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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
DCV5842 - Aspectos Fundamentais de Direito Civil: Contratos II
Ricardo Nicotra (Mestrando)
Nº USP 1902001
Orientadora: Profa. Doutora Cintia Rosa Pereira de Lima
Contrato de Adesão e Contrato por Adesão
Professores Regentes:
Prof. Titular Álvaro Villaça Azevedo
Prof. Titular José Luiz Gavião de Almeida
Prof. Doutor Jorge Shiguemitsu Fujita
2015
2
Resumo:
O presente artigo discorre sobre a evolução do conceito de contrato até abarcar, com o
desenvolvimento da sociedade de consumo, o instituto do contrato de adesão. Versa sobre
as teorias publicistas e privatistas que tentam definir a natureza jurídica do referido
contrato. O tema é discutido no âmbito do Código Civil Brasileiro de 2002, do Código de
Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) e, no âmbito do direito estrangeiro, discute-se
sobre o tratamento legislativo dado pela União Europeia através da Diretiva 93/13/CEE
que trata especialmente das cláusulas abusivas.
Palavras-Chave: Contrato de Adesão – Contrato por Adesão – Condições Gerais do
Contrato – Sociedade de Consumo – Teorias Publicistas – Teorias Privatistas – Comércio
Eletrônico – Código de Defesa do Consumidor – Cláusulas Abusivas – Diretiva
93/13/CEE
Abstract:
This article covers the evolution of the contract concept including the adhesion contract
originated from the development of the consumer society. It discuss the theories that aims
to explain the juridical nature of this form of contract from both a public and private point
of view. The subject is analyzed under the Brazilian Civil Code of 2002, Brazilian
Consumer Protection Code (Federal Law n. 8.078/1990) and, from a foreign perspective,
it discuss the issue of abusive clauses as stated in the European Union Directive
93/13/CEE.
Keywords: Adhesion Contract – Boilerplate Contract – Standard Form – Consumer
Society – e-commerce – Brazilian Consumer Protection Code – Abusive Clause –
European Directive 93/13/CEE
3
Contrato de Adesão e Contrato por Adesão
1. Sumário
1. Sumário .......................................................................................................... 3
2. Introdução....................................................................................................... 4
3. Definição, Conceito e Questões de Denominação ......................................... 5
4. Origens ........................................................................................................... 8
5. Natureza Jurídica .......................................................................................... 11
Teorias Publicistas ............................................................................................. 11
Teorias Privatistas ............................................................................................. 14
6. Contrato de Adesão no CDC e no Código Civil Brasileiro.......................... 15
Contratos de Adesão no Comércio Eletrônico .................................................. 19
7. Contrato de Adesão no Direito Estrangeiro ................................................. 20
Diretiva 93/13 da Comunidade Europeia .......................................................... 20
Itália (cláusulas abusivas) .................................................................................. 22
8. Conclusão ..................................................................................................... 23
9. Bibliografia................................................................................................... 24
4
2. Introdução
A noção de contrato vem sendo transformada ao longo dos séculos, sempre
respondendo ao desenvolvimento econômico e social. De fato, o contrato é uma
ferramenta jurídica que viabiliza o deslocamento de riqueza, fenômeno de natureza
econômica e, portanto, dinâmico.
O dinamismo social e econômico refletirá na atualização dos conceitos jurídicos,
em particular no conceito de contrato, que receberá o cunho dos valores mais caros de
cada época, seja a liberdade, a racionalidade ou a equidade.
Das transformações pelas quais passou o conceito de contrato, a que mais nos
interessará no presente estudo é aquela referente à transição do modelo clássico do século
19, fundado na primazia da autonomia da vontade das partes, para o modelo concebido
na sociedade industrializada onde o dogma da liberdade contratual sofreu relativa
mitigação através da introdução de novos princípios que a seguir serão melhor detalhados.
Na sociedade de consumo, caracterizada pela economia massificada, os contratos
negociados, aqueles em que as partes discutem e plasmam o conteúdo contratual, passam
a ocupar posição secundária. Com a predominância da contratação em massa, surgem os
contratos de adesão e as condições gerais de contrato, resultado da racionalização
econômica que informa ser insuportável arcar com os custos de uma eventual negociação
individualizada neste cenário.
Além da economia de custos, objetiva-se, com o novo modelo, o aumento da
segurança e praticidade. É evidente que este novo instrumento revoluciona o conceito
clássico de contrato, baseado no contrato paritário, na autonomia da vontade que
pressupõe a possibilidade de negociação dos termos e da prevalência do princípio da
pacta sunt servanda. Como consequência destaca-se o potencial desequilíbrio de forças
entre o fornecedor predisponente que estabelece unilateralmente as cláusulas contratuais
e o consumidor aderente que não tem outra opção além de aderir ou não aderir.
Observar-se-á que tal forma de contratação não se dá apenas por escrito, através de
formulários com cláusulas predispostas pelo fornecedor. Há também contratos verbais e
até mesmo aqueles celebrados por uma conduta social típica.
5
O presente estudo tratará da conceituação e das origens do contrato de adesão e das
condições ou cláusulas gerais do contrato discorrendo sobre a natureza jurídica do
instituto sob a luz das doutrinas privatista (contratualista) e publicista (normativista).
