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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Rui Pedro Ventura 1 ÍNDICE CAPITULO I- INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7 1.1. LINHAS FUNDAMENTAIS DO PRESENTE TRABALHO DE PROJETO.............................................................. 7 1.2. ALCANCE E OBJETIVOS............................................................................................................................. 9 1.4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DE PROJETO............................................................................................. 9 CAPÍTULO II- UMA BREVE HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL............ 11 2.1. ESPIRITUALIDADE E TRABALHO SOCIAL ................................................................................................. 11 2.2. FASE P-COLONIAL E O BEM-ESTAR INDÍGENA................................................................................... 12 2.3. FASE COLONIAL E O PAPEL DA IGREJA................................................................................................... 12 2.4. SECULARIZAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL.......................................................... 12 2.5. RESSURGIMENTO DO INTERESSE PELA ESPIRITUALIDADE ..................................................................... 13 2.6. A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL TRANSCENDE FRONTEIRAS ................................................ 14 CAPITULO III FUNDAMENTOS QUE SUSTENTAM A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL ...................................................................................................................................................... 17 3.1. CONCEITO DE ESPIRITUALIDADE PELO TRABALHO SOCIAL ................................................................... 17 3.2. TEORIAS DO COMPORTAMENTO HUMANO NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL .................................... 31 3.3. TEORIAS TRANSPESSOAIS NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL............................................................. 37 3.4. A TRANSFORMAÇÃO TERAPÊUTICA NO TRABALHO SOCIAL................................................................... 43 3.5. MODELO HOLÍSTICO DE TRABALHO SOCIAL BASEADO NO LIVRO DAS MUTAÇÕES ............................... 51 CAPITULO IV PROPOSTA DE UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO................... 65 4.1. AVALIAR E TRANSFORMAR A ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO SOCIAL PARA UMA VIA HOLÍSTICA ........... 65 4.1.1. “Olhar” para a Espiritualidade na Organização de Trabalho Social ..................................... 73 4.1.3. Reconstituição de casos de Intervenção Social ...................................................................... 77 4.1.3.1. Caso Maria .............................................................................................................................................. 77 4.1.2. Sociometria e sociograma de equipas de Intervenção Social ............................................... 82 4.1.2.1. Caso Maria .............................................................................................................................................. 83 4.1.4. Jogos dramáticos como uma via participativa de Transformação Integral para um Trabalho Social Holístico ........................................................................................................................ 86 4.2. INVESTIGAÇÃO INTEGRAL APLICADA AO TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO ............................................... 89 CAPITULO V DESAFIOS PARA UM TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO ........................................ 98 CAPITULO VI BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 105

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 1

ÍNDICE

CAPITULO I- INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7

1.1. LINHAS FUNDAMENTAIS DO PRESENTE TRABALHO DE PROJETO .............................................................. 7

1.2. ALCANCE E OBJETIVOS ............................................................................................................................. 9

1.4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DE PROJETO............................................................................................. 9

CAPÍTULO II- UMA BREVE HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL ............ 11

2.1. ESPIRITUALIDADE E TRABALHO SOCIAL ................................................................................................. 11

2.2. FASE PRÉ-COLONIAL E O BEM-ESTAR INDÍGENA ................................................................................... 12

2.3. FASE COLONIAL E O PAPEL DA IGREJA ................................................................................................... 12

2.4. SECULARIZAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL .......................................................... 12

2.5. RESSURGIMENTO DO INTERESSE PELA ESPIRITUALIDADE ..................................................................... 13

2.6. A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL TRANSCENDE FRONTEIRAS ................................................ 14

CAPITULO III – FUNDAMENTOS QUE SUSTENTAM A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO

SOCIAL ...................................................................................................................................................... 17

3.1. CONCEITO DE ESPIRITUALIDADE PELO TRABALHO SOCIAL ................................................................... 17

3.2. TEORIAS DO COMPORTAMENTO HUMANO NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL .................................... 31

3.3. TEORIAS TRANSPESSOAIS NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL ............................................................. 37

3.4. A TRANSFORMAÇÃO TERAPÊUTICA NO TRABALHO SOCIAL................................................................... 43

3.5. MODELO HOLÍSTICO DE TRABALHO SOCIAL BASEADO NO LIVRO DAS MUTAÇÕES ............................... 51

CAPITULO IV – PROPOSTA DE UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO................... 65

4.1. AVALIAR E TRANSFORMAR A ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO SOCIAL PARA UMA VIA HOLÍSTICA ........... 65

4.1.1. “Olhar” para a Espiritualidade na Organização de Trabalho Social ..................................... 73

4.1.3. Reconstituição de casos de Intervenção Social ...................................................................... 77 4.1.3.1. Caso Maria .............................................................................................................................................. 77

4.1.2. Sociometria e sociograma de equipas de Intervenção Social ............................................... 82 4.1.2.1. Caso Maria .............................................................................................................................................. 83

4.1.4. Jogos dramáticos como uma via participativa de Transformação Integral para um

Trabalho Social Holístico ........................................................................................................................ 86

4.2. INVESTIGAÇÃO INTEGRAL APLICADA AO TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO ............................................... 89

CAPITULO V – DESAFIOS PARA UM TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO ........................................ 98

CAPITULO VI – BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 105

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Rui Pedro Ventura 2

“Aprendei a ouvir no silêncio a voz de Deus,

que fala no mais fundo de cada um de nós.”

(João Paulo II)

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Rui Pedro Ventura 3

APRESENTAÇÃO

O trabalho de projeto que, ora, me proponho apresentar visa propor um modelo holístico de

trabalho social. Por força das circunstâncias ou não, há 24 anos que desempenho funções

na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; Instituição onde trabalho desde 1992. Entre

trabalhos que desenvolvi, nunca deixei, em tempo algum, de questionar-me sobre o sentido

e propósito do meu trabalho, numa Instituição cujos Fins refletidos nos seus Estatutos

visam proporcionar o bem-estar, principalmente, das pessoas mais carenciadas.

O tema da espiritualidade que aqui proponho refletir sempre me interessou antes mesmo

de ter equacionado transpô-lo para o trabalho social, Pensar a espiritualidade no trabalho

social foi algo que decorreu não do contato prévio com estudos sobre a matéria – ao qual

vim a ter posteriormente acesso -, mas de uma convicção forte, inicial, de que fazia todo o

sentido refletir a espiritualidade, também, no trabalho em trabalho social. Uma apetência

em aprofundar o tema da espiritualidade aliada ao trabalho social nasce, deste modo, não

só indissociável de uma caminhada pessoal como, também, de um percurso profissional

bem próximo do trabalho social. Poderia ter optado por outras ciências sociais e humanas

para trabalhar o tema sobre a espiritualidade elegendo-a como objeto de investigação, mas

por crer no seu benefício optei por abordá-la no âmbito do trabalho social.

Ao constatar da existência de propostas do trabalho social que colocam a sabedoria que

reside em tradições espirituais apar de outros contributos oriundos das teorias do

comportamento humano (designadamente, da psicologia transpessoal) como fundamentos

do trabalho social foi para mim como um ensejo para desenvolver refletir sobre o tema.

Poderia ter optado por escrever pequenos ensaios que escapasse aos imperativos

científicos, porém, entendi trazer o tema da espiritualidade onde este tem encontrado

algumas resistências, abrindo, assim, a possibilidade de diálogo com a ciência sobre

domínios de saber até então alheados por se encontrarem ligados a tradições espirituais.

Depois de buscas efetuadas e uma luz que parecia ficar cada vez mais ténue, quando

menos esperava, dei-me conta da existência da Canadian Societey for Spirituality & Social

Work, tendo contactado o Diretor, na pessoa do Professor Doutor John Coats. Contatei o

Professor Doutor John Coats que me respondia na hora a todas as minhas questões

Conheci, através do Professor Doutor John Coats, o Professor Doutor Edward Canda

fundador, em 1990, da Society for Spirituality & Social Work. Foi com o Professor Doutor

Edward Canda que troquei maior número de correspondências. Deu-me a conhecer as

suas obras, artigos e algumas dicas para a minha pesquisa, bastante úteis, bem como o

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estado da arte em matéria de ligação da espiritualidade com o trabalho social. Deu-me o

privilégio de ter estado pessoalmente comigo ao fim de um ano de contatos. Deu, ainda, a

oportunidade ao meio universitário português conhecer outras tendências ao ter feito a

primeira conferência em conjunto com a sua mulher, Hwi-Ja Canda, no ISCTE-UCI, sobre

espiritualidade no trabalho social.

Afinal, a espiritualidade e o trabalho social já andavam de mãos dadas há, pelo menos, três

décadas. Este facto, reforçou a minha vontade em trazer o tema da espiritualidade para o

trabalho social em Portugal, uma vez que ele não tinha, até então, merecido a devida,

atenção, pelo menos em meio académico. Defender a ideia de aliar a espiritualidade com o

trabalho social já proposta por outros em meio académico parecia não ser de todo

descabido, uma vez que outros já o tinham desbravado caminho.

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Rui Pedro Ventura 5

SUMÁRIO

O presente trabalho de projeto tem como propósito propor uma ligação entre a

espiritualidade e o trabalho social, tendo havido, por isso, ao longo da sua elaboração a

preocupação de contribuir, por um lado, para a definição de um modelo holístico de

trabalho social ainda que teórico e, por outro, para uma investigação aplicada que

permitisse testar esse modelo (abrangendo aqui a conceção de ferramentas de pesquisa),

procurando explorar as suas potencialidades. Não obstante o trabalho de projeto que, ora,

se propõe ter surgido da necessidade de uma aplicação prática a uma Instituição em

concreto, propondo, nomeadamente, um modelo de trabalho social holístico, espera-se que

este trabalho possa vir a ser extensível - ou, pelo menos, sirva como referência outras

Instituições, quer prossigam fins de solidariedade social (incluindo ONG’s). Por este motivo,

o trabalho de projeto inicia com um estudo sobre os fundamentos que alicerçam a

implementação de um modelo holístico de trabalho social, tendo-se recorrido para o efeito

a uma revisão da literatura sobre o tema da espiritualidade no trabalho social como,

também, a outras oriundas nomeadamente de tradições religiosas e da psicologia

transpessoal. Como a efetivação de “Direitos de Cidadania à luz da Declaração dos

Direitos do Homem” se consubstancia na prática, intervindo no “social”, (âmbito este de

qualquer trabalho social), procura-se problematizar tal relação, entre Direitos e Práxis,

fazendo alusão a um conjunto de questões desafiantes com que o trabalho social se

debate na atualidade, nomeadamente onde os valores em que assenta a sua intervenção

se encontram, muitas das vezes, comprometidos em face de um cenário de crise

Planetária. Procura-se, igualmente, ainda nesta linha, desconstruir, como em qualquer

outro exercício científico, aquilo que constitui um juízo comum sobre a espiritualidade para,

assim, a voltar a reconstruir, mas, aqui, já enquadrada por um novo “prisma”, cruzando não

só conhecimento oriundo das tradições religiosas com, também, da psicologia transpessoal

no intuito de estabelecer uma ligação com o trabalho social. Afigurou-se recorrer,

ainda, e já noutro Capítulo, a uma metodologia integral, por se entender como um caminha

mais adequado para uma avaliação de um modelo de trabalho social que se pretende

holístico. Espera-se que o presente trabalho de projeto possa, sobretudo, responder, a par

de outros tantos projetos, aos desafios que se colocam para o trabalho social, contribuindo

para que Organizações (ONG’s) e Instituições de Solidariedade Social que prosseguem

importantes fins humanitários possam responder aos desafios que a crise global coloca,

garantindo às pessoas que se encontram numa situação mais carenciada e desprotegida

possa aceder aos Direitos Humanos - princípios estes basilares do Trabalho Socia.

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CAPITULO I- INTRODUÇÃO

1.1. LINHAS FUNDAMENTAIS DO PRESENTE TRABALHO DE PROJETO

O presente trabalho de projeto surgiu com o intuito de propor um modelo de organização

de trabalho social holístico. Não obstante o trabalho de projeto se circunscrever em termos

do seu desenvolvimento a uma Instituição em particular, espera-se que o mesmo possa vir

a revelar-se útil em outras Instituições de Solidariedade Social ou em outros contextos de

Trabalho Social. Em termos do desenvolvimento do presente trabalho de desenho de um

modelo de trabalho social holístico (objetivo que norteou o presente trabalho), revelou-se

necessário rever toda a literatura sobre a temática da espiritualidade no trabalho social,

sem descurar as exigências de rigor, procurando uma relação com as práticas do trabalho

social.

Para além da utilidade que se pretende para a uma IPSS e todos os profissionais do

“social” que procurem na suas práticas uma orientação espiritual, afigura-se que o presente

trabalho irá merecer, igualmente, a atenção de outros atores sociais que, diretamente ou

indiretamente, se encontrem implicados no âmbito da ação social, sejam estes:

Membros do Governo que Tutelam as áreas da Segurança Social (com enfoque

especial na Ação Social) e Organismos da Administração Pública que pelas suas

competências exerçam ações de fiscalização a Instituições de Solidariedade Social

avaliando, nomeadamente, a qualidade da prestação ao Cidadão (Inspeção Geral do

Ministério do Trabalho e da Segurança Social e Instituto da Segurança Social);

Gestores de Instituições de Solidariedade Social que têm que tomar decisões do ponto

de vista da intervenção social e assegurar a reputação daquelas com sentido de

responsabilidade social;

Mecenas e Beneméritos interessados em saber de que modo têm sido aplicados os

seus donativos e que impactos têm tido em prol daqueles cujas intervenções lhes são

dirigidas (intervenções estas levadas a cabo pelas Instituições benemerentes); e,

Por último, outros Atores Sociais, diretamente ou indiretamente, implicados na “Questão

Social” (“utentes” e familiares, profissionais da intervenção social, políticos, sindicatos,

ativistas de Direitos Humanos, etc.).

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Entende-se que um trabalho social adequado e efetivo como aquele que cumpre os

objetivos operacionais delineados num plano, seja ele individual ou coletivo, zelando e

promovendo:

O direito à liberdade de escolha e tomada de decisão independentemente dos valores e

opções de vida de cada um (desde que não ameacem os direitos e interesses legítimos

de terceiros);

O envolvimento e participação plena das pessoas, utilizando os meios de que se dispõe

de forma a capacitá-las para o reforço de todos os aspetos de decisão e ações que

afetam as suas vidas;

O reconhecimento da totalidade da pessoa, família, comunidade, meio social e natural,

identificando todos os aspetos da sua vida;

As competências das pessoas, grupos e comunidades necessárias ao empowerment; e

A Justiça social, nomeadamente:

o Combatendo a discriminação negativa com base em características tais como a

aptidão, idade, cultura, género, estado civil, estatuto socioeconómico, opiniões

políticas, cor da pele, raça ou outras características físicas, orientação sexual

ou crenças espirituais;

o Reconhecendo e respeitando a diversidade étnica e cultural tendo em conta

diferenças individuais, familiares, de grupo e comunitárias;

o Assegurando uma distribuição justa dos recursos disponíveis de acordo com as

necessidades de cada um;

o Chamando à atenção os empregadores, governantes, políticos e público em

geral, para as situações nas quais os recursos ou a sua distribuição sejam

inadequados, assim como para as políticas e práticas que sejam opressivas,

injustas e dolosas;

o Questionando as condições sociais que levem à exclusão social,

estigmatização ou submissão e contribuam para uma sociedade inclusiva.

Por constituírem a razão de ser do trabalho social, compreende-se que tais direitos e

princípios se encontrem referenciados nos Códigos de Ética e presentes nas práticas

quotidianas dos profissionais que se dedicam diariamente ao trabalho social1, fazendo,

deste modo, remissão a textos internacionais como sejam:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos;

1 Veja-se os Códigos de Ética dos Assistentes Sociais (designadamente na sua Declaração de

Princípios) e, também, dos Psicólogos.

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O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos;

O Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos e Culturais;

A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial;

A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as

Mulheres;

A Convenção sobre os Direitos da Criança.

1.2. ALCANCE E OBJETIVOS

Constitui objetivo geral do presente trabalho de projeto contribuir para a implementação de

um modelo de trabalho social holístico. Assim, tendo em vista nortear a condução dos

trabalhos com vista à conepção do presente trabalho de projeto, afigurou-se, então,

necessário desdobrar o objetivo geral nos seguintes objetivos específicos:

Apresentar os fundamentos para um trabalho social holístico a instituir numa

organização de trabalho social;

Contribuir para a definição de um trabalho social holístico;

Desenvolver uma metodologia de intervenção com vista a desenvolver ou a transformar

uma organização de trabalho social para uma via holística, descrevendo, ainda, todas as

etapas dessa metodologia;

Pensa-se, assim, que todos os objetivos terão sido alcançados no âmbito do trabalho de

projeto que se apresenta, não se pretendendo, porém, ter o pretensiosismo, aqui, de julgar

por acabado este projeto. Pelo contrário, considera-se ter contribuído para as bases de

trabalho social holístico, esperando que o mesmo venha a constituir uma prática, mas

também e sobretudo evolua do ponto de vista dos fundamentos e das metodologias da

intervenção social, estando em aberto a outros especialistas do trabalho social (assistentes

sociais, psicólogos comunitários, educadores sociais e outros) oriundos de campos

diversos do saber.

1.4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DE PROJETO

A pesquisa que é apresentada ao longo do presente trabalho de projeto e procura

fundamentar o conceito novo de trabalho social (holístico) e as opções metodológicas de

intervenção, encontra-se dividida em mais quatro Capítulos, após introdução (Capítulo I).

Assim, afigurou-se, logo após uma breve apresentação do projeto de trabalho, necessário

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apresentar os fundamentos que norteiam a ligação entre a espiritualidade e o trabalho

social (Capítulo II). Seguidamente, apresenta-se um enquadramento teórico e conceptual

no sentido de contribuir para uma definição conceitos, tendo-se recorrido a literatura

diversa, nomeadamente, do trabalho social e da psicologia transpessoal (Capítulo III). Para

finalizar a apresentação do trabalho de projeto, propõe-se uma metodologia de intervenção

com vista a conceber ou a transformar uma organização de trabalho social para uma via -,

com exposição de um caso prático (Capítulo IV). Com efeito, e tal como anteriormente foi

referido, pretendeu-se com este trabalho procurar um reconhecimento e uma validação de

uma metodologia de intervenção, explorando, nomeadamente, as potencialidades da

ligação entre a espiritualidade e a prática de trabalho social. Assim, ao longo do trabalho

procedeu-se, sempre que se revelou necessário, á remissão para os anexos, uma vez que

o objetivo em termos académicos seria o de reconhecimento dos fundamentos que

nortearam as opções do ponto de vista do enquadramento de um trabalho social holístico,

do conceito designadamente de espiritualidade e das metodologias de intervenção social.

Por último, o trabalho de projeto finaliza com considerações finais onde se faz alusão à

emergência de um trabalho social holístico em face aos desafios emergentes.

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CAPÍTULO II- UMA BREVE HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL

2.1. ESPIRITUALIDADE E TRABALHO SOCIAL

Há um movimento da espiritualidade no trabalho social com, pelo menos, 30 anos, tendo

surgido uma primeira associação nos Estados Unidos da América, Society for Spirituality

and Social Work, fundada em 1990, por Edward Canda.

Existe uma outra Society for Spirituality and Social Work do Canadá e, ainda, uma revista

onde conta com inúmeros artigos sobre a temática Journal of Religion & Spirituality in

Social Work, cuja data do primeiro volume é de 1975, contando, hoje, com mais de 30

volumes publicados.

Organizaram-se mais de oito congressos internacionais sobre a temática, caminhando-se

para o nono congresso internacional, e algumas Universidades como a do Kansas,

incluem, já há algum tempo, nos seus programas curriculares da formação superior de

trabalho social a espiritualidade.

Existe uma rede internacional de estudos sobre a temática, International Study of Religion

and Spirituality in Social Work Practice, contando com a participação e colaboração de

especialistas de países como a Nova Zelândia, a Noruega, o Reino Unido, entre outros.

Longo é o caminho já percorrido em matéria da espiritualidade no trabalho social, tão longo

que seria redutor da minha parte esgotá-lo aqui hoje.

Parece-me óbvio que traçar a história mesmo que breve desse percurso implicava alguma

sistemática. Por isso, optei, por parecer mais sensato, seguir as principais etapas de

evolução sobre o tema da espiritualidade no trabalho social tal como é proposto por

Edward Canda.

