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Universidade Estadual de Maringá 08 e 09 de Junho de 2009 1 CONTRIBUIÇÕES DE TOMÁS DE AQUINO PARA A EDUCAÇÃO: AS VIRTUDES CARDEAIS E O BEM COMUM CAVALCANTE, Tatyana Murer (UEM) OLIVEIRA, Terezinha (Orientadora/UEM) Agência Financiadora – CAPES Introdução A discussão sobre ética é fundamental na atualidade. Ela se impõe à nossa sociedade cotidianamente, trazida à tona pela mídia, que repetidamente noticia vandalismo, violência física e psicológica, desvio e/ou má utilização do dinheiro público, em diferentes esferas da vida social. Confronta-nos a necessidade de refletir sobre as escolhas que fazemos e os caminhos que consolidamos continuamente, por meio de nossas ações. À sociedade e, em especial, à universidade, cabe a tarefa compreendermo- nos enquanto sujeitos na vida social. Se essa preocupação nos é essencial, ela não nos é exclusiva. Ao longo da história os homens, em diferentes situações, se impuseram a necessidade conhecer-se e formular ideais sociais que propiciassem um melhor viver em suas especificidades históricas, motivo pelo qual consideramos salutar revisitarmos o conhecimento que a humanidade nos legou. Compreendemos entretanto que, por sua especificidade, algumas situações históricas podem nos propiciar reflexões mais aprofundadas acerca do tema. Entendemos que esse é o caso da elaboração sobre ética produzida no século XIII. O renascimento das cidades, fruto de profundas transformações no Ocidente medievo a partir do Ano Mil 1 , provocou alterações no viver dos homens, tornando mais complexas as relações sociais, motivo pelo qual foi necessário reconsiderar o conhecimento teórico 1 Neste trabalho não discutiremos as transformações que se impuseram à sociedade medieva a partir do Ano Mil, uma vez que nos afastaríamos de nossos objetivos.

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CONTRIBUIÇÕES DE TOMÁS DE AQUINO PARA A EDUCAÇÃO: AS

VIRTUDES CARDEAIS E O BEM COMUM

CAVALCANTE, Tatyana Murer (UEM)

OLIVEIRA, Terezinha (Orientadora/UEM)

Agência Financiadora – CAPES

Introdução

A discussão sobre ética é fundamental na atualidade. Ela se impõe à nossa sociedade

cotidianamente, trazida à tona pela mídia, que repetidamente noticia vandalismo,

violência física e psicológica, desvio e/ou má utilização do dinheiro público, em

diferentes esferas da vida social. Confronta-nos a necessidade de refletir sobre as

escolhas que fazemos e os caminhos que consolidamos continuamente, por meio de

nossas ações. À sociedade e, em especial, à universidade, cabe a tarefa compreendermo-

nos enquanto sujeitos na vida social.

Se essa preocupação nos é essencial, ela não nos é exclusiva. Ao longo da história os

homens, em diferentes situações, se impuseram a necessidade conhecer-se e formular

ideais sociais que propiciassem um melhor viver em suas especificidades históricas,

motivo pelo qual consideramos salutar revisitarmos o conhecimento que a humanidade

nos legou. Compreendemos entretanto que, por sua especificidade, algumas situações

históricas podem nos propiciar reflexões mais aprofundadas acerca do tema.

Entendemos que esse é o caso da elaboração sobre ética produzida no século XIII.

O renascimento das cidades, fruto de profundas transformações no Ocidente medievo a

partir do Ano Mil1, provocou alterações no viver dos homens, tornando mais complexas

as relações sociais, motivo pelo qual foi necessário reconsiderar o conhecimento teórico

1 Neste trabalho não discutiremos as transformações que se impuseram à sociedade medieva a partir do Ano Mil, uma vez que nos afastaríamos de nossos objetivos.

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disponível e propor novas maneiras de se conceber a existência, mais coerentes com a

realidade que se colocava. Esse debate ocorreu, durante o século XIII, no seio de das

universidades nascentes.

É sob a perspectiva dessas transformações que buscaremos compreender a elaboração

ética de Tomás de Aquino (1224-5?/1274). Considerando os limites deste trabalho,

centraremos nossos esforços em algumas questões destinadas à discussão das virtudes

cardeais e, entre elas, especialmente à prudência e à justiça, presentes na obra Suma de

Teologia do Aquinate. Discutiremos a produção desse autor à luz de algumas obras

contemporâneas de História e História da Educação, cujos autores se dedicam ao estudo

do tema.

Tomás de Aquino e a educação para a vida citadina

Tomás de Aquino é reconhecido como um dos maiores mestres da literatura escolástica.

