vítima), por não ter tomado os cuidados necessários e suficientes para impedir a espionagem. Também afirmou ser “absolutamente normal” que alguns países espionem outros (opinião, aliás, difundida entre a maioria dos que se pronunciaram a respeito), e que ela não acreditava que o “incidente” pudesse gerar uma ruptura de relações diplomáticas ou outras medidas “absurdas” da parte do governo brasileiro. A mesma professora, aliás, qualificou a Bolívia como um país “insignificante, em todos as perspectivas”, ao comentar, em 31 de agosto, a crise aberta com fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina com o auxílio de diplomatas brasileiros.

A revista Veja deu uma “bronca” fraterna em Obama: “Vacilou” – escreveu na capa. O co-mentarista da rádio CBN, Carlos Sardenberg, achou que “vacilar” era uma termo muito forte, e preferiu adotar o “xeretou” (vejam que menino malvado é o presidente dos Estados Unidos); e Merval Pereira deu um puxão de orelhas... em Dilma: quem mandou o Brasil se aproximar tanto de países hostis, como a Venezuela de Hugo Chávez, a Argentina de Cristina Kirchner e a Bolívia de Evo Morales? Será que o Brasil não sabe qual é o seu lugar? Ora...

A natureza política e ideológica dos grandes meios pode ser facilmente identificada quando se compara a cobertura dada ao “caso Snowden” com o imenso barulho e a profusão de acu-sações – em grande parte, injustificadas – contra o ex-presidente Chávez, Cristina e Morales. Ou, basta imaginar como seria a cobertura se alguém descobrisse que uma rede bem menor de espionagem tivesse sido criada por … Cuba. O mundo, certamente, viria abaixo. Mídia canalha, público desinformado. Pobre Brasil.

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3CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

Por Bruno laforé

Cartas de CoimbraCONTRAPONTO

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Cenários retratam a vida universitária de

Coimbra

Somos todos brasileiros – Antes de qualquer coisa, gostaria de enfatizar todo o meu cari-

nho e respeito por Portugal. Estou seguro e feliz da minha escolha por vir estudar aqui durante um semestre. Entretanto, ao mergulhar na cul-tura portuguesa e principalmente ao interagir e conhecer melhor o cotidiano dos jovens locais, é evidente que surjam algumas críticas quanto à atual organização social dessas terras. Neste primeiro relato, pretendo ser bem generalista e tentar dar um panorama das minhas primeiras im-pressões da vida neste país. Nas próximas edições, prometo escolher um único tema e me dedicar exclusivamente a ele.

Os portugueses não cansam de nos desco-brir. As influências culturais brasileiras deste lado do atlântico são inúmeras e vão desde os cardápios dos restaurantes até a programação da televisão. A caipirinha brasileira é uma das bebidas mais pedidas nos bares daqui, onde pode-se consumir também a “picanha à brasileira”, escutando algu-mas obras peculiares de nossa música na voz de Michel Teló, Naldo, Anitta, Luan Santana, Gustavo Lima, entre outros.

Desde minha chegada, já fui a muitos bares e casas noturnas, onde não se ouve quase nenhuma música portuguesa e estou sendo constantemente interrogado sobre as novidades musicais de meu país. Na verdade, os jovens portugueses querem saber em primeira mão quais serão as músicas que vão fazer sucesso aqui no próximo verão. Para o azar deles, eu não sou a pessoa mais indicada para sanar esse tipo de dúvida. Alguns se impressionam com a minha cara feia ao ouvir alguém cantando a música “Vida de Empreguete”, interpretada pelas três protagonistas da novela Cheias de Charme, exibida em 2012 pela Rede Globo no Brasil e que teve seu último capítulo exibido esta semana em Portugal, pela SIC. O folhetim repetiu o sucesso brasileiro por aqui.

Esta semana, também na SIC, estreou a novela Salve Jorge, porém sob o nome de A Guerreira. As duas tramas globais citadas acima caracterizam-se por retratar classes mais baixas da população brasileira em seus capítulos, uma tentativa da emissora de se aproximar de uma camada social emergente no Brasil, a tal da Nova Classe C. Salve Jorge abandona o já batido cenário do Leblon e concentra-se em mostrar a vida de personagens moradores do Morro do Alemão, mas distorce muito a realidade do local e a relação da população local com as unidades pacificadoras da Polícia Militar. Ao atravessar o Atlântico, a versão global da favela ganha força e é tida como verda-deira pelos telespectadores comuns portugueses, que cada vez mais desejam conhecer pessoalmente as comunidades cariocas.

Programas televisivos como esse contri-buem para a espetacularização da pobreza e a segregação social. Os europeus enchem-se de curiosidade para ver de perto a vida dessa “outra espécie de gente” que habita a nova atração tu-rística do rio, não é novidade para ninguém que as favelas cariocas recebem visitas de turistas estran-geiros. A capitalização em torno das comunidades

No fim do mês de outubro, haverá em Coimbra a “Festa das Latas”, a segunda maior festa acadêmica do país, perdendo apenas para a “Queima das Fitas”, realizada anualmente, no mês de maio, também em Coimbra. Nesta ocasião, os calouros terão que pagar algumas praxes, como serem vestidos pelos seus padrinhos de curso, um estudante ingressante no ano anterior, de maneira ridícula utilizando as cores de cada curso. Só para matar a curiosidade, a cor do curso de Jornalismo é o azul escuro.

Estas grandes festas são organizadas pela Associação Acadêmica de Coimbra, uma entidade de representação estudantil gigantesca, que conta com um prédio exclusivo em frente à principal pra-ça de Coimbra. A AAC também é responsável por eventos esportivos ou de natureza acadêmica e por embates políticos com a direção da universidade, como a eterna luta pela extinção das propinas, conhecidas por nós com o nome de impostos. Apesar da Universidade de Coimbra ser uma ins-tituição pública, seus estudantes devem pagar ao governo uma taxa anual em torno de 800 euros para poder estudar aqui.

Na próxima edição, pretendo explicar detalhadamente o funcionamento e a utilidade da Associação Acadêmica de Coimbra, a maior do país, assim como suas principais conquistas e importância histórica na redemocratização do país e na derrubada de Salazar. Além de demonstrar o papel das entidades menores que atuam direta-mente em cada curso da universidade.

Portugal é colônia do BrasilPrimeiras impressões e observações de um estudante de jornalismo

brasileiro sobre a vida universitária portuguesa

vai além, de forma que a filial portuguesa da casa noturna Pacha, com matriz em Ibiza e público afortunado, possui uma pista de dança destinada exclusivamente ao repertório brasileiro cujo nome é “Favela”. Em suas paredes há os seguintes es-critos: “Na favela, se ficar o bicho pega, se correr o bicho morde”.

Primeiros passos em Coimbra – Esta cidade é bastante atípica comparada a outros am-bientes portugueses, digo isto com propriedade, pois possuo grande parte da família neste país e já frequentei locais bastante distintos de Portugal. Primeiramente, vale ressaltar que Coimbra é uma cidade que se movimenta em torno da universi-dade, a mais tradicional do país. Por isso mesmo, este é um local de transição. As pessoas, em sua maioria os jovens, vêm de todos os cantos do país para viver aqui durante os anos de seus estudos e juntam-se às centenas de estudantes estrangeiros que transitam anualmente no local.

Ao entrar na universidade, de acordo com a média obtida durante os anos no ensino secun-dário ou por meio de um exame nacional, pare-cido com o ENEM, os calouros são submetidos às praxes de cada curso, uma espécie de trote diário, por duas semanas consecutivas, que consiste em cantar os gritos de guerra de sua carreira e pagar alguns micos. Jogar tintas e alimentos é proibido, mas a ingestão de álcool assemelha-se com o trote brasileiro, porém a bebida mais comum é o vinho em detrimento à cachaça tão popular no Brasil. Em Portugal, uma garrafa de pinga custa em média oito euros, o equivalente a 25 reais.

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

Cenas de destruição na Síria. Na foto ao lado, escola

bombardeada na cidade de Al Raqa, no dia 29 de setembro,

deixou ao menos 16 mortos

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Por Patricia iglecio

conflito ameaça Produzir uma guerra civil em todo o oriente médio

CONTRAPONTO

O recente acordo feito entre a Rússia e os EUA que impede uma intervenção militar unilateral

americana na Síria em troca, no prazo de um ano, do arsenal químico do governo do Bashar al-Assad foi formalizado pela ONU no dia 30 de setembro. A Opaq (Organização para Proibição de Armas Químicas) já está agindo nesse sentido.

Quando Obama pronunciou que o seu país iria intervir no conflito sírio, os jornais anunciavam um ataque eminente. França e Inglaterra, aliados dos Estados Unidos, declararam apoio à invasão. Mas o mundo não. O Parlamento Inglês vetou a possibilidade de a Inglaterra enviar seus soldados para Síria, mais de mil pessoas se manifestaram em Londres para comemorar o repúdio do Parlamen-to ao bombardeio, David Cameron pronunciou que respeitaria a voz da população e o eminente ataque começou a se configurar como nem tão eminente assim.

Para a surpresa da comunidade internacio-nal e talvez até mesmo do presidente Obama, 60% dos americanos repudiam uma intervenção militar na Síria. No dia em que ele pronunciou que os EUA estavam prontos para atacar, manifestantes tomaram a Time Square contra o bombardeio. Barack Obama se esqueceu de quando ele era candidato e disse que o presidente “não tem o poder sob a Constituição de autorizar unilateral-mente um ataque militar em uma situação que não envolve interromper uma real ou iminente ameaça à nação”.

A guerra do Vietnã, o 11 de setembro e os soldados enviados para o Iraque traumatizaram a sociedade americana, deixaram sequelas e desmis-tificaram, em certa medida, o sonho americano. O geógrafo Nelson Bacic observou que “os ame-ricanos estão cansados de guerra, eles não estão mais disposto a perder soldados”.

O cenário é bem diferente daquele, há dez anos, quando os Estados Unidos invadiu o Iraque e a intervenção do governo americano foi vista como legítima pela população. O argumento era o mesmo: que havia um arsenal químico no Ira-que. Entretanto as armas de destruição em massa não foram encontradas e a população americana se sentiu enganada. A política americana vem oscilando historicamente entre isolacionismo e intervencionismo; o momento é de isolamento.

Com a crise de 2008 o governo cortou gastos com programas sociais que garantem o es-tado de bem estar social estadunidense, como por exemplo com o Food Stamps, um vale alimentação para a população pobre. Os gastos com as últimas guerras foram altíssimos e a sociedade americana reconhece a contradição de investir dinheiro para bombardear gente na Síria enquanto os america-nos passam necessidades.

O conflito Sírio, que se iniciou em Março de 2011 com o assassinato, prisão e tortura de jovens que protestavam por maior liberdade em seu país, já ultrapassou o número de 100 mil mortos, se-gundo a Organização das Nações Unidas. Bashar

Guerra na Síria

Barack Obama foi barrado em sua primeira tentativa de atacar a Síria; potências mundiais disputam o poder na região mais rica em

reservas de petróleo do planeta

al-Assad está na presidência da Síria desde 2000 e sucedeu seu pai, Hafez al-Assad, que estava no poder desde 1971.

A guerra civil na Síria não se resume a Co-alização Nacional Síria contra o ditador Assad. O Egito, a Líbia e a Tunísia, principais países da “Pri-mavera Árabe”, também são cenário de guerras civis, cada uma com suas especificidades, mas com muitos mortos. No Egito, as rebeliões resultaram em eleições. Mas a reposta a todo esse processo foi a implementação de um fundamentalismo religioso. Após a derrubada de Mubarak, que go-vernou o Egito por mais de 30 anos, Mursi venceu as eleições com o slogan “Islã é a solução”. O povo voltou às ruas, derrubou o presidente eleito e as revoltas continuam.

Rebeliões contra ditadores que estão há décadas no poder deram a impressão (aos olhos do Ocidente) que algo estava abrochando, que o Oriente enfim se tornaria mais democrático, e por isso foi denominado Primavera Árabe. Mas como ressalta Carlos Alberto Carvalho, professor de geografia formado pela USP, “não considero esse processo uma primavera, a primavera anuncia que algo bom está por vir... Diria que é Outono”. E completa: “a única linguagem é a violência.”.

A formação dos Estados modernos no Oriente Médio é muito recente, ela aconteceu depois da Primeira Guerra Mundial. Dois modelos de governo foram instituídos: Estado moderno Laico e Monarquias, ambos muito autoritários e opressores; modelos que envelheceram com seus

ditadores. A Síria é um país recente, mas que carre-ga milênios de história. Talvez seja difícil aos olhos do Ocidente compreender que para esse povo muitas vezes ser xiita está acima de ser sírio.

Mais difícil ainda compreender o que se passa hoje no Oriente Médio, local onde nasceu o cristianismo, o judaísmo o islamismo e outras religiões. Não se trata de uma guerra ideológica entre neoliberais democratas e ditadores sanguiná-rios. Quando grandes potências como Inglaterra, França e os EUA fomentam uma guerra civil na Síria, certamente não estão ajudando um barril de pólvoras a alcançar a idealizada democracia Ocidental; democracia essa cheia de limitações e contradições.

Por que a Síria é o alvo da vez das grandes potências? Porque ela fica entre Israel e Iraque, porque ela apoia o Irã, porque ela combate internamente islâmicos radicais e os apoia exter-namente. Ela é estrategicamente interessante. A repercussão do conflito Sírio faz o Ocidente com-preender muito mais da conjuntura política atual do próprio Ocidente do que do Oriente.

O regime capitalista é violento, ele impossi-bilita uma vida digna a todos, como apontou muito bem Milton Santos “a globalização é a crise”; os conflitos têm dimensões globais. Enquanto o mundo viver sob essa lógica milhares de pessoas continuarão se matando no Oriente Médio e os Estados Unidos esperando um próximo momento para bombardear mais milhares de pessoas.

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

Por andré neves sampaioe andressa vilela

InternacionalCONTRAPONTO

Não é de agora que o Uruguai vem chamando atenção de países do mundo inteiro. Após

a eleição do presidente José Mujica, o país vem tomando atitudes revolucionárias e inéditas, principalmente para a América do Sul. Depois de quebrar dois paradigmas da sociedade contempo-rânea, legalizando o aborto e o casamento gay, a Câmara aprovou a legalização da maconha (que será votada no Senado no final do ano), o que causou uma grande repercussão na comunidade internacional.

Segundo Mujica, a legalização do consumo e da venda de maconha no país chega como uma forma viável de enfrentar o tráfico de drogas, que aparece como o “verdadeiro veneno” das sociedades atuais e com efeitos muito piores que os causados pela própria droga. Para ele, a nova medida servirá como “cobaia” aos outros países. Caso a lei não renda frutos, o presidente prometeu repensar a atitude tomada. “Sou velho... mas per-cebi que essa é a vida dessa juventude – o consumo está aí nas esquinas e é produzida em um mercado clandestino com regras ferozes. É um monopólio da máfia”, afirmou o chefe de Estado.

A legislação prevê a criação de um Instituto Nacional de Maconha para controlar a produção e distribuição da droga, impor sanções aos infratores e formular políticas educacionais para alertar sobre os riscos do uso de maconha. Segundo o projeto, os usuários poderão plantar até seis pés de Can-nabis para consumo próprio, ter clubes de cultivo (coffe shops), com no mínimo quinze e no máximo 45 pessoas, que também terão autorização para o plantio em quantidade proporcional à de sócios. A terceira condição será a compra em farmácias de no máximo 40 gramas mensais por usuário, que deverá ser maior de 18 anos e registrado num cadastro nacional e, finalmente, quem precisar da erva por razões de saúde poderá adquiri-la com receita médica. “Sabemos que estamos iniciando um experimento de vanguarda mundial”, disse o presidente que já foi fumante de tabaco e que toma seu “pileque” de vez em quando.