Edward Canda, num artigo intitulado “Sensibilidade espiritual no Trabalho social: Uma

revisão das tendências Norte Americana e Internacionais”, procura dar conta da

emergência e desenvolvimento do movimento da espiritualidade no Trabalho social no

Norte da América, bem como em ouros Países.

Em termos históricos, e no que concerne à influência da religião na formação em Trabalho

social e no bem-estar, existem diferenças substanciais de país para país. Edward Canda

dá como exemplo, não só o do caso Norte-Americano como de outros países,

considerando 5 fases (Canda, 2010a: 9-15):

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1. A do bem-estar Indígena (período pré-colonial);

2. A de origem sectária (período colonial até meados do século XX);

3. A da secularização e profissionalização (dos anos 20 até aos anos 70 do século

XX);

4. A do ressurgimento do interesse pela espiritualidade (dos anos 80 e meados dos

anos 90 do século XX); e,

5. Por último, a da transcendência de fronteiras (meados do anos 90 até ao presente).

2.2. FASE PRÉ-COLONIAL E O BEM-ESTAR INDÍGENA

A primeira fase é a do bem-estar indígena e que corresponde a todo o período antes da

chegada dos europeus à América do Norte (12 mil anos antes da chegada dos primeiros

colonos). Segundo a cultura destes nativos a harmonia entre os humanos e a natureza era

essencial para o seu equilíbrio e bem-estar, sendo que todas as práticas de cura

assentavam no xamanismo, isto é em práticas etno-médicas, mágicas, religiosas (animista

primitiva) e filosóficas (metafísica), envolvendo transe e supostas metamorfoses pelo

contacto direto entre corpos e espíritos de outros xamãs, de seres míticos, de animais e de

mortos. Com a colonização pelos europeus a cultura nativa é praticamente toda assolada.

2.3. FASE COLONIAL E O PAPEL DA IGREJA

O bem-estar passa a ter uma origem sectária, ou seja, da responsabilidade das Igrejas.

A fase de bem-estar de origem sectária predomina até meados do século XX altura em que

se dá início a um processo de secularização e profissionalização do trabalho social,

deixando a promoção do bem-estar ser da exclusiva responsabilidade das Igrejas.

2.4. SECULARIZAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL

Praticamente em todos os países, o trabalho social consolidou-se na terceira fase

corresponde à da profissionalização e da secularização do trabalho social, com a aplicação

dos fundamentos teóricos das ciências sociais e humanas assentes na abordagem de

marx, no funcionalismo, no behaviorismo, no freudismo. Todos estes fundamentos teóricos

aplicados ao trabalho social tornam-se mais influentes que a teologia, por se esperar que

aqueles contribuam com uma base mais realista da prática. Durante esta fase, o papel do

Estado torna-se preponderante no trabalho social e no bem-estar social, existindo uma

preocupação clara em separar a Igreja do Estado da arena do trabalho social. Por isso, em

termos gerais, muitos assistentes sociais olham com reserva e acautelam-se face às

influências da religião, em especial do julgamento moralizador, de culpa ou de vitimização,

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de conversão ou de excomunhão. Nos Estados Unidos, durante o período de secularização

e profissionalização, a National Association of Social Workers (NASW) e o Council on

Social Work Education (CSWE) constituem-se, inclusive, como organizações profissionais

seculares para se distinguirem das anteriores organizações de trabalho social. O modelo

de secularização contemporâneo de bem-estar social foi e é muito comum em diversos

países do mundo, embora com graus diferentes em termos da sua influência. Por exemplo

nos Estados Unidos da América a influência do modelo de secularização foi menor do que

em Inglaterra ou na Noruega. Ainda hoje, em determinados países, os profissionais

identificam espiritualidade com religião no sentido de julgamento moralizador ou conversão,

fechando-se tendencialmente e rejeitando tanto a espiritualidade como a religião. Mesmo

em países como a Coreia do Sul com uma cultura de 4 mil anos de história de influência do

xamanismo indígena e mais de 2 mil anos de influência do Budismo, do Confucionismo e,

embora com menor influência, do Daoismo (Taoismo), esta teve uma influência forte não

só dos missionários cristãos como mais tarde dos modelos teóricos do ocidente,

especialmente depois da Guerra da Coreia, existindo poucas publicações ou cursos sobre

a espiritualidade no Trabalho social no Sul da Coreia e raramente se reportam ao

Confucionismo ou ao Xamanismo.

Não obstante a fase da secularização e profissionalização do trabalho social, Spencer

(1956), citado por Canda (Canda, 2010a: 11), refere que alguns estudiosos continuam a

chamar à atenção para a espiritualidade através de diversas publicações. Muitas ideias

asiáticas religiosas, veja-se, nomeadamente, os trabalhos de David Brandon e a sua obra

de referência “Zen in The Art of Helping” (1977), citado por Canda (Canda, 2010a: 11),

começam a entrar na literatura do Trabalho social sem menção explícita quer de religião

quer de espiritualidade, tais como as perspetivas de uma psicologia analítica de Carl Jung

e outras não sectoriais.

2.5. RESSURGIMENTO DO INTERESSE PELA ESPIRITUALIDADE

O ressurgimento do interesse da espiritualidade dá-se na quarta fase e em termos

ecuménicos, inter-religioso e segundo uma espiritualidade não sectária junto do campo

profissional Norte-Americano desde o início. Durante os anos 80 do século XX, diversas

publicações apelam à profissionalização, mas sem descurar, aqui, o compromisso com a

espiritualidade. O Journal of Religion & Spirituality in Social Work constituiu uma importante

fonte de divulgação de estudos sobre esta matéria durante esta fase, muito embora o

primeiro volume date de 1975. O elemento inovador desta fase residiu precisamente em

se fazer apelo à espiritualidade mas de modo que esta fosse entendida de uma forma

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abrangente e com respeito à diversidade das diferentes perspetivas espirituais, religiosas e

não religiosas das pessoas (clientes).

A partir de meados de 1990, esta tendência continua a expandir-se rapidamente. Surgem,

cada vez mais, artigos e livros associados aos dois termos, espiritualidade e o Trabalho

social, procurando apelar e a incorporar conhecimentos das religiões como a Cristã,

Judaica, Islâmica, Budista, Confucionista, Hinduísta, Daoista (Taoista) entre outras bem

como das teorias transpessoais.

Tal como, anteriormente referido, a Society for Spirituality and Social Work (Sociedade para

a Espiritualidade no Trabalho social) foi fundada para reunir estudiosos e profissionais com

diversas orientações espirituais para a valorização da profissão. Estudiosos do Trabalho

social no Canada, Noruega, Nova Zelândia, Austrália, Reino Unido, África do Sul, Sul da

Coreia, Japão, Croácia, Hong Kong (China) desenvolveram as suas redes sociais

nacionais como ligações internacionais.

2.6. A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL TRANSCENDE FRONTEIRAS

De 1995 ao presente, a 5.ª fase, o tema transcende fronteiras. O que distingue este

período do anterior reporta-se ao reconhecimento formal, nos Estados Unidos, da

espiritualidade em especial nos programas educativos do Trabalho social, bem como a

mobilização expressiva de estudiosos e profissionais para tornarem extensível a

espiritualidade como disciplina a outras fronteiras que não apenas a Nacional.

Segundo Russel (2006), (in Canda, 2010a: 13), a versão de 1995 do curriculum e linhas

orientadoras da CSWE procuraram retomar a atenção para os sistemas de crenças,

religião e espiritualidade, tendo em consideração, em especial, para a diversidade das

pessoas (clientes). Os artigos publicados, nos Estados Unidos da América e Reino Unido,

de Trabalho social durante diversos anos começaram a eleger como tema a

espiritualidade.

Em meados de 2000, a perspetiva de espiritualidade eco - filosófica surgem no campo do

trabalho social através dos trabalhos de Besthorm (2001) e Coats (2003), (in Canda 2010a:

13). Graham e Shier (2009), (in Canda, 2010a:13), referem que o âmbito e o número de

publicações sobre espiritualidade em geral e no campo específico da sua compreensão do

ponto de vista científico conhecem uma grande e rápida expansão até ao presente.

Perspetivas pós-modernas (tais como as feministas, eco - filosóficas, transpessoais e pós -

coloniais) fazem apelo a um trabalho social, para que a espiritualidade se torne abrangente

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Rui Pedro Ventura 15

a todas as pessoas e nações e para que a mesma tenha efeitos positivos em todas as

pessoas, criaturas, em todo o Mundo.

Aumentaram no Norte da América e em outros Países o número de Cursos, Conferências,

Simpósios sobre a Espiritualidade. Por exemplo Russel (2006), (in Canda, 2010a:13),

constata que a espiritualidade na América teve um incremento exponencial passados 10 a

12 anos; identificam-se 57 cursos no país em 2004. A primeira Conferência Internacional

da Society for Spirituality and Social Work (SSSW) teve lugar em 2000 (já passaram 14

anos).

Passado vários anos a International Federation of Social Workers (IFSW) e a International

Assotiation of Schools of Social Work (IASSW) desenvolveram os meios necessários para

que através de conferências internacionais fossem dados a conhecer estudos, alguns deles

feitos em rede, sobre espiritualidade. Em vários países surgem diversas iniciativas que

procuram levar o trabalho social ao encontro da espiritualidade.

Outra característica desta fase, prende-se com uma forte tendência para a realização de

pesquisas empíricas em matéria de trabalho social. Sheridan (2009), (in Canda, 2010a:14),

foi o precursor das pesquisas sobre atitudes de praticantes e educadores em relação à

espiritualidade no trabalho social. Ai (2006) e Koening, McCullough e Larson (2001), (in

Canda, 2010a: 14), constatam que aumentaram exponencialmente os estudos qualitativos

e quantitativos sobre os impactos da participação religiosa como, também, espirituais e

suas relações com as práticas do trabalho social e da saúde mental.

Um exemplo proeminente transnacional reporta-se à investigação que tem sido levada a

cabo por Al Krenawi e Graham’s (2009), (in Canda, 2010a: 14), junto dos povos Árabes

Beduínos no Negev Israel, tendo por objetivo compreender as culturas e práticas

específicas que respeitam às suas tradições islâmicas. Tal contributo visa

fundamentalmente criar os meios para um trabalho social que apele à diversidade cultural.

Um outro exemplo respeita à investigação que tem sido desenvolvida com recurso à

medicina e filosofia tradicional chinesa por Chan Ng. Lee e Leung (2009), procurando

integrar a mente-corpo-espirito na abordagem do trabalho social.

O estudo desenvolvido de âmbito nacional por Canda e Furman em 2008 (Canda, 2010b:3-

29) faz parte de um amplo estudo transnacional que inclui a colaboração de diversos

investigadores nos Estados Unidos da América, Noruega, Nova Zelândia e do Reino Unido,

encontrando-se os sumários executivos dos estudos disponíveis no website International

Study of Religion in Social Work Practice .

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Rui Pedro Ventura 16

Deu-se uma abertura para uma perspetiva transdisciplinar em especial nos campos da

gerontologia, saúde e saúde mental. Esta fase é caracterizada pela procura de ir além das

perspetivas positivistas científicas que marcaram a história secular do trabalho social,

apesar de continuarem, ainda, a predominar no mercado das ideias.

Muitas das reflexões contemporâneas no trabalho social procuram inspiração nas formas

mais elementares de expressões espirituais como sejam a dos indígenas. Por exemplo, ao

atribuir um estatuto de aborígenes às populações indígenas, independentemente da região

do mundo a que estes pertencem, e um significado positivo às suas longas tradições no

que respeita aos contributos ao bem-estar incluindo a saúde, todos os assistentes sociais

são orientados no sentido de terem em atenção as formas mais elementares indígenas de

cuidar, com especial respeito e consideração.

O trabalho social contemporâneo tem redescoberto muitas visões do mundo indígenas, em

que nestas se realçam a sua dimensão holística útil na compreensão da pessoa e da sua

envolvente em que tudo se relaciona nomeadamente com a dimensão sagrada da terra.

Canda (Canda, 2010a:15) dá-nos como exemplo, suportando-se em Nash e Stewart

(2002), em que os profissionais de trabalho social na Nova Zelândia passaram a

reconhecer nas organizações indígenas direitos e, como tal, obrigações para com estes do

ponto de vista do tratamento, passando, nomeadamente, a dar apreço à visão espiritual

indígena e advogando tal modelo para o trabalho social em qualquer outra parte do Mundo.

O trabalho social com uma orientação espiritual, em cada país, procurará reexaminar as

tradições locais com sabedoria e um propósito de cuidar com sentido de humanidade,

tornando o mesmo claro do que poderá ou não ser aplicado. Tais tendências no trabalho

social de encontro com a espiritualidade estão a ajudar a redesenhar a profissão, em

alguns países já mencionados, no sentido desta ir mais além das limitações impostas por

uma visão egocêntrica, etnocêntrica, humanocêntrica e outras barreiras impostas e visões

limitadas que dividem na vez de unificar.

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Rui Pedro Ventura 17

CAPITULO III – FUNDAMENTOS QUE SUSTENTAM A ESPIRITUALIDADE NO

TRABALHO SOCIAL

3.1. CONCEITO DE ESPIRITUALIDADE PELO TRABALHO SOCIAL

O termo da espiritualidade foi adotado pelo trabalho social com o intuito dotar os

assistentes sociais de um olhar mais amplo e integral da pessoa, na medida em que

procura não só considerar todos os aspetos - espiritual, biológico, psicológico, social e

transpessoal- que a compõem, como, também, de os procura inter-relacionar todos os

aspetos na medida em que a espiritualidade surge também como agregadora. Ao dotar os

profissionais com um olhar mais amplo e integral da pessoa, pretende-se, assim, que o seu

modo de intervir facilite na pessoa a transição para a plena realização do seu potencial

com repercussões positivas para si e para outros que façam parte das suas redes

interpessoais (da família à comunidade). A espiritualidade assume, deste modo, um sentido

próprio para o trabalho social alicerçada mais numa orientação holística que pretende

afirmar a totalidade da pessoa sujeita da intervenção e menos de religião como prática,

mesmo que aquela assuma diferentes significações do ponto de vista da sua

conceptualização, ou seja, umas vezes como essência (spirituality-as-essence) outras

vezes como uma dimensão humana (spirituality-as-one-dimension) (Carroll, 2010). Maria

M. Carroll explora várias definições de espiritualidade em torno da espiritualidade

descrevendo 7 modelos que importa, aqui, considerar, pela sua capacidade de síntese

(Carroll, 2001: 5-19). De acordo com Carroll alguns profissionais de ajuda tais como

profissionais de trabalho social, reportando-se a Corbett (1925), Keith-Lucas, (1960),

O’Brien (1992), Richmond (1930), Siporin (1985) citados por Carroll (Carroll 2001:p 6) e

enfermeiros, segundo Carson (1989ª), Stoll (1989) citados por Carroll (Carroll 2001:p 6)

procuraram dar enfoque aos aspetos biológico, psicológico e social da pessoa,

minimizando, porém, o aspeto espiritual. Face a tal lacuna, vários foram os contributos que

procuraram incluir o aspeto espiritual de modo entender a pessoa na sua totalidade, tendo-

se assistido a uma vasta produção literária sobre a matéria, nomeadamente em obras

como de Bullis (1996), Canda (1986, 1988ª, 1997), Carroll (1997b), Cornett (1992), Cowley

(1993), Weik (1983b), (in Carroll, 2001: p6). Este novo olhar suscitou, contudo, várias

questões em torno, nomeadamente, do que é a espiritualidade e como pode o crescimento

espiritual ser demonstrado. Para Carroll espiritualidade, no seu sentido amplo, tem sido

descrita por Canda (1983), (in Carroll, 2001: p6), com o intuito de interconectar o Self, os

outros, e Deus – ou tudo quanto existe no Universo. Os modelos procuram descrever

identificar a totalidade, por esta razão, incluem os vários aspetos da pessoa,

nomeadamente a sua ligação com o transcendente ou uma fonte suprema da realidade ou

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Rui Pedro Ventura 18

da criação segundo as propostas de Berrenson (1987), Bullis (1996), Fowler (1981), Siporin

(1985), Titone (1991), citados por Carroll (Carroll, 2001: p6). Esta relação com Deus, ou o

transcendente é descrito como uma abertura ou uma recetividade em relação a Deus

segundo Helminiak, (1987), sentido de bem-estar na relação com Deus (a componente

religiosa) de acordo com Ellison (1983) e com foco numa realidade suprema referindo-se a

Canda e Furman (1999), (in Carroll, 2001: p6). Segundo Carrol esta relação com o

transcendente pode (mas não necessariamente) ser facilitada por uma religião organizada

em função das crenças que perfilha acerca da natureza espiritual de acordo com Dudley e

Helfgott (1990), Ortiz (1991), Titone (1991), citados por Carroll (Carroll, 2001: p7). Para

além da reflexão em torno da transcendência que a espiritualidade suscita, um segundo

tema refere-se à espiritualidade com origem no âmago mais profundo da pessoa segundo

(Canda, 1990), Jung (1954ª), Siporin (1985), citados por Carroll (Carroll, 2001: p7). Pode

ser descrito como sendo adquirido pelo nascimento de acordo com Helminiack (1987), da

nossa natureza fundamental Ortiz (1991), da grandeza do nosso ser Joseph, (1988, p.444),

da alma Siporin (1985) e uma intangível, dádiva de vida primordial ou força Stoll (1989),

citados por Carroll (Carroll, 2001: p7). Todas as anteriores asserções encontram-se inter-

relacionadas e são complementares de acordo com Canda (1990, 1997), citado por Carroll

(Carroll, 2001: p7). Na discussão sobre a conceptualização de espiritualidade no trabalho

social, Carroll identifica dois diferentes sentidos de espiritualidade: a espiritualidade como

essência e espiritualidade como uma dimensão. A espiritualidade como essência refere-se

a uma fonte inata de motivação energética que permite desenvolver o potencial de

desenvolvimento e de transformação do Self. A espiritualidade como uma dimensão refere-

se especificamente a uma busca de sentido e relação com Deus, o transcendente ou uma

realidade suprema (Carroll, 2001: p.11). Espiritualidade como uma dimensão é

frequentemente considerada para ser a dimensão transpessoal da pessoa. A dimensão

reportada a Deus e ao transcendente (na medida, porém, em que ela é expressa) pode ser

de domínio ou excluído de um sistema de crença de uma religião organizada. Várias

palavras – Deus, transcendente e outras como, por exemplo, Criador, Poder Elevado,

Energia da Vida – podem ser usadas, de modo passível de mudança, referindo-se à

relação com o transpessoal. Estes dois temas, a dimensão transpessoal e a espiritualidade

(como essência), encontram-se reflectidos em vários modelos procurando explorar a

totalidade da pessoa. Ellison (1983), citado por Carroll (Carroll, 2001: p7) desenvolve um

modelo denominado vertical -horizontal procurando ilustrar a relação entre o céu e a terra

como lhe chama.

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FIGURA 1: MODELO VERTICAL-HORIZONTAL DE ELLISON

Dimensão vertical – relação com Deus

Dimensão horizontal – relação com o self, outros, ambiente

É representado por duas linhas que se intercedem que representam duas diferentes, mas

inter-relacionadas, dimensões. A primeira relação reporta-se directamente a Deus (ou com

outra qualquer conceptualização do transcendente) e a segunda são todas as outras

relações – consigo (Self), como os outros e o ambiente. A dimensão vertical refere-se à

relação com Deus ou o transcendente que está para além e ou fora do Self e é fonte dos

valores supremos que guiam as nossas vidas. A dimensão horizontal refere-se ao tipo e

qualidade das relações connosco (Self) e com os outros, ao bem-estar pessoal (Self) e

com os outros e a um sentido de propósito de vida e satisfação. Esta dimensão pode ser

descrita como de comportamento psicológico social. Algumas vezes as duas dimensões

são indissociáveis. Por exemplo, a espiritualidade é descrita como consciência experiencial

com realidades transcendentes com o Universo ou Deus, de acordo com Ellison (1983) ou

com poderes sobrenaturais, o Universo, Deus ou o Céu, segundo Siporin (1985, p.210),

citados por Carroll (Carroll, 2001: p 8). Outras vezes, a espiritualidade surge como reflexo

nas relações humanas e nas atividades da vida, pela vida que cada um constrói nas suas

relações com Deus: ou seja a dimensão horizontal parece implicar e refletir a vertical. O

segundo modelo é uma série de círculos concêntricos que reflete cinco níveis de

consciência.

