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Construção Coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos

Contribuições à EJA

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Proporcionar reflexões a profissionais, tanto para análise crítica das políticas no contextonacional e local em que a EJA se insere quanto para fundamentar einspirar a elaboração de propostas educativas e exercitar o pensarsobre o fazer pedagógico.

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  • cao popular e mobilizao em

    torno de polticas pblicas para a rea.

    O processo de construo coletiva daEJA, refletido no ttulo da publicao,reflete os caminhos da estruturao dapoltica pblica nacional de educaode jovens e adultos, iniciada pelaSecretaria de Educao Continuada,Alfabetizao e Diversidade (SECAD)com seus diversos interlocutores.

    No processo de construo, os edu-cadores so agentes sociais fundamen-tais, responsveis por concretizar prin-cpios em prticas educativas, sem osquais os desafios ainda presentes nocampo educacional brasileiro no pode-riam ser enfrentados. Esta coletneadestina-se aos educadores de jovens eadultos, pelo reconhecimento do papelcentral que desempenham na educaoe no desenvolvimento humano, com oobjetivo de apoiar e fortalecer as aesque empreendem.

    Os textos selecionados abordamconceitos, informaes e experinciasque alm de orientar e inspirar edu-cadores em suas prticas, tambmservem como eixos para ao reflexivadesses profissionais, tanto para anlisecrtica das polticas no contexto nacio-nal e local em que a EJA se insere,quanto para fundamentar e inspirar aelaborao de propostas educativase exercitar o pensar sobre o fazer peda-ggico.

    Assim, convidamos os leitores a trilhar,por meio do estudo e da reflexo, opercurso realizado pelos autores aquireunidos ao abordarem temas e ques-tes to caras educao de jovens eadultos.

    ConstruoColetiva:

    contribuies educao de

    jovens e adultos

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    Capa_Const_Coletiva:CAPA VOL3 4/8/08 4:42 PM Page 1

    JulianaHenriquesRetngulo

  • A Coleo Educao para Todos,lanada pelo Ministrio da Educao(MEC) e pela Organizao das NaesUnidas para a Educao, a Cincia e aCultura (UNESCO), em 2004, apresen-ta-se como um espao para divulga-o de textos, documentos, relatriosde pesquisas e eventos, estudos depesquisadores, acadmicos e edu-cadores nacionais e internacionais,no sentido de aprofundar o debateem torno da busca da educao paratodos.

    Representando espao de interlo-cuo, de informao e de formaopara gestores, educadores e pessoasinteressadas no campo da educaocontinuada, reafirma o ideal de incluirsocialmente um grande nmero de jo-vens e adultos, excludos dos processosde aprendizagem formal, no Brasil eno mundo.

    Para a Secretaria de Educao Con-tinuada, Alfabetizao e Diversidade(SECAD), a educao no pode estarseparada, nos debates, de questescomo desenvolvimento ecologicamentesustentvel, gnero e orientao se-xual, direitos humanos, justia e de-mocracia, qualificao profissional emundo do trabalho, etnia, tolerncia epaz mundial. A compreenso e o res-peito pelo diferente e pela diversidadeso dimenses fundamentais do pro-cesso educativo.

    Este volume, o n 3 da coleo, rene

    textos originalmente publicados na

    Revista Alfabetizao e Cidadania,

    editada pela Rede de Apoio Ao

    Alfabetizadora do Brasil (RAAAB), rede

    que se dedica ao intercmbio e a siste-

    matizao de experincias, formao

    de educadores de jovens e adultos

    sob inspirao do paradigma da edu-

    cao popular e mobilizao em

    torno de polticas pblicas para a rea.

    O processo de construo coletiva daEJA, refletido no ttulo da publicao,reflete os caminhos da estruturao dapoltica pblica nacional de educaode jovens e adultos, iniciada pelaSecretaria de Educao Continuada,Alfabetizao e Diversidade (SECAD)com seus diversos interlocutores.

    No processo de construo, os edu-cadores so agentes sociais fundamen-tais, responsveis por concretizar prin-cpios em prticas educativas, sem osquais os desafios ainda presentes nocampo educacional brasileiro no pode-riam ser enfrentados. Esta coletneadestina-se aos educadores de jovens eadultos, pelo reconhecimento do papelcentral que desempenham na educaoe no desenvolvimento humano, com oobjetivo de apoiar e fortalecer as aesque empreendem.

    Os textos selecionados abordamconceitos, informaes e experinciasque alm de orientar e inspirar edu-cadores em suas prticas, tambmservem como eixos para ao reflexivadesses profissionais, tanto para anlisecrtica das polticas no contexto nacio-nal e local em que a EJA se insere,quanto para fundamentar e inspirar aelaborao de propostas educativase exercitar o pensar sobre o fazer peda-ggico.

    Assim, convidamos os leitores a trilhar,por meio do estudo e da reflexo, opercurso realizado pelos autores aquireunidos ao abordarem temas e ques-tes to caras educao de jovens eadultos.

    Capa_Const_Coletiva:CAPA VOL3 4/8/08 4:42 PM Page 2

  • Education SectorDivision of Educational policies and StrategiesSection for Support for National Educational Development/ UNESCO-Paris

    edies MEC/UNESCO

    Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da Silva

    Ministro da EducaoFernando Haddad

    Secretrio-ExecutivoJos Henrique Paim Fernandes

    Secretrio de Educao Continuada, Alfabetizao e DiversidadeRicardo Henriques

    SECAD Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e DiversidadeEsplanada dos Ministrios, Bl. L, sala 700Braslia, DF, CEP: 70097-900Tel.: (55 61) 2104-8432Fax: (55 61) 2104-9423

    Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaRepresentao no BrasilSAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar70070-914 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) 3322-4261Site: www.unesco.org.br E-mail: [email protected]

  • JulianaHenriquesRetngulo

  • Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitao de suas fronteiras ou limites.

    2005. Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (SECAD) e Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO)Segunda Impresso: 2006.

    Conselho Editorial da UNESCO no BrasilAdama OuaneAlberto MeloClio da CunhaDalila ShepardOsmar FveroRicardo Henriques

    Coordenao EditorialCoordenao Editorial da UNESCO: Clio da Cunha Assistente Editorial da UNESCO: Larissa Vieira Leite

    Coordenao Editorial da SECAD/MEC: Timothy Denis Ireland Assistente Editorial da SECAD/MEC: Fernanda Frade

    Reviso: Reinaldo Lima Diagramao: Fernando BrandoProjeto Grfico e Capa: Edson FogaaTiragem: 5.900 exemplares

    Construo coletiva: contribuies educao de jovens e adultos. Braslia :UNESCO, MEC, RAAAB, 2005.

    362p. (Coleo educao para todos; 3).

    ISBN: 85-7652-049-4

    1. Educao de Adultos 2. Educao Universal 3. Democratizao da Educao I. UNESCO II. Brasil. Ministrio da Educao III. RAAAB

    CDD 379.2

  • Instituto Paulo Freire Rua Cerro Cor, 550, 2 andar , Cj. 22 Alto da Lapa CEP: 05061-100 So Paulo, SPFone: (11) 3021-5536 Fax: (11) 3021-5589E-mail: [email protected]

    DILOGO - Pesquisa e Assessoria em Educao PopularRua Vigrio Jos Incio, 399, sala 411 Centro CEP: 90020-100 POA/RSFones: (51) 3221-7476 e 9917-1788E-mail: [email protected]

    Projeto Escola Z Peo ParabaCentro de Educao Ambiente dos professores, 13 e 14 Campus I, UFPB, Castelo Branco, Joo Pessoa-PBSintricom, Rua Cruz Cordeiro 75 VaradouroCEP 58010-120 Joo Pessoa-PB Fones: (83) 3216 7687 e 3221 1807 E-mail: [email protected]

    PArcEIrOsEsta obra contou com o apoio/participao

    das seguintes entidades/organizaes:

  • sUMrIO

    Apresentao ....................................................................................11

    Polticas pblicas de educao de jovens e adultos: trajetrias .......15

    Um balano da evoluo recente da educao de jovens e

    adultos no Brasil ...............................................................................17

    Maria Clara Di Pierro

    Parceria: uma faca de muitos gumes ...............................................31

    Antonio Munarim

    Educao de jovens e adultos: fios e desafios na construo

    de sua identidade .............................................................................49

    Zenaide Maria Santos

    Reconhecendo alguns conceitos .....................................................61

    Um sonho que no serve ao sonhador ...........................................63

    Jos Carlos e Vera Barreto

    Os direitos humanos na histria ......................................................69

    Margarida Bulhes Pedreira Genevois

    Alfabetizao: a ressignificao do conceito ..................................87

    Magda Soares

  • 8Por dentro do mundo do trabalho ....................................................95

    Uma prtica educativa com operrios da construo ....................97 Timothy Ireland

    Educao bsica de jovens e adultos e trabalho ..........................109 Marisa Brando

    Contribuies da CUT para uma educao emancipadora ..........121 Maristela Miranda Brbara

    Movimentos na diversidade ............................................................129

    Uma poltica para educao indgena: as amarrasda especificidade ............................................................................131 Marina Kahn

    Identidades juvenis e escola ..........................................................153 Paulo Csar Rodrigues Carrano

    As prticas educativas do movimento negro e a educaode jovens e adultos ........................................................................165 Joana Clia dos Passos

    Vinte anos do MST: sempre tempo de aprender ......................175 Maria Cristina Vargas

    Educadores em formao .............................................................189

    Para pensar sobre a linguagem escrita do Mova-SP .....................191 Ana Lcia Silva Souza

    Formao de educadores: aprendendo com a experincia .........201 Cludia Lemos Vvio Maurilene de Souza Bicas

  • 9Avaliao emancipatria no Seja: no tempo do fazer

    e do aprender .................................................................................213

    Anzia Viero

    Cla Penteado Sandra Rangel Garcia

    O currculo e o ambiente escolar ....................................................219

    A educao de jovens e adultos em tempos de excluso ...........221

    Miguel Arroyo

    Tendncias recentes dos estudos e das prticas curriculares ......231

    Ins Barbosa de Oliveira

    O currculo das escolas do MST ....................................................243

    Roseli Salete Caldart

    Da oralidade escrita .....................................................................259

    Oralidade e escrita: notas para pensar as prticas

    de alfabetizao ..............................................................................261

    Tnia Dauster

    Experincias de leitores e ouvintes de folhetos de cordel ..........275

    Ana Maria de Oliveira Galvo

    Roda de leitura: a leitura no centro do processo de formao de alfabetizadores de jovens e adultos ..............................................287

    Graa Helena Silva de Souza

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    Entender-se com a matemtica ......................................................299

    Explorando o uso da calculadora no ensino de matemticapara jovens e adultos .....................................................................301 Antnio Jos Lopes (Bigode)

    Educao matemtica e EJA...........................................................321 Maria da Conceio Ferreira Reis Fonseca

    A matemtica e a apropriao dos cdigos formais ....................333 Lucillo de Souza Junior

    Eplogo ...........................................................................................345

    A poltica de educao de jovens e adultos no governo Lula ...347 Ricardo Henriques Timothy Ireland

    Autores ............................................................................................359

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    APrEsEntAO

    A educao pblica de qualidade uma das principais vias para construo de uma sociedade mais justa, solidria e democrtica. Nesse sentido, constitui-se em uma poderosa ferramenta para a mudana social. Em primeiro lugar, porque a educao o elemento fundamental para o desenvolvimento pessoal e para a realizao da vocao de ser humano. Segundo, porque o caminho para formar pessoas sensveis para as questes que afetam a todos e a grupos minoritrios, para a prtica da liberdade e para o exerccio da cidadania. Terceiro, porque uma das vias para a ampliao do processo produtivo e desenvolvimento tecnolgico do pas. Quarto, porque o caminho para a mobilizao social, sem a qual as mudanas no se viabilizam, a modernizao no distribui seus frutos e no se superam as desigualdades e a excluso.