Esse autor viveu intensamente o século XIII e produziu sua obra na efervescência

citadina daquele contexto, em universidades de diferentes cidades. Segundo Lauand

(1999), o Mestre de Aquino, como também ficou conhecido, viveu plenamente o século

XIII, especialmente quanto a suas tensões e seus desafios. Segundo este autor:

Os cinqüenta anos da vida de Tomás de Aquino (1225-1274) estão plenamente centrados no século XIII, e não só do ponto de vista cronológico: todas as significativas novidades culturais desse tempo mantêm estreita relação com sua vida e lutas. Ao contrário do clichê que o apresenta como uma época de paz e equilíbrio harmônico, esse século é um tempo de agudas contradições, tanto no plano econômico e social como no do pensamento (LAUAND, 1999, p. 4-5).

Para que possamos compreender a elaboração sobre ética no século XIII, é essencial nos

atentarmos às palavras de Lauand quanto às agudas contradições postas àquele tempo.

Como não nos cabe, nesse trabalho, abarcar longamente seu conjunto, consideramos

essencial marcar a centralidade da vida citadina nesse processo. O renascimento das

cidades alargou as possibilidades e vivência humana e impôs a tarefa de organizar a

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coletividade, bem como a necessidade de reconsiderar as posições teóricas que estavam

consolidadas naquela sociedade.

Os séculos XI e XII corresponderam, segundo Le Goff (1992), ao período de

desenvolvimento selvagem delas, enquanto a segunda metade do século XII e todo o

XIII foi o tempo no qual ocorreu a consolidação da comunidade urbana. Para este autor,

uma comunidade urbana é mais do que a soma de seus indivíduos, ela é “[...] a

consciência de grupo que se afirma na ação e na oposição” (1992, p. 81). Dessa forma,

compreendemos que os homens do século XIII, ao forjarem uma nova forma de viver,

precisavam também elaborar regras de convivência para essa nova situação social,

tornando-se essencial a discussão sobre o público e o comum. Sobre essa questão,

afirma Oliveira:

Na medida em que os homens principiaram, em fins do século XI e ao longo dos séculos XII e XIII, a construir e habitar espaços urbanos, seus hábitos e costumes também se modificaram, pois, quando viviam somente nos feudos, em geral, o contato social entre os indivíduos era restrito ao grupo pertencente a este próprio universo. No entanto, quando passaram a viver nas cidades, as relações sociais assumiram contornos mais complexos, conduzindo os homens a adotar novos comportamentos e, acima de tudo, novas leis, que permitissem a vida em comum em um novo ambiente, sem passar pelos ditames dos senhores feudais, tradicionalmente envoltos em interesses pessoais (OLIVEIRA, 2008, p. 229-230).

Ainda segundo Oliveira (2008, p. 230), é fundamental lembrarmo-nos que a vida em

comunidade exige o predomínio de interesses e leis comuns. É neste sentido que a

elaboração sobre a ética no século XIII nos interessa. A formulação de regras e/ou leis

que propiciem a superioridade do interesse público pressupõe que examinemos alguns

comportamentos que se fazem necessários à vida social. Para elaborar esse

conhecimento, tão necessário àquele período, os pensadores buscaram suporte teórico

nos conhecimentos que tinham acesso.

Precisamos considerar, desse modo, não apenas as novas condições sociais, mas

também as características específicas da produção do conhecimento naquele contexto.

Ao longo do século XII o Ocidente medieval vivenciou um movimento de proliferação

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das escolas urbanas que, ao final do mesmo século e a exemplo dos demais campos de

trabalho citadino, principiaram-se a organizar-se em Corporações de Ofício. Foi a partir

desse movimento que, ao raiar do século XIII, os medievos criaram uma nova

instituição destinada ao conhecimento e ao ensino, a Universidade2. A historiografia

marca a importância do surgimento dessa instituição. Segundo Oliveira:

Os homens do saber, que até então viveram em função dos mosteiros, das abadias, que viviam preocupados somente em justificar a existência divina, passam, a partir de então, a se preocuparem com as coisas terrenas, com um universo de questões vinculadas ao seu mundo cotidiano. A Universidade cria, deste modo, a possibilidade, de os homens buscarem, por meio da razão, e não apenas por meio da religião, a explicação para as suas relações (OLIVEIRA, 2005, p. 6).

Temos o primeiro elemento relacionado à especificidade da produção do conhecimento

no século XIII: a questão institucional. Esse elemento também nos possibilita olhar para

Tomás de Aquino um pouco mais atentamente. Esse autor, que nasceu na província de

Aquino, estava destinado à vida religiosa e foi entregue como oblato, com cerca de seis

anos de idade, ao Mosteiro Beneditino de Monte Cassino (TORRELL, 1999). Ora, o

mosteiro fora, desde o início da Idade Média a instituição tradicionalmente dedicada ao

conhecimento e ao ensino. Segundo Oliveira (2005a) as condições da existência dos

homens no início do medievo as afastavam da vida citadina e, com eles, também o

filosofar medieval deslocou-se, desde o século VI, das academias citadinas para os

mosteiros3. Entretanto, como anunciamos anteriormente, desde o século XII o filosofar

medieval precipitou-se para as escolas citadinas e, no século XIII, esteve presente nas

universidades.

Retomemos a biografia do Mestre de Aquino. Do Mosteiro de Monte Cassino, o

Aquinate foi enviado para estudar Artes Liberais em Nápoles, entre 1239 e 1244. Foi

nessa ocasião que ele conheceu a Ordem dos Dominicanos, à qual se integrou,

2 Discutir o nascimento dessa instituição nos afastaria do objetivo central deste trabalho, entretanto consideramos essencial marcarmos que a produção do conhecimento no século XIII ocorreu num espaço novo. Também entendemos como essencial apontar que a Universidade de Paris foi a grande referência na produção filosofia e seu ensino naquele século. Para ter acesso à discussão consultar: VERGER, 1990 e OLIVEIRA, 2005 (nas referências bibliográficas). 3 Para ter acesso à essa discussão consultar OLIVEIRA, 2005a (nas referências bibliográficas).

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provavelmente em 1244 (TORRELL, 1999). É necessário que apontemos, ainda que

brevemente, uma outra questão institucional: a própria ordem religiosa à qual nosso

autor ingressou. Assim como a universidade, a Ordem Dominicana era uma organização

religiosa recém criada, não-monástica e citadina, mais adequada à vida daquele tempo4.

Nosso autor, religioso e dominicano, foi discípulo do Mestre Alberto Magno em Paris

(1245-1248) e em Colônia (1248-1252) e tornou-se professor universitário em Paris,

como Bacharel Sentenciário (1252-1256) e Mestre Regente (1256-1259). Nos oito anos

seguintes, o Aquinate realizou suas tarefas de evangelização e ensino fora de Paris,

atuando em Nápoles, Orvieto, Roma e Viberto (1260-1268). Conheceu mais um período

de regência em Paris (1269-1272), em seguida foi regente em Nápoles (1272-1273) e

faleceu em 1274 (TORRELL, 1999). Por estar presente em diversas cidades e condições

e produzir uma vasta obra, em consonância com as questões cruciais de seu tempo,

podemos compreender, como Lauand (1999), que Tomás de Aquino viveu intensamente

o século XIII.

Da grande obra produzida pelo Aquinate, a principal é a Suma de Teologia5. Dedicada

ao conhecimento de Deus, essa obra tem como característica central analisar os

caminhos pelos quais os homens podem alcançar “o bem”, ou seja, a vida eterna

(TOMÁS DE AQUINO, ST, Ia, prólogo6). É precisamente por esse motivo que a obra

nos interessa, uma vez que a teologia proposta por esse mestre não preocupava-se

apenas com o conhecimento de Deus em si mesmo, mas principalmente, com a

atividade humana que poderia (ou não) proporcionar a bem aventurança, ou seja, o que

estava em discussão, naquela obra, era justamente os comportamentos humanos, as

ações dos homens face à nova realidade social.

4 As novas ordens religiosas criadas no próprio século XIII e, dentre elas, especialmente a dos Dominicanos e a dos Franciscanos, foram extremamente relevantes para a vida nas cidades naquele século, uma vez que voltavam-se para as questões geradas pela complexidade das novas relações sociais. Embora consideremo-las essenciais, não nos cabe discuti-las neste texto. Para ter acesso à discussão, consultar as obras de Le Goff relacionadas nas referências bibliográficas. 5 O nome mais antigo da obra é Summa Theologiae (Suma de Teologia). Hoje é mais conhecida como Suma Teológica (Summa Theologica), forma mais recente e menos frequente na literatura medieval (TORRELL, 1999), motivo pelo qual preferimos utilizar o nome Suma de Teologia, ainda que a tradução mais recente da obra para a língua portuguesa nomei-a de Suma Teológica. 6 Sabemos que a norma para referência em citação obedece ao padrão: (AUTOR, data da publicação utilizada, página); entretanto, para textos medievais utilizamos: (AUTOR, sigla da obra, localização da citação no interior da obra).