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FIGURA 2: MODELO DOS 5 NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA

Espírito Absoluto

Embora cada nível possa sugerir independente face a outros níveis, todos eles se

encontram conectados. A cura pressupõe uma avaliação de todos os níveis, uma vez que o

bem-estar pessoal depende da saúde de todos eles (Carroll, 2001: p.21). Farran, Fitchett,

Quiring-Emblen e Burck (1989), citados por Carroll (Carroll, 2001: p9) defendem que a

definição de espiritualidade deve incluir a crença no transcendente aliado a um ser ou a

uma força universal.

FIGURA 3: MODELO PARA INCLUIR O ESPIRITUAL COMO DIMENSÃO

A abordagem integradora considera a dimensão espiritual como um aspecto igual a outras

dimensões (fisiológicas, psicológicas e sociológicas) da pessoa, enquanto a abordagem

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unificadora concebe a dimensão espiritual como a “totalidade” entrelaçando, abraçando e

unificando todas as partes da pessoa. Um quinto modelo, desenvolvido por Kilpatrick e

Holland (1990) é denominado por círculo de self-outro-contexto-espiritual (SOCS) citado

por Carroll (Carroll, 2001: p9).

FIGURA 4: CÍRCULO DAS QUATRO REALIDADES DA VIDA (SOCS)

A quarta realidade ou área cerca tudo o que existe ou é experienciado; cada uma das

quatro áreas tem que ser reconhecidas na sua totalidade. O Self refere-se à realidade

subjectiva, o outro, por sua vez refere-se ao mundo externo dos objectos e estados e o

contexto ao mundo no sentido objectivo. O espiritual refere-se a Deus ou a uma força

universal que nos governa. Três destas dimensões (self, outro, contexto) formam um

triângulo num círculo. Em torno do círculo, a dimensão espiritual circunda, intervém e

integra as outras três áreas. A dimensão espiritual contém duas componentes: (1) valores

que providenciam sentido, valor e direcção (2) fé que providencia um modo de entender a

vida. O sexto modelo. O Modelo Holístico de Espiritualidade proposto por Canda e Furman

(1999), citado por Carroll (Carroll, 2001, p. 11), consiste em três círculos concêntricos.

FIGURA 5: MODELO HOLÍSTICO DE ESPIRITUALIDADE

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O círculo interior é o centro da pessoa, o centro médio está dividido em quadrantes (os

aspetos biológico, psicológico, sociológico e espiritual) e o círculo externo é a totalidade da

pessoa na relação com o todo. Neste modelo, existem três metáforas de espiritualidade.

No círculo médio, a espiritualidade refere-se ao aspeto espiritual da pessoa, que

complementam os outros três aspetos. Envolve a busca de um sentido e de relações

morais satisfatórias consigo (self), outros e uma realidade suprema, porém é a pessoa que

define isso. O círculo exterior representa espiritualidade como totalidade da pessoa na

relação com o todo, transcende e abraçando os quatro aspetos da pessoa. O círculo do

centro representa a espiritualidade no centro da pessoa, sendo inerente à pessoa integra

todos os outros aspetos.

O sétimo modelo, denominado a pessoa no seu todo, de Ellor, Netting e Thibault (1999),

citado por Carroll (Carroll, 2001: p12), é tridimensional. A dimensão espiritual (no nível de

topo) inclui os aspetos afetivos, comportamental e cognitivos; as dimensões clínicas

tradicionais (no nível de fundo) incluem a dimensão física, emocional e social. Entre estas

duas dimensões existe um espaço, dimensão integrativa, via através da qual a dimensão

espiritual interage com as dimensões tradicionais.

FIGURA 6: MODELO DA PESSOA NA SUA TOTALIDADE

Todos estes modelos refletem a pessoa no seu todo e as suas dimensões embora de

diferentes modos consoante o entendimento de espiritualidade. Espiritualidade como alma,

como essência ou ser é apresentado no modelo holístico de espiritualidade (como centro

da pessoa) e pessoa no seu todo no modelo integrativo. Encontra-se, igualmente, implícita

na abordagem vertical e horizontal (ambos os eixos juntos), no círculo SOCS (com valores

e fé no seu âmago), na dimensão espiritual da abordagem unificadora (com a necessidade

básica de procurar sentido com origem no seu âmago) e no espírito absoluto nos cinco

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níveis de consciência. A dimensão transpessoal encontra-se refletida no eixo da

abordagem vertical-horizontal, no nível espiritual do modelo de Vaughan (1995), com os

cinco níveis da consciência, no aspeto espiritual do modelo holístico de espiritualidade e no

modelo da pessoa no seu todo. Este conceito não está presente na abordagem unificadora,

ainda que importante se não essencial do ponto de vista da necessidade humana em

encontrar um sentido tal como Farran e al (1989), citado por Carroll (Carroll, 2001:p13),

define a espiritualidade. Similarmente, a respeito do círculo SOCS tal relação encontra-se

implícita na relação que proporciona uma via de busca de sentido através de valores e de

fé. Descrições da espiritualidade como manifestações da relação com Deus ou o

transcendente são vistas no eixo horizontal na abordagem Vertical e na dimensão espiritual

do Círculo de SOCS, através do uso dos valores e da fé. A relação com o transcendente é

igualmente vista na dimensão espiritual das abordagens integrativas e unificadoras com

respeito aos valores se o compromisso com supremo diz respeito ao transcendente. Esta

relação é igualmente evidente também nas dimensões tradicional da pessoa no seu todo:

tanto no modelo através de uma acção de uma dimensão integrativa e implicação em todas

as três metáforas de espiritualidade no modelo holístico de espiritualidade. Comum a

ambos os temas (da espiritualidade como dimensão da essência da pessoa) é o objetivo

da totalidade que inclui todos os aspectos do físico, emocional, mental, social e

transpessoal em Canda (1990, 1997), Fowler (1981), Jung (1954ª), Maslow (1967/1971),

Sermabeikian (1994) e Vaughan (1995), citados por Carroll (Carroll, 2001: p13). No

entanto, o processo de transição para a totalidade nem sempre é expresso ou é feito de

diferentes formas. Esta relação com a consciência com o transcendente emerge de uma

experiência da consciência que pode ocorrer a qualquer tempo e de diversos modos

incluindo momento de intuição. As abordagens integrativas unificadoras e os círculos

SOCS reportam à natureza da pessoa no seu todo mas não discutem o processo tendo em

vista a totalidade. Através de sucessivos níveis, os cinco níveis da consciência referido no

modelo anterior esboça um processo de crescimento no sentido que cada nível necessita

de ser desenvolvido; porém, o crescimento pode não ocorrer numa ordem sequencial.

Crescimento na vida interior (os níveis existenciais e espirituais) pode ocorrer ao longo de

um crescimento em outros níveis. Com efeito, os dois podem-se elevar um com o outro de

acordo com Vaughan (1995), citado por Carroll (Carroll, 2001: p 13). A abordagem vertical-

horizontal é descrita e representada em diagrama de modo a que o potencial é refletido

como crescimento também de uma dimensão através da relação consigo com os outros

(dimensão horizontal) parece requerer e refletir a relação com Deus ou o transcendente (a

dimensão vertical). O desenvolvimento independente da dimensão psicossocial, pode,

porém, ocorrer quando existe falta de uma consciência ou uma inconsciência em relação a

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Deus o transcendente. Esta aspiração racional é suportada por Carson (1989ª), citado por

Carroll (Carroll, 2001, p.14) que afirma que qualquer dimensão providencia formas através

das quais cada pessoa se conecta com uma ampla realidade. Estas conexões influenciam

as dimensões clínicas através da dimensão integrativa. Descrições destes modelos e

processo de crescimento focam primeiramente a relação com Deus ou o transcendente e o

reflexo na relação com o próprio e os outros. Um outro foco, dá enfoque à dimensão

transpessoal que permite o crescimento e o desenvolvimento da sua espiritualidade ou da

sua própria natureza. Jung (1933) e Fowler (1981), (in Carroll, 2001, p.14), concebem a

espiritualidade como a alma da pessoa ou a essência que contém o potencial a ser

realizado através de um processo de desenvolvimento. Adicionalmente, espiritualidade

providencia a energia para este processo de vida longo, com início no nascimento, de

realização e de tomada de consciência de si e do seu potencial segundo Jung

(1934/1954ª), citado por Carroll (Carroll, 2001:p.14). Este processo potencial culmina com

o preenchimento ou a totalidade que eleva a consciência a uma realidade transcendente e

que aumenta uma grande conexão com o self, os outros e todo o Universo. Modelos

conceptuais de desenvolvimento incluem as teorias de desenvolvimento da personalidade

de Jung (1933, 1934/1954ª), a hierarquia das necessidades de Maslow (1962, 1971) a

teoria de desenvolvimento da fé de Fowler (1981), a hierarquia estrutural ou modelo

transpessoal de espectro de Wilber, Engler e Brown (1986) e o paradigma dialético

dinâmico de Washburn (1995), citados por Carroll (Carroll, 2001:p.14). Para estes teóricos,

o crescimento espiritual ocorre através de estados que são sequenciais e hierárquicos. Em

geral, o estado mais baixo foca na satisfação das necessidades mais básicas e no

desenvolvimento do ego seguido de uma desintegração do ego com o reconhecimento da

insuficiência do ego e do movimento para um estado mais elevado envolvendo uma

consciência de aceitação de e uma cooperação com forças transcendentes. O movimento

através destes estados reflete mudanças qualitativas na visão de cada um do Mundo e em

todas as relações. O processo de crescimento espiritual inicia-se com uma conexão entre o

Self, outros e Deus ou o transcendente. O crescimento espiritual reduz disfunções,

ampliando ao máximo funcionamentos e a ligação inextricável do crescimento das

dimensões bio-psico-sociais. Movimentos de um estado para um próximo ocorrem através

de um processo de transformação de morte e renascimento. Esta mudança na pessoa

como resultado ou rutura do passado pode ser descrito como transcendência, como Ellison

(1983), citado por Carroll (Carroll, 2001:p15), define como “ dar um passo para traz de e

andar para além disso” (p.331). Desta definição, a transcendência deve incluir (1) o

movimento crescente de um estado para um outro seguinte assim como dentro e através

de um estado mais alto e (2) o movimento para além da self individual (definido num tempo

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Rui Pedro Ventura 25

particular), assim como para além das amarras humanas no sentido de uma realização

plena de uma realização cósmica. Dependendo do nosso estado, a experiencia e a tomada

de consciência do transcendente com aspecto separado pode ou não estar presente.

Muitos esperam que a espiritualidade e a personalidade crescem através destes estados

num contexto de experiências individuais, também face a eventos previsíveis ou

imprevisíveis de desenvolvimento de crises e/ou traumáticos de acordo com Canda

(1988c), Carroll (1997ª) e Jaffe (1985), citados por Carroll (Carroll, 2001: p15). Eventos

stressantes ou traumáticos (exemplo, a guerra, uma doença que ameaça a própria vida)

podem inicialmente impedir o crescimento. Similarmente, os efeitos de abuso durante a

infância tal como o comportamento doentio e disfuncional do adulto (incluindo

comportamento aditivo) pode também atrasar o crescimento na medida em que os

comportamentos reflectem uma parte de si que se encontra desconectada do seu Self. A

parte de desconexão necessita de ser reconhecida e tomada. Quando experiências de

Stress são ou tornam-se percebidas como desafio, quando a pessoa -se liberta e retoma o

crescimento segundo Golan (1978), citado por Carrol (Carroll: 2001, p15). Esta percepção

é o potencial para colocar tais comportamentos numa perspectiva ampla mais do que em

pessoas em oposição a Deus ou ao transcendente, o seu comportamento torna-se um

meio através do qual cada um na falta de conexão (com o self, com outros e ou Deus)

pode ser ignorado e o seu potencial impedido de emergir. Esta perspetiva reflete-se em

algumas recuperações observadas com a saída do alcoolismo, “Não estaria aqui como

estou hoje”, como descreve Carroll (1997ª) e Netting & Thibault (1999), citados por Carroll

(Carroll, 2001: p15) e suporta a suas crenças que as suas tarefas clínicas de cliente

consistem em descobrir sentidos de que o sofrimento é transformador no sentido de

proporcionar uma oportunidade de crescimento de acordo com Canda e Furman (1999),

citados por Carroll (Carroll, 2001: p15). As pessoas que passaram por processos de

transformação através de trauma, stress, ou problemas psicológicos participaram no

processo criativo de reestruturação do Self. Tem havido curiosidades e envolvimento em

qualquer coisa que acontece e tem havido mudanças por mudanças que estimulam cura e

crescimento. Estes eventos e experiências representam testes para a psique. Tornam-se

oportunidades para o Self renovar, crescer, transformar-se ajudando e motivando pessoas

para o encanto da sua origem e identidades assim como para a busca do seu propósito de

vida e para o seu sentido de transcendência Carroll (1999) e Jaffe (1985), citados por

Carroll (Carroll, 2001: p15). Os modelos de diagrama revistos por Carroll descrevem a

natureza humana e o lugar da espiritualidade. Realçam, porém, limitações sérias na sua

opinião. Primeiro, estes modelos parecem ter uma qualidade fechada em que apenas a

abordagem vertical e horizontal se encontra representada, sem considerar no entanto o

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 26

crescimento. Os diagramas não permitem uma ilustração de alguém nas suas dimensões

num determinado lugar e tempo e através destes prosseguir num desenvolvimento

espiritual (definido na dimensão transpessoal e na essência da pessoa) ao longo do tempo.

Segundo, estes modelos não se reportam nem às origens nem ao início da espiritualidade,

Por exemplo, do modo com esta, presente no agora, se encaixa na realidade suprema?

Poderá a espiritualidade ser ausente? É descrita por vezes como sendo ausente. Esta

descrição parece razoável particularmente quando a espiritualidade é definida

quantitativamente na dimensão transpessoal (vertical) no Modelo Vertical-Horizontal. Um

ponto zero deverá indicar que nenhuma relação consciente (com Deus ou o transcendente)

existe e que a soma ou nível da relação existente teoricamente pode ser medido. Este

modelo também inclui a possibilidade de escala mínima de zero que permite enquadrar a

dimensão vertical em termos qualitativos (positivo ou negativo) da relação. Com respeito à

espiritualidade como uma natureza nuclear, a sua inexistência parece impossível. Como

poderá a espiritualidade não existir desde, com o espirito (definido com núcleo ou

essência), humanos não são até mesmo vivos? E existe evidência que pessoas que

perdem a fé e a esperança morrem fisicamente. E terceiro, os modelos existenciais não

considera referências na literatura do negativo e imagens de desordem do transcendente.

Por exemplo, muitas pessoas, especialmente aquelas que lutam contra vícios, acreditam

num julgamento punitivo de Deus e frequentemente têm também dificuldades de

experienciar um poder grandioso no seu Self, partilhando o seu Self com outros ou

aceitando o que são segundo Carroll (1997ª), aceitando o self e os outros como imperfeitos

de acordo com Krutz e Ketcham (1992) e vivendo sem medo e ressentimento na opinião de

Dollard e Prugh (1985/1986), citados por Carroll (Carroll, 2001: p16). Estas considerações

sugerem um novo modelo, que inclua todos os aspetos dos anteriores modelos (essência

nuclear, relação com Deus ou transpessoal, e manifestações de inter-relações).

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Rui Pedro Ventura 27

FIGURA 7: MODELO HOLÍSTICO PROPOSTO POR MARIA M. CARRELL

Infinito

Infinito

Dimensão Transpessoal

Espirito Infinito

Dimensão Bio-Psico-Social

Infinito

Compreende um entendimento e uma abertura para o desenvolvimento espiritual e

providencia um modo partilhado de desenvolvimento através de crescimento. O eixo

horizontal reflete a relação com os outros e com o Mundo, enquanto o eixo vertical reflete a

relação com o transcendente (que podem estar ou não de acordo com à organização

tradicional das crenças religiosas). Em contraste os dois eixos não intercedem ou se

encontram. A falta de um ponto de encontro deixa espaço para o espirito entrar indicando o

início da vida humana e colocando-se no ser no amplo contexto. Os eixos não terminam

como se movem no sentido do infinito. O espaço total entre os dois eixos, indicado aqui por

um círculo (podendo ter uma outra forma) é onde o crescimento ocorre. O círculo não tem

fronteiras rígidas mas representa possibilidades de crescimento e expansão a montante e a

jusante. Este diagrama providencia um meio de conceber a relação entre a dimensão

transpessoal e a dimensão bio-psico-social, tudo isto em crescimento com um contexto

espiritual Universal (similar ao Espirito absoluto nos Cinco Níveis de Consciência). De

acordo com este modelo manifestações de experiências pessoais e de relação com o self e

outros deve ocorrer num específico estado de desenvolvimento no eixo bio-psico-social. O

grau de relação com Deus ou um poder supremo (de acordo com a conceptualização)

deverá ser indicado no eixo transpessoal. As fronteiras das suas interconexões, em

qualquer tempo, formam um círculo ou qualquer outra forma. Na descrição de

espiritualidade, as pessoas frequentemente usam termos positivos, tais como satisfação,

sentido e paz. Por esta razão, o termo “espiritualidade negativa” (reflecte numa escala o 0

da abordagem vertical-horizontal) é algo de confuso. Um modo de compreender as

descrições identificadas como espiritualidade negativa é através da relação entre a

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Rui Pedro Ventura 28

dimensão bio-psico-social e as dimensões transpessoais. A pessoa poder ver as suas

crenças negativas do Self, dos outros e das relações humanas negativas com aspetos de

Deus ou do transcendente. Por outras palavras, as crenças negativas (que podem muito

bem refletir experiências humanas) podem projetar no transcendente. Nesta situação, a

pessoa tendo essas crenças negativas pode ser baixo no eixo transpessoal (baixa relação

com o transcendente) e pode ser a um nível de desenvolvimento do eixo bio-psico social.