    Essa perspectiva tem influenciado o desenho de polticas e o enfrentamento dos desafios que se avolumam no campo educacional brasileiro. Em especial, a Educao de Jovens e Adultos EJA constituiu-se, nos ltimos anos, como um campo estratgico para fazer frente excluso e desigualdade social e assumiu novos contornos, sendo vista como modalidade educativa que transborda os limites do processo de escolarizao formal, que abarca aprendizagens realizadas em diversos mbitos e ao longo de toda a vida, que se orienta para a incluso de milhes de pessoas jovens e adultas que no puderam iniciar ou completar os estudos na educao bsica.

    O processo de construo coletiva da EJA, refletido no ttulo da publicao, no apenas indica o processo de organizao dos textos que compem esta publicao, elaborada em parceria com a Rede de Apoio Ao Alfabetizadora do Brasil RAAAB, mas reflete os caminhos de construo coletiva da poltica pblica nacional de educao de jovens e adultos, iniciada pela Secretaria

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    de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade Secad com seus diversos interlocutores.

    A RAAAB, originada de uma articulao de organizaes no-governamentais (ONGs), na dcada de oitenta, hoje abrange educadores e coordenadores de programas de educao de adultos, pesquisadores, administraes pblicas, movimentos sociais, sindicatos e outras entidades ligadas rea no Brasil. A Rede teve ativa participao em vrios eventos e mobilizaes ocorridos na ltima dcada destacando o seu papel na articulao dos Encontros Nacionais de Educao e Jovens e Adultos Enejas, realizados anualmente desde 1999.

    No processo de construo, os educadores so agentes sociais fundamentais, responsveis por concretizar princpios em prticas educativas, sem os quais os desafios ainda presentes no campo educacional brasileiro no poderiam ser enfrentados. Esta coletnea se destina aos educadores de jovens e adultos, pelo reconhecimento do papel central que desempenham na educao e no desenvolvimento humano, com o objetivo de apoiar e fortalecer as aes que empreendem.

    Os textos aqui reunidos artigos, relatos de experincias e prticas foram publicados nos dezoito nmeros da Revista Alfabetizao e Cidadania, publicao da RAAAB. Desde 1994, este peridico tem se constitudo em um importante espao para o intercmbio de experincias, a sistematizao de prticas e a disseminao de princpios e idias por parte de pesquisadores, gestores de polticas, representantes de movimentos sociais, educadores e educandos que se inserem no campo da EJA. Entretanto mais importante, ao longo de sua histria, a Revista tornou-se fundamental nos processos de formao de educadores.

    Diferentemente da publicao original, aqui os textos foram reagrupados em oito blocos, acrescido o eplogo, perpassando dimenses e temas relevantes para todos os envolvidos diretamente na EJA. Em especial, abordam conceitos, informaes e experincias que, alm de orientar e inspirar educadores em suas prticas, tambm servem como eixos para a ao reflexiva desses

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    profissionais, tanto para anlise crtica das polticas no contexto nacional e local em que a EJA se insere quanto para fundamentar e inspirar a elaborao de propostas educativas e exercitar o pensar sobre o fazer pedaggico.

    Esse trajeto comea com um balano das polticas e diretrizes traadas para EJA no Brasil, a partir da V Conferncia Internacional de Educao de Adultos (1997) e se encerra com uma apresentao das principais diretrizes da poltica de educao de jovens e adultos no Governo Lula, texto que se diferencia por ser o nico indito no livro.

    Esperamos que esta coletnea ganhe vida nas mos dos educadores, e que a leitura desses textos e o debate em torno de idias e proposies alimentem a reflexo e fortaleam as prticas pedaggicas que empreendem junto s pessoas jovens e adultas.

    Secretaria de Educao Continuada,

    Alfabetizao e Diversidade do Ministrio

    da Educao (Secad/MEC)

    Rede de Apoio Ao

    Alfabetizadora do

    Brasil (RAAAB)

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    Polticas pblicas de educao de jovens e adultos: trajetrias

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    UM bALAnO DA EvOLUO rEcEntE DA EDUcAO DE jOvEns E ADULtOs nO brAsIL

    Maria Clara Di Pierro

    1 As Conferncias Internacionais de Educao de Adultos so convocadas pela UNESCO periodicamente, a cada dez ou doze anos: a primeira ocorreu em Elsinore, na Dinamarca, em 1949; a segunda transcorreu em Montreal, no Canad, em 1960; a terceira realizou-se em Tquio, no Japo, em 1972; a quarta foi sediada em Paris, em 1985.

    2 Por educao de adultos entende-se o conjunto de processos de aprendizagem, formal ou no, graas ao qual as pessoas consideradas adultas pela sociedade a que pertencem desenvolvem as suas capacidades, enriquecem os seus conhecimentos e melhoram as suas qualificaes tcnicas ou profissionais, ou as reorientam de modo a satisfazerem as suas prprias necessidades e as da sociedade. A educao de adultos compreende a educao formal e a educao permanente, a educao no-formal e toda a gama de oportunidades de educao informal e ocasional existentes numa sociedade educativa multicultural, em que so reconhecidas as abordagens tericas e baseadas na prtica. (Art. 3 da Declarao de Hamburgo sobre Educao de Adultos, verso portuguesa).

    Em julho de 1997 a UNESCO realizou em Hamburgo, na Alemanha, a V Conferncia Internacional de Educao de Adultos Confintea1 , em que 1.500 representantes de 170 pases assumiram compromissos perante o direito dos cidados de todo o planeta aprendizagem ao longo da vida, concebida para alm da escolarizao ou da educao formal, incluindo as situaes informais de aprendizagem presentes nas sociedades contemporneas, marcadas pela forte presena da escrita, dos meios de informao e comunicao2 .

    A Declarao de Hamburgo aprovada na V Confintea atribui educao de jovens e adultos o objetivo de desenvolver a autonomia e o sentido de responsabilidade das pessoas e comunidades para

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    enfrentar as rpidas transformaes socioeconmicas e culturais por que passa o mundo atual, mediante a difuso de uma cultura de paz e democracia promotora da coexistncia tolerante e da participao criativa e consciente dos cidados.

    Dentre os temas abordados com prioridade pela Agenda para o Futuro aprovada na Conferncia, consta a garantia do direito universal alfabetizao e educao bsica, concebidas como ferramentas para a democratizao do acesso cultura, aos meios de comunicao e s novas tecnologias da informao. A educao de jovens e adultos foi valorizada tambm por sua contribuio promoo da igualdade entre homens e mulheres, formao para o trabalho, preservao do meio ambiente e da sade.

    Passados seis anos, a UNESCO realizou em setembro de 2003 uma reunio de balano intermedirio, com os objetivos de avaliar o desenvolvimento da educao de adultos aps a V Confintea, identificar novas tendncias e preparar a prxima Conferncia, que ser em 2009. Esse encontro, realizado em Bangcoc, Tailndia, reuniu cerca de trezentas pessoas, entre representantes de quarenta organizaes no-governamentais e delegaes oficiais de cinqenta pases3 . O balano da educao de adultos realizado na ocasio, sintetizado no Chamado ao e responsabilizao, no foi otimista. Em quase todos os pases houve reduo do financiamento pblico para a aprendizagem dos adultos, em grande medida decorrente da prioridade concedida por agncias internacionais (como o Banco Mundial) e governos nacionais educao primria das crianas e adolescentes. O potencial de contribuio da educao de adultos soluo dos conflitos globais, ao combate pobreza, reduo da violncia, preservao do meio ambiente e preveno da aids no tem sido adequadamente aproveitado.

    3 O Brasil no enviou delegao oficial V Confintea + 6, embora o governo tenha remetido um documento de balano. Um pequeno grupo de especialistas brasileiros provenientes de universidades, institutos, fundaes e organizaes no- governamentais participou da Reunio de Balano Intermedirio, a convite da UNESCO.

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    A trAjEtrIA brAsILEIrA EntrE HAMbUrGO E bAnGcOc

    Neste artigo, procura-se avaliar os seis anos transcorridos aps a V Confintea percorrendo rapidamente dois percursos. Primeiro, analisa-se em que medida as concepes e propostas gerais da Conferncia foram assimiladas e influenciaram a educao de jovens e adultos no Brasil. A seguir, renem-se alguns resultados da educao de jovens e adultos, aferindo se as metas e compromissos assumidos em Hamburgo esto sendo alcanados.

    1. A renovao conceitual e suas implicaes para as polticas educacionais

    Na Declarao de Hamburgo e na Agenda para o Futuro, a alfabetizao mencionada como necessidade de aprendizagem relacionada ao contexto sociocultural, que serve de ferramenta para processos de transformao dos indivduos e coletividades, especialmente quando vinculada a outros domnios da vida social como a sade, a justia, o desenvolvimento urbano e rural.

    Nos anos recentes, a concepo de alfabetizao como processo de letramento, que guarda similaridade com o conceito adotado em Hamburgo, ganhou terreno entre os estudiosos brasileiros4 , mas programas e campanhas de curta durao que adotam prticas de alfabetizao centradas na decodificao do sistema alfabtico ainda constituem a estratgia de poltica pblica mais difundida no pas. So evidncias disso: a insistncia do Programa Alfabetizao Solidria em manter um mdulo de alfabetizao de cinco meses, mesmo contra a opinio de muitos de seus participantes; o fato de o Programa Brasil Alfabetizado ter adotado, a princpio, temporalidade

    4 Sobre este assunto, consulte o artigo SOARES, M. B. Alfabetizao: a ressignificao do conceito, Alfabetizao e Cidadania, n. 16, s.d.

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    semestral; e o prestgio que ainda desfrutam em certos meios polticos e intelectuais projetos de alfabetizao ainda mais breves5 .

    O alargamento que o conceito de formao de adultos adquiriu a partir da V Confintea, passando a compreender uma multiplicidade de processos formais e informais de aprendizagem e educao continuada ao largo da vida, tambm no foi plenamente assimilado entre ns. verdade que a Declarao de Hamburgo influenciou o Parecer do relator das Diretrizes Curriculares Nacionais6 , mas a concepo ainda predominante entre educadores e gestores da educao brasileiros continua a ser a viso compensatria que atribui educao de jovens e adultos a mera funo de reposio de escolaridade no realizada na infncia ou adolescncia. Essa concepo est por trs da constituio do ensino supletivo, que continua a ser a referncia comum para pensar a educao de jovens e adultos no Brasil. Um exemplo da dificuldade que temos de cogitar outros meios, ambientes e processos formativos extra-escolares com adultos o baixo grau de utilizao da televiso e do rdio com fins educativos, apesar de sua larga difuso territorial e sua evidente influncia sociocultural.

    Conferir prioridade escolarizao uma postura razovel em um pas com elevado analfabetismo e populao pouco instruda, mas a hegemonia da concepo restrita de educao de pessoas adultas dificulta explorar o potencial formativo dos ambientes urbanos e de trabalho e dos meios de comunicao e informao, e inibe a adoo de polticas intersetoriais que articulem o ensino bsico s polticas culturais, de qualificao profissional e gerao de trabalho e renda, de formao para a cidadania, de educao ambiental e para a sade.

    5 A metodologia difundida pelo Grupo de Estudos sobre Educao, Metodologia de Pesquisa e Ao Geempa, por exemplo, preconiza a alfabetizao de jovens e adultos em apenas trs meses.

    6 O Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury relatou o Parecer 11 que subsidiou a Resoluo 1/2000 do Conselho Nacional de Educao, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao de Jovens e Adultos.

  • 21

    Nos anos que sucederam Conferncia de Hamburgo, o Brasil aprovou e implementou planos e programas de alfabetizao, elevao de escolaridade, qualificao profissional, sade preventiva, educao ambiental, educao em direitos humanos, educao na reforma agrria, sem que, contudo, se tenha logrado articular minimamente tais iniciativas em favor de uma aprendizagem integral das pessoas jovens e adultas. A desarticulao dessas iniciativas leva disperso de recursos escassos e limita o impacto social dos programas. Assim, no incomum que programas de preveno de doenas sexualmente transmissveis, de preservao do patrimnio histrico ou do meio ambiente desenvolvam metodologias e materiais educativos que so desconhecidos dos professores e jamais chegam s escolas. De outro lado, insiste-se em implementar programas de qualificao profissional ou extenso rural desarticulados da formao bsica, que no alcanam os resultados esperados em razo do reduzido domnio de leitura, escrita e clculo dos beneficirios.

    2. comparando as metas da v confintea e os resultados das polticas pblicas

    2.1. Alfabetizao e educao bsica

    Umas das metas da Agenda para o Futuro a garantia do direito universal alfabetizao e educao bsica. Entre 1996 e 2001 o ndice mdio de analfabetismo no Brasil caiu de 14,7% para 12,4%, o analfabetismo funcional7 regrediu de 32,6% para 27,3%, e a escolaridade mdia dos jovens e adultos elevou-se de 5,8 anos para 6,4 anos. Foram progressos modestos, que no podem ser atribudos

    7 O IBGE considera analfabetos funcionais as pessoas que possuem menos de quatro anos de estudos.

  • 22

    apenas ao sucesso das polticas de educao de jovens e adultos, pois se devem em grande parte ampliao de oportunidades escolares para as novas geraes.

    Para alcanar a meta estipulada em Hamburgo, de reduzir em cinqenta por cento o ndice de analfabetismo, e cumprir o que determina o Plano Nacional de Educao superar o analfabetismo at 2011 , necessrio acelerar esse ritmo de alfabetizao, criando novas oportunidades para os jovens e adultos e melhorando a qualidade do ensino das crianas e adolescentes. Ser preciso tambm adotar estratgias para alcanar os grupos sociais e as regies do pas que apresentam taxas de alfabetizao mais baixas, como so as populaes muito pobres, das zonas rurais, nordestinos, afro-descendentes e mulheres com mais de quarenta anos. A incluso dos jovens e adultos nos programas nacionais de renda mnima, livro didtico, alimentao, transporte e sade escolar poder reduzir algumas das barreiras que dificultam o acesso desses grupos educao.

    Mas no basta promover apenas a alfabetizao inicial. A maioria dos educadores concorda que uma alfabetizao de qualidade requer mais tempo que aquele proporcionado pelas campanhas para jovens e adultos, e que a consolidao da alfabetizao requer a continuidade de estudos em nveis mais elevados, dentre outras oportunidades de utilizao das habilidades recm-adquiridas na vida cotidiana. Isso suscita a pergunta: aps a V Confintea, ampliaram-se as oportunidades de estudo para a maioria dos adultos brasileiros (58,8%) cuja escolaridade inferior ao ensino fundamental completo?

    Segundo o IBGE, a proporo da populao jovem e adulta que tem baixa escolaridade e participa do ensino fundamental cresceu de 13% em 1996 para 21% em 2000, mas a maioria desses estudantes era de jovens com atraso de escolaridade que freqentavam escolas organizadas para atender crianas e adolescentes.

  • 23

    De acordo com o Censo Escolar, entre 1997 (quando se registraram 2,3 milhes de inscritos) e 2003 (ano em que as matrculas somaram 3,3 milhes), a oferta de vagas no ensino fundamental presencial de jovens e adultos cresceu 43%, acolhendo um contingente adicional de um milho de estudantes. um aumento expressivo (que se deve sobretudo atuao crescente dos municpios8 ), mas ainda insuficiente para garantir os direitos de 66 milhes de brasileiros com baixa escolaridade.

    Para aumentar, flexibilizar, diversificar e qualificar as oportunidades educacionais, o lugar da educao de jovens e adultos na agenda da poltica educacional ter de ser revisto, e pelo menos dois desafios enfrentados: formar educadores e ampliar o financiamento pblico.

    2.2. A legislao e a reforma educativa

    Com o objetivo de melhorar as condies de desenvolvimento da educao de pessoas adultas, os pases presentes V Confintea comprometeram-se a adotar leis e polticas de reconhecimento do direito aprendizagem ao longo da vida.

    Brasil: Populao com quinze Anos ou Mais por Anos de Estudo e Freqncia Escola - 2000

    Fonte: IBGE. Censo demogrfico 2000/Inep. Sinopse estatstica 2000.

    8 Nos anos que se seguiram V Confintea, consolidou-se no Brasil a tendncia descentralizao da oferta escolar para os jovens e adultos: a participao dos municpios na oferta de matrculas de ensino fundamental elevou-se de cerca de 25% em 1997 para 57,6% em 2002.

  • 24

    A educao de jovens e adultos ocupou um lugar marginal na reforma da educao brasileira empreendida na segunda metade da dcada de noventa, pois os condicionamentos do ajuste econmico levaram o governo a adotar uma estratgia de focalizao de recursos em favor da educao fundamental de crianas e adolescentes. No se pode atribuir isso falta de um marco jurdico adequado, pois as leis e normas vigentes Constituio Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, Lei do Plano Nacional de Educao, Diretrizes Curriculares para a Educao de Jovens e Adultos asseguram o direito pblico subjetivo educao, independentemente de idade, e concedem a necessria flexibilidade para organizar o ensino de acordo com as necessidades de aprendizagem dos jovens e adultos. O problema no est nas leis, mas na poltica educacional.

    2.3. A formao das educadoras

    Os pases signatrios da Agenda para o Futuro comprometeram-se a melhorar as condies de formao, as perspectivas profissionais e as condies de trabalho dos educadores de adultos.

    As estatsticas nacionais (Inep, 2000) do conta da existncia de quase 190 mil professores atuando na educao bsica de jovens e adultos (40% dos quais no tm formao superior), aos quais se somam alguns milhares de voluntrios engajados em projetos de alfabetizao no meio popular. Em ambos os casos, esses educadores (a esmagadora maioria de mulheres) tm uma formao inicial insuficiente, que vem sendo complementada em programas continuados de formao em servio.

    Esse contingente de cerca de duzentas mil educadoras com alguma experincia prvia em educao de jovens e adultos insuficiente para fazer frente aos desafios de ampliao da oferta escolar, mas quase no h cursos superiores dedicados a habilitar educadores para esse campo. Uma prova disso que, dos 1.306

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    cursos de Pedagogia existentes em 2003, apenas dezesseis ofereciam habilitao em educao de jovens e adultos. Para superar esse dficit seria desejvel que os governos incentivassem as instituies de ensino superior a ampliar a capacidade de habilitar professores/as para o ensino de jovens e adultos, proporcionando tambm aos profissionais em exerccio novas oportunidades de elevao de escolaridade, certificao e aperfeioamento profissional.

    2.4. O financiamento

    No tpico dedicado aos aspectos econmicos, a Agenda para o Futuro lembra que o investimento em educao de adultos favorece o desenvolvimento humano, motivo pelo qual o setor deveria receber mais recursos e ser poupado das restries oramentrias nos processos de ajuste estrutural. Devemos, ento, perguntar: como se comportou o financiamento pblico da educao de jovens e adultos no Brasil a partir de 1997?

    Sabemos que as restries ao gasto pblico decorrentes do ajuste fiscal atingiram, sim, os recursos aplicados em educao, que foram direcionados prioritariamente ao ensino fundamental de crianas e adolescentes. A educao de jovens e adultos viveu mngua, por fora do veto presidencial lei que regulamentou o Fundef9 , mas tambm por no ser beneficiada com os emprstimos concedidos pelos Bancos Mundial e Interamericano para a melhoria do ensino bsico.

    No h dados recentes sobre o gasto dos estados e municpios, que so os principais mantenedores da educao de jovens e adultos.

    9 Em fins de 1996 o Presidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso vetou parcialmente a lei que regulamentou o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio, impedindo a contagem das matrculas em educao de jovens e adultos para efeito dos clculos do Fundef, o que desestimulou o investimento de estados e municpios nessa modalidade de ensino.

  • 26

    A contribuio da Unio para o financiamento da educao de jovens e adultos sempre foi modesta, mas teve a capacidade de influenciar as demais esferas de governo10 . No perodo posterior V Confintea, os gastos do governo federal com o ensino de jovens e adultos continuaram a ser reduzidos, mas a partir de 2001 eles tiveram um aumento significativo, decorrente da criao do Programa Recomeo que, entretanto, no alcana todo o pas11 :

    10 Sobre este assunto, ver o artigo BEISIEGEL, C. de R. A educao de jovens e adultos analfabetos no Brasil. Alfabetizao e Cidadania, n.16, s.d.

    11 Criado em 2001, Recomeo foi um Programa pelo qual catorze estados do Norte e Nordeste e cerca de quatrocentos municpios com baixo ndice de Desenvolvimento Humano receberam transferncias federais proporcionais ao nmero de jovens e adultos matriculados no ensino fundamental. O valor per capita era inferior ao gasto mnimo por aluno calculado pelo Fundef. O governo Lula manteve o Programa, mudando seu nome para Fazendo Escola.

    12 Os artigos 70 e 71 da LDB definem o que so e o que no so despesas com a manuteno e o desenvolvimento do ensino, ou seja, os gastos realizados nos objetivos bsicos das instituies educacionais (remunerao e aperfeioamento dos profissionais da educao, instalaes e equipamentos de ensino, material didtico, transporte escolar, estatsticas e pesquisas visando melhoria da qualidade e expanso do ensino, concesso de bolsas de estudo a alunos de escolas pblicas e privadas, dentre outros).

    Brasil: Despesas da Unio com Manuteno e Desenvolvimento do Ensino12 e com o Programa de Educao de Jovens e Adultos 1997-2001

    (em milhares de R$, valores correntes)

    Fonte: Ministrio da Fazenda. STN. SIAF. CCONT.

  • 27

    O estabelecimento de bases adequadas de financiamento da educao de jovens e adultos implica um tratamento eqitativo no acesso aos recursos pblicos, a comear pela incluso das matrculas dessa modalidade de ensino fundamental nos clculos do Fundef ou do rpido estabelecimento de um Fundo para o conjunto da educao bsica. Isso s ser possvel se houver crescimento da despesa nacional com educao, o que depende, de um lado, da retomada do desenvolvimento econmico e, de outro, da prioridade conferida s polticas sociais vis--vis dvida pblica.

    2.4. Parcerias, participao e gesto democrtica das polticas educativas

    Ao mesmo tempo que reafirmava o papel do Estado na garantia do direito de todos educao continuada ao longo da vida, a Declarao de Hamburgo saudava a tendncia ao estabelecimento de parcerias entre as instituies governamentais e os organismos da sociedade civil com vistas educao de adultos. A experincia brasileira recente confirmou essa tendncia, em experincias tais como os Movimentos de Alfabetizao Mova, o Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria, o Plano Nacional de Qualificao Profissional, o Programa Alfabetizao Solidria e, mais recentemente, tambm o Programa Brasil Alfabetizado.

    As parcerias comportam certa ambigidade: enquanto transferem a responsabilidade pela garantia de direitos universais para a sociedade civil (que no tem condies para responder a essa demanda com a amplitude necessria), tambm canalizam a contribuio da sociedade organizada para a universalizao da alfabetizao e democratizao da educao de jovens e adultos, ampliando os canais de controle social sobre as aes governamentais.

    No Brasil, a difuso da estratgia de parceria nem sempre garantiu maior participao social na gesto das polticas governamentais. A Comisso Nacional de Educao de Jovens e Adultos, por exemplo, foi desativada unilateralmente pelo Ministrio da Educao em

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    1997. O rompimento do canal de dilogo com o governo federal no impediu o crescimento do movimento em prol da educao de adultos, que encontrou nos Fruns estaduais e regionais sua forma de organizao13 . O processo de monitoramento dos compromissos assumidos na V Confintea foi liderado por uma articulao de fruns e redes da sociedade civil com a UNESCO, o Consed e a Undime, qual o governo federal por vezes aderiu. Essa articulao multiinstitucional tem sido responsvel pela realizao anual de Encontros Nacionais de Educao de Jovens e Adultos (Curitiba, 1998; Rio de Janeiro, 1999; Campina Grande, 2000; So Paulo, 2001; Belo Horizonte, 2002; Cuiab, 2003), realizados em data prxima ao Dia Internacional da Alfabetizao.

    3. Uma avaliao incompleta

    A Declarao de Hamburgo e a Agenda para o Futuro tratam de diversos temas que no puderam ser analisados neste artigo, como o papel da educao de jovens e adultos na formao para a cidadania participativa, para o trabalho, a sade, o meio ambiente e a democratizao do acesso s novas tecnologias da informao. Tambm no se avaliou o alcance da meta de promoo de uma educao de jovens e adultos inclusiva, sensvel s necessidades de mulheres, idosos, indgenas, pessoas com deficincia e presidirios. At 2009 h bastante tempo para avaliar esses aspectos, mas cinco anos um tempo curto para cumprir os compromissos pendentes e chegar VI Confintea com um balano mais positivo.

    13 Sobre este assunto, consultar (SOARES, 2003) e o artigo de SILVA, E. J. L. da. Alfabetizao e Cidadania, n. 54, nov./dez. 2003.

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    bIbLIOGrAFIA

    BALANO INTERMEDIRIO DA V CONFER NCIA INTERNACIONAL DE EDUCAO DE ADULTOS, Bangcoc, Tailndia, 8-11 set. 2003. Chamado ao e responsabilizao. Informao em Rede. So Paulo: Ao Educativa, n. 59, encarte, out. 2003. Disponvel em: .

    DI PIERRO, M. C. (Coord.) Seis anos de educao de jovens e adultos no Brasil: os compromissos e a realidade. So Paulo: Ao Educativa, 2003.

    ____; GRACIANO, M. A educao de jovens e adultos no Brasil: informe apresentado Oficina Regional da UNESCO para Amrica Latina e Caribe. So Paulo: Ao Educativa, 2003.

    IRELAND, T. D. A histria recente da mobilizao pela educao de jovens e adultos no Brasil, luz do contexto internacional. Alfabetizao e Cidadania. So Paulo: n. 9, pp. 9-22, mar. 2000.

    ____. De Hamburgo a Bangcoc: a V Confintea revisitada. Joo Pessoa: s.n., 2003. (mimeo).

    SOARES, L. J. G. Os fruns de educao de jovens e adultos: articular, socializar e intervir. Presena Pedaggica. Belo Horizonte: n. 54, nov./dez. 2003.

    UNESCO. Declarao de Hamburgo e agenda para o futuro: V Conferncia Internacional sobre Educao de Adultos, Hamburgo, Alemanha, 1997. Lisboa: UNESCO, Ministrio da Educao, Ministrio do Trabalho e Solidariedade, 1998. 61 p.

  • 30

    sIGLAs

    CONSED Conselho de Secretrios de Educao dos Estados

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    LDB Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para Educao, Cincia e Cultura

    UNDIME Unio dos Dirigentes Municipais de Educao

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    PArcErIA: UMA FAcA DE MUItOs GUMEsAntonio Munarim

    O uso da palavra parceria, hoje, moda. Governos, empresas, organizaes da sociedade civil, cada um a seu modo, todos defendem a importncia das parcerias. Mais que isso, para ser (ou, pelo menos, parecer ser) moderno, no sentido de atualizado, comum o entendimento de que, de algum modo, toda e qualquer organizao tem que trabalhar em parceria. Parece at que passado o tempo de competio, de concorrncia. Agora, a voga parece ser a (re)descoberta da ao solidria.

    No Brasil, diversos rgos do governo federal propem parcerias com empresas e com organizaes no-governamentais (ONGs) para a realizao de servios de interesse da sociedade, especialmente na rea da educao, sade e assistncia social. So servios que antes eram executados exclusivamente pelo Estado, atravs de suas esferas municipal, estadual e federal, como polticas de governo ou mesmo como polticas de Estado. Do mesmo modo, os governos estaduais e os governos municipais propem parcerias com empresas e ONGs para a prestao dos mais diversos servios pblicos. As proposies so feitas independentemente de quais sejam os partidos polticos que sustentam esses governos, levando a pensar que o termo parceria e a prpria prtica que dela decorre algo assptico, que serve para qualquer gosto e qualquer tendncia poltica, seja esta progressista ou conservadora.

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    Empresas privadas, por sua vez, propem-se execuo de projetos de cunho social, socioambiental, cultural, de carter filantrpico e, para tanto, buscam parceiros na comunidade, gerando a filantropia empresarial.

    Por outro lado, tem sido comum que tradicionais organizaes da sociedade civil, as ONGs, conhecidas por suas histrias de luta contra o Estado autoritrio lutas pela democratizao e/ou pela destruio do Estado capitalista - bem como por suas histrias de luta contra o capital personificado nas empresas e nas instituies empresariais, agora aceitem compor parcerias com esses seus inimigos histricos. Mais do que s aceitar compor, muitas ONGs tradicionalmente de esquerda propem, tambm elas, parcerias com os governos e mesmo com instituies representantes do mundo empresarial.

    Ao mesmo tempo, formam-se ou forjam-se inmeras organizaes na sociedade civil tambm estas classificadas como ONGs, em seu amplo e contraditrio espectro com objetivos j pr-concebidos por seus fundadores no sentido de estabelecer certas parcerias. Receio que a maioria destas que agora se forjam diferentemente daquelas ONGs tradicionais, que tm histria de luta por direitos de cidadania s o fazem por conta da possibilidade de acesso a recursos financeiros diretamente do Estado, das empresas (por meio de incentivos fiscais), ou dos organismos internacionais; eis que essas fontes esto propondo parcerias e repassando recursos quelas ONGs que se dispem a executar os servios, como dissemos antes, que anteriormente cabiam ao Estado executar. Assim, pipocam ONGs por todo o lado, e as parcerias que tm essas ONGs de ltima hora, ou mesmo ONGs tradicionais, como uma das contrapartes, proliferam a cntaros.

    O qUE EstArIA OcOrrEnDO nEssE UnIvErsO DE rELAEs?

    Parceria a nova panacia? Serve ao fim de motivar a sociedade civil desmobilizada e desorganizada a se constituir em sociedade de cidados? A resposta parece ser positiva, porque medida que qualquer

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    organizao da sociedade civil, em princpio, pode ter acesso a recursos financeiros, de se imaginar que os indivduos (cidados?) se sintam motivados a se organizarem em algum tipo de entidade social.

    preciso clarear o meio de campo. Em primeiro lugar, proponho-me a discutir a questo de parceria como relao que se estabelece entre Estado e sociedade civil organizada. No cogito neste espao, portanto, discutir as parcerias como relaes que se estabelecem no universo das organizaes diver sas da sociedade civil entidades civis de direito privado e sem fins lucrativos entre si, ou destas com empresas e suas organizaes representativas, ou de empresas entre si, ou destas com governos.

    Embora admita que nesse outro universo de relaes tambm se estabelecem pactos aos quais se d o nome de parceria, e que tm se constitudo, no raro, em novidade construtiva, no tenho dvida de que essencialmente na relao Estado-sociedade civil organizada que reside um potencial capaz de imprimir tese e prtica das parcerias um carter inovador, marcado por processos de construo da democracia e da justia com sentido universal.

    Relaes restritas a entidades privadas entre si mesmo entre aquelas sem fins lucrativos , em que pese serem portadoras de potencial construtivo, so mais propensas a sofrerem do mal da falta de capacidade de universalizao de seus resultados; isto , de se restringirem a poucos beneficirios. Isso na melhor das hipteses, j que, em muitos casos, essas relaes podem muito bem servir de libi a interesses privatistas escusos.