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Na elaboração de Tomás de Aquino, todos os comportamentos humanos que visavam “o

bem” eram regidos por virtudes, enquanto aqueles que dele se desviavam, viciosos. É

pelos comportamentos humanos que nos interessa investigar a discussão sobre as

virtudes em sua obra. O autor discutiu uma gama desses comportamentos da segunda

parte desta, na qual nos centramos. Para que possamos discuti-los, é necessário verificar

o que o autor entendia por virtude:

A virtude [...] é um hábito pelo qual se age bem. Ora, de duas maneiras um hábito se orienta para o ato bom: primeiramente, enquanto, por esse hábito, se adquire a prática dos atos bons, como o hábito da gramática nos dá a prática de falar corretamente, embora a gramática não garanta a alguém que sempre fale corretamente, pois um gramático pode cometer barbarismos ou solescismos, e o mesmo se diga de outras ciências e artes. – Em segundo lugar, um hábito não só dá a prática de agir, mas ainda faz com que se use retamente essa prática, como a justiça não só nos faz dispostos às ações justas, mas também nos faz agir justamente (TOMÁS DE AQUINO, ST, IaIIae, q. 56, a.3. c.).

Atentemo-nos às palavras do Aquinate. Embora ele entendesse que a virtude orientasse

o homem para agir bem, a prática dos atos corretos a refinaria. Isso nos impele a afirmar

que saber discernir se algo é bom ou ruim não é suficiente para tornar alguém virtuoso,

pelo menos na concepção desse mestre. Virtuoso, no sentido exposto, é o homem que

pratica a bondade cotidianamente. Dessa forma, se nos atentarmos para as implicações

éticas dessa elaboração, havemos de considerar a importância das ações concretas no

dia a dia dos homens.

No entanto, essa noção de prática da virtude é anterior a Tomás de Aquino, tendo sido

forjada na Antiguidade. Diante desse fator, é necessário que consideremos um segundo

elemento essencial na elaboração do conhecimento no século XIII: as matrizes teóricas

daqueles autores. Desde o século XII, mas principalmente no decorrer do século XIII, o

Ocidente redescobriu textos de filosofia e ciência gregas (traduzidos de versões em

árabe) e conheceu traduções de comentadores helenísticos árabes (Al Farâbi, Avicena e

Averróis, principalmente) (VERGER, 198-?).

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Dentre os textos e autores que se fizeram conhecidos naquele período, os historiadores

reconhecem que o principal foi Aristóteles. Para Le Goff: “Aristóteles foi, de certa

maneira, o grande homem das universidades no século XIII” (2007, p. 175). Segundo

Verger (1990), ao final do século XII, toda a obra de Lógica, Física e Metafísica

aristotélica era conhecida no Ocidente cristão, enquanto as relacionadas à Retórica, a

Ética, à Economia e à Política tornaram-se conhecidas ao longo do século XIII. Torrell

(1999) afirma que o lugar que se deveria dar ao ensino de Aristóteles sacudia o mundo

intelectual parisiense ao longo daquele século, sendo que o ensino de diversas obras foi

proibido reiteradamente, entretanto essas proibições figuravam mais como letra morta.

O grande problema, segundo Verger (1990), era compreender se o saber aristotélico

poderia ser conciliado ao dogma cristão.

Segundo Caporalini (2008, p. 21-23), para Aristóteles não existia um único ser ou um

único bem, o que significa que a realidade, na concepção aristotélica, seria múltipla e o

bem de cada coisa se ligaria diretamente com sua própria essência, motivo pelo qual não

poderia haver um sumo bem, em abstrato. Ao considerar especificamente a ética,

Caporalini afirma ainda que Aristóteles definia o homem como um animal político e,

desse modo, o bem e a felicidade humanas necessariamente consideravam o homem em

suas instituições: “Portanto, nada de idealismos, mas sim referência ao homem

historicamente situado na cidade-estado de sua época, particularmente na Atenas de

seus dias” (2008, p. 23).

Voltemo-nos ao século XIII e poderemos compreender a centralidade do pensamento de

Aristóteles na elaboração do pensamento citadino medieval. Como afirmamos

anteriormente, o aumento da complexidade na vida social daquele período impeliu os

homens a discutir os interesses comuns. Segundo Oliveira (2008, p. 230), a vida urbana

criou um ambiente diversificado, mas também exigiu uma unidade social. Assim, ao

tomarem contato com a obra filosófica produzida na Antiguidade, os autores buscavam

elementos que os auxiliassem a compreender a nova realidade de se formava. Não

podemos nos esquecer, entretanto, que o conhecimento já consolidado naquele período

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remonta a uma longa tradição especialmente cristã e produzida nos mosteiros, como já

afirmamos anteriormente. Dessa forma, havia uma grande dificuldade em se discutir, a

partir de uma filosofia cristã, conhecimentos produzidos numa época anterior ao próprio

cristianismo, motivo pelo qual o saber aristotélico foi tão questionado. Não obstante, o

conhecimento produzido na Antiguidade foi essencial à elaboração do século XIII.

Consideremos a contribuição da Antiguidade precisamente em relação à ética e

retomemos a conceituação de virtude para o Mestre de Aquino. Ao anunciar a

importância da prática da virtude, o Aquinate seguiu os passos de Aristóteles, para

quem: “É correto, então, dizer que é mediante a prática de atos justos que o homem se

torna justo, e é mediante a prática de atos moderados que o homem se torna moderado;

sem os praticar ninguém teria sequer remotamente a possibilidade de tornar-se bom”

(ARISTÓTELES, 2001, p. 39).

Como expusemos, entre Aristóteles e Tomás de Aquino se impõe não apenas uma longa

separação temporal, mas também uma profunda cisão teórica: a elaboração cristã. Se,

para o primeiro, a discussão do homem na sociedade era suficiente em si mesma, para o

segundo o objetivo do homem em agir com retidão deveria ser alcançar a bem

aventurança. Apesar dessa diferença, em um e no outro a prática da virtude é que

garantiria ao homem o status de virtuoso.

Embora entendesse que todas as virtudes auxiliariam o homem nesse processo, o

Aquinate elencou algumas delas como principais, por compreender que visariam a

perfeição humana: a prudência, a justiça, a temperança e a fortaleza, virtudes morais7.

Mais uma vez, precisamos voltar nosso olhar para a Antiguidade, berço da construção

de quatro virtudes cardeais. Platão, em sua obra mais conhecida, A República,

estabeleceu que uma sociedade somente seria boa se os homens fossem prudentes,

7 Para Tomás de Aquino, as virtudes morais dizem respeito não apenas aos costumes, mas sobretudo à inclinação natural do homem (ST, IaIIae, q. 58, a. 1), que discutiremos adiante.

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corajosos, ponderados e justos8. Segundo esse pensador, apesar da diversidade de

funções, a sociedade deveria permanecer uma. A educação seria então o elemento

fundamental, pelo qual se infiltraria aos poucos os costumes, uma vez que, segundo ele,

a criação de leis para reger a vida social em si mesma era infrutífera, porque não criava

os hábitos (PLATÃO, 1997).

Podemos compreender, portanto, que ao retomar os princípios das quatro virtudes

cardeais, também Tomás de Aquino estava preocupado com a formação de uma boa

sociedade. Assim como Platão buscava estabelecer princípios pelos quais seria possível

construir uma boa vida social, também o Mestre de Aquino preocupava-se em

estabelecer ideais de conduta que visassem o bem comum. Atentemo-nos às palavras do

Aquinate sobre a proeminência destas sobre as demais virtudes:

Ora, é certo que o perfeito é mais importante que o imperfeito e por isso as virtudes que asseguram a retidão do apetite são tidas como principais e é o caso das virtudes morais e, entre as intelectuais, a prudência apenas, porque esta é também, de certa forma, uma virtude moral por sua matéria, como acima se mostrou. Logo, é correto afirmar entre as virtudes morais chamadas virtudes principais ou cardeais (ST, IaIIae, q. 57, a. 1, c.).

Para o Aquinate, as virtudes especificamente humanas estariam dispostas em dois

grupos, classificando-se em intelectuais ou morais, distintas por aperfeiçoar o intelecto

ou a potência apetitiva (ST, IaIIae, q. 58, a. 3, c.). Conforme anunciamos, centraremos

nossos esforços em duas delas: a prudência e a justiça.

Embora tenha classificado a prudência como uma virtude essencialmente intelectual, o

autor afirmou que sua matéria era comum às virtudes morais, uma vez que definiu a

prudência como a reta razão no agir (ST, IaIIae, q. 58, a. 3, ad 1 m.). Segundo o Mestre:

“A prudência é a virtude mais necessária à vida humana, pois viver bem consiste em

8 Para Platão, a prudência implicaria em boa deliberação, em virtude do conhecimento e da ação sobre o conjunto; a coragem consistiria na opinião reta e legítima do que se deveria ou não recear, a temperança corresponderia à moderação, ao domínio das paixões pela razão, enquanto a justiça, princípio e complemento das demais virtudes, permitiria que cada um desempenhasse sua função, sem interferir nas demais (PLATÃO, 1997).

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agir bem. Ora, para agir bem é preciso não só fazer alguma coisa, mas fazê-lo também

do modo certo, ou seja, por uma escolha correta e não por impulso ou paixão” (ST,

IaIIae, q. 57. a. 5, c.).

Lauand, num estudo dedicado à prudência em Tomás de Aquino, nos auxilia a

compreender a extensão intelectual/moral dessa virtude. Afirma: “Prudentia é a arte de

ver a realidade e, com base nela, tomar a decisão certa” (2005, p. X). Adiante, o autor

refina sua elaboração: “Mas esse ver a realidade é somente uma parte da prudentia; a

outra parte, ainda mais decisiva (literalmente), é transformar a realidade vista em

decisão de ação, em comando: de nada adianta saber o que é bom se não há decisão de

realizar esse bem...”(p. XI).

Esse é o motivo pelo qual a prudência seria, para o Mestre de Aquino, a mais necessária

de todas as virtudes. As ações humanas, para serem virtuosas, precisariam

necessariamente considerar a melhor ação, em virtude da realidade que se manifestaria

ao homem. Neste sentido, precisamos compreender, como afirma Lauand, que o termo

prudência em Tomás de Aquino em nada se parece com o sentido atual da palavra,

orientada para a “egoísta cautela da indecisão” (2005, p. IX), para ações oportunistas. A

realidade à qual se referia o Aquinate ultrapassava os interesses mesquinhos e se fazia

compreensível ao homem enquanto este visasse atingir “o bem”, considerando

especificamente a sua natureza.

Mas em que consistiria exatamente a “inclinação natural” ou a “natureza do homem”?

Nosso autor apresentou essa definição em diferentes partes da Suma de Teologia,

entretanto dedicamos especial atenção à sua elaboração ao final da questão As virtudes

cardeais. Nela, afirma o Mestre: “E como o homem é, por natureza, animal político, as

virtudes cardeais, enquanto nele existentes segundo as condições próprias da sua

natureza, se chamam políticas, ou seja, praticando-as o homem procede corretamente na

gestão das coisas humanas (TOMÁS DE AQUINO, ST, IaIIae, q. 61, a. 5, c.).

Mais uma vez, deparamo-nos com a contribuição da Antiguidade, especialmente

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aristotélica. Segundo Aristóteles, o bem maior dos homens era a política, uma vez que

nela consistiria a natureza humana. Ainda segundo esse autor, as virtudes intelectuais

estariam em nós por nascimento e instrução, enquanto as morais só as teríamos

inicialmente a capacidade para recebê-las e, desse modo, só as adquiriríamos ao praticá-

las (2001, p. 18-31).

Essa definição de Aristóteles nos também ajuda a aprofundar a extensão da virtude da

prudência no pensamento do Aquinate. Como virtude intelectual, ela estaria no homem

desde seu nascimento e seria aperfeiçoada pela educação, mas enquanto virtude moral

seria absolutamente necessário praticá-la. Voltada para a ação concreta, para a vida na

cidade, a prudência não se restringiria penas a um saber, mas teria validade na prática

de ações voltadas ao interesse comum.

A partir dessa compreensão de prudência, podemos nos voltar para a virtude da justiça.

Segundo Tomás de Aquino, essa virtude ordenaria a relação entre os homens e estaria

voltada para a ação exterior. Para nosso autor, o bem comum teria preeminência social

sobre o bem particular das pessoas (ST, IIaIIae, q. 58.). Confiramos a definição de justiça

nas palavras do Mestre:

A justiça ordena o homem em suas relações com outrem. O que se pode dar de duas maneiras. Com outrem, considerado singularmente; ou com outrem, em geral, considerando que quem serve a uma comunidade, serve a todos os indivíduos que a ela pertencem. Ora, a ambos esses modos se pode aplicar a justiça em sua noção própria. É manifesto, com efeito, que todos os que pertencem a uma comunidade têm com ela mesma relação das partes para com o todo. Ora, a parte, por tudo o que ela é, pertence ao todo e qualquer bem da parte deve se ordenar ao bem do todo. Assim o bem de cada virtude, quer ordene o homem para consigo mesmo, quer ordene a outras pessoas, comporta uma referência ao bem comum, ao qual orienta a justiça. Dessa maneira, os atos de todas as virtudes podem pertencer à justiça, enquanto esta orienta o homem ao bem comum. Nesse sentido, a justiça é uma virtude geral. E como compete à lei ordenar o homem ao bem comum, como já foi dito, essa justiça geral é chama legal; pois, na verdade, por ela, o homem se submete à lei que orienta ao bem comum os atos de todas as virtudes (ST, IIaIIae, q. 58, a. 5, c.).

Reflitamos sobre a extensão da virtude da justiça no ambiente citadino. Para além de

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orientações de conduta gerais, seja nas ações individuais, seja em consideração às

relações entre particulares, a virtude da justiça orientaria os homens para os interesses

comuns, para o bem comum. Tratando o homem como um animal de natureza política,

como já assegurou o autor, faltava-lhe apenas assegurar a preeminência da justiça sobre

as demais virtudes sociais.

Se falarmos da justiça legal, é manifesto que excede em valor todas as virtudes morais; pois o bem comum tem a preeminência sobre o bem particular de uma pessoa. Por isso, declara o Filósofo [Aristóteles]: “A justiça resplandece como a mais preclara das virtudes. Nem a estrela da tarde nem a estrela da manhã são tão admiráveis”. Mas, mesmo que falemos da justiça particular, ela supera em excelência todas as virtudes morais, por duas razões. A primeira, do lado do sujeito: a justiça, com efeito, tem sua sede na parte mais nobre da alma, a saber no apetite racional, a vontade. Ao invés, as outras virtudes morais têm por sede o apetite sensível, a que pertencem as paixões, que constituem a matéria dessas virtudes. – A segunda razão vem da parte do objeto. Pois, as outras virtudes morais, além da justiça, são exaltadas somente pelo bem que realizam no homem virtuoso, ao passo que a justiça é enaltecida pelo bem que o homem virtuoso realiza em suas relações com outrem, de tal sorte que ela é, de certa maneira, o bem de outrem, diz o livro V da Ética. Por isso, proclama o Filósofo: “as maiores virtudes são necessariamente aquelas que mais concorrem para o bem de outrem, já que a virtude é uma força benfazeja. Eis por quê, mais se honram os fortes e os justos, porque a fortaleza é útil aos outros na guerra, a justiça, porém, tanto na guerra quanto na paz” (ST, IIaIIae, q. 58, a. 12, c.).

Mais uma vez, nosso autor retomou o conhecimento legado pela Antiguidade para

pensar seu próprio tempo. Na Ética a Nicômacos, Aristóteles já afirmara a justiça como

a maior virtude moral, bem como já acordara que ela sempre se referia à lei “O justo,

então, é aquilo que é conforme à lei e correto, e o injusto é o ilegal e iníquo”

(ARISTÓTELES, 2001, p. 92). O autor afirmara ainda a dificuldade de se agir

justamente pois a justiça seria o bem dos outros: “ela se relaciona com o próximo, pois

faz o que é vantajosos para os outros, quer se trate de um governante, quer se trate de

um companheiro da comunidade (2001, p. 93).

Dessa forma, podemos retomar a citação de Oliveira (2008, p. 229-230), que fizemos no

início do texto, quanto à dificuldade dos homens dos séculos XII e XIII em adotar novos

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comportamentos, mais condizentes com um ambiente mais complexo, sendo necessária a

adoção de leis que permitissem a vida comum. Como Aristóteles já anunciara, a virtude da

justiça é extremamente difícil, ao dispor o bem do próximo no primeiro plano. Não apenas era

necessário considerar o bem dos indivíduos de seu próprio pequeno grupo, mas o bem da

existência coletiva.

Embora não tenhamos a intenção, neste trabalho, de realizar um exame mais detalhado

das demais virtudes cardeais (temperança e fortaleza) uma vez que a prudência e a

justiça nos asseguram da importância da ação consciente de cada pessoa em relação à

vida social, vejamos, ainda que brevemente, como Tomás de Aquino compreende o

conjunto delas:

Como já foi dito, essas quatro virtudes cardeais se tomam segundo as quatro razões formais da virtude de que tratamos. E estas se encontram de modo principal em alguns atos ou paixões. Assim, o bem que consiste na consideração da razão se encontra principalmente na própria ordem da razão e não no conselho nem no juízo, como já foi dito. Da mesma forma, o bem da razão, tal como se afirma nas ações enquanto retas e devidas, se encontra principalmente nas trocas ou distribuições que se têm com os outros com igualdade. Já o bem que consiste em frear as paixões encontra-se principalmente nas mais difíceis de controlar, ou seja, as relativas aos prazeres do tato. Por fim, o bem que há na firmeza para não perder a razão no ímpeto das paixões encontra-se sobretudo nos perigos de morte, mais difíceis de serem enfrentados. Assim, podemos considerar de duas maneiras essas quatro virtudes. Primeiro, quanto às razões formais comuns. Nesse sentido, são chamadas principais comuns a todas as virtudes, no sentido que toda virtude que faz o bem de acordo com a razão será chamada prudência, e toda virtude que faz o bem do que é devido e reto nas ações será chamada justiça, e toda virtude que coíbe as paixões e as reprime, será chamada temperança; e toda virtude que dá firmeza interior contra qualquer paixão, será chamada fortaleza. É assim que muitos falam dessas virtudes, não só os teólogos como também os filósofos e desse modo as demais virtudes estão englobadas nelas [...]. Mas é possível analisar essas virtudes de outra maneira, a saber, dela denominação que recebem do que é mais importante em cada matéria. E nesse sentido são virtudes especiais, distintas das outras. Mas são chamadas de principais em relação com as outras, devido à principalidade da matéria: por exemplo, chama-se prudência a que é preceptiva, justiça, a que diz respeito às ações devidas entre iguais; temperança, a que reprime os desejos dos prazeres do tato; fortaleza, a que dá forças contra os riscos de morte. [...] (ST, IaIIae, q. 61. a. 3, c.).