Assim, as características da espiritualidade negativa podem ser atribuídas aos efeitos

traumáticos ou de outros eventos problemáticos e experiências. A diferença entre a

dimensão transpessoal e espiritualidade apresenta uma outra compreensão a

“espiritualidade negativa”. Por exemplo, algumas religiões acreditam num Deus condicional

que julga ou negativo que não é apenas Amor. Esta crença parece referir a uma imagem

de Deus (ou a uma visão negativa do transcendente) mais do que à espiritualidade, em que

na generalidade é considerada para ser a principal dádiva de vida ou de força. A

importância da prática do trabalho social e da espiritualidade tem sido reconhecida e

incrementada. Recentes livros tais como de Bullis (1996), Canda e Furman (1999) de

Robbins, Chatterjee e Canda 1998), citados por Carroll (Carroll, 2001: p18), explora

diversos meios, tais como teorias transpessoais, perspectiva de forças, abordagem

multiculturais e técnicas de ajuda orientada para o crescimento, que são importantes para

compreender a espiritualidade junto desta profissão. Todas elas permitem, estruturas

teóricas e intervenções práticas, enfatizar um e outro como sendo os dois

inextricavelmente entrelaçadas. Os modelos conceptuais são desenhados com vista a

permitir entrelaçar a nossa compreensão da integração da teoria e da prática, mas as

conceptualizações por si podem ser difíceis de seguir. Os modelos de diagramas ajudam a

clarificar os conceitos e a facilitar a compreensão da integração teórica e prática. Este novo

modelo diagramático providencia um meio visual de compreensão e avaliação da pessoa

no ambiente corrente e de acompanhamento de mudanças ao longo do tempo. Crescendo

numa base teórica multidimensional, este modelo providencia um modo de avaliar a ajuda

das experiências, incluindo práticas de intervenção, com respeito às suas funções em

assistir cada indivíduo em direção à realização do seu potencial pleno. Apesar de esta

meta poder não ser primeiramente o da gestão da ajuda, a relação positiva entre

crescimento espiritual e melhoramento do funcionamento bio-psico-social segundo Carroll

(1997ª, 1999) e Smith (1995), citado por Carroll (Carroll, 2001: p18), permite suportar a

compatibilidade entre a gestão do cuidado e a abordagem espiritual. Este modelo também

se liga ao trabalho de Canda e Furman (1999), citado por Carroll (Carroll, 2001: p18),

providenciando um outro meio de conexão entre a base conceptual do seu modelo holístico

e os modelos operacionais de espiritualidade. Desenvolvendo novos meios de

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Rui Pedro Ventura 29

compreensão da pessoa no seu todo ajuda os assistentes sociais a serem mais

responsáveis para a totalidade das pessoas que se encontram ao cuidado, de ir ao

encontro das sua necessidades e de providenciarem serviços responsáveis em direção ao

século XXI. Uma importante definição de espiritualidade já referida por Carroll é a de

Canda e Furman (2010). Não obstante as limitações identificadas por aquela autora desta

definição de ponto de vista do alcance operativo em face à questão da infinitude que

caracteriza o processo de evolução espiritual, afigura-se de considerar ainda assim esta

definição por permitir uma compreensão fácil do que é a espiritualidade e em que medida

esta se distingue da definição de religião. Segundo Canda e Furman espiritualidade é um

processo de crescimento inerente ao ser humano, é uma busca de sentido de vida, de um

propósito, de uma moralidade e bem-estar na relação de cada um consigo próprio, de si

com outras pessoas e criaturas bem como com o Universo ou uma realidade suprema

(podendo esta ser concebida através de uma visão monoteísta, animista, ateísta, não

ateísta, politeísta entre outras). Toda a ação é orientada para prioridades significativas

centrais aliadas a um sentido de transcendência (experienciadas com profundidade, de

modo sagrado ou transpessoal). As pessoas podem expressar a espiritualidade de forma

religiosa ou não religiosa, em privado ou em espaços públicos destinados a manifestações

espirituais e/ou legitimados para o efeito. Uma perspetiva espiritual, religiosa ou não

religiosa, é uma visão ou ideologia relacionada com a espiritualidade. A transcendência

refere-se a experiências e às interpretações sobre acontecimentos profundos que

trespassam os limites do tempo e do espaço. A espiritualidade é uma qualidade inata de

todas as pessoas que se manifesta de variadíssimas formas consoante as culturas, por

isso se considera que todas as pessoas são espirituais, apesar dos diferentes níveis de

importância que cada uma delas atribui à espiritualidade. Encorajar as pessoas e

comunidades para o desenvolvimento de uma espiritualidade saudável poderá potenciar

nestas a necessidade de busca de sentido, propósito, integridade pessoal, totalidade,

plenitude, alegria, serenidade, felicidade, visão coerente e pleno bem-estar. A

espiritualidade saudável contribui para o desenvolvimento de virtude pessoais como sejam

a compaixão, a justiça, humanidade nas relações, respeito e de suporte que vai além do

pessoal e das relações sociais, portanto, extensível a outros seres vivos. Uma

espiritualidade saudável encoraja os grupos a desenvolverem suporte mútuo, atividades

filantrópicas, consciência em relação à diversidade e compreensão pelas diferenças,

contribuindo, ainda, através da ação para o bem comum da sociedade e do Mundo. A

espiritualidade saudável terá uma importante e significativa utilidade em relação a

situações que despoletam emoções incómodas (tais como o desespero, a dor, o sofrimento

e a angústia), que contribuem para estados de crise e de emergência (redundando em

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Rui Pedro Ventura 30

experiências perturbadoras transpessoais) e dificuldades nas dinâmicas de grupo

(resultando em conflitos prolongados e que impedem durante esse tempo um entendimento

e uma reconciliação). Infelizmente, a espiritualidade como qualquer outro componente do

comportamento humano não se manifesta sempre de modo saudável. A espiritualidade

pode ser distorcida e orientada negativamente para crenças, atitudes e comportamentos

nocivos para a própria pessoa e grupos desenvolvendo sentimentos inapropriados de

culpa, vergonha, desespero, descriminação e opressão. O conceito de espiritualidade aqui

apresentado não exclui a dimensão incorporal, imaterial e uma realidade ou entidade

transcendente; porém uma explicação desta natureza a partir das diferentes visões desta

implicaria um maior aprofundamento que não caberia, naturalmente, numa simples

introdução sobre o tema da espiritualidade. O termo corrente de “espírito” em Inglês poderá

induzir para outros sentidos que não o que se pretende dar, nomeadamente de alguém ter

“espírito” de equipa não significando que o mesmo esteja a ser controlado ou possuído por

um “espírito”. As pessoas podem entender, assim, “espírito” no sentido literário do termo ou

metaforicamente para se referirem quer a vitalidade quer a transcendência. Por religião

entende-se um padrão institucionalizado (isto é, sistemático e organizado) de valores,

crenças, símbolos, comportamentos e experiências que envolve a espiritualidade, uma

comunidade de aderentes, a transmissão no tempo de tradições; uma comunidade com

funções de suporte (estruturas organizadas, assistência material, suporte emocional, de

amparo e proteção) que direta ou indiretamente se encontra ligada à espiritualidade. A

religião envolve sempre o privado e o público quer através das experiências individuais

quer enquanto membros de uma comunidade religiosa na sua totalidade. Uma religião

pode funcionar ou não através de uma organiza centralizada e burocrática. Naturalmente

nem todas as pessoas ou comunidades, mesmo considerando-se espirituais, se identificam

com a religião. A religiosidade refere-se ao grau e estilo de envolvimento de alguém

religioso. Uma religiosidade saudável com expressão de espiritualidade encoraja as

pessoas e as comunidades religiosas no sentido de procurarem o bem-estar, uma visão do

mundo coerente, um crescimento de acordo com uma abordagem transpessoal, virtudes,

caridade e compaixão, humanismo, respeito e suporte, que se estende para além dos

próprios aderentes a toda a comunidade, sociedades e ao Mundo. Contudo, a religiosidade

pode, também, se relacionar com ilusões, alucinações, baixa autoestima, abuso, opressão,

violência e outras expressões lamentáveis de religiosidade doentia. De acordo com estes

conceitos, a espiritualidade constitui um recurso da religião, mas não está limitada à

religião. Espiritualidade inclui e transcende a religião (Canda, 2010:75-77). A

espiritualidade como essência e uma dimensão da pessoa essencial para a sua realização

plena não poderia, deste modo, deixar de ser considerado pelo trabalho social. Importa, por

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Rui Pedro Ventura 31

isso, situar no tempo e no espaço quando o tema surge no trabalho social, bem como dar

conta da evolução que o tema teve até à atualidade do ponto de vista dos vários sentidos

que este foi assumindo e dos diferentes modos de procurar transpô-lo para a prática

profissional. Neste sentido, expõe-se, com recurso a um estudo sobre o estado da arte, as

diferentes etapas de um trabalho social de inspiração espiritual, sem descurar outros

contributos que permitem enquadrá-lo, num sentido mais lato, historicamente. Edward

Canda é professor de trabalho social na Universidade do Kansas com mais obras

publicadas sobre o tema da espiritualidade no trabalho social. Foi na verdade, com ele com

quem vim a ter acesso a todo um trabalho desenvolvido sobre o tema e a receber

sugestões extraordinárias para a investigação. Quando na altura foi elaborado o projeto

Edward Canda foi de facto o mais referido, até porque ainda não tinha chegado outras

obras dos EUA; obras estas sugeridas pelo próprio Edward Canda. No entanto,

pensadores/professores/investigadores foram, igualmente, referidos, tais como John Coats

e Fred Besthorn, também, de trabalho social, mas também outros cujos trabalhos

produzidos em matéria teórica servem de fundamento e de prática para o trabalho social,

como A. Maslow, Victor Frankl, Carl Gustav Jung, Roberto Assagioli, Stanislav Grof, Ken

Wilber.

3.2. TEORIAS DO COMPORTAMENTO HUMANO NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL

Chegado o momento de procurar teorias norteadoras da investigação em trabalho social,

somos confrontados com o facto do próprio profissional em trabalho social ter ele, também,

à disposição teorias do comportamento humano, oriundas maioritariamente da psicologia e

da sociologia, orientadoras das práticas de intervenção. Na verdade, o profissional em

trabalho social poder ter nas teorias do comportamento humano uma fonte de recursos

importantes, não só porque lhe permite compreender as situações com que se vai

confrontando, quotidianamente, no exercício da sua atividade, como encontra, ainda, a

oportunidade de procurar através delas as linhas orientadoras para as suas práticas. Existe

um conjunto amplo de teorias que o profissional em trabalho social pode mobilizar para

responder às situações com que se vai confrontando. Na verdade são vastíssimas mas

que, ainda assim, não permitem cobrir todas as situações que surgem pela via das

pessoas que cuidam, restando-lhe a sabedoria para encontrar uma resposta que seja a

mais adequada em face da situação em concreto. Vastas são as sugestões teóricas para

aplicação na prática em trabalho social apresentadas numa obra de de Susan P. Robbins,

Pranab Chatterjee e Canda, “Contemporany Human Behavior Theory: A Critical

Perspective for Social Work”, sendo que muitas dessas teorias são oriundas da sociologia

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Rui Pedro Ventura 32

e da psicologia. Nesta obra sintetizam-se 12 grandes correntes ou escolas de teorias,

realçando a vertente prática no trabalho social (Robbins, 2011:409-429).

Assim,

NA TEORIA DOS SISTEMAS: TUDO ESTÁ CONECTADO

Apesar das várias teorias dos sistemas estarem em desacordo com a natureza do sistema

social e mudança social, elas estão de acordo com um ponto forte de reflexão: tudo está

interligado. Este entendimento influenciou profundamente a perspetiva do trabalho social

da pessoa e do ambiente. Na prática, o assistente social procura compreender a situação

da pessoa ao cuidado numa perspetiva sistémica, centrando-se nos subsistemas que a seu

ver podem conduzir a mudanças significativas. Utilizam-se os genogramas e os ecomapas

para examinar relações significativas entre pessoas e instituições. Recentemente

começaram por considerar o ambiente macro e geopolítico e a ecologia planetária.

Independentemente do enfoque da intervenção, esta teoria alerta para que não se descure

os efeitos de outros sistemas em nós próprios e o efeito do nosso trabalho em outros

sistemas. O trabalho social prático não é psicoterapêutico, mas, antes, deve incluir na sua

abordagem a psicodinâmica ou os sistemas de interação familiar. Da mesma forma, no seu

sentido total não é apenas mudança institucional, deve considerar o impacto da mudança

no individual, grupos, famílias e na comunidade e ambiente natural. Mesmo que o

assistente social trabalhe individualmente pode não estar capaz de abarcar todos os

aspetos da pessoa e do ambiente. Estas teorias orientam para um trabalho colaborativo

entre assistentes sociais e outros profissionais de ajuda especializados em diversas áreas

assim como outros sistemas de suporte formal e informal para criar uma compreensiva e

ativa abordagem sistémica.

TEORIA DOS CONFLITOS: A JUSTIÇA SOCIAL REQUER MUDANÇA SOCIAL

Segundo as teorias do conflito todas as sociedades perpetuam formas de opressão e de

injustiça e, por isso, o compromisso para uma justiça social requer uma constante atenção

à opressão e esforços diligentes para resistir e encontrar soluções a tal opressão.

Necessariamente, o confronto entrincheira instituições, políticas, programas e

comportamentos individuais generalizando conflitos. Esta situação torna-se na prática

muito desconfortável e algumas vezes mesmo perigoso. A teoria do conflito revela que o

conflito é uma força que deriva de uma mudança social. As Teorias do conflito podem

ajudar os assistentes sociais a prestarem atenção à opressão, especialmente nos seus

modos sistémicos e institucionais, fazendo apelo no sentido de encontrar estratégias para a

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Rui Pedro Ventura 33

solução. Também elas mudam o sentido de lidar com os dilemas com que os assistentes

sociais se confrontam enquanto membros de uma instituição onde as pessoas são

ajudadas. Apesar do compromisso com a mudança social, o assistente social deverá zelar

por garantir a subsistência das pessoas a seu cuidado, mesmo que tenha que encontrar

estratégias para contribuir para uma mudança das várias entidades, nomeadamente o

Governo.

TEORIA DO EMPOWERMENT: ELEVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E AÇÃO COLETIVA

As teorias do empowrment no trabalho social fazem parte integrante do compromisso do

assistente social na promoção da justiça social. Estende-se para além da fronteira da teoria

do conflito e tem uma particular enfoque com funções específicas de opressão tais como

baseadas no género, classe social, idade, deficiência, orientação sexual, raça, etnicidade.

Realçam os modos como a estratificação cria bloqueios estruturais de oportunidades e

bem-estar. As teorias do empowerment contribuem para a compreensão de que as

mudanças significativas sociais requerem a implicação de todas as pessoas num

compromisso tendo em vista a justiça. Trata-se de um processo de elevação de

consciência tanto individual como de acção colectiva. Em vez de se ficar presos à

vitimização e assumir uma mentalidade de vítima, o profissional em trabalho social procura

junto dos oprimidos o empowerment directo, visando desenvolver nas pessoas potenciais,

capacidades e recursos para ajudá-los a prosseguirem as suas metas e aspirações

pessoais e colectivas.

TEORIA FEMINISTA: CONEXÕES ENTRE O PESSOAL E O POLÍTICO

A teoria feminista providencia um modo de análise para o trabalho social que permite dar

ênfase ao género e ao modo como um modelo patriarcal cria e mantém uma estratificação

e opressão baseada no género. Oferece uma abordagem holística das relações

interpessoais entre o material, o social, o intelectual e o espiritual faces da existência

humana. A teoria feminista relaciona o pessoal, o político e suportes da mulher e outros

grupos oprimidos identificando atitudes, expectativas, linguagem, comportamentos e

dispositivos sociais que contribuem para a opressão e marginalização das pessoas. No seu

núcleo, é uma teoria das relações de poder que permite ao assistente social uma análise

crítica, generalizada, uma produção de conhecimento e promoção de um engajamento

político com o propósito de promover igualdade económica, política e social.

CULTURA, MULTICULTURALISMO, ADAPTAÇÃO E COMPETÊNCIA

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As teorias relacionadas com cultura clarificam o facto que o trabalho social se encontra

mediado pela cultura e envolve uma interação através de diferenças culturais. A cultura

medeia todas as transações pessoais e do ambiente porque o sentido é fabricado pelo

tecido social, modos de vida e instituições sociais que definem o que é tem que ser uma

pessoa e membro de um grupo social e o modo como as pessoas se relacionam com o

ambiente. As teorias acerca da cultura e adaptação cultural também ilustram os modos

como a sociedade dominante define diferença cultural como deficiência, iluminando as

tremendas variações nas crenças culturais e normas e dando ênfase aos potenciais e

promessas de interacção através da cultura. No contexto do trabalho social, estas teorias

relembram que a diversidade cultural e os modos de adaptação cultural são um facto da

vida. Estas teorias orientam os profissionais de forma a desenvolverem formas de

compreensão dos seus clientes e engajaram tal compreensão na prática.

PSICODINÂMICA E O MUNDO INTERIOR

As teorias psicodinâmicas contribuem com duas perspetivas capitais: a primeira é a de que

existe uma interconexão entre a mente e o corpo e a segunda é a de que o comportamento

humano em parte encontra-se perfilado por um processo interior mental através do qual

não nos damos conta. As teorias psicodinâmicas alertam o profissional em trabalho social a

prestar atenção á conexão entre a mente e o corpo e aos processos internos mentais.

Também encorajam para que eles próprios sejam autorreflexivos e estimulem os clientes a

serem, igualmente, autorreflexivos. Realçam para o facto de que os processos internos

interagem com o ambiente. Toda a teoria psicodinâmica dá ênfase de que a introspeção e

o diálogo auto-reflexivo podem se mobilizados no sentido de um crescimento pessoal.

Também sugerem para um trabalho prolongado no sentido de se conseguir alcançar

mudanças pessoais com implicações fortes. Apesar das limitações das teorias clássicas

psicodinâmicas, algumas das ideias básicas continuam a ser convincentes. Alertam,

também, para certos cuidados nomeadamente contra toda uma tendência redutora de

prática clínica da função.

CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO NO CURSO DA VIA (LIFE SPAN THEORY)

As teorias do curso de vida deram um importante contributo ao trabalho social, na medida

em que aquelas permitem descrever e analisar as interações entre o biológico, psicológico

e os aspectos sociais do desenvolvimento, da conceção até à morte. Elas sugerem que a

experiência acumulada e as mudanças da vida podem gerar talentos pessoais, potenciais e

virtudes assim como sofrimento e fardo. Elas sugerem que todas as pessoas encontram-se

numa jornada da vida. Os profissionais em trabalho social podem prestar cuidados e

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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assistência às pessoas nessa jornada, providenciando ajuda quando elas estão em baixo e

encorajando-as ao longo desse curso. As teorias do curso da vida enfatizam todas as fases

da vida podem apresentar importantes oportunidades e mudanças de crescimento e com

isso de aprendizagem e crescimento é sempre possível.

DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E MORAL

As teorias cognitivas e do desenvolvimento moral dão ênfase ao racional, moral,

intelectual, desenvolvimento da fé ao longo da vida. Descrevem o crescimento pessoal

como um processo através da qual as pessoas procuram um sentido para uma nova

mudança intelectual e dilemas morais. Face aos novos desafios, o assistente social

necessita de uma maior compreensão e sofisticados modos de pensar, com mais

maturidade intelectual e moral, exigindo-se a estes que passem de um egocentrismo para

uma perspetiva intelectual, moral, espiritual de forma a compreenderem outras pessoas de

um outro modo. As teorias do desenvolvimento cognitivo e moral orientam os assistentes

sociais a considerarem como formam as suas próprias decisões, como pensam acerca dos

seus clientes e como podem informar a sua prática com uma estrutura moral de valores

profissionais e éticos. Também podem chamar à atenção aos clientes modos para

compreenderem o mundo e, como isso, ajudar no seu processo de adaptação e a

conquistarem relações de satisfação com os outros. As teorias podem identificar

inteligências múltiplas relembrando que cada pessoa possui várias capacidades (tais como

pensamento lógico, sensibilidade emocional, e relacionamento social) e de que podemos

beneficiar os clientes, através do desenvolvimento de capacidades, a atingirem os seus

objetivos e a tornarem-se fortalecidos.

INTERAÇÃO SIMBÓLICA E TEORIA DOS PAPÉIS

O interacionismo simbólico e a teoria dos papéis conduzem para os fatores do ambiente

social, expectativas normativas e processo social, dando atenção ao self. Enfatizam a

importância da capacidade humana para simbolizar, para ser autorreflexivo de forma

consciente e a relacionar-se uns com os outros na sociedade através da interação social.

Reportam-se ao processo de socialização através da vida. A interação simbólica e a teoria

dos papéis levam os assistentes sociais a examinar o modo como as expectativas

significativas dos outros e as instituições dominantes guiam o nosso comportamento,

desenvolvimento, e decretam os papéis. As teorias da etiquetagem realçam a importância

na perceção dos efeitos destrutivas de tratarem os clientes como objetos e sujeitarem-nos

a um diagnóstico estigmatizante com uma etiqueta ou categorias, que se entende como

satisfatório. Esta perspetiva leva a que os assistentes sociais adotem precauções no modo

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como tratam as pessoas, evitando atribuir certos rótulos, que levam a ignorar as suas

características, habilidades e potenciais e a reduzi-los da sua estatura plena de seres

humanos.

FENOMENOLOGIA, CONSTRUÇÃO SOCIAL E CENTRALIDADE DA CONSCIÊNCIA

A fenomenologia foca o que raramente constitui ser o recurso da nossa atenção – a

consciência de si e a natureza da realidade. A postura fenomenológica revela que o que

poderá constituir um choque inicial: o entendimento de nós próprios, da sociedade e do

mundo é baseado numa construção social da realidade antes de ser objetiva, fixa ou de

pensamento absoluto. Esta perceção apresenta uma possibilidade promissora – porque o

self e a sociedade são socialmente construídas, self e sociedade podem ser

desconstruídas para voltarem a ser reconstruídas. Assim, os profissionais em trabalho

social podem ajudar as pessoas ao seu cuidado a identificarem o entendimento que têm do

seu próprio self, da sociedade e do mundo. Elas podem ser orientadas para descobrirem

por elas próprias o que são e as opções que tomam visualizando o que elas são e que

papeis elas jogam para alcançarem as suas aspirações. Estas teorias também relembram

que qualquer processo de reconstrução afeta as outras pessoas e seus mundos

socialmente reconstruídos. A fenomenologia, também, sugere que os métodos de pesquisa

positivista são incapazes de capturar a complexidade e singularidade do comportamento

humano.

Behaviorismo, pedagogia social e teorias da transição: controlo pelo ambiente

O behaviorismo e as teorias da transição têm sido extremamente úteis para darem

ênfase ao modo como o ambiente influencia o comportamento. Enquanto outras teorias

chamam á atenção ao modo como o comportamento é influenciado pelo biológico e forças

psicológicas, as teorias do behaviorismo, a pedagogia social e teorias da transição

defendem que o comportamento é influenciado por condições externas, reforça e modela

que não se pode deixar de se estar atento. Por um lado, abre a possibilidade para o uso da

técnica poderosa e efetiva da modificação dos comportamentos usando medidas empíricas

de processos de intervenção e dos seus resultados. Por outro lado, estas teorias servem

também como precaução dos assistentes sociais não moldarem os comportamentos dos

seus clientes de forma manipulativa e coerciva.

