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UNIP – UNIVERSIDADE PAULISTA
FICHAMENTO DO LIVRO “O CONTATO SOCIAL”
ASSIS – SP
2011
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UNIP – UNIVERSIDADE PAULISTA
FICHAMENTO DO LIVRO “O CONTRATO SOCIAL”
Fechamento do livro “O Contrato Social”de Jean-Jacques Rousseau,apresentado a disciplina de CiênciaPolítica do Curso de Direito, 2°semestre, da Universidade Paulista –UNIP, campus, Assis, 2011.
Docente: Prof. Luiz Fernando Rocha.
Discentes: Larissa Alves dos SantosRA: A7583H-0
ASSIS – SP
2011
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Livro I
No Livro I, Rousseau propõe investigar se pode haver, na ordem civil, alguma
regra de administração, legítima e segura, que tome os homens como são e asleis como podem ser, cuidando sempre de ligar o que o direito sanciona com o
que o interesse prescreve, a fim de que a justiça e a utilidade não se
encontrem divididas.
Capitulo I
Assunto desse Primeiro Livro
O homem que nasceu livre hoje se encontra limitado pela ordem
social, até mesmo o que governa os demais. Como ocorreu a mudança do
estado natural ao civilizado Rousseau diz ignorar, mas propõe descobrir o que
legitima tal fato.
Considerando apenas a força e o efeito derivado da mudança, é
certo o homem obedecer a coerção que sofre pela ordem social. Mais certo
ainda é questioná-la quando necessário, pois possui pleno direito para tanto.
Todavia, a ordem social é um direito que alicerça todos os demais e se
fundamenta em convenções e não na natureza.
II – Das Primeiras Sociedades
A família é a primeira das sociedades e a única natural. Os filhos
se submetem aos pais apenas enquanto necessário para sua conservação. Se
permanecerem por mais tempo não será naturalmente, mas por convenção.
Desfeita a ligação entre estes, todos voltam ao estado de independência,
sendo cada um o seu próprio senhor a proteger sua individual conservação.
A família é também o primeiro modelo das sociedades políticas. O
pai representa o chefe e os filhos o povo, sendo todos nascidos livres e iguais e
que alienam a liberdade apenas em função da utilidade. A diferença é que o paisente amor pelos filhos e o chefe sente prazer em comandar.
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III – Do Direito do Mais Forte
Se a força não se converter em direito e a obediência em dever, o
mais forte não será sempre o senhor, pois ceder à força é um ato de
necessidade ou prudência e não de vontade. Se o direito vem da força, então
poderia uma força maior sobrepor legitimamente tal direito, uma vez que o mais
forte tem sempre razão. Assim, Rousseau afirma que a força não faz direito e
que só se deve obedecer à legítima autoridade.
IV – Da Escravidão
Se um homem não possui autoridade natural sobre outro e se a
força não produz direito, restam as convenções como base da autoridade
legítima entre os homens.
Neste sentido, Rousseau refuta a afirmação de Grotius de que um
povo pode alienar a sua liberdade e tornar-se escravo de um rei em troca desubsistência ou tranqüilidade civil. Sobre a premissa inicial, diz ser o rei quem
retira a subsistência do povo em favor da própria. Quanto à tranqüilidade civil,
Rousseau lembra que as guerras causadas pela ambição e avidez do rei
afligem mais que as dissensões do povo. Também, a tranqüilidade não é
fundamento absoluto no sentido de que também se vive tranquilamente em um
calabouço, por exemplo. Afirmar que um homem se aliena gratuitamente é
inconcebível e quem o faz não se encontra de posse de seu juízo. Supor a
alienação de um povo inteiro é loucura, e loucura não faz direito.
Supondo, então, a alienação de cada indivíduo, estes não
poderiam alienar seus filhos, visto que nascem livres e que apenas eles podem
dispor de si próprios quando atingirem a idade da razão. Um governo arbitrário
só seria legítimo se cada geração fosse senhor de admiti-lo ou rejeitá-lo, mas
assim tal governo já não seria arbitrário.
Renunciar à liberdade é renunciar a qualidade de ser humano e
não há compensação possível para quem a renuncie. É vão e contraditório
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estipular uma convenção entre uma autoridade absoluta de um lado e uma
obediência sem limites de outro.
Sobre a origem do direito de escravizar proveniente da guerra,
onde o individuo vencido abre mão da liberdade para não ser morto pelo
vencedor, Rousseau lembra que o direito de matar os vencidos não resulta de
um estado de guerra pelo simples fato de que os homens na primitiva
independência não possuíam relações tão freqüentes que configurem estado
de guerra ou estado de paz. A guerra é constituída pela relação das coisas, de
Estado para Estado, onde os particulares são acidentalmente inimigos apenas
enquanto defensores do Estado, na qualidade de soldados que, se rendendo
ou se depondo, deixam de ser inimigos e voltam a ser simplesmente homens,
não podendo outros dispor sobre suas vidas.
Se o direito de conquista se fundamenta na lei do mais forte e se
a guerra não dá direito de massacrar os vencidos, a escravatura também não
justifica. Mesmo se admitisse o direito de tudo matar, os conquistados só
obedecem porque são forçados.
Por qualquer lado que se observe, o direito de escravizar é nulo por ser
ilegítimo e absurdo. As palavras direito e escravatura são contraditórias.
V – É Preciso Remontar Sempre a um Primeiro Convênio
Submeter uma multidão não é reger uma sociedade. Mesmo
considerando como ajuntamento, o seu chefe continua um particular que
possui interesse distinto do interesse dos subjugados.
Um povo é um povo antes de se submeter a um líder e este ato
de doação pressupõe uma decisão pública. Todavia, o ato que institui um povo
como tal, que verdadeiramente fundamenta a sociedade, é anterior ao ato pelo
qual se elege o rei. Se não houvesse tal convênio anterior, não haveria
obrigação dos poucos indivíduos se submeterem à escolha da maioria.
VI – Do Pacto Social
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Rousseau supõe que os indivíduos se uniram para transpor os
obstáculos que sozinhos, em seu estado natural, não conseguiriam. A raça
humana não sobreviveria sem a força proporcionada pela união.
A soma das forças surge apenas quando muitas pessoas se
unem. Entretanto, a liberdade e a força são os principais instrumentos de
conservação individual. O contrato social, assim, é o ato necessário para que a
união preserve cada individuo e seus respectivos bens, obedecendo a si
próprio e livre como antes.
As cláusulas do contrato social, embora nunca enunciadas, são
reconhecidamente iguais em todos os lugares. Tais cláusulas são de tal modo
determinadas pela natureza do ato que qualquer alteração o anula e, infringido
o pacto social, os indivíduos voltam à liberdade natural e perdem a liberdade
contratada.
Todas as disposições do contrato se reduzem na alienação total e
sem reservas do indivíduo e seus direitos em favor da comunidade. Se todo
individuo assim procede, a condição é igual para todos e não há motivos se
onerar os demais. Se alguém resguardar qualquer direito, a falta de um juiz
comum entre este e os demais faria com que cada indivíduo julgasse, além dos
próprios atos, os atos dos demais, o que tornaria a associação tirânica ou
inoperante.
Cada qual, se doando a todos, não se doa a ninguém. Se ganha o
que se perde e mais força para conservar o que possui. Cada um deposita sua
pessoa e seu poder sob a direção geral e recebe cada um coletivamente como
parte indivisível do todo.
O pacto social produz um corpo moral e coletivo composto pela
totalidade dos indivíduos que o instituiu. A pessoa pública formada pela soma
das demais é conhecida como República ou corpo político, enquanto os
associados recebem o nome de povo, cidadãos ou súditos, dependendo do
contexto.
VII – Do Soberano
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O ato de associação corresponde um acordo recíproco do público
com os particulares. Cada indivíduo se acha obrigado como membro do
soberano para com os particulares e como membro do estado para com o
soberano. O indivíduo não está obrigado consigo, mas com o todo do qual faz
parte.
A deliberação pública que obriga os súditos em face do soberano
não pode obrigar o soberano em face de si mesmo. É contra a natureza de o
corpo político impor uma lei ao soberano não se pode infringir. Isso não
significa que esse corpo não pode se comprometer com outros quando não
derrogue o contrato, pois em relação ao estrangeiro esse corpo se torna um ser
simples, um indivíduo.
Todavia, esse corpo político ou soberano não pode se obrigar a
nada que derrogue o contrato, como alienar parte de si ou se submeter a outro
soberano. Violar o ato que o institui implica em aniquilar-se.
Formado o corpo político, um ato contra um membro implica em
um ato contra o corpo. Também, um ato contra o corpo implica em um ato
contra seus membros. O dever e o interesse obrigam as duas partes
contratantes a se ajudarem. Os mesmo homens devem buscar reunir as
vantagens dessa dupla relação.
Sendo o soberano composto apenas pelos indivíduos que o
compõe, não tem e não pode ter interesse contrário ao deles, prejudicando-os.
Assim, o soberano não precisa dar garantias aos súditos. O soberano é o que
deve ser.
Entretanto, este caso não se aplica dos indivíduos em relação ao
soberano. Ninguém responderia seus compromissos se não encontrasse meios
de assegurar-se de sua felicidade.
Cada indivíduo, como homem, pode ter interesse particular
distinto do interesse comum, como cidadão. Como sua existência independente
do contrato, tende ele considerar que sua obrigação à causa comum é uma
contribuição gratuita. Visto que o Estado é um ser moral e não humano, tende
a gozar os direitos de cidadão sem querer cumprir os deveres de súdito.
Para que o pacto social não constitua um ato vão, todo o corpo constrangerá o
individuo a obedecer à vontade gera
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VIII – Do Estado Civil
A passagem do estado natural ao civil produz transformações no
homem, substituindo o instinto pela justiça e conferindo moralidade às suasações. O homem se vê obrigado a agir conforme princípios distintos dos
naturais. Ao entrar no estado civil, o homem passa de animal estúpido a um ser
inteligente.
Esta mudança implica em perdas e ganhos. Com o contrato
social, o homem perde a liberdade natural e o direito ilimitado sobre as coisas.