O índice de consumo da erva aumentou com o passar do tempo e vem se tornado cada vez mais acessível. Além de Holanda, alguns estados nos E.U.A e Espanha, já criaram uma nova política em relação à planta, legalizando o consumo pró-prio e a venda em lugares autorizados, ou ainda com a prescrição de um atestado médico.

No Brasil, 56% dos homicídios têm ligação direta com o tráfico de drogas (dado divulgado

o uruguai à frente da américa latinaDescriminalização da maconha, ao lado de outras medidas

progressistas, faz do país um expoente na região

pelo grupo UN de Notícias). Os mortos, em sua grande maioria, são jovens pobres de 15 a 25 anos. Na maior parte das vezes os crimes são co-metidos em bairros de periferia. A escolaridade das vítimas também chama a atenção, pois a maioria das vítimas não concluiu o ensino médio e foram assassinadas por arma de fogo.

Dessa maneira, a legalização da maco-nha no Uruguai literalmente servirá como um experimento que poderá gerar frutos para toda

Sou velho... maS percebi que eSSa é a vida deSSa juventude – o conSumo eStá aí naS eSquinaS

e é produzida em um mercado clandeStino com regraS

ferozeS. é um monopólio da máfia

(mujica)

Quem é José Mujica?Conhecido como “Pepe” Mujica, o atual Presidente do Uruguai recebe USD$12.500/mês (doze mil e quinhentos

dólares mensais) por seu trabalho à frente do país, mas doa 90% de seu salário, ou seja, vive com 1.250 dólares. O restante do dinheiro ele distribui entre pequenas empresas e ONGs que trabalham com habitação. “Esse dinheiro me basta e tem que bastar, porque há outros uruguaios que vivem com menos”, diz o presidente. O chefe de Estado vive a poucos quilômetros de Montevidéu em uma casa no campo muito simples, com a companhia de seus cachorros, a mulher e uma viatura da polícia que fica 24 horas em frente ao seu portão.

Aos 77 anos, Mujica vive de forma simples. Além de sua casa, seu único patrimônio é um velho “Fusca” Volkswagen, avaliado em pouco mais de mil dólares. Sua esposa, a senadora Lucía Topolansky, também doa a maior parte de seus rendimentos.

Ainda jovem, se envolveu no MLN – Movimento de Libertação Nacional e ajudou a organizar os Tupamaros, grupo guerrilheiro que lutou contra a ditadura uruguaia, comandada por Jorge Pacheco Areco e Juan María Bor-daberry. Nessa época, foi preso, torturado e permaneceu 13 anos na cadeiaa.

Mujica tem horror aos privilégios cerimoniais e abre mão de praticamente todos os “luxos” que um presidente tem direito. Carrega em suas costas tristes lembranças dos tempos sombrios da ditadura, porém hoje em dia luta por uma sociedade mais justa e igualitária, com liberdade de expressão e principalmente , sem violência.

comunidade mundial, uma vez que, se realmente a taxa de homicídios e o tráfico de armas dimi-nuírem, a legalização deve se tornar uma medida cada vez mais aceitável entre outros países e suas populações. Não só a legalização da maconha, mas outros assuntos como aborto e casamento homossexual são pautas que a cada dia ganham mais espaço e o Uruguai é o país que mais se destaca na América Latina, com legislações cada vez mais flexíveis e atuais.

Pelos direitos das mulheresEm outubro de 2012, o Uruguai protagonizou outro acontecimento político que o colocou como vanguarda

da América Latina: o Senado uruguaio aprovou a descriminalização do aborto. A lei, sancionada pelo presidente Pepe Mujica em dezembro do mesmo ano, faz do país o primeiro do continente a ter uma legislação tão aberta em relação aos direitos das mulheres.

A norma prevê que a mulher que deseja abortar, grávida de no máximo três meses, deve conversar com uma equipe de três profissionais (ginecologista, psicólogo e assistente social) e, então, manifestar sua decisão em até cinco dias. Se a decisão da mulher for, de fato, pelo aborto, ele poderá ser realizado em centros de saúde públicos ou particulares. Em caso de estupro, risco de vida à gestante ou má formação do feto, tal processo não é exigido.

Em nove meses de descriminalização, o Uruguai não registrou nenhuma morte por consequência do aborto. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde Pública Uruguaio, foram realizados 2.500 abortos legais, o que significa aproximadamente 426 por mês. Ainda assim, as taxas de aborto no país estão entre as mais baixas do mundo.

O Uruguai, que é um Estado laico desde 1917, também foi o pioneiro regional ao permitir o divórcio por iniciativa da mulher, em 1913, e o voto feminino, decidido em plebiscito, em 1927.

A maconha foi descriminalizada no país para que o tráfico de drogas, verdadeiro vilão da história, possa ser minado

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

ocorreu uma média de 30.269 assassinatos de ci-dadãos negros a cada ano, no Brasil. Ao considerar que nesse mesmo período a taxa de homicídio da população branca só caiu enquanto a da negra passou pelo processo inverso, o preconceito se torna evidente.

Em qualquer esfera social analisada, a exclu-são existe. O Núcleo de Consciência Negra na USP é resultado de uma dessas observações no âmbito universitário: “ao constatarem a quase que au-sência de negros e negras na Universidade de São Paulo – considerada a melhor Universidade Brasil e a maior da América Latina – a exclusão e mar-ginalização ficava escancarada”, declara Fiorino. Complementa ainda que “no curso de Medicina de 2013 não há nenhum estudante negro”.

Essa realidade foi explorada no artigo “O estigma dos três ps: preto, pobre, da periferia. A visão de adolescentes da Comunidade Heliópolis”, de Isis S. Longo, da Faculdade Zumbi dos Palmares. A autora o escreveu se baseando nas reflexões de jovens alunos da EMEF Gonzaguinha pretos, pobres e periféricos a respeito de suas vivências dentro e fora da comunidade. “Sobre o racismo institucio-nal, nas escolas, no trabalho, no sistema público de saúde, espaços de lazer, acesso à Justiça, ação da Polícia Militar (...), os alunos(as) percebem que essa discriminação racial institucional acontece, principalmente nos locais de trabalho, nas portas giratórias dos bancos e na abordagem coercitiva da PM”, afirma-se. Também são citados alguns lugares que seriam ambientes hostis a eles: os Shoppings Center e os supermercados, por exemplo. Um dos alunos, que não se identificou, relata: “Quando você é negro, como eu, e entra numa loja e todos

Por Bruna Bravoe carolina Piai

de luther King a oBama

CONTRAPONTO

Depois de 50 anos, discurso “I have a dream” ainda é atual

Eu tenho um sonho que um dia, nas montanhas rubras da Geórgia, os filhos dos descendentes

de escravos e os filhos dos descendentes de donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho que um dia mes-mo o estado do Mississippi, um estado desértico sufocado pelo calor da injustiça, e sufocado pelo calor da opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que meus quatro pe-quenos filhos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor da pele, mas pelo con-teúdo do seu caráter. Eu tenho um sonho hoje.”

Martin Luther King – Naquele dia, 28

de agosto de 1963, um jovem pastor e ativista político defendeu seu sonho na frente de 250 mil pessoas nos degraus do Memorial Lincoln. Foi o último discurso após a Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, que reuniu aqueles que lutavam pelo fim da segregação racial, por maior justiça social, pelos direitos civis; aqueles que com-partilhavam do sonho de Martin Luther King.

Nascido em 1929, Luther King cresceu na era Jim Crow, época entre 1876 e 1965 em que nos estados sulistas dos Estados Unidos vigoravam leis que definiam que nas escolas públicas e demais lugares públicos (como trens, ônibus e até mesmo bebedouros) deveria haver instalações distintas para brancos e negros, promovendo a segregação. Sem opção, King estudou em escolas públicas segregadas e se formou em sociologia em uma instituição para afro-americanos.

Sua militância tem início nos anos 50, quando também se tornou pastor. Mais especifi-camente em 1955, aceita liderar a primeira grande manifestação pacífica antirracial, em resposta à prisão de Rosa Parks, mulher negra que se recusou a ceder seu acento para um homem branco, como era de costume. Nesse movimento se estabeleceu o boicote aos ônibus da cidade de Montgomery, no Alabama, que durou 382 dias e só teve fim quando a Suprema Corte declarou inconstitucio-nal a segregação no transporte público, e assim, tornando igualitário o uso do ônibus entre negros e brancos.

O destaque de Luther King na luta social e política fez com que em 1957 ele assumisse a presidência da Conferência de Liderança Cristã do Sul, que alimentava o ativismo em torno do crescente movimento pelos direitos civis e visava o fim do segregacionismo. A atuação da organização era através de manifestações e boicotes pacíficos, dos quais King participava assiduamente. Foi nesse ínterim que coordenou a marcha massiva e pacífica em Washington, terminando, na frente de “Lincoln”, que aboliu a escravidão cem anos antes, com o discurso que contemplaria os 250 mil com nada menos que a verdade: “Cem anos mais tarde, devemos encarar a trágica realidade de que o negro ainda não é livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro está ainda infelizmente dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação”.

Discriminação, hoje – “A luta e o dis-curso de Luther King ainda ressoa, fortemente, tanto na minha militância, quanto no Núcleo de Consciência Negra; tanto no movimento negro em nível nacional, quanto internacional”, diz Haydée Fiorino, estudante de Direito da PUC-SP e Ciências Sociais na USP, militante do movimento negro de São Paulo, ex- coordenadora do Núcleo de Consciência Negra na USP (2010-2012), partici-pante do Comitê contra o Genocídio da Juventude Negra e da Frente pró-cotas no Estado de São Paulo e membra do Coletivo Feminista Yabá da PUC-SP. “Cinquenta anos depois, permanecemos sonhando com um mundo no qual nossas crianças “não sejam julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”. Seguimos nossa luta, acreditando e lutando pela efetivação da justiça racial”, acrescenta.

Ao se basear na teoria do sociólogo Oracy Nogueira, a militante explica como o racismo, “en-quanto fenômeno social, expressa-se de maneira diversa”: no Brasil, “o racismo é de marca, ou seja, de acordo com a tonalidade da pele o sujeito sofrerá a discriminação racial de uma maneira, o racismo assim se dá pelo fenótipo”, já nos EUA “o racismo é de origem, assim, não importa se o sujeito seja fenotipicamente classificado como branco - se tiver pais, avós, ou familiares negros, ele sofrerá o preconceito racial da mesma manei-ra de um sujeito com maior melanina na pele”. Conclui, porém, que independentemente dessa diferenciação, “o que não muda são as perversas consequências”.

Os registros do Sistema de Informações de Mortalidade declaram que entre 2002 e 2010

Racismo

Martin Luther King, um ícone do movimento negro e do combate pelos direitos civis nos Estados Unidos

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fica manifeSto, aSSim, o proceSSo de criminalização e Seletividade doS aparatoS de controle em obviaS práticaS de diScriminação contra

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

ficam te olhando, e os seguranças já ficam pensan-do que você foi lá para roubar”.

Nos Estados Unidos não é diferente. No ano passado um jovem negro, Trayvon Martin, foi morto por George Zimmerman, um vigia de rua, no caminho para a casa de seu pai. O vigilante o considerou suspeito, fez uma abordagem e lhe deu um tiro no peito – ao ser questionado, na Justiça, Zimmerman declarou ter agido em legítima defe-sa e, ao ser julgado, neste ano, foi considerado inocente. Há uma lei, no Estado da Flórida, onde o crime ocorreu, que permite o uso de força letal no caso de uma pessoa se sentir ameaçada. No entanto, Martin não estava sequer armado. Tudo indica que o homicídio foi cometido por causa da cor de sua pele – ela, na sociedade, por si só, já faz com que uma pessoa seja considerada suspeita.

Segundo The New Jim Crow: Mass Incarce-ration in the Age of Colorblindness (As Novas Leis de Discriminação Racial: Detenção em Massa na Era da Invisibilidade da Cor), de Michelle Alexander, há cinco anos havia mais negros presos no país do que escravos, em 1850. Outro estudo, The Lives OF Juvenille Lifers (As vidas dos jovens que cumprem prisão perpétua)”, realizado pelo The Sentencing Project mostrou que 60% dos jovens que têm menos de 18 anos e estão presos são negros. Ao considerar que cerca de 13% da população dos Estados Unidos é negra, Fiorino diz: “Fica manifesto, assim, o processo de criminalização e seletividade dos aparatos de controle em obvias práticas de discriminação contra negros e pobres”.

Além disso, entre 2007 e 2011, de acordo com um relatório do Escritório do Censo dos EUA, cerca de um quarto da população negra norte-americana vivia na pobreza. Enquanto isso, no Correio Braziliense, afir-ma-se que a porcentagem de negros desempregados no país é quase o dobro da de brancos. As proporções são, respectivamente, 12,6% e 6,6%.

Logo, o movimento negro, “tanto no Brasil, quanto nos EUA, ainda possui um forte papel no planejamento de uma sociedade diferente, na qual o racismo não seja motor pulsante ou engrenagem propulsora da sociabilidade humana”, comenta Fiorino. “Ainda precisamos fortemente, tanto em nossos espaços de militância quanto em todos os espaços nos quais penetramos de uma maneira ou outra, atentar a todos sobre uma leitura de mundo que de tanto menosprezada, e por isso, outras tantas negligenciada, é, muitas vezes, na-turalizada”, acrescenta.

A mudança chegou? – Em 2008 surgiu, então, para alguns, a luz no fim do túnel. Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, foi eleito. Com recorde de participação eleitoral no país, de 66%, Obama obteve a vitória sobre o republicano John McCain. “Se alguém aí ainda dúvida de que os Estados Unidos são um lugar onde tudo é possível, que ainda se pergunta se o sonho de nossos fundadores continua vivo

em nossos tempos, que ainda questiona a força de nossa democracia, esta noite é sua resposta”, declarou no dia em que se elegeu. Para o candi-dato do Partido Democrata, “é a resposta que conduziu aqueles que durante tanto tempo foram aconselhados por tantos a serem céticos, temero-sos e duvidosos sobre o que podemos conseguir para colocar as mãos no arco da História e torcê-lo mais uma vez em direção à esperança de um dia melhor”. Complementou ainda: “demorou um tempo para chegar, mas esta noite, pelo que fize-mos nesta data, nestas eleições, neste momento decisivo, a mudança chegou aos EUA”.

No entanto, o que se vê, atualmente, são os índices de discriminação negra. Não só isso, mas também a espionagem presente no governo e a ameaça de ataque à Síria. Ou seja, diferente-mente do que prometera, a realidade do país e sua atuação continuam cruéis.

Segundo Jeferson Miola, em “Luther King tinha um sonho. Obama tem um drone”, artigo da Carta Maior, “Obama é prova do desvirtuamento do Prêmio Nobel da Paz. Ele é o Senhor das Guer-ras. O senhor de todas as guerras; o promotor das

guerras que destro-em nações, culturas, vidas e futuro. Guer-ras feitas em nome do domínio e da expansão do poder imperial dos EUA no mundo, mas cinica-mente batizadas de “humanitárias”. A espionagem é a di-mensão cibernética da guerra total que Obama promove”. No texto, o analista político relata jus-tamente a atuação arbitrária dessa na-ção cujo presidente denomina como a “democracia mais

antiga do mundo ocidental”. É nesse contexto que o discurso “I have a

dream” fez, em agosto, aniversário de 50 anos. O democrata, que foi reeleito no ano passado, aproveitou a data para fazer um discurso naquele mesmo lugar utilizado por Luther King.

De acordo com Fiorino, “ao escolher exata-mente a mesma data, hora e local de pronuncia-mento, Obama faz clara alusão à simbologia do discurso e à vida militante de Luther King, com a evidente intenção de aproximar ou provocar uma comparação entre eles, esperando também um elogio do movimento negro, reivindicando-o somente por interesse pessoal”. No entanto, com-plementa: “ao contrário de King, que defendia a não violência na luta pelos direitos civis e pregava a fé dos dominados na mudança dos dominadores de maneira pacífica, Obama acredita na militari-zação enquanto instrumento de reafirmação do poder de uma nação, revelando que no seu jogo político prefere lutar para manter o poder do que transformá-lo, dissolvendo todo o impacto revolu-cionário que o colorido de sua pele representa na histórica Casa Branca norte americana”.

Além de sua postura frente à questão militar, considera-se ainda que na campanha de reeleição, por exemplo, Obama praticamente ignorou o Estado de Mississippi, que é o Estado mais pobre do país e, não coincidentemente, o de maior população negra. Seu sonho, portanto, não parece ser o mesmo de Martin Luther King.

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Bebedouro do período em que a segregação racial era institucionalizada nos Estados Unidos

“Somos todos Trayvon Martin”, diz a placa, em referência ao

jovem vítima de homicídio racista no ano passado

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

Por lu sudré

ChileCONTRAPONTO

Muito antes do ataque às torres gêmeas nos EUA, que ocorreu em 11 de setembro de

2001, a data de 11 de setembro de 1973 já havia deixado uma marca na história. Momento trágico para a política da esquerda latino-americana, há 40 anos, a morte de Salvador Allende em decorrência do golpe militar chileno, e, por conseguinte, o fim do governo da Unidade Popular, também deu desfecho a chamada via chilena ao socialismo. Naquela fatídica terça feira, no palácio presidencial de La Moneda no centro de Santiago, após ter dito à população chilena suas últimas palavras por meio de uma transmissão radiofônica, Salvador Allende Gossess, médico e político marxista, foi deposto pelo golpe de estado organizado por seu chefe das Forças Armadas, Augusto Pinochet. Era o início de uma ditadura que durou por 17 anos e deixou cerca de 3200 mortos e desaparecidos.

Eleito democraticamente na América como primeiro presidente da república e primeiro chefe de estado socialista-marxista, Allende fez com que o Chile se tornasse o único país do continente que adotasse o socialismo democrático como linha política. Desde a década de 1930, socialistas, co-munistas e radicais chilenos haviam formado uma Frente Popular que venceu as eleições presidenciais de 1938, sendo reeleitos mais três vezes, porém, foram interpelados pelo imperialismo americano no inicio da Guerra Fria, em 1947. Tal Frente Po-pular deu foco para programas de universalização da educação e da saúde pública, pautando a infra-estrutura e proteção do mercado interno, assim como a indústria.

Somente em 1970 com a Unidade Popular de Allende, foi proposto de forma explícita um projeto de sociedade que se consolidaria como a transição democrática para o socialismo. Foi por esse programa político que em 1971, Ênio Bucchioni, militante exilado da Ditadura Brasileira, procurou abrigo no país quando começou a ser perseguido pelos militares devido a sua posição política. Em atividade para relembrar os 40 anos do golpe militar de Pinochet, organizada pela corrente interna do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), formada pelo Coletivo Socialismo e Liberdade (CSOL), Enlace e Coletiva Luta Vermelha (CLV), Bucchioni, que atualmente é professor, afirmou que o Chile era como um “paraíso terrestre para a esquerda”.

A primeira memória do exilado político no momento em que chegou ao território chileno foi a de descer do trem em que viajava e avistar um garoto com a camiseta do Che Guevara. Com as profundas diferenças entre a política esquerdista do presidente e as ditaduras que majoritariamen-te tomavam conta da América do Sul, Bucchioni impressionou-se com a força da Unidade Popular. “Chegando ao Chile, me espantei com um comício realizado pelo recém-empossado presidente da época, Salvador Allende, que teve a participação de 300.000 pessoas levantando bandeiras verme-lhas”, conta o professor. “Certa vez houve até

há 40 anos, golPe de Pinochet matou allende e o Projeto de um País socialista na américa do sul

Brasil foi máquina de propaganda da ditadura pinochetista, arquitetada, armada e financiada pela Casa Branca

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uma manifestação em prol da estatização de uma empresa e quem reivindicava isso era um ministro do governo”.

Enquanto Brasil, Argentina, Paraguai, Bolí-via, Peru, Equador e Uruguai estavam sob regimes militares apoiados pelos Estados Unidos, apenas Chile, Colômbia e Venezuela mantinham seus governantes eleitos. Além da grande ameaça do nascimento de um segundo regime socialista na área de influência americana, depois de Cuba, a política de Allende incomodou com suas naciona-lizações e estatizações - principalmente de bancos e minas de cobre - que afetaram diretamente os americanos e interferiu ainda mais no já fragilizado cenário geopolítico mundial. O reformismo radical foi concretizado com o aumento de salários, cresci-mento do PIB, redução de juros e do desemprego, aumento da produção industrial, crescimento da distribuição de renda, entre outras medidas.

Para Bucchioni, o Chile se encontrava em uma mudança de situação que define como pré-revolucionária. “Aqui no Brasil nunca tivemos nada igual. A situação pré-revolucionária é quando se

invertem as relações de forças, quando a prole está no ataque e a burguesia capitalista na defensiva. Isso, categoricamente, nunca existiu no Brasil”. Em 1971, houve eleições para vereadores e a Unidade Popular conquistou mais de 50,2% em votos. O militante ressaltou os grandes números de filiados ao Partido Socialista (PS) e o PC (Partido Comunista), apontando o processo de consciência e participação política do povo. “Uma estratégia revolucionária tem relação com as urnas. Não é uma relação total, mas existe uma relação”.

A solução que os americanos encontraram para acabar com a ameaça vermelha foi submeter o país a um bloqueio econômico informal, que impossibilitava a realização de empréstimos in-ternacionais e bons preços para o cobre, principal produto de exportação chileno e material lapidar de sua economia. Tradicionalmente dependente das importações americanas - que foram paralisa-das - Allende se deparou com as indústrias, frotas de caminhões, ônibus e veículos do país atingidos de forma abrupta devido à falta de peças para reposição.

Augusto Pinochet (à esq.) ao lado de Salvador Allende

Passeata em apoio ao presidente chileno, em Santiago, às vésperas do golpe

Última imagem de Allende, antes de ser

encontrado morto

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chilenos, que organizou uma operação conhecida como “El Tanquetazo”, programada para 29 de junho de 1973, mas quando detectada pelo gene-ral constitucionalista Carlos Prats, foi abortada. Ao recusar participação no golpe, Prats foi obrigado a renunciar à seu posto de Comandante Chefe das Forças Armadas, sendo seu sucessor o general Augusto Pinochet, alinhado com a política con-servadora da extrema direita e dirigente do golpe que acabaria com a democracia chilena. Salvador Allende não renunciou e rechaçou o exílio.

Às 11h55 do dia 11 de setembro de 1973, iniciou-se o bombardeio liderado pelos militares. A partir desse momento, estariam mortos Allende e sua proposta de democracia socialista. Há duas versões sobre a morte do presidente: a primeira é que se suicidou no Palácio de La Moneda; a segunda é a de que fora assassinado por tropas invasoras pinochetistas. Allende foi inicialmente enterrado numa cova comum, mas com o tér-mino da ditadura Pinochet, teve um funeral com honras militares, em 1990, no Cemitério Geral de Santiago.

Em 23 de maio de 2011, seus restos mor-tais foram exumados para determinar a causa da morte a pedido feito em representação dos familiares pela senadora Isabel Allende, filha do ex-presidente chileno, para determinar com “cer-teza jurídica as causas da sua morte”. No dia 19 de Julho de 2011, a perícia realizada nos restos mortais do ex-presidente confirmou que sua morte foi ocasionada “por ferimento de projétil” e que a “forma corresponde a suicídio”.

Brasil – No início do mês de setembro, o jornal Estado de São Paulo publicou uma maté-ria afirmando que após consolidar-se no poder, Pinochet utilizou o Brasil como uma máquina de propaganda do regime, que promovia a imagem da ditadura chilena para o mundo. Recentemen-te liberados e em poder do Estado, documentos diplomáticos chilenos são prova dessa ligação: conspiradores do Chile receberam forte apoio do Brasil para derrocar o socialista Salvador Allende.

Segundo ofício confidencial, a embaixada chilena em Brasília financiou, de modo secreto, a publicação de livros favoráveis ao golpe de setem-bro de 1973, como o “Interpretação do Chile”, de autoria do advogado Wilson Pinto. Em outro docu-mento, o primeiro embaixador da junta militar em Brasília, Hernán Cubillos Leiva explica que o livro representa uma clara defesa do “pronunciamento militar” chileno e sugere que a obra fosse traduzi-da e publicada em outros países latino-americanos. Com o mesmo objetivo, ocorreu o lançamento em território brasileiro de “O experimento marxista chileno”, de Robert Moss, que apresentava como o golpe de 1973 “salvou” o Chile.

O trampolim publicitário da ditadura abordou outros campos da cultura, mas, princi-palmente a imprensa, acusada pelos diplomatas chilenos de estar “infiltrada por simpatizantes do comunismo”. Os arquivos secretos comprovam como integrantes do partido de extrema direita Patria y Libertad atuavam em território brasilei-ro e chegaram a receber proteção política do regime militar, liderado por Emílio Garrastazu Médici. O principal acontecimento que explícita essa cooperação foi a denúncia feita no início de 1974 pela repórter Marlise Simon, do jornal Washington Post, que vivia no Rio de Janeiro a época. De acordo com a jornalista, entre 1972 e 1973, empresários paulistas enviaram dinheiro e carregamento de armas aos conspiradores chile-nos, que saíam do Porto de Santos disfarçados em caixas de maquinário agrícola com destino ao regime ditatorial de Pinochet.

Essas circunstâncias resultaram na auto-organização dos trabalhadores e na tomada de direção das fábricas, em que o proletariado era responsável por toda a produção. Os camponeses apropriaram-se das fazendas, se organizaram para o plantio e paralelamente o número de greves e organizações sindicais crescia. “Os trabalhadores tiveram a totalidade das fábricas em seu poder du-rante 26 dias, assumindo o controle da produção e distribuição”, explica Bucchioni. “O país funcionou sem a burguesia, em uma solidariedade total. Era um duplo poder”.

Crise econômica – Totalmente ameaçados, a estratégia da burguesia foi fundamentalmente econômica e começou a fazer efeito no momen-to em que impulsionaram ainda mais o boicote a economia chilena, que por alguns momentos permaneceu na mão dos trabalhadores. Cerca de 80% da economia era baseada no cobre, cujo preço era fixado internacionalmente na Bolsa de Londres. Nesse contexto, a inflação aumentou drásticamente: passou de 22,1% em 1917, para 163,4% em 1972 e no ano do golpe, estava em 381,1%. As fábricas e indústrias internacionais interromperam a exportação dos materiais e não havia como repor peças cruciais para a sobrevi-vência da população, a produção auto-organizada

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– vítima de um golpe – entrou em derrocada e não era mais suficiente. Iniciava-se a asfixia de um futuro socialista.

Durante esse processo o PIB chileno passou de 9% para 4,2% negativos. A escassez de alimen-tos e a miséria, causadas pela altíssima inflação e consequentemente pela redução dos salários mínimos, mudou a conjuntura do país. “Houve uma mudança de setores de classes sociais. Setores que em 1971 apoiaram o governo começaram a se deslocar”, comenta Bucchioni. Reconhecendo que os três anos que ainda estariam por vir de go-verno Allende, seriam muito perigosos, os países imperialistas movimentaram-se e inflamaram os trabalhadores chilenos contra o próprio governo, utilizando-se da fome e das péssimas condições que o povo enfrentava, causadas pelas mesmas políticas imperialistas internacionais. Financiados pela CIA (Agência de Inteligência Civil Americana), os movimentos grevistas voltaram e a paralização dos caminhoneiros foi como a gota d’água: o plantio da safra foi impedido e a população estava sem produtos de primeira necessidade. Os rumores sobre o Golpe ganhavam força.

O golpe – A primeira tentativa para derru-bar Allende foi decorrente de uma aliança entre o partido direitista Patria y Libertad com os militares

Muito mais cedo do que tarde, se abrirão novamente as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma

sociedade melhorDisse Allende ao povo chileno em seu último discurso, pela rádio Magallanes

Abaixo, trechos do discurso:“Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bom-

bardeou as antenas da Rádio Magallanes. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para quem traiu seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares (...) Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores: Não vou renunciar! Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.

Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez. Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição (...) A historia os julgará. Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto a vocês. Pelo menos minha lembrança será a de um homem digno que foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não se sacrificar. O povo não deve se deixar arrasar nem tranqüilizar, mas tampouco pode humilhar-se.

Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino. Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor. Viva o Chile! Viva o povo! Viva os trabalhadores! Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição.”

Salvador Allende, 11 de setembro de 1973

Ato organizado no Chile em setembro desse ano, para relembrar os mortos da ditadura Pinochet

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CONTRAPONTO10 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

a lei. “No Brasil aconteceram atos em frente às embaixadas, pressionando o governo brasileiro, mas, não houve nenhum posicionamento claro, qualquer sanção bilateral, ou colocação oficial por parte da presidência em torno do assunto”.

O presidente russo, Vladimir Putin, em entrevista à TV estatal do país, comentou que todos são considerados cidadão plenos, com igualdade de direitos. Ele acrescentou que “as pessoas de orientação sexual não tradicional não são discriminadas nem profissionalmente, nem em seus salários”. Putin ainda assegurou que trabalha com ‘pessoas assim’ e que as condecora por suas conquistas quando necessário. Porém, em janeiro deste ano, o âncora da TV estatal KontrTV, Anton Krasovsky, foi demitido após ter assumido sua ho-mossexualidade e ter se colocado contra a lei pro-posta (que viria a ser aprovada mais tarde), em uma transmissão ao vivo. No final do mês de setembro, ele se manifestou mais uma vez a respeito da nova lei, em uma conferência em Valdai. O presidente negou que essas medidas tomadas pelo governo sejam de cunho homofóbico. Segundo ele, essa lei não “infringe os direitos das minorias sexuais”, mas, apenas “proíbe a propaganda de relações se-xuais não tradicionais entre menores”. Ele também se utilizou do argumento de que a Europa está passando por um declínio populacional, e com a aprovação da união de casais do mesmo sexo em

Por flávia Kassinoff, Gabriella Justo,lu sudré e thaís folgosi

Políticas conservadoras de Putin colocam a rússia

na contramão da luta Pelo direito à sexualidade

CONTRAPONTO

Lei sancionada pelo presidente possuí caráter opressor

Os direitos e liberdade de expressão das Lésbi-cas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e

Transgêneros (LGBTTT) foram atingidos de forma abrupta com a aprovação de leis polêmicas e homofóbicas na Rússia, o que levou o país para as páginas dos jornais. Elena Mizulina, parlamen-tar russa que dirige a Comissão sobre a Família, Mulheres e Crianças foi a co-autora de uma lei, aprovada em junho desse ano, contra a “divul-gação de valores sexuais não-tradicionais” entre menores de idade, referindo-se aos relacionamen-tos homossexuais. Promulgada pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, a lei proíbe expressamente manifestações de afeto públicas das LGBTTT e estipula multas que variam entre 4 mil rublos (R$ 290), para indivíduos, e 1 milhão de rublos (R$ 72,7 mil), para organizações. Caso o indivíduo sancionado seja um estrangeiro, a pessoa deverá ser deportada imediatamente ou será presa por 15 dias e, posteriormente, expulsa do país.

A não definição do que significaria “propa-ganda das relações sexuais não tradicionais”, dá margem para que autoridades apliquem a lei de maneira arbitrária e repressora. Após a aprovação da lei, a parlamentar disse que “as relações sexuais tradicionais são relações entre um homem e uma mulher, estas relações precisam ser protegidas pelo governo”. No ano passado, a Rússia proibiu que as paradas de orgulho gay sejam realizadas nos pró-ximos 100 anos. Mesmo com a proibição, a comu-nidade tentou organizá-la nos últimos dois anos, mas foi severamente atacada pelas autoridades e por manifestantes contrários aos direitos gays. Outra medida que está sendo pensada pelo go-verno é uma emenda à Lei de Doação de Sangue, em que gays, lésbicas e bissexuais não poderão realizar a doação. O vice-presidente da Comissão de Ciências da Casa e candidato à prefeitura de Moscou, Mikhail Degtyaryov, alegou que a medida poderá ser tomada devido ao fato de 65% dos infectados serem homossexuais. “Não se trata de discriminação, mas de uma medida relacionada à saúde”, defendeu Degtyaryov. Mas todas essas medidas não parecem tão absurdas em um país que até 1993 criminalizava a homossexualidade.