TEORIAS TRANSPESSOAIS: TRANSCENDÊNCIA DO SELF E FELICIDADE

As teorias transpessoais são úteis para o profissional em trabalho social se focar nos

aspetos espirituais e religiosos da experiência humana o que constitui um aspecto

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importante da fundação da profissão. Elas providenciam conceitos não sectários e modelos

para o fazer, desenhados a partir de uma variedade religiosa, e tradições filosóficas à volta

do Mundo. Elas orientam para o modo como lidar com todas as pessoas e constelações

ambientais, sem esquecer dos aspetos espirituais do indivíduo na relação com o Mundo.

Chamam a atenção para a perceção interior positiva espiritual e potencial das pessoas,

bem como da importância do espiritual e do religioso como sistema de suporte para o

desenvolvimento de um sentido de vida com sentido e direção. Elas providenciam linhas

orientadoras para uma discussão com as experiências dos clientes da que transcende a

natureza de um self que os podem ajudar a alcançarem uma felicidade pessoal e social.

Expandem a visão do profissional para uma perspectiva ideal de justiça. A teoria integral de

Wilber leva a considerar todas as dimensões da pessoa e do ambiente (dos aspetos

subjetivos e subjetivos do individual e do coletivo) e dos níveis (pré-egoico, egoico e

transegoico) do desenvolvimento como relevante para uma situação prática. Estas grandes

ideias de várias teorias podem até ser controversas e suscitarem muitas questões aos

profissionais em trabalho social, mas permitem promover um sofisticado e refinamento no

desenvolvimento da pessoa e do profissional.

3.3. TEORIAS TRANSPESSOAIS NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL

Estas e outras propostas para um trabalho social com orientação espiritual encontram

não só nos fundamentos sectários da espiritualidade religiosa e não religiosa as suas

fontes de inspiração para o desenvolvimento de modelo de atividade holística como,

também, nos fundamentos não sectários como aqueles que as teorias transpessoais nos

propõem (Robbins, 2011: 377-408). As teorias transpessoais reportam-se aos aspetos do

comportamento humano que são distintos da nossa natureza enquanto seres humanos.

Reporta-se às aspirações mais elevadas e potencialidades e necessidades de amar,

sentido, criatividade e comunhão para com outras pessoas e o Universo. Estas teorias

propõem-nos uma imersão no mais profundo em nós para uma compreensão plena do que

nós somos, de que podemos transcender o ego expandindo consciência da nossa

verdadeira natureza, profundamente conectada com outras pessoas e o Universo. Ao

emergir em nós próprios e em profundidade experienciamos a natureza comum que nós

todos partilhamos. De acordo com as teorias transpessoais, a meta do desenvolvimento

humano significa alcançar o cume da nossa própria realização pessoal, à qual deverá

convergir com a realização pessoal dos outros. Ajuda-nos a desenvolver uma perspectiva

holística e integrativa do comportamento humano e da prática de Trabalho social. Em

termos históricos, Abraham Maslow, em 1969, anunciou o início de um novo movimento em

psicologia destinado à compreensão do que está “para além do alcance da natureza

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Rui Pedro Ventura 38

humana”. Este novo movimento foi desenvolvido para dar enfoque ao aspeto distintivo e

elevado do potencial humano para o desenvolvimento. Chamou a quarta força da teoria

transpessoal, que procura ir além das anteriores três foças teóricas do Freudismo,

Behaviorismo e Humanismo. A quarta força pretende superar a teoria humanista (a terceira

força), desenvolvida entre 1950 e 1960. Os teóricos humanistas empenharam-se em

contrabalançar as tendências de desumanização e reducionismo influenciadas previamente

pela “primeira força” do freudismo clássico e a “segunda força” do “behaviorismo”. Na

perspectiva humanista, o freudismo encontrava-se suportado numa generalização dos

estudos clínicos sobre as neuroses e fora criado a partir de uma visão do comportamento

humano largamente determinado pelo inconsciente, pelos instintos e impulsos selvagens

de busca de prazer e fonte de conflito e tensão. Por outro lado, o behaviorismo era

concebido como uma perspetiva tecnocrática e mecânica que retratam as pessoas como

estando controladas por forças do meio envolvente, negando-lhes a capacidade de escolha

(o livre arbítrio) e a espontaneidade. Os psicólogos humanistas estudam pessoas dotadas

de elevado sentido de autoestima, criatividade e satisfação em relação à vida tendo em

vista identificar um modelo ótimo de bem-estar para o potencial humano. Descobrem que,

em grande medida, muita dessa realização pessoal se encontra aliada experiencias

transpessoais, que são cruciais para a sua tomada de consciência. Tais experiências

designam-se de transpessoal porque transcendem os limites da pessoa, das fronteiras do

corpo e do ego, da sua identidade pessoal. As teorias transpessoais dão enfoque a estes

tipos de experiências e do processo de desenvolvimento que permitem expandir a mente.

Em suma, as teorias transpessoais focam o aspeto espiritual distintivo da experiência

humana e do desenvolvimento. A somar à psicologia humanista, cinco correntes

intelectuais da história influenciaram fortemente a teoria transpessoal: a filosofia existencial

que emergiu em reação ao desespero causado pela industrialização e de uma Europa

assolada pela guerra; as teorias psicodinâmicas transpessoais desenvolvidas em reação

ao Freudismo (tais como as de Jung e Assagioli); os estudos sobre estados alterados da

consciência e da parapsicologia que emergiu no período entre 1960 e 1970; e, por último,

os estudos que procuram o cruzamento de culturas, perspetivas diferentes sobre o mundo

e práticas religiosas e diversos esforços para juntar perceções e disciplinas diferentes

numa perspetiva integral e holística (Canda & Furman, 2010, Grof, 2006, Grof & Halifax,

1977, Masters & Housten, 1966, Pelletier & Garfield, 1976, Tart, 2000, 2009, Wilber,

2000ª), citados por Robbins (Robbins, 2011: 378). Borenzweig (1984) e McGree (1984),

citados por Robbins,2011:378). A introdução da teoria transpessoal bem como da filosofia

da ecologia profunda no trabalho social foi defendida, anos 1990’s e inícios de 2000’s, por

Besthorn & Canda (2002), Canda (1991), Canda e Smith (2001), Crowley (1993, 1996),

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Rui Pedro Ventura 39

Crowley & Derezotes, (1994), citados por Robbins (Robbins, 2011: 378). como um modo de

desenvolver uma perspetiva holística. A teoria integral defendida por Ken Wilber tem sido

aplicada de diversas maneiras no trabalho social e na especialização em saúde mental por

Larkin (2005, 2006), Larkin e Records (2007), Starnino (2009), P.E. Thomas (2004), citados

por Robbins (Robbins, 2011: 378). Diversas formas holísticas de uma prática com

sensibilidade espiritual têm sido inspiradas em parte por uma teoria transpessoal

nomeadamente por Bullis (1996), Canda & Furman (2010), Derezotes (2006), Lee, Ng.

Leung e Chan, (2009), citados por Robbins (Robbins, 2011: 379). A prática com

sensibilidade espiritual destina-se a trabalhar a pessoa no seu todo – corpo, mente e

espírito – no contexto das relações com as outras pessoas, com todas as criaturas e a

realidade suprema. A prática com sensibilidade espiritual respeita a formas religiosas e não

religiosas de espiritualidade trabalhando com as pessoas em termos dos sistemas de

sentido, procurando que estas desenvolvam os seus potenciais de desenvolvimento de si

mas, também, com repercussões nas relações com outras pessoas, seres vivos e

ambiente, contribuindo, desta forma, para a paz e justiça. Todas as teorias transpessoais

dão enfoque às experiências e processos de desenvolvimento que conduzem a pessoa

para além do sentido de fronteira da identidade do corpo e ego individual, tal como afirma

Washburn (1994, 1995), citado por Robbins (Robbins, 2011: 379). As teorias transpessoais

defendem que as pessoas têm um potencial para alcançarem um nível de desenvolvimento

para além de um nível centrado no ego, um estado transegoíco, destacando-se das teorias

convencionais da psicologia do desenvolvimento por se centrarem no ego. Neste estado

transegoico, o self deixa de ser experienciado, meramente, com uma entidade separada,

autónoma, isto é interconectada. Pelo contrário, o self passa a ser experienciando

fundamentalmente como uma unidade com todos os outros. Os resultados dessas

experiências são descritos como uma consciência de unidade, consciência cósmica ou

união com o divino. Wilber (1983), citado por Robbins (Robbins, 2011: 379), realça que se

trata de uma distinção crucial para o entendimento do desenvolvimento humano e

avaliação da saúde mental. Se os profissionais de saúde mental não reconhecerem que

uma experiência transegoíca é possível, provavelmente interpretam descrições de

transcendência do self de experiências místicas como uma evidência de regressão pré-

egoíca de simbiose infantil ou de uma confusão psicótico de um ego-fronteira. Chama a

isto a pré/trans falácia, que significa misturar o pré-egoico com o transegoíco. Tal falácia,

também, ocorre quando no reverso uma pessoa superficialmente assume que qualquer

estado se relaciona com fusão ou unidade com os outros, mesmo que em contextos de

desorganização mental, de ilusão ou alucinação, reflete uma perceção mística (Wilber,

2000ª, 2000b) citado por Robbins (Robbins, 2011: 378). Os teóricos transpessoais,

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também, destacam os estados de consciência. Tart (2000) citado por Robbins (Robbins,

2011: 378), define discreto estado de consciência como o único completo modelo de

funcionamento mental tal como aquele que nós temos consciência pessoal (self), sentido

do nosso corpo e do ambiente, experiências emocionais, acessos de memória e acessos

da passagem do tempo. Um estado alterado de consciência é um tipo de funcionamento

mental que é significativamente diferente do estado ordinário de consciência caracterizado

por um nível elevado de racionalidade e relativamente nível baixo de imaginação mental.

Existe uma variedade grande de estados de consciência possíveis, em relação ao estado

acordado comum, tais como aqueles associados com o sonhar, relaxamento profundo,

meditação, uso de drogas psicoativas e hiperestimulação. Cada estado de consciência

exprime formas particulares de experienciar a realidade, como modos distintos de

perceção. Para além disso, muito dos estados alterados de consciência conduzem a uma

consciência transpessoal. Os métodos de investigação e teorização sobre estados de

consciência devem muito à natureza particular do estado de consciência que se está a

estudar. Tart (2000), citado por Robbins (Robbins, 2011: 379), refere-se a isso como um

estado de consciência específico da ciência. O nosso entendimento sobre o

comportamento humano deve entrar em linha de consideração com os diferentes estados

de consciência. Por exemplo, o único modo para compreender quando uma pessoa se

refere a uma visão de um ser divino se encontra associado com uma psicopatologia passa

por examinar a sua experiência interior (isto é, o estado e conteúdo da consciência), o

sentido da experiência para si com o seu próprio curso de desenvolvimento e contexto

cultural e religioso e o impacto no seu funcionamento (Canda & Furman, 2010), citado por

Robbins (Robbins, 2011: 380). Experiências visionárias e estados intensificados de

consciência são inteiramente expectáveis, e mesmo desejáveis, em muitos contextos

rituais que envolvem orar, meditar, hiperestimulação ou privação de estímulos. Estas

experiências não se comparam a ilusões e alucinações, que refletem uma desorganização

mental extrema ou rigidez e insensível ao exame da realidade, como em determinadas

formas difíceis de doença mental. Um dos maiores interesses da teoria transpessoal é a

espiritualidade. Wilber (2000b), citado por Robbins (Robbins, 2011: 380), identifica quatro

significados comuns do mundo espiritual: (a) o nível mais elevado de desenvolvimento vai

para além da consciência egoíca; (b) uma linha de desenvolvimento da fé; (c) uma

profunda experiência culminante, por exemplo através da oração ou meditação; e (d) uma

atitude de amor, compaixão e sabedoria.

TRANSPESSOAL E O TRABALHO SOCIAL

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 41

Nos anos recentes, as teorias transpessoais tem sido aplicada no sentido de desenvolver

de forma detalhada uma estrutura para uma prática de trabalho social com sensibilidade

espiritual e direcionar para muitas questões particulares, tais como experiências de infância

adversas, desenvolvimento positivo de jovens, divorcio, recomposição de saúde mental,

recorrendo a temas como morte, desenvolvimento espiritual face a crises, conselho com

casais, doenças crónicas, hospício, gestão organizacional para serviços de idosos e

educação em trabalho social (Bhagwan, 2009, Canda, 1998, Canda & Cheon, 2010, Canda

& Furman, 2010, Canda & Smith, 2001; Cowly, 1993, 1996; Derezotes, 2006; Derezotes &

Evans, 1995, Larkin, 2005; Larkin & Records, 2007,; Nelson – Becker, Nakashima & Canda

2006, Starnino, 2009).A teoria integral tem sido igualmente aplicada no sentido de

desenvolver uma perspetiva que pode ser integrada ao nível do discernimento em muitos

diferentes campos e métodos de pesquisa e para ligar abordagens do micro e do macro em

termos da prática (Kerrigan, 2006; Larkin, 2006; P.E. Thomas, 2004). A busca do potencial

humano pela via da empatia, da criatividade e da espiritualidade tem sido considerado, de

alguma forma, por assistentes sociais desde o começo da profissão (Towle, 1965).

Contudo, passados 20 anos, houve um incremento rápido do interesse pela espiritualidade,

incluindo a construção de teoria, pesquisas empíricas, e prática e desenvolvimento de

competências em assistentes sociais (Canda & Furman, 2010). Para o assistente social ser

capaz de reconhecer uma crise de crescimento transpessoal ou para acompanhar as

pessoas a lidarem com as experiências afloradas por disciplinas espirituais tais como a

meditação tem que ter bases relevantes de compreensão teórica e experiencial sobre tais

fenómenos (Canda & Furman, 2010, Keefe, 1996, Krill, 1990).O assistente social tem que

estar num contínuo e paralelo processo entre o seu próprio crescimento e o crescimento da

pessoa que tem a seu cuidado. O assistente social tem que se centrar no seu próprio

processo de crescimento e numa reflexão constante para que a relação de ajuda permita

expandir o nível transpessoal. Na perspetiva transpessoal, a situação de ajuda é uma

oportunidade para ambos, assistente social e a pessoa ao cuidado, aprofundar o

discernimento espiritual e crescer através do seu potencial superior, incluindo a

consciência transpessoal se tal for relevante para as necessidades e aspirações das

pessoas a que o cuidado se destina. Em acréscimo para ter treino numa base convencional

de conhecimento e competência, Hutton (1994), citado por Robbins (Robbins,…9 sugere

que terapeutas transpessoais devem seguir qualidades: abertura para a realidade

transpessoal de experiência que visem a cura e a transformação, sensibilidade para o

sagrado, conhecimento e respeito pela diversidade de caminhos espirituais; e um

engajamento ativo no crescimento espiritual. Idealmente, o profissional considera o cliente

como um todo irredutível e valor e dignidade inerente. Ainda que sejam usados

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Rui Pedro Ventura 42

correntemente nas práticas convencionais de instrumentos de diagnóstico/avaliação

standards importa procurar não atribuir à pessoa meras categorias, rótulos ou, pior,

descrições patológicas. O transpessoal permite a conexão espiritual na relação,

transcendendo o nível pessoal baseado no ego e no papel do profissional, ajudando a

incrementar o sentido de empatia e de compaixão (Dass & Gorman, 1985, Wilber, 2000ª).

A ajuda deve nascer deste sentido de conexão mais do que de meras técnicas ou

requerimentos burocráticos. De uma perspetiva transpessoal, o potencial da pessoa e das

possibilidades transpessoais, tais como experiências de topo, alterados estados de

consciência e de transcendência, são aceites (Canda & Smith, 2001). Hutton (1994) diz

que terapias transpessoais encorajam o desenvolvimento espiritual, do sentido pessoal de

totalidade e unidade com outros, uma realidade suprema e a perceção direta com o divino.

Tal como Joseph (1987, 1988) afirmou os assistentes sociais necessitam avaliar as formas

como as pessoas concebem o benigno ou o punitivo divino e suas conexões com sistemas

de suporte religioso e modo como afetam o seu sentido de bem-estar ao longo do seu ciclo

de vida. Cowley (1993) refere-se à meta transpessoal de ajuda como “saúde espiritual” em

que o corpo, mente e espírito encontram-se integrados e em que alcançam um sentido de

satisfação completa com a vida, paz com o Mundo e comunhão com o ambiente. A macro

prática de trabalho social consiste em criar as condições globais de justiça e de equilíbrio

bio ecológico que sustenha e suporte qualquer pessoa no sentido do desenvolvimento

espiritual (Canda & Furman, 2010). A teoria transpessoal orientam os assistentes sociais

para se moverem para além dos standards egocêntricos e etnocêntricos de avaliação

incorporados nas teorias convencionais de desenvolvimento (Canda & Furmann 2010;

Canda & Smith, 2001). As teorias de desenvolvimento convencionais estabelecem um

standard linear, racional, um pensamento abstrato como epítome do desenvolvimento

cognitivo. Propõem a consecução de um ego separado como o ponto mais alto do

desenvolvimento. Assumem que uma consciência desperta funciona de um modo

dualístico (separação ente sujeito/objeto e self/teoria), um standard para uma boa saúde

mental. Isto está relacionado com a pré/trans falácia em que pessoas com experiências

visionárias, estados alterados de consciência são identificadas de forma redutora e

patológica. Certamente as desordens mentais podem causar ilusões, alucinações ou uma

identidade confusa. O crescimento transpessoal pode igualmente resultar de períodos

debilitados em consequência de crises psicossociais. Mas a teoria transpessoal requer que

sejamos capazes de identificar as patologias de tais experiências transpessoais que

contribuam para o crescimento pessoa (Nelsno, 1994; Wilber 2000ª, Wilber, Engler &

Brown, 1986). É expectável que uma pessoa que supere a sua identidade egoíca e certos

papeis convencionais sem que tal estado esteja associada a uma patologia (Wilber, 1986).

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Rui Pedro Ventura 43

Uma consciência transpessoal poderá se revelar necessária para que uma transformação

ocorra, sem que tal estado constituía uma mera desordem angustiante ou se encontre

confinado a uma patologia. A pessoa pode ser aconselhada a conformar-se a normas

sociais a aceitar a realidade como única existente e a receber a medicação para reduzir a

consciência, contudo, tal não permitirá a sua transformação nem do meio que a circunda. A

nível macro, a visão lógica reage tumultuosamente à interação global e multicultural

(Wilber, 2000ª). As políticas devem transcender o etnocentrismo, o isolacionismo e

imperialismo em direção ao transcultural, ao transreligioso para uma compreensão e

cooperação Global.

3.4. A TRANSFORMAÇÃO TERAPÊUTICA NO TRABALHO SOCIAL

Um exemplo do que é uma aplicação prática de um trabalho social com uma orientação

espiritual é nos dado por Canda no modelo concetual de transformação terapêutica que foi

aliás trabalho que desenvolveu no âmbito do seu mestrado em trabalho social e em minha

opinião poderá ser útil nomeadamente em trabalho social clínico. Segundo Canda, partindo

de uma abordagem taoista, o livro da Mutações Chinês (I Ching) identifica vários tipos,

níveis e ritmos de mudança na vida humana. Um modo sábio de compreender uma

mudança particular implica considerar todos os aspetos da vida e não um apenas. De

acordo com esta abordagem importa estar atento ao fluxo da mudança e identificar as

oportunidades que permitem melhorar a vida. Alguns períodos de mudança são de

transformação, os obstáculos surgem como oportunidades, apelando a uma grande

sabedoria.

A transformação consiste numa mudança relativamente rápida e significativa da condição

inicial em que a pessoa se encontra para um estado de desenvolvimento e progresso,

levando-a a ter, em determinadas situações, experiências “culminantes”.

O trabalho social, tal como Canda nos propõe, procura encontrar soluções terapêuticas (de

bem estar bio-psico-social e espiritual), que colocam as pessoas ao cuidado a caminho de

um processo de transformação.

No hexagrama com o número 23 do I Ching com o nome “Desintegração “simboliza o

tempo da vida em que o status quo se encontra a fraturar.