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Essa longa citação é carregada de elementos que nos auxiliam a compreender a

proeminência das virtudes morais pra a vida humana. Consideradas como princípios

necessários às demais virtudes, juntas elas amenizariam os interesses mais imediatos e

individuais, uma vez que estes se pautariam em injustiça, medo, dor ou imprudência.

Essas quatro virtudes, ao serem postas cotidianamente em ação, poderiam garantir que

diferentes interesses individuais não se sobrepusessem ao bem comum.

Dessa forma, podemos compreender a importância da retomada da discussão das

virtudes cardeais no século XIII, na construção de ideais de uma boa sociedade. Para

que ela fosse possível, na diversidade de papéis existentes naquela realidade complexa,

seria necessário considerar a idéia de unicidade. O objetivo cristão da bem aventurança

se encontraria na sociedade citadina na medida em que os homens pudessem considerar

o bem comum como primordial à salvação de sua alma. Entretanto, muito embora o

homem fosse dotado naturalmente de virtudes intelectuais, atuar com justiça,

temperança e fortaleza exigira educação e atividade. O mesmo poderíamos dizer da

prudência, na medida em que a reta razão no agir só se realizaria em sociedade. A

construção de uma sociedade mais justa dependeria, principalmente, de aprendizado

constante.

Ao discutirmos a ética no pensamento do Aquinate, precisamos compreender esse autor

como um homem de seu tempo e não podemos perder de vista alguns aspectos que lhe

são essenciais. O dominicano do século XIII, citadino, pensador atuante e mestre

universitário buscou auxilio no conhecimento teórico acumulado pela humanidade, ao

procurar responder às questões que, naquela situação específica, se colocavam.

Considerações finais

Ao vislumbrarmos a elaboração de Tomás de Aquino em razão de seu tempo histórico,

podemos verificar que esse autor expressava a preocupação com a definição de regras

que propiciassem o vem viver dos homens em suas novas condições, motivo pelo qual

as virtudes morais ocuparam lugar central em sua obra. Apesar de abrir uma nova gama

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de possibilidades na vivência humana, o desenvolvimento das cidades por si só não

criaria condições para melhorar a vida. Neste sentido, o conhecimento teórico

acumulado era fundamental, por apontar a necessária atividade consciente dos homens

nessa construção. O legado teórico, ao qual tinham acesso aqueles mestres, apontava

que os homens não agiriam naturalmente de maneira virtuosa, sendo necessário, além

da definição de regras, o ensino de valores morais para o bem viver em sociedade.

Apesar das diferenças entre o século XIII e o nosso tempo, entendemos que analisar

aquela elaboração, considerando as condições nas quais foi produzida, nos auxilia no

debate acerca das relações entre a ética e a educação na contemporaneidade. Ainda que

vivamos numa realidade social ainda mais complexa e tenhamos feito a opção de

separar a fé da razão, somos citadinos. A exemplo dos homens do século XIII, ou

mesmo daqueles da Antiguidade, ficamos chocados com alguns comportamentos de

nossos contemporâneos, precisamos compreender-nos e criar possibilidades para a vida

social. Como os medievos do século XIII, ainda destinamos à universidade a elaboração

do conhecimento teórico socialmente relevante. Entretanto, ao contrário de Tomás de

Aquino e dos mestres do século XIII, parece que temos desprezado o legado teórico que

recebemos da Idade Média e da Antiguidade.

Entenderemos que o bem comum deve ser preferido aos bens individuais? Será possível

ultrapassarmos a simples compreensão da necessidade das virtudes na vida social,

praticando-as em nosso dia a dia? E ainda, comprometer-nos-emos em ensinar valores

morais, ou continuaremos a considerar que esse conhecimento nos é natural? São essas

algumas das perguntas que os estudos históricos podem nos ajudar a responder.

REFERÊNCIAS

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