Em contrapartida, ganha liberdade civil, liberdade moral e propriedade do que
possui. A liberdade natural é limitada pela força individual e a civil pela vontade
geral. A liberdade moral é o que torna o homem senhor de si, enquanto o
impulso do mero apetite é escravidão.
IX – Do Domínio Real
Os indivíduos alienam a si, seus recursos e seus bens à
comunidade no ato de sua formação. A natureza da posse não muda se
tornando propriedade nas mãos do Estado, mas a posse pública é mais forte e
mais irrevogável que a individual. O Estado, perante seus súditos, é o senhor
de todos os bens pelo contrato social. Entretanto, perante outras potências, é
senhor pelo direito de primeiro ocupante concedido pelos súditos.
O direito de primeiro ocupante apenas se torna verdadeiro direito
após o direito de propriedade se estabelecer. O homem tem direito ao que lhe
é necessário, mas o ato positivo, que o torna proprietário, o exclui de todo o
resto. Tornando-se proprietário de seus bens, o homem deve se limitar a estes,
sem nenhum direito à comunidade, que explica o fato de o direito de primeiro
ocupante, tão frágil no estado de natureza, ser respeitável pelos homens civis.
Para se autorizar o direito de primeiro ocupante devem ser
observadas três condições: que o terreno não seja habitado por ninguém, que
só ocupe a porção que lhe é necessário e que se tome posse não por
cerimônia, mas pelo trabalho e cultivo, sinais de propriedade na ausência de
títulos jurídicos e que devem ser respeitados pelos outros.
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Neste sentido, Rousseau demonstra a ilegitimidade de ocupações
que não obedeçam estas condições com o exemplo da colonização espanhola
nas Américas com Vasco Nomes Balboa, qualificando-as como usurpação
punível.
As terras dos indivíduos, reunidas e contiguas, se tornaram
território público, e o direito de soberania, que se estendia sobre os súditos,
tornaram suas propriedades reais e pessoais, criando uma dependência ainda
maior dos possuidores que utilizam suas forças para a sua felicidade. Reis
antigos, que não percebiam essa vantagem, se denominavam reis dos povos,
como rei dos persas. Reis de hoje, mais hábeis, se intitulam reis dos territórios,
como rei da Espanha. Dominando os territórios se fazem mais confiantes para
dominar os habitantes.
Uma peculiaridade dessa alienação é o fato de a comunidade
aceitando as terras dos particulares, ao passo de destituí-los, os garante posse
legítima, transformando a usurpação em direito, a fruição em propriedade e os
possuidores em depositários do bem público, com seus direitos respeitados
pelos membros do Estado e sustentados contra o estrangeiro.
Também pode ocorrer de os homens se unirem sem
propriedades. Apossando-se posteriormente de qualquer terreno, podem usá-lo
comunitariamente ou dividi-lo, seja em partes iguais ou em partes apontadas
pelo soberano. Independente de como se adquire a propriedade, o direito do
particular sobre os seus bens está subordinado ao direito que a comunidade
tem sobre tudo.
LIVRO II
I – A SOBERANIA É INALIENÁVEL
Somente a vontade geral pode dirigir as forças do Estado,
segundo o fim de sua instituição, o bem comum. Enquanto a oposição de
interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, a
conciliação destes mesmos interesses é que a tornou possível. Assim, se as
sociedades foram estabelecidas através da conciliação dos interesses
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particulares, é unicamente à base desse interesse comum que se deve
governar a sociedade.
A soberania é o exercício da vontade geral, inalienável. O
soberano é um ser coletivo e só pode ser representado por si. É possível
transmitir o poder, mas não a vontade.
Embora seja possível fazer uma vontade particular concordar com
a vontade geral em torno de algum ponto, é impossível que este acordo seja
durável e constante, pois a vontade particular tente às preferências e a vontade
geral tente à igualdade. Mais impossível é um fiador deste acordo, pois se
houvesse seria um efeito do acaso. O soberano pode desejar o que um homem
deseja atualmente, mas não pode desejar o que o homem desejará depois.
Não há poder que possa obrigar o ser que deseja a consentir algo contrário ao
seu próprio bem. Se o povo promete simplesmente obedecer, perde a condição
de povo e se dissolve por este ato. Se houver um senhor não haverá soberano
e o corpo político se dissolverá.
Todavia, as ordens dos chefes podem ser consideradas como
vontades gerais mesmo quando o corpo soberano não se opõe quando poderia
se opor. O silêncio deve presumir consentimento.
II – A SOBERANIA É INDIVISÍVEL
A soberania é indivisível porque a vontade é geral ou não o é. A
declaração da vontade geral é um ato soberano e é lei. A declaração de uma
parte é uma vontade particular ou ato de magistratura – um decreto, no
máximo.
Não podendo dividir a soberania em princípio, os políticos a
dividem em seus fins e objeto, em força e vontade, em poder executivo,
legislativo, judiciário, etc., ora confundindo as partes, ora separando-as. Fazem
do soberano um ser formado de peças relacionadas, como um homem feito de
membros de diferentes corpos. Após desmembrar o corpo social com
habilidade e prestígio ilusórios, unem as diferentes partes não se sabe como.
Este erro provém de que não houve noções exatas da autoridade
soberana, considerando como partes integrantes da autoridade o que eram
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apenas emanações dela. Assim, considerou-se, por exemplo, o ato de
declaração de guerra como atos de soberania, o que é falso, posto que se trata
de aplicação da lei e não de uma lei.
Observado assim as outras divisões descobrirá que sempre se
incorre no mesmo erro. É ilusória a divisão da soberania. Os direitos tomados
como parte da soberania lhe são subordinados e sempre supõe vontades
supremas, dos quais esses direitos só dão a execução.
Essa inexatidão tem obscurecido os escritos de direito político
quando pretendem julgar o direito dos reis e dos povos. Grotius e seu tradutor,
Barbeyrac, por exemplo, desejando agradar os reis, os revestiu de todos os
direitos possíveis ao passo que despojavam do povo qualquer direito através
de dificultosos sofismas. Se eles adotassem os verdadeiros princípios não
encontrariam dificuldade e seriam conseqüentes. Todavia, a verdade não
conduz à fortuna e o povo não concede embaixadas ou pensões.
III – A VONTADE GERAL PODE ERRAR
A vontade geral é sempre reta e tende à utilidade pública, mas
nem todas as deliberações possuem a mesma retidão. Sempre se quer o
próprio bem, mas nem sempre o vê. Não se corrompe um povo, mas o pode
enganar.
Há diferenças entre a vontade de todos e a vontade geral: esta
olha o interesse comum e a outra o interesse privado, soma de vontades
particulares. A vontade geral é o resultado da soma das vontades particulares
subtraídas das vontades que reciprocamente se destroem.
A deliberação será boa e a vontade geral se dará pela soma das
pequenas diferenças se o povo estiver informado adequadamente e os
cidadãos permanecerem incomunicáveis. Todavia, se houver intrigas, facções
e associações parciais à custa da associação geral, conclui-se que não há
tantos votantes quanto são os homens, mas tantos quanto forem as
associações. As diferenças serão mais numerosas e o resultado menos geral.
Se uma associação for grande ao ponto de sobrepujar as demais, o resultado
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será não a soma das diferenças, mas a diferença única. A vontade geral será
substituída pela opinião particular.
Para o perfeito enunciado da vontade geral não pode haver
sociedade parcial e todo o cidadão deve manifestar o próprio pensamento. Se
houver sociedades parciais será necessário multiplicar o seu número e prevenir
a desigualdade entre elas.
IV – DOS LIMITES DO PODER SOBERANO
O Estado e as cidades são pessoas morais que dependem da
união de seus membros. É preciso uma força universal e compulsória quemova suas partes da forma mais conveniente à totalidade. A natureza dá ao
homem o comando de seus membros, o pacto social dá ao corpo político o
poder absoluto sobre os seus. O poder absoluto dirigido pela vontade geral é a
soberania.
Todavia, é necessário considerar as pessoas privadas que
compõe a pessoa pública, distinguindo os direitos dos cidadãos e do soberano,
os deveres como súditos e direitos como homens.
Convém que se alienem poderes, liberdades e bens dos
indivíduos apenas na medida em que são necessários à sociedade. Só o
soberano pode ser juiz desse interesse.
Os serviços que o cidadão pode prestar ao Estado, se solicitado,
constitui um dever. Todavia, não deve o Estado exigir prestação de serviço
inútil à comunidade.
Os compromissos que nos ligam ao Estado só são obrigatórios
por serem recíprocos. Não se pode trabalhar para outrem sem trabalhar para
si. A igualdade de direito e a noção de justiça que produz derivam da
preferência que cada qual se atribui. A vontade geral deve existir em seu objeto
e em sua essência, deve partir de todos para se aplicar a todos.
Quando se trata de um direito ou fato particular sem regulação
geral e prévia, torna-se um processo contencioso, com particulares
interessados como uma parte e o público outra, no qual não há lei ou juiz
adequado. Uma expressa decisão da vontade geral seria apenas a conclusão
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de uma das partes, uma vontade estranha, particular e inclinada. Como a
vontade particular pode não representar a vontade geral, a vontade geral muda
de natureza quando cuida de um objeto particular e não pode decidir nem
sobre um homem ou fato específico. Quando o povo de Atenas nomeava ou
destituía seus chefes por meio de decretos particulares, por exemplo, agia
como magistrado e carecia da vontade geral propriamente dita.
O que generaliza a vontade é o interesse comum e não o número
de vozes; pois, numa instituição, os indivíduos se submetem às mesmas
condições que impõe aos outros: acordo do interesse e da justiça, que confere
igualdade às deliberações comuns, que desvanece na discussão dos negócios
particulares, na falta de um interesse comum que uma e identifique o juízo do
juiz com o da parte.
De qualquer ângulo que se analise o princípio, conclui-se sempre
que o pacto social estabelece a igualdade entre todos, colocando-os em
mesmas condições e os fazendo usufruir dos mesmos direitos.