FIGURA 8. HEXAGRAMA 23 “DESINTEGRAÇÃO”

______________ _____ _____ _____ _____

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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_____ _____ _____ _____ _____ _____

As cinco linhas, descontínuas, representam as paredes de uma casa a desmoronar. O

telhado está prestes a cair. Isto poderá ser assustador. Definitivamente é tempo de mudar!

O simbolismo do hexagrama inclui um aviso para o modo como se deverá responder a esta

situação. As três linhas superiores simbolizam o céu e as três linhas inferiores a terra. Se

formos capazes de manter uma mente clara, virtuosa e aberta ao interior e baseada em

factos então a brecha pode abrir para algo de grandioso (tal como uma montanha que

permanece na terra e cresce para o céu). Um outro modo de olhar o simbolismo do

hexagrama consiste em entender a linha contínua no topo como um fruto maduro que se

encontra no alto de uma árvore. O fruto acaba por cair na terra, quando a mudança ocorreu

até ao seu auge. Esta morte aparente acabará por plantar a semente para o futuro. Tal

como a morte aparente do fruto que ao cair acaba por plantar a semente do futuro também

a experiência transformacional que ocorre normalmente em face a situações adversas

representa uma via facilitadora do potencial pessoal do aperfeiçoamento interior, de

vitalidade, de sentido e de propósito e no rumo da vida.

Tudo dependerá, todavia, no modo como se caminhará no momento da crise em que tudo

parece ruir. O processo de transformação ocorre espontaneamente em situações de crises.

Os encontros com as pessoas que necessitam de cuidados podem ser considerados como

rituais. Estes rituais têm em vista a melhoria da vida das pessoas ao cuidado. A palavra

ritual pode, num uso comum do termo, significar algumas vezes algo de antigo aliado à

tradição, ultrapassado ou, ainda, uma repetição sem sentido. O sentido de ritual terapêutico

é oposto ao uso comum do termo, uma vez que nos remete para algo dinâmico, intencional

e cuidado.

A transformação terapêutica (não confundir com psicoterapia), tal como ela é proposta por

Canda, é dividida em cinco fases que se movem mais como ondas. A fase prévia à ajuda

formal respeita a tudo o que precipita a pessoa à necessidade de auxílio. O especialista em

trabalho social acompanha a pessoa ao longo de um percurso contínuo de desagregação,

fluxo e de agregação. Após a ajuda a pessoa continua a sua vida de um modo mais

esperançosa, confiante e consciente dos seus potenciais e recursos. A transformação

terapêutica é como um processo de movimento para uma nova casa.

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Rui Pedro Ventura 45

Na fase 1, há uma série de acontecimentos que exigem respostas rápidas, orientando a

decisão para a mudança. Algumas vezes a decisão é proactiva e motivadora, outras não. A

decisão, muitas das vezes, é forçada a ser tomada. A mudança de casa é um evento

significativo na vida, alterando padrões de comportamento, de relações e de conforto.

Mesmo quando o status quo é difícil e há uma vontade de mudar, os velhos hábitos podem

ser difíceis de quebrar ou alterar. Uma vez decidida a mudança, torna-se necessário ter em

atenção uma preparação prévia antes de sair definitivamente da velha casa. Caso a

pessoa seja forçada a sair da casa de repente, a falta de preparação complica a mudança.

Na fase 2, procede-se ao empacotamento em caixas dos pertences numa determinada

ordem para que se possa recuperar e reorganizar tudo mais tarde.

A fase 3 respeita à viagem cujo destino é novo e o futuro incerto. Novas possibilidades se

abrem, trazendo expetativas e, ao mesmo tempo, ansiedade. Os amigos, a família ou uma

mudança de companhia podem ajudar na mudança para uma nova casa de modo a que

ocorra de forma relativamente tranquila e segura.

Na fase 4 já na nova casa abrem-se as caixas e reorganizam-se todos os pertences de

acordo com a nova situação e propósito.

Na fase 5 restabelece-se a vida na nova casa, reorganizando relações e as atividades da

vida quotidiana. Ora, os especialistas em trabalho social são como especialistas em todo o

movimento, facilitando a embalagem, o desempacotamento e a reorganização da vida.

FASE 1: PREPARAÇÃO (PRÉ-TERAPIA)

Em momentos de crises tudo parece estar fora de controlo, causando a sensação de

sufoco. Quando a experiência é intensa, aceita-se a ajuda de qualquer pessoa que queira

dar a mão. A experiência anterior predispõe a perceber e a responder a crises ou à

transição na vida de uma certa maneira. Apela-se numa estratégia de resolução de

problemas aos potenciais (strengths) e socorrer-se dos recursos em função da

aprendizagem pessoal. Haverá, naturalmente, situações em que se torna necessário

consultar um profissional de ajuda, criando antecipadamente expectativas, esperanças e,

também, preocupações antes do processo de ajuda ter início. O especialista em trabalho

social deverá estar atento às deixas da pessoa que procura a ajuda (quer aquelas que são

subtilmente deixadas quer as outras que são expressas de uma forma aberta) de forma a

saber como antecipar e preparar a pessoa para o processo de ajuda. Torna-se útil, então,

providenciar alguma orientação sobre o que a pessoa poderá esperar e o modo como

poderá fazer uso do processo de ajuda de forma a poder melhor servir os seus interesses.

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Rui Pedro Ventura 46

FASE 2: SEPARAÇÃO (AJUDA FORMAL)

Num trabalho social prático o especialista acolhe a pessoa numa relação de ajuda num

espaço como o de gabinete ou em sua casa designado para um encontro dedicado à

ajuda. Deixam dicas às pessoas para que se desvinculem de uma situação ordinária de

vida da qual se sentem presas. Indicam a sua intenção de ajudar e como o irão fazer.

Recolhem-se dados importantes sobre a história de vida e identificam-se os problemas e

as aspirações. Esta é a fase da avaliação e da análise, que literalmente significa

“desmontar”. Ajuda-se a pessoa a desconstruir a sua situação e a abrir-se a outras

possibilidades. Nesta fase, torna-se importante criar um laço de confiança e segurança na

relação de ajuda com a pessoa que se encontra afetada, oprimida e desorientada pelo

caos, revelando-se indispensável assegurar respeito por ela. Esta fase de ajuda dá ênfase

ao restabelecimento das relações, procurando-se transmitir, deste modo, um sentido de

proteção, compreensão e esperança no futuro.

FASE 3: FLUXO (MUDANÇA DINÂMICA)

As desordens têm as suas vantagens e o caos pode ser criativo. A pessoa que sinta o

status quo a ruir poderá deslumbrar uma abertura para a mudança e crescimento. Ao longo

do processo de ajuda, afigura-se necessário que o especialista em trabalho social ajude a

pessoa a encontrar novas oportunidades, a ter outras formas de ver e de pensar, a

improvisar soluções e a recorrer aos seus próprios potenciais e recursos imprescindíveis

num processo de mudança. Para o efeito, importará cortar com velhos padrões. Esta é a

fase em que se abrem muitas oportunidades havendo um forte apelo à criatividade. O

antropólogo Victor Turner (1965), (1969), (1974), citado por Canda (Canda, …:),

inspirando-se no trabalho de Arnold Van Gennep, refere-se a isso como literalmente a rito

de passagem. Quando uma pessoa está em movimento, ela sente ambiguidade e alguma

desconcentração, contudo tem a possibilidade de se mover de um lugar para outro. Turner

salienta que os rituais de ajuda e ritos de passagem dão ênfase a duas dimensões desta

fase. Uma respeita ao facto de que as estruturas pessoais e culturais, hábitos, normas e

expectativas encontram-se temporariamente alteradas ou suspensas. Muitas possibilidades

se abrem. As pessoas em conjunto que passam através deste processo, tendem a formar

um sentido de cooperação e suporte mútuo de base igualitária e comunitária. Esta falta de

estrutura, porém, faz apelo a um suporte de proteção e orientação, que poderá ser

assegurado por cuidadores (e curandeiros). Este suporte, no caos criativo, é catalisador no

processo de transformação. A complementaridade entre a anti-estrutura e a estrutura é

similar aos conceitos de morfostase (morphostasis) e morfogénese (morphogenesis) num

sistema dinâmico. A morfostase significa “manutenção de forma”. É o processo de vida do

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Rui Pedro Ventura 47

sistema que protege e restaura a integridade de vida do sistema, de modo a poder

sobreviver. A morfogénese significa “gerar forma”. Trata-se do processo que adapta, muda

e cria novos padrões de vida de um sistema, de modo a poder desenvolver e crescer todo

o tempo. A morfostase e morfogénese são complementares e aspetos necessários no

processo dinâmico de manutenção e transformação da vida do sistema. A morfostase

sozinha resulta na estagnação e morfogénese sozinha resulta em caos destrutivo.

FASE 4: AGREGAÇÃO (REINTEGRAÇÃO)

A quarta fase corresponde à agregação. Novas possibilidades se abrem nesta fase. Se a

vida de uma pessoa se encontra desconstruída, isso destrói. O assistente social ajuda a

pessoa a encontrar estabilidade consigo própria e na relação com os outros em face a

nova situação. É, também, a fase de “estar junto com os outros”. O fechamento poderá

constituir um impasse na nova vida. O assistente social ajuda a pessoa a ultrapassar a

situação depressiva em que se encontra mostrando-lhe novas possibilidades e o quanto

importante é integrar todas as aprendizagens para uma vida que se pretende melhorada.

FASE 5: CONGREGAÇÃO (PÓS-TERAPIA ONGOING)

Quando as pessoas alcançam o êxito nesta sua passagem, as suas vidas são marcadas

pelo prazer e por uma criatividade espontânea. Deixam de depender de profissionais de

ajuda (a não ser que se venham a confrontar com outras mudanças sérias). Qualquer um

poderá dizer com satisfação: “estou-me a sentir como nunca me senti antes”. Durante esta

fase, importa que os assistentes sociais ajudem a pessoa a desenvolver nela os seus

próprios recursos de ajuda (autoajuda). A pessoa pode ser encorajada a procurar novos

modos de pensar, sentir, agir e de se relacionar com outras pessoas mesmo depois de

concluída as relações de ajuda. Quando ocorre uma mudança individual, esta tem

implicações com o sistema de suporte familiar, relacional e comunitário. Neste sentido,

importa proceder a um follow-up para o ajudar a pessoa a continuar a integrar as

mudanças. Trata-se, aqui, de um acompanhamento que vai para além do curso da relação

de ajuda propriamente dita que permitiu o processo de transformação aliada a um

crescimento individual em face a uma situação em concreto. A relação de ajuda pode durar

uma hora, um dia, 10 semanas ou um ano. O assistente social acompanha a pessoa em

toda a sua corrente de mudança “espontânea” (desde a separação, passando pelo fluxo e

finalizando com a agregação) e para além desta, ou seja quando a relação de ajuda

supostamente se consumou.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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Com efeito, a pessoa poderá vir a precisar de grande ajuda ao longo da sua vida, podendo

este processo vir a repetir-se. Existem, porém, muitos acontecimentos na vida que levam a

uma transformação e ao crescimento, que não envolvem necessariamente profissionais e

relações de ajuda. Ao longo de um processo de ajuda existem muitas pequenas

experiências de transformação. Com o assistente social cada encontro é marcado por um

rito próprio: no momento da saudação inicial, no planear e no orientar, em termos das

tarefas “terapêuticas” a serem levadas a cabo em casa, e no encerramento da sessão.

Durante o encontro pode ocorrer ou ocorrerá momentos de poderoso discernimento e de

catarse, que possibilitam quebrar com modos habituais de pensar, de sentir e de agir. O

modelo concetual de transformação terapêutica proposto por Canda procura dar ênfase às

experiências de catarse que decorrem de uma relação de ajuda. A catarse envolve o

recordar e o libertar de memórias e sentimentos dolorosos. Os assistentes sociais devem,

apenas, evocá-los num ambiente que confira à pessoa confiança. A recordação da dor

necessita de ser convertida em energia criativa via a um crescimento pessoal. Episódios

catárticos necessitam de serem processados e integrados emocionalmente, fisicamente,

intelectualmente e espiritualmente de modo a que fique um sentido de conclusão, antes de

se terminar uma sessão.

O modelo de transformação terapêutica recorre a metáforas ou histórias, que se transpõe

para a realidade vivida pela pessoa que se pretende ajudar. Apela-se, porém, à perspetiva

espiritual da pessoa, de modo a que ela se reveja em tais metáforas ou histórias, não se

impondo, deste modo, a perspetiva de espiritualidade do profissional de ajuda.

Pretende-se que elas sejam inspiradoras e encorajadoras para a transformação e

resolução de crises. Por exemplo, cristãos podem olhar para a história da paixão, morte e

ressurreição de Jesus. Os judeus podem refletir sobre o êxodo da escravatura no Egipto.

Os hindus podem considerar a história de Bhagavad Gita sobre a crise do herói Arjuna num

confronto da batalha e como o divino Krishna o avisou. Muitas pessoas encontram-se

familiarizadas com uma lenda de Fénix de magia numa chama que rompe e aumenta e

desperta para uma nova vida. Quando as pessoas não perfilham qualquer religião, as

metáforas não religiosas de transformação podem ser exploradas. Por exemplo, uma

borboleta emergindo do seu casulo, um pássaro acabado de nascer a sair do seu ovo, a

lua passando por diversas fases, o nascer e o por do Sol, ou a passagem do frio do inverno

para a nova vitalidade da primavera. Por vezes símbolos de transformação aparecem às

pessoas de forma espontânea nos sonhos, fantasias e visões. Em qualquer um dos casos,

torna-se importante ancorar estas metáforas e histórias à situação em que a pessoa se viu

confrontada, procurando aprofundar essa experiencia de transformação. Pode-se pedir à

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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pessoa que se recorde de uma experiência de luta em face a uma adversidade, de

resolução de uma crise e de êxito. Uma experiência de mudança pode ser relembrada,

ajudando a refletir de que modo algumas estratégias adotadas resultaram na superação de

uma crise, como certas pessoas foram inspiradoras e como tudo isso, no seu conjunto, foi

inspirador no crescimento, na superação de crises e na transformação de si e de outras

pessoas por sua influência. O recurso a figuras ancestrais e seres sagrados pode ajudar a

pessoa a encontrar discernimento, orientação e suporte. Se vivem com guias espirituais

importará reconhecer e aprofundar as relações com estas pessoas importantes. As

pessoas podem ter uma inspiração especial com plantas, animais ou outros seres e

espaços naturais. Quando consideramos a prática do trabalho social à luz do ritual de

transformação, procura-se ter em atenção as qualidades criativas, ascéticas, emotivas e

dramáticas. Se o assistente social trabalha numa perspetiva, meramente, analítica a ajuda

será dificilmente contagiante, inspiradora e orientadora para a transformação. Símbolos ou

modos artísticos de expressão podem ser, igualmente, adotados numa terapia de

transformação.

A prática de trabalho social é, também, arte, na medida em que traz o lado ascético, a

beleza, algo de bom e de verdadeiro, não deixando, porém, de ser ciência.

Por isso, Canda afirma que a prática de trabalho social é arte científica, tendo um objetivo

experiencial e de transformação. Numa prática de trabalho social com sensibilidade

espiritual procura-se estar atento aos momentos de transformação encorajando a pessoa

no prosseguimento de um desenvolvimento espiritual contínuo. Pode-se apelar a um

suporte comunitário aliado a uma religião, caso a pessoa a perfilhe, constituindo um

recurso de ajuda no seu processo transformacional ou mesmo procurar no saber aliado a

uma tradição espiritual uma orientação para a prática de trabalho social. Note-se que

existem muitas abordagens no trabalho social com orientação espiritual resultando em

técnicas terapêuticas específicas nas relações de ajuda. As práticas de ajuda podem ser

orientadas de acordo com perspetivas religiosas e não religiosas, podendo-se encontrar na

terapia cognitiva e comportamental, na psicanálise, na terapia existencial ou transpessoal

com orientação espiritual e na terapia holotrópica com trabalho respiratório. Revela-se,

essencial, que os profissionais qualificados desenvolvam as suas práticas tendo em

atenção as culturas e as perspetivas espirituais das pessoas e suas comunidades. Devem,

igualmente, considerar nas suas práticas o background das pessoas.

As práticas de trabalho social com orientação espiritual permitem o desenvolvimento

espiritual, ajudando, ao mesmo tempo, na escolha do caminho via à realização de

aspirações mais elevadas e de cura. A sua prática resulta numa tomada de consciência do

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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self e dos outros, permitindo novos discernimentos e ajudando em tensões existentes.

Conduzem para uma consciência e experiências transpessoais. Reportam-se a aspetos

básicos do ser humano considerados em quase todas, se não em todas, as tradições

religiosas e espirituais. Por exemplo, todas as religiões reconhecem o benefício da

respiração. Muitas línguas têm palavras que associam força vital com respiração; spiritus

(Latim), ruach (Hebraico), pneuma (Grego), prana (Sanskrit) e qi (Chinês). Na forma as

técnicas de respiração não são religiosas, podem ter sido, contudo, inspiradas em muitas

tradições religiosas. Podem ser associadas a práticas religiosas se a pessoa, assim, o

entender ou aplicadas em muitas situações práticas. São muito fáceis de aprender. Não

requerem um treino extensivo formal, devendo, no entanto, ser praticadas de modo

cuidado no contexto de uma tradição específica ou de uma orientação terapêutica. Envolve

baixos riscos para a pessoa. Os benefícios encontram-se suportados por uma extensiva

evidência científica.

O Código de Ética da NASW prevê, contudo, que os trabalhadores sociais tenham

competência prévia antes de aplicar qualquer atividade particular de ajuda. O profissional

não poderá aplicar uma prática com sentido espiritual sem ter antes uma experiência

pessoal prévia e significativa, bem como um treino formal. Se a pessoa tem uma saúde

frágil ou instabilidade psicológica, devem ser adotadas especiais precauções. As pessoas

devem ter um sentido de autoestima e relações interpessoais positivas, antes de procurar

alterar e transcender o ego com segurança. Transcender não significa suprimir o ego,

significa incluí-lo e transcende-lo. Caso a pessoa se encontra confusa sobre o que ela é

poderá não ser apropriado usar uma técnica de relaxamento com o propósito de se

transcender Se a pessoa se encontra com alucinações incontroláveis e desagradáveis,

poderá não ser apropriado induzir a estados alterados de consciência. Será melhor adotar

uma prática que ajude a crescer e a centrar-se. A prática descrita poderá ajudar a lidar com

desordens mentais, mas importa tomar certos cuidados. Pessoas que experienciam

ansiedade podem aprender técnicas de relaxação. Pessoas que experienciam depressões

podem aprender a fazer meditação. Poderá ser vantajoso fazer certos exercícios com

pessoas que sofrem alguns tipos de esquizofrenia. Uma pessoa com uma desordem

bipolar pode beneficiar com certos exercícios de relaxamento, de modo a estar mais alerta

ao início das alterações de humor numa ação de natureza mais preventiva e no sentido de

reduzir flutuações extremas. São necessários, contudo, cuidados especiais e treino por

parte dos profissionais para responder a sofrimentos e incapacidades mentais ou físicas

crónicas e agudas.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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Em geral, revela-se importante escolher práticas espirituais que permitam fortalecer os

potenciais (strengths) e providenciar equilíbrio na pessoa que experiência situações de

crise problemáticas. Por exemplo, um ambiente tranquilo poderá não beneficiar alguém

com uma elevada introspeção, de igual modo que tal ambiente poderá ser frustrante para

quem é extrovertido. O extrovertido poderá sentir-se muito mais confortável com terapias

com enfoque no corpo e em práticas meditativas feitas com atividade física ou ouvindo

música. Uma pessoa com uma problemática extrema pode encontrar equilíbrio aprendendo

uma nova habilidade. Uma pessoa introvertida, defensiva e que evita contactos físicos ou

interações poderá não beneficiar de uma prática meditativa mais introspetiva. Rotinas com

exercícios físicos e práticas de grupo tais como hatha yoga ou qygong poderão ajudar a

pessoa a integrar uma aprendizagem espiritual com domínio físico e social. Há que

respeitar as crenças espirituais e atitudes relacionadas com práticas espirituais. As

decisões dos profissionais necessitam de serem centradas na pessoa, pelo que se revela

necessária uma atenção especial na pessoa e no que ela acredita acerca destas coisas.