    O qUE PArcErIA: sEU sEntIDO HIstrIcO

    Em sentido bem geral, abstrado de realidades histricas, parceria pode ser definida como sistema de alianas relativamente estveis entre dois ou mais atores, que decidem operar em sinergia para atingir um ou mais objetivos que no podem atingir por seus prprios meios (VIDAL, 1994, citado por FISCHER et alii, 1996).

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    Para se discutir o conceito de parceria vinculado a situaes histricas concretas (no caso, situaes que envolvem a relao Estado-sociedade civil), necessrio considerar outros elementos. Por exemplo: como encaminhar parcerias determinadas no sentido de que os objetivos comuns aos atores envolvidos no se restrinjam a esses atores diretamente envolvidos, mas que se tornem e atendam a interesses gerais da sociedade? Dito de outro modo: mais do que atender a objetivos ligados diretamente aos interesses das contrapartes na condio de corporaes, as parcerias entre Estado e organizaes determinadas da sociedade civil deveriam ou no visar o interesse de terceiros, o bem comum? Seria isso uma idealizao sem nenhuma base concreta, excessivamente despojada de pragmatismo?

    A parceria como relao entre o Estado (qualquer que seja a instncia e a forma de sua materialidade institucional) e a sociedade civil organizada em instituies e movimentos sociais reconhecidamente de interesse pblico se constitui, portanto, em tema de debates tericos e polticos relevantes.

    Pelo menos duas correntes historicamente divergentes entre si, no campo terico e poltico, propem a prtica de parcerias e, para perplexidade de muitos, essas correntes convergem, aparentemente at no essencial, sobre a definio do termo.

    De um lado, temos as foras polticas e sociais (intelectuais, polticos, militantes de movimentos sociais) historicamente vinculadas ao pensamento de esquerda. Essas foras, como sempre o fizeram, continuam a defender a abertura do Estado participao da sociedade civil na elaborao e execuo de polticas de interesse pblico. Mais que isso, essas foras querem, elas mesmas, participarem. Entendo que, mesmo que o nome parceria nem sempre seja usado, nem sempre seja o mais adequado, , de algum a forma, exatamente isso que tais foras propem: parcerias entre rgos do Estado e organizaes da sociedade civil em termos que garantam a democratizao dos resultados. Ou seja, em termos pelos quais se garanta que os benefcios das parcerias no sejam usufrudos por grupos privados vinculados estritamente ao capital ou a quaisquer outras corporaes.

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    diverso o leque de foras de esquerda que propem a descentralizao do poder do Estado capitalista, de modo que grupos subalternos da sociedade civil galguem instncias desse poder condensado no Estado e/ou, ao mesmo tempo, construam sua prpria fonte e estrutura de poder. No horizonte, embora com nomes e propostas de atuao s vezes diferentes, todas as correntes vislumbram pontos em comum: democracia radical, democracia integral, ou simplesmente democracia, que, como tal, vista como intrinsecamente incompatvel com o capitalismo; socialismo democrtico ou simplesmente socialismo; bem comum realizado; polticas sociais universais etc. Via de regra, as parcerias so vistas como meios para se experimentar tal horizonte, seja como mera ttica temporria algo de que se lana mo para o alcance de outro fim e que to logo quanto possvel dever ser descartado , seja como estratgia de exerccio do poder nas sociedades democrticas, onde os papis das partes so clara e democraticamente definidos.

    Do outro lado, esto as foras chamadas neoliberais que, a exemplo das esquerdas, tambm desde h muito, e recentemente fortalecidas com a derrocada do chamado socialismo real e com a crise dos paradigmas marxistas, propem a participao efetiva da sociedade civil na execuo de tarefas que se tinham como dever do Estado e sob sua gesto.

    Essa noo de dever do Estado e direito do cidado, que tem suas razes na revoluo liberal contra o absolutismo, ganhou fora especial no movimento baseado nas idias de Keynes, a partir de meados da dcada de quarenta. Foi a partir da que se criou o conceito e se firmaram as polticas do que veio a ser chamado de Estado do Bem-Estar Social. Os princpios keynesianos conduzem a polticas de interveno direta do Estado no desenvolvimento econmico e social. O Estado entendido como o coordenador e planejador da macroeconomia, como empreendedor em setores estratgicos e, principalmente, como provedor social, garantindo para todos a educao, segurana, sade etc. No confronto da Guerra Fria, os pases do bloco capitalista introduziram idias keynesianas em seu planejamento, procurando guarnecer-se contra os riscos

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    de contaminao de suas sociedades, combalidas pela guerra, pelas idias que sopravam dos pases do bloco socialista. Atravs do planejamento centralizado no Estado, as sociedades socialistas alcanavam naquela situao histrica verdadeiros milagres no processo de desenvolvimento econmico e social.

    No entanto, os liberais intervencionistas liderados por Keynes enfrentaram desde o incio oposio interna, liderada por idelogos como Friedrich August von Hayek e, depois, da dcada de cinqenta, tambm por Milton Friedman, da chamada Escola de Chicago. Essa corrente interna ao liberalismo ultraliberal vir a ser chamada de neoliberalismo. Impem-se, como objeto fundamental de disputa entre ambas as correntes, os papis que cabem ao Estado e ao mercado. Dito de outra forma, estabelece-se uma tenso entre duas formas de agregao das preferncias individuais: de um lado, os neoliberais propondo as iniciativas descentralizadas, isto , coordenadas pela mo invisvel do mercado; de outro lado, a interveno deliberada, identificada como planificao.

    Em que exatamente coincidem e em que exatamente divergem as foras de esquerda em contraposio aos chamados neoliberais sobre a questo da parceria?

    Entendo que para se traar tal paralelo necessrio que sejam abordados outros conceitos ou relaes terico-polticas alm dos j citados, como descentralizao-centralizao do poder poltico e cidadania. Do mesmo modo, necessrio que se demarque como ponto de partida qual o entendimento sobre o que seja Estado e qual, portanto, a perspectiva de futuro que norteia a discusso.

    DEscEntrALIZAO DO PODEr POLtIcO

    No Brasil, a Constituio de 1988 instituiu a poltica de descentralizao de poder e descentralizao administrativa que tem viabilizado as parcerias entre organizaes da sociedade civil e o Estado nos mais diversos nveis. A chamada Constituio Cidad de Ulisses Guimares, estabelece princpios de participao comunitria

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    na definio e execuo das polticas sociais do Estado e refora o princpio do fortalecimento dos municpios a municipalizao das aes do Estado em reas diversas, como sade, educao, assistncia social etc.; j se discute hoje a municipalizao at da reforma agrria que, caso seja aprovada, tambm ter amparo constitucional, tal a amplitude do princpio de descentralizao/municipalizao que permeia a Carta Magna.

    Sem dvida o Movimento Pr-Participao Popular na Constituinte e o Movimento Municipalista, este ltimo constitudo de Prefeitos e Deputados Constituintes, foram decisivos cada qual a seu modo para que tais princpios fizessem parte da Constituio promulgada. No h por que, pelo menos em princpio, negar a esses dois movimentos uma conotao progressista na luta pela descentralizao. Entretanto, as reivindicaes pr-descentralizao provavelmente no teriam alcanado tal status se no houvesse uma intencionalidade invisvel a favorec-las e, em princpio, eu no classificaria tal intencionalidade exatamente como progressista.

    O que devemos observar que premissas defendidas tanto por socialistas ou democratas radicais (ou seja l nome que for), quanto por liberais ou neoliberais ou neoconservadores (ou seja l tambm que nome for), convergem surpreendentemente num movimento internacional de modernizao da administrao pblica no qual a descentralizao de poder e descentralizao executiva so diretrizes consensuais.

    consenso, por exemplo, conforme nos ensina Sposati (1990), entre as foras opostas o entendimento de que se deve:

    aproximar o Estado do locus cotidiano de sua populao, seja para um maior controle, seja para uma maior participao dos cidados na gesto pblica;

    garantir maior racionalidade e ao interinstitucional no que refere aos nveis federal, estadual e municipal;

    democratizar as estruturas estatais compartilhando as decises nos trs nveis; reduzir e simplificar o aparelho do Estado; reaproximar o Estado da sociedade civil pela via municipalizante, espao privilegiado de

    ao conjunta.

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    O qUE DIFErEncIA As PArtEs sE H tAntO cOnsEnsO?

    Para responder a essa indagao de se perguntar, primeiro, quais os sujeitos sociais concretos (mesmo que s vezes invisveis) que esto atuando nas decises orgnicas da sociedade capitalista. A nosso ver, no h dvidas de que os chamados Organismos Internacionais (OI), do lado dos interesses do capital, esto no comando da elaborao de propostas aparentemente socializantes que visam, na verdade, uma renovao do capitalismo. Particularmente o Banco Mundial (BM), a julgar por seus documentos publicados, o sujeito histrico principal que est a propor e, mais que isso, a fomentar polticas de descentralizao. Justamente o BM, que foi criado no bojo das polticas keynesianas de centralizao do planejamento no Estado, prope agora polticas de descentralizao. Aparentemente, estaramos diante de uma contradio. Veremos que esta , de fato, s aparente, pois os sujeitos do capital mudam de estratgia conforme a situao histrica exige, mas no mudam seus objetivos de preservao do capitalismo em tudo o que ele representa.

    Assim, nessa nova estratgia, o BM prope, inclusive, parcerias diretas com municpios associados ou singulares e com ONGs de ao local. Nessas parcerias ele entra com os recursos financeiros e, obviamente, com a definio das polticas financiveis. Do mesmo modo, o BM recomenda (determina) aos Estados-Nao devedores do sistema financeiro internacional qual a poltica que estes devem seguir. O instrumento de fora utilizado extrado da relao credor-devedor. Por esse caminho que, no caso brasileiro, por exemplo, as polticas sociais do Estado so reflexos da cartilha do BM.

    Se sabido que o BM existe para resguardar e promover os interesses do grande capital transnacional e, por que no dizer, dos Estados-Nao que continuam com papel dominante no cenrio das relaes internacionais, pois, igualmente difcil de aceitar que o BM, de repente, tenha se transformado em agente da democracia e promotor do bem comum a todos os cidados do planeta. Por conseguinte, causa estranhamento que o mesmo BM, para dar

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    conseqncia prtica (suposta) nova postura esteja buscando se identificar de forma sincera com as diretrizes estratgicas do socialismo e propondo parcerias com grupos norteados por princpios socialistas.

    Por mais que admitamos e assim o entendemos que o BM uma instituio tambm ela suscetvel a presses sociais externas e a contradies internas, e que no um bloco monoltico de poder, entendo ser mais correta a interpretao que o v como instrumento de defesa do status quo. A renovao das polticas vem no sentido do renovar para no mudar.