Todo ato de soberania, que é todo ato autêntico da vontade geral,
obriga ou favorece da mesma forma que o soberano conheça apenas o corpo
da nação sem distinguir os corpos que a compõe. O ato de soberania não é um
convênio entre o superior e o inferior, mas uma convenção do corpo com cada
um dos seus membros: convenção legítima porque se baseia no contrato
social; equitativa por ser comum a todos; útil por se importar apenas com o
bem geral, por possuir como fiadores a força do público e o poder supremo.
Enquanto os súditos se encontrarem submissos apenas a tais convenções,
obedecerão unicamente à própria vontade. Perguntar até onde vão os poderes
do soberano e dos cidadãos é perguntar até onde estes se empenham consigo,
cada um com todos e todos com cada um.
O poder do soberano, absoluto, sagrado e inviolável não pode
passar dos limites das convenções gerais, e que todo cidadão pode dispor da
parte de bens e liberdade que lhe foi deixada por essas convenções. O
soberano jamais pode sobrecarregar um vassalo mais que outro, pois assim
torna-se o negocio particular e cessa a competência do poder.
Admitidas estas distinções, tem-se como falso haver no contrato
dos particulares qualquer renúncia verdadeira, dado que a situaçãoestabelecida pelo contrato é mais vantajosa que a situação anterior. Em lugar
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de alienação, fizeram uma troca vantajosa, do incerto e precário para o certo e
vantajoso, da independência natural pela liberdade, do poder de causar dano
ao próximo pela segurança, da força pelo direito que a união torna invencível. A
vida fica continuamente protegida pelo Estado, e quando a expõe na defesa do
Estado apenas se devolve o que dele receberam. Fazem apenas o que teriam
feito, e com maior perigo, no estado natural, defendendo o que lhes serve para
conservá-la. É verdade que todos devem lutar em defesa da pátria, mas
ninguém precisa combater para a própria defesa. Em relação à segurança, se
ganha quando nos dispomos a correr os riscos que seríamos necessários
correr em nosso favor tão logo despojados desta.
V – DO DIREITO DE VIDA E MORTE
Perguntam-se como os particulares podem transferir ao soberano
o direito de dispor de suas próprias vidas, direito que eles mesmos não
possuem. Todo homem pode arriscar a própria vida a fim de conservá-la, da
mesma forma que não se culpa por cometer suicídio quem pula da janela para
escapar de incêndio e aquele que embarca em navio e morre durante a
tempestade.
O tratado social tem por objetivo a conservação dos contratantes.
Quem quer o fim quer também os meios, e os meios são inseparáveis de
alguns riscos e perdas. Quem quer conservar a vida a expensas dos outros
deve dá-la por eles quando necessário. O cidadão não é o juiz do perigo que a
lei o expõe, e quando o príncipe diz que é útil ao Estado a morte do cidadão ele
deve morrer, pois viveu em segurança sob essa condição até então, e a vida
não é mais uma mercê da natureza, mas um dom condicional do Estado.
A pena de morte imposta aos criminosos deve ser encarada
assim: para não ser vítima de um assassino é que se consente em morrer,
sendo o caso. Não se trata de dispor da própria vida, mas de garanti-la. Não se
presume que um contratante premedite se enforcar.
Todo malfeitor torna-se traidor da pátria ao atacar o direito social,
ao violar suas leis. Deixa de ser membro e chega mesmo a declarar guerra. A
conservação do Estado torna-se incompatível com a sua e é preciso que um
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dos dois pereça. O condenado à morte é mais inimigo que cidadão. O direito de
guerra manda matar o vencido.
A condenação de um criminoso é um ato particular. É um direito
que o soberano pode conferir sem o poder exercer pessoalmente.
Ademais, a freqüência dos suplícios constitui sinal de fraqueza ou
negligência do Governo. Não há malvados que não pode ser útil para algo. Não
há direito de matar, nem como exemplo, senão aquele que não se pode
conservar sem perigo.
O direito de isentar um culpado da pena é exclusivo do soberano,
que está acima da lei e do juiz. Este direito não está bem nítido e o seu uso
tem sido raro. Num Estado bem governado há poucas punições não pela
concessão de graças, mas por haver poucos criminosos. A quantidade de
crimes assegura a impunidade, quando o Estado se deteriora. Na República
romana nem o Senado, cônsules ou o povo não concedia graças. Os indultos
freqüentes são indícios de que em breve os criminosos não mais precisarão
deles e cada um pode ver onde isso nos conduzir
VI – DA LEI
O pacto social apenas formou o corpo político; a legislação é que
dará vontade e movimento para garantir a conservação deste corpo.
O que é bom e harmônico o é pela própria natureza das coisas,
pois toda a justiça emana de Deus, sua única fonte. Todavia, o homem não
sabe recebê-la prontamente; se soubesse não seria necessário nem governo e
nem leis. Existe uma justiça universal que emana da razão, mas que precisa
ser recíproca para ser admitida entre nós. São vãs as leis dessa justiça à falta
de sanção natural, pois se tende a observá-la nos outros e não consigo,
favorecendo o mal e prejudicando o bom. Assim se faz necessárias
convenções e leis para unir os direitos e deveres e orientar a justiça ao seu
objetivo. No estado natural nada se devia àqueles a quem nada se prometeu;
só se reconhecia como de outrem aquilo que se considerava inútil para si. No
estado civil, porém, os direitos são fixados por lei.
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Como dito, de modo algum há vontade geral sobre um objeto
particular que esteja dentro ou fora do Estado, pois seria uma vontade estranha
ao objeto. Se o objeto está no Estado, ambos constituem seres distintos – o
objeto e o todo sem o objeto. Também, o todo menos uma parte não é mais
todo, e sua vontade deixa de ser a vontade geral sobre a parte que lhe foi
subtraída.
Quando o povo estatui sobre o povo, só a si mesmo considera. A
relação que se forma é do objeto inteiro visto pelo mesmo objeto inteiro, sem
nenhuma divisão. Então a matéria que se estatui passa a ser geral, da mesma
forma que é geral a vontade que a estatui. A este ato é o que se chama de Lei.
Quando se diz que o objeto da Lei é sempre geral é porque a Lei
considera os vassalos e as ações de forma abstrata, jamais como indivíduos e
ações particulares. Destarte, a Lei pode estatuir sobre privilégios e instituir
classe de cidadãos, mas não pode privilegiar ou nomear individualmente os
cidadãos; pode estabelecer um governo real e uma sucessão hereditária, mas
não pode eleger um rei ou nomear uma família real. Toda função que se
relacione com o objeto individual não pertence de nenhum modo ao poder
legislativo.
Assentada essa idéia, é supérfluo perguntar a quem compete
fazer as leis, dado que emanam da vontade geral; nem se o príncipe se
encontra acima das leis, dado que é membro do Estado; nem se a lei pode ser
injusta, dado que ninguém é injusto consigo mesmo; nem em que sentido nós
somos livres e sujeitos às leis, dado que estas são apenas registros de nossas
vontades.
É evidente que tudo que um homem ordena de sua cabeça, seja
ele quem for, não é lei; também, o que o corpo soberano ordena sobre um
objeto particular não é lei. É um decreto, não uma lei; É ato de magistratura,
não ato de soberania.
República é todo Estado regido por leis, independente da forma
de administração, pois é o interesse público que governa. O termo republicano
não deve ser entendido apenas como aristocracia ou democracia, mas todo o
governo dirigido pela vontade geral. Todo o governo legítimo é republicano, e
para ser legítimo não é necessário que o governo se confunda com o
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soberano, mas que seja o seu ministro; assim sendo, a própria monarquia
torna-se república.
As leis são as condições de associação civil. O povo que se
submete às leis deve ser o autor das mesmas; compete aos que se associam
regulamentar as condições de sociedade. O povo deseja sempre o bem de si
mesmo, mas nem sempre o vê, de si mesmo. A vontade geral é sempre reta,
mas o julgamento que a dirige nem sempre é esclarecido. É preciso fazê-lo ver
os objetos tais como são e muitas vezes como devem parecer-lhes. É preciso
mostrar o bom caminho, afastar as vontades particulares, aproximar dos seus
olhos os lugares e os tempos, equilibrar o encanto das vantagens presentes e
sensíveis com o perigo dos males afastados e ocultos. Os particulares sabem o
que rejeitam, o público deseja o bem que não vê. Todos necessitam de guias; é
preciso obrigar uns a conformarem suas vontades com sua razão; é necessário
ensinar a reconhecer o que pretende. Assim, das inteligências públicas resulta
a união do entendimento e da vontade no corpo social; dá o exato concurso
das partes e maior força do todo. Daí surge então a necessidade de um
legislador .
VI – DA LEGISLAÇÃO
Para se descobrir as leis mais convenientes às nações seria
preciso uma inteligência superior, que conhecesse as paixões e o íntimo
humano, mas que não fosse influenciado por estes fatores; cuja felicidade
independesse dos homens, mas que se ocupasse da felicidade destes; que
trabalhasse em um século para se glorificar em outro. Haveria necessidade dedeuses para dar leis aos homens.
O mesmo raciocínio que Calígula fazia dos fatos, Platão, em seu
diálogo A Política, o fez do direito a fim de definir o homem civil ou real. Mas se
um grande príncipe é um homem raro, quanto mais raro seria um grande
legislador? Ao príncipe basta seguir o modelo proposto pelo legislador. O
legislador é o mecânico que inventa a máquina, o príncipe é o operário que a
faz funcionar. Diz Montesquieu que no nascimento das sociedades os chefes
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das repúblicas criam as instituições, e depois as instituições é que formam os
chefes das repúblicas.
Aquele que ousa a instituir um povo deve sentir-se capaz de
mudar a natureza humana; transformar um indivíduo, um todo perfeito e
solidário, em parte de um todo maior; lhe retirar a força física e independente
que todos recebem da natureza e lhe dar uma força estranha, parcial e moral,
que não possa utilizar sem a ajuda alheia. Quanto mais se extingue as forças
naturais, mais sólida e perfeita é a instituição. Se cada cidadão nada é, nada
pode ser sem a ajuda dos outros, e a força adquirida pelo todo é igual ou
superior à soma das forças naturais dos indivíduos, conclui-se que a legislação
se encontra no ponto mais alto de perfeição que possa ser atingido.
O legislador é, de qualquer ponto de vista, um homem
extraordinário no Estado. Se o é pelo seu gênio, não o é menos pelo seu cargo.
Este emprego, que constitui a república, não entra em sua constituição; não se
relaciona à magistratura ou soberania; é função particular e superior e que
nada tem em comum com o império humano; pois, se quem dirige os homens
não pode dirigir as leis, o mesmo motivo impede que quem dirige as leis dirija
os homens, pois o sentido das leis seria alterado por intuitos particulares.
Ao dar leis à sua pátria, Liturgo começou por abdicar a realeza.
Cidades gregas costumavam confiar a legislação à estrangeiros – Genebra fez
o mesmo e achou-se bem. Roma, todavia, viu renascer todos os crimes de
tirania e quase pereceram por reunir nas mesmas cabeças a autoridade
legislativa e o poder soberano. Entretanto, os próprios decênviros – os
magistrados romanos – nunca se deram o direito de forçar a introdução de uma
lei que redigiam. Pediam o consentimento do povo para transformar em lei o
que propunham.
Quem redige as leis não deve ter nenhum direito legislativo e o
próprio povo não pode despojar-se desse direito, pois a vontade geral é a única
que obriga os particulares, e nenhuma vontade particular pode ter reconhecida
sua conformidade com a vontade geral senão após ser submetida aos
sufrágios populares.
Assim, acham-se na obra da legislação duas coisas
aparentemente incompatíveis: um empreendimento sobre-humano executadopor uma autoridade que nada representa.
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Note-se outra dificuldade: os sábios não conseguiriam fazer o
povo entender a sua linguagem – há mil idéias impossíveis de traduzir na
língua do povo. Da mesma maneira, idéiam bastante gerais e objetos
excessivamente distantes ficam incompreensíveis. O indivíduo dificilmente
percebe vantagens nas privações impostas pelas boas leis, pois não apreciam
outro plano de governo senão o relacionado com o seu interesse particular.
Para que um povo nascente possa seguir as regras fundamentais da razão do
Estado, seria indispensável que o efeito tornasse causa que o espírito social
presidisse a própria instituição.
Assim, já que o legislador não pode usar a força ou o raciocínio, é
necessário recorrer à intervenção celeste para conduzir sem violência e
persuadir sem convencer, a fim de que os povos obedeçam com liberdade e
aceitem docilmente o jugo da felicidade pública.
Esta é a razão pela qual o legislador põe na boca dos imortais as
decisões, a fim de conduzir, através da autoridade divina, os que não seriam
abalados pela prudência humana. Mas não é dado a qualquer homem fazer os
deuses falarem, nem ser acreditado como intérprete deles. O elevado espírito
do legislador é o verdadeiro milagre que deve provar sua missão. Todo homem
pode simular um comércio secreto com alguma divindade ou encontrar outros
meios grosseiros para se impor ao povo, mas jamais fundará um império. Vãos
prestígios formam apenas um laço passageiro; não há senão a sabedoria para
torná-lo durável. A lei judaica, que há séculos vem regendo metade do mundo,
ainda hoje proclama os grandes homens que as ditaram, e enquanto a vã
filosofia e o espírito cego de partido os vêem como felizes impostores, o
verdadeiro político admira em suas instituições o gênio que preside aos
estabelecimentos duradouros.
Não se deve concluir, como Warburton, que a política e a religião
tenham entre nós um objeto comum, mas que, na origem das nações, uma
serve de instrumento para a outra.
VIII – DO POVO
O grande arquiteto observa se o solo sustenta o peso daquilo que
sobre ele construirá, o sábio instituidor deve examinar anteriormente se o povo
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está apto a aceitar as boas leis que redigirá. Por isso Platão se recusou a dar
leis aos árcades e cirenaicos, que eram ricos e não admitiriam a igualdade.
Também por isso se viu em Creta leis perfeitas e homens perversos, pois
Minos disciplinara um povo sobrecarregado de vícios.
Brilharam muitas nações que não suportariam boas leis, e as que
admitiram duraram pouco. Os povos e os homens são dóceis na juventude,
mas tornam-se incorrigíveis ao envelhecerem. Enraizados os costumes e
preconceitos, torna-se perigoso e inútil pretender reformá-los; sequer
concordam que lhe toquem os males para destruí-los, à semelhança de
estúpidos e doentes na presença de um médico.
Todavia, ao contrário de certas enfermidades que causam
amnésia aos homens, épocas violentas ou revolucionárias podem fazer o
horror do passado substituir o esquecimento, e o Estado incendiado pelas
guerras civis rejuvenescer e escapar da morte. Foi o que ocorreu em Esparta à
época de Licurgo, em Roma após Traquinos e na Suíça e Holanda após a
expulsão dos tiranos.
Esses acontecimentos, todavia, são raros e o motivo se encontra
na constituição do Estado excetuado. Não ocorrem duas vezes em um mesmo
povo, o qual se torna livre enquanto bárbaro, mas não quando a alçada civil se
apresenta gasta. As agitações, então, podem destruí-lo ao passo de o
restabelecer; e rompido seus grilhões, deixa de existir. Daí em diante, passa a
necessitar de um senhor, e não de um libertador. Pode-se adquirir a liberdade,
mas nunca recobrá-la.
Há para as nações um tempo de maturidade que é preciso
esperar para sujeitá-las às leis, mas esta maturidade não é fácil de conhecer, e
se antecipada, aborta a obra. Certo povo pode ser disciplinado ao nascer, mas
outro não o será mesmo após dez séculos. Os russos nunca serão
verdadeiramente policiados, pois o foram muito cedo. Pedro o Grande tinha
talento imitativo e não o que cria tudo do nada. Sabia que seu povo era
bárbaro, mas não percebeu que estava despreparado para a polícia. Quis, de
início, transformá-lo em civilizados como ingleses e alemães quando era
preciso fazê-los aguerridos, russos. Impediu os vassalos de serem o que
podiam ser. O império russo desejará subjugar a Europa, mas acabarásubjugado. Os tártaros, seus vassalos ou vizinhos se tornarão seus senhores e
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de toda a Europa e esta revolução parece infalível. Todos os reis da Europa
trabalham de comum acordo para acelerá-la.
IX – DO POVO (CONTINUAÇÃO)
Assim como a natureza definiu adequadamente a estatura de um
homem bem conformado, fez o mesmo ao Estado limitando-lhe a sua
extensão, para que não seja muito grande para ser bem governado e nem
muito pequeno para manter-se por si mesmo. Quanto mais o Estado se
expande, mais se afrouxa o laço social. Em geral, um pequeno Estado é
proporcionalmente mais forte que um grande.Mil razões demonstram essa máxima. A administração, em
primeiro lugar, torna-se mais penosa nas grandes distâncias. Torna-se mais
onerosa à medida que os degraus se multiplicam: a administração da cidade é
paga pelo povo, bem como a administração da província, dos grandes
governos, as satrapias, os vice-reinados e até a administração suprema, que
sobrecarrega os vassalos. Longe de serem melhor governados por essas
diferentes ordens, preferível fosse um só desses governos a dirigi-los. Sobram
apenas recursos para os casos extraordinários, e quando a eles se recorre é
que se encontra o Estado à beira da ruína.
Não somente o governo possui menos vigor e rapidez para fazer
observar as leis nos pontos distantes como também o povo demonstra menor
afeição aos chefes, aos quais a pátria se assemelha ao mundo e a maioria dos
concidadãos lhe é estranha. As mesmas leis não podem ser adequadas a
províncias diversas, com costumes e climas diversos, e que não admitem a
mesma forma de governo. Leis diferentes engendram perturbação e confusão
aos povos. Os talentos permanecem ocultos, as virtudes ignoradas e os vícios
impunes. Os chefes nada vêem por si e os comissários é que governam o
Estado. Enfim, as medidas necessárias à manutenção da autoridade geral
absorvem todos os cuidados públicos, deixando para a felicidade do povo
apenas o indispensável à sua defesa em caso de necessidade. Um corpo muito
grande é esmagado pelo próprio peso.
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De outro lado, deve o Estado fornecer-se determinada base para
contar com solidez, para resistir aos sacolejos e esforços que despenderá para
se manter; porque todos os povos possuem uma força centrífuga pela qual
tendem a engrandecer-se à custa dos vizinhos, como os turbilhões de
Descartes. Assim, os fracos correm risco de ser engolidos, e ninguém se
conserva senão colocando-se em relação a todos numa espécie de equilíbrio.
Vêem-se então razões para alargar e estreitar os limites do
Estado, e não constitui talento político algum encontrar a proporção mais
vantajosa à conservação do Estado. Pode-se dizer que as razões para alargar,
exteriores e relativas, devem ser subordinadas às razões de estreitar, que são
internas e absolutas. Uma boa constituição é prioridade, e deve-se
preferencialmente contar com a vigor de um bom governo que com recursos de
um grande território.
LIVROIII
Capitulo I
Rousseau conservou as primeiras notas para as Instituições
políticas uma contradição sentimental. Toda ação livre tem duas causas que
ocorrem em sua produção: uma moral, que é a vontade de determina o ato
outra física, que é o poder que a executa. Quando me dirijo a um objetivo é
preciso, primeiro que eu queria ir até ele, e em segundo lugar que meus pés
me levam até lá. Queria um paralitico correr mais não o queria um homem ágil
ambos ficará no mesmo lugar. O corpo político tem os mesmos moveis.
Distinguem-se nele a força e a vontade, esta sobre o nome de poder legislativo
e aquela de poder executivo. Nada nele se faz, nem se deve fazer, sem o seu
concurso.
Vimos que o poder legislativo pertence ao povo e não pode
pertencer senão e a ele. Fácil é ver, pelo contrário, baseando-se nos princípios
acima estabelecendo que o poder executivo não possa pertencer á
generalidade, como legisladora ou soberana, porque esse poder só consiste
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em atos particulares que não são absolutamente da alçada da lei, nem
conseqüentemente da do soberano, cujos atos só podem ser leis.
Que será, pois o governo?É corpo intermediário estabelecido
entre os súditos e os soberanos para sua mutua correspondência encarregado
da execução das leis e da manutenção da liberdade tanto do civil como da
política.
Os membros desse corpo chamam-se magistrados ou reis isto é
governante e o corpo em seu todo recebe o nome de príncipe. Tem muita
razão aqueles que pertencem não ser um contrato em absoluto o ato pelo qual
um povo se submete a chefes. Isto não passa de modo algum de uma
comissão de um emprego, no qual como simples funcionários do soberano
exercem em seu nome o poder limitar, modificar e retomar quando lhe
aprouver. Sendo incompatível com a natureza do corpo social, a alienação de
tal direito é contrario ao objetivo da associação.
Além disso, jamais se poderia alterar qualquer dos três termos
sem romper, de pronto, a proporção. Se o soberano que governar ou se
magistrado que fazer leis ou, ainda Bse os súditos recusam-se a obedecer, a
desordenar toma o lugar da regra, a força e voltam de não agem mais de
acordo e o estado em dissolução cai assim no despotismo ou na anarquia.
Enfim como não há senão uma media proporcional para cada relação, não há
mais que um bom governo possível para cada estado. Como porem inúmeros
acontecimentos pode mudar as relações de um povo, não só diversos
governos podem ser bons para diferentes povos, mais também para o mesmo
povo em épocas diferentes.
Por outro lado, crescimento do estado oferecendo aos
depositários da autoridade publica mais tentações e meios de abusar de seu
poder, mais força deve ter o direito ter o governo para conter o povo e mais
força devera ter o soberano de sua parte para conter o governo. Não me refiro
aqui a uma força absoluta, mais a força relativa das variáveis prestes do estado
O governo é um ponto pequeno o que o corpo político, que
encerra é em ponto grande. É uma pessoa moral dotada de certas faculdades
ativa como o soberano passiva como o estado, que pode ser decomposta em
outras relações semelhantes donde, por conseqüências nasce uma proporçãonova e desta outra ainda de acordo com a ordem dos tribunais até se alcance o
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termo médio indivisível isto é um único chefe ou magistrado supremo que se
pode ser representado no centro dessa progressão como a unidade entre a
serie das frações e as dos números.
De todas essas diferenças nascem as varias relações que o
governo deve ter como corpo do estado segundo as relações acidentais e
particulares pelas quais esse estado é modificado. Freqüentemente melhor
governo pode tornar-se o mais cicioso, se suas relações não forem alteradas
segundo os defeitos do corpo político ao qual pertence.
Capitulo II
Do principio que constitui as varias formas de governo
A fim de expor a causa geral dessas diferenças, impõe-se
distinguir neste ponto entre o príncipe e o governo como acima fiz com o
estado e o soberano
O corpo do magistrado pode ser composto de um maior ou
menor número de membros. Dissemos já que relação do soberano com os
vassalos era tanto maior quanto mais numeroso fosse o povo, e, por evidenteanalogia, o mesmo pode dizer do governo em relação aos magistrados.
E possível distinguir na pessoa do magistrado três vontades
essencialmente diferentes. De início, à-vontade própria do indivíduo, que só
propende em favor de seu interesse particular; em segundo lugar, à-vontade
comum dos magistrados, que apenas se relaciona ao que ao príncipe
interessa, ou se a, à vontade do corpo como pode ser chamada, a qual é geral
em relação ao governo, e particular relativamente ao Estado, de que o governofaz parte; em terceiro lugar, a vontade do povo ou a vontade soberana, que é
geral em relação ao Estado, considerada como um todo, como também em
relação ao governo, considerado como parte desse todo.
Numa legislação perfeita, a vontade particular ou individual deve
ser nula; a vontade do corpo, própria ao governo, bastante subordinada; e, por
conseguinte, a vontade geral ou soberana sempre dominante é a regra das às
outras.
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Contrariamente, de acordo com a ordem natural, essas diversas
vontades se tornam mais ativas à medida se concentram. Assim, a vontade
geral revela-se sempre a mais débil, a vontade do corpo a segunda em
categoria, e a vontade particular a primeira de todas; de sorte que, no governo,
cada membro e, antes de qualquer coisa, ele mesmo, e depois magistrado, e
em seguida cidadão, graduação diretamente oposta àexigida pela ordem
social.
Posto isto, ponha-se o governo por inteiro nas mãos de um só
homem e eis completamente reunido à-vontade particular e a vontade do
corpo, e reunidas, em conseqüência, no mais alto grau de intensidade que
possa existir. Ora, como é do grau da vontade que depende o uso da força, e
como a força absoluta do governo em nada varia, infere-se que o mais ativo
dos governos é o exercido por uma só pessoa.
São incontestáveis essas relações, e outras considerações
servem ainda para confirmá-las. Vê-se, por exemplo, que cada um dos
magistrados é mais ativo em seu corpo que cada cidadão no seu, e que, por
conseguinte, a vontade particular tem muito mais influência nos atos do
governo que nos do soberano; isto pelo fato de que cada um dos magistrados
está quase sempre incumbido de alguma função governamental, enquanto que
cada cidadão, tomado à parte, não possui nenhuma função de soberania. De
resto, quanto mais o Estado se estende, mais sua força real aumenta, embora
não aumente por motivo de sua extensão; ao passo que, permanecendo o
Estado estacionário, por mais que se multipliquem os magistrados, não adquire
o governo maior força real, pois que esta força é a força do Estado, cuja
medida sempre igual. Assim sendo, diminui a força relativa ou a atividade do
governo, sem que sua força absoluta ou real possa aumentar.
É ainda certa que a expedição dos negócios se torna mais lenta, à
medida que maior número de pessoas é isso encarregada; que, fazendo-se
maiores concessões à prudência, não se concede o bastante à fortuna, permite
que fuja a oportunidade; e que, à força de deliberar, perde-se por vezes o fruto
da liberação.
Ademais, não falo aqui senão da força relativa do governo, e
não de sua; porque, ao contrário,quanto mais numerosos são os magistrados,mais a vontade do corpo se aproxima da vontade geral; enquanto que, sob um
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magistrado único, essa mesma vontade do corpo, como eu o disse, não é
senão uma vontade particular. Perde-se assim por um lado o que se vem a
ganhar por outro, e a arte do legislador consiste em saber fixar o ponto em que
a força e a vontade do governo, sempre em proporção recíproca, se combinem
na relação que ofereça mais vantagens ao Estado.
III – Divisão dos governos.
O soberano pode de início, confiar o depósito do governo ao povo
em conjunto ou à maioria do povo, de modo a haver maior número de cidadãos
magistrados que simples cidadãos particulares. Dá-se a essa forma de governoo nome de democracia.
Ou pode então restringir o governo entre as mãos de um pequeno
número, de sorte a haver maior número de cidadãos particulares que de
magistrados, e esta forma de governo recebe o nome de aristocracia.
Finalmente, pode o soberano concentrar todo o governo em mãos
de um magistrado único, do qual todos os demais recebem o poder. Esta
terceira forma é a mais comum de todas, e chama-se monarquia, ou governo
real.
Devo assinalar que todas essas formas, ou ao menos as duas
primeiras, são suscetíveis de maior ou menor e mesmo de grande latitude,
porque a democracia pode abarcar todo o povo, ou então restringir-seaté a
metade. A aristocracia, por sua vez, pode restringir-se da metade do povo até
indeterminadamente ao menor número. A própria monarquia é suscetível de
alguma partilha. Esparta, de acordo com sua constituição, sempre teve dois
reis, e houve, no Império romano, até oito imperadores imultamente, sem que
por isso se pudesse dizer que o Império estava dividido. Assim sendo, existe
um ponto em que cada forma de governo se confunde com a seguinte, e vê-se
que apenas sob três formas de domínio já se mostra o governo capaz de
adquirir tantos aspectos diversos quantos cidadãos possui o Estado.
Se, nos diferentes Estados, o número de supremos magistrados
deve estar constituído em razão inversa do número dos cidadãos, segue-se
que, em geral, o governo democrático é o que mais convém aos pequenos
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Estados; o aristocrático aos Estados médios; e a monarquia aos grandes.
Extrai-se esta regra imediatamente do princípio; mas como contar a infinidade
de circunstâncias capazes de fornecer as exceções
IV – Da democracia.
Quem faz a lei sabe melhor que ninguém como deve ser ela
executada e interpretada. Parece, pois, que não se poderia ter melhor
constituição que essa em que o poder executivo está unido ao legislativo; mas
injustamente isso que torna esse governo sob certos aspectos insuficiente,
uma vez que a coisa que deveriam ser diferenciadas não o é, e o príncipe e osoberano, sendo a mesma pessoa, não formam, por assim dizer, senão um
governo sem governo.
Ademais, que de coisas difíceis de reunir não supõe tal governo?
Primeiramente, um Estado bastante pequeno, em que seja fácil congregar o
povo, e onde cada cidadão possa facilmente conhecer todos os outros; em
segundo lugar, uma grande simplicidade de costumes, que antecipe a multidão
de negócios as discussões espinhosas; em seguida, bastante igualdade nas
classes e nas riquezas, sem o que igualdade não poderia subsistir muito tempo
nos direitos e na autoridade; enfim, pouco ou nenhum luxo; porque ou o luxo é
o efeito das riquezas, ou as torna necessárias, já que corrompem ao mesmo
tempo ricos. Pobres, um pela posse, outro pela cobiça, vende a pátria à
lassidão e à vaidade, e afasta do Estado todos os cidadãos, submetendo-os
uns aos outros, e todos à opinião.
Acrescentemos que não há governo tão sujeito às guerras civis e
às agitações intestinas como democrático ou popular, pois que não há nenhum
outro que tenda tão freqüente e continuamente a mudar de forma, nem que
demande mais vigilância e coragem para se manter na sua. É, sobretudo nessa
constituição de governo que o cidadão se deve armar de força e constância, e
dizer em cada dia de sua vida, no fundo do coração, o que dizia um virtuoso
palatino na dieta da Polônia: Malo periculosamlibertatem quam quietum
servitium.
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Se houvesse um povo de deuses, ele se governaria
democraticamente. Tão perfeito governo não convém aos homens.
V – Da aristocracia.
Temos aqui duas pessoas morais distintas, a saber, o governo e o
soberano, e, por conseguinte, duas vontades gerais: uma concernente a todos
os cidadãos; outra, apenas aos membros da administração.
Assim sendo, embora possa o governo regulamentar sua polícia
interior como bem lhe aprouver, só poderá falar ao povo em nome do
soberano, isto é, em nome do próprio povo, coisa que jamais se deveesquecer.
As primeiras sociedades governaram-se aristocraticamente. Os
chefes de família deliberavam entre si sobre os negócios públicos. Os jovens
cediam sem dificuldade perante a autoridade da experiência. Daí os nomes de
padres, anciãos, senado, gerentes. Os selvagens da América setentrional
ainda assim se governam em nossos dias, e são muito bem governados.
Há, pois, três espécies de aristocracia: natural, eletiva e
hereditária. A primeira não convém senão a povos simples; a terceira é o pior
de todos os governos; a segunda é a melhor: é a aristocracia propriamente
dita.
Numa palavra, a ordem mais justa e natural é a em que os mais
sábios governem a multidão, quando estamos seguros de que a governarão
em benefício dela, e não em benefício próprio. Não é de nenhum modo
necessário multiplicar em vão as alçadas, nem fazer com vinte mil homens o
que cem homens escolhidos fazem ainda melhor. Deve-se, porém, assinalar
que o interesse do corpo começa aqui a dirigir com menos eficiência a força do
público no que tange à vontade geral, e que outro declive inevitável subtrai às
leis uma parte do poder executivo.
A respeito das conveniências particulares, não convém nem um
Estado tão pequeno, nem um povo tão simples e reto, que a execução das leis
resulte imediatamente da vontade pública, como numa boa democracia.
Também não convém uma tão grande nação em que os chefes esparsos para
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governá-la possam decidir à revelia do soberano, em seus respectivos
departamentos, e começar por se tornarem independentes e virem a serem,
em seguida, os senhores. De resto, se esta forma de governo comporta certa
desigualdade de riqueza, isto acontece para que ingerisse a administração dos
negócios públicos seja confiada aos que vem dela cuidar, empregando todo
uso tempo, e não como pretende Aristóteles, por serem ricos sempre os
preferidos. Ao contrário, inconveniente que uma escolha oposta ensine por
vezes ao povo que há, no mérito dos homens, razões de preferência mais
importantes que a riqueza.
VI – Da monarquia.
Até aqui, consideramos o príncipe como uma pessoa moral e
coletiva, unida pela força das leis, depositária no Estado do poder executivo.
Temos agora a considerar este poder reunido em mãos de uma pessoa natural,
de um homem real, único investido do direito de dele dispor segundo as leis. É
o que se chama um monarca ou um rei.
Ao contrário das outras administrações, em que um ser coletivo
representa um indivíduo, nesta aqui é um indivíduo que representa um ser
coletivo; desse modo, a unidade moral que constitui o príncipe uma unidade
física, na qual todas as faculdades que a lei reuniu na outra, com tantos
esforços, se achem naturalmente reunidas. Assim, a vontade do povo, e a
vontade do príncipe, e a força pública do Estado, e a força particular do
governo, tudo enfim responde ao mesmo móbil; todas as molas da máquina
estão na mesma mão, tudo caminha para o mesmo objetivo: não há
movimentos adversos que se destruam mutuamente, e não se pode imaginar
nenhuma espécie de constituição em que um esforço menor produza uma ação
mais considerável. Arquimedes, tranqüilamente sentado na praia, segando sem
dificuldade um grande navio, representa a meu ver um hábil monarca, a dirigir
de seu gabinete seus vastos Estados, e a fazer com que tudo se mova dando a
impressão de que permanece imóvel.
Mas se governo não há mais rigoroso que este também outro não
há em que a vontade particular se jamais respeitada e mais facilmente domine
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as outras: tudo caminha para o mesmo objetivo, é verdade, mas esse objetivo
não é o da felicidade pública; e a própria força da administração gira sem
cessar em prejuízo do Estado.
Os reis desejam ser absolutos, e de longe lhes bradamos que a
melhor maneira de o serem consiste em se fazerem amar por seus povos. Esta
máxima é muito bela e verdadeira em certo sentido. Infelizmente, sempre rirão
disso nas cortes. O poder oriundo do amor dos povos é sem dúvida o maior,
mas precário incondicional; os príncipes jamais se contentarão com ele. Os
melhores reis desejam ser malvados, quando lhes apetece, sem cessarem de
serem os senhores. Por mais que se esforce um orador político em que a força
do povo é a sua própria e de que seu maior interesse deve consistir em que o
povo seja florescente, numeroso, temível, eles sabem perfeitamente que tal
coisa não é verdade. Seu interesse pessoal está, antes de tudo, em que o povo
seja débil, miserável, e jamais lhes possa resistir. Confesso que, imaginando os
vassalos sempre inteiramente submissos, me parece que o interesse dos
príncipes residiria na existência de um povo poderoso, a fim de que, sendo dele
tal poder, o tornasse temido de seus vizinhos; como, porém, tal interesse é
secundário e subordinado, as duas suposições se mostram incompatíveis, é
natural que os príncipes dêem sempre preferência à sentença mais
imediatamente útil para eles; é o que Samuel, com vigor, apontava aos
hebreus, é o que Maquiavel demonstrou com evidência. Fingindo dar lições aos
reis, deu-as ele, e grandes, aos povos. O Príncipe de Maquiavel é o livro dos
republicanos.
Vimos, através das relações gerais, que a monarquia só é
conveniente aos vastos Estados, e o mesmo achará examinando-a em si
mesma. Quanto mais numerosa for a administração pública, mais apelação
entre o príncipe e os vassalos diminui e se aproxima da igualdade, de sorte que
tal relação é uma ou a própria igualdade na democracia. [Essa mesma relação
aumenta à medida que o governo se contrai, atinge o seu máximo quando o
governo se acha em mãos de uma única pessoa. Passa a haver então uma
enorme distância entre o príncipe e o povo, e o Estado carecem de ligação.
Para formá-la, são necessárias as ordens intermediárias: príncipes, grandes,
nobreza, que as devem preencher. Ora, nada do que foi dito convém a umpequeno Estado, pois, antes, o arruínam.
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Contudo, se é difícil que um grande Estado seja bem governado,
é mais difícil ainda sê-lo por um só homem, e todos sabem o que sucede
quando o rei nomeia substitutos.
Um defeito essencial e inevitável, que sempre porá o governo
monárquico abaixo do republicano, está em que, neste, último, a voz pública
quase nunca eleva aos primeiros postos homens que não sejam esclarecidos e
capazes e não os ocupem com dignidade; ao passo que, nas monarquias os
que se elevam é, as mais das vezes, pequenos rixentos, pequenos velhacos,
pequeno intrigantes, cujos pequenos engenhos, que permitem, nas cortes,
alcançar os grandes postos, só lhes servem para demonstrar ao público o
quanto são ineptos, tão logo aí consigam chegar. No tocante a essa escolha, o
povo se engana bem menos que o príncipe, de sorte que é quase tão raro
encontrar um homem de real mérito no ministério quanto um tolo à testa de um
governo republicano. Quando acontece, por um desses felizes acasos, que um
desses homens nascidos para governar toma o timão dos negócios, numa
monarquia quase arruinada por esses acervos de belos regentes, fica-se
surpreso dos recursos por ele encontrados, e tal coisa faz época no país.
Para que um Estado monárquico possa ser bem governado, seria
preciso que sua grandeza ou extensão fosse mensurada conforme a faculdade
de quem governa. É mais fácil conquistar que administrar. Com uma alavanca
adequada pode-se abalar o mundo; mas, para sustentá-lo, são necessários os
ombros de Hércules. Por pequena que seja a grandeza de um Estado, o
príncipe é sempre demasiado pequeno.
Quando, ao contrário, acontece de o Estado ser muito pequeno
para o porte de seu chefe, o que, de resto, é muito raro, é ainda assim mal
governado, porque o chefe, seguindo sempre a grandeza de seus alvos,
esquece os interesses dos povos, e não os faz menos infelizes, pelo abuso do
excessivo talento, que um chefe limitado, por carecer de talento. Seria preciso,
por assim dizer, que um reino se expandisse ou se restringisse, em cada
reinado, de acordo com a capacidade do príncipe; ao passo que os dotes de
um senado, tendo medidas mais fixas, pode impor ao Estado constantes
limitações e não prejudicar administração.
Inconveniente mais sensível do governo de uma única pessoaconsiste na falta dessa sucessão contínua, que forma nos dois outros uma
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ligação ininterrupta. As eleições abrem intervalos perigosos; são tempestuosos;
e a menos que os cidadãos sejam de um desinteresse, de uma integridade
acima dos méritos desse governo, as disputas e a corrupção se misturam. É
difícil que aquele, a quem o Estado foi vendido, não o venda por seu turno, e
não se indenize, à custa dos fracos, do dinheiro, que os poderosos lhe
extorquiram. Cedo ou tarde, tudo se torna venal sob semelhante administração,
e a paz de que se desfruta sob o governo dos reis passa a ser então pior que a
desordem dos interregnos.
Que foi feito para prevenir esses males? Fez-se com que, em
certas famílias, as coroas se tornassem hereditárias, e estabeleceu-se uma
ordem de sucessão que previne qualquer disputa em conseqüência da morte
dos reis; isto é, substituindo-se o inconveniente das regências ao das eleições,
preferiu-se uma aparência tranqüila a uma administração sábia, e se achou
melhor correr o risco de ter por chefes crianças, monstros e imbecis, a ter de
questionar sobre a escolha de bons reis. Não se considerou que,expondo-se
assim aos riscos da alternativa, colocam-se quase todas as oportunidades
contra si mesmo.
Uma seqüência dessa falta de coerência é a inconstância do
governo real, que, regulando-se, ora por um plano, ora por outro, segundo o
caráter do príncipe que reina ou dos que reinam por ele, não pode ter por muito
tempo um objetivo fixo nem uma conduta conseqüente, variação que faz o
Estado flutuar permanentemente de máxima em máxima, de projeto em
projeto, e que não tem lugar nas outras formas de governo em que o príncipe é
sempre o mesmo. Vê-se também, em geral, que, se há mais astúcia numa
corte, há mais sabedoria num senado, e que as repúblicas perseguem seus
objetivos por meios mais constantes e melhor seguidos; isso porque, cada
revolução no ministério provoca outra, e a máxima comum a todos os ministros
e a quase todos os reis é a de fazer em tudo o contrário de seu predecessor.
Dessa mesma incoerência tira-se ainda a solução dum sofisma
muito familiar aos políticos realistas: não apenas a de comparar o governo civil
ao governo doméstico, o príncipe ao pai de família, erro já refutado, como
ainda a de dar liberalmente a esse magistrado todas as virtudes de que ele
necessitaria, e até sempre supor que o príncipe é de fato o que deveria ser,suposição com a ajuda da qual o governo do rei é evidentemente preferível a
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qualquer outro, pois que é sem contestação o mais forte, e, para ser também o
melhor, só lhe falta uma vontade de corpo mais conforme com a vontade geral.
Mas, se consoante Platão, o rei, por natureza, é um personagem
tão raro, quantas vezes concorrem natureza e a fortuna para coroá-lo? E se a
educação real corrompe necessariamente os que a recebem, que se deve
esperar de uma seqüência de homens distinguidos para reinar? É, portanto,
querer o governo real com o governo de um bom rei. Para ver o que é esse
governo em si mesmo, deve-se considerá-lo sob o mando de príncipes
limitados ou perversos, pois como tais chegarão ao trono ou o trono os tornará
tais.
Essas dificuldades não escaparam aos nossos autores; mas eles
não se embaraçaram nisso. O remédio consiste, disseram eles, em obedecer
sem murmurar. Deus, em sua cólera, dá os maus reis, e é preciso suportá-los
como castigo do céu. Tal opinião é sem dúvida edificante; mas, parece-me, que
calharia melhor no púlpito que num livro de política. Que dizer de um médico
que promete milagres, e cuja arte reside apenas em exortar o doente à
paciência? Sabe-se perfeitamente que é preciso padecer um mau governo,
quando se o tem; a questão consistirá em encontrar um bom.
VII – Dos governos mistos.
Propriamente falando, não há governo simples. É necessário a
um chefe único possuir magistrados subalternos; é indispensável a um governo
popular ter um chefe. Assim, na partilha do poder executivo há sempre
gradação do grande número ao menor, com a diferença que ora é o grande
número que depende do pequeno, ora é o pequeno que depende do grande.
Algumas vezes ocorre uma divisão igual, seja quando as partes
constitutivas estão em mútua dependência, como no governo da Inglaterra,
seja quando a autoridade de cada parte é independente, mas imperfeita, como
na Polônia. Esta última forma é má, pelo fato de não haver unidade no governo
e de ao Estado faltar ligação.
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Qual é melhor, um governo simples ou um misto? E uma questão
muito debatida entre os políticos e atual se deve dar a mesma resposta dada
anteriormente a propósito de toda forma de governo.
O governo simples é melhor em si, pelo simples fato de ser
simples. Entretanto, quando o poder executivo pouco depende do legislativo,
isto é, quando há mais relação entre o príncipe e o soberano que entre o povo
e o príncipe, é necessário remediar essa falta de proporção dividindo o
governo; porque, então, todas as suas partes têm igual autoridade sobre os
vassalos, e a divisão delas torna-as, todas em conjunto. Menos fortes contra o
soberano.
Previne-se ainda o mesmo inconveniente estabelecendo
magistrados intermediários, que, deixando o governo em sua inteireza, servem
apenas para criar o equilíbrio entre os dois poderes e conservar seus
respectivos direitos. O governo, então, deixa de ser misto, para ser temperado.
Pode-se remediar, por meios semelhantes, o inconveniente
oposto, e quando o governo é excessivamente frouxo, erigir tribunais a fim de
reforçá-lo. Tal coisa se pratica em todas as democracias. No primeiro caso,
divide-se o governo para enfraquecê-lo, e no segundo, para fortalecê-lo;
porque o máximo de força e de fraqueza encontra-se igualmente nos governos
simples, enquanto que as formas mistas produzem uma força média.
VIII – Nem toda forma de governo é apropriada a todos os
países.
Não sendo a liberdade um fruto de todos os climas, não está ao
alcance de todos os povos. Quanto mais medita sobre esse princípio
estabelecido por Montesquieu, mais se lhe percebe a veracidade. Quanto se a
contesta, tanto mais se lhe dá oportunidade para estabelecer-se através de
novas provas.
Em todos os governos do mundo, a pessoa pública consome e
nada produz. De onde lhe vem, pois, substância consumida? Do trabalho de
seus membros. É o supérfluo dos particulares que produz necessário do
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público: segue-se daí que o estado civil só pode subsistir enquanto o trabalho
dos homens rende mais que as suas necessidades.
Ora, esse excedente não é o mesmo em todos os países do
mundo. Em inúmeros deles, é considerável; em outros, medíocre, em outro
ainda, nulo; em alguns, negativo. Essa relação depende da fertilidade do clima,
do tipo de trabalho exigido pelo solo, da natureza de suas produções, da força
de seus habitantes, da maior ou menor consumição necessária, e de
numerosas outras relações semelhantes das quais são os países compostos.
Por outro lado, nem todos os governos possuem a mesma
natureza; há os dotados de maior ou menor voracidade, e as diferenças estão
baseadas neste princípio: quanto mais as contribuições públicas se distanciam
de sua fonte, tanto mais se tornam onerosas. Não é pela quantidade de
imposições que se deve medir essa carga, mas pelo caminho a ser feito por
elas a fim de regressarem às mãos de que saíram. Quando essa circulação é
realizada e bem estabelecida, pague-se pouco ou muito, o povo é sempre rico
e as finanças caminham sempre a contento. [Quando, ao contrário, por pouco
que contribua esse pouco não retorna às suas mãos, em contribuindo sempre o
povo depressa se exaure; o Estado jamais será rico, e povos indigente.
Infere-se daí que quanto mais aumenta a distância entre o povo e
o governo, mais se tornam onerosos os tributos. Assim sendo, na democracia,
o povo é o menos sobrecarregado; na aristocracia, ele o é um pouco mais; na
monarquia, carrega o maior peso. A monarquia, portanto, só convém às nações
opulentas; a aristocracia, aos Estados medíocres em riqueza, bem como em
tamanho; a democracia, aos Estados pequenos e pobres. Com efeito, na
medida em que mais nisso refletimos, melhor vamos percebendo a diferença
entre os Estados livres e os monárquicos: nos primeiros, tudo é empregado no
sentido do interesse comum; nos segundos, as forças públicas e particulares
funcionam de maneira recíproca, e o aumento de uma corresponde ao
enfraquecimento da outra; enfim, ao invés de governar os vassalos para fazê-
los felizes, despotismo torna-os miseráveis a fim de governá-los. Eis, portanto,
em cada clima, causas naturais, que permitem indicar a forma de governo a
que a força do clima conduz, e mesmo dizer que espécie de habitantes deve
ele possuir. Os sítios ingratos e estéreis onde o produto não compensa otrabalho devem permanecer incultos e desertos, ou povoados unicamente por
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selvagens; os lugares em que o trabalho dos homens não produz senão o
necessário deve ser habitado pelos povos bárbaros, pois qualquer política aí
seria impossível; as regiões em que oexcesso do produto sobre o trabalho é
medíocre convém aos povos livres; e aquelas, cujo solo fértil abundante
fornece grande quantidade de produtos em troca de pouco trabalho, devem ser
governadas Monarquicamente, para que o luxo do príncipe consuma o excesso
do supérfluo dos vassalos; porque mais convém seja esse excesso absorvido
pelo governo a ser dissipado pelos particulares. Há exceções, eu o sei; mas
justamente essas exceções confirmam a regra, nisso em que, cedo ou tarde,
produzem revoluções, as quais reconduzem as coisas à ordem natural.
Distingamos sempre as leis gerais das causas particulares
capazes de modificar o efeito delas. Mesmo que todo o Meio-Dia estivesse
coberto de repúblicas e todo o Norte de Estados despóticos, não seria menos
verdade que, por motivo do clima, conviria o despotismo aos países quentes, a
barbárie aos países frios, e a boa civilização às regiões intermediárias. Vejo,
igualmente, que, aceitando o princípio, podemos discutir a sua aplicação;
podemos dizer que há países frios bastante férteis e meridionais muito
ingratos. Mas tal dificuldade somente existe para quem não examina o fato em
todas as suas relações. Impreciso, como já deixei dito, contar com as de
trabalho, de forças, de consumo, etc.
Suponhamos que, de dois terrenos iguais, um produza cinco e
outro dez. Se os habitantes do primeiro consumirem quatro e os do segundo
nove, o excesso do primeiro produto será um quinto, e o do segundo um
décimo. A relação desses dois excessos será, portanto, inversa da dos
produtos, e o terreno que não produzirá mais que cinco dará um duplo
supérfluo do terreno que produzirá dez.
Mas não se trata de um produto duplo, e eu não creio haja alguém
que ouse, em geral, colocar a fertilidade dos países frios em confronto com a
dos países quentes. Todavia, admitamos essa igualdade: deixemos se
quisermos a Inglaterra em equilíbrio com a Sicília, e a Polônia com o Egito;
mais ao
Meio-Dia terem as a África e as Índias; mais ao Norte, nada mais
teremos. Para essa igualdade de produção, que diferença de cultura! NaSicília, basta arranhar o solo; na Inglaterra, que de cuidados para trabalharem!
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Ora, no lugar em que se faz necessário maior número de braços para se obter
a mesma produção, o supérfluo deve necessariamente ser menor.
Considerai, além disso, que a mesma quantidade de homens
consome muito menos nos países quentes. O clima exige que sejamos sóbrios
para nos sentirmos bem: os europeus que ali pretendem viver como em seus
próprios países, perecem todos de disenteria e indigestões. “Somos”, diz
Chardin, “feras carniceiras, lobos comparados com os asiáticos. Alguns
atribuem à sobriedade dos persas ao fato de seu país ser menos cultivado;
quanto a mim, creio, ao contrário, que há ali menos abundância de gêneros,
porque deles menos necessitam os habitantes. Se sua frugalidade”, contínua
Chardin, “fosse um efeito da penúriado país, então apenas os pobres comeriam
pouco, em lugar de todos geralmente jejuarem, e, em cada província, segundo
a fertilidade do solo, seria maior ou menor o consumo de gêneros, ao invés de
as mesma sobriedade ser idêntica em todo o reino. Os persas se vangloriam
de sua maneira de viver,dizendo que basta olhar-lhes a pele para reconhecer
quanto é melhor que a dos cristãos. Na verdade, a tez dos persas é lisa, é bela,
fina e lustrosa; ao passo que a dos armênios, seus vassalos, que vivem à
maneira européia, é rude, avermelhada, e eles têm o corpo grosso e pesado.”
Quanto mais se aproximam do Equador, tanto mais vivem os
povos com menos. Raramente comem carne; o arroz, o milho, o cuscuz, a
mandioca constituem seus alimentos vulgares. Há na Índia milhões de homens
cuja alimentação não custa um soldo por dia. Mesmo na Europa, vemos
sensíveis diferenças, no que concerne ao apetite, entre os povos do Norte e os
do Meio-Dia. Um espanhol viverá oito dias do jantar de um alemão. Nos países
em que os homens são mais vorazes, também o luxo se volta para as coisas
de consumo. Na Inglaterra, mostra-se numa mesa sobrecarregada de carnes;
na Itália, sereis regalados com açúcar e flores.
O luxo dos trajes também oferece semelhantes diferenças. Nos
climas em que as mudanças das estações são rápidas e violentas, usam-se
roupas melhores e mais simples; naqueles em que a gente se veste apenas
para enfeitar-se, procura-se mais efeito que utilidade; o próprio traje constitui aí
um luxo.
Em Nápoles, vereis todos os dias, no Posilipo, homens apassear em vestes douradas, e sem meias. O mesmo acontece no tocante aos
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edifícios; tudo se emprega na magnificência, quando nada se tem a temer das
injúrias do ar. Em Paris, em Londres, quer-se estar alojado cálida e
comodamente; em Madri, têm-se salões soberbos, mas nenhuma janela que
feche, e dorme-se em ninhos de ratos.
Os alimentos são muito mais nutritivos e suculentos nos países
quentes; é uma terceira diferença que não pode deixar de influir sobre a
segunda. Por que se consomem tantos legumes na Itália? Porque são ali
excelentes, nutritivos e saborosos. Em França, onde apenas são nutridos de
água, também não alimentam quem os consome e são perfeitamente
dispensáveis na mesa. Não ocupam, portanto, menor extensão de terreno, e
dão em todo caso tanto trabalho para serem cultivados. Sabe-se, por
experiências realizadas, que os trigos da Barbaria, de resto inferiores aos de
França, rendem muito mais em farinha, e que os de França, por sua vez, dão
maior rendimento que os trigos do Norte: de onde se pode inferir que
semelhante gradação é geralmente observada no mesmo rumo do equador ao
pólo. Ora, não constitui visível desvantagem haver em igual produto uma
menor quantidade de alimentos?
A todas essas diversas considerações posso acrescentar outra
que delas decorre e as fortifica: a de e os países quentes não necessitam de
tantos habitantes como os países frios, podendo alimentá-los por mais tempo,
o que produz um duplo supérfluo, sempre vantajoso para o despotismo. Quanto
maior o úmero de homens a ocupar uma grande superfície, mais difícil se
tornam as revoltas, porque não se a de concertar nem pronta nem
secretamente, sendo sempre fácil ao governo descobrir os projetos e ar as
comunicações; mas, quanto mais um povo numeroso se aproxima, menos
pode o governo a soberania. [Os chefes também deliberam em seus gabinetes
com a mesma segurança com que os príncipe seu conselho, e a turba reúnem-
se com tanta presteza nas praças quanto as tropas em seus quartéis. A
vantagem de um governo tirânico está, pois, em agir a grandes distâncias.
Com a ajuda de pontos de apoio que a si mesmo se dá, sua força
aumenta de longe como a das alavancas do povo, ao contrário, só age quando
concentrada. Evapora-se e perde-se esta, se estender, Considerai, além disso,
que a mesma quantidade de homens consome muito menos nos paísesquentes. O clima exige que sejamos sóbrios para nos sentirmos bem: os
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europeus que ali como em próprios países, perecem todos de disenteria e
indigestões. “Somos”, diz Chardin, “feras carniceiras, lobos comparados com
os asiáticos. Alguns atribuem a sobriedade dos persas ao fato de seu país ser
menos cultivado; quanto a mim, creio, ao contrário, que há ali menos
abundância de gêneros, porque deles menos necessitam os habitantes. Se sua
frugalidade”, contínua Chardin, “fosse um efeito da penúria do país, então
apenas os pobres comeriam pouco, em lugar de todos geralmente jejuarem, e,
em cada província, segundo a fertilidade do solo, seria maior ou menor o
consumo de gêneros, ao invés de mesma sobriedade ser idêntica em todo o
reino. Os persas se vangloriam de sua maneira de viver,dizendo que basta
olhar-lhes a pele para reconhecer quanto é melhor que a dos cristãos. Na
verdade, a tez dos persas é lisa, é bela, fina e lustrosa; ao passo que a dos
armênios, seus vassalos, que vivem à maneira européia, é rude, avermelhada,
e eles têm o corpo grosso e pesado.”
Quanto mais se aproximam do Equador, tanto mais vivem os
povos com menos. Raramente comem o arroz, o milho, o cuscuz, as
mandiocas constituem seus alimentos vulgares. Há na Índia milhões homens
cuja alimentação não custa um soldo por dia. Mesmo na Europa, vemos
sensíveis diferenças, no que concerne ao apetite, entre os povos do Norte e os
do Meio-Dia. Um espanhol viverá oito dias do jantar de um alemão. Nos países
em que os homens são mais vorazes, também o luxo se volta para asoisas de
consumo. Na Inglaterra, mostra-se numa mesa sobrecarregada de carnes; na
Itália, sereis regalados com açúcar e flores.
O luxo dos trajes também oferece semelhantes diferenças. Nos
climas em que as mudanças das estações são rápidas e violentas, usam-se
roupas melhores e mais simples; naqueles em que a gente se veste apenas
para enfeitar-se, procura-se mais efeito que utilidade; o próprio traje constitui aí
um luxo.
Em Nápoles, verão todos os dias, no Posilipo, homens a passear
em vestes douradas, e sem meias. Otimismo acontece no tocante aos edifícios;
tudo se emprega na magnificência, quando nada se tem a temer das injúrias do
ar. Em Paris, em Londres, quer-se estar alojado cálida e comodamente; em
Madri, têm-sesalões soberbos, mas nenhuma janela que feche, e dorme-se emninhos de ratos.
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Os alimentos são muito mais nutritivos e suculentos nos países
quentes; é uma terceira diferença que não pode deixar de influir sobre a
segunda. Por que se consomem tantos legumes na Itália? Porque são ali
excelentes, nutritivos e saborosos. Em França, onde apenas são nutridos de
água, também não alimentam quem os consome e são perfeitamente
dispensáveis na mesa. Não ocupam, portanto, menor extensão de terreno, e
dão em todo caso tanto trabalho para serem cultivados. Sabe-se, por
experiências realizadas, que os trigos da Barbaria, de resto inferiores aos de
França, rendem muito mais em farinha, e que os de França, por sua vez, dão
maior rendimento que os trigos do Norte: de onde se pode inferir que
semelhante gradação é geralmente observada no mesmo rumo do equador ao
pólo. Ora, não constitui visível desvantagem haver em igual produto uma
menor quantidade de alimentos?
A todas essas diversas considerações posso acrescentar uma
outra que delas decorre e as fortifica: a deque os países quentes não
necessitam de tantos habitantes como os países frios, podendo alimentá-los
por mais tempo, o que produz um duplo supérfluo, sempre vantajoso para o
despotismo. Quanto maior o número de homens a ocupar uma grande
superfície, mais difícil se tornam as revoltas, porque não se as pode concertar
nem pronta nem secretamente, sendo sempre fácil ao governo descobrir os
projetos encurtar as comunicações; mas, quanto mais um povo numeroso se
aproxima, menos pode o governo usurpar a soberania. Os chefes também
deliberam em seus gabinetes com a mesma segurança com que os príncipes o
fazem em seu conselho, e a turba reúne-se com tanta presteza nas praças
quanto as tropas em seus quartéis. A vantagem de um governo tirânico está,
pois, em agir a grandes distâncias.
Com a ajuda de pontos de apoio que a si mesmo se dá, sua força
aumenta de longe como a das alavancará do povo, ao contrário, só age
quando concentrada. Evapora-se e perde-se esta, se se estender, como o
efeito da pólvora espalhada por terra, que só pega fogo grânulo por grânulo. Os
países menos povoados são assim os mais apropriados à tirania, os animais
ferozes imperam somente nos desertos.
IX – Dos sinais de um bom governo.
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Quando então se pergunta qual é o melhor governo, propõe-se
uma questão insolúvel e indeterminada; ou, se quiser que possua tantas boas
soluções quantas combinações possíveis nas posições absolutas, e relativasdos povos.
Mas, se se perguntasse por que sinais é possível conhecer se um
determinado povo está sendo bem ou mal governada, a coisa seria outra, e a
questão de fato poderia ser resolvida.