Ademais, o estudo abordará a introdução do instituto no ordenamento brasileiro pela via
do Código de Defesa do Consumidor e também a codificação, reputada por insuficiente,
no Código Civil Brasileiro de 2002.
Finalmente o estudo abordará o tratamento legislativo dado pela Comunidade
Europeia através da soft law comunitária (Diretiva 93/13/CE) com foco especial no
tratamento das cláusulas abusivas.
3. Definição, Conceito e Questões de Denominação
ORLANDO GOMES define “Contrato de Adesão” como “o negócio jurídico no qual
a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de
cláusulas formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para
constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas”.1
CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA os denomina de “contratos por adesão” afirmando
que são “aqueles que não resultam do livre debate entre as partes, mas provêm do fato de
uma delas aceitar tacitamente cláusulas e condições previamente estabelecidas pela
outra”.2
CLÁUDIA LIMA MARQUES descreve o contrato de adesão como “aquele cujas
cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente
mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa
discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito”.3
1 GOMES, p. 3.
2 PEREIRA, p.
3 MARQUES, p. 54
6
Desta forma, tem-se um sujeito que estabelece cláusulas genéricas e abstratas
destinadas a regulamentar relações jurídicas as quais serão travadas com partes ainda
indeterminadas. Tais cláusulas são rígidas, ou seja, não se admite negociações
preliminares objetivando-se a alteração do conteúdo que, como afirmado, é determinado
prévia e unilateralmente.4
Segundo GEORGES BERLIOZ, esta unilateralidade no estabelecimento das cláusulas
está na essência do contrato de adesão:
“o que é essencial no contrato de adesão é a ausência do debate
prévio, a determinação unilateral do conteúdo contratual, quer
seja feita por uma das partes, quer por um terceiro. Esta vontade
unilateral fixa a economia do contrato, em que um dos seus
elementos, a vontade do aderente, não intervém senão para dar
uma eficácia jurídica a essa vontade unilateral”.5
Convém, inicialmente, diferenciar dois elementos: o primeiro é o conteúdo
normativo definido pela parte proponente; o segundo é o vínculo jurídico estabelecido no
momento da adesão. Esta distinção deve ficar clara porque convencionou-se denominar
de contrato de adesão o conjunto de cláusulas elaboradas pela parte predisponente. Na
realidade, não se pode falar em contrato antes da manifestação de vontade das partes
envolvidas, o que nos obriga a encontrar outra denominação para o conteúdo normativo
de caráter geral, uniforme e abstrato criado pelo sujeito proponente.
Entende-se mais adequado, portanto, reservar a denominação “contrato de adesão”
para designar o vínculo jurídico estabelecido após a aceitação do sujeito aderente. As
condições – ou cláusulas gerais – e o contrato são dois momentos do mesmo fenômeno,
mas não devem ser confundidos. Numa visão clássica, apenas quando houver
4 Destaque-se o fato da legislação consumerista brasileira dispor no sentido de que se houver
inserção de cláusula no contrato, isto não descaracteriza a qualificação de contrato de adesão. (Art. 54. §1º
do CDC)
5 BERLIOZ, p. 27-28
7
consentimento é que pode haver contrato.6 E mesmo assim a natureza da manifestação de
vontade do aderente é tal que levanta críticas dos que mantêm um conceito rígido e
clássico do contrato, como discutir-se-á com mais detalhes adiante.
Há certo debate sobre como denominar o conteúdo normativo elaborado pelo
sujeito predisponente. A denominação mais utilizada, “condições gerais do contrato”, não
fica livre de críticas. A primeira diz respeito à utilização do termo “condições” que, em
Direito Civil, refere-se a um dos elementos acessórios do contrato que atribui o seu efeito
a evento futuro e incerto, o que nada tem a ver com o conteúdo normativo ao qual nos
referimos. Embora sugira-se a expressão “cláusulas” em vez de “condições”, o fato é que
a doutrina tem aceitado, inclusive no exterior, a utilização da expressão “condições” como
se vê na Itália (condizioni generali dei contratti), na Espanha (condiciones generales de
los contratos) e na Alemanha (allgemeine Geschäftsbedingungen).
Sobre designar o referido contrato como sendo “de adesão” ou “por adesão”
também não é questão pacífica. A denominação “contrato de adesão” pode ser criticada
pois refere-se apenas à forma em que é manifestado o consentimento para a criação de
relação jurídica, ou seja, o consentimento através da adesão. No entanto, há outras
características no contrato de adesão, como a uniformidade e abstratividade de suas
cláusulas que são indispensáveis para a sua constituição. Desta forma, a denominação
“contrato de adesão” é incompleta, incapaz de comunicar todos os elementos essenciais
deste instituto jurídico. Ademais, a expressão pode erroneamente sugerir a existência de
um tipo contratual distinto induzindo o interlocutor a entender que assim como existe um
contrato de compra e venda e um contrato de locação, existe também um contrato de
adesão. A adesão não é a causa do negócio jurídico, mas o modo pelo qual é celebrado.
Portanto, não estamos diante de um novo tipo contratual. Diante destes problemas surge
a expressão "contrato por adesão”, subentendendo-se “contrato celebrado por adesão”.
6 GOMES, p.4.
8
ORLANDO GOMES diferencia as denominações “contrato de adesão” e “contrato por
adesão” em função da generalidade das cláusulas e da sua destinação a apenas um
aderente ou a um número indefinido de aderentes:
“A particularidade de serem cláusulas gerais e uniformes (...)
autoriza a importante distinção entre contrato de adesão e o contrato
por adesão. Neste, o consentimento também se manifesta pela
aceitação em bloco das cláusulas redigidas pela outra parte, mas são
ditadas unicamente para aquele contrato determinado, nele se
exaurindo em razão de sua própria causa, enquanto, nos contratos de
adesão, se destinam à série ilimitada de relações jurídicas
estruturáveis pelo mesmo processo, não raro se repetindo com o
mesmo participante, como acontece no serviço de transportes
coletivos”.7
A expressão “contrato de adesão” é a preferida de doutrinadores como MESSINEO,
SILVIO RODRIGUES e WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO. Já a denominação “contrato
por adesão” é adotada por CAIO MÁRIO, MARIA HELENA DINIZ, ALESSANDRO GIORDANO
e GEORGES DEREUX. Na legislação brasileira adotou-se a expressão “contrato de
adesão”.8
4. Origens
Ao contrário da maioria dos institutos de direito civil, o contrato de adesão não tem
origens em Roma. Os negócios jurídicos celebrados em Roma e, posteriormente, na Idade
7 GOMES, p. 20.
8 "Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a
interpretação mais favorável ao aderente." - Art. 423 do Código Civil de 2002.
"Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a
direito resultante da natureza do negócio." - Art. 424 do Código Civil de 2002.
"Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir
ou modificar substancialmente seu conteúdo." - Art. 54 da Lei 8.078/90 (CDC)
9
Média, tinham como contexto uma sociedade familiar fundada numa economia artesanal
onde os contratantes de bens e serviços podiam estabelecer acordos de vontade discutindo
e fixando suas cláusulas. Costuma-se denominar este tipo de contrato como “contrato
negociado” ou “contrato paritário”.
A primazia do “contrato negociado” subsistiu até a segunda metade do século 19
quando a industrialização alterou radicalmente as estruturas econômicas, sociais e
desafiou o conceito clássico de contrato.
Até o início do século 19, sob os ideais liberais e individualistas, o contrato
negociado subsistiu sob a primazia da autonomia da vontade. No entanto, na segunda
metade do século 19, durante a Revolução Industrial, observou-se a massificação da
produção e do escoamento para o mercado consumidor. Deixaram de existir as tratativas
ou negociações prévias entre produtores e consumidores que outrora resultavam na
elaboração de cláusulas contratuais específicas para um consumidor determinado.
O produtor ou fornecedor passou a disponibilizar o seu produto ou serviço no
mercado de consumo e o consumidor, por sua vez, passou a adquirir os bens e serviços
da forma como eles eram disponibilizados e nas condições impostas pelo fornecedor, sem
a possibilidade de negociar a essência do contrato. A esta forma de contratar, onde o
exercício da vontade do consumidor resume-se a aceitar ou recusar o que é imposto pelo
fornecedor, denominou-se “contrato de adesão”.
Por trás do contrato de adesão está a racionalidade do mercado que não permite a
individualização das negociações pré-contratuais no mercado de massa, o que
representaria um insuportável custo operacional. A regra no mercado alimentado pela
produção artesanal torna-se inviável na nova economia industrial. Passou-se a exigir
uniformidade, não só na produção, mas também na forma de escoamento e,
consequentemente, na forma de contratação. Isto foi observado inicialmente com maior
destaque nos contratos de trabalho e de prestação de serviços públicos (transportes,
fornecimento de água e luz, correios e telefonia).
O que se observa a partir deste momento é o estremecer da concepção clássica de
contrato, fundada na premissa da igualdade entre as partes e nos princípios da liberdade
contratual e da vinculatividade dos contratos, que teve seu apogeu no período das
10
codificações. Surge, com a industrialização, uma nova concepção para de contrato.
Admite-se, a partir de então, uma nova forma de contratar e, além disso, uma nova
maneira de expressar a vontade. O princípio da liberdade e autonomia da vontade não
mais imperam solitários. Juntam-se a estes o princípio da função social do contrato que,
como elemento constituinte do fenômeno do dirigismo contratual, vem mitigar os dogmas
liberais através de uma maior intervenção estatal na regulamentação do direito contratual.
Em suma, o direito se transforma para adequar-se à realidade dos fatos e continuar sendo
uma ferramenta hábil para a solução de conflitos.
O primeiro jurista a se preocupar com o fenômeno dos contratos de adesão e analisá-
lo foi o francês RAYMOND SALEILLES (1901). Formado num contexto que valorizava a
autonomia privada – onde se inclui a possibilidade de participar do estabelecimento das
cláusulas contratuais – SALEILLES criticou fortemente o novo modelo. Alegou que nos
contratos de adesão há a predominância de uma só vontade, a do sujeito predisponente.
Este dita sua vontade unilateral não apenas a um indivíduo, mas a uma coletividade
indeterminada. Afirmou que os contratos de adesão – dentre os quais estavam os contratos
de trabalho e os de transportes – mais se assemelhavam às leis do que aos contratos e tal
característica deveria ser levada em conta no momento da interpretação do contrato.
CUSTODIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA observa que “os franceses negavam a
natureza contratual da figura que vimos examinando, considerando-a, antes, um ato
jurídico unilateral, sendo a adesão apenas a condição de eficácia deste ato”.9
De fato, a natureza contratual do instituto que estamos a examinar foi por muito
tempo discutida. Durante a primeira metade do século 20 a doutrina e jurisprudência
alemã entendiam que o contrato de adesão constituía uma categoria distinta dos demais
negócios contratuais.10 Atualmente o posicionamento doutrinário é pacífico no sentido de
admitir a natureza contratual para o contrato de adesão. Entende-se que o acordo de
9 MIRANDA, p. 72.
10 GARCIA-AMIGO, p. 5.
11
vontades se completa com a adesão, não obstante a inexistência de uma fase pré-
contratual destinada a discutir as cláusulas contratuais.
O reconhecimento do desequilíbrio substancial entre o proponente e o aderente não
representa óbice para que se admita a natureza contratual do instituto, pois há maneiras
de se preservar a equidade nas relações jurídicas desta natureza, como veremos nas seções
seguintes.
5. Natureza Jurídica
A questão acerca da natureza jurídica do contrato de adesão suscitou a manifestação
de várias correntes doutrinárias. Observa-se que a diversidade de abordagens pode ser
resultado da multiplicidade de dimensões que o tema comporta. Na realidade, faz-se
necessário distinguir os elementos constitutivos do contrato de adesão sob a perspectiva
do contrato como um processo.
Neste processo três elementos surgem sucessivamente. O primeiro elemento é o
conjunto de cláusulas gerais e abstratas idealizadas pelo sujeito predisponente. Estas
cláusulas, per si, merecem uma qualificação jurídica, independentemente das fases
subsequentes do processo de contratação. O segundo elemento é o ato do sujeito
predisponente de propor ao mercado as cláusulas gerais. Da mesma forma, há que se
identificar a natureza jurídica deste ato. Em terceiro lugar observa-se o ato de aceitação,
por adesão, do segundo contratante – ato que, para a maioria, consiste na manifestação de
vontade que aperfeiçoa o contrato.
Uma pesquisa sobre a posição dos renomados doutrinadores sobre o tema revelou
que a maior parte deles analisa o instituto sob a perspectiva da proposta das cláusulas
gerais ou com foco na aceitação do aderente. Daí classificamos as teorias em
normativistas, também denominadas de publicistas, e as contratualistas, também
denominadas de privatistas.
Teorias Publicistas
Também conhecidas como teorias normativistas ou anticontratualistas, as teorias
publicistas põe o foco na qualificação jurídica das cláusulas gerais entendendo-as como
12
uma fonte de direito autônoma. São, portanto, comparadas a normas que as empresas
impõem aos seus clientes. Estas teorias afastam-se do entendimento clássico de que o
fenômeno tem natureza de negócio jurídico estabelecido a partir da convergência das
vontades.
As normas criadas pelas empresas teriam a natureza de lex semelhantes, em
essência, às normas impostas pelo Estado. São gerais, impessoais e abstratas. A diferença
reside apenas na eficácia das normas que, sendo criadas pelas empresas, não têm eficácia
imediata, mas condicionada à eventual adesão.
A teoria do poder normativo da empresa justifica-se pelo fato das condições gerais
não serem estatuídas pelas partes, mas sim de forma unilateral de modo a equiparar o
predisponente ao Estado em seu poder legiferante.
MAURICE HAURIOU desenvolveu a TEORIA DA INSTITUIÇÃO segundo a qual o
contrato é, na realidade, o envoltório de uma situação institucional. HAURIOU distingue o
contrato que é transitório (ato jurídico) de uma instituição que é permanente (fato
jurídico). O conteúdo regulamentar (lex) criado pela empresa equipara-se, portanto, a uma
instituição e não a um contrato.11
LEON DUGUIT menciona as máquinas distribuidoras para exemplificar a adesão a
um estado de fato. Entende o referido autor que a esta adesão chamamos de contrato, mas
não no sentido clássico, pois aqui não há o encontro de vontades que acordam para
chegarem às cláusulas do contrato. O que há é apenas uma vontade que estabeleceu o
estado de fato, de ordem geral e permanente, e uma outra vontade que se serve, por
adesão, deste estado de fato.12
11 MIRANDA, p. 101.
12 MIRANDA, p. 102.
13
MANUEL GARCIA AMIGO, ao discorrer sobre a doutrina “juspublicista” expõe que o
contrato de adesão não era considerado contrato pelos defensores desta tese pois o
conteúdo contratual não era fruto do concurso das declarações de vontade:
“Se iniciaba uma corriente doctrinal em Francia, que encontro eco
principalmente entre los juspublicistas y cuya tesis básica se
centraba em afirmar que los llamados contracts d’adhesion no son
tales contratos; y ello porque el contenido normativo de los
mismos no se crea contractualmente – es decir, mediante el
concurso de las declaraciones de voluntad de las partes
interessadas em la relación contractual”.13
As críticas às teses normativistas concentram-se em afirmar que tais teorias têm
como objeto de análise as condições do contrato, as cláusulas declaradas pelo estipulante,
ao atribuírem a elas a natureza jurídica de direito objetivo. Além disso, utilizam como
exemplos situações próprias do serviço público colocando o tema sob o manto do direito
público quando, em essência, a questão é pertinente ao direito privado. Sendo o foco
colocado sobre as cláusulas gerais, pouca ou nenhuma importância é dada às declarações
dos aderentes que sucedem à proposta.