    Ajuda-nos a compreender melhor essa dinmica o esquema que nos prope o Prof. Jos Lus Coraggio para analisar as polticas sociais conforme as prope o BM. Para Coraggio, em sntese, as polticas sociais do BM so orientadas por trs palavras-fora: continuar, compensar e instrumentalizar.

    De acordo com essa interpretao, as polticas sociais do BM so dirigidas, em primeiro lugar, a continuar o processo de desenvolvimento de recursos humanos do jeito que o conhecemos, apesar da falncia industrial e econmica. Assim, importaria conseguir que o capital humano seja aumentado e caminhe para a especializao. Isso implica alcanar a universalizao de um patamar de sobrevivncia e reproduo s custas das camadas mdias urbanas, que tm assim deteriorada sua qualidade de vida.

    Em segundo lugar, as polticas sociais so dirigidas a compensar os efeitos da revoluo tecnolgica e econmica. So mecanismos utilizados para assegurar a continuidade dos ajustes estruturais. Esses ajustes implicam a liqidao da cultura dos direitos universais. Por essa interpretao, programas do tipo Comunidade Solidria so exemplos acabados de poltica compensatria. Ainda no exemplo brasileiro, enquanto se distribui sopo para parte dos mais miserveis, se faz aprovar no Congresso Nacional reformas contra direitos sociais que faziam parte do rol das j to poucas conquistas dos cidados brasileiros. Assim, as polticas sociais conformadas s diretrizes do BM so polticas para compensar os no-direitos dos no-cidados.

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    Em terceiro e ltimo lugar, so polticas sociais dirigidas a instrumentalizar a poltica econmica. O BM, ao propor polticas para os Estados-Nao e financi-las, est dando um presente de grego. O objetivo subjacente e real dessas polticas a desestruturao dos governos e dos Estados nacionais pelo instrumento da descentralizao do poder e da administrao. Importa diminuir os Estados, reduzi-los a Estados mnimos; passar os recursos s mos competitivas da sociedade civil, ou seja, privatizar. Tal processo vai gerar excludos? Bem, isso inevitvel. Alguns sempre ficaro de fora. Para esses, crie-se a filantropia, a caridade; criem-se as parcerias com a sociedade civil para que esta d conta de seus pobres. E melhor que seja atravs de parcerias, e no da ao direta de um Estado Caritativo, at porque as organizaes da sociedade civil so mais eficientes e eficazes que o Estado na aplicao dos recursos, que so poucos. Para todos os efeitos, a atividade dessas parcerias resulta beneficncia, jamais o reconhecimento de direitos de cidadania.

    Nessa perspectiva, a descentralizao um instrumento poltico que serve, na verdade, a uma concentrao maior ainda de poder nas mos de instituies do capital transnacional. Ou seja, para o grande capital, j no mais serve a estratgia da concentrao do poder nos Estados-nacionais capitalistas; estes, agora, tm de ser destrudos. Os Estados-Nao nas economias desenvolvidas haviam se transformado em Estados do Bem-Estar Social ou Estado previdncia, e isso custa caro aos capitalistas medida que impe taxas menores de lucro. Nas zonas perifricas do capitalismo, bem ou mal certamente mal, mas ainda assim existente parte dessas caractersticas de Estado previdncia tambm tinham sido institudas. Tanto nos pases centrais como nos perifricos, as polticas keynesianas foram potencializadas por lutas e conquistas populares, especialmente dos trabalhadores. Por essa lgica, tambm nas zonas perifricas, e principalmente a, o Estado deve ser destrudo, mas de forma soft, com aparncia de que se est promovendo a democracia pela descentralizao do poder do Estado. Note-se, entretanto, que, pela vontade dos agentes do capital, nem tudo se quer destrudo

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    no Estado-Nao. Interessa sim, em particular, destruir aquela faceta que se constituiu direito dos trabalhadores diante do capital e dos cidados na sociedade; importa preservar (centralizado) o poder de polcia governos fortes para impor a ordem conveniente ao novo modelo de desenvolvimento.

    cOncEItOs rEvIsItADOs

    Conceitos como o de cidadania so, assim, revisitados. Se tomarmos o termo cidadania pela sua origem histrica, veremos que se trata de conceito que sempre disse respeito relao do cidado com o Estado. Passa pelas cidades Estado da antiga Grcia, onde cidado era aquele que participava das decises da plis, tomadas em praa pblica, cuja fora se impunha a toda a coletividade. Passa por Roma antiga, onde a expresso civita, que quer dizer cidade, d origem palavra cidadania. Cidado romano aquele que, no sendo escravo, encontra-se protegido pelas leis de Roma.

    Ao chegar ao liberalismo, os direitos e os deveres do cidado continuam sendo definidos na relao com o Estado. No liberalismo, entretanto, tal processo de definio ganha caracterstica genuna. O Estado o Estado moderno, no interior do qual se produzem e se instituem deveres e direitos. Assim, o pleno gozo dos direitos e, do mesmo modo, o cumprimento dos deveres, se do sob a vigilncia do Estado onipresente, que mantm o monoplio do uso da fora em nome da lei. uma relao, sem dvida, sempre desigual. Ou seja, o cidado sujeito passivo de direitos e deveres. O Estado o sujeito ativo definidor dos direitos e deveres.

    Mas, de que Estado Moderno estamos falando?Entendemos que, no capitalismo, o Estado materializado em

    instituies, burocracias, governos, leis etc., tem que ser pensado numa perspectiva de mltiplas determinaes. O Estado no apenas um sujeito autnomo, propositor e fomentador de processos de desenvolvimento em favor do capital. No apenas um objeto, uma

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    coisa, um instrumento que utilizado pelos capitalistas em favor de seus empreendimentos privados. No apenas um locus, um espao assptico e neutro de disputa entre classes e segmentos de classes antagnicas. No apenas o guardio da moral e da razo, promotor do bem comum que interessa a toda a sociedade.

    De algum modo, o Estado , sim, tudo isso simultaneamente, ora mais isso ou aquilo, a depender sempre das circunstncias histricas. O Estado uma relao, ele mesmo, de foras contraditrias que se materializam, que se condensam (POULANTZAS) e que tm existido, no capitalismo, sob a hegemonia dos interesses do capital. O Estado surge para assegurar as condies de reproduo do capital. Surge para atenuar as crises cclicas do capitalismo. Mas, ao faz-lo, destri a unidade da burguesia, conforme nos ensina o professor Francisco de Oliveira. Desse modo, o Estado tambm um espao, ou o espao por excelncia, da contradio. Nele se aguam os elementos contraditrios da sociedade dividida em classes e segmentos de classe. As lutas de classes so absorvidas pelo Estado e, nesse processo, elas saem do plano privado e ascendem ao status do plano pblico. O planejamento como processo de instituio de polticas econmicas e sociais e a luta pelas polticas pblicas, enfim, as lutas por direitos de cidadania, so as formas novas, transformadas, de luta de classes; so as lutas de classes que se publicizaram.

    Ora, com a derrocada daquilo que foi chamado de socialismo real, o capitalismo ficou sem ameaa alguma e livre, portanto, para propor a destruio do Estado do Bem-Estar Social como conceito e como sujeito histrico; como vimos, este impunha, de algum modo, uma certa promoo de justia distributiva e de cidadania. Do mesmo modo, necessrio destruir a cidadania, conceitual e historicamente e, em seu lugar, instituir direitos de consumidor, polticas compensatrias e filantropia.

    Em certo sentido, as lutas que as foras de esquerda travam hoje do-se para a continuidade (quem diria?) de polticas nascidas ontem nas hostes da direita. Ou seja, as polticas keynesianas, lapidadas no processo histrico, tornaram-se conquistas, por cuja manuteno as

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    foras populares percebem que vale a pena lutar, e que as foras neoconservadoras a nova direita querem destruir.

    Faz parte da estratgia neoconservadora a defesa da globalizao dos mercados e das reformas estruturais dos Estados-Nao. Estas, talvez, sejam as marcas mais profundas da ideologia da moda, produtora da excluso social, que est sendo chamada de neoliberalismo. Na perspectiva do neoliberalismo, ao mesmo tempo que se defende a globalizao dos mercados, se prope a aparente anttese da (re)valorizao do local, do comunitrio. Assim, a volta ao local pode significar uma excrescncia do processo neoconservador na medida em que pode potencializ-lo.

    qUE ALtErnAtIvA rEstA?

    Diante de estratgia to avassaladora dos agentes do capitalismo, cerca-nos, s vezes, uma sensao de impotncia seguida de desnimo. Outras vezes, somos tomados por uma espcie de revolta, que nos leva ao propsito de no acreditar em qualquer via pacfica, processual ou qualquer nome que se queira dar construo de uma sociedade mais justa e democrtica. Vivemos, s vezes, a tentao de ver o Estado de maneira simplificada, direta, restrita, como uma organizao fechada, monoltica e guardi exclusiva dos interesses do capital e, por isso mesmo, um comit que deve ser destrudo. A nica estratgia vivel seria a sua destruio e a instalao, em seu lugar, da ditadura do proletariado (ditadura s por algum tempo, at que se eliminem na raiz os resqucios de todos os males oriundos do capitalismo etc.). Enfim, cerca-nos, s vezes, a tentao de nos lanarmos aventura da repetio da tragdia histrica.

    Felizmente, parece que so cada vez menos os que acreditam nessa alternativa e, depois de momentos de perplexidade, parece tambm que cada vez maior o nmero dos que recuperam o nimo e a lucidez e se lanam a proposies alternativas e criativas hecatombe neoliberal. Dentre as elaboraes alternativas, no campo

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    intelectual e de prticas polticas em todos os nveis, quero destacar, at para voltar ao tema principal deste trabalho, as parcerias que vm sendo praticadas e estudadas no mbito do local do municpio.

    Se de um lado, a (re)valorizao do lugar, nos termos propostos pelo Banco Mundial, deixa a impresso de um processo de fragmentao poltica das foras que se articulam (articulavam) em torno de projetos nacionais e universais, de outro lado vemos que se generaliza um processo de ampliao do sentido da poltica a partir das bases da sociedade.

    O municpio transforma-se justamente no espao mais propcio construo pela experimentao concreta, j, da democracia. As parcerias que entraram em moda nos municpios so, pois, alternativas de dupla face. De um lado, podem, sim, significar um instrumento poltico manipulado de acordo com os interesses dominantes de classe atravs de um prefeito qualquer e seus ajudantes de planto, representantes do autoritarismo. Ento, em vez de democracia pela descentralizao e transferncia de poder, o que pode ocorrer uma simples transferncia de encargos sociedade; coisas que j eram direito do cidado e dever do Estado executar. Em vez de novas parcerias numa relao de iguais onde houvesse decises conjuntas sobre os fundos pblicos, pode ocorrer uma transferncia de migalhas de recursos pblicos, e ainda como se fosse uma benesse de quem est no poder para com seus clientes; poderamos chamar tal mecanismo de neoclientelismo. No entanto, de outro lado, as parcerias no municpio podem, tambm, significar um jeito novo e eficiente de produo de uma nova cultura poltica que potencialmente funda bases de transformao da relao Estado-sociedade no todo. Essa nova cultura poltica implicaria, inclusive, a manuteno das conquistas do Estado do Bem-Estar Social.

    Sabemos que no suficiente, mas indispensvel para a transformao geral da sociedade capitalista que se comece, ou ainda, que se faa a defesa da cidadania a partir do municpio concomitantemente s lutas gerais. Encarar a poltica municipal no mais como inimiga, a priori, das classes populares, mas como locus

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    potencial de construo de um novo poder, um poder local, um bom comeo.

    No mais se justifica, no nosso entendimento, que organizaes tradicionais da sociedade civil de cunho popular, nos municpios, rejeitem estabelecer parcerias com governos municipais sob alegao de no quererem fazer o jogo do poder. uma poltica pouco inteligente, at porque esconde que, de qualquer modo, no aceitar parcerias uma forma de fazer parte do jogo, deixando que o outro decida sozinho, ou pior, se alie a outras organizaes nada populares para decidir e executar polticas que dizem respeito a todos.

    H sim que se buscar a participao efetiva, exigindo o poder de decidir e no s de executar polticas; participar da elaborao e execuo das polticas pblicas, e no da execuo de polticas governamentais ou mesmo estatais. S assim se estar imprimindo um sentido novo ao conceito de cidadania e ao sentido de local.

    Cidadania ser entendida, ento, como cidadania ativa, isto , para alm do gozo de direitos e cumprimento de deveres institudos pelo Estado sem descartar as conquistas. Cidadania ativa significa o direito de participar da construo dos prprios e novos direitos, atravs da democracia direta, com participao do cidado individual e, principalmente, coletivo. S a democracia representativa insuficiente e muitas vezes traioeira; ela precisa ser articulada e permeada s formas de democracia direta, mais vigilante e propositiva.

    Entendo que isso mais factvel no lugar, no local. Grupos locais de cidados que se relacionam diretamente com o governo local exigem, fiscalizam e propem ao governo que est prximo. Planejam junto com o governo as polticas e executam a sua parte de maneira articulada e coerente com o todo que foi pensado para o lugar.

    O poder local pois, o resultado dessa relao que se d no lugar. Relao, que , sem dvida, conflituosa, porque muito mais participativa, mas que tambm muito rica em possibilidades de futuro (at porque o conflito tem a a oportunidade de se explicitar).

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    Assim, o poder local o Estado em dimenso plena que se faz Estado no lugar. Mas tambm, e ao mesmo tempo, mais que o Estado no seu sentido histrico, real, tal como o conhecemos nas esferas superiores ao municpio (as esferas regional e nacional). Portanto, a ao poltica municipal cria a possibilidade concreta, real, prxima, de transformao radical do Estado como relao de poder, com vistas a valores como justia, igualdade, liberdade. Cria tambm a instncia na qual grupos de cidados organizados podem estabelecer parcerias com governos preservando o sentido etimolgico da palavra parceiro que (do latim, patiariu) quer dizer semelhante, igual.

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    bIbLIOGrAFIA

    BORON, A. A. Estado, capitalismo e democracia na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.

    CORAGGIO, J. L. Las propuestas del Banco Mundial para la educacin : Sentido oculto o problemas de concepcin? In: SEMINRIO DO BANCO MUNDIAL E AS POLTICAS DE EDUCAO NO BRASIL, So Paulo, 1995. Anais... So Paulo: Ao Educativa, 1995. (mimeo).

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    SPOSATI, A.; FALCO, M. do C. A assistncia social brasileira: descentralizao e municipalizao. So Paulo: Educ, 1990.

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    EDUcAO DE jOvEns E ADULtOs:FIOs E DEsAFIOs nA cOnstrUODE sUA IDEntIDADE

    Zenaide Maria Santos

    ALAGOInHAs bAHIA brAsIL

    Segundo o Censo de 2000 (IBGE), Alagoinhas um municpio com cerca de 130.095 habitantes, sendo 112.440 populao urbana e 17.655 populao rural; e observa-se ainda a taxa de urbanizao de 84,3%, a mais elevada do litoral norte baiano, embora toda a regio, semelhana da maioria dos municpios brasileiros, apresente diminuio de crescimento da populao urbana nos anos noventa.

    O municpio fica situado a 107 km da capital Salvador, e dele fazem parte os distritos de Riacho da Guia, Boa Unio e os povoados de Narandiba, Saupe, Estvo e Quizambu.

    Alagoinhas detm uma posio significativa no aspecto econmico, ocupando a 16 posio na classificao dos municpios baianos. As atividades econmicas so diversificadas: s atividades comerciais incorporam-se as aes no segmento de lazer; as atividades agrcolas so significativas, pois abastecem no s a rea urbana como tambm a regio circunvizinha.

    Quanto ao aspecto educacional, o municpio atende na sua rede aos segmentos de Educao Infantil, Ensino Fundamental,

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    Educao de Jovens e Adultos, Ensino Profissionalizante e Educao Especial, sendo este ltimo em regime de parcerias com instituies especializadas.

    A Educao de Jovens e Adultos (EJA) atende um nmero reduzido da populao sem escolaridade e/ou que abandonou a escola ao longo dos anos, considerando-se o ndice de aproximadamente 13,50% de jovens e adultos analfabetos, a partir de quinze anos (Censo 2000 IBGE). Para minimizar esse quadro, a Seduc tem empreendido esforos para estruturar a Rede Municipal a fim de receber mais alunos, alm de firmar parceria com o governo federal e com o Programa Brasil Alfabetizado.

    UM POUcO DE HIstrIA

    A Educao de Jovens e Adultos, em Alagoinhas, passou por momentos distintos como o Mobral e a Fundao Educar, que tiveram grande significado para o municpio, porque foi a partir da que a histria da EJA teve incio.

    Enquanto a Fundao Educar subsidiava a EJA com suporte didtico e pedaggico, aproximadamente cinqenta escolas funcionavam no municpio, distribudas nas zonas urbana e rural. Aps esse momento, no houve sequer um investimento em polticas pblicas voltadas para o jovem e o adulto, que resultou no fechamento de vrias classes de EJA, chegando a um total de onze escolas funcionando em 1997 e obrigando o rgo competente, a Seduc, a uma tomada de posio.

    1997-1999: a EjA sob um novo olhar

    Em 1997 a equipe responsvel pela Educao de Jovens e Adultos na Secretaria Municipal de Educao empreendeu esforos para

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    sensibilizar a administrao daquele momento, a fim de que a EJA fosse repensada e redimensionada. Apesar da falta de recursos, pensou-se em reestruturar esse segmento, construindo-se ento o Projeto Poltico Pedaggico da Seduc, o Projeto de Aprendizagem para Jovens e Adultos em Ciclos Prajac, com o objetivo de dar EJA caractersticas especficas a fim de se construir uma identidade prpria, pois ao longo dos anos esse pblico viveu luz de uma pedagogia que, alm de tradicional, era voltada para atender aos objetivos do Ensino Fundamental regular, ou seja, jovens e adultos eram tratados como crianas.

    Com a criao do Prajac, o segmento de Educao de Jovens e Adultos foi reestruturado; o primeiro segmento do Ensino Fundamental (de 1 4 srie) foi redistribudo em dois Ciclos de Aprendizagem: o Ciclo 1, equivalente s 1 e 2 sries, com quatrocentos dias letivos, e o Ciclo 2, equivalente s 3 e 4 sries, com duzentos dias letivos, totalizando trs anos e no mais quatro. Alm disso o Prajac definiu os princpios tericos e metodolgicos da EJA e firmou a necessidade de oferecer curso de formao continuada para os educadores.

    O referido Projeto foi apreciado e aprovado pelo Conselho Municipal de Educao da poca, sendo ento oficializado na Rede Pblica Municipal e implantado, parcialmente, em 2000 e, totalmente, em 2001.

    Vale ressaltar que a construo do Prajac aconteceu em 1997/1998/1999 pela equipe da Seduc, com a colaborao dos educadores de EJA; foi feito em 1997 um estudo diagnstico que subsidiou as aes de 1998/1999. Porm, a falta de investimentos prejudicou a aplicao total do Projeto, uma vez que era necessrio construir mdulos (os anexos do Projeto) e capacitar os educadores, o que no aconteceu at o final daquela gesto (2000), mesmo assim ele foi implantado e todos os esforos para mant-lo foram de iniciativas da Coordenao Pedaggica da EJA.

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    PrAjAc O IMPActO nA rEDE PbLIcA MUnIcIPAL

    Princpios norteadores do Projeto

    Considerando-se as observaes e anlises realizadas sobre a EJA no municpio de Alagoinhas em 1997/1998, a partir de dados coletados na rede municipal e da exigncia legal prevista na Constituio Federal e na LDB 9.394/96, captulo da Educao de Jovens e Adultos, fez-se necessrio dar a essa realidade um carter cientfico.

    Para isso buscaram-se concepes tericas relacionadas realidade educacional, fundamentando-se na concepo interacionista do conhecimento que discute e analisa a aprendizagem a partir da interao do sujeito com o objeto que deseja conhecer, seja em uma dimenso epistemolgica/cognitiva, segundo Piaget, seja em uma dimenso emocional em que o sujeito integral, como defende Henri Wallon, e a partir de uma prtica pedaggica mediada, como focaliza Vigotsky.

    Essa prtica consiste em reflexes sobre a capacidade de mediao do educador, assim o profissional toma conscincia do seu papel e organiza situaes em que os educandos estabelecem relaes entre o saber cotidiano (real) e o saber cientfico escolar (potencial), considerando as zonas de desenvolvimento do sujeito na construo do conhecimento: a real, a proximal e a potencial. E justamente na zona proximal que o educador tem papel relevante, pois a ele caber mediar a construo do conhecimento, de forma que o educando d o salto qualitativo, transpondo de uma zona a outra.

    Buscou-se tambm inspirao terica em Paulo Freire no sentido de discutir a EJA, trazendo a vivncia do sujeito como ponto de partida para a aprendizagem escolar, com a clareza de que a educao de qualidade se faz com profissionais politicamente comprometidos e profissionalmente competentes, e partindo da compreenso de que todos so resultado de um sistema perverso, mas com possibilidades de mudanas por meio da luta socioistrica.

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    Vale ressaltar que as teorias apresentadas se complementam entre si e contribuem para a compreenso do sujeito como uma totalidade de relaes.Assim, o Projeto de Aprendizagem para Jovens e Adultos em Ciclos fundamentou-se na concepo dialtica da aprendizagem aprender a aprender, na qual o sujeito o agente do seu conhecimento, e o professor o problematizador e mediador, promovendo momentos de aprendizagem, de trocas, de saberes e conhecimentos, numa relao amorosa necessria nas relaes entre educandos e educadores.

