41
5/17/2018 ContratoSocial-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 1/41 UNIP – UNIVERSIDADE PAULISTA FICHAMENTO DO LIVRO “O CONTATO SOCIAL” ASSIS – SP 2011

Contrato Social

Embed Size (px)

Citation preview

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 1/41

UNIP – UNIVERSIDADE PAULISTA

FICHAMENTO DO LIVRO “O CONTATO SOCIAL”

ASSIS – SP

2011

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 2/41

UNIP – UNIVERSIDADE PAULISTA

FICHAMENTO DO LIVRO “O CONTRATO SOCIAL”

Fechamento do livro “O Contrato Social”de Jean-Jacques Rousseau,apresentado a disciplina de CiênciaPolítica do Curso de Direito, 2°semestre, da Universidade Paulista –UNIP, campus, Assis, 2011.

Docente: Prof. Luiz Fernando Rocha.

Discentes: Larissa Alves dos SantosRA: A7583H-0

ASSIS – SP

2011

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 3/41

Livro I

No Livro I, Rousseau propõe investigar se pode haver, na ordem civil, alguma

regra de administração, legítima e segura, que tome os homens como são e asleis como podem ser, cuidando sempre de ligar o que o direito sanciona com o

que o interesse prescreve, a fim de que a justiça e a utilidade não se

encontrem divididas.

Capitulo I

Assunto desse Primeiro Livro

O homem que nasceu livre hoje se encontra limitado pela ordem

social, até mesmo o que governa os demais. Como ocorreu a mudança do

estado natural ao civilizado Rousseau diz ignorar, mas propõe descobrir o que

legitima tal fato.

Considerando apenas a força e o efeito derivado da mudança, é

certo o homem obedecer a coerção que sofre pela ordem social. Mais certo

ainda é questioná-la quando necessário, pois possui pleno direito para tanto.

Todavia, a ordem social é um direito que alicerça todos os demais e se

fundamenta em convenções e não na natureza.

II – Das Primeiras Sociedades

 A família é a primeira das sociedades e a única natural. Os filhos

se submetem aos pais apenas enquanto necessário para sua conservação. Se

permanecerem por mais tempo não será naturalmente, mas por convenção.

Desfeita a ligação entre estes, todos voltam ao estado de independência,

sendo cada um o seu próprio senhor a proteger sua individual conservação.

 A família é também o primeiro modelo das sociedades políticas. O

pai representa o chefe e os filhos o povo, sendo todos nascidos livres e iguais e

que alienam a liberdade apenas em função da utilidade. A diferença é que o paisente amor pelos filhos e o chefe sente prazer em comandar.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 4/41

III – Do Direito do Mais Forte

Se a força não se converter em direito e a obediência em dever, o

mais forte não será sempre o senhor, pois ceder à força é um ato de

necessidade ou prudência e não de vontade. Se o direito vem da força, então

poderia uma força maior sobrepor legitimamente tal direito, uma vez que o mais

forte tem sempre razão. Assim, Rousseau afirma que a força não faz direito e

que só se deve obedecer à legítima autoridade.

IV – Da Escravidão

Se um homem não possui autoridade natural sobre outro e se a

força não produz direito, restam as convenções como base da autoridade

legítima entre os homens.

Neste sentido, Rousseau refuta a afirmação de Grotius de que um

povo pode alienar a sua liberdade e tornar-se escravo de um rei em troca desubsistência ou tranqüilidade civil. Sobre a premissa inicial, diz ser o rei quem

retira a subsistência do povo em favor da própria. Quanto à tranqüilidade civil,

Rousseau lembra que as guerras causadas pela ambição e avidez do rei

afligem mais que as dissensões do povo. Também, a tranqüilidade não é

fundamento absoluto no sentido de que também se vive tranquilamente em um

calabouço, por exemplo. Afirmar que um homem se aliena gratuitamente é

inconcebível e quem o faz não se encontra de posse de seu juízo. Supor a

alienação de um povo inteiro é loucura, e loucura não faz direito.

Supondo, então, a alienação de cada indivíduo, estes não

poderiam alienar seus filhos, visto que nascem livres e que apenas eles podem

dispor de si próprios quando atingirem a idade da razão. Um governo arbitrário

só seria legítimo se cada geração fosse senhor de admiti-lo ou rejeitá-lo, mas

assim tal governo já não seria arbitrário.

Renunciar à liberdade é renunciar a qualidade de ser humano e

não há compensação possível para quem a renuncie. É vão e contraditório

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 5/41

estipular uma convenção entre uma autoridade absoluta de um lado e uma

obediência sem limites de outro.

Sobre a origem do direito de escravizar proveniente da guerra,

onde o individuo vencido abre mão da liberdade para não ser morto pelo

vencedor, Rousseau lembra que o direito de matar os vencidos não resulta de

um estado de guerra pelo simples fato de que os homens na primitiva

independência não possuíam relações tão freqüentes que configurem estado

de guerra ou estado de paz. A guerra é constituída pela relação das coisas, de

Estado para Estado, onde os particulares são acidentalmente inimigos apenas

enquanto defensores do Estado, na qualidade de soldados que, se rendendo

ou se depondo, deixam de ser inimigos e voltam a ser simplesmente homens,

não podendo outros dispor sobre suas vidas.

Se o direito de conquista se fundamenta na lei do mais forte e se

a guerra não dá direito de massacrar os vencidos, a escravatura também não

 justifica. Mesmo se admitisse o direito de tudo matar, os conquistados só

obedecem porque são forçados.

Por qualquer lado que se observe, o direito de escravizar é nulo por ser 

ilegítimo e absurdo. As palavras direito e escravatura são contraditórias.

V – É Preciso Remontar Sempre a um Primeiro Convênio

Submeter uma multidão não é reger uma sociedade. Mesmo

considerando como ajuntamento, o seu chefe continua um particular que

possui interesse distinto do interesse dos subjugados.

Um povo é um povo antes de se submeter a um líder e este ato

de doação pressupõe uma decisão pública. Todavia, o ato que institui um povo

como tal, que verdadeiramente fundamenta a sociedade, é anterior ao ato pelo

qual se elege o rei. Se não houvesse tal convênio anterior, não haveria

obrigação dos poucos indivíduos se submeterem à escolha da maioria.

VI – Do Pacto Social

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 6/41

Rousseau supõe que os indivíduos se uniram para transpor os

obstáculos que sozinhos, em seu estado natural, não conseguiriam. A raça

humana não sobreviveria sem a força proporcionada pela união.

 A soma das forças surge apenas quando muitas pessoas se

unem. Entretanto, a liberdade e a força são os principais instrumentos de

conservação individual. O contrato social, assim, é o ato necessário para que a

união preserve cada individuo e seus respectivos bens, obedecendo a si

próprio e livre como antes.

 As cláusulas do contrato social, embora nunca enunciadas, são

reconhecidamente iguais em todos os lugares. Tais cláusulas são de tal modo

determinadas pela natureza do ato que qualquer alteração o anula e, infringido

o pacto social, os indivíduos voltam à liberdade natural e perdem a liberdade

contratada.

Todas as disposições do contrato se reduzem na alienação total e

sem reservas do indivíduo e seus direitos em favor da comunidade. Se todo

individuo assim procede, a condição é igual para todos e não há motivos se

onerar os demais. Se alguém resguardar qualquer direito, a falta de um juiz

comum entre este e os demais faria com que cada indivíduo julgasse, além dos

próprios atos, os atos dos demais, o que tornaria a associação tirânica ou

inoperante.

Cada qual, se doando a todos, não se doa a ninguém. Se ganha o

que se perde e mais força para conservar o que possui. Cada um deposita sua

pessoa e seu poder sob a direção geral e recebe cada um coletivamente como

parte indivisível do todo.

O pacto social produz um corpo moral e coletivo composto pela

totalidade dos indivíduos que o instituiu. A pessoa pública formada pela soma

das demais é conhecida como República ou corpo político, enquanto os

associados recebem o nome de povo, cidadãos ou súditos, dependendo do

contexto.

VII – Do Soberano

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 7/41

O ato de associação corresponde um acordo recíproco do público

com os particulares. Cada indivíduo se acha obrigado como membro do

soberano para com os particulares e como membro do estado para com o

soberano. O indivíduo não está obrigado consigo, mas com o todo do qual faz

parte.

 A deliberação pública que obriga os súditos em face do soberano

não pode obrigar o soberano em face de si mesmo. É contra a natureza de o

corpo político impor uma lei ao soberano não se pode infringir. Isso não

significa que esse corpo não pode se comprometer com outros quando não

derrogue o contrato, pois em relação ao estrangeiro esse corpo se torna um ser 

simples, um indivíduo.

Todavia, esse corpo político ou soberano não pode se obrigar a

nada que derrogue o contrato, como alienar parte de si ou se submeter a outro

soberano. Violar o ato que o institui implica em aniquilar-se.

Formado o corpo político, um ato contra um membro implica em

um ato contra o corpo. Também, um ato contra o corpo implica em um ato

contra seus membros. O dever e o interesse obrigam as duas partes

contratantes a se ajudarem. Os mesmo homens devem buscar reunir as

vantagens dessa dupla relação.

Sendo o soberano composto apenas pelos indivíduos que o

compõe, não tem e não pode ter interesse contrário ao deles, prejudicando-os.

 Assim, o soberano não precisa dar garantias aos súditos. O soberano é o que

deve ser.

Entretanto, este caso não se aplica dos indivíduos em relação ao

soberano. Ninguém responderia seus compromissos se não encontrasse meios

de assegurar-se de sua felicidade.

Cada indivíduo, como homem, pode ter interesse particular 

distinto do interesse comum, como cidadão. Como sua existência independente

do contrato, tende ele considerar que sua obrigação à causa comum é uma

contribuição gratuita. Visto que o Estado é um ser moral e não humano, tende

a gozar os direitos de cidadão sem querer cumprir os deveres de súdito.

Para que o pacto social não constitua um ato vão, todo o corpo constrangerá o

individuo a obedecer à vontade gera

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 8/41

VIII – Do Estado Civil

 A passagem do estado natural ao civil produz transformações no

homem, substituindo o instinto pela justiça e conferindo moralidade às suasações. O homem se vê obrigado a agir conforme princípios distintos dos

naturais. Ao entrar no estado civil, o homem passa de animal estúpido a um ser 

inteligente.

Esta mudança implica em perdas e ganhos. Com o contrato

social, o homem perde a liberdade natural e o direito ilimitado sobre as coisas.

Em contrapartida, ganha liberdade civil, liberdade moral e propriedade do que

possui. A liberdade natural é limitada pela força individual e a civil pela vontade

geral. A liberdade moral é o que torna o homem senhor de si, enquanto o

impulso do mero apetite é escravidão.

IX – Do Domínio Real

Os indivíduos alienam a si, seus recursos e seus bens à

comunidade no ato de sua formação. A natureza da posse não muda se

tornando propriedade nas mãos do Estado, mas a posse pública é mais forte e

mais irrevogável que a individual. O Estado, perante seus súditos, é o senhor 

de todos os bens pelo contrato social. Entretanto, perante outras potências, é

senhor pelo direito de primeiro ocupante concedido pelos súditos.

O direito de primeiro ocupante apenas se torna verdadeiro direito

após o direito de propriedade se estabelecer. O homem tem direito ao que lhe

é necessário, mas o ato positivo, que o torna proprietário, o exclui de todo o

resto. Tornando-se proprietário de seus bens, o homem deve se limitar a estes,

sem nenhum direito à comunidade, que explica o fato de o direito de primeiro

ocupante, tão frágil no estado de natureza, ser respeitável pelos homens civis.

Para se autorizar o direito de primeiro ocupante devem ser 

observadas três condições: que o terreno não seja habitado por ninguém, que

só ocupe a porção que lhe é necessário e que se tome posse não por 

cerimônia, mas pelo trabalho e cultivo, sinais de propriedade na ausência de

títulos jurídicos e que devem ser respeitados pelos outros.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 9/41

Neste sentido, Rousseau demonstra a ilegitimidade de ocupações

que não obedeçam estas condições com o exemplo da colonização espanhola

nas Américas com Vasco Nomes Balboa, qualificando-as como usurpação

punível.

 As terras dos indivíduos, reunidas e contiguas, se tornaram

território público, e o direito de soberania, que se estendia sobre os súditos,

tornaram suas propriedades reais e pessoais, criando uma dependência ainda

maior dos possuidores que utilizam suas forças para a sua felicidade. Reis

antigos, que não percebiam essa vantagem, se denominavam reis dos povos,

como rei dos persas. Reis de hoje, mais hábeis, se intitulam reis dos territórios,

como rei da Espanha. Dominando os territórios se fazem mais confiantes para

dominar os habitantes.

Uma peculiaridade dessa alienação é o fato de a comunidade

aceitando as terras dos particulares, ao passo de destituí-los, os garante posse

legítima, transformando a usurpação em direito, a fruição em propriedade e os

possuidores em depositários do bem público, com seus direitos respeitados

pelos membros do Estado e sustentados contra o estrangeiro.

Também pode ocorrer de os homens se unirem sem

propriedades. Apossando-se posteriormente de qualquer terreno, podem usá-lo

comunitariamente ou dividi-lo, seja em partes iguais ou em partes apontadas

pelo soberano. Independente de como se adquire a propriedade, o direito do

particular sobre os seus bens está subordinado ao direito que a comunidade

tem sobre tudo.

LIVRO II

I – A SOBERANIA É INALIENÁVEL

Somente a vontade geral pode dirigir as forças do Estado,

segundo o fim de sua instituição, o bem comum. Enquanto a oposição de

interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, a

conciliação destes mesmos interesses é que a tornou possível. Assim, se as

sociedades foram estabelecidas através da conciliação dos interesses

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 10/41

particulares, é unicamente à base desse interesse comum que se deve

governar a sociedade.

 A soberania é o exercício da vontade geral, inalienável. O

soberano é um ser coletivo e só pode ser representado por si. É possível

transmitir o poder, mas não a vontade.

Embora seja possível fazer uma vontade particular concordar com

a vontade geral em torno de algum ponto, é impossível que este acordo seja

durável e constante, pois a vontade particular tente às preferências e a vontade

geral tente à igualdade. Mais impossível é um fiador deste acordo, pois se

houvesse seria um efeito do acaso. O soberano pode desejar o que um homem

deseja atualmente, mas não pode desejar o que o homem desejará depois.

Não há poder que possa obrigar o ser que deseja a consentir algo contrário ao

seu próprio bem. Se o povo promete simplesmente obedecer, perde a condição

de povo e se dissolve por este ato. Se houver um senhor não haverá soberano

e o corpo político se dissolverá.

Todavia, as ordens dos chefes podem ser consideradas como

vontades gerais mesmo quando o corpo soberano não se opõe quando poderia

se opor. O silêncio deve presumir consentimento.

II – A SOBERANIA É INDIVISÍVEL

 A soberania é indivisível porque a vontade é geral ou não o é. A

declaração da vontade geral é um ato soberano e é lei. A declaração de uma

parte é uma vontade particular ou ato de magistratura – um decreto, no

máximo.

Não podendo dividir a soberania em princípio, os políticos a

dividem em seus fins e objeto, em força e vontade, em poder executivo,

legislativo, judiciário, etc., ora confundindo as partes, ora separando-as. Fazem

do soberano um ser formado de peças relacionadas, como um homem feito de

membros de diferentes corpos. Após desmembrar o corpo social com

habilidade e prestígio ilusórios, unem as diferentes partes não se sabe como.

Este erro provém de que não houve noções exatas da autoridade

soberana, considerando como partes integrantes da autoridade o que eram

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 11/41

apenas emanações dela. Assim, considerou-se, por exemplo, o ato de

declaração de guerra como atos de soberania, o que é falso, posto que se trata

de aplicação da lei e não de uma lei.

Observado assim as outras divisões descobrirá que sempre se

incorre no mesmo erro. É ilusória a divisão da soberania. Os direitos tomados

como parte da soberania lhe são subordinados e sempre supõe vontades

supremas, dos quais esses direitos só dão a execução.

Essa inexatidão tem obscurecido os escritos de direito político

quando pretendem julgar o direito dos reis e dos povos. Grotius e seu tradutor,

Barbeyrac, por exemplo, desejando agradar os reis, os revestiu de todos os

direitos possíveis ao passo que despojavam do povo qualquer direito através

de dificultosos sofismas. Se eles adotassem os verdadeiros princípios não

encontrariam dificuldade e seriam conseqüentes. Todavia, a verdade não

conduz à fortuna e o povo não concede embaixadas ou pensões.

III – A VONTADE GERAL PODE ERRAR

 A vontade geral é sempre reta e tende à utilidade pública, mas

nem todas as deliberações possuem a mesma retidão. Sempre se quer o

próprio bem, mas nem sempre o vê. Não se corrompe um povo, mas o pode

enganar.

Há diferenças entre a vontade de todos e a vontade geral: esta

olha o interesse comum e a outra o interesse privado, soma de vontades

particulares. A vontade geral é o resultado da soma das vontades particulares

subtraídas das vontades que reciprocamente se destroem.

 A deliberação será boa e a vontade geral se dará pela soma das

pequenas diferenças se o povo estiver informado adequadamente e os

cidadãos permanecerem incomunicáveis. Todavia, se houver intrigas, facções

e associações parciais à custa da associação geral, conclui-se que não há

tantos votantes quanto são os homens, mas tantos quanto forem as

associações. As diferenças serão mais numerosas e o resultado menos geral.

Se uma associação for grande ao ponto de sobrepujar as demais, o resultado

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 12/41

será não a soma das diferenças, mas a diferença única. A vontade geral será

substituída pela opinião particular.

Para o perfeito enunciado da vontade geral não pode haver 

sociedade parcial e todo o cidadão deve manifestar o próprio pensamento. Se

houver sociedades parciais será necessário multiplicar o seu número e prevenir 

a desigualdade entre elas.

IV – DOS LIMITES DO PODER SOBERANO

O Estado e as cidades são pessoas morais que dependem da

união de seus membros. É preciso uma força universal e compulsória quemova suas partes da forma mais conveniente à totalidade. A natureza dá ao

homem o comando de seus membros, o pacto social dá ao corpo político o

poder absoluto sobre os seus. O poder absoluto dirigido pela vontade geral é a

soberania.

Todavia, é necessário considerar as pessoas privadas que

compõe a pessoa pública, distinguindo os direitos dos cidadãos e do soberano,

os deveres como súditos e direitos como homens.

Convém que se alienem poderes, liberdades e bens dos

indivíduos apenas na medida em que são necessários à sociedade. Só o

soberano pode ser juiz desse interesse.

Os serviços que o cidadão pode prestar ao Estado, se solicitado,

constitui um dever. Todavia, não deve o Estado exigir prestação de serviço

inútil à comunidade.

Os compromissos que nos ligam ao Estado só são obrigatórios

por serem recíprocos. Não se pode trabalhar para outrem sem trabalhar para

si. A igualdade de direito e a noção de justiça que produz derivam da

preferência que cada qual se atribui. A vontade geral deve existir em seu objeto

e em sua essência, deve partir de todos para se aplicar a todos.

Quando se trata de um direito ou fato particular sem regulação

geral e prévia, torna-se um processo contencioso, com particulares

interessados como uma parte e o público outra, no qual não há lei ou juiz

adequado. Uma expressa decisão da vontade geral seria apenas a conclusão

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 13/41

de uma das partes, uma vontade estranha, particular e inclinada. Como a

vontade particular pode não representar a vontade geral, a vontade geral muda

de natureza quando cuida de um objeto particular e não pode decidir nem

sobre um homem ou fato específico. Quando o povo de Atenas nomeava ou

destituía seus chefes por meio de decretos particulares, por exemplo, agia

como magistrado e carecia da vontade geral propriamente dita.

O que generaliza a vontade é o interesse comum e não o número

de vozes; pois, numa instituição, os indivíduos se submetem às mesmas

condições que impõe aos outros: acordo do interesse e da justiça, que confere

igualdade às deliberações comuns, que desvanece na discussão dos negócios

particulares, na falta de um interesse comum que uma e identifique o juízo do

 juiz com o da parte.

De qualquer ângulo que se analise o princípio, conclui-se sempre

que o pacto social estabelece a igualdade entre todos, colocando-os em

mesmas condições e os fazendo usufruir dos mesmos direitos.

Todo ato de soberania, que é todo ato autêntico da vontade geral,

obriga ou favorece da mesma forma que o soberano conheça apenas o corpo

da nação sem distinguir os corpos que a compõe. O ato de soberania não é um

convênio entre o superior e o inferior, mas uma convenção do corpo com cada

um dos seus membros: convenção legítima porque se baseia no contrato

social; equitativa por ser comum a todos; útil por se importar apenas com o

bem geral, por possuir como fiadores a força do público e o poder supremo.

Enquanto os súditos se encontrarem submissos apenas a tais convenções,

obedecerão unicamente à própria vontade. Perguntar até onde vão os poderes

do soberano e dos cidadãos é perguntar até onde estes se empenham consigo,

cada um com todos e todos com cada um.

O poder do soberano, absoluto, sagrado e inviolável não pode

passar dos limites das convenções gerais, e que todo cidadão pode dispor da

parte de bens e liberdade que lhe foi deixada por essas convenções. O

soberano jamais pode sobrecarregar um vassalo mais que outro, pois assim

torna-se o negocio particular e cessa a competência do poder.

 Admitidas estas distinções, tem-se como falso haver no contrato

dos particulares qualquer renúncia verdadeira, dado que a situaçãoestabelecida pelo contrato é mais vantajosa que a situação anterior. Em lugar 

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 14/41

de alienação, fizeram uma troca vantajosa, do incerto e precário para o certo e

vantajoso, da independência natural pela liberdade, do poder de causar dano

ao próximo pela segurança, da força pelo direito que a união torna invencível. A

vida fica continuamente protegida pelo Estado, e quando a expõe na defesa do

Estado apenas se devolve o que dele receberam. Fazem apenas o que teriam

feito, e com maior perigo, no estado natural, defendendo o que lhes serve para

conservá-la. É verdade que todos devem lutar em defesa da pátria, mas

ninguém precisa combater para a própria defesa. Em relação à segurança, se

ganha quando nos dispomos a correr os riscos que seríamos necessários

correr em nosso favor tão logo despojados desta.

V – DO DIREITO DE VIDA E MORTE

Perguntam-se como os particulares podem transferir ao soberano

o direito de dispor de suas próprias vidas, direito que eles mesmos não

possuem. Todo homem pode arriscar a própria vida a fim de conservá-la, da

mesma forma que não se culpa por cometer suicídio quem pula da janela para

escapar de incêndio e aquele que embarca em navio e morre durante a

tempestade.

O tratado social tem por objetivo a conservação dos contratantes.

Quem quer o fim quer também os meios, e os meios são inseparáveis de

alguns riscos e perdas. Quem quer conservar a vida a expensas dos outros

deve dá-la por eles quando necessário. O cidadão não é o juiz do perigo que a

lei o expõe, e quando o príncipe diz que é útil ao Estado a morte do cidadão ele

deve morrer, pois viveu em segurança sob essa condição até então, e a vida

não é mais uma mercê da natureza, mas um dom condicional do Estado.

 A pena de morte imposta aos criminosos deve ser encarada

assim: para não ser vítima de um assassino é que se consente em morrer,

sendo o caso. Não se trata de dispor da própria vida, mas de garanti-la. Não se

presume que um contratante premedite se enforcar.

Todo malfeitor torna-se traidor da pátria ao atacar o direito social,

ao violar suas leis. Deixa de ser membro e chega mesmo a declarar guerra. A

conservação do Estado torna-se incompatível com a sua e é preciso que um

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 15/41

dos dois pereça. O condenado à morte é mais inimigo que cidadão. O direito de

guerra manda matar o vencido.

 A condenação de um criminoso é um ato particular. É um direito

que o soberano pode conferir sem o poder exercer pessoalmente.

 Ademais, a freqüência dos suplícios constitui sinal de fraqueza ou

negligência do Governo. Não há malvados que não pode ser útil para algo. Não

há direito de matar, nem como exemplo, senão aquele que não se pode

conservar sem perigo.

O direito de isentar um culpado da pena é exclusivo do soberano,

que está acima da lei e do juiz. Este direito não está bem nítido e o seu uso

tem sido raro. Num Estado bem governado há poucas punições não pela

concessão de graças, mas por haver poucos criminosos. A quantidade de

crimes assegura a impunidade, quando o Estado se deteriora. Na República

romana nem o Senado, cônsules ou o povo não concedia graças. Os indultos

freqüentes são indícios de que em breve os criminosos não mais precisarão

deles e cada um pode ver onde isso nos conduzir 

VI – DA LEI

O pacto social apenas formou o corpo político; a legislação é que

dará vontade e movimento para garantir a conservação deste corpo.

O que é bom e harmônico o é pela própria natureza das coisas,

pois toda a justiça emana de Deus, sua única fonte. Todavia, o homem não

sabe recebê-la prontamente; se soubesse não seria necessário nem governo e

nem leis. Existe uma justiça universal que emana da razão, mas que precisa

ser recíproca para ser admitida entre nós. São vãs as leis dessa justiça à falta

de sanção natural, pois se tende a observá-la nos outros e não consigo,

favorecendo o mal e prejudicando o bom. Assim se faz necessárias

convenções e leis para unir os direitos e deveres e orientar a justiça ao seu

objetivo. No estado natural nada se devia àqueles a quem nada se prometeu;

só se reconhecia como de outrem aquilo que se considerava inútil para si. No

estado civil, porém, os direitos são fixados por lei.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 16/41

Como dito, de modo algum há vontade geral sobre um objeto

particular que esteja dentro ou fora do Estado, pois seria uma vontade estranha

ao objeto. Se o objeto está no Estado, ambos constituem seres distintos – o

objeto e o todo sem o objeto. Também, o todo menos uma parte não é mais

todo, e sua vontade deixa de ser a vontade geral sobre a parte que lhe foi

subtraída.

Quando o povo estatui sobre o povo, só a si mesmo considera. A

relação que se forma é do objeto inteiro visto pelo mesmo objeto inteiro, sem

nenhuma divisão. Então a matéria que se estatui passa a ser geral, da mesma

forma que é geral a vontade que a estatui. A este ato é o que se chama de Lei.

Quando se diz que o objeto da Lei é sempre geral é porque a Lei

considera os vassalos e as ações de forma abstrata, jamais como indivíduos e

ações particulares. Destarte, a Lei pode estatuir sobre privilégios e instituir 

classe de cidadãos, mas não pode privilegiar ou nomear individualmente os

cidadãos; pode estabelecer um governo real e uma sucessão hereditária, mas

não pode eleger um rei ou nomear uma família real. Toda função que se

relacione com o objeto individual não pertence de nenhum modo ao poder 

legislativo.

 Assentada essa idéia, é supérfluo perguntar a quem compete

fazer as leis, dado que emanam da vontade geral; nem se o príncipe se

encontra acima das leis, dado que é membro do Estado; nem se a lei pode ser 

injusta, dado que ninguém é injusto consigo mesmo; nem em que sentido nós

somos livres e sujeitos às leis, dado que estas são apenas registros de nossas

vontades.

É evidente que tudo que um homem ordena de sua cabeça, seja

ele quem for, não é lei; também, o que o corpo soberano ordena sobre um

objeto particular não é lei. É um decreto, não uma lei; É ato de magistratura,

não ato de soberania.

República é todo Estado regido por leis, independente da forma

de administração, pois é o interesse público que governa. O termo republicano

não deve ser entendido apenas como aristocracia ou democracia, mas todo o

governo dirigido pela vontade geral. Todo o governo legítimo é republicano, e

para ser legítimo não é necessário que o governo se confunda com o

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 17/41

soberano, mas que seja o seu ministro; assim sendo, a própria monarquia

torna-se república.

 As leis são as condições de associação civil. O povo que se

submete às leis deve ser o autor das mesmas; compete aos que se associam

regulamentar as condições de sociedade. O povo deseja sempre o bem de si

mesmo, mas nem sempre o vê, de si mesmo. A vontade geral é sempre reta,

mas o julgamento que a dirige nem sempre é esclarecido. É preciso fazê-lo ver 

os objetos tais como são e muitas vezes como devem parecer-lhes. É preciso

mostrar o bom caminho, afastar as vontades particulares, aproximar dos seus

olhos os lugares e os tempos, equilibrar o encanto das vantagens presentes e

sensíveis com o perigo dos males afastados e ocultos. Os particulares sabem o

que rejeitam, o público deseja o bem que não vê. Todos necessitam de guias; é

preciso obrigar uns a conformarem suas vontades com sua razão; é necessário

ensinar a reconhecer o que pretende. Assim, das inteligências públicas resulta

a união do entendimento e da vontade no corpo social; dá o exato concurso

das partes e maior força do todo. Daí surge então a necessidade de um

legislador .

VI – DA LEGISLAÇÃO

Para se descobrir as leis mais convenientes às nações seria

preciso uma inteligência superior, que conhecesse as paixões e o íntimo

humano, mas que não fosse influenciado por estes fatores; cuja felicidade

independesse dos homens, mas que se ocupasse da felicidade destes; que

trabalhasse em um século para se glorificar em outro. Haveria necessidade dedeuses para dar leis aos homens.

O mesmo raciocínio que Calígula fazia dos fatos, Platão, em seu

diálogo A Política, o fez do direito a fim de definir o homem civil ou real. Mas se

um grande príncipe é um homem raro, quanto mais raro seria um grande

legislador? Ao príncipe basta seguir o modelo proposto pelo legislador. O

legislador é o mecânico que inventa a máquina, o príncipe é o operário que a

faz funcionar. Diz Montesquieu que no nascimento das sociedades os chefes

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 18/41

das repúblicas criam as instituições, e depois as instituições é que formam os

chefes das repúblicas.

 Aquele que ousa a instituir um povo deve sentir-se capaz de

mudar a natureza humana; transformar um indivíduo, um todo perfeito e

solidário, em parte de um todo maior; lhe retirar a força física e independente

que todos recebem da natureza e lhe dar uma força estranha, parcial e moral,

que não possa utilizar sem a ajuda alheia. Quanto mais se extingue as forças

naturais, mais sólida e perfeita é a instituição. Se cada cidadão nada é, nada

pode ser sem a ajuda dos outros, e a força adquirida pelo todo é igual ou

superior à soma das forças naturais dos indivíduos, conclui-se que a legislação

se encontra no ponto mais alto de perfeição que possa ser atingido.

O legislador é, de qualquer ponto de vista, um homem

extraordinário no Estado. Se o é pelo seu gênio, não o é menos pelo seu cargo.

Este emprego, que constitui a república, não entra em sua constituição; não se

relaciona à magistratura ou soberania; é função particular e superior e que

nada tem em comum com o império humano; pois, se quem dirige os homens

não pode dirigir as leis, o mesmo motivo impede que quem dirige as leis dirija

os homens, pois o sentido das leis seria alterado por intuitos particulares.

 Ao dar leis à sua pátria, Liturgo começou por abdicar a realeza.

Cidades gregas costumavam confiar a legislação à estrangeiros – Genebra fez

o mesmo e achou-se bem. Roma, todavia, viu renascer todos os crimes de

tirania e quase pereceram por reunir nas mesmas cabeças a autoridade

legislativa e o poder soberano. Entretanto, os próprios decênviros – os

magistrados romanos – nunca se deram o direito de forçar a introdução de uma

lei que redigiam. Pediam o consentimento do povo para transformar em lei o

que propunham.

Quem redige as leis não deve ter nenhum direito legislativo e o

próprio povo não pode despojar-se desse direito, pois a vontade geral é a única

que obriga os particulares, e nenhuma vontade particular pode ter reconhecida

sua conformidade com a vontade geral senão após ser submetida aos

sufrágios populares.

 Assim, acham-se na obra da legislação duas coisas

aparentemente incompatíveis: um empreendimento sobre-humano executadopor uma autoridade que nada representa.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 19/41

Note-se outra dificuldade: os sábios não conseguiriam fazer o

povo entender a sua linguagem – há mil idéias impossíveis de traduzir na

língua do povo. Da mesma maneira, idéiam bastante gerais e objetos

excessivamente distantes ficam incompreensíveis. O indivíduo dificilmente

percebe vantagens nas privações impostas pelas boas leis, pois não apreciam

outro plano de governo senão o relacionado com o seu interesse particular.

Para que um povo nascente possa seguir as regras fundamentais da razão do

Estado, seria indispensável que o efeito tornasse causa que o espírito social

presidisse a própria instituição.

 Assim, já que o legislador não pode usar a força ou o raciocínio, é

necessário recorrer à intervenção celeste para conduzir sem violência e

persuadir sem convencer, a fim de que os povos obedeçam com liberdade e

aceitem docilmente o jugo da felicidade pública.

Esta é a razão pela qual o legislador põe na boca dos imortais as

decisões, a fim de conduzir, através da autoridade divina, os que não seriam

abalados pela prudência humana. Mas não é dado a qualquer homem fazer os

deuses falarem, nem ser acreditado como intérprete deles. O elevado espírito

do legislador é o verdadeiro milagre que deve provar sua missão. Todo homem

pode simular um comércio secreto com alguma divindade ou encontrar outros

meios grosseiros para se impor ao povo, mas jamais fundará um império. Vãos

prestígios formam apenas um laço passageiro; não há senão a sabedoria para

torná-lo durável. A lei judaica, que há séculos vem regendo metade do mundo,

ainda hoje proclama os grandes homens que as ditaram, e enquanto a vã

filosofia e o espírito cego de partido os vêem como felizes impostores, o

verdadeiro político admira em suas instituições o gênio que preside aos

estabelecimentos duradouros.

Não se deve concluir, como Warburton, que a política e a religião

tenham entre nós um objeto comum, mas que, na origem das nações, uma

serve de instrumento para a outra.

VIII – DO POVO

O grande arquiteto observa se o solo sustenta o peso daquilo que

sobre ele construirá, o sábio instituidor deve examinar anteriormente se o povo

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 20/41

está apto a aceitar as boas leis que redigirá. Por isso Platão se recusou a dar 

leis aos árcades e cirenaicos, que eram ricos e não admitiriam a igualdade.

Também por isso se viu em Creta leis perfeitas e homens perversos, pois

Minos disciplinara um povo sobrecarregado de vícios.

Brilharam muitas nações que não suportariam boas leis, e as que

admitiram duraram pouco. Os povos e os homens são dóceis na juventude,

mas tornam-se incorrigíveis ao envelhecerem. Enraizados os costumes e

preconceitos, torna-se perigoso e inútil pretender reformá-los; sequer 

concordam que lhe toquem os males para destruí-los, à semelhança de

estúpidos e doentes na presença de um médico.

Todavia, ao contrário de certas enfermidades que causam

amnésia aos homens, épocas violentas ou revolucionárias podem fazer o

horror do passado substituir o esquecimento, e o Estado incendiado pelas

guerras civis rejuvenescer e escapar da morte. Foi o que ocorreu em Esparta à

época de Licurgo, em Roma após Traquinos e na Suíça e Holanda após a

expulsão dos tiranos.

Esses acontecimentos, todavia, são raros e o motivo se encontra

na constituição do Estado excetuado. Não ocorrem duas vezes em um mesmo

povo, o qual se torna livre enquanto bárbaro, mas não quando a alçada civil se

apresenta gasta. As agitações, então, podem destruí-lo ao passo de o

restabelecer; e rompido seus grilhões, deixa de existir. Daí em diante, passa a

necessitar de um senhor, e não de um libertador. Pode-se adquirir a liberdade,

mas nunca recobrá-la.

Há para as nações um tempo de maturidade que é preciso

esperar para sujeitá-las às leis, mas esta maturidade não é fácil de conhecer, e

se antecipada, aborta a obra. Certo povo pode ser disciplinado ao nascer, mas

outro não o será mesmo após dez séculos. Os russos nunca serão

verdadeiramente policiados, pois o foram muito cedo. Pedro o Grande tinha

talento imitativo e não o que cria tudo do nada. Sabia que seu povo era

bárbaro, mas não percebeu que estava despreparado para a polícia. Quis, de

início, transformá-lo em civilizados como ingleses e alemães quando era

preciso fazê-los aguerridos, russos. Impediu os vassalos de serem o que

podiam ser. O império russo desejará subjugar a Europa, mas acabarásubjugado. Os tártaros, seus vassalos ou vizinhos se tornarão seus senhores e

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 21/41

de toda a Europa e esta revolução parece infalível. Todos os reis da Europa

trabalham de comum acordo para acelerá-la.

IX – DO POVO (CONTINUAÇÃO)

 Assim como a natureza definiu adequadamente a estatura de um

homem bem conformado, fez o mesmo ao Estado limitando-lhe a sua

extensão, para que não seja muito grande para ser bem governado e nem

muito pequeno para manter-se por si mesmo. Quanto mais o Estado se

expande, mais se afrouxa o laço social. Em geral, um pequeno Estado é

proporcionalmente mais forte que um grande.Mil razões demonstram essa máxima. A administração, em

primeiro lugar, torna-se mais penosa nas grandes distâncias. Torna-se mais

onerosa à medida que os degraus se multiplicam: a administração da cidade é

paga pelo povo, bem como a administração da província, dos grandes

governos, as satrapias, os vice-reinados e até a administração suprema, que

sobrecarrega os vassalos. Longe de serem melhor governados por essas

diferentes ordens, preferível fosse um só desses governos a dirigi-los. Sobram

apenas recursos para os casos extraordinários, e quando a eles se recorre é

que se encontra o Estado à beira da ruína.

Não somente o governo possui menos vigor e rapidez para fazer 

observar as leis nos pontos distantes como também o povo demonstra menor 

afeição aos chefes, aos quais a pátria se assemelha ao mundo e a maioria dos

concidadãos lhe é estranha. As mesmas leis não podem ser adequadas a

províncias diversas, com costumes e climas diversos, e que não admitem a

mesma forma de governo. Leis diferentes engendram perturbação e confusão

aos povos. Os talentos permanecem ocultos, as virtudes ignoradas e os vícios

impunes. Os chefes nada vêem por si e os comissários é que governam o

Estado. Enfim, as medidas necessárias à manutenção da autoridade geral

absorvem todos os cuidados públicos, deixando para a felicidade do povo

apenas o indispensável à sua defesa em caso de necessidade. Um corpo muito

grande é esmagado pelo próprio peso.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 22/41

De outro lado, deve o Estado fornecer-se determinada base para

contar com solidez, para resistir aos sacolejos e esforços que despenderá para

se manter; porque todos os povos possuem uma força centrífuga pela qual

tendem a engrandecer-se à custa dos vizinhos, como os turbilhões de

Descartes. Assim, os fracos correm risco de ser engolidos, e ninguém se

conserva senão colocando-se em relação a todos numa espécie de equilíbrio.

Vêem-se então razões para alargar e estreitar os limites do

Estado, e não constitui talento político algum encontrar a proporção mais

vantajosa à conservação do Estado. Pode-se dizer que as razões para alargar,

exteriores e relativas, devem ser subordinadas às razões de estreitar, que são

internas e absolutas. Uma boa constituição é prioridade, e deve-se

preferencialmente contar com a vigor de um bom governo que com recursos de

um grande território.

LIVROIII

Capitulo I

Rousseau conservou as primeiras notas para as Instituições

políticas uma contradição sentimental. Toda ação livre tem duas causas que

ocorrem em sua produção: uma moral, que é a vontade de determina o ato

outra física, que é o poder que a executa. Quando me dirijo a um objetivo é

preciso, primeiro que eu queria ir até ele, e em segundo lugar que meus pés

me levam até lá. Queria um paralitico correr mais não o queria um homem ágil

ambos ficará no mesmo lugar. O corpo político tem os mesmos moveis.

Distinguem-se nele a força e a vontade, esta sobre o nome de poder legislativo

e aquela de poder executivo. Nada nele se faz, nem se deve fazer, sem o seu

concurso.

Vimos que o poder legislativo pertence ao povo e não pode

pertencer senão e a ele. Fácil é ver, pelo contrário, baseando-se nos princípios

acima estabelecendo que o poder executivo não possa pertencer á

generalidade, como legisladora ou soberana, porque esse poder só consiste

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 23/41

em atos particulares que não são absolutamente da alçada da lei, nem

conseqüentemente da do soberano, cujos atos só podem ser leis.

Que será, pois o governo?É corpo intermediário estabelecido

entre os súditos e os soberanos para sua mutua correspondência encarregado

da execução das leis e da manutenção da liberdade tanto do civil como da

política.

Os membros desse corpo chamam-se magistrados ou reis isto é

governante e o corpo em seu todo recebe o nome de príncipe. Tem muita

razão aqueles que pertencem não ser um contrato em absoluto o ato pelo qual

um povo se submete a chefes. Isto não passa de modo algum de uma

comissão de um emprego, no qual como simples funcionários do soberano

exercem em seu nome o poder limitar, modificar e retomar quando lhe

aprouver. Sendo incompatível com a natureza do corpo social, a alienação de

tal direito é contrario ao objetivo da associação.

Além disso, jamais se poderia alterar qualquer dos três termos

sem romper, de pronto, a proporção. Se o soberano que governar ou se

magistrado que fazer leis ou, ainda Bse os súditos recusam-se a obedecer, a

desordenar toma o lugar da regra, a força e voltam de não agem mais de

acordo e o estado em dissolução cai assim no despotismo ou na anarquia.

Enfim como não há senão uma media proporcional para cada relação, não há

mais que um bom governo possível para cada estado. Como porem inúmeros

acontecimentos pode mudar as relações de um povo, não só diversos

governos podem ser bons para diferentes povos, mais também para o mesmo

povo em épocas diferentes.

Por outro lado, crescimento do estado oferecendo aos

depositários da autoridade publica mais tentações e meios de abusar de seu

poder, mais força deve ter o direito ter o governo para conter o povo e mais

força devera ter o soberano de sua parte para conter o governo. Não me refiro

aqui a uma força absoluta, mais a força relativa das variáveis prestes do estado

O governo é um ponto pequeno o que o corpo político, que

encerra é em ponto grande. É uma pessoa moral dotada de certas faculdades

ativa como o soberano passiva como o estado, que pode ser decomposta em

outras relações semelhantes donde, por conseqüências nasce uma proporçãonova e desta outra ainda de acordo com a ordem dos tribunais até se alcance o

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 24/41

termo médio indivisível isto é um único chefe ou magistrado supremo que se

pode ser representado no centro dessa progressão como a unidade entre a

serie das frações e as dos números.

De todas essas diferenças nascem as varias relações que o

governo deve ter como corpo do estado segundo as relações acidentais e

particulares pelas quais esse estado é modificado. Freqüentemente melhor 

governo pode tornar-se o mais cicioso, se suas relações não forem alteradas

segundo os defeitos do corpo político ao qual pertence.

Capitulo II

Do principio que constitui as varias formas de governo

A fim de expor a causa geral dessas diferenças, impõe-se

distinguir neste ponto entre o príncipe e o governo como acima fiz com o

estado e o soberano

O corpo do magistrado pode ser composto de um maior ou

menor número de membros. Dissemos já que relação do soberano com os

vassalos era tanto maior quanto mais numeroso fosse o povo, e, por evidenteanalogia, o mesmo pode dizer do governo em relação aos magistrados.

E possível distinguir na pessoa do magistrado três vontades

essencialmente diferentes. De início, à-vontade própria do indivíduo, que só

propende em favor de seu interesse particular; em segundo lugar, à-vontade

comum dos magistrados, que apenas se relaciona ao que ao príncipe

interessa, ou se a, à vontade do corpo como pode ser chamada, a qual é geral

em relação ao governo, e particular relativamente ao Estado, de que o governofaz parte; em terceiro lugar, a vontade do povo ou a vontade soberana, que é

geral em relação ao Estado, considerada como um todo, como também em

relação ao governo, considerado como parte desse todo.

Numa legislação perfeita, a vontade particular ou individual deve

ser nula; a vontade do corpo, própria ao governo, bastante subordinada; e, por 

conseguinte, a vontade geral ou soberana sempre dominante é a regra das às

outras.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 25/41

Contrariamente, de acordo com a ordem natural, essas diversas

vontades se tornam mais ativas à medida se concentram. Assim, a vontade

geral revela-se sempre a mais débil, a vontade do corpo a segunda em

categoria, e a vontade particular a primeira de todas; de sorte que, no governo,

cada membro e, antes de qualquer coisa, ele mesmo, e depois magistrado, e

em seguida cidadão, graduação diretamente oposta àexigida pela ordem

social.

Posto isto, ponha-se o governo por inteiro nas mãos de um só

homem e eis completamente reunido à-vontade particular e a vontade do

corpo, e reunidas, em conseqüência, no mais alto grau de intensidade que

possa existir. Ora, como é do grau da vontade que depende o uso da força, e

como a força absoluta do governo em nada varia, infere-se que o mais ativo

dos governos é o exercido por uma só pessoa.

São incontestáveis essas relações, e outras considerações

servem ainda para confirmá-las. Vê-se, por exemplo, que cada um dos

magistrados é mais ativo em seu corpo que cada cidadão no seu, e que, por 

conseguinte, a vontade particular tem muito mais influência nos atos do

governo que nos do soberano; isto pelo fato de que cada um dos magistrados

está quase sempre incumbido de alguma função governamental, enquanto que

cada cidadão, tomado à parte, não possui nenhuma função de soberania. De

resto, quanto mais o Estado se estende, mais sua força real aumenta, embora

não aumente por motivo de sua extensão; ao passo que, permanecendo o

Estado estacionário, por mais que se multipliquem os magistrados, não adquire

o governo maior força real, pois que esta força é a força do Estado, cuja

medida sempre igual. Assim sendo, diminui a força relativa ou a atividade do

governo, sem que sua força absoluta ou real possa aumentar.

É ainda certa que a expedição dos negócios se torna mais lenta, à

medida que maior número de pessoas é isso encarregada; que, fazendo-se

maiores concessões à prudência, não se concede o bastante à fortuna, permite

que fuja a oportunidade; e que, à força de deliberar, perde-se por vezes o fruto

da liberação.

Ademais, não falo aqui senão da força relativa do governo, e

não de sua; porque, ao contrário,quanto mais numerosos são os magistrados,mais a vontade do corpo se aproxima da vontade geral; enquanto que, sob um

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 26/41

magistrado único, essa mesma vontade do corpo, como eu o disse, não é

senão uma vontade particular. Perde-se assim por um lado o que se vem a

ganhar por outro, e a arte do legislador consiste em saber fixar o ponto em que

a força e a vontade do governo, sempre em proporção recíproca, se combinem

na relação que ofereça mais vantagens ao Estado.

III – Divisão dos governos.

O soberano pode de início, confiar o depósito do governo ao povo

em conjunto ou à maioria do povo, de modo a haver maior número de cidadãos

magistrados que simples cidadãos particulares. Dá-se a essa forma de governoo nome de democracia.

Ou pode então restringir o governo entre as mãos de um pequeno

número, de sorte a haver maior número de cidadãos particulares que de

magistrados, e esta forma de governo recebe o nome de aristocracia.

Finalmente, pode o soberano concentrar todo o governo em mãos

de um magistrado único, do qual todos os demais recebem o poder. Esta

terceira forma é a mais comum de todas, e chama-se monarquia, ou governo

real.

Devo assinalar que todas essas formas, ou ao menos as duas

primeiras, são suscetíveis de maior ou menor e mesmo de grande latitude,

porque a democracia pode abarcar todo o povo, ou então restringir-seaté a

metade. A aristocracia, por sua vez, pode restringir-se da metade do povo até

indeterminadamente ao menor número. A própria monarquia é suscetível de

alguma partilha. Esparta, de acordo com sua constituição, sempre teve dois

reis, e houve, no Império romano, até oito imperadores imultamente, sem que

por isso se pudesse dizer que o Império estava dividido. Assim sendo, existe

um ponto em que cada forma de governo se confunde com a seguinte, e vê-se

que apenas sob três formas de domínio já se mostra o governo capaz de

adquirir tantos aspectos diversos quantos cidadãos possui o Estado.

Se, nos diferentes Estados, o número de supremos magistrados

deve estar constituído em razão inversa do número dos cidadãos, segue-se

que, em geral, o governo democrático é o que mais convém aos pequenos

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 27/41

Estados; o aristocrático aos Estados médios; e a monarquia aos grandes.

Extrai-se esta regra imediatamente do princípio; mas como contar a infinidade

de circunstâncias capazes de fornecer as exceções

IV – Da democracia.

Quem faz a lei sabe melhor que ninguém como deve ser ela

executada e interpretada. Parece, pois, que não se poderia ter melhor 

constituição que essa em que o poder executivo está unido ao legislativo; mas

injustamente isso que torna esse governo sob certos aspectos insuficiente,

uma vez que a coisa que deveriam ser diferenciadas não o é, e o príncipe e osoberano, sendo a mesma pessoa, não formam, por assim dizer, senão um

governo sem governo.

 Ademais, que de coisas difíceis de reunir não supõe tal governo?

Primeiramente, um Estado bastante pequeno, em que seja fácil congregar o

povo, e onde cada cidadão possa facilmente conhecer todos os outros; em

segundo lugar, uma grande simplicidade de costumes, que antecipe a multidão

de negócios as discussões espinhosas; em seguida, bastante igualdade nas

classes e nas riquezas, sem o que igualdade não poderia subsistir muito tempo

nos direitos e na autoridade; enfim, pouco ou nenhum luxo; porque ou o luxo é

o efeito das riquezas, ou as torna necessárias, já que corrompem ao mesmo

tempo ricos. Pobres, um pela posse, outro pela cobiça, vende a pátria à

lassidão e à vaidade, e afasta do Estado todos os cidadãos, submetendo-os

uns aos outros, e todos à opinião.

 Acrescentemos que não há governo tão sujeito às guerras civis e

às agitações intestinas como democrático ou popular, pois que não há nenhum

outro que tenda tão freqüente e continuamente a mudar de forma, nem que

demande mais vigilância e coragem para se manter na sua. É, sobretudo nessa

constituição de governo que o cidadão se deve armar de força e constância, e

dizer em cada dia de sua vida, no fundo do coração, o que dizia um virtuoso

palatino na dieta da Polônia: Malo periculosamlibertatem quam quietum

servitium.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 28/41

Se houvesse um povo de deuses, ele se governaria

democraticamente. Tão perfeito governo não convém aos homens.

V – Da aristocracia.

Temos aqui duas pessoas morais distintas, a saber, o governo e o

soberano, e, por conseguinte, duas vontades gerais: uma concernente a todos

os cidadãos; outra, apenas aos membros da administração.

 Assim sendo, embora possa o governo regulamentar sua polícia

interior como bem lhe aprouver, só poderá falar ao povo em nome do

soberano, isto é, em nome do próprio povo, coisa que jamais se deveesquecer.

 As primeiras sociedades governaram-se aristocraticamente. Os

chefes de família deliberavam entre si sobre os negócios públicos. Os jovens

cediam sem dificuldade perante a autoridade da experiência. Daí os nomes de

padres, anciãos, senado, gerentes. Os selvagens da América setentrional

ainda assim se governam em nossos dias, e são muito bem governados.

Há, pois, três espécies de aristocracia: natural, eletiva e

hereditária. A primeira não convém senão a povos simples; a terceira é o pior 

de todos os governos; a segunda é a melhor: é a aristocracia propriamente

dita.

Numa palavra, a ordem mais justa e natural é a em que os mais

sábios governem a multidão, quando estamos seguros de que a governarão

em benefício dela, e não em benefício próprio. Não é de nenhum modo

necessário multiplicar em vão as alçadas, nem fazer com vinte mil homens o

que cem homens escolhidos fazem ainda melhor. Deve-se, porém, assinalar 

que o interesse do corpo começa aqui a dirigir com menos eficiência a força do

público no que tange à vontade geral, e que outro declive inevitável subtrai às

leis uma parte do poder executivo.

 A respeito das conveniências particulares, não convém nem um

Estado tão pequeno, nem um povo tão simples e reto, que a execução das leis

resulte imediatamente da vontade pública, como numa boa democracia.

Também não convém uma tão grande nação em que os chefes esparsos para

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 29/41

governá-la possam decidir à revelia do soberano, em seus respectivos

departamentos, e começar por se tornarem independentes e virem a serem,

em seguida, os senhores. De resto, se esta forma de governo comporta certa

desigualdade de riqueza, isto acontece para que ingerisse a administração dos

negócios públicos seja confiada aos que vem dela cuidar, empregando todo

uso tempo, e não como pretende Aristóteles, por serem ricos sempre os

preferidos. Ao contrário, inconveniente que uma escolha oposta ensine por 

vezes ao povo que há, no mérito dos homens, razões de preferência mais

importantes que a riqueza.

VI – Da monarquia.

Até aqui, consideramos o príncipe como uma pessoa moral e

coletiva, unida pela força das leis, depositária no Estado do poder executivo.

Temos agora a considerar este poder reunido em mãos de uma pessoa natural,

de um homem real, único investido do direito de dele dispor segundo as leis. É

o que se chama um monarca ou um rei.

 Ao contrário das outras administrações, em que um ser coletivo

representa um indivíduo, nesta aqui é um indivíduo que representa um ser 

coletivo; desse modo, a unidade moral que constitui o príncipe uma unidade

física, na qual todas as faculdades que a lei reuniu na outra, com tantos

esforços, se achem naturalmente reunidas. Assim, a vontade do povo, e a

vontade do príncipe, e a força pública do Estado, e a força particular do

governo, tudo enfim responde ao mesmo móbil; todas as molas da máquina

estão na mesma mão, tudo caminha para o mesmo objetivo: não há

movimentos adversos que se destruam mutuamente, e não se pode imaginar 

nenhuma espécie de constituição em que um esforço menor produza uma ação

mais considerável. Arquimedes, tranqüilamente sentado na praia, segando sem

dificuldade um grande navio, representa a meu ver um hábil monarca, a dirigir 

de seu gabinete seus vastos Estados, e a fazer com que tudo se mova dando a

impressão de que permanece imóvel.

Mas se governo não há mais rigoroso que este também outro não

há em que a vontade particular se jamais respeitada e mais facilmente domine

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 30/41

as outras: tudo caminha para o mesmo objetivo, é verdade, mas esse objetivo

não é o da felicidade pública; e a própria força da administração gira sem

cessar em prejuízo do Estado.

Os reis desejam ser absolutos, e de longe lhes bradamos que a

melhor maneira de o serem consiste em se fazerem amar por seus povos. Esta

máxima é muito bela e verdadeira em certo sentido. Infelizmente, sempre rirão

disso nas cortes. O poder oriundo do amor dos povos é sem dúvida o maior,

mas precário incondicional; os príncipes jamais se contentarão com ele. Os

melhores reis desejam ser malvados, quando lhes apetece, sem cessarem de

serem os senhores. Por mais que se esforce um orador político em que a força

do povo é a sua própria e de que seu maior interesse deve consistir em que o

povo seja florescente, numeroso, temível, eles sabem perfeitamente que tal

coisa não é verdade. Seu interesse pessoal está, antes de tudo, em que o povo

seja débil, miserável, e jamais lhes possa resistir. Confesso que, imaginando os

vassalos sempre inteiramente submissos, me parece que o interesse dos

príncipes residiria na existência de um povo poderoso, a fim de que, sendo dele

tal poder, o tornasse temido de seus vizinhos; como, porém, tal interesse é

secundário e subordinado, as duas suposições se mostram incompatíveis, é

natural que os príncipes dêem sempre preferência à sentença mais

imediatamente útil para eles; é o que Samuel, com vigor, apontava aos

hebreus, é o que Maquiavel demonstrou com evidência. Fingindo dar lições aos

reis, deu-as ele, e grandes, aos povos. O Príncipe de Maquiavel é o livro dos

republicanos.

Vimos, através das relações gerais, que a monarquia só é

conveniente aos vastos Estados, e o mesmo achará examinando-a em si

mesma. Quanto mais numerosa for a administração pública, mais apelação

entre o príncipe e os vassalos diminui e se aproxima da igualdade, de sorte que

tal relação é uma ou a própria igualdade na democracia. [Essa mesma relação

aumenta à medida que o governo se contrai, atinge o seu máximo quando o

governo se acha em mãos de uma única pessoa. Passa a haver então uma

enorme distância entre o príncipe e o povo, e o Estado carecem de ligação.

Para formá-la, são necessárias as ordens intermediárias: príncipes, grandes,

nobreza, que as devem preencher. Ora, nada do que foi dito convém a umpequeno Estado, pois, antes, o arruínam.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 31/41

Contudo, se é difícil que um grande Estado seja bem governado,

é mais difícil ainda sê-lo por um só homem, e todos sabem o que sucede

quando o rei nomeia substitutos.

Um defeito essencial e inevitável, que sempre porá o governo

monárquico abaixo do republicano, está em que, neste, último, a voz pública

quase nunca eleva aos primeiros postos homens que não sejam esclarecidos e

capazes e não os ocupem com dignidade; ao passo que, nas monarquias os

que se elevam é, as mais das vezes, pequenos rixentos, pequenos velhacos,

pequeno intrigantes, cujos pequenos engenhos, que permitem, nas cortes,

alcançar os grandes postos, só lhes servem para demonstrar ao público o

quanto são ineptos, tão logo aí consigam chegar. No tocante a essa escolha, o

povo se engana bem menos que o príncipe, de sorte que é quase tão raro

encontrar um homem de real mérito no ministério quanto um tolo à testa de um

governo republicano. Quando acontece, por um desses felizes acasos, que um

desses homens nascidos para governar toma o timão dos negócios, numa

monarquia quase arruinada por esses acervos de belos regentes, fica-se

surpreso dos recursos por ele encontrados, e tal coisa faz época no país.

Para que um Estado monárquico possa ser bem governado, seria

preciso que sua grandeza ou extensão fosse mensurada conforme a faculdade

de quem governa. É mais fácil conquistar que administrar. Com uma alavanca

adequada pode-se abalar o mundo; mas, para sustentá-lo, são necessários os

ombros de Hércules. Por pequena que seja a grandeza de um Estado, o

príncipe é sempre demasiado pequeno.

Quando, ao contrário, acontece de o Estado ser muito pequeno

para o porte de seu chefe, o que, de resto, é muito raro, é ainda assim mal

governado, porque o chefe, seguindo sempre a grandeza de seus alvos,

esquece os interesses dos povos, e não os faz menos infelizes, pelo abuso do

excessivo talento, que um chefe limitado, por carecer de talento. Seria preciso,

por assim dizer, que um reino se expandisse ou se restringisse, em cada

reinado, de acordo com a capacidade do príncipe; ao passo que os dotes de

um senado, tendo medidas mais fixas, pode impor ao Estado constantes

limitações e não prejudicar administração.

Inconveniente mais sensível do governo de uma única pessoaconsiste na falta dessa sucessão contínua, que forma nos dois outros uma

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 32/41

ligação ininterrupta. As eleições abrem intervalos perigosos; são tempestuosos;

e a menos que os cidadãos sejam de um desinteresse, de uma integridade

acima dos méritos desse governo, as disputas e a corrupção se misturam. É

difícil que aquele, a quem o Estado foi vendido, não o venda por seu turno, e

não se indenize, à custa dos fracos, do dinheiro, que os poderosos lhe

extorquiram. Cedo ou tarde, tudo se torna venal sob semelhante administração,

e a paz de que se desfruta sob o governo dos reis passa a ser então pior que a

desordem dos interregnos.

Que foi feito para prevenir esses males? Fez-se com que, em

certas famílias, as coroas se tornassem hereditárias, e estabeleceu-se uma

ordem de sucessão que previne qualquer disputa em conseqüência da morte

dos reis; isto é, substituindo-se o inconveniente das regências ao das eleições,

preferiu-se uma aparência tranqüila a uma administração sábia, e se achou

melhor correr o risco de ter por chefes crianças, monstros e imbecis, a ter de

questionar sobre a escolha de bons reis. Não se considerou que,expondo-se

assim aos riscos da alternativa, colocam-se quase todas as oportunidades

contra si mesmo.

Uma seqüência dessa falta de coerência é a inconstância do

governo real, que, regulando-se, ora por um plano, ora por outro, segundo o

caráter do príncipe que reina ou dos que reinam por ele, não pode ter por muito

tempo um objetivo fixo nem uma conduta conseqüente, variação que faz o

Estado flutuar permanentemente de máxima em máxima, de projeto em

projeto, e que não tem lugar nas outras formas de governo em que o príncipe é

sempre o mesmo. Vê-se também, em geral, que, se há mais astúcia numa

corte, há mais sabedoria num senado, e que as repúblicas perseguem seus

objetivos por meios mais constantes e melhor seguidos; isso porque, cada

revolução no ministério provoca outra, e a máxima comum a todos os ministros

e a quase todos os reis é a de fazer em tudo o contrário de seu predecessor.

Dessa mesma incoerência tira-se ainda a solução dum sofisma

muito familiar aos políticos realistas: não apenas a de comparar o governo civil

ao governo doméstico, o príncipe ao pai de família, erro já refutado, como

ainda a de dar liberalmente a esse magistrado todas as virtudes de que ele

necessitaria, e até sempre supor que o príncipe é de fato o que deveria ser,suposição com a ajuda da qual o governo do rei é evidentemente preferível a

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 33/41

qualquer outro, pois que é sem contestação o mais forte, e, para ser também o

melhor, só lhe falta uma vontade de corpo mais conforme com a vontade geral.

Mas, se consoante Platão, o rei, por natureza, é um personagem

tão raro, quantas vezes concorrem natureza e a fortuna para coroá-lo? E se a

educação real corrompe necessariamente os que a recebem, que se deve

esperar de uma seqüência de homens distinguidos para reinar? É, portanto,

querer o governo real com o governo de um bom rei. Para ver o que é esse

governo em si mesmo, deve-se considerá-lo sob o mando de príncipes

limitados ou perversos, pois como tais chegarão ao trono ou o trono os tornará

tais.

Essas dificuldades não escaparam aos nossos autores; mas eles

não se embaraçaram nisso. O remédio consiste, disseram eles, em obedecer 

sem murmurar. Deus, em sua cólera, dá os maus reis, e é preciso suportá-los

como castigo do céu. Tal opinião é sem dúvida edificante; mas, parece-me, que

calharia melhor no púlpito que num livro de política. Que dizer de um médico

que promete milagres, e cuja arte reside apenas em exortar o doente à

paciência? Sabe-se perfeitamente que é preciso padecer um mau governo,

quando se o tem; a questão consistirá em encontrar um bom.

VII – Dos governos mistos.

Propriamente falando, não há governo simples. É necessário a

um chefe único possuir magistrados subalternos; é indispensável a um governo

popular ter um chefe. Assim, na partilha do poder executivo há sempre

gradação do grande número ao menor, com a diferença que ora é o grande

número que depende do pequeno, ora é o pequeno que depende do grande.

 Algumas vezes ocorre uma divisão igual, seja quando as partes

constitutivas estão em mútua dependência, como no governo da Inglaterra,

seja quando a autoridade de cada parte é independente, mas imperfeita, como

na Polônia. Esta última forma é má, pelo fato de não haver unidade no governo

e de ao Estado faltar ligação.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 34/41

Qual é melhor, um governo simples ou um misto? E uma questão

muito debatida entre os políticos e atual se deve dar a mesma resposta dada

anteriormente a propósito de toda forma de governo.

O governo simples é melhor em si, pelo simples fato de ser 

simples. Entretanto, quando o poder executivo pouco depende do legislativo,

isto é, quando há mais relação entre o príncipe e o soberano que entre o povo

e o príncipe, é necessário remediar essa falta de proporção dividindo o

governo; porque, então, todas as suas partes têm igual autoridade sobre os

vassalos, e a divisão delas torna-as, todas em conjunto. Menos fortes contra o

soberano.

Previne-se ainda o mesmo inconveniente estabelecendo

magistrados intermediários, que, deixando o governo em sua inteireza, servem

apenas para criar o equilíbrio entre os dois poderes e conservar seus

respectivos direitos. O governo, então, deixa de ser misto, para ser temperado.

Pode-se remediar, por meios semelhantes, o inconveniente

oposto, e quando o governo é excessivamente frouxo, erigir tribunais a fim de

reforçá-lo. Tal coisa se pratica em todas as democracias. No primeiro caso,

divide-se o governo para enfraquecê-lo, e no segundo, para fortalecê-lo;

porque o máximo de força e de fraqueza encontra-se igualmente nos governos

simples, enquanto que as formas mistas produzem uma força média.

VIII – Nem toda forma de governo é apropriada a todos os

países.

Não sendo a liberdade um fruto de todos os climas, não está ao

alcance de todos os povos. Quanto mais medita sobre esse princípio

estabelecido por Montesquieu, mais se lhe percebe a veracidade. Quanto se a

contesta, tanto mais se lhe dá oportunidade para estabelecer-se através de

novas provas.

Em todos os governos do mundo, a pessoa pública consome e

nada produz. De onde lhe vem, pois, substância consumida? Do trabalho de

seus membros. É o supérfluo dos particulares que produz necessário do

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 35/41

público: segue-se daí que o estado civil só pode subsistir enquanto o trabalho

dos homens rende mais que as suas necessidades.

Ora, esse excedente não é o mesmo em todos os países do

mundo. Em inúmeros deles, é considerável; em outros, medíocre, em outro

ainda, nulo; em alguns, negativo. Essa relação depende da fertilidade do clima,

do tipo de trabalho exigido pelo solo, da natureza de suas produções, da força

de seus habitantes, da maior ou menor consumição necessária, e de

numerosas outras relações semelhantes das quais são os países compostos.

Por outro lado, nem todos os governos possuem a mesma

natureza; há os dotados de maior ou menor voracidade, e as diferenças estão

baseadas neste princípio: quanto mais as contribuições públicas se distanciam

de sua fonte, tanto mais se tornam onerosas. Não é pela quantidade de

imposições que se deve medir essa carga, mas pelo caminho a ser feito por 

elas a fim de regressarem às mãos de que saíram. Quando essa circulação é

realizada e bem estabelecida, pague-se pouco ou muito, o povo é sempre rico

e as finanças caminham sempre a contento. [Quando, ao contrário, por pouco

que contribua esse pouco não retorna às suas mãos, em contribuindo sempre o

povo depressa se exaure; o Estado jamais será rico, e povos indigente.

Infere-se daí que quanto mais aumenta a distância entre o povo e

o governo, mais se tornam onerosos os tributos. Assim sendo, na democracia,

o povo é o menos sobrecarregado; na aristocracia, ele o é um pouco mais; na

monarquia, carrega o maior peso. A monarquia, portanto, só convém às nações

opulentas; a aristocracia, aos Estados medíocres em riqueza, bem como em

tamanho; a democracia, aos Estados pequenos e pobres. Com efeito, na

medida em que mais nisso refletimos, melhor vamos percebendo a diferença

entre os Estados livres e os monárquicos: nos primeiros, tudo é empregado no

sentido do interesse comum; nos segundos, as forças públicas e particulares

funcionam de maneira recíproca, e o aumento de uma corresponde ao

enfraquecimento da outra; enfim, ao invés de governar os vassalos para fazê-

los felizes, despotismo torna-os miseráveis a fim de governá-los. Eis, portanto,

em cada clima, causas naturais, que permitem indicar a forma de governo a

que a força do clima conduz, e mesmo dizer que espécie de habitantes deve

ele possuir. Os sítios ingratos e estéreis onde o produto não compensa otrabalho devem permanecer incultos e desertos, ou povoados unicamente por 

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 36/41

selvagens; os lugares em que o trabalho dos homens não produz senão o

necessário deve ser habitado pelos povos bárbaros, pois qualquer política aí

seria impossível; as regiões em que oexcesso do produto sobre o trabalho é

medíocre convém aos povos livres; e aquelas, cujo solo fértil abundante

fornece grande quantidade de produtos em troca de pouco trabalho, devem ser 

governadas Monarquicamente, para que o luxo do príncipe consuma o excesso

do supérfluo dos vassalos; porque mais convém seja esse excesso absorvido

pelo governo a ser dissipado pelos particulares. Há exceções, eu o sei; mas

 justamente essas exceções confirmam a regra, nisso em que, cedo ou tarde,

produzem revoluções, as quais reconduzem as coisas à ordem natural.

Distingamos sempre as leis gerais das causas particulares

capazes de modificar o efeito delas. Mesmo que todo o Meio-Dia estivesse

coberto de repúblicas e todo o Norte de Estados despóticos, não seria menos

verdade que, por motivo do clima, conviria o despotismo aos países quentes, a

barbárie aos países frios, e a boa civilização às regiões intermediárias. Vejo,

igualmente, que, aceitando o princípio, podemos discutir a sua aplicação;

podemos dizer que há países frios bastante férteis e meridionais muito

ingratos. Mas tal dificuldade somente existe para quem não examina o fato em

todas as suas relações. Impreciso, como já deixei dito, contar com as de

trabalho, de forças, de consumo, etc.

Suponhamos que, de dois terrenos iguais, um produza cinco e

outro dez. Se os habitantes do primeiro consumirem quatro e os do segundo

nove, o excesso do primeiro produto será um quinto, e o do segundo um

décimo. A relação desses dois excessos será, portanto, inversa da dos

produtos, e o terreno que não produzirá mais que cinco dará um duplo

supérfluo do terreno que produzirá dez.

Mas não se trata de um produto duplo, e eu não creio haja alguém

que ouse, em geral, colocar a fertilidade dos países frios em confronto com a

dos países quentes. Todavia, admitamos essa igualdade: deixemos se

quisermos a Inglaterra em equilíbrio com a Sicília, e a Polônia com o Egito;

mais ao

Meio-Dia terem as a África e as Índias; mais ao Norte, nada mais

teremos. Para essa igualdade de produção, que diferença de cultura! NaSicília, basta arranhar o solo; na Inglaterra, que de cuidados para trabalharem!

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 37/41

Ora, no lugar em que se faz necessário maior número de braços para se obter 

a mesma produção, o supérfluo deve necessariamente ser menor.

Considerai, além disso, que a mesma quantidade de homens

consome muito menos nos países quentes. O clima exige que sejamos sóbrios

para nos sentirmos bem: os europeus que ali pretendem viver como em seus

próprios países, perecem todos de disenteria e indigestões. “Somos”, diz

Chardin, “feras carniceiras, lobos comparados com os asiáticos. Alguns

atribuem à sobriedade dos persas ao fato de seu país ser menos cultivado;

quanto a mim, creio, ao contrário, que há ali menos abundância de gêneros,

porque deles menos necessitam os habitantes. Se sua frugalidade”, contínua

Chardin, “fosse um efeito da penúriado país, então apenas os pobres comeriam

pouco, em lugar de todos geralmente jejuarem, e, em cada província, segundo

a fertilidade do solo, seria maior ou menor o consumo de gêneros, ao invés de

as mesma sobriedade ser idêntica em todo o reino. Os persas se vangloriam

de sua maneira de viver,dizendo que basta olhar-lhes a pele para reconhecer 

quanto é melhor que a dos cristãos. Na verdade, a tez dos persas é lisa, é bela,

fina e lustrosa; ao passo que a dos armênios, seus vassalos, que vivem à

maneira européia, é rude, avermelhada, e eles têm o corpo grosso e pesado.”

Quanto mais se aproximam do Equador, tanto mais vivem os

povos com menos. Raramente comem carne; o arroz, o milho, o cuscuz, a

mandioca constituem seus alimentos vulgares. Há na Índia milhões de homens

cuja alimentação não custa um soldo por dia. Mesmo na Europa, vemos

sensíveis diferenças, no que concerne ao apetite, entre os povos do Norte e os

do Meio-Dia. Um espanhol viverá oito dias do jantar de um alemão. Nos países

em que os homens são mais vorazes, também o luxo se volta para as coisas

de consumo. Na Inglaterra, mostra-se numa mesa sobrecarregada de carnes;

na Itália, sereis regalados com açúcar e flores.

O luxo dos trajes também oferece semelhantes diferenças. Nos

climas em que as mudanças das estações são rápidas e violentas, usam-se

roupas melhores e mais simples; naqueles em que a gente se veste apenas

para enfeitar-se, procura-se mais efeito que utilidade; o próprio traje constitui aí

um luxo.

Em Nápoles, vereis todos os dias, no Posilipo, homens apassear em vestes douradas, e sem meias. O mesmo acontece no tocante aos

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 38/41

edifícios; tudo se emprega na magnificência, quando nada se tem a temer das

injúrias do ar. Em Paris, em Londres, quer-se estar alojado cálida e

comodamente; em Madri, têm-se salões soberbos, mas nenhuma janela que

feche, e dorme-se em ninhos de ratos.

Os alimentos são muito mais nutritivos e suculentos nos países

quentes; é uma terceira diferença que não pode deixar de influir sobre a

segunda. Por que se consomem tantos legumes na Itália? Porque são ali

excelentes, nutritivos e saborosos. Em França, onde apenas são nutridos de

água, também não alimentam quem os consome e são perfeitamente

dispensáveis na mesa. Não ocupam, portanto, menor extensão de terreno, e

dão em todo caso tanto trabalho para serem cultivados. Sabe-se, por 

experiências realizadas, que os trigos da Barbaria, de resto inferiores aos de

França, rendem muito mais em farinha, e que os de França, por sua vez, dão

maior rendimento que os trigos do Norte: de onde se pode inferir que

semelhante gradação é geralmente observada no mesmo rumo do equador ao

pólo. Ora, não constitui visível desvantagem haver em igual produto uma

menor quantidade de alimentos?

 A todas essas diversas considerações posso acrescentar outra

que delas decorre e as fortifica: a de e os países quentes não necessitam de

tantos habitantes como os países frios, podendo alimentá-los por mais tempo,

o que produz um duplo supérfluo, sempre vantajoso para o despotismo. Quanto

maior o úmero de homens a ocupar uma grande superfície, mais difícil se

tornam as revoltas, porque não se a de concertar nem pronta nem

secretamente, sendo sempre fácil ao governo descobrir os projetos e ar as

comunicações; mas, quanto mais um povo numeroso se aproxima, menos

pode o governo a soberania. [Os chefes também deliberam em seus gabinetes

com a mesma segurança com que os príncipe seu conselho, e a turba reúnem-

se com tanta presteza nas praças quanto as tropas em seus quartéis. A

vantagem de um governo tirânico está, pois, em agir a grandes distâncias.

Com a ajuda de pontos de apoio que a si mesmo se dá, sua força

aumenta de longe como a das alavancas do povo, ao contrário, só age quando

concentrada. Evapora-se e perde-se esta, se estender, Considerai, além disso,

que a mesma quantidade de homens consome muito menos nos paísesquentes. O clima exige que sejamos sóbrios para nos sentirmos bem: os

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 39/41

europeus que ali como em próprios países, perecem todos de disenteria e

indigestões. “Somos”, diz Chardin, “feras carniceiras, lobos comparados com

os asiáticos. Alguns atribuem a sobriedade dos persas ao fato de seu país ser 

menos cultivado; quanto a mim, creio, ao contrário, que há ali menos

abundância de gêneros, porque deles menos necessitam os habitantes. Se sua

frugalidade”, contínua Chardin, “fosse um efeito da penúria do país, então

apenas os pobres comeriam pouco, em lugar de todos geralmente jejuarem, e,

em cada província, segundo a fertilidade do solo, seria maior ou menor o

consumo de gêneros, ao invés de mesma sobriedade ser idêntica em todo o

reino. Os persas se vangloriam de sua maneira de viver,dizendo que basta

olhar-lhes a pele para reconhecer quanto é melhor que a dos cristãos. Na

verdade, a tez dos persas é lisa, é bela, fina e lustrosa; ao passo que a dos

armênios, seus vassalos, que vivem à maneira européia, é rude, avermelhada,

e eles têm o corpo grosso e pesado.”

Quanto mais se aproximam do Equador, tanto mais vivem os

povos com menos. Raramente comem o arroz, o milho, o cuscuz, as

mandiocas constituem seus alimentos vulgares. Há na Índia milhões homens

cuja alimentação não custa um soldo por dia. Mesmo na Europa, vemos

sensíveis diferenças, no que concerne ao apetite, entre os povos do Norte e os

do Meio-Dia. Um espanhol viverá oito dias do jantar de um alemão. Nos países

em que os homens são mais vorazes, também o luxo se volta para asoisas de

consumo. Na Inglaterra, mostra-se numa mesa sobrecarregada de carnes; na

Itália, sereis regalados com açúcar e flores.

O luxo dos trajes também oferece semelhantes diferenças. Nos

climas em que as mudanças das estações são rápidas e violentas, usam-se

roupas melhores e mais simples; naqueles em que a gente se veste apenas

para enfeitar-se, procura-se mais efeito que utilidade; o próprio traje constitui aí

um luxo.

Em Nápoles, verão todos os dias, no Posilipo, homens a passear 

em vestes douradas, e sem meias. Otimismo acontece no tocante aos edifícios;

tudo se emprega na magnificência, quando nada se tem a temer das injúrias do

ar. Em Paris, em Londres, quer-se estar alojado cálida e comodamente; em

Madri, têm-sesalões soberbos, mas nenhuma janela que feche, e dorme-se emninhos de ratos.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 40/41

Os alimentos são muito mais nutritivos e suculentos nos países

quentes; é uma terceira diferença que não pode deixar de influir sobre a

segunda. Por que se consomem tantos legumes na Itália? Porque são ali

excelentes, nutritivos e saborosos. Em França, onde apenas são nutridos de

água, também não alimentam quem os consome e são perfeitamente

dispensáveis na mesa. Não ocupam, portanto, menor extensão de terreno, e

dão em todo caso tanto trabalho para serem cultivados. Sabe-se, por 

experiências realizadas, que os trigos da Barbaria, de resto inferiores aos de

França, rendem muito mais em farinha, e que os de França, por sua vez, dão

maior rendimento que os trigos do Norte: de onde se pode inferir que

semelhante gradação é geralmente observada no mesmo rumo do equador ao

pólo. Ora, não constitui visível desvantagem haver em igual produto uma

menor quantidade de alimentos?

 A todas essas diversas considerações posso acrescentar uma

outra que delas decorre e as fortifica: a deque os países quentes não

necessitam de tantos habitantes como os países frios, podendo alimentá-los

por mais tempo, o que produz um duplo supérfluo, sempre vantajoso para o

despotismo. Quanto maior o número de homens a ocupar uma grande

superfície, mais difícil se tornam as revoltas, porque não se as pode concertar 

nem pronta nem secretamente, sendo sempre fácil ao governo descobrir os

projetos encurtar as comunicações; mas, quanto mais um povo numeroso se

aproxima, menos pode o governo usurpar a soberania. Os chefes também

deliberam em seus gabinetes com a mesma segurança com que os príncipes o

fazem em seu conselho, e a turba reúne-se com tanta presteza nas praças

quanto as tropas em seus quartéis. A vantagem de um governo tirânico está,

pois, em agir a grandes distâncias.

Com a ajuda de pontos de apoio que a si mesmo se dá, sua força

aumenta de longe como a das alavancará do povo, ao contrário, só age

quando concentrada. Evapora-se e perde-se esta, se se estender, como o

efeito da pólvora espalhada por terra, que só pega fogo grânulo por grânulo. Os

países menos povoados são assim os mais apropriados à tirania, os animais

ferozes imperam somente nos desertos.

IX – Dos sinais de um bom governo.

5/17/2018 Contrato Social - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/contrato-social-55b07e4cee538 41/41

Quando então se pergunta qual é o melhor governo, propõe-se

uma questão insolúvel e indeterminada; ou, se quiser que possua tantas boas

soluções quantas combinações possíveis nas posições absolutas, e relativasdos povos.

Mas, se se perguntasse por que sinais é possível conhecer se um

determinado povo está sendo bem ou mal governada, a coisa seria outra, e a

questão de fato poderia ser resolvida.