Numa visão mais atual sobre as cláusulas gerais de contrato, CUSTÓDIO DA PIEDADE
UBALDINO MIRANDA atribui a elas a natureza jurídica de proposta, ou seja, promessa de
contratar que chega a gerar um direito potestativo para os potenciais aderentes:
“Somos mais inclinados a crer que as condições gerais, uma vez
emitidas e colocadas à disposição do público, isto é, levadas ao
conhecimento deste, por qualquer forma, integram uma proposta
negocial, do gênero de uma promessa irrevogável de contratar,
gerando no aderente um direito potestativo, de emitir a declaração
13 GARCIA AMIGO, p. 100-101.
14
de aceitação, não mais podendo o estipulante eximir-se de contratar,
naquelas condições predispostas.”14
Teorias Privatistas
A corrente privatista, também denominada de contratualista, defende que a validade
do contrato de adesão advém da aceitação das condições gerais pelo aderente. A adesão
é a base consensual. Perceba-se que a análise dos privatistas enfatizará o momento da
aceitação do contrato pelo aderente, ao contrário da vertente publicista que, ao equiparar
as cláusulas propostas às normas, tinha na proposta do predisponente o objeto central de
sua análise.
Desta forma, a questão proposta pelos teóricos privatistas, girava em torno da
existência ou não da manifestação de vontade do aderente e em que pontos tal adesão
assemelha-se ou distingue-se da aceitação contratual no sentido clássico.
Em seu estudo sobre os contratos de adesão, G. DEREUX distinguiu dois tipos de
cláusulas: as essenciais e as acessórias. As cláusulas essenciais, segundo DEREUX, são
aquelas geralmente verbais ou manuscritas, estabelecidas no momento da manifestação
do aderente. Já as cláusulas acessórias são aquelas impressas, predeterminadas pelo
predisponente. Com relação às primeiras, DEREUX entende que são aceitas livremente
pelo aderente, ao contrário das cláusulas acessórias, as quais entende que são mal
conhecidas pelo aderente. Como consequência, haveria a primazia das cláusulas
essenciais sobre as acessórias em eventual conflito de disposições, principalmente quando
as cláusulas acessórias pudessem causar efeitos contrários aos interesses dos aderentes.
Atualmente entende-se que o contrato de adesão tem natureza jurídica de contrato
sendo a posição da Professora CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA uma excelente síntese da
posição majoritária atual:
14 MIRANDA, p. 152.
15
“O melhor entendimento é que os contratos de adesão têm
natureza jurídica de contrato, negócio jurídico bilateral, sendo
que a declaração de vontade do estipulante está na
predeterminação das cláusulas contratuais; sendo que a
declaração de vontade do aderente (aceitação) dá-se de diversas
maneiras, a mais comum é pela utilização do produto ou do
serviço (conduta social típica), bem como através do silencia
conclusivo.”15
A posição de CÍNTIA ROSA PEREIRA DE LIMA remete às teses de HAUPT sobre as
relações contratuais de fato que, posteriormente, com as contribuições de LARENZ acerca
das condutas socialmente típicas, flexibilizaram o rigor clássico do conceito de contrato
e da autonomia da vontade que, no início do século 19, pressupunha a possibilidade de
colmatar o conteúdo contratual por ambos os contratantes.
6. Contrato de Adesão no CDC e no Código Civil Brasileiro.
Embora a contratação por adesão, resultado da massificação da produção industrial,
exista há mais de um século, este instituto só foi incorporado à legislação brasileira em
1990, por ocasião da promulgação do Código de Defesa do Consumidor.
Nos termos do diploma consumerista o contrato de adesão é "aquele cujas cláusulas
tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo
fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo".16
O texto legal deixa transparecer a desigualdade material entre o predisponente
(fornecedor) que, unilateralmente, define as cláusulas gerais e o aderente (consumidor),
15 LIMA, p. 128.
16 Art. 54 da Lei 8.078 de 1990.
16
vulnerável, ao qual não resta outra opção além de “pegar ou largar”, vez que não tem
condições de discutir ou modificar as condições gerais.
O código tenta reestabelecer – ou, pelo menos, minimizar – o equilíbrio entre as
partes contratantes através de disposições que garantam ao aderente um conhecimento
adequado das cláusulas contratuais, principalmente daquelas que podem gerar alguma
limitação de seus direitos.
Como veremos a seguir, no estudo dos ordenamentos estrangeiros, o primeiro passo
legal para a proteção do aderente diante da desigualdade material em relação ao
proponente constou no artigo 1341 Código Civil Italiano de 194217. Ao dispor sobre as
“Condizioni generali di contratto”, o Código buscou garantir que o aderente tivesse o
conhecimento das cláusulas contratuais. Operacionalizou esta garantia obrigando que
cláusulas que representassem um potencial desequilíbrio em desfavor do consumidor
fossem estabelecidas expressamente por escrito. O Código de Defesa do Consumidor
também estabeleceu, em seu art. 54, formas de garantir senão o conhecimento, ao menos
a cognoscibilidade18 do conteúdo contratual.