    Orientaes metodolgicas

    Com o objetivo de redimensionar a prxis pedaggica, o Prajac trouxe como proposta a Pedagogia de Projetos, que consiste em um trabalho pedaggico voltado para a construo de projetos educativos a partir de eixos temticos discutidos e selecionados pelo conjunto: educandoeducadorescolacomunidade, pautados na realidade local.

    A Coordenao Pedaggica da Seduc subsidia o educador para que essa ao seja eficaz. Com essa prtica a escola se aproximou da comunidade e vice-versa, estabelecendo uma relao de parceria necessria ao educativa; os projetos so apresentados ao pblico que participa ativamente deles.

    Considerando-se os objetivos e os princpios norteadores da EJA, os componentes curriculares e contedos partiram da proposta dos PCNs que se fundamenta nos ideais da pedagogia crtico-social dos contedos; esta assegura a funo social e poltica da escola mediante o trabalho com conhecimentos sistematizados, a fim de colocar as classes populares em condies de uma efetiva participao nas lutas sociais (PCN, v. 1, p. 42). Partindo-se desse princpio e do estabelecimento de condies mnimas para a chamada Base Nacional Comum (LDB, art. 9), os contedos trabalhados, estruturados em blocos de forma complementar entre eles na sua proposta, abrangem

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    as reas do conhecimento: Lngua Portuguesa, Matemtica, Geografia, Histria e Cincias. Tais componentes e contedos ganharam uma ressignificao, ampliando-se para alm dos fatos e conceitos, passando a incluir valores, normas e atitudes.

    Acompanhamento e capacitaes

    Com a implantao do Prajac fez-se necessrio garantir o acompanhamento s aes do educador e a formao continuada segundo os princpios norteadores do Projeto.

    Em 2000 a gesto criadora do Projeto terminou; em 2001, com o incio de um novo momento poltico, foi feita uma avaliao diagnstica com os educadores para serem analisadas as possibilidades de continuao, ou no, do Projeto. Foi unnime a sua aprovao, cabendo Seduc criar condies para a sua sustentao.

    A Secretaria Municipal de Educao, por meio da Coordenao Pedaggica da EJA, cuidou do acompanhamento das aes dos educadores por: ncleosdeestudosmensais; planejamentosmensais; visitassemanaissescolas.

    Em 2001/2002 a Seduc firmou parcerias com o governo federal, aderindo aos Programas Profa, PCN e Recomeo. Com essa ao foi possvel oferecer a formao continuada PCN-EJA e a capacitao para os professores alfabetizadores pelo Programa de Formao para Professor Alfabetizador Profa-EJA, atendendo cem por cento dos educadores de EJA. Alm disso, em 2003 o municpio recebeu a verba do Recomeo, o que permitiu desenvolver aes como: parceria com a Universidade Federal da Bahia para

    acompanhamento, anlise, avaliao e redimensionamento do Prajac (em processo);

    realizaodeseminriosdeEJA;

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    organizaodeumfrumintermunicipaldeEJAemparceriacom a UFBA/Pradem;

    participaodoFrumEstadualdeEJA/BA; implantaodecursosdeElevaodeEscolaridadeparaJovens

    e Adultos Semear e Integrar (parceria com a Fase/Semear e com o Instituto Integrar);

    participaodoVEneja; participaodo3TelecongressoInternacionaldeEJA(Sesi); participaonoSeminriodeAlfabetizaoemBraslia.

    Essas participaes nas discusses de EJA no cenrio nacional e no internacional tm contribudo para aproximar e situar Alagoinhas no universo sociopoltico e histrico da Educao de Jovens e Adultos, alm de colaborar para a mudana na concepo de EJA, levando todos os atores sociais envolvidos com a Educao no municpio a (re)pensarem a sua prtica para responder aos desafios propostos pela educao no sculo 21.

    Avaliao da aprendizagem

    A avaliao do ensino-aprendizagem na EJA foi organizada e sistematizada partindo-se de uma postura dialtica, tratando a avaliao com um carter diagnstico retroalimentador. Para isso, so analisadas construes dos educandos produzidas durante todo o processo, sendo significativos a sua auto-avaliao e os registros dos educadores que sero pressupostos para o estabelecimento do resultado final. Tais registros so feitos a partir de indicadores que mostram o desempenho real do aluno no processo ensino-aprendizagem e se os critrios preestabelecidos para cada ciclo foram alcanados.

    Alm disso, a avaliao leva em conta o alcance dos objetivos propostos para a Educao de Jovens e Adultos, considerando que, ao trmino de cada Ciclo, o educando dever ter construdo, pelo menos, cinqenta por cento das capacidades exigidas para o ciclo.

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    Para que a avaliao da aprendizagem seja satisfatria, necessrio que o educador a conceba como prxis pedaggica, utilizando instrumentos diversificados para ela e transformando o ato avaliativo em vivncia prazerosa de descoberta e troca de conhecimentos, considerando o educando, trabalhador ou no, um ser histrico e social, como um todo indivisvel que pensa e sente.

    Visando ainda possibilitar ao educando o avano nos ciclos, ser realizada quando necessrio, nos meses de maro, julho e dezembro, uma avaliao em curso, que consiste na verificao da aprendizagem do educando para comprovar condies favorveis no acompanhamento do ciclo que est cursando, conforme prev o artigo 24, inciso V, alneas b e c da Lei de Diretrizes e Bases n 9.394/96.

    O rEsULtADO EM nMErOs

    O final de 2003 foi marcado por saldos positivos para a EJA em

    Alagoinhas.Foram matriculados ainda:

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    Ainda alto o ndice de evaso na EJA, o que reflete as questes socioeconmicas, polticas e culturais que envolvem esse segmento de ensino, demonstrando a necessidade de (re)avaliao do Prajac, a fim de ressignificar a Educao de Jovens e Adultos, pois as necessidades atuais desse pblico, assim como o cenrio nacional para os jovens e para os adultos, diferem da necessidade e do cenrio de 1998/1999.

    ALAGOInHAs nA bAtALHA cOntrA O AnALFAbEtIsMO

    Ainda em 2003, o municpio de Alagoinhas aderiu ao Programa de Combate ao Analfabetismo, considerando-se que existem no municpio cerca de catorze mil analfabetos acima de quinze anos (dados do IBGE, 2000), equivalentes a aproximadamente 13,50% da populao urbana e rural.

    Para isso, a Seduc encaminhou o Projeto de Alfabetizao para o MEC/FNDE e firmou parceria com o Programa Brasil Alfabetizado. Foram cadastradas oitenta turmas distribudas nas zonas urbana e rural, com um total de 1.908 alfabetizandos.

    Antes disso, houve em 2001, em parceria com a Secretaria Estadual da Bahia, o Programa de Alfabetizao de Jovens e Adultos AJA Bahia, que foi a ltima turma do convnio firmado em 1999. Tambm em 2001, foi consolidada uma parceria com a Fundao Banco do Brasil para alfabetizar jovens e adultos, porm s foi possvel atuar em um semestre, pois o municpio no tinha estrutura financeira e foi necessrio estabelecer uma bolsa-incentivo ao alfabetizador, apesar de o carter do curso ser com voluntrios.

    cOnsIDErAEs FInAIs

    A EJA em Alagoinhas enfrentou os desafios e vem conseguindo fortalecer os seus fios condutores para uma nova era. Hoje, o olhar lanado a esse segmento o olhar apaixonado e apaixonante, no o

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    olhar ingnuo, mas o olhar da paixo crtica; professores, diretores, secretarias do governo, sociedade, enfim o sentimento de que a fala comum: a EJA um direito;

    a chave para o sculo 21; tanto conseqncia do exerccio da cidadania como condio para uma plena participao na sociedade. Alm do mais, um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecolgico sustentvel da democracia, da justia, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconmico e cientfico, alm de um requisito fundamental para a construo de um mundo onde a violncia cede lugar ao dilogo e cultura de paz baseada na justia. (Declarao de Hamburgo, 1997).

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    bIbLIOGrAFIA

    BAHIA. Secretaria da Educao. Diretrizes de avaliao do processo ensino-aprendizagem. Salvador: Secretaria da Educao, Secretaria Municipal de Alagoinhas, 1998.

    BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Lei Federal n 9.394/96, de 20 de novembro de 1996.

    _____. Ministrio da Educao e Cultura. Parmetros curriculares nacionais do Ensino Fundamental (1 a 4 sries). Braslia: MEC, 1998.

    FLAVEL, J. H.. A psicologia do desenvolvimento de Jean Piaget. So Paulo: Pioneira, 1975. p. 353. (Biblioteca pioneira de cincias sociais: psicologia).

    FREIRE, P. Educao e mudana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

    LIMA, A. F. S. de O. Pr-histria e alfabetizao: uma proposta baseada em Paulo Freire e Jean Paget. Petrpolis: Vozes, 1996.

    RIBEIRO, V. M. M. et alii. Educao de jovens e adultos: proposta curricular para o 1 segmento do ensino fundamental. Braslia: Ao Educativa, MEC, Secretaria da Educao da Bahia, 1997.

    VASCONCELOS, V. M. R. de. Perspectiva coconstrutivista na psicologia e na educao. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1995.

    VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. So Paulo: Martins Fontes, 1993.

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    Reconhecendo alguns conceitos

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    UM sOnHO qUE nO sErvE AO sOnHADOrJos Carlos e Vera Barreto

    1. O ALUnO trAZ cOM ELE UMA IDIA DE EscOLA

    O fato de nunca ter posto os ps numa escola, no significa que seu Joo no tenha idias bem precisas a respeito da escola. Para ele, assim como para a imensa maioria dos adultos analfabetos, a escola o lugar onde os que no sabem vo aprender com quem sabe (o professor) os conhecimentos necessrios para ter um trabalho melhor (menos pesado, mais bem pago) e um lugar social mais valorizado.

    Sabendo por que busca a escola, o adulto elege tambm seu contedo. Espera encontrar, l, aulas de ler, escrever e falar bem. Alm, claro, das operaes e tcnicas aritmticas. Espera obter informaes de um mundo distante do seu, marcado por nomenclaturas que ele considera prprias de quem sabe das coisas.

    Mas no s em relao ao que a escola ensina que seu Joo e seus companheiros trazem muitas informaes. Eles tm tambm muitas idias a respeito de como a escola ensina.

    A aprendizagem, na viso popular, est centrada na ao do professor. ele que coloca o conhecimento dentro dos alunos. Para isso, o professor usa alguns recursos como: explicaes,

    Seu Joo nunca tinha ido escola. Agora, com dois filhos criados, ele ficou sabendo de um curso que ensinava a ler e escrever perto de sua casa. Como os compadres seus vizinhos estavam estudando l, seu Joo resolveu estudar tambm.

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    correes, cpias, repeties... Para essas idias contribui, tambm, a distribuio das carteiras, todas voltadas para o professor. Afinal, todo o conhecimento vir dessa figura centra