Em 2012, A Rússia e a Moldávia foram considerados como os países europeus que menos respeitam os direitos dos homossexuais, pela Asso-ciação Internacional de Gays e Lésbicas. Andando na contramão da liberdade, do respeito a vontade individual e garantia de direitos de todo e qualquer cidadão, Putin ainda assegurou que além dessa lei, promulgará outro ato para proibir a adoção de crianças russas por parte de casais estrangeiros e do mesmo sexo. A lei constitui-se como um reflexo do imaginário social da própria população do país, evidenciado pelos dados de uma recente pesquisa, divulgada pelo Centro Russo de Análise da Opinião Pública, na qual 88% dos russos é a favor da proi-bição da “propaganda homossexual”, enquanto 42% defende, inclusive, punir penalmente os gays. Para Pedro Abbonizio, militante da Frente LGBT da USP, a homofobia é bastante arraigada na socieda-

de russa e o governo tem base social para defender esses posicionamentos políticos. “O projeto de país de Putin, de uma potência econômica emergente, recorre a muitos discursos conservadores, como o nacionalismo e a xenofobia. A Igreja Ortodoxa é um componente político central e dá base a esses discursos de tutela do Estado sobre os direitos in-dividuais, que foi históricamente construído, desde o czarismo, passando pelo stalinismo e que ainda se mostra muito forte no país”, afirma o estudante de Pedagogia.

Outra proposta, do vice-presidente da Assembleia Legislativa da região russa do Trans-baikal, Alexandre Mikhailov, é uma atrocidade. A lei permitiria açoites públicos de homossexuais. Mikhailov defende que a questão das relações entre pessoas do mesmo sexo esconde vários problemas, desde crimes sexuais a defesa do país. Em resposta, o organizador da Parada Gay de Moscou, Nikolai Alekseev, publicou pelo Twitter que está pronto para receber as chicotadas. E iro-nizou: “Já que a Rússia quer voltar à Idade Média, é preciso ser coerente. Vamos cortar as mãos dos políticos e funcionários públicos que forem pegos roubando. E que isso seja feito na praça central de cada cidade, como um espetáculo”. De acordo com Abbonizio, a pressão internacional é um fa-tor importantíssimo, resaltando que as militantes LGBT brasileiras se opuseram enfaticamente contra

Homofobia

Parada do Orgulho Gay, em Moscou, desafia uma das legislações mais hostis aos direitos de homossexuais do mundo

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11CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

alguns países do continente, isso tende a piorar, uma vez que “casamentos gays não resultam em filhos”. Ele ainda acrescentou que os casais hete-rossexuais precisam ter mais filhos e pediu para que a comunidade internacional s deixe fazer suas escolhas da maneira que for melhor para o seu país. Segundo o analista Alexander Kliment, diretor de pesquisa do Eurasia Group, esse ataque oficial aos homossexuais é ligado ao fato de o Kremlin ter tomado uma posição menos liberal sobre os valores e a identidade russa. E como o presidente tem perdido apoio progressista, ele está tentando conquistar a população mais conservadora, por meio desse viés.

Com todas essas limitações, os homos-sexuais ficam ainda mais reprimidos em assumir sua sexualidade. Um jovem russo, em entrevista, disse não ter se assumido para ninguém, além de seu irmão. E que esse desde então, nunca mais lhe dirigiu a palavra. Ele ainda contou que em Moscou há apenas dois lugares gays, mas que eles são vigiados por homofóbicos que uma vez ou outra agridem os que estão saindo das festas. Outra jovem contou que quando se assumiu para sua mãe, ela começou a gritar que sua filha não era normal, mas sim uma pervertida, e que a trancaria para sempre dentro do quarto. Com a falta de informação, que é considerada propa-ganda pelas autoridades, e sem nenhum tipo de suporte, nem familiar e nem de amigos, esses jovens se encontram perdidos e sozinhos. E com os sucessivos ataques de violência, o número de suicídios aumentou, totalizando cinco somente neste ano.

Facebook “russo” – A rede social mais popular no Leste Europeu, a VK (ou VKontakte), coloca em discussão os limites da Internet. Ao mesmo tempo em ela defende o direito de ativistas e opositores de Putin de criarem fóruns de debate e organizem protestos contra ele, como ocorreu em 2011, parte dos 210 milhões de usuários que possuem uma conta na página, utiliza-a para propagar sua aversão a homossexualidade e a pedofilia, que para eles, são considerados sinôni-mos. Apesar do episódio contestador, que a levou a sair do ar por algumas horas em março deste ano, devido ao mal-estar com o atual presidente,

a política de restrição de conteúdo da rede deve ser questionada, quando se vê a violência sendo incitada e defendida entre seus usuários.

Logo na página principal de cadastro são vistas imagens do perfil do criador da rede, o russo Pavel Durov, que servem de modelo para quem ainda não possui uma conta. Em um dos exemplos, vê-se uma conversa privada em que Pavel com-partilha fotos do que parece ser uma competição de beleza, com mulheres em trajes de banho que seguram faixas em que se pode ler o nome do país. Ele faz o seguinte comentário machista carac-terístico de certos usuários e da sociedade russa: “Aumento da concorrência entre os Estados é a chave para uma vida melhor para todos.”

O grupo neonazista de maior visibilidade, o Occupy Pedofilia, fundado em 2012 pelo skinhead Maksim “Tesak” Martsinkevich, aproveita-se dessa extrema liberdade da rede, pois faz uso intenso dela como ambiente de divulgação de suas ideias e covardias. Uma das funções da rede é o de atrair homens gays para falsos encontros, como num “sáfari” a rede serve para “caçar” homosse-xuais. Esses encontros terminam geralmente em interrogatório e tortura, como foi o caso de um jovem morto no Uzbequistão. O resultado pode ser visto em fotos e vídeos perturbadores e degra-dantes, e podem ser classificados pelos usuários. Os neonazis que compartilham com orgulho as imagens, muitas vezes posam ao lado da vítima, não sofreram nenhuma represália, espalhando preconceito com total liberdade.

O respaldo da sociedade é visto pelo nú-mero de usuários que participam de comunidades e fóruns homofóbicos (em uma delas há mais de 160 mil participantes), além da aprovação e dos comentários em apoio das ações de movimentos neonazistas que crescem em popularidade. Entre-tanto, o mais preocupante é a falta de ação contra tais criminosos. A negligência das autoridades russas acaba por legalizar e incentivar os ataques violentos. Apesar da facilidade de se encontrar os agressores, não há nenhum tipo de punição, muito menos de advertência. Não se pune ninguém, somente as vítimas e aquelas em potencial.

A intolerância, o desprezo e o repúdio aos homossexuais está presente em quase toda a sociedade russa. A campanha anti-gay é de

tal forma generalizada que afeta até mesmo o universo cultural e do entretenimento no país. Recentemente, uma comissão de pais enviou uma carta aberta para Putin, pedindo o cancelamento do show de Elton John, alegando que o evento violaria a lei que proíbe a “propaganda homosse-xual”. Outro caso, foi o recente pronunciamento do ministro da cultura russo, Vladimir Medinsky, no qual ele alegou que o compositor Tchaikovsky (1840-1893), não era gay, indo na contramão do que dizem os registros históricos. O assunto veio à tona após um filme, que está sendo realizado com verbas do governo, sobre a vida do músico, optar por omitir sua sexualidade. O filme teve seu roteiro revisado para evitar a “propaganda gay” e se adequar a nova lei vigente na Rússia.

Boicote aos jogos de inverno? – Perple-xa diante desses acontecimentos, a comunidade LGBT internacional assiste a esse desrespeito aos direitos humanos e busca alternativas para tentar pressionar o governo russo, para que mudem sua política. Uma dessas alternativas é o boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, que será realizado na cidade russa de Sochi. Recentemente, Vitali Monolov, membro do partido governista Rússia Unida, disse publicamente que atletas gays podem ser presos nos Jogos Olímpicos de inver-no. O ator britânico Stephen Fry, em carta aberta ao Comite Olímpico Internacional (COI), pediu a remoção da organização dos Jogos de Inverno do país. Nesse texto ele fez uma analogia entre o que está acontecendo atualmente na Rússia e o que aconteceu em 1936 na Alemanha nazista. “Escrevo com a sincera esperança de que todos os que amam o esporte e o espírito olímpico reflitam sobre a mancha que caiu sobre os cinco anéis nos Jogos de Berlim de 1936, que se realizaram sob a égide de um tirano que tinha aprovado uma lei, dois anos antes, que levou à perseguição de uma minoria cujo único crime foi o acaso do seu nascimento.”

Porém, dentro do movimento LGBT há quem discorde que o boicote seria uma boa opção. O ativista gay russo, Nikolai Alekseev, acha que as olimpíadas são uma chance para eles mostrarem ao governo que eles existem e que o movimento ainda é forte. O presidente dos EUA, Obama, e o primeiro ministro inglês David Cameron também descartaram a possibilidade de um boicote por seus respectivos países. Em resposta a carta de Stephen Fry, David Cameron disse que partilha a profunda preocupação pelos abusos cometidos contra gays na Rússia, mas acha que podem de-safiar mais o preconceito se aparecerem nos jogos do que se boicotarem. Obama, em discurso seme-lhante, afirmou que também se preocupa com a situação mas que não acredita que o boicote seja a melhor opção. “Ninguém se ofende mais do que eu com as leis antigay. Só espero que atletas gay e lésbicas tragam para casa medalhas de ouro e de prata”, disse. Na opinião de Pedro Abbonizio, quem sofre com esses processos (mega eventos) são os setores mais oprimidos da sociedade pois representam os interesses do capital. Segundo o militante, é necessário entender a transversalidade da opressão, o quanto a opressão homofóbica se casa facilmente com a opressão do capital e trata, no caso da Rússia de esconder, usando o aparato repressor, essa população. “Acredito que o boicote é um elemento político bastante forte, mas esbarra no mesmo problema das sanções internacionais, batem de frente com os interesses das grandes empresas, não vejo grande disposição em torno dele, da mesma maneira que a violação de direitos no Brasil não está impedindo o acontecimento de megaeventos.”

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ninguém Se ofende maiS do que eu com aS leiS antigay. Só eSpero que atletaS gay e léSbicaS tragam para caSa medalhaS de ouro e de prata

(nikolai alekSeev)

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CONTRAPONTO12 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

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CONTRAPONTO

ensaiofotográfico

O cOlOridO de Berlim

CONTRAPONTO

ensaio fotográfico

Por victoria azevedo

A East Side Gallery é uma galeria de arte ao ar livre, cuja extensão é de 1316 metros, e que se constituiu no lado leste do antigo muro de Berlim, parte preservada da demolição; é considerada a mais antiga galeria ao ar livre do mundo e é

constituída por 105 pinturas feitas por artistas do mundo inteiro, que foram iniciadas em 1990. Nelas são expressas a euforia e esperança de novos tempos, nos quais não existe um muro que separa Berlim em duas, além de retratarem o que esse muro representou no contexto histórico em que foi criado. É chamado por muitos como um memorial da liberdade.

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13CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

O cOlOridO de Berlim

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

Por alex tajraAção dos “mascarados” provoca a ira dos meios de comunicação

e polêmica dentro dos movimentos da esquerda tradicional

CONTRAPONTO

jovens disParam Pedras contra o caPital

Black Bloc

Proveniente do pensamento autônomo repercutido assiduamente nas déca-

das de 60 e 70 na Europa, o Black Bloc representa a crítica do capitalismo no sentido empírico da reivindicação (ação direta). Atacam diretamente os agentes do Capital como os bancos, as corpora-ções e grandes multinacionais. No Brasil, o movimento é objeto de estudo a algum tempo, mas somente este ano o Black Bloc manifestou-se diretamente e orga-nizado, reportando suas primeiras apa-rições nas passeatas contra o aumento da passagem de ônibus em junho. Pegou de supetão a mídia tradicional brasileira, refletindo em diversas matérias e opiniões cercadas de desinformação e falta de comprometimento com a profundidade da questão.

É impensável tocar neste assunto sem esclarecer devidamente o que signi-fica este movimento e as reais influências de seus adeptos. A onda autônoma, citada anteriormente, decorre de uma insatisfação de grande parte da esquerda europeia com seus respectivos Partidos em suas nações, estes ditos socialistas ou comunistas mas ainda atrelados ao valor institucional da eleição e da centralização do Poder. Sendo assim, diversos ativistas procu-ram canalizar suas ideologias em um movimento completamente horizontal, avesso à lideranças e ao próprio Poder. São chamados de autônomos e ganham muita força principalmente na Itália e na Alemanha, e são exatamente nestes dois países as primeiras aparições do movimento Black Bloc.

Apesar da Itália ter reportado a ideologia autonomista cronologicamente mais cedo, as par-ticipações mais ativas do movimento ocorreriam na Alemanha Ocidental, a partir de meados dos anos 70, onde a insatisfação popular para com a cons-trução de usinas nucleares e aeroportos refletiu em confrontos policiais, formação de barricadas em manifestações, coquetéis molotov e ocupações de prédios. A partir destes movimentos, o Black Bloc foi crescendo e contaminou de forma progressiva o cenário político europeu, além de dividir a cena com outros grupos de vieses anarquistas, como o britânico Reclaim the Streets.

Pode-se dizer que o ápice do movimento Black Bloc se deu durante a década de noventa, onde a crise do sistema liberal estava em seus pri-mórdios e a revolução digital da internet obrigou líderes políticos de todo o mundo a se reunirem nos Estados Unidos (G20, G8, etc) a fim de dis-cutir as medidas a serem tomadas para conter o consumismo vicioso em que o Capitalismo estava associado. No maior representante do sistema imperialista fica exposto a toda população mun-dial a força dos movimentos sociais, sufocados durante décadas.

Neste período uma manifestação em espe-cífico chocou todo o país estadunidense. Conhe-cida como “A Batalha de Seattle”, os anarquistas

vieram de todos os cantos da nação para se reunir em uma massa negra contra a reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio em 1999. As reivindicações duraram quase uma semana, começando alguns dias antes da reunião e termi-nando alguns dias depois, transformando as ruas em verdadeiras praças de guerra. As autoridades apelaram para a velha repressão sem escrúpulos, decretando até mesmo um toque de recolher (Algo que não acontecia em Seattle desde a 2ª Guerra Mundial) e prendendo cidadãos em frente a suas casas. Ressalta-se que o Black Bloc somava menos de um por cento de toda a população nas ruas.

Voltando ao país canarinho, como já dito, o movimento nasceu e cresceu durante as mani-festações de Junho, organizadas pelo Movimento Passe Livre. A grande peculiaridade do Black Bloc em terras brasileiras é a sua expansão incrível catalisada pela forma de propagação das ideias. As redes sociais foram um instrumento importan-tíssimo para a formação do bloco, e, atualmente, constata-se mais de 100 mil usuários em páginas referentes ao Black Bloc no Facebook em cerca de dois meses de criação. Neste caso a grande ideia é utilizar um instrumento elitista para fins populares e políticos. Outro fator positivo é a dificuldade de rastreamento por parte das autoridades, já que as diversas páginas e grupos secretos tornam pratica-mente impossível o controle dos participantes.

Neste contexto a mídia no Brasil aparece como um atraso na concepção dos movimentos,

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onde os grandes grupos corporativos defendem com unhas e dentes os interesses das autarquias, obviamente distorcendo e desinformando nas matérias respectivas ao Black Bloc e sua conota-ção. É impressionante a vontade de dificultar o entendimento das pessoas para com relação os manifestantes. A falta de sobriedade da comu-nicação no país reflete em equívocos grotescos, como no jornal impresso do maior grupo de comunicação do Brasil, onde foi relatado que participantes do Black Bloc possuíam “referências de Mao-Tse-Tung e desenhos animados” (O Globo “Black Blocs: A violência como tática e referências confusas 14/07/2013)

Em contrapartida aos dinossauros retró-grados da mídia surge uma luz no fim do túnel para o Jornalismo independente, oxigenando um cenário desgastado e corroído por valores mais do que ultrapassados. Apesar de existir a alguns anos, o coletivo Mídia Ninja procura valorizar estri-tamente a realidade presente nas manifestações. Com matérias sãs e completamente empenhadas em aprofundar material e historicamente os fatos, os ninjas representam o antagonismo a grande mídia, ainda que com certa escuridão em seu próprio funcionamento e crescimento. O mais interessante é que a Mídia Ninja possui certo respeito dentro do Black Bloc, obviamente por algumas convicções ideológicas, mas também por sua contribuição para um cenário independente e estritamente realista.

Acusados de “vândalos”, eles alegam que apenas praticam a autodefesa contra a repressão selvagem da polícia

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

O objetivo é atacar os símbolos maiores do capital

Segue entrevista com R. F., 21 anos, estudante de desenho industrial e participante assíduo do

Black Bloc no Brasil:

Contraponto – Como e quando foram seus pri-meiros contatos com o Black Bloc? Quais foram os motivos do interesse?RF – Meu primeiro contato com grupos de ação direta foi a cerca de 5 anos, quando ainda estava no colegial e, por interesse próprio, procurei pes-quisar mais sobre meios diferentes de se manifes-tar politicamente. Com relação ao Black Bloc em si, meu primeiro contato foi em 2010, quando Egito e Grécia explodiam com revoltas e movimentos de ação direta por causa das medidas de austeridade do governo. Depois que vi o Black Bloc nestes países procurei me informar mais sobre a ideia, principalmente através de vídeos no Youtube e sites independentes na internet. Meu interesse pelo Black Bloc se deu por que sempre procurei a ideia de ação política direta sem intermédio ou representação.

CP – Como emergiu no Brasil e qual foi seu pri-meiro contato físico com o Black Bloc?

RF – Nas primeiras passeatas contra o aumento da passagem, organizadas pelo MPL, via-se um gran-de número de anarquistas de diversas vertentes, punks, R.A.S.H (Red and Anarquist Skinheads) e S.H.A.R.P. (Skinheads Against Racial Prejudice) fazendo a linha de frente das passeatas e de certa forma protegendo o resto das pessoas dos abusos das autoridades. A galera do Rio de Janeiro se influenciou muito principalmente por estas linhas de São Paulo e aí eles foram os primeiros a criar um Black Bloc organizado no Brasil. É importante falar que, no primeiro momento, o Black Bloc foi cria-do para a defesa dos manifestantes da repressão policial que aumentava a cada protesto carioca. Era meio que o único mecanismo de defesa das pessoas. Meu primeiro contato físico foi no dia 11 de julho ( Manifestação contra a manipulação da grande mídia), onde o bloco fez sua estreia em São Paulo e fizemos nossas primeiras reuniões organizadas.

CP – Qual sua concepção sobre o Movimento Passe Livre?RF – Eles fizeram um trabalho excelente em termos de organizar suas pautas e colocar elas a frente

de tudo. Realizaram diversas aulas públicas expli-cando como era possível uma redução da tarifa e como era também mais do que viável uma tarifa zero nos transportes em São Paulo. Eles não iam só pra rua gritar, e sim estudavam suas reivindi-cações e também procuravam ensina-las para os manifestantes. Falando da relação deles com o Black Bloc, era muito aberto que eles apoiavam os grupos de ação direta e tinham o maior respeito com nós. A Mayara ( Mayara Vivian, estudante de Geografia e porta-voz do MPL) chegou até a trocar ideias comigo, dizendo que ela gostaria muito de participar do bloco, mas sua exposição midiática não possibilitava isso. Ela seria a primeira a ser presa. Ela prestou até assessoria jurídica para as pessoas do movimento, enquanto conversávamos ela dizia “Qualquer coisa liga pra este número, é um dos melhores advogados de Sâo Paulo e ele estará a postos” Apesar da total conivência com o Black Bloc, o MPL não se converge com ele em hipótese alguma, principalmente por causa da exposição.

CP – Em geral, o que pensa o Black Bloc sobre a grande mídia e os meios independentes de comu-nicação, como a Mídia Ninja?RF – A mídia corporativa, independente de sua posição política ou do canal, está sempre intrin-secamente dependente do patrocínio corporativo. Eles nunca podem ser totalmente independentes da visão do patrocinador, ou seja da ideologia da publicidade que está estampando lá e financiando aquele jornal ou aquele canal. Sendo assim a ética dos meios de comunicação fica comprometida, pois nunca se sabe o que é a opinião do jornalista e o que é a opinião dos donos do jornal. Na maioria das vezes o jornalista não é um cara escroto, mas ele é obrigado a escrever um texto escroto princi-palmente por esta co-dependência da publicidade, ou seja, ele é de certa forma coagido pelos supe-riores para escrever a opinião dos financiadores. A grande mídia representa o monopólio ideológico da informação, onde, apesar de existir diversos ca-nais independentes entre si, possuem dependência no sentido de todos batalharem pela manutenção do status-quo da mídia atual. A democratização da informação é o que a grande mídia teme, tudo o que eles não querem. A respeito da Mídia Ninja é importante falar que, acima de tudo qualquer crí-tica sobre suas relações políticas e pessoais dentro do coletivo, está o trabalho jornalístico excelente que eles vem fazendo. O que mais me chama atenção neles é a veracidade dos fatos, imagens e sons ao vivo refletem como eles são realmente diferentes da mídia convencional. É um jornalismo totalmente aberto a opinião do telespectador, vai dele interpretar como queira as questões expostas. Obviamente seus comentários e matérias escritas demonstram suas tendências políticas, mas no atual cenário eles representam um marco para a mudança da mídia atual, principalmente por serem independentes e alternativos aos grandes canais, além de alcançar a popularidade justamente por se opor aos grandes jornais.

CP – Qual o objetivo do Black Bloc?RF – O objetivo é atacar os símbolos do sistema vigente, responsáveis direta e indiretamente pelas situações de opressão, desigualdade e violência que são fundamentais e indispensáveis para o funcionamento do Capitalismo. A ditadura a qual vivemos está tão consolidada que é impossível destruir fisicamente o capital, porém um ataque aos símbolos por meio da ação direta promove a propaganda da conscientização através do impac-to material, simbolizando o repúdio e a luta contra a Ditadura do Capital.

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o meu primeiro contato com o black bloc foi em 2010, quando

egito e grécia explodiam com revoltaS e movimentoS de ação

direta por cauSa daS medidaS de auSteridade do governo

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

prêmios nacionais e internacionais na categoria reportagem, e por José Nêumanne Pinto, jornalista reconhecido e autor de 13 livros, entre biografias e romances-reportagens. Ambos foram ancorados por Fernando Mitre, diretor nacional de Jornalismo da Rede Band e integrante do programa “Canal Livre”. Ao contrário da entrevista anterior, os convidados deixaram de lado o ceticismo crítico por um certo tempo para concentrar-se no livro-reportagem.

Eliane iniciou seu argumento em função da qualidade da obra acima de seu valor comercial. Obviamente que um livro é escrito com apelo comercial, mas, para a escritora, a apuração dos fatos é o que classifica profundamente um texto: “O livro-reportagem ganha o leitor na apuração. O texto só é bom se a apuração for monstruosa. É fundamental para a sustentação dos fatos. O Jornalismo se faz a partir da definição do próxi-mo, do olhar sobre o outro, decifrando pessoas”, acrescentou.

No segundo dia de evento, o destaque foi a mesa mediada por Carlos Chaparro com a presen-ça dos jornalistas Mino Carta e Ricardo Kotscho. Este, logo no início, opinou sobre a mídia atual:

Por alex tajra, carolina do valle, Gabriel Justo, Hélen de freitas,

Janaína franca, Juliana lima, maira isis, nicolás leprattie vivian vardasca

Seis anos após a sua primeira edição, em 2007, finalmente o Salão Nacional do Jornalista Escri-

tor teve a sua segunda edição. O evento aconteceu na primeira semana de setembro, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Com curadoria do jornalista e escritor Audálio Dantas, o evento contou com a presença de grandes personalidades do jornalismo brasileiro, além de centenas de estu-dantes, professores e profissionais da comunicação que estiveram presentes para discutir perspectivas e horizontes do jornalismo contemporâneo.

Mesmo tendo como tema central o livro reportagem, as mesas, em geral, transcenderam o assunto e abordaram problemáticas constantes no âmbito das letras e da imprensa, principalmente do jornal impresso e sua crise não só existencial, mas também financeira.

A entrevista de abertura do II Salão, inter-mediada por Sérgio Gomes, foi composta por Juca Kfouri, grande nome do jornalismo espor-tivo, e Heródoto Barbeiro, escritor, apresentador e um estudioso no sentido estrito da palavra. A discussão iniciou-se em torno do centro temático, a reportagem jornalística, com os integrantes da mesa dissecando o New Journalism, um novo estilo de reportagem e fatos, nascido entre os anos 50 e 60 nos Estados Unidos, quando a forte influência literária, além das próprias técnicas, eram marcas registradas dos escritores desse estilo. Salientado por Heródoto Barbeiro, Truman Capote pode ser considerado o principal precursor e consolidador dessa vertente do jornalismo.

Apesar da abordagem profunda da repor-tagem literária, logo veio à tona no bate-papo a grande crise vivida pelo Jornalismo em geral, com destaque para veículos impressos, tanto na sua condição de existência corporativa, quanto na sua presença cotidiana, que decai gradualmente de qualidade. Heródoto Barbeiro foi enfático: “Os veículos de comunicação estão passando por uma crise de conteúdo e também financeira, já que, perdendo público, se perde faturamento. Com exceção, talvez, da Globo, todos as empresas de comunicação estão em crise.”

O dilema da parcialidade perante as colunas e textos também foi alvo de análise dos jornalistas, os quais explicitaram que o imparcial é utópico, mero instrumento de manipulação prático e fácil, em que as pessoas se prendem à bipolaridade superficial do certo/errado ou parcial/imparcial. Juca Kfouri ainda mencionou Millôr Fernandes para diagnosticar fria-mente sua posição: “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

“Vivemos atualmente na cultura do B, B e BBB – Bola, Bunda e Big Brother! O jornal não deve ser um meio de enriquecimento empresarial e, sim, a voz crua da sociedade”, continuou Kfouri, ao responder as perguntas sobre a grande mídia.

A segunda mesa do primeiro dia foi forma-da pela escritora Eliane Brum, ganhadora de 40

Livro-reportagem e crise do jornalismo foram pautas do II Salão Nacional do Jornalista Escritor, em São Paulo

CONTRAPONTO

muito além dos jornais

Mídia em discussão

“ela confunde os leitores e telespectadores diaria-mente, pois o seu jornalismo é sempre subjetivo, e aquele que escreve só pensa em si mesmo, em suas ideologias”, disse ele. “Os responsáveis por informar estão cada vez mais presos nos cartéis de informação, nada parciais, e morrem de medo que o público comece a pensar por si só.”

Mino concordou: “Não é função da mídia ser partido político, muito menos formar a opinião, mas, sim,expor de forma clara o cotidiano e deixar que as pessoas formem suas opiniões”. Para o jornalista, os cartéis da mídia são os grandes res-ponsáveis pela ‘maquiagem’ em muitos aconteci-mentos. Ele citou a ditadura militar brasileira como exemplo: “O apoio à ditadura pela Rede Globo de Comunicação, foi como transformar em anos de ouro o que para muitos foram anos de chumbo, porque não mostrava em seus jornais a luta nas ruas, a violência que o povo sofria nas repreensões aos protestos contra o governo”.

O terceiro e último dia do Salão Nacional do Jornalista Escritor teve uma mesa especial de convidados com uma história em comum no mí-nimo interessante: eles abandonaram a carreira jornalística para se dedicarem, principalmente, à produção de livros-reportagem. Luiz Fernando Emediato, dono da Geração Editorial, e Carlos An-dreazza, editor executivo de não-ficção da Editora Record, foram entrevistados por Claudiney Ferreira na mesa intitulada “O Repórter na Estante”.

Jornalista, escritor e editor reconhecido por publicar livros polêmicos, Emediato considera-se editor por acidente: “Ganhei o Prêmio Esso e o Prêmio Rei da Espanha de Jornalismo Internacio-nal, em 1982. Daí recebi cinco propostas para ser editor, mas decidi abrir minha própria editora para ter o que fazer.”

Já Carlos Andreazza se formou em jorna-lismo, mas sempre trabalhou na área editorial.

Caco Barcellos, Fernando Coelho e Ivan Marsiglia

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

Andreazza acredita que o jornalista não está mais dentro de um jornal e, sim, escrevendo livros.“as transformações políticas no Brasil proporcionam esses relatos”, opinou.

Ao serem questionados a respeito dos critérios utilizados para publicarem livros, os dois editores jornalistas responderam, rapidamente, que buscam qualidade. Tanto Emediato quanto Andrezza afirmaram que acreditar no potencial do livro e do autor é o principal quesito. Eles também disseram que nem sempre concordam com a his-tória, mas, se a obra for boa, “compram brigas”, pois acreditam no projeto.

Os dois editores já publicaram livros que se tornaram polêmicos. A Geração Editorial lançou neste ano O Príncipe da Privataria, livro que apre-senta grande polêmica em torno da compra de vo-tos que garantiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, e o escândalo das privatizações durante a gestão tucana. Já a Record publicou, também em 2013, Dirceu: A biografia, biografia não autorizada do ex-ministro chefe da Casa Civil.

O último dia do evento prosseguiu com um clima sério e, ao mesmo tempo, descontraído. A décima palestra contou o jornalista e escritor Ricardo Viveiros, Moacir Assunção, professor de comunicação e Assis Ângelo, estudioso da cultura brasileira e entrevistador do encontro, que teve como tema o questionamento: “Todo jornalista é escritor ou todo escritor é jornalista?”.

Para os convidados, ambas as atividades estão interligadas.”Tanto jornalista como escritor se misturam, um influencia o outro. No futuro, eles serão a mesma pessoa”, acredita Assunção. Viveiros acrescentou que há muitos jornalistas, por exemplo,que escrevem livros escolares melhor que muitos profissionais que estão nas respectivas áreas de uma matéria, pois sabem como tornar os detalhes contados instigantes ao olhar do leitor.”Ser escritor é um dom, você já nasce com isso. Tudo que aprendi como jornalista foi nas redações, com bastante técnica, observando e treinando o que via. O escritor, no meu caso, se revelou depois.”

A internet surgiu de forma arrebatadora e trouxe a notícia com uma nova roupagem e em uma velocidade muito grande, diferente-mente do jornal impresso, não há como negar. Na visão dos jornalistas, as grandes reportagens estão cada vez piores, de baixa qualidade, por-que estão faltando paixão, vontade e autoesti-ma por parte de quem as escreve, e as revistas

semanais trazem mais do mesmo. “O que está em crise não é o jornalismo é o modelo jornal.Se contarmos a história pelo viés da internet estamos perdidos, o ensino de jornalismo está inadequado. Há que aprofundar a notícia, que ir atrás dos fatos e não contar nada superfi-cialmente. Pessoas estão sendo vitimizadas, enquanto o jornal está querendo competir com a internet”, acredita o professor.