3.5. MODELO HOLÍSTICO DE TRABALHO SOCIAL BASEADO NO LIVRO DAS MUTAÇÕES

De modo a ilustrar como o trabalho social poderá incorporar saberes inspirados em

tradições espirituais, entendeu-se dar enfoque, mesmo que sucintamente, aos contributos

dados por Edward Canda na conceção de um modelo holístico da atividade em trabalho

social (Canda, 2010b: 213-242). Canda concebe um modelo holístico de trabalho social

inspirado na filosofia chinesa, designadamente, no Livro das Mutações o I Ching.

Edward Canda identifica no seu modelo 5 etapas (Canda, 2010b: 213-242):

a) Compreender a situação;

b) Desenhar um plano de ação;

c) Intervir; avaliar o processo e os resultados; e, por último,

d) Integrar todas essas atividades num sistema de atividade coerente..

Estas são grosso modo as etapas da intervenção em trabalho social, mesmo que sem ter

esse sentido holístico que Canda pretende dar.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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FIGURA 9: MODELO HOLÍSTICO DA ACTIVIDADE EM TRABALHO SOCIAL

O que faz distinguir o modelo de Canda de um modelo “convencional” de intervenção em

trabalho social, é de que cada etapa envolve dois aspetos complementares e

contrastantes, análogos ao yin e ao yang, que têm de convergir.

Todas as etapas encontram-se interconectadas. Apesar de se poder dar ênfase a uma

etapa respeitante à atividade em determinados momentos da prática, na verdade cada

etapa e todas as atividades com ela relacionada influenciam cada uma das outras etapas e

podem ter implicações no processo de ajuda.

O profissional em trabalho social precisa integrar cada etapa e atividade no seu trabalho. O

serviço ou organização precisa de integrar as etapas e atividades de ajuda através do seu

staff, procurando estimular, ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento, a criatividade e a

proficiência (em espiral) individualmente na relação de ajuda e organizacionalmente como

instituições de ajuda.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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O presente modelo deverá ser entendido em espiral, mais do que linear. O cruzamento de

linhas verticais e horizontais demonstra a interconexão entre todas as etapas. O círculo

abrangente demonstra unidade essencial de todas as etapas no fluxo da mudança útil.

Cada direção encontra-se rotulada adequadamente em cada uma das etapas apropriadas

e com os aspetos de complementaridade e contrastantes da atividade relevante da etapa.

Um aspeto (o lado yang) de cada etapa encontra-se normalmente relacionado com a

educação/formação em trabalho social, sendo o yin normalmente negligenciado. A imagem

em círculo procura, ainda, representar o crescimento e o aperfeiçoamento do profissional e

da organização enquanto processo de ajuda holístico.

O modelo conceptual mencionado é muito abrangente dando algumas linhas orientadoras

e muito gerais, nunca tendo sido antes testado através de uma investigação pura, dada à

complexidade teórica do modelo. Porém, analisando o modelo sobressai algo que parece

inovador a considerar, designadamente uma orientação que procura aliar ao que se

associa ao lado mais racional da organização do trabalho social ou seja todos aqueles

aspetos que estimulam a empatia, a intuição e a criatividade necessária em qualquer

relação de ajuda.

ETAPA 1. COMPREENDER/ESTRUTURAR PROBLEMAS (CONHECER E INTUIR)

Segundo Canda, usualmente, em termos de ensino, os profissionais em trabalho social são

orientados no sentido de assentarem o conhecimento sobre as observações empíricas, o

raciocínio lógico e a aprendizagem sobre factos e teorias de especialistas e académicos.

De acordo com Canda este tipo de conhecimento é necessário, mas não é suficiente.

Importa, igualmente, prestar atenção aos modos não lineares, não racionais e espontâneos

de tomada de consciência. Importa ter uma apreensão intuitiva da situação da pessoa que

se encontra ao cuidado do profissional. A intuição, neste contexto, constitui uma via,

igualmente, importante numa abordagem que se pretende holística. Para apelar à intuição

importa que o profissional se torne participante do mundo da pessoa ao cuidado

desenvolvendo uma relação de empatia, ouvindo as suas histórias e sem desvalorizar os

seus sentimentos. Quando a relação está estabelecida, o profissional pode experienciar o

mundo do ponto de vista da perspetiva da pessoa, antecipando de forma realista as suas

reações. A consciência intuitiva pode aumentar a capacidade de saber o que fazer e do

que fazer no momento certo face às inesperadas reações que vêm do seu íntimo. Koening

e Spano (1998), citados por Canda (Canda, : ), descrevem a intuição como um todo e um

só conhecimento que permite uma imersão no estado e na perspetiva da pessoa ao

cuidado. Luoma (1998), citado por Canda (Canda, : ), discute intuição como um processo

direto de conhecimento derivado da fusão entre sujeito (quem conhece) e do objeto (quem

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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é conhecido). Segundo Canda a intuição surge antes de um pensamento analítico que

divide sujeito e objeto e os operacionaliza de modo linear.

ETAPA 2. DESENHO/ SISTEMA DE PLANEAMENTO (ANALISAR E SINTETIZAR)

Depois do conhecimento da situação abre-se a possibilidade para a ação. Segundo Canda

para desenhar criativamente um plano de ajuda importa apelar à análise e à síntese. A

análise, por si só, envolve uma apreciação racional sobre todos os elementos recolhidos.

Equaciona-se, igualmente, vias alternativas de ação. Para o efeito, procura-se relacionar os

elementos recolhidos com teorias e modelos políticos que parecem ser os mais adequados

e relevantes para o desenho. Pode-se seguir os manuais que prescrevem intervenções

pela via da “evidence-based”. Este é o modo convencional sugerido pela academia.

Segundo Canda a compreensão analítica é necessária, porém, ela não é a suficiente. A

análise necessita convergir para a síntese. A síntese, neste contexto, significa que importa

implicar-se e implicar a pessoa ao cuidado no seu próprio processo de ajuda, procurando,

ao mesmo tempo, facilitar nela ideias e sentimentos alternativos que possibilitem o seu

empowerment. Neste sentido, importa que o profissional não se limite a classificar a

pessoa atribuindo-lhe categorias abstratas de imediato ou a suportar-se, apenas, em

teorias ou planos de intervenção de um modo, exclusivamente, racional.

Como refere Canda o profissional de trabalho social em face da pessoa que procura cuidar

está numa situação imprevisível e em aberto. Torna-se necessário, por isso, desenvolver

uma sinergia apelando a uma interação criativa hábil em trabalhar com perspetivas

contrastantes da pessoa ao cuidado que, por vezes, se opõem à perspetiva do profissional.

A criatividade não pode ser antecipada, devendo esta resultar da interação entre o

profissional e a pessoa que se encontra ao seu cuidado. Várias são os elementos, em

análise, que são trazidos a diálogo por todas as pessoas envolvidas. Tais elementos

despontam de forma espontânea e desarrumada, sendo desejável, por isso que sejam

sintetizados. A ação de planeamento implica encontros e exames de casos, pelo que

importa encorajar a pessoas ao cuidado a emitir as suas opiniões, mesmo quando

divergentes, apelando a uma abordagem mais compreensiva por parte do profissional.

Nesta perspetiva, importa implicar a pessoa ao cuidado como como parceira no processo

de ajuda, ouvindo-a, seriamente, o que ela tem para dizer. A escuta não se esgota,

apenas, na pessoa ao cuidado mas toda a sua rede interpessoal e, também, da rede que

se perspetiva e importa tecer no planeamento ou na sua revisão, traçando novas metas de

ação.

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De acordo com Canda, o brainstorming afigura-se como uma abordagem útil no

planeamento. No brainstorming nenhuma ideia é rejeitada. Tal como refere Canda, a

impossibilidade não existe. Qualquer ideia manifestada por um dos participantes do

brainstorming é considerada como útil desde que sincera, procurando que todos se

expressem sem quaisquer constrangimentos.

Nas sessões de terapia de família, por exemplo, cada membro é convidado a imaginar e a

exprimir-se sobre a sua família ideal, como é que cada membro da família permaneceu

igual ou se tornou diferente comparando com o momento atual e quais são as metas, as

aspirações, expectativas e sonhos que permitem “esboçar” o ideal de família.

Cada membro da família expressa, livremente, a sua ideia, podendo aquele ser abordado,

apenas, para pedir uma clarificação que pode ser levada a cabo com o recurso a

exemplos. O profissional em trabalho social facilita cada membro a expressar de forma

clara o seu ideal de família, mesmo que este seja diferente de todos os outros membros. A

família participa no brainstorming no sentido de criar um ideal de família que incorpore as

expectativas e sonhos de cada membro. Este exemplo transposto para qualquer

intervenção de outra natureza implica todos os intervenientes.

No desenho poder-se-á pensar em vários caminhos possíveis a percorrer, mas, apenas,

um será de incluir por ser afigurar o mais adequado para chegar a um determinado destino,

que se pretende refletido numa transformação positiva da pessoa ao cuidado.

ETAPA 3. SISTEMA DE IMPLEMENTAÇÃO (ADVOGAR E CRIAR RECIPROCIDADES)

A implementação é chamada, frequentemente, de “intervenção” ou respostas sociais com

vista a ajuda, “intervenções”. A intervenção implica a introdução de uma força externa e

direta sobre o sistema da pessoa ao cuidado.

O termo de implementação é usado, igualmente, em estratégias militares contra inimigos,

tendo para o trabalho social com sensibilidade espiritual um sentido metafórico diferente:

isto é, a de “cultivo”.

Neste sentido, a implementação é ilustrada como o cuidar do seu jardim, fazendo, deste

modo, sentir que se tem a posse sobre a terra, neste caso a “vida”. Sentem por esta via

como sua a vida que têm de cuidar tal como o jardim, que se procura mostrar à vizinhança

que se é dono e se tem a sua posse, dando-lhe a sua marca pessoal.

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Um relvado verdejante de um jardim mostra o cuidado que houve por parte do seu dono.

Convencionou-se que o relvado para mostrar esse cuidado tem que ser como um campo

de golfe, pelo que não se aceita nem sequer uma bonita flor amarela que tenha brotado de

uma semente lá deixada. A relva “ideal” tem de ser plantada em local e condições

adequadas para crescer, importando ser regada com frequência e fertilizada. Se qualquer

coisa indesejada aparece entendida como uma erva daninha, larvas ou moléstias há que

aplicar herbicidas e pesticidas.

Na manutenção de uma relva “ideal” o que cresce bem é morto e o que não cresce tão

bem é mantido, com muita energia, esforço e tempo. Existe, contudo, um se não, os

tóxicos das relvas juntam-se aos tóxicos dos campos que, por sua vez, contaminam os

lençóis de água que ficam à disposição de quem a bebe.

Esta metáfora utilizada por Canda tem em vista a compreensão de como o profissional

deverá abordar a pessoa que procurar ajuda. As situações ou os problemas que a pessoa

apresenta ao profissional em trabalho social e/ou que são identificados por este são as

“ervas daninhas”. Importa que o profissional em trabalho social cuide em não fazer

julgamentos precipitados sobre a pessoa e os seus problemas ou situações e a atuar de

acordo com o que lhe parece ser “o normal”, “o funcional”, “o real”, “o saudável” ou “o

adequado”.

Ao se fazer julgamentos precipitados, corre-se o risco de impor modelos artificiais e

socialmente construídos, tendo por base o que se entende por normalidade em termos de

saúde mental, do bem-estar social ou do sistema de justiça criminal. Neste caso as

pessoas são forçadas a adaptarem modelos, lançando, em termos metafóricos, os “tóxicos”

às “ervas daninhas”, ou seja atitudes e comportamentos que não se enquadrarem dentro

dos modelos indicados pelos profissionais.

Este corresponde, normalmente, ao modelo de intervenção do profissional em trabalho

social. Neste sentido. Canda sugere que os profissionais em trabalho social podem

funcionar mais como jardineiros “ecológicos”. Neste caso, os profissionais identificam os

potenciais, as forças e os recursos das pessoas que procuram cuidar. As pessoas

normalmente sentem os problemas como obstáculos. Nesta altura, o profissional deverá

procurar junto delas fazer com que tais adversidades passem a ser concebidas como

desafios e oportunidades.

O profissional passa a ajudar a discernir como as contrariedades podem contribuir para

estimular o amor-próprio e a retirar do trabalho, do ambiente social e natural outras

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vantagens para si em termos do seu bem-estar. O profissional em trabalho social ajuda,

deste modo, a cultivar o crescimento do potencial inerente na pessoa que cuida de modo a

converter os seus obstáculos em benefícios para si. É verdade que o profissional fica por

saber a maior parte das vezes qual o resultado final, mas pode experienciar diretamente

com a implicação de todos os envolvidos o processo até lá chegar. Este tipo de ajuda tem

sido chamado de mudança daoística (Brandon, 1976, Maslow, 1968), significando que esta

ajuda procura ir ao encontro do potencial da pessoa para que esta possa fazer face à sua

situação com respeito pelo corrente natural (centrada no Tao caminho, Do em Japonês).

Não sendo uma ação passiva, é criativa não deixando de ser harmoniosa ao mesmo

tempo. Quando o sábio Confúcio, Mencius, encoraja ajuda e suporte junto da pessoa, ele

adverte contra dois mal-entendidos (Lau, trans, 1970). Ele diz que um agricultor de arroz

deverá ser cuidadoso e atento no cultivo do arroz. Um erro é não fazer nada; o outro erro é

ser impaciente e forçosamente intrusivo. Se o agricultor ignora as mudanças, poderá ser

destruído por excesso de água ou por bandos de pássaros. Por outro lado, se o agricultor é

impaciente com o crescimento rápido, ele ou ela pode esforçar a mudança esticando e

encorajando a isso. Com toda a certeza a mudança será desadequada.

O profissional em trabalho social que adote uma abordagem daoística intervém no sistema

da pessoa ao cuidado estabelecendo uma relação de empatia com ela, procurando-a

ajudar a descobrir o seu potencial e encorajando-a no seu crescimento. Esta abordagem é

consistente com a abordagem no trabalho social que identifica e procura trabalhar os

potenciais da pessoa ao cuidado (Saleebey, 2008). “Harmonia com” não significa evitar o

confronto.

Significa, pelo contrário, enfrentar de uma forma autêntica e realista as situações tal como

elas são, adversas ou não, e seguir em frente com apelo à criatividade. A pessoa que

necessita de ajuda em face de uma situação de crise pode sentir-se oprimida, confusa ou

desorientada. Se a pessoa constitui uma ameaça para si e para outras, então, torna-se,

temporariamente, necessário proteger as outras pessoas que possam ser afetadas e

protegê-la a si própria com serenidade até neutralizar esse seu comportamento alterado.

Este é naturalmente uma resposta com compaixão. A compaixão significa, também, que

ajudamos a pessoa para que ele consiga adquirir empowerment, reorientando-a com

proficiência para que as suas aspirações se possam concretizar.

Advocacia e reciprocidade correspondem a dois aspetos complementares da ajuda. Na

advocacia identificam-se os problemas, as barreiras e os opositores que bloqueiam as

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aspirações da pessoa que se pretende ajudar. Procura-se apelar ao sentido de Justiça.

Canda refere-se aqui a Justiça no intuito de reforçar a necessidade de acautelar impactos

prejudiciais em outras pessoas ou mesmo no ambiente que possa resultar de uma

advocacia que se centre exclusivamente nas aspirações da pessoa que se pretende

“advogar” sem procurar zelar que tais aspirações não colidam com aspirações de outras

pessoas, igualmente, legitimas.

Segundo Canda a advocacia pode-se tornar mesmo perigosa se não tiver em linha de

consideração a Justiça. Afirma, recorrendo a uma expressão cristã, é um pecado por

omissão não prestar atenção ou auxiliar o próximo, acabando, também, por prejudicar.

Outro perigo é o de identificar algumas pessoas ou situações como inimigas e a combater.

Este modo de intervir levado ao extremo corresponde a uma abordagem militar. Há um

sentimento jubiloso quando se obtém uma vitória sobre os opositores.

Com tal mentalidade, os outros acabam por ser entendidos, apenas, como inimigos,

desvalorizando-os ou retirando-lhes importância. Ironicamente, ao procurar nesse esforço

de vitória que outros saiam derrotados ou diminuídos a favor das pessoas ou comunidades

que se pretende ajudar, o profissional de trabalho social torna-se, igualmente, opositor.

Ao desprezar o opositor pelas suas ações indignas e prejuízos que provocam na pessoa

que se procura cuidar, causando prejuízo e danos no opositor, o profissional torna-se num

inimigo do opositor. Esta abordagem não apela a qualquer possibilidade de reconciliação

ou de benefícios mútuos. Como afirma Canda deve-se fazer aos outros o que queremos

que os outros façam a nós ou como Jesus disse “devemos amar os nossos inimigos”.

Confúcio afirma que não devemos fazer aos outros o que não queremos que nos façam a

nós. Todas as tradições espirituais salientam as mais elevadas aspirações em termos do

amor e de compaixão. Se o profissional em trabalho social adotar isso de modo sério

estará a apelar a uma sensibilidade espiritual na sua prática. Torna-se, por isso, útil

complementar à advocacia a reciprocidade. Na reciprocidade procura-se crescimento e

benefícios mútuos, procurando soluções criativas.

Importa, para o efeito, respeitar todas as partes envolvidas, mesmo quando não se está de

todo em acordo com elas ou, mesmo, em conflito. Quando um conflito parece irresolúvel,

importa estar de uma forma humana, desculpar quando necessário e continuar em frente.

Mohandas Gandhi e Luther King constituem grandes exemplos de luta por colocar ideais

em ação. McLaughlin e Davidson (1994), citados por Canda (Canda, 20…:), delinearam

uma estratégia para a mediação de conflitos que denominaram triunfar/triunfar (princípio do

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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benefício mútuo) não para vencer um adversário, mas procurar benefícios mútuos para

ambos os lados que se encontram em desacordo e ou em conflito. Na estratégia para a

mediação de conflitos triunfar/triunfar são elencados um conjunto de princípios e etapas em

termos da prática que passamos a elencar:

1. Trazer todas as partes para um diálogo baseado no respeito mútuo e boa vontade para

compreender cada um dos lados envolvidos;

2. Não reduzir pessoas a problemas ou inimigas – procurar antes conhecer cada pessoa;

3. Identificar a posição de todas as partes e os mais importantes princípios e aspirações

subjacentes em cada uma daquelas;

4. Identificar o que cada parte sente no que respeita ao sucesso do seu ponto de vista;

5. Identificar os interesses em comum e os diferentes padrões de sucesso;

6. Discutir livremente para encontrar soluções alternativas em que todas as partes se

sintam que tiram benefícios para si, em função das suas várias aspirações e padrões;

7. Selecionar soluções aceitáveis para todas as partes;

8. Desenvolver um plano de ação e papéis, envolvendo cooperação em equipa através de

uma representação de todas as partes;

9. Seguir a implementação do plano, avaliar o sucesso em termos dos interesses em

comum e diferentes padrões;

10. Examinar os impactos a longo prazo da colaboração em termos da necessária mudança

e da atividade revista.

ETAPA 4. SERVIÇO DE AVALIAÇÃO (AVALIAR E TRANSFORMAR)

Uma avaliação com inspiração espiritual corresponde a um processo contínuo de

discernimento, implicando, ao mesmo tempo, uma abertura profissional e da pessoa ao

cuidado para o reconhecimento dos impactos da relação de ajuda. Segundo Canda não se

trata de um processo tipo egocêntrico de reflexão. Afirma Canda que a avaliação de

inspiração espiritual preocupa-se com os resultados da ajuda, mas não se encontra

amarrado de forma egoísta a ela. A avaliação não tem como o propósito garantir que as

pessoas ao cuidado se conformem com as aspirações dos profissionais de trabalho social

ou metas institucionais. Tem como propósito ajudar a pessoa a estar alerta e a ser

encorajada a prosseguir na sua caminhada demonstrando os benefícios da mudança,

evitando os erros de estratégias de ajuda que não são efetivas. O lado convencional da

avaliação é a monitorização. Na monitorização procura-se assegurar que os objetivos

delineados estão a ser cumpridos pela pessoa ao cuidado, tendo em atenção alertar

sempre que ocorrem desvios por comprometerem a meta definida. Poder-se-á ajustar o

plano em face de mudanças ocorridas, tendo em vista que a intervenção seja mais efetiva.

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Rui Pedro Ventura 60

Na opinião de Canda a monitorização pode recorrer ao diálogo clínico, aos contactos de

ajuda, a instrumentos psicológicos de medida, a indagação subjetiva e individual e a

inquéritos de satisfação. Tudo isso é útil, mas não o suficiente.

É importante zelar que o crescimento da pessoa ao cuidado seja genuíno e não algo de

artificial e imposto. Torna-se necessário que esse plano ou projeto de vida seja assumido

como seu. Por isso, entende que a monitorização precisa de ser complementada com um

processo que vise a transformação da pessoa ao cuidado e do seu sistema, bem como da

própria relação de ajuda.

Há uma reflexão e um benefício mútuo nessa “parceria” de ajuda, na medida em que

ambos, profissional de trabalho social e a pessoa ao cudado, se mudam um ao outro. Tal

pressupõe que o profissional em trabalho social e a organização onde desenvolve a sua

atividade estejam abertos para uma transformação a começar por ambos, das metas, das

estratégias, das tecnologias, dos papéis, das políticas, baseando-se numa aprendizagem

com as pessoas e comunidades onde se inserem.

O resultado é ineficaz quando não se procura tal reciprocidade numa avaliação. Para levar

a cabo uma avaliação desta natureza importa implicar as pessoas ao cuidado, o staff e

administração, observando diretamente a performance organizacional. O brainstorming e

os exercícios de consciencialização são importantes recursos neste tipo de avaliações.

Num processo de monitorização os processos de inovação correm o risco de ficarem de

fora. As transformações genuínas implicam discussões longas acerca de dificuldades como

a do racismo, do preconceito ou da discriminação no local de trabalho, por exemplo.

Poder-se-á apelar à (re)qualificação da equipa de intervenção para trabalhar em contexto

amplo em número e diversidade de pessoas, aberta à diversidade espiritual e

multiculturalidade.

Poder-se-á apelar para uma reapreciação dos fundamentos ou das políticas que

estruturam a práticas, mas só uma via participativa poderá fazer emergir novas iniciativas

empreendedoras que mudam as organizações e os modelos quotidianos de prestações de

cuidados.

Poderá não ser fácil optar por tal transformação, especialmente, se a organização se

encontra numa situação forçada de sobrevivência e num esforço em face de cortes de

financiamento ou de outras crises organizacionais.

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Rui Pedro Ventura 61

Contudo, entende-se que sem uma autotransformação, a avaliação dificilmente poderá ser

autêntica e frutífera.

Uma avaliação que não seja autêntica poderá criar a ilusão de mudança, servindo apenas

para manter um sistema de ajuda mais dedicada aos benefícios da Instituição do que das

pessoas que estão a seu cuidado.

Há benefícios em apelar a uma abordagem holística na avaliação. Uma avaliação holística

remete para modos de inquirir e métodos de pesquisa que se inspira em muitos modos de

conhecimento e diferentes abordagens espirituais.

Estas reconhecem diversos modos de conhecimento que apelam às capacidades humanas

de pensar, perceber, sentir e intuir.

FIGURA 10. MODOS SINERGÉTICOS DE CONHECIMENTO

Uma compreensão holística requer o envolvimento (sinergia) de diferentes formas e

métodos de conhecer. A pesquisa científica convencional inspirou-se durante muito tempo

na filosofia tradicional e positiva.

O positivismo advoga que um conhecimento autêntico deverá ser baseado numa análise

lógica em substituição da experiência sensorial subjetiva. Os métodos de pesquisa

associados ao positivismo reportam-se à experimentação controlada, inquéritos

quantitativos, observações sem envolvimento e altamente estruturadas e análises

estatísticas, procurando romper com ideias preconcebidas, pressuposições sem serem

testadas e pensamentos pouco cuidados.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 62

Porém, há no entender de Canda uma lacuna na pesquisa positivista. Ela não utiliza todos

os meios de conhecimento, apresentando um modo simplificado, redutor de compreensão

do mundo.

A pesquisa holística ou de inspiração espiritual abrange todo o círculo de modos de

conhecer e direciona-se para resultados de ajuda. Dependendo do problema e aspetos da

espiritualidade estudados, a pesquisa experimental ou estatística podem ser úteis, como,

também, são as de estudos de caso, narrativas-biográficas, pesquisas de campo,

etnografias, estudos históricos e hermenêuticos, pesquisa fenomenológica, outras análises

qualitativas e metodologias que fazem apelo a uma psicologia transpessoal como nos

métodos meditativos.

Mesmo que um profissional em trabalho social não faça pesquisa dita convencional, a

avaliação levada a cabo na sua prática envolve uma espécie de questões sistemáticas, a

coleta de dados e a sua interpretação é semelhante àquela. A avaliação com inspiração

espiritual deverá, por isso, dar ênfase ao envolvimento ativo das pessoas ao cuidado e de

outros participantes, importantes a ter em conta no desenho de pesquisa. O processo e

resultados de pesquisa deverão beneficiar diretamente as pessoas ao cuidado e

indiretamente outras com situações similares, podendo, por isso, ser denominada de

empowerment ou de ação participativa.

Coloca-se, porém, a questão de como podemos pesquisar o transpessoal sem violar ou

distorcer a nossa matéria subjetiva.

ETAPA 5: SISTEMA DE INTEGRAÇÃO (GERIR E SABER)

Todas as etapas do processo de ajuda devem ser integradas. O “integrar” aparece no

centro do modelo holístico, tendo em vista simbolizar que ele atravessa e conecta-se com

todos as etapas da atividade em trabalho social. A gestão surge nesta etapa como o lado

funcional, alocando meios de suporte aos profissionais para usar em benefício das pessoas

que se encontram ao cuidado visando a promoção do bem-estar.

Num modelo de administração burocrático as funções administrativas encontram-se

localizadas no topo da pirâmide da estrutura organizacional. No topo da hierarquia detém-

se poder na definição da política, na tomada de decisão, na governação e em influenciar o

comportamento do staff, bem como no modo como os recursos são distribuídos.

O administrador executivo, normalmente, detém a autoridade de controlo de todas as

operações da organização, coordenando e integrando as atividades. Caso exista um input

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direto do staff ou das pessoas ao cuidado da instituição, o administrador executivo tem o

poder e autoridade para decidir o que fazer com esse input. O modelo de gestão

burocrática encontra-se desenhado para maximizar eficiência através da determinação

racional das metas e objetivos. O comportamento do staff é controlado para estar em

conformidade com o bom êxito das metas.

O perigo deste modelo é de tornar a organização inflexível com desvantagens para

administradores, staff de serviços diretos e as pessoas destinatárias da intervenção, uma

vez que não dá ênfase às relações interpessoais entre staff, pessoas destinatárias da

intervenção, a comunidade e o ambiente.

Não tem, igualmente, em linha de consideração o crescimento humano e a satisfação de

necessidades dos seus membros. Negligencia a criatividade a favor da conformidade.

Quando os gestores reconhecerem que a produtividade e a satisfação espiritual são

complementares, então a administração com inspiração espiritual passa a ser uma

possibilidade. A prática com inspiração espiritual apela a ou traduz uma cultura

organizacional e numa estrutura que estimula e suporta a criatividade, a flexibilidade, o

respeito pela pessoa, o input de todos os stakeholders nas decisões, o desenvolvimento

das necessidades humanas e o bem-estar, o cuidado com o ambiente natural, integrando

todos estes aspetos na prossecução das metas organizacionais.

Quando nenhum destes aspetos são considerados perde-se tempo e energia, limitando ou

iludindo os profissionais com políticas e práticas de gestão desumanizadas e angustiantes.

Ora, os gestores encontram-se em posições chaves para inspirarem e darem suporte para

um modelo holístico e uma cultura organizacional com inspiração espiritual. Contudo,

importa complementarem às abordagens tradicionais de gestão a sabedoria e a sensatez.

Tal como Imbrogno e Canda (1988), citado por Canda (Canda, …:), explicam:

A posição central de um gestor executivo implica não só a responsabilidade pela

integração da atividade, como também a performance dos profissionais em todas as fases

da atividade, num constante processo criativo que favoreça o desenvolvimento

organizacional e do ambiente envolvente.

A função do gestor deverá ser nesta ótica o de “servir”, promovendo o bem-estar e o

empowerment de profissionais e das pessoas ao cuidado, apelando, para o efeito, a

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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qualidades espirituais de sentido e de propósito, de prioridades significativas aliados ideais

elevados numa conectividade e integração da vida profissional com a vida pessoal.

Bons gestores, afirma Canda, escutam bem o seu staff, vendo nos profissionais seus

colaboradores mais do que subordinados. Encorajam a participação na tomada de decisão

dos colaboradores e de outros stakeholders internos ou externos à organização.

Estimulam a comunicação e a cooperação, delegam, apelam à criatividade, mantêm uma

carga de trabalho viável, proporcionam flexibilidade em termos de tempo e a oportunidade

para o profissional fazer a gestão do seu stress, facilitam a autoestima dos profissionais e

providenciam uma avaliação baseada nos potenciais tendo por base um feedback, buscam

sabedoria e conhecimento, implementam a espiritualidade através de políticas e práticas

inclusivas e zelam para que a missão organizacional, objetivos e comportamentos

quotidianos sejam congruentes.

As organizações que têm estas qualidades tendem a experienciar grandes proveitos,

reduzindo o turnover dos trabalhadores, baixando o absentismo e a aumentam

consideravelmente a satisfação no trabalho.

A pretensão para uma prática de gestão humana é ampla e não deixa de estar assente em

evidências. Por isso, uma abordagem com uma inspiração espiritual na gestão tem-se

tornado mais popular no mundo empresarial, desafiando o estilo de autoridade burocrática

tradicional que teve lugar nos meios onde se visava apenas o lucro ou a produtividade

material mais do que o bem-estar dos colaboradores, das pessoas destinatárias da

intervenção e do ambiente natural.

Organizações que defendam o bem-estar dos stakholders tendem a ter mais sucesso. Os

gestores podem contribuir para a inovação fazendo apelo a uma sensibilidade espiritual na

gestão dando ênfase a aspetos transpessoais da vida organizacional.

Embora o mundo empresarial, nalguns setores, já vem reconhecendo a vantagem da

espiritualidade na gestão, não deixa de ser curioso que o trabalho social tenha prestado

pouca atenção sobre isso.

Segundo Canda bastará que os profissionais em trabalho social respeitem de forma

consistente os valores éticos da profissão para se tornarem ativos num movimento que

apela à espiritualidade na gestão.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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CAPITULO IV – PROPOSTA DE UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

4.1. AVALIAR E TRANSFORMAR A ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO SOCIAL PARA UMA VIA

HOLÍSTICA

A espiritualidade procura ter em vista desenvolver ou transformar organizações de trabalho

social para torná-las menos estigmatizantes, proporcionando crescimento e

desenvolvimento não só da pessoa que se encontra ao cuidado como dos especialistas do

trabalho social e de toda a equipa, pois se considera que organizações mais participativas

e com ambientes mais positivos são fundamentais na promoção do desenvolvimento e e do

bem-estar. Compreende-se, por isso, o quanto importa a participação e envolvimento da

equipa de trabalho social em torno do sistema concreto de intervenção social, sendo

necessário para o efeito o igual reconhecimento, a valorização e o estímulo dos potenciais

de bem-estar da pessoa a quem a intervenção se dirige. Importa, por isso, criar as

condições para que os especialistas de trabalho social sejam capazes de estabelecer uma

relação de empatia com a pessoa que se encontra ao cuidado implicando-a ao mesmo

tempo no processo que é seu e que visa o seu próprio crescimento pessoal, procurando

não cair numa prática rotinizada e instrumentalizada. Compreende-se que uma intervenção

social para que seja adequada e efetiva tem que necessariamente olhar a pessoa a quem

a intervenção é dirigida no seu todo, desprovida de um rótulo qualquer atribuído numa

lógica tecno-burocrática. O trabalho social que se pretende holístico deve assentar numa

lógica de desenvolvimento dos potenciais da pessoa para que ela própria encontre em si

meios de transmutar algo que para si constitua um obstáculo ao seu crescimento pessoal.

Facilitar o desenvolvimento de tais potenciais de bem-estar pessoal junto de quem se

encontra numa situação de carência psíquica-sócio-bio-espiritual para que consiga

enfrentar as adversidades e olhá-las como oportunidades para sair de crises várias

constitui algo de muito desafiante para o especialista que procura igualmente a sua a

autorrealização numa relação de ajuda. Tal implica igualmente que o especialista de

trabalho social tenha iniciado o seu próprio processo de individuação, sob pena de se ver a

si próprio no lugar da pessoa que procura ajuda, em face de problemas que lhe são

comuns. Esta projeção está longe de ser uma relação de empatia, uma vez que já não é

outro que procuro escutar. A meditação pode ajudar neste processo. Antes de estabelecer

a relação de ajuda, o especialista de trabalho social deve procurar “sossegar a mente” no

intuito de estar vigilante a todos os sinais que o outro procura transmitir, incluindo os sinais

não-verbais. O especialista de trabalho social deve, por isso, apurar todos os sentidos e

captar todo e qualquer sinal de potencial de crescimento no outro. Neste sentido, entende-

se a razão pela qual o trabalho social com sentido de espiritualidade se consubstancia,

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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muitas das vezes, na remoção de obstáculos que condicionam a pessoa via à sua

realização, facilitando o encontro consigo e dos seus próprios recursos para encontrar as

respostas para a saída de uma crise. Um “olhar” sobre outras teorias oriundas de uma

psicologia da consciência (ou transpessoal) e a saberes baseados em tradições espirituais,

poderá revela-se útil como via para uma visão holística não só das pessoas para quem a

intervenção social é dirigida, como, também, dos próprios especialistas de trabalho social e

da atividade por si exercidas. O sentido de transcendência manifesta-se através da

autorrealização da pessoa no trabalho social com implicações positivas nas pessoas seu

cuidado como nos próprios especialistas de trabalho social e, como consequência, na

própria organização onde o trabalho social se desenrola. Poder-se-á, assim, perspetivar

um trabalho social oposto ao de um modelo estandardizado em temos de práticas e

homogeneizador do modo como concebe as pessoas ao cuidado. Um trabalho social com

orientação espiritual advoga uma intervenção centrada na pessoa, concebida como um

todo, mais personalizada em termos das práticas e das repostas, com uma componente de

transformação integral e terapêutica na medida em que da intervenção resultará no

crescimento do potencial da pessoa e num alcançar de um estado de bem-estar. A prática

do trabalho social nesse sentido produz mudanças terapêuticas, o que significa melhorar a

situação da pessoa e do sistema social onde se encontra. Do ponto de vista da inspiração

espiritual na prática do trabalho social, reconhecemos que cada melhoria significa um

movimento espiritual emergente no processo da vida, mas ele será tanto ou mais efetivo se

se encontrarem reunidas as condições ideais para que o especialista em trabalho social

possa ajudar a pessoa ao cuidado nessa transformação terapêutica de que Edward Canda

nos fala. Numa abordagem de inspiração espiritual a missão e as metas de uma

organização de trabalho social devem ser traçadas, tendo em vista o bem-estar e a justiça

social. A economia, a eficiência e a eficácia devem ter em vista a sustentabilidade da

atividade. As políticas não devem excluir a autorrealização dos colaboradores e das

pessoas ao cuidado ou da comunidade no sentido mais lato. A inovação deverá ser uma

responsabilidade partilhada pela equipa de especialistas de trabalho social, com

envolvimento das pessoas ao cuidado e de outros stakholders. Os gestores encontram-se

numa posição especial para estarem atentos a todas as facetas da organização, devendo,

por isso, serem os facilitadores junto dos colaboradores no processo de inovação. Neste

sentido, recomenda-se a realização de reuniões periódicas, abrindo a possibilidade de

discussão acerca das políticas delineadas, das boas práticas e da inspiração espiritual na

cultura da organização. Todos os colaboradores, a todos os níveis (i.é., gestão,

profissionais de serviços diretos e de suporte), pessoas destinatárias da intervenção ou

seus representantes, membros representantes da comunidade e todos os outros

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 67

stakholders podem completar a avaliação de uma maneira anónima e confidencial

recolhendo informação e sugestões para inspirar nas recomendações ao nível das boas

práticas com sensibilidade espiritual. As organizações são, por vezes, levadas a este tipo

de autorreflexão em especial em momentos de crises. Mesmo depois de refletir sobre o

passado, as crises podem afetar a organização, uma outra vez. Importa, por isso, trabalhar

de forma a retirar das crises ensinamentos e coloca-los em prática para uma via de

transformação positiva. As organizações devem começar por metas pequenas e

realizáveis, numa construção sensível de modo a respeitar os aspetos vantajosos da

espiritualidade. As organizações devem, em termos das metas a que se propõe, integrar a

espiritualidade do mesmo modo que o faz para com qualquer outra meta. Para o feito

recomenda-se que sejam identificados estes potenciais, bem como as práticas que devem

ser abandonadas ou corrigidas. A orientação espiritual nas organizações tem em conta

benefícios mútuos para todos os stakeholders, com implicações de longo alcance para

futuras gerações. Em suma, num diagnóstico da espiritualidade organizacional devemos ter

em consideração um conjunto de recomendações:

ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO

Os objetivos estratégicos e as metas devem estar ajustados à missão e matriz

espiritual

A missão deve refletir os valores e ações prioritárias, no contexto de uma visão de

paz, bem-estar e de justiça.

Caso a organização possua uma filiação religiosa, a missão deve refletir as crenças

e valores da sua religião em particular.

Caso não tenha uma filiação religiosa, e prefere uma abordagem geral e inclusiva, a

missão deve expressar o compromisso espiritual de uma maneira inspiradora sem

usar uma linguagem religiosa

A missão deve orientar para o respeito pela diversidade espiritual e cultural dos

clientes e sua comunidade

A missão de inspiração espiritual deve encontrar-se refletida nas metas, objetivos e

comportamentos organizacionais específicos, incluindo políticas e desenho de

programas.

ESCALA ORGANIZACIONAL

O tamanho e a complexidade da organização devem possibilitar a todas as pessoas

e profissionais que se possam familiarizar

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 68

Caso a organização possua uma escala de grande dimensão (serviços estatais, as

áreas dos gabinetes e departamentos), esta deve procurar desenvolver os meios

necessários para que a comunicação flua facilmente entre gabinetes e

departamentos.

FLEXIBILIDADE FUNCIONAL E INTEGRAÇÃO

Os elementos das equipas de trabalho social devem estar preparados para

cooperarem entre si e assegurarem tarefas mesmo que estas habitualmente sejam

prosseguidas por outros elementos

Existe uma responsabilidade partilhada em todos os níveis da gestão para com as

metas organizacionais

A organização cria condições para uma trans/especialização - cross-training -,

partilha de profissão – job-sharing -, interdisciplinaridade, organização participativa

entre colaboradores/ administradores

NORMAS FLEXÍVEIS

Políticas, procedimentos, normas e papéis devem ser claros e flexíveis

Políticas, procedimentos, normas e papéis devem existir para servir as pessoas; e

não o inverso, as pessoas não existem para as servir.

Equipas, clientes e outros representantes stakholders devem encontrar-se

implicados no acompanhamento contínuo e revisão de todas as normas.

As normas devem ser facilmente adaptáveis pelo Staff e ajustarem-se às

circunstâncias insólitas em que os clientes se encontram.

Os procedimentos constantes de manuais, seu recurso e sua revisão periódica,

devem ter em consideração o enfoque no cliente, tendo em atenção os seus

potenciais, prevendo uma intervenção adequada e efetiva e perspetivando sempre

uma avaliação de impactos.

AMBIENTES DE TRABALHO ASCÉTICOS

O ambiente físico de trabalho deve ser desenhado de modo a promover saúde e

bem-estar, tendo contado com o staff e os clientes através de consultas para

avaliarem e desenharem o ambiente de trabalho.

O ambiente deve deixar em aberto de forma subtil as suas raízes culturais ou bases

espirituais tendo em atenção para que clientes e trabalhadores não se sintam

nenhum deles excluídos pelas suas orientações espirituais.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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TECNOLOGIA SOCIÁVEL

As tecnologias e sistemas de gestão da informação devem ser simples e operativas

para as equipas

Os colaboradores devem ter formação para o uso de tecnologia, acesso a locais e

equipamentos de trabalho ergonómicos e tecnologia de informação on-line.

ESTÁDIO DE PREPARAÇÃO PARA UMA PRÁTICA COM INSPIRAÇÃO ESPIRITUAL

As políticas, os programas e atividades devem atender às necessidades e metas

espirituais dos clientes, em qualquer situação e em atenção à cultura no contexto

das perspetivas religiosas ou não religiosas e sistemas de suporte comunitários.

A organização deve criar as condições para implementar serviços de

espiritualidade, promover a formação, a supervisão e avaliação de uma prática de

trabalho social com espiritualidade.

As questões e dilemas éticos devem ser sistematicