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1 Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
CONTRIBUIES DO CONSTRUCIONISMO SOCIAL PARA O ESTUDO
DAS MASCULINIDADES
David Tiago Cardoso1
Adriano Beiras2
Resumo: O Construcionismo Social vem ganhando espao no mundo acadmico-cientfico por
oferecer uma possibilidade distinta frente as metanarrativas empiricistas, universalizantes, no-
localizadas e atemporais. Contudo, no se traduz como uma teoria, mas sim, como um movimento
com diversas vozes que oferecem epistemologias que desconstroem, democratizam para aps
reconstruirem conceitos que at ento eram reconhecidos como verdades nicas. Assim, possvel
afirmar que o Construcionismo Social pode oferecer ferramentas epistemolgicas que podem
contribuir com o Estudo das Masculinidades, entre as quais citamos: a) posio crtica frente ao
conhecimento fornecido como a verdade aceita como nica e essencialista; b) conhecimento possui
especificidade histrica e cultural; c) Conhecimento sustentado por processos sociais; d)
significado da linguagem deriva do seu modo de funcionamento dentro dos padres de
relacionamento; e) o Self narrativo e relacional. Essas cinco alternativas epistemolgicas no
acontecem de modo separado e permitem a proposta de pensar as masculinidades por meio da
saturao ocorrida pelas mltiplas possibilidades relacionais oferecidas pela ps-modernidade. Com
isso, pensamos a ampliao das matrizes de inteligibilidade sobre as masculinidades, da mesma
forma, buscamos romper com enquadramentos rgidos e estticos que colocam as masculinidades
como algo que somente corpos masculinos performam.
Palavras-chave: Construcionismo Social. Masculinidades. Self.
Gostaramos de comear informando que esse texto uma produo de dois homens, ou
melhor dizendo, de duas masculinidades, que preferimos no adjetivar a fim de estabilizar, pelo
menos por agora, uma categoria que importante e mantermos certa coerncia acadmica. Frente a
isso, iniciamos reforando o ttulo e colocando como objetivo principal debater como o
Construcionismo Social, por meio de seus pressupostos epistemolgicos, pode contribuir com o
estudo das masculinidades. Cabe afirmar que no desconsideraremos todo um campo de
conhecimento j construdo, mas suspeitar de algumas afirmaes que vo em direo a toda a
verborragia filosfica (HARAWAY, 1991) que pode, ou estar em vias de, essencializar,
universalizar e relativizar a masculinidade enquanto categoria de anlise.
Esse objetivo nos parece possvel porque o Construcionismo Social vem ganhando espao
no mundo acadmico-cientfico (HOLSTEIN; GUBRIUM, 2007) por oferecer uma possibilidade
distinta frente as metanarrativas empiricistas, universalizantes, no-localizadas e atemporais. Com
1 Mestrando em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, Brasil. 2 Docente, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, Brasil.
2 Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
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essa expanso possvel encontrar trabalhos realizados na rea da Sade Coletiva (CAMARGO-
BORGES, JAPUR, 2008; FERREIRA, ALMEIDA, RASERA, 2008; CAMARGO-BORGES,
MISHIMA, 2009), na rea da Literatura (GALINDO; SOUZA, 2017) ou na rea das Psicoterapias
(LENZI, 2015; MANFRIM; RASERA, 2016), apenas para citar alguns trabalhos que utilizam-se
das narrativas construcionistas para contestar o modelo hegemnico do fazer cientfico.
Essa contestao toma forma quando se compreende que a pesquisa construcionista pode
assumir muitas formas, como, por exemplo, a anlise do discurso, conversao, padres de
relacionamento e o questionamento de crenas cientficas, contudo, h duas formas que a
diferenciam de modo contundente do modelo positivista (GERGEN; JOSSELSON; FREEMAN,
2015). Para Kenneth Gergen, Ruthellen Josselson e Mark Freeman (2015), o Construcionismo
Social prope que o comportamento humano no estvel, mas sim altamente malevel, dadas as
enormes variaes na forma como as pessoas constroem suas realidades e valores.
Enquanto que do ponto de vista da pesquisa tradicional o que prevalece uma forte tica de
observao neutra em termos de valor, sendo que os resultados da pesquisa podem ser usados para
vrios fins sociais ou polticos, ainda que seus resultados se proclamem neutros. Para Gergen,
Josselson e Freeman (2015), no caminho oposto, as pesquisas feitas pela viso do Construcionismo
Social, esses valores entram no processo cientfico em cada etapa, incluindo a seleo do tpico,
terminologia terica, mtodos de pesquisa e as implicaes sociais das interpretaes. Em outras
palavras, a neutralidade e as implicaes das/os pesquisadora/es esto presentes no fazer cientfico,
da termos iniciado, tratando de colocar em destaque nossas masculinidades.
Com isso, tratamos de afirmar que o Construcionismo Social pode oferecer ferramentas
epistemolgicas que podem contribuir com o Estudo das Masculinidades, entre as quais citamos: a)
posio crtica frente ao conhecimento fornecido como a verdade aceita como nica e essencialista;
b) o conhecimento possui especificidade histrica e cultural; c) o conhecimento sustentado por
processos sociais; d) o significado da linguagem deriva do seu modo de funcionamento dentro dos
padres de relacionamento; e) o Self narrativo e relacional.
De modo a organizar o pensamento, primeiramente falaremos dos estudos sobre
masculinidade, para em seguida falar das alternativas epistemolgicas do Construcionismo Social, e
ento abordar de que forma o Estudo de Masculinidades pode ter a contribuio do movimento
socioconstrucionista para a produo de conhecimento.
Estudos de Masculinidade(s)
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Antes de entrarmos no campo dos pressupostos construcionistas, optamos por fazer uma
breve genealogia dos estudos das masculinidades, de como esses estudos encontraram um campo
para florescer e se desenvolver, construindo verdades e direcionando explicaes que por muitas
vezes so capturadas e traduzidas para o cotidiano relacional das pessoas, podendo ser libertadoras
ou dominadoras, ou ainda, ser ambas de uma s vez (CONNELL, 2003).
no sculo XVIII, que o termo masculinidade encontra espao no campo do saber-
cientfico com o objetivo de estabelecer critrios explcitos que pudessem ser utilizados para
explicar a diferena entre os sexos, em total acordo com a proposta da Modernidade (OLIVEIRA,
2004). Contudo, com Sigmund Freud, entre o fim do sculo XIX e incio do sculo XX, o tema da
masculinidade posto em destaque, quebrando com o conceito como um objeto natural,
questionando sua composio, colocando em cena a possibilidade de questionar e a necessidade de
realizar questionamentos (CONNELL, 2003), ainda que de certo modo alinhado com os discursos
modernos (OLIVEIRA, 2004), deslocando a explicao do biolgico para o psicolgico, mas
mantendo a diferenciao entre os sexos.
Em meados do sculo XX, Simone de Beauvoir (1967) prope que o feminino, e portanto
tambm o masculino em nossa compreenso, no possui destino biolgico, psquico, econmico,
mas sim, o conjunto da civilizao que os elabora. Essa importante construo terica, embora
ainda no rompa com o discurso da diferenciao, abre um campo analtico e social para o
surgimento tanto de movimentos de mulheres quanto a uma cincia denominada feminista, e da,
para os estudos sobre os homens.
Assim, nos anos de 1970, o feminismo levou a pblico o debate de que o feminino era
oprimido e sua internalizao assegurava que as meninas e mulheres mantivessem uma posio
subordinada aos homens (CONNELL, 2003). Surge, ento, o que alguns denominaram crise da
masculinidade (CONNELL, 1995; OLIVEIRA, 2000), como a possibilidade de superao da
hierarquia de gnero e, desta forma, a construo da igualdade, o que mais tarde mostrou-se ser uma
utopia, contudo esse cenrio histrico produziu dois fenmenos irreversveis: a mudana de como
se compreende o gnero (CONNELL, 1995) e os estudos sobre os homens, que se lanou a partir do
projeto feminista de estudo das mulheres (CONNELL, 2003).
Em meados dos anos de 1980 surge espao para a centralidade no grupo dominante, por
meio do conceito da Masculinidade Hegemnica, compreendida como um padro de prticas que
possibilitou a dominao dos homens sobre as mulheres (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013).
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Tal conceito foi amplamente aplicado, como informa Raewyn Connell3 e James Messerschmidt
(2013), por encontrar um cenrio de expanso das pesquisas sobre homens e masculinidades, com
conferncias, publicao de livros e revistas acadmicas. Essa expanso tambm refletiu em
polticas da masculinidade que esto intimamente ligadas ao feminismo, seja como forma de
rejeio [lobby das armas]; de coexistncia cautelosa [terapia da masculinidade]; ou de total apoio
[Liberao Gay; Poltica Transformativa ou Liberao dos Homens] (CONNELL, 1995).
Em termos de Amrica Latina, o estudo das masculinidades tem cerca de vinte anos de
produo e histria, apresentando muitos avanos, mas ainda encontrando alguns desafios como:
necessidade de ampliar a investigao sobre a mudana nos homens por meio de polticas e
intervenes com enfoque transformador de gnero; levar a perspectiva de gnero anlise e
abordem das distintas formas de violncia por parte dos homens; viabilizar e avanar no tema da
sade dos homens; ampliar os dilogos entre as redes que trabalham as masculinidades com o
feminismo e o movimento de mulheres (AGUAYO; NASCIMENTO, 2016). Para citar o Brasil, o
estudo das masculinidades encontra espao na terceira onda do feminismo, que passa a ter presente
a voz de homens e o interesse desses nesses estudos, de modo a consolidar a categoria
masculinidade como possibilidade de pesquisa (BEIRAS; NUERNBERG; ADRIO, 2012).
Assim, essa pequena genealogia serviu-nos para demostrar que sem o feminismo, tanto no
campo terico como no campo dos movimentos sociais, o estudo das masculinidades talvez no
encontrasse um campo favorvel para se estabelecer como um campo possvel de anlise, pois
permitiu que o homem se tornasse uma categoria de anlise genereficada e importante para a
compreenso das relaes sociais e seus efeitos polticos.
Alternativas epistemolgicas do Construcionismo Social
A dcada de 1970 estabeleceu um momento histrico de mudanas, e gostaramos de ter
colocado aqui o adjetivo profundas, contudo acreditamos que ainda h muito para mudar para que
uma profundidade seja possvel. Se essa dcada foi importante para desestabilizar a masculinidade
por meio dos movimentos feministas, seja no campo societrio, seja no campo acadmico, tambm
se colocou como um momento para que o prprio construcionismo emergisse enquanto um discurso
possvel.
3 Embora algumas obras tenham sido escrito ainda com o nome de Robert Connell, optamos por usar Raewyn em respeito a sua identidade de gnero.
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Raewyn Connell (2003, p. 19) afirma que El conocimiento ofrecido por el
construccionismo en las ciencias sociales tiene doble genealoga, ya que surge, por un lado, de la
poltica opositora del feminismo y la liberacin gay, por otro, de las tcnicas de la investigacin
social acadmica. por meio dessa dupla genealogia que os pressupostos construcionistas, ou
como nomeiam Maria Conceio Nogueira, Sofia Neves e Carlos Barbosa (2005, p. 197)
alternativas epistemolgicas, que nos parece mais alinhado ao prprio Construcionismo Social,
que iniciamos a desvelar nosso objetivo de contribuir com o estudo das masculinidades.
Com a alternativa que se coloca como posio crtica frente ao conhecimento fornecido
como a verdade aceita como nica e essencialista4 (CONCEIO NOGUEIRA, 2001;
CONCEIO NOGUEIRA, NEVES, BARBOSA, 2005; BURR, 2006), o Construcionismo Social
rompe com a compreenso de que o mundo um lugar dado, ou seja, j est pronto, devendo o
pesquisador usar instrumentos cientficos corretos para revelar aquilo que de alguma forma ainda
no foi capturado ou que no capturado da forma correta, precisando assim de uma atualizao,
construindo A Verdade, que inquestionvel por explicar cientificamente a realidade.
Essa posio crtica frente A Verdade no nega, ou mesmo refuta, as produes
cientficas, mas sim, permite que as categorias sejam colocadas em suspenso para que possam ser
desmontadas, colocadas democraticamente em discusso, para ento remont-las a partir dos
sentidos e significados que a discusso produziu. Assim, como bem aborda Conceio Nogueira
(2001), o Construcionismo Social contribuir com a desconstruo de quatro mitos da cincia
moderna: o mito de que existe um conhecimento validado para representar a realidade; o mito do
objeto como constitutivo do mundo; o mito de que exista uma realidade independente dos
indivduos; e mito da verdade enquanto critrio decisrio.
Da mesma forma, tal posio permite que essas mesmas categorias sejam compreendidas
como explicaes localizadas em um determinado tempo, em um determinado lugar, chegando
alternativa que afirma que todo conhecimento possui especificidade histrica e cultural
(CONCEIO NOGUEIRA, 2001; CONCEIO NOGUEIRA, NEVES, BARBOSA, 2005;
BURR, 2006). Vivien Burr (2006) aborda que as maneiras pelas quais conhecemos o mundo e
produzimos sentidos sobre ele no pode ser compreendido sem que o tempo e o lugar em que essa
produo seja levada em considerao, o que para Donna Haraway (1995) argumenta a favor de
polticas e epistemologias de posicionamento em que a parcialidade e no a universalidade a
condio de ser ouvido, e antes que isso caia no argumento do relativismo, a mesma trata de
4 Colocaremos em negrito as alternativas para dar destaque.
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ressaltar que, este relativismo um modo de no estar em lugar nenhum com a pretenso de afirmar
que est em todo lugar, desta forma, para o Construcionismo Social, essa especificidade histrica e
cultural trata-se de um saber parcial e portanto, sempre contingente.
Desta forma, afirmar que o conhecimento localizado tambm afirmar que o
Conhecimento sustentado por processos sociais, isso requer dizer que o conhecimento do
mundo e as formas comuns de o compreender so produes coletivas e compartilhadas na
coletividade, ou seja, as verses do conhecimento constroem-se atravs das interaes dirias entre
as pessoas, no decurso da vida (CONCEIO NOGUEIRA, 2001). Para Maria Conceio
Nogueira (2001) o conhecimento e a ao social caminham juntas, sendo que as compreenses
negociadas do mundo podem tomar uma grande variedade de formas, onde cada construo pode
convidar a uma determinada ao.
Quando tratamos o conhecimento como uma produo da coletividade humana por meio das
relaes, esse discurso nos permite afirmar que por meio da linguagem que essa produo
acontece, mais precisamente da linguagem em uso, independente se for verbal ou no verbal, em
outras palavras, para o Construcionismo Social o significado da linguagem deriva do seu modo
de funcionamento dentro dos padres de relacionamento (CONCEIO NOGUEIRA; NEVES;
BARBOSA, 2005; BURR, 2006). Desta forma, as palavras s possuem significado por meio de um
determinado contexto relacional (CONCEIO NOGUEIRA, 2001) e, no campo da Cincia o
mesmo acontece por meio da "[] possibilidade de redes de conexo, chamadas de solidariedade
em poltica de conversas compartilhadas em epistemologia" (HARAWAY, 1951, p. 23), ou seja,
quando a pesquisa traduzida como prtica social, a linguagem passa a ser compreendida como
ao no mundo (RASERA, GUANAES-LORENZI, CORRADI-WEBSTER, 2016), em outros
termos, para Guanaes e Japur (2003) as aes coletivas conversacionais acontecem por meio das
quais as pessoas vo dando sentido ao mundo e s suas prprias aes no mundo.
Assim, estamos afirmando o que parece no precisar afirmado por parecer redundante,
afirmar que para o Construcionismo Social as categorias de anlise so construes sociais, e
portanto, relacionais. Desta forma, propomos uma ltima alternativa epistemolgica: o Self
narrativo e relacional. Para Teresa Cabruja, Lupicinio iguez e Flix Vzquez (2000) o mundo
est atravessado por narrativas e precisamente esse atravessamento que constitui o prprio mundo,
ou seja, para que a realidade se torne inteligvel recorremos a uma narrao sobre a mesma,
contudo, as narraes e narrativas presentes se entrecruzam e dialogam entre si, reafirmando o
mundo em que vivemos.
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Se recorremos as narrativas para construir o mundo e a realidade, tambm as utilizandos
para construir a ns mesmos, ou seja, nosso Self, sendo, da mesma forma, a construo narrativas de
tantos outros, se entrecruzando e dialogando. Essas multiplas narrativas permitem a Kenneth
Gergen (1992) pensar o Self por meio de sua saturao. Todas essas narrativas vo saturando o Self
ampliando os modos como se age no mundo, construindo e reconstruindo relacionamentos e,
portanto, novas narrativas, sempre neste constante processo de mudanas. Por ser narrativo e
relacional, "[] es una configuracin lingstica, y al tomar los smbolos lingsticos compartidos
socialmente, reproduce comprensiones sociales previas de la realidad" (LPEZ-SILVA, 2014, p.
124), sendo que, como afirma Pablo Lpez-Silva (2014) a prpria realidade um conjunto de
significados conversacionais quem so socialmente compartilhados.
Contribuies para o Estudo das Masculinidades
Voltamos ao incio desse texto onde encontra-se a afirmao que somos duas
masculinidades, ainda que distintas, construdas e atravessadas por diferentes narrativas. Partimos
da em direo ao posicionamento, implicando na responsabilidade por nossas prticas
capacitadoras (HARAWAY, 1995), e nos parece coerente com o Construcionismo Social, pois j
partimos da compreenso que nosso saber localizado em nossa geografia mais prxima, nossos
corpos, mas tambm queremos situar em termos macrogeogrficos, pois estamos no Sul do Brasil,
incio do sculo 21, em um contexto poltico dominado pelo estado de exceo.
Ao afirmar que estamos no Brasil precisamos questionar nossas Verdades cientficas e de
onde elas vm. questionar se as prprias alternativas epistemolgicas do Construcionismo Social
nos so teis em termos de produo de conhecimento neste pas, pois, ao olhar para o texto,
inmeros so os autores no-brasileiros utilizados para falar do discurso construcionista. Contudo,
nos parece que h pouco de produo acadmica no Brasil, e em todo Sul-Global, que no esteja de
alguma forma colonizada pelo Norte Global (CONNELL, 2016). Chegamos a questionamentos
importantes: a alternativa de posicionamento crtico frente a verdade proposta pelo
Construcionismo Social nos impede de utilizarmos esse mesmo discurso em territrio brasileiro? E
em relao ao estudo das masculinidades?
O certo que o Construcionismo Social no uma teoria e, portanto, no tem o interesse em
construir a Verdade, mas sim compreender como as verdades esto circulando nas relaes por
meio das linguagens. Kenneth Gergen (2001) afirma que a crtica construcionista foi, e continua
sendo, atraente para muitos pesquisadores e pesquisadoras cujas vozes encontravam-se
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marginalizadas pela Cincia moderna, sendo til para todas as pessoas com atividades fundadas na
igualdade e justia social e que de alguma forma viviam a frustrao de encontrar uma verdade tida
como a Verdade universal, ou seja, os argumentos construcionistas no s serviram para nivelar o
jogo, como serviram tambm para abrir um amplo caminho para a crtica poltica e moral. Desta
forma, embora tendo sua genealogia marcada pelo Norte-global, o discurso construcionista pode
sim ser utilizado em terras brasileiras, desde que possamos manter sua criticidade.
Retornando aos nossos corpos, essa postura crtica nos coloca frente ao conceito de
Masculinidade Hegemnica (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013) e os efeitos que produz em
nossos corpos e se de alguma forma, ao utiliz-lo em nossas pesquisas, no estamos universalizando
os homens, brancos e heterossexuais nesse lugar de hegemonia, ou mesmo, nos colocando ou
evitando esse lugar. Embora Raweyn Connell e James Messerschmidt (2013) se propem a repensar
o conceito, tirando-o das categorias de universal e essencialista, afirmando que a masculinidade
tambm posta em atos por corpos femininos, com o Construcionismo Social, gostaramos, no de
substituir, mas de pensar a masculinidade em termos de relacionais e localizados.
Para ns, se o Self narrativo e relacional, o mesmo acontece com a masculinidade. Assim,
a pessoa que tiver interesse em utilizar o discurso construcionista para realizar a pesquisa sobre as
masculinidades deve partir sempre desta pluralidade (masculinidades em vez de masculinidade) e
do modo como aqueles corpos pesquisados narram e tem suas masculinidades narradas, e por meio
da relao que se estabelece como elas esto fluindo para transformaes ou no. Se o pesquisador
coloca a masculinidade em ato em seu corpo, essa masculinidade tambm deve ser considerada na
pesquisa e os efeitos que ela pode estar produzindo ao se relacionar com corpos femininos e corpos
masculinos.
Tal como afirmam Conceio Nogueira, Neves e Barbosa (2005) se o conhecimento aquilo
que concordamos ser verdade num determinado contexto de relaes sociais, com a masculinidade
no seria diferente, sendo precisamente aquilo que no contexto das relaes concordamos ser
verdade, sempre aberto contingncia e a transformao. Assim, se quisermos manter o conceito de
Masculinidade Hegemnica em uso preciso que esteja claro que o que est hegemnico hoje, no
necessariamente estar no futuro, ou pode ser diferente em distintos contextos culturais.
Ainda podemos pensar a masculinidade por meio de sua saturao. Com a ps-modernidade
e o amplo acesso s mdias sociais, mltiplas narrativas de masculinidade atravessam o Self
cotidianamente. Narrativas que resgatam formas de performar a masculinidade reforando a
hierarquia de gnero e tantas outras que buscam divulgar outras formas de masculinidade, estas
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igualitrias. Como resultados, a superlotao da masculinidade com inmeras narrativas
contraditrias abre espao para a perspectiva de desconstruo das masculinidades violentas, pois a
masculinidade feminista (HOOKS, 2017) surge no horizonte como possibilidade de ser colocada
em ato, como uma masculinidade em "[] que la autoestima y el amor a uno mismo como ser
nico formen la base de la identidad" (HOOKS, 2017, p. 96).
Com isso, possvel afirmar que o Construcionismo Social contribui para o Estudo das
Masculinidades por meio de suas alternativas epistemolgicas, que deixamos diludas nessa seo
do texto, por manter suas categorias de anlise contingentes e manter a pessoa pesquisadora sempre
crtica ao conhecimento em que ela est construindo junto com seus sujeitos de pesquisa, afinal, o
conhecimento estar sempre no entre, na linguagem produzida no momento da pesquisa.
Consideraes Finais
Ao escolhermos falar das contribuies que o Construcionismo Social pode ter para o
Estudo das Masculinidades, optamos por falar a partir das alternativas epistemolgicas. Contudo,
sabemos que poderamos ter ido por outro caminho, talvez buscando pesquisas e trabalhos
acadmico-cientficos que comprovem o quanto de contribuio h, como por exemplo os trabalhos
de Michael Ferreira Machado e Maria Auxiliadora Teixeira Ribeiro (2012) sobre os discursos de
homens jovens sobre os servios de sade; o de Adriano Beiras e Leonor Cantera (2014) sobre as
contribuies para a interveno com homens autores de violncia; e o trabalho de Diego Santos
Vieira de Jesus (2016) sobre a imagem de homens em uma rede social que usam suplementao
alimentar, para citar alguns.
Esperamos no ter cado na verborragia epistemolgica, porque nosso interesse justamente
evitar que o Construcionismo Social se desintegre e no criar distraes para chegar ao
conhecimento do mundo atravs da cincia (HARAWAY, 1995). Desta forma, deixamos esse texto
aberto para o debate democrtico, tal como prope pesquisadoras e pesquisadores construcionistas,
para que as prprias alternativas sejam colocadas em dvida a fim de criar sentidos e novos
caminhos para as futuras pesquisas.
Em questo ao Estudo das Masculinidades, o Construcionismo Social ser til se possibilitar
que a pesquisa seja tambm um ato poltico que desestabilize as categorias universais e
essencialistas, sem cair no relativismo, mas se posicionando contra as desigualdades, embora as
compreenda como formas de verdade e de se relacionar com o mundo, mas, ainda assim, abertas as
mudanas necessrias. permanecer no fluxo contnuo do entre, na linguagem em ao,
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disputando sentidos e permitindo, tal como destaca Beiras e Cantera (2014), que as pesquisadoras e
pesquisadores estejam atentos ao que est as margens do discurso hegemnico e socialmente
legitimado, o que ns, em nossas masculinidades em relao, estamos buscando com o
Construcionismo Social.
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Contributions of Social Constructionism to the Study of Masculinities
Abstract: Social Constructionism has been gaining ground in the academic-scientific world for
offering a distinct possibility against empiricist, universalizing, non-localized and timeless meta
narratives. However, it does not translate as a theory, but rather as a movement with several voices
that offer epistemologies that deconstruct, democratize to after reconstructing concepts that until
then were recognized as unique truths. Thus, it is possible to affirm that Social Constructionism can
offer epistemological tools that can contribute to the Study of Masculinities, among which we cite:
a) critical position against knowledge provided as accepted truth as unique and essentialist; B)
knowledge has historical and cultural specificity; C) Knowledge is supported by social processes;
D) the meaning of language derives from its mode of functioning within the patterns of relationship;
E) Self is narrative and relational. These five epistemological alternatives do not happen separately
and allow the proposal to think masculinities through the saturation occurred by the multiple
relational possibilities offered by postmodernity. With this, we think of the expansion of the
intelligibility matrixes about masculinities, in the same way, we seek to break with rigid and static
frameworks that put masculinities as something that only male bodies perform.
Key-words: Social Constructionism. Masculinities. Self
Keywords: Social Constructionism. Masculinities. Self.