Para Viveiros, a velocidade da informação ultrapassou a educação: “Temos que nos educar pra entender o que os escritores e jornalistas têm a dizer. Hoje é possível ver nas redações inúmeros profissionais que não estão aptos”, o jornalista completa. A internet é o futuro da informação mas ainda não sabemos a forma correta de manipulá-la. Um dia se tornará im-prensa. Ela é coluna mestra da garantia de liberdade

e democracia.” Sobre a vida de jor-

nalista atualmente, com tantas redações se fechan-do e se reestruturando, ambos os entrevistados acreditam que o grande jornalista é aquele que faz o que ama independente do financeiro e está em busca de novos desafios, se reinventando. “O jor-nalista não é aquele que se preocupa com questões salariais, férias, finais de semana, mas é o cara apaixonado pelo que faz. Assim foram os grandes jornalistas”,continuou Vi-veiros. Para o professor Moacyr, ser jornalista é ir além: “Não existe profis-são mais bonita que a do jornalista, pois este tem a responsabilidade de con-tar o que é o mundo.”

Encerrando e abordando o tema principal do encontro (o livro-reportagem), os jornalistas concordaram que escrevê-lo é fazer uma reportagem comple-ta, diferente daquela que se vê publicada nos jornais, que é mais enxuta. “É pegar um tema e des-trinchá-lo, transformá-lo em histó-ria”. “Ser jornalista e ser poeta”, o professor finalizou.

Ancorada por Fernando Coelho, a última mesa do evento recebeu os jornalistas Caco Bar-celos, editor-chefe do “Profissão Repórter”, da Globo, e Ivan Mar-siglia, que atualmente trabalha no jornal Estado de S. Paulo. Audálio Dantas, curador e idealizador do Salão, aproveitou e também fez parte do encerramento.

Durante a palestra foram abordados temas como as dificuldades que os novos jornalistas têm de enfrentar com a crise do jornalismo impresso, como é feita a produção de um livro reportagem, os desafios para os futuros jornalistas, entre outros assuntos.

Entre os convidados, era consenso que a nova leva jornalística não está conseguindo captar a essência da reportagem e portanto, não levam a notícia à população como deveria: “A credibilidade das matérias está sendo perdida, porque estas estão sendo feitas pelo telefone, sem nunhum contato pessoal. Logo nota-se o mau aprofunda-mento do texto, a má qualidade da matéria”, disse Audálio. “As reportagens se tornaram supérfluas”. Ainda assim, Caco Barcellos acredita que a nova geração tem possibilidades e é bastante talentosa. “Eles tem a tecnologia, e isso é um algo a mais”, argumenta o jornalista.

Para Caco, deve-se dar muita atenção ao processo de concepção de um livro reportagem, para que ao final se tenha algo primoroso. “Todos os três livros que publiquei nessa linha tiveram muita dedicação e envolvimento de minha parte”, conta ele. “Eu mesmo corria atrás das fontes, buscava conhecer o que estava fazendo, o lugar em que estava pisando”. Caco explica que é ne-cessário ter cuidado para que detalhes não passem despercebidos. “A história depende do jornalista para ser contada aos outros.”

Ao serem questionados sobre a existência de um limite para a imparcialidade no jornalismo, ambos concordam e acreditam ser essa a forma ideal e necessária de se conduzir a reportagem. Ivan defende que não se deve interferir na noti-cia: “Fazendo isso, corre-se o risco de que ela [a notícia] não aconteça. Temos que ter limite e bom senso. O trabalho jornalístico também tem um produto ético”, disse ele.

Falando em ética, um assunto recorrente em quase todas as mesas e debates foi o diploma de jornalista, que ainda permeia as mentes do jovens que querem entrar na profissão. Para os entrevistados, essa não é uma questão de extre-ma importância, mas é necessário questionar o futuro do jornalismo. “Qual a nossa cara, com tanta gente que também faz jornalismo? Como nos diferenciar?”, questiona Caco.

A Mídia Ninja, que se destacou na cobertura das Jornadas de Junho, também foi assunto desta última mesa. Ivan acredita que ela “é uma forma de ativismo que veio para dar voz à democracia”. Caco também simpatiza com a organização e acredita que se deve fazer da internet um instrumento a favor da matéria, mas que é essencial não escrever mais do mesmo, e sim, trazer um diferencial.

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(ricardo viveiroS)

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

Vinicius com seu parceiro Toquinho em 1971

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Por thiago munhoze victoria azevedo (*)

O poeta, músico e diplomata, Vinicius de Moraesrecebe homenagens

CONTRAPONTO

“mas que seja infinito enquanto dure”Poetinha, 100 anos

Se estivesse vivo, Vinicius de Moraes comple-taria, em outubro de 2013, o seu centenário.

Para homenagear esse grande compositor e poeta, eventos variados estão sendo organizados em di-versas cidades no Brasil. Artistas prestando home-nagens ao longo de seus shows, a leituras ao vivo de suas obras e a venda de produtos com “edição especial” sobre o poeta são alguns exemplos de tentativas de representar a dimensão de valor da obra tão vasta e variada de Vinicius.

Filho de d. Lydia Cruz de Moraes, pianista amadora, e Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, funcionário público, poeta e violinista, Vinicius é o segundo de quatro filhos. Nasceu na madruga-da de 19 de outubro de 1913, no antigo nº 114 (casa já demolida) da rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico, ao lado da chácara de seu avô materno, Antônio Burlamaqui dos Santos Cruz. A simpatia pela arte sempre esteve enraizada em sua vida. Quando jovem, roubava os poemas que seu pai tinha escrito para entregá-los as meninas que gos-tava. Um dia, percebeu que isso tinha que parar e então começou a produzir seus próprios poemas. Aos onze anos ingressou no colégio Santo Inácio, onde entrou para o coral da escola cantando nas missas de domingo.

Chamado de “O branco mais negro do Bra-sil”, Vinicius inovou a música ao cruzar o erudito e o popular. Viveu em meio a um período muito rico da cultura brasileira, e foi como um polo aglutina-dor desses talentos. Um de seus parceiros musicais, Toquinho, acredita que o grande mérito de Vinicius foi ter levado sua poesia dos livros para a música. “Isso valorizou sobremaneira a melodia de seus parceiros, enxertando a música brasileira de uma frescura poética inigualável, tendo se constituído em um dos ícones da Bossa Nova, descobrindo e estimulando novos talentos durante toda sua carreira”, disse o músico.

Sua migração da Bossa Nova para a MPB veio com a geração mais nova de artistas, que contava com Chico Buarque e Caetano Veloso. Vinicius, por sua vez, adorava receber essa nova juventude em sua casa e ouvir produções, trocar informações, além de os incentivar e inspirar. Car-los Lyra, músico e amigo do poeta, disse não ver essa inovação se repetir nos dias atuais, “talvez o individualismo fale mais alto e tudo fique muito disperso, enquanto as produções visando o comer-cial crescem em detrimento da qualidade”.

Conhecido por ser um boêmio inveterado, que vivia de seus excessos e paixões, engatou tam-bém na diplomacia. Foi criticado por ter duas fa-cetas: poeta e diplomata. Muitos acreditavam que essa mistura influenciaria negativamente em sua profissão e vida pessoal, uma vez que se tratava de áreas muito diferentes. Para Lyra, “Vinicius tinha uma grande cultura, era um poeta de mão cheia e a diplomacia era uma bela maneira de circular pelo mundo absorvendo e disseminando cultura”. Acrescentou que o único problema que enfren-tava era o fato do Itamaraty não admitir que ele, quando se apresentava em shows, o fizesse sem usar terno e gravata. “A rigidez comportamental

que o Itamaraty exigia, invadia sua vida pessoal e seus momentos de prazer e, a meu ver, rigidez não coexiste com criatividade”, afirmou Lyra. Por outro lado, o artista pôde viajar por muitos lugares, tendo oportunidade de entrar em contato povos de culturas diversas.

Dentro de seu vasto espectro de produções musicais, suas parcerias merecem destaque. Muitos produziram junto a Vinicius, dentre eles Tom Jobim, Baden Powell, João Gilberto, Francis Hime, Carlos Lyra, Chico Buarque e Toquinho. Todas geraram trabalhos muito bem vistos pelo público, com des-taque para Garota de Ipanema. O trabalho realizado com Tom Jobim, que hoje é a música mais ouvida no mundo inteiro, gerou inúmeros covers produzidos por personagens famosos, tal como Amy Winehou-se em 2011. Para Toquinho, os trabalhos que fez junto ao poeta representam muito mais do que apenas músicas: “Para mim, Vinicius representou um grande aprendizado e uma constante evolução pessoal e profissional”, disse.

A procura incessante por uma paixão eterna é uma das marcas registradas de Vinicius de Moraes. Objetivo esse que sabia que não encontraria nun-ca, o que lhe deixava angustiado. Para Toquinho, “Ele viveu enrredado pela paixão. Afinal, segundo Drummond, o único homem que viveu como poeta. Procurava a mulher perfeita, o melhor parceiro, o amigo mais leal. Apaixonou-se por várias mulhe-res, produziu belezas com seus parceiros e teve muitos amigos pela vida. Tudo isso, movido por

sua maior companheira: a poesia”. E para ele, não dizer que Vinicius não encontrou o que procurava. Casou-se nove vezes e teve cinco filhos, Susana, Pedro, Luciana, Georgina e Maria. Carlos Lyra, por sua vez, não acredita que o poeta procurasse uma paixão eterna. Ele se apaixonava profundamente e dedicava-se totalmente à mulher amada, até que se desapaixonasse e sofresse com isso. “As paixões vi-nham e iam como ondas do mar. Tinha uma grande melancolia, que brotava em suas letras e poesias, mas não o via como uma pessoa angustiada. Era sim, extremamente alegre”.

Vinicius trabalhou em diversas plataformas. Publicou em jornais e revistas, escreveu poesias, músicas e textos de outros gêneros. Após ter caído no gosto do povo brasileiro, o artista acabou con-quistando o mundo. O que mais lhe trouxe sucesso, com respeito à disseminação do que produzia, seria a sua atribuição como letrista. Mas para Lyra, em termos de poesia, “junto com Drummond, Mano-el Bandeira e João Cabral, completou o quarteto fantástico de poetas, de todos os tempos, de nosso país. Insuperáveis”.

Histórias de Vinicius – Vinicius de Moraes viveu intensamente e, ao longo de sua vida, fez grandes amizades que o acompanharam até sua morte. Lyra recorda de um episódio no qual Vini-cius, que costumava visitar os parceiros para lhes mostrar as letras que estava fazendo para cada um, foi a sua casa. Nessa ocasião, entregou-lhe

Isabela Morais junto ao Trio Ogã apresentando “A Benção de Moraes”

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

informações. Só que, sem cultura você não sabe discernir entre o que deve ser absorvido e o que deve ser descartado. As crianças e jovens não lêem mais e a memória cultural do país vai se perdendo por esta falta de investimento na educação”.

Todos esses eventos serão uma tentativa de representar e valorizar o que foi a obra de Vinicius de Moraes; obra essa muito variada e tratada nos diversos âmbitos, como literatura, música, cinema e teatro. Para Toquinho, “nenhuma forma de espetáculo poderá condensar toda dimensão de seu valor”.

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Garota de Ipanema, no entanto, ela não cabia direito na melodia, e quando Lyra apontou isso, Vinicius disse que tinha se enganado e que a letra para aquela melodia estava em outro bolso da sua calça. Deu-lhe a certa, que era a da canção Minha Namorada.

Em outra ocasião como essa, foi como sur-giu a comédia Pobre Menina Rica, que estreou em setembro de 1963, há exatos 50 anos atrás. Nesse episódio, Lyra descreve que havia colocado uma série de canções no gravador de Vinicius, para que, como de costume, ele fizesse as letras e depois o chamasse. No entanto, passaram-se duas semanas e nenhuma notícia. Foi então que se dirigiu à casa do compositor e o encontrou ouvindo as músicas; ele disse que não tinha conseguido fazer nada, porque uma música parecia levar à outra e que Lyra, mesmo sem se dar conta, havia escrito uma comédia mu-sical. O poeta dizia até enxergar personagens por meio das melodias. Foram para Petrópolis, na casa de sua mulher, que na época era Lucinha Proença, para que juntos escrevessem a peça.

Quando realizou uma temporada de shows na Argentina com Toquinho, Vinicius esqueceu o violão do parceiro do lado de fora da porta de sua casa ao entrar. “Jamais encontrei aquele violão. A vibração da noite e alguns uísques a mais podem ter contribuído para aquela distração, que não era comum nele”, disse Toquinho, ressaltando ainda, a responsabilidade do amigo com seus objetos e com as pessoas.

Em certa ocasião, uma frase composta pelo poeta em Samba de Orly, de uma de suas parce-rias com Chico Buarque, foi vetada pela censura. Toquinho afirmou que, quando ele lhe comunicou, disse “a frase sai, mas eu continuo na parceria!”. O amigo acrescenta que, para ele, “Vinicius repre-sentou um grande aprendizado e uma constante evolução pessoal e profissional”.

O centenário – Serão prestadas diversas homenagens em diversas cidades do Brasil. Foi lançado, por exemplo, o site http://www.vinicius-demoraes.com.br, no qual constam informações sobre o homenageado, sua biografia e suas obras. Além disso, produtos de “edição especial” e livros com diferentes abordagens sobre o compositor es-tão sendo publicados. Sem contar com os eventos como shows e leituras coletivas que acontecerão também.

Para Carlos Lyra, essas homenagens estão sendo feitas em espaços muito restritos, sem a divulgação necessária, e em locais em que já existe um círculo culturalmente estabelecido. Para ele, o centenário de Vinicius deveria estar sendo apro-veitado em todas as escolas municipais, estaduais e particulares do país, fazendo com que se abra esse círculo, infelizmente restrito para os que não conhecem sua poesia e os que de fato não tem acesso à cultura. Critica, de um modo geral o tra-tamento da cultura em nosso país que “está cada vez mais em desuso, dando lugar ao excesso de Colaboração: Ana Beatriz Paulichenco

EventosDos eventos que prestigiaram o poeta, a maioria exaltou seu lado artístico, tanto o literário como o musical, e não diplomata. Dentre os gratuitos, houve uma palestra

sobre sua vida, além de um recital dedicado à sua poesia, na sala Adoniran Barbosa, no Centro Cultural de São Paulo. Ocorreu às 20h30 do dia vinte de setembro, com a presença de uma tradutora em libras.

A organizadora Maria Alice Vasconcelos iniciou exaltando Vinicius por sua importância para a cultura brasileira devido a suas produções em diversos campos da litera-tura, tais como em sonetos, versos livres e prosa literária. Em seguida, subiu ao palco o palestrante Fernando Villalba, uruguaio e grande entendedor, além de admirador de Vinicius. Recordou que desde pequeno venerava o poeta. Sua mãe, preocupada que o filho seguisse os hábitos de fumante e alcoólatra do ídolo, deixou-o ouvir e ler as obras do autor, mas proibiu que se aproximasse de Vinicius. Quando o poeta foi ao país de Villalba fazer shows, diz que foi uma alegria geral, pois Vinicius era muito bem visto na região.

Às 9h iniciou-se a sessão de recital. Sonetos e versos livres do poeta foram declamados por Adriane Lopes, Alberto Gattoni, Carlos Roberto Bueno, Doroty Dimolitsas, Elisa Andrade Buzzo, Elvio Fernandes, Ethel Naomi, Ingrid Morandian, Isabel Sousa, Michell Ferreira, Miriam Bernardini, Nica Gomes e Paulo Sposat Ortiz.

Também gratuito, a apresentação intitulada “A Benção de Moraes” foi realizada no lado externo do Museu da Imagem e do Som (MIS) no dia 29 de setembro. Isabela Morais, junto ao Trio Ogã, interpretou grandes parcerias de Vinicius, como a música “Chega de Saudade”, produzida com Tom Jobim, além de recitar diversos poemas. O evento contemplou tanto o lado Bossa Nova do artista como os seus afro-sambas. Iniciado às 16h, o show envolveu e comoveu um público de todas as idades, que não se deixou abater pelo tempo nublado.

viniciuS de moraeS junto com drummond, manoel bandeira

e joão cabral completou o quarteto fantáStico de poetaS,

de todoS oS tempoS, de noSSo paíS. inSuperáveiS

(carloS lyra)

A organizadora do recital, Maria Alice Vasconcelos junto à tradutora exaltando o poeta no início do evento

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CONTRAPONTO20 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

Por Beatriz morrone

e os Poderosos Balançam...

CONTRAPONTO

Jornais tradicionais, nos Estados Unidos e no Brasil, sofrem os efeitos de uma nova realidade mundial

Em agosto deste ano foi anunciada a venda do jornal estadunidense Washington Post. O com-

prador, Jeff Bezos, é fundador e diretor executivo da empresa Amazon, o maior site de vendas pela internet do mundo. Fundado há 136 anos, o jornal esteve durante 80 deles sob a direção da família Graham e é considerado uns dos mais influentes do mundo.

Os US$ 250 milhões pagos representam apenas 1% da fortuna do empresário e foram considerados bagatela se levada em conta a im-portância histórica do veículo. O Washington Post consagrou-se ao publicar denúncias que foram responsáveis pela renúncia do presidente Richard Nixon em 1974, o famoso caso Watergate. Três anos antes, se recusou a acatar pedidos do go-verno norte-americano e continuou publicando documentos secretos sobre o envolvimento do país na guerra do Vietnã.

Em carta aberta aos funcionários do jornal, Bezos declarou: “A internet está transformando quase todos os aspectos do negócio das notícias. [...] Não há nenhum mapa e traçar um caminho pela frente não será fácil. Vamos precisar inventar, o que significa que teremos que experimentar”. As declarações deixam clara a intenção de tentar reinventar o tradicional modelo do veículo para adaptá-lo à nova realidade mundial.

Apesar de afirmar, na mesma carta, que manterá a diretoria executiva do jornal e que pretende honrar o histórico compromisso com os leitores, muitos temem que a venda represente mais uma ameaça à essência do jornalismo.

Interesse público X Interesse privado – Carregado de ideologia, o ofício é visto tradicio-nalmente como um porta-voz da vontade pública, com a função de se manifestar e proteger a po-pulação de possíveis ameaças aos seus interesses. Leitores assíduos atribuem às publicações a tarefa de fiscalizar e delas esperam análises a respeito da realidade mundial.

Porém, essa característica é ameaçada por uma série de fatores. Com o monopólio dos meios de comunicação, as empresas mais expoentes e influentes, chamadas de grande mídia, estão concentradas nas mãos de poucos empresários que, naturalmente, defendem seus interesses de mercado.

A função essencial da profissão de jorna-lista é ameaçada a partir do momento em que a informação é tratada como mera mercadoria e os leitores ou telespectadores, como clientes da empresa, que devem encontrar o que desejam na informação que recebem. Os veículos determinam o que agrada ou não o público conquistado.

Para sobreviverem, principalmente em um cenário de crise, jornais acabam rechean-do suas páginas com propagandas em maior evidência que os próprios textos. Seria impen-sável contrariar um importante anunciante a favor de alguma informação que não lhe fosse conveniente. O compromisso com empresas mostram-se mais forte que a posição política que rege as publicações.

Internet: a revolução do século – A inter-net aparece para assombrar a antigo reinado do pa-pel e reinventa a forma de disseminar informação. Novas plataformas e tecnologias foram introduzidas no cenário da comunicação e possibilitam rapidez e acessibilidade até antes não experimentadas. Noti-ciários impressos vêm sendo substituídos cada vez mais pela tela dos computadores e smartphones. Longas reportagens e análises podem não interessar mais, dando lugar ao breve e sucinto, apesar de uma parte do público ainda ser exigente quanto ao material jornalístico.

Textos enxutos e objetivos. Informações rasas e simplificadas. Alguns temem que esse processo midiático do rápido, do “em tempo real”, tenha superado o jornalismo. Jornalismo aquele que apura, reflete, observa, escuta, conversa.

O colapso do Estadão – No Brasil, o tradicio-nal O Estado de S. Paulo é um exemplo de veículo im-presso que encontra dificuldades ao tentar conviver com a nova realidade da internet, cuja rentabilidade é menor que a das publicações tradicionais.

Com quase 140 anos de história, o jornal é um dos mais importantes e influentes do país. Está em poder da família Mesquita há mais de um século e participou de importantes episódios da história brasileira, entre os quais a Revolução Constitucionalista de 1932.

Entre 1940 e 1945, esteve sob intervenção do governo ditatorial de Getúlio Vargas, que de-cretou a invasão da sede do jornal, localizada no centro da cidade de São Paulo. A família Mesquita, acusada de conspirar contra o governo, foi afasta-da e Júlio Mesquita Filho, exilado. Esses cinco anos foram excluídos da cronologia oficial do jornal.

Em 1964, o Estadão apoiou o golpe militar que depôs o presidente João Goulart. Porém, não acatou algumas medidas mais duras e autoritárias da ditadura, como o Ato Institucional n°5, que

Crise no jornalismo

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fechou o Congresso e impôs a censura à imprensa. Assim, O Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde, lançado pelo Grupo Estado em 1966 com o objeti-vo de veicular notícias urbanas, foram censurados pelo regime. Mostraram resistência através de suas publicações, nas quais as partes suprimidas pelos censores eram substituídas, por decisão da direção dos jornais, por poesias de Camões (Estadão) e receitas de bolo (Jornal da Tarde).

Apesar de ter permanecido durante anos como um dos mais poderosos meios de comu-nicação do país, fatos recentes evidenciam que o Grupo Estado enfrenta grave crise. O Jornal da Tarde foi fechado, após 46 anos de existência, em outubro do ano passado. Mudanças na estrutura editorial, como corte de cadernos e textos mais enxutos, foram implementadas em abril desse ano. A empresa anunciou ainda a disposição de vender a “Rádio Estadão” e alguns imóveis.

Fontes internas do jornal, que preferem não ser identificadas, descrevem um cenário decadente no prédio sede. Muitas salas vazias, alas inteiras sem uso. Espaços antes destinados somente a jor-nalistas, hoje são também ocupados por profissio-nais com as mais diversas funções, o que contribui para acentuar o clima de dispersão.

O serviço de vendas por telefone do jornal informa que, ultimamente, o Estadão tem ofere-cido melhores condições de pagamento, com des-contos e brindes, para pacotes mensais de assina-tura. A atendente afirma que todas as vendas têm sido feitas dessa forma, mês a mês, sem contrato de fidelidade com o leitor. O objetivo, segundo ela, é que ele controle sua própria assinatura, as-sim como seu tempo de duração. Questionada se não seria mais vantajoso um pacote semestral ou anual, a funcionária nega e garante que esses não oferecem os mesmos benefícios que o sugerido. Tais evidências deixam clara a intenção de evitar estabelecer qualquer vínculo a longo prazo com o assinante.

É importante citar que a internet não é a única responsável pelo colapso do periódico. Dívi-das e problemas administrativos, acentuados por brigas familiares entre os Mesquita, contribuíram para a crise.

Diante da complicada situação, somada ao fato da venda do Washington Post, surgiram comentários nos bastidores do jornalismo de que o mais tradicional jornal paulista também poderia estar mudando de mãos.

O Contraponto tentou contato com o diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, para buscar uma versão da empresa. A secretária de Gandour, porém, informou que ele não concederia a entrevista.

A função dos jornais de informar as novi-dades diárias já não pode mais competir com o imediatismo e abrangência da internet. Para sobre-viverem, os veículos impressos precisam, portanto, buscar se reinventar por meio de novas alternativas editoriais, que apresentem ao leitor algo diferente do que circula em massa na rede.

Noticiários impressos vêm sendo substituídos cada vez mais

pela tela dos computadores e smartphones

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21CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

CONTRAPONTO

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ção

Por carolina ellmannCriada em 2002 por Dom Claudio Hummes, a entidade pode estar

envolvida em escândalo de desvio de verbas

ong ligada à igreja católica é acusada de desviar

r$ 47 milhões

A organização não governamental Centro de Atendimento ao Trabalhador (CEAT) é inves-

tigada por desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro. Na operação chamada de “Pronto Emprego”, a Polícia Federal prendeu cerca de oito pessoas, entre elas o padre Lício de Araújo Vale e Gleide Santos Costa, assessor do ministério do trabalho.

Os presos responderão por quatro crimes: corrupção, lavagem de dinheiro, desvio de verbas e formação de quadrilha. Diretamente envolvido com o caso, a fonte, que preferiu não se identificar apontou que “Todos foram acusados da mesma coisa: lavagem de dinheiro, peculato e formação de quadrilha. – ele descobriu quando foi preso que também constava peculato na lista de crimes de que eles estavam sendo acusados”.

Já sobre a operação, o entrevistado aponta algumas divergências: “A prisão foi arbitrária e um excesso, eles não tinham base suficiente para efetuar as prisões, ninguém tinha antedecentes criminais, todos eram primários. Eles fizeram isso simplesmente porque eles acharam que tinha mui-ta grana escondida, a alegação era inclusive esta, que tinha muito dinheiro solto e que os acusados iam sumir com ele – verba que até agora eles não acharam”.

De acordo com a PF, os recursos eram re-passados por meio de convênios e renderam ao Ceat cerca de 47,5 milhões de reais. O dinheiro foi desviado para o bolso dos dirigentes da entidade, que contratavam empresas de fachada, registradas em seus nomes para prestar serviços nos centros mantidos pela ONG.

Sob acusações de que a entidade recebia dinheiro por meio dos convênios, pelos cursos de capacitação que não oferecia, o entrevistado expli-ca: “O curso de capacitação existiu até meados de 2011, o Ceat nunca teve como execução principal o curso de capacitação, em um convênio de 47 milhões, quatro ou cinco milhões eram destinados para qualificação nesses quatro últimos anos, o viés do convenio não era qualificação e sim a recolocação do trabalhador no mercado”.

Lício de Araújo Vale, padre que foi preso na operação e ocupava o cargo de diretor administra-tivo também foi apontado como o intermediador dos interesses da instituição com o ministério. O caso indica o que pode ser mais um dos proble-mas que o novo papa terá que lidar: os desvios de dinheiro, que não devem ser tratados como casos isolados, já que Francisco iniciou seu pontificado com a promessa de renovar as premissas existentes na Igreja Católica.

Antigamente chamada de “Centro Arqui-diocesano do Trabalhador”, o centro de atendi-mento teve origem na Igreja Católica e tem como presidente do seu conselho consultivo Dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo. Segundo o entrevistado, “A Igreja sempre presidiu o con-selho consultivo da entidade. É um conselho de 13 membros que são vinculados, não só a igreja,

mas também as pessoas que tenham um histórico com todos os trabalhadores (...) A igreja está com a gente desde o começo porque a ONG é uma ideia de Dom Claudio, que era o Arcebispo em 2002 quando o Ceat foi fundado (...)”.

A cúria alega que não existe mais uma relação entre a entidade investigada e a igreja, e que agora o projeto possui vida e gestão próprias, ainda que a presença de padres na gestão princi-pal e a 12ª unidade leve o nome do Dom Claudio Cardeal Hummes - que é arcebispo emérito de São Paulo e prefeito emérito da Congregação de Bispos, possam sugerir uma estreita relação entre a Igreja e o órgão. De acordo com o entrevistado, “A influência deles é em direcionar os trabalhos, em verificar o que pode ser feito de melhor, toda essa parte mais consultiva mesmo, eles não tem realmente uma atuação no dia a dia da entidade, é um apoio mais em direcionar, é político, insti-tucional”.

Ao ser questionado sobre qual e como é a atuação do presidente consultivo dentro do Ceat, ele explica: “Dom Odilo convoca as assembleias e os conselhos e sempre primou pelos interesses da instituição. Não tem atuação direta no dia a dia da entidade, só nos encontrava para receber os relatórios de três em três meses, quando a gente prestava contas de como andavam os convênios, andamento das renovações, quais eram os projetos”.

No ponto de vista de um dos envolvidos, a operação teve um viés político, principalmente por se tratar de uma ONG relacionada à igreja católica, a imprensa deu um destaque muito maior ao caso. “A gente tem até hoje uma cobertura muito maior do que a entidade de Minas, que eles pegaram pessoas com 400 mil reais em dinheiro, Maserati, helicóptero, oito milhões de reais na conta, essa operação que eles deflagraram que realmente foi um sucesso, não tem metade da cobertura que a nossa tem”. Outro questionamento sobre a relação do caso e da imprensa que merece uma atenção especial é a denuncia de que o jornal O Estado de S.Paulo teve acesso a um inquérito que esta sob sigilo judicial, digitalizou e publicou suas páginas na Internet, como a versão que eles colocaram é a do inquérito, os acusados não tiveram um direito de defesa ou de resposta, ou seja, o que está colocado ali é a visão do delegado sobre o caso.

Ainda que tenha sido noticiada uma nota da Arquidiocese de São Paulo sobre a surpresa com as notícias veiculadas, seria muito importante que os representantes da mesma, assumissem um posicionamento mais ativo em relação às denúncias, principalmente depois das declarações papais sobre uma nova forma de gestão dos fluxos financeiros do Vaticano e novas maneiras de lida-rem com as situações ambíguas ou consideradas problemáticas.

O caso da ONG Ceat atraiu a cobertura da mídia; D. Odilo nega qualquer envolvimento

Dom Odilo Sherer

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CONTRAPONTO22 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

Nos encontramos todos os dias às 16h. Sob a árvore mais bai-xa, aquela que não possui muitas folhas e, por isso, nenhum

amante em particular. Até que nos descobrimos como tal. No primeiro dia em que fui àquele parque, ela já estava

lá, debaixo da árvore. Cabelos curtos e a pele negra. Lia Chico Buarque. Fotografei o contraste bonito que suas mãos faziam com a capa cor de laranja de Leite Derramado. Um dos meus livros preferidos, mas ela não sabe disso.

Um ano depois, ainda não sei seu nome, idade ou o que faz da vida. Apenas re-petimos um mesmo ritual há exatos 378 dias.

Eu chego, ela já está lá. Eu a fotografo, não conversa-mos muito. Dura cerca de uma hora, mas já durou 10 minutos e também 2h30.

Às vezes acho que seu nome é Joana, tem 25 anos e escreve romances. Às vezes ela tem cara de Sophia, 20 anos, prostituta. Tanto faz. Tem uma alma bonita e isso seus olhos logo delataram às lentes da minha câmera.

Sempre a fotografo ro-endo as unhas, vermelhas, que ficam bonitas perto da boca sem batom. E não sei o que ela pensa sobre mim. Somos uma espécie de universo paralelo uma da outra. Gostaria que ela soubesse que sou escritora por vocação, fotógrafa por opção e professora por obrigação. Tam-bém sou uma amante desenfreada.

Sem julgamentos, sem perguntas desnecessárias e sem respostas também. Ainda assim, nos descobrimos. Sem pressa, sem barulho de carros, nem excesso de luz. Somos a fuga da metrópole. Dormimos juntas, mesmo acordadas, na cidade que nunca dorme. E já dividimos uma garrafa de vinho barato.

Sei que ela tem um filho e ela sabe do meu gato. A grama do par-que é nosso catalisador. Seu filho nunca a acompanhou. Meu gato foi denunciado no nosso segundo encontro, devido aos pelos em minha roupa. Ele se chama Miguel, ela disse, de repente. E tirou do meio de seu livro a foto de um menino expressivo, com ar de solidão. Gostaria de fotografá-lo, arrisquei. A resposta que recebi veio em forma de silêncio e levou a um dos retratos mais bonitos que já tirei na vida. Chamei-o de Ternura.

Com ela, respiro. É como se eu nunca tropeçasse na calçada esburacada do centro da cidade. Por ora, tropeço apenas em seus olhares às vezes confusos. Nos abraçamos há exatos 376 dias. Somos, para a outra, o que nos falta. E isso não precisa ser dito.

Sem verbalizar, nos amamos, e até dançamos, como se fôssemos um velho casal. Não nos falta palavra, nem som, nem toque, nem afeto. Sem verbalizar, pulsamos juntas num mesmo ritmo que nos desafoga. Tá tudo lá, mas só a gente sabe. Você é como eu, ela disse, no dia 340. E eu capturei o momento em que seus lábios se tocaram

ao pronunciar o “m”. Mesmo assim, um ano depois, ela ainda não sabe meu nome, idade

ou o que faço da vida.

um tempo indeterminado. Entrou na trilha selvagem em 28 de abril de 1992. Após cinco meses, seu cadáver foi encontrado por um grupo de caçadores da região dentro de um trailer abandonado. Com ele, poucos pertences: livros, mais de cem notas difusas sobre sua experiência no Alasca e alguns rolos de filme fotográfico.

Jon Krakauer refez os passos da longa jornada de McCandless, entrevistando todos que o conheceram como Alex Supertramp e como Chris McCandless. A narrativa fica ainda mais envolvente com os depoimentos dos pais de Chris, que tinham um relacionamento complicado com o filho. Mesmo lendo esses relatos, é impossível traçar a personalidade do jovem com firmeza: seu próprio espírito era repleto de contradições.

Krakauer monta a narrativa de maneira brilhante, intercalando entrevistas, visitas aos lugares que Chris visi-tou e histórias de outros tantos aventureiros românticos, incluindo relatos pessoais. O jornalista usa sua pesquisa para entender também a si próprio, já que se identifica com o espírito inquieto de McCandless.

O autor, no entanto, não consegue responder se Christopher McCandless foi um herói ou um ingênuo

– embora se identifique mais com a primeira resposta. Chris e seu jeito de viver foram tanto admirados quanto criticados. Mais do que um jovem impulsivo ou corajoso, ele representa uma inquietação contra uma sociedade que impõe uma trajetória de vida ideal.

Durante sua viagem, Chris buscou sua humanidade em sua forma mais pura, totalmente ligada à natureza e longe do convívio social que a contaminava. Em sua última foto, mesmo magro e fragilizado, mostra uma expressão serena e se despede com um recado, dizendo que teve uma vida feliz. Na imagem, aparenta ter encontrado aquilo que tanto procurou - mesmo que lhe tenha custado a vida.

Largar o trabalho, as obrigações, os luxos e cair na estrada sem data para voltar: quase

todos já sonharam com essa aventura (qua-se) utópica. Em 1990, um norte-americano experimentou dessa liberdade que parece tão inalcançável. Chris McCandless viajou de forma completamente anônima pelo norte por dois anos, sem dinheiro, família ou carro. Encontrado morto em 1992 no Alasca, sua história despertou a curiosidade do jornalista Jon Krakauer, que passou um ano rastreado cada traço da aventura de Chris. O resultado foi Na Natureza Selvagem, livro que foi adaptado para o cinema por Sean Penn em 2007.

Após terminar a faculdade, McCan-dless doou todo o seu dinheiro a uma insti-tuição de caridade e partiu para sua jornada, sem avisar a família ou amigos. Abandonou carro, documentos e dinheiro e começou a atravessar os Estados Unidos de carona. Ado-tou o nome de Alex Supertramp, e foi assim que se apresentou a todos que o conheceram durante sua viagem. Evitava manter laços profundos com aqueles com quem conviveu, mas não se esqueceu de nenhum e mantinha correspondência com os que mais tinha afinidade. Quando precisava de dinheiro, arrumava trabalhos temporários, mas nunca ficava no mesmo lugar por muito tempo: logo caía na estrada novamente.

Ávido leitor de Jack London, Tolstoi e Thoreau, Alex repudiava a sociedade, mas possuía um enorme fascínio pela natureza. Suas andanças pelos EUA eram apenas a pré-aventura: seu verdadeiro fascínio era com o Alasca, e tinha o plano de viver em meio a natureza completamente isolado da sociedade por

a jornada de um homem livre

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Na Natureza Selvagem

Autor: Chris MCCAndless

editorA: CoMpAnhiA dAs letrAs, 1998, 214 páginAs

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23CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

Por Jacqueline elise e letícia naísa

■ Dez PMs são indiciados pela morte de Amarildo; delegado está convencido sobre torturas

Após três meses de procura, dez policiais militares, incluindo o ex-comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da favela da Rocinha (zona sul carioca), o major Edson Santos, foram indiciados pela morte do pedreiro Amarildo de Souza, cujo desparecimento ganhou notoriedade durante os protestos de junho em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os acusados respon-derão pelos crimes de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver, e foi pedido ao Ministério Público a prisão preventiva dos investigados. Todos negaram a participação no crime.

O delegado Rivaldo Barbosa, da Divisão de Homicídios do Rio de Janeiro, acre-dita que Amarildo foi torturado em um matagal antes de morrer e que, além deste caso, os PMs envolvidos tenham torturado mais 22 pessoas na comunidade da Rocinha entre março e julho de 2013.

■ Discursos de Dilma e José Mujica ganham destaque em Assembleia da ONU

A presidente Dilma Rousseff e o presidente uruguaio José Mujica discursaram na 68ª Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 24 de setembro. A fala de aber-tura de ambos chamou a atenção por focarem em temas constantemente em pauta: Dilma criticou duramente a espionagem dos EUA e Mujica, a sociedade capitalista e o consumismo desenfreado.

Dilma afirmou que “imiscuir-se dessa forma na vida dos outros países fere o direito internacional e afronta os princípios que devem reger as relações entre eles, sobretudo, entre nações amigas”, além de desmentir que a intenção do governo estadunidense era de “proteger-se contra o terrorismo”. Barack Obama não estava presente quando a presidente discursou, mas mencionou brevemente as espionagens em sua fala na ONU.

Mujica fez duras afirmações sobre o sistema capitalista e as consequências que ele traz. “O deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos frustração, pobreza e autoexclusão”, disse. Ao mesmo tempo, reforçou que a utopia era necessária para que uma “sociedade libertária e sem classes” seja alcançada, e que ele próprio luta para que isso aconteça.

■ USP e na Unicamp entram em greve na mesma semana

No dia 1° de outubro, a Universidade de São Paulo reafirmou sua luta pela demo-cracia. Neste dia, um ato foi chamado pelos professores, estudantes e funcio-nários no horário da reunião do Conselho Universitário que tinha como pauta as mudanças do Estatuto da universidade. Representantes dos estudantes e funcionários defenderam a abertura da reunião, que não aconteceu, culminando na ocupação da reitoria da universidade. A proposta de eleições diretas para reitor não foi aprovada na reunião do conselho, criando um clima de tensão. Na mesma noite da ocupação, foi deliberada em assembleia a greve dos estudantes. Já são 23 cursos paralisados e oito com indicativo de greve.

Na mesma semana, os estudantes da Unicamp ocuparam a reitoria após a entrada da Polícia Militar no campus. A decisão do policiamento se deu após a morte de um estudante dentro da universidade durante uma festa. Também em assembleia, os estudantes deliberaram por uma greve e pediram a retirada imediata da PM no campus, nenhuma punição aos estudantes mobilizados na ocupação, além da construção de uma proposta alternativa de segurança no ambiente universitário.

ANTENA

■ Campanha “Chega de Fiu-Fiu” repercute nas mídias sociais

“Ninguém deveria ter medo de caminhar pelas ruas simplesmente por ser mulher” diz a frase que apresenta os resultados de uma pesquisa sobre assédio. Até parece mentira, mas o medo é presente. O costume das cantadas na rua que tanto incomoda milhões de mulheres fez nascer na internet a campanha “Chega de Fiu-fiu”, uma luta contra o assédio sexual em espaços públicos. Foi também colocada em prática uma pesquisa através de um questionário hospedado no blog Think Olga e de depoimentos. A pesquisa quantitativa reuniu uma amostra de 7762 participantes, sendo que 99,6% delas afirmaram já ter sofrido assé-dio. Ao serem questionadas sobre acharem a cantada algo legal, 83% diz não gostar. Outros altíssimos números demonstraram a gravidade do problema e a importância de se levar a sério a questão da violência contra a mulher.

A jornalista Juliana de Faria, responsável pelo blog Think Olga, esteve presente na PUC-SP em outubro e afirmou que a pesquisa desenvolvida por ela e sua cole-ga, Karin Hueck, tinha como pretensão tornar o assunto do assédio visível, já que isso sempre foi tratado como uma não-questão. “A sociedade não deveria considerar natural algo que é cultural”, critica.

■ Versão brasileira do jornal Huffington Post será da Editora Abril

No dia 30 de setembro o Grupo Abril anunciou uma parceria com o The Huffing-ton Post Media Group para lançar o site brasileiro do jornal estadunidense The Huffington Post. O que chamou a atenção no anúncio é a diferença de linhas editoriais dos dois grupos: O HuffPost é abertamente progressista, enquanto o Grupo Abril é responsável pela revista Veja, veículo de direita (apesar de não assumirem abertamente). O jornalista Lino Bocchini, da revista Carta Capital, afirma que a união é “curiosa”, pois “na França [o Huffington Post] é aliado ao jornal Le Monde e, na Espanha, ao El País”. O site ainda não tem uma data específica de lançamento.

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Uma câmera de vigilância na Rocinha flagrou o momento em que Amarildo é levado por PMs

Campanha Chega de Fiu FiuDiscurso Dilma na ONU

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CONTRAPONTO24 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2013

de HIV, por exemplo. Participo também de um projeto na ONG para mulheres com HIV, no qual trabalhamos com textos, arte, bordado, fotografia e desenho. Embora tenha me mudado pro interior, dá pra conciliar os trabalhos, que exigem algumas viagens a São Paulo.

CP – Quando decidiu se mudar e por quê?VS – No fim de 2012. Decidi me mudar porque São Paulo ficou muito complicada. Já tinha um projeto de sair, mas quando surgiu a oportunidade de ir para a cidade natal do meu marido, Ibitinga, resol-vemos mudar para um ambiente mais sossegado. Adoro São Paulo, mas lá a casa é muito gostosa, com quintal, passarinhos... Um dia me vi cozi-nhando com uma mão e, na outra, uma máquina fotográfica tentando fotografar um passarinho na

Vera Simonetti foi, durante 26 anos, professora de fotojornalismo da PUC. Aos 67, mora em Ibitinga, se dedica ao bordado e ao

trabalho na ONG ECOS – Comunicação em Sexualidade

CONTRAPONTO

do fotojornalismo

ao Bordado

Entrevista

Contraponto – Qual foi sua formação acadê-mica?Vera Simonetti – Sou formada em Ciências Polí-ticas e Sociais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, mas nunca fui socióloga. Também fiz licenciatura na área. Além disso, fiz mestrado em Ciências da Comunicação/Jornalismo na ECA. Logo depois me interessei por fotografia e procurei a escola Imagem-Ação, onde também dei aula e fiz um curso de fotojornalismo.

CP – Como ingressou na PUC? Como foi sua trajetória na universidade?VS – Em 1980, soube que a PUC estava precisando de professores. Levei meu currículo, fiz entrevista e fui aprovada. Por algum tempo eu fui a única pro-fessora de fotojornalismo da universidade. Assumi as turmas da manhã e da noite, acho que ao todo eram150 alunos com apenas 5 máquinas fotográfi-cas. Os meus alunos e eu batalhamos muito, junto com a coordenação do curso, para que tivéssemos equipamentos e materiais necessários para um cur-so minimamente decente. Com o tempo, insistência e até greves que fizemos (meus alunos e eu), logo as 5 máquinas se transformaram em 20. Em 1981, me tornei chefe do departamento e permaneci no cargo durante um mandato e meio. Nesse período, eu e o professor João Batista Torres começamos a trabalhar para que o curso, que existia desde 1978, fosse reconhecido pelo MEC. Fizemos o processo para atender as exigências de laboratório, biblioteca central com os livros necessários, etc. Aconteciam assembleias com os alunos onde muita coisa era feita, como mudanças curricula-res. Lembro-me de uma decisiva, que deu para o curso o rumo mais do jornalismo em si do que das comunicações em geral. Em meados da década de 1990, fui coordenadora de foto, vídeo e rádio do curso. Fiquei um bom tempo nessa função, mas comecei a ficar cansada. Foi então que passei a assumir só as aulas da manhã e algumas optativas em outros cursos. Até porque, desde 1989, já estava envolvida em atividades da ONG ECOS – Comunicação em Sexualidade. Deixei a graduação da PUC em 2006, mas mantive um pé na Pontifícia dando aulas na pós-graduação, projeto que acontece a cada dois anos. Como enfrentei um câncer de mama recentemente, tive que interromper, mas vamos ver se volto.

CP – A quais trabalhos se dedica atualmente?VS – Quando já tinha saído da PUC, participei de um grupo de bordado e desde então não parei mais. É muito gotoso, é algo que dá pra fazer em qualquer lugar, a qualquer momento. Hoje integro o grupo de bordados “Ciranda Bordadeira”, de São Paulo, com o qual participei de exposições e do livro Bordados do Brasil: a arte de Militão dos Santos. Além disso, participo de um grupo de pesquisa na Faculdade Cásper Líbero sobre Comunicação e Cultura Visual. Dedico-me ainda ao trabalho na ONG ECOS.

CP – Como funciona a ONG da qual participa?VS – A ONG, da qual sou fundadora, defende os direitos sexuais e reprodutivos, principalmente de adolescentes. Hoje, os projetos são financiados pela Secretaria Municipal de Saúde. Produzimos muito material de comunicação para a prevenção

Por Beatriz morrone

pereira. Lá tenho outra qualidade de vida; respiro um ar mais puro, tenho mais tempo pra natureza, pra mim, pro meu marido, pra pensar na vida. Minha doença apressou a decisão também. Dizem que o câncer tem a ver com estresse, então fui buscar uma vida menos estressante.

CP – O que você considera fundamental em um curso de jornalismo?VS – Acho importante a presença das artes no curso de jornalismo, junto com a formação técnica, profissional, crítica e geral. A arte ajuda a pensar. Para um curso de jornalismo, ter outras formas de expressão é fundamental, abre os horizontes. Acho importante que os alunos possam criar outras formas de comunicação, mesmo que em jornais e revistas, mas que sigam outra cara, não aquele modelão tradicional.

CP – Por que decidiu deixar a PUC?VS – Na época que saí estava piorando a situação da PUC. Eu estava cansada, não ia ter mais forças pra bater de frente, pra manter uma série de me-lhoras que já tínhamos conquistado.

CP – A que atribui essa situação?VS – A PUC não está sozinha. Ele segue muito as regras do mercado da educação e as regras da Igreja. Não me sinto segura para fazer uma análise da PUC, mas por conta dos seus déficits, seguir rigorosamente esses critérios empobrece a universidade. Inclusive, um pouco do que pesou na minha decisão de sair de lá foi uma mudança na postura dos estudantes de uns tempos pra cá. Há um entendimento de que a educação virou uma questão de consumo e não de direito, mas minha aula não é um sabonete na prateleira. Toda minha formação sobre direitos não estava convencendo mais. Não tinha forças mais pra entrar nesse em-bate, se a educação é direito ou consumo.

CP – Do que mais sente falta da vida na PUC?VS – Das discussões, das conversas, do acesso aos textos. Eu adoro um banco escolar. Trabalhar no laboratório era muito bom, ver a imagem apare-cer, o entusiasmo dos alunos, os projetos que eles faziam... Lembro-me até hoje de muitas fotos de alunos. Sinto falta, quando eu vou lá me dá um nó na garganta. Era uma delícia!

CP – Em que aspectos o olhar da fotógrafa se assemelha ao olhar da bordadeira? Em que as-pectos difere?VS – Difere muito no tempo. A fotografia é ime-diata, o bordado não. Em ambos, porém, você deve escolher, enquadrar, trabalhar com cenários e situações. O que eu mais percebo quando vou bordar, principalmente quando é algo meu, é a direção da luz, trabalhar com claro e escuro, a textura. Na foto a gente explora a textura através da luz e no bordado, através de diferentes fios, linhas, lãs e tecidos.

“Minha militância dentro da PUC sempre foi defender o curso

de jornalismo. Cada vez mais tentar melhorar as condições de trabalho pra todos: funcionários,

professores e principalmente alunos”

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