A proteção dispensada ao aderente não se limitou à garantia de conhecimento das
cláusulas contratuais. O diploma consumerista regulou sobre o tratamento jurídico das
17 Le condizioni generali di contratto predisposte da uno dei contraenti sono efficaci nei confronti
dell'altro, se al momento della conclusione del contratto questi le ha conosciute o avrebbe dovuto conoscerle
usando l'ordinaria diligenza (1370, 2211).
In ogni caso non hanno effetto, se non sono specificamente approvate per iscritto, le condizioni che
stabiliscono, a favore di colui che le ha predisposte, limitazioni di responsabilità, (1229), facoltà di recedere
dal contratto(1373) o di sospenderne l'esecuzione, ovvero sanciscono a carico dell'altro contraente
decadenze (2964 e seguenti), limitazioni alla facoltà di opporre eccezioni (1462), restrizioni alla libertà
contrattuale nei rapporti coi terzi (1379, 2557, 2596), tacita proroga o rinnovazione del contratto, clausole
compromissorie (Cod. Proc. Civ. 808) o deroghe (Cod. Proc. Civ. 6) alla competenza dell'autorità
giudiziaria.
18 Por cognoscibilidade entende-se a possibilidade de tomar conhecimento já que é impossível
garantir que o consumidor, de fato, irá tomar conhecimento de todas as cláusulas. Este conceito observa o
modelo italiano do já referido artigo 1341 que dispõe “le ha conosciute o avrebbe dovuto conoscerle usando
l'ordinaria diligenza”
17
cláusulas ditas abusivas, além de elencar um rol não exaustivo com as cláusulas abusivas
mais comuns.
É de se destacar o entendimento sedimentado de que as hipóteses legais de cláusulas
abusivas constantes no art. 51 do CDC constituem rol exemplificativo. Cite-se, como
exemplo, o art. 56 do Decreto 2.181/97 que prevê a divulgação de elenco complementar
de cláusulas abusivas a ser editado anualmente pela Secretaria Nacional do Consumidor
(antes editadas pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça)19.
De fato, diversas portarias foram editadas pela Secretaria de Direito Econômico do
Ministério da Justiça ampliando o rol de cláusulas abusivas, dentre as quais podemos citar
as que:
estabeleçam prazos de carência na prestação ou fornecimento de serviços,
em caso de impontualidade das prestações ou mensalidades; 20
imponham, em caso de impontualidade, interrupção de serviço essencial,
sem aviso prévio; 21
estabeleçam sanções, em caso de atraso ou descumprimento da obrigação,
somente em desfavor do consumidor; 22
19 Art. 56. Na forma do art. 51 da Lei no 8.078, de 1990, e com o objetivo de orientar o Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor, a Secretaria Nacional do Consumidor divulgará, anualmente, elenco
complementar de cláusulas contratuais consideradas abusivas, notadamente para o fim de aplicação do
disposto no inciso IV do caput do art. 22. (Redação dada pelo Decreto nº 7.738, de 2012).
§ 1º Na elaboração do elenco referido no caput e posteriores inclusões, a consideração sobre a
abusividade de cláusulas contratuais se dará de forma genérica e abstrata.
§ 2º O elenco de cláusulas consideradas abusivas tem natureza meramente exemplificativa, não
impedindo que outras, também, possam vir a ser assim consideradas pelos órgãos da Administração Pública
incumbidos da defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor e
legislação correlata.
20 Portaria nº 4 de 1998 da SDE, item 1
21 Portaria nº 4 de 1998 da SDE, item 2
22 Portaria nº 4 de 1998 da SDE, item 6
18
obriguem o consumidor ao pagamento de honorários advocatícios sem que
haja ajuizamento de ação correspondente; 23
estabeleçam a cobrança de juros capitalizados mensalmente;24
autorize, em virtude de inadimplemento, o não fornecimento ao consumidor
de informações de posse do fornecedor, tais como: histórico escolar,
registros médicos, e demais do gênero;25
Ainda que se reconheça que os contratos de adesão são instrumentos mais comuns
no âmbito consumerista, admite-se também esta forma de contratação nas relações civis.
No entanto, o Código Civil não andou bem ao disciplinar esta forma de contratação. Sabe-
se que o legislador civilista de 2002 adotou a técnica de cláusulas abertas para regular
diversos institutos. No entanto, se esta foi a intenção ao tratar dos contratos de adesão,
deve-se reconhecer que foi malsucedida.
Há apenas dois artigos no Código Civil que disciplinam o contrato de adesão:
Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou
contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao
aderente. (Art. 423 do CC/2002)
Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a
renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do
negócio. (Art. 424 do CC/2002)
O primeiro artigo (423) destina-se ao intérprete das cláusulas contratuais. Esta
norma de interpretação – interpretatio contra stipulatorem – é necessária para diminuir a
desigualdade entre o predisponente e o aderente, mas não é suficiente para eliminá-la.
23 Portaria nº 4 de 1998 da SDE, item 9
24 Portaria nº 3 de 1999 da SDE, item 9
25 Portaria nº 3 de 2001 da SDE, item 6
19
Por outro lado, enquanto o Código de Defesa do Consumidor traz amplo rol
exemplificativo das cláusulas abusivas que devem ser consideradas nulas, o Código Civil
no seu artigo 424 limita-se a regular uma possibilidade de cláusula abusiva que enseja a
nulidade: aquela que estipula a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da
natureza do negócio. Atente-se para o fato de que tal cláusula não pode ser qualificada
como aberta. Melhor andaria o legislador se dispusesse de forma genérica que cláusulas
que implicassem em evidente e exagerada desvantagem ao aderente deveriam ser
consideradas nulas. Optou, no entanto, por adotar uma situação particular com um texto
de difícil interpretação.
Diante da insatisfatória regulamentação do instituto pelo Código Civil faz-se mister
que as situações de adesão em relações jurídicas não consumeristas sejam analisadas não
apenas à luz destes dois insuficientes artigos, mas a partir de uma visão mais aberta,
levando-se em conta os valores e princípios da função social do contrato e da boa-fé
objetiva, além de princípios constitucionais que vedam práticas tais como o abuso do
poder econômico (art. 173 § 4º da CF/88).
Contratos de Adesão no Comércio Eletrônico
É conveniente trazer ao debate a nova feição dada ao tema em função da difusão do
comércio que faz uso da tecnologia digital para a contratação. Nesta seara é oportuno
destacar o Decreto 7.962/2013 e, de lege ferenda, trazer alguns comentários sobre o
Projeto de Lei do Senado 281/2010 aprovado por aquela casa legislativa há poucas
semanas, em 30 de setembro de 2015.
O Decreto 7.962/2013 regulamenta o Código de Defesa do Consumidor no que toca
ao comércio eletrônico abordando três aspectos principais dos quais o primeiro é de
especial interesse: 1. Informações claras a respeito do produto e do fornecedor, 2.
Atendimento facilitado ao consumidor e 3. Exercício do direito de arrependimento.
O aspecto informacional é de interesse no âmbito dos contratos de adesão porque,
via de regra, a contratação por adesão feita nos meios eletrônicos tende a suprimir o real
acesso do aderente às cláusulas contratuais, ou por ser o conjunto de cláusulas
extremamente extenso, como raramente se vê em papel, ou por se exigir apenas um clique
20
como substituto da tradicional assinatura hológrafa ou ainda por se apresentar o conteúdo
do contrato apenas após a efetiva contratação.
Como se observa, a contratação através das ferramentas digitais telemáticas tende
a alienar o aderente das cláusulas contratuais. No intuito de sanar este déficit
informacional o Decreto 7.962/2013 estabelece em seu art. 4º, I, que o fornecedor deverá
apresentar um sumário do contrato antes da contratação. Além disso, o inciso IV dispõe
que o fornecedor deve disponibilizar ao consumidor, logo após a contratação, o conteúdo
do contrato em meio que permita sua conservação e reprodução.
Na mesma linha caminha o Projeto de Lei 281/2010 cujo objetivo é atualizar o
Código de Defesa do Consumidor incluindo no Capítulo V (“Das Práticas Comerciais”),
uma seção especialmente dedicada ao comércio eletrônico. As disposições referidas no
Decreto supramencionado estão contempladas no projeto que acaba por garantir um
número ainda maior de direitos ao consumidor como, por exemplo, a proteção dos dados
pessoais e a limitação das ofertas por meio eletrônico (SPAM – Sending and Posting
Advertisement in Mass).
7. Contrato de Adesão no Direito Estrangeiro
Diretiva 93/13 da Comunidade Europeia
A Diretiva 93/13 do Conselho impõe aos Estados-membros da Comunidade
Europeia um padrão mínimo de regulamentação referente às cláusulas abusivas entre
fornecedores e consumidores. A proposta é no sentido de que haja uma harmonização
entre as legislações dos Estados-membros no tocante à matéria, viabilizando a melhor
integração econômica da comunidade e potencializando a dinâmica comercial com
segurança jurídica.
É importante destacar que esta diretiva sobre cláusulas abusivas aplica-se apenas
aos contratos de adesão, quais sejam, aqueles nos quais as cláusulas não foram objeto de
negociação individual, ou seja, cláusulas em que o consumidor não pôde influir no seu
21
conteúdo. O fato do contrato ter cláusulas que foram previamente negociadas não
prejudica a aplicação das orientações da diretiva ao regular as cláusulas não negociadas.26
A definição de abusividade, dada pela diretiva, está relacionada a um desequilíbrio
significativo em detrimento do consumidor. Perceba-se, no entanto, que não é qualquer
desequilíbrio que caracteriza a abusividade da cláusula. O desequilíbrio deve ser
significativo, assim como no direito pátrio exige-se a “desvantagem exagerada”.27
A diretiva se propõe a preservar o equilíbrio de forças – ou, pelo menos, minimizar
o desequilíbrio – entre o fornecedor, predisponente das cláusulas, e o consumidor
dispondo sobre os seguintes aspectos:
i. Cognoscibilidade – Todas as medidas devem ser adotadas para que
o consumidor tome conhecimento do conteúdo das cláusulas e as
entenda. Para tanto, determina-se que as cláusulas sejam redigidas
de forma clara e compreensível.
ii. Interpretação mais favorável – A regra de interpretação determina
que, em casos de dúvida sobre o significado de uma cláusula,
deverá prevalecer a interpretação mais favorável ao consumidor.
iii. Não vinculação das cláusulas – o remédio indicado pela diretiva
para as cláusulas abusivas é a não vinculação do consumidor a estas
cláusulas, subsistindo o resto do contrato, no que for possível,
vinculando as partes naquilo que não for abusivo.
iv. Análise de abusividade em abstrato através de órgãos
administrativos – A diretiva dispõe que os Estados-membros
devem oferecer meios adequados e eficazes para por fim à
26 O art. 3º da Diretiva 93/13 dispõe que “O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma
cláusula isolada terem sido objecto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao
resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão”.
Tal dispositivo encontra norma análoga no direito pátrio: “A inserção de cláusula no formulário não
desfigura a natureza de adesão do contrato”. (art. 54, § 1º da Lei 8.078/90)
27 Ao compararmos com o direito pátrio, temos as cláusulas que “estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade” (art. 51, IV da Lei 8.078/90).
22
utilização de cláusulas abusivas. Dentre estes meios está a
habilitação de pessoas ou organizações com legitimidade para atuar
junto aos tribunais ou órgãos administrativos na defesa dos
interesses coletivos.
Além das disposições mencionadas acima, a diretiva traz um anexo com um rol
indicativo (não exaustivo) de cláusulas abusivas.
Itália (cláusulas abusivas)
A legislação italiana foi a primeira a incorporar o conceito de condições gerais do
contrato (“Condizioni generali di contratto”). O Código Civil de 1942 em seu artigo 1341
dispôs sobre o instituto condicionando a eficácia das cláusulas ao conhecimento que o
aderente possuía ou deveria possuir sobre elas no momento da celebração. O diploma
civil não entrava no mérito da abusividade das cláusulas, mas apenas exigia a
cognoscibilidade.
Três anos após a edição da Diretiva 93/13/CE, em 1996, o Código Civil italiano foi
reformado para se adaptar às disposições da diretiva. O legislador italiano adicionou o
Capítulo XIV-bis (“Dei Contratti Del Consumatore”) ao Título II (“Dei Contratti in
Generale”) do seu livro de Obrigações. Este capítulo versa essencialmente sobre as
cláusulas abusivas (“Clausole vessatorie”) entendidas como aquelas que representam um
significativo desequilíbrio de direitos e obrigações decorrentes do contrato em desfavor
do consumidor.28
Segue-se, naquele diploma, um rol de cláusulas abusivas que em muito se
assemelham ao da diretiva que lhe serviu de base. Dentre elas temos, por exemplo, as que
se destinam a limitar a responsabilidade do fornecedor em caso de morte, dano ou
inadimplemento; as que obrigam o consumidor inadimplente ou em mora a um
28 “Nel contratto concluso tra il consumatore e il professionista, che ha per oggetto la cessione di
beni o la prestazione di servizi, si considerano vessatorie le clausole che, malgrado la buona fede,
determinano a carico del consumatore un significativo squilibrio dei diritti e degli obbblighi derivanti dal
contratto.” Art. 1469-bis
23
pagamento excessivo a título de multa ou cláusula penal ou ainda cláusulas que permitam
ao fornecedor a alteração unilateral das condições do contrato, preço e características do
objeto contratado.
Ademais, os dispositivos constantes no referido capítulo refletem as normas da
diretiva. Dentre elas cita-se a obrigação das cláusulas serem escritas de forma clara e
compreensível (1469-quater), a perda da eficácia em face do consumidor das cláusulas
consideradas abusivas (1469-quinquies) e a legitimidade de instituições representativas
dos consumidores para o ajuizamento de ações objetivando-se inibir o uso das cláusulas
abusivas.
8. Conclusão
Nesta breve análise sobre os contratos de adesão e as condições gerais de contrato
foi possível discorrer sobre as condições sociais e econômicas que criaram um ambiente
favorável para o surgimento desta modalidade contratual. Restou claro que a
possibilidade do estabelecimento unilateral de cláusulas contratuais tende a beneficiar o
estipulante em detrimento do aderente. Por tal razão fez-se necessária a intervenção
estatal para, através de legislação protetiva, propiciar o equilíbrio de forças entre os
contratantes.
Se a racionalidade econômica da sociedade de consumo tornou impossível para os
fornecedores a negociação individualizada de cada negócio jurídico, culminando com
diferentes textos contratuais, invoca-se a mesma racionalidade para justificar a
impossibilidade material do aderente ler e conhecer cada cláusula predisposta pelo
fornecedor. Desta forma, se é inviável ao fornecedor negociar de forma individualizada
cada contrato de fornecimento, é igualmente inviável ao aderente a leitura e análise das
inúmeras cláusulas gerais de contrato às quais este se submete. Desta forma, para se
preservar a racionalidade econômica de ambos os lados bem como o equilíbrio e justiça
da contratação em massa, não há outra alternativa senão aquela que prevê a atuação do
Estado no sentido de coibir os abusos por parte dos fornecedores predisponentes das
cláusulas dos contratos de adesão.
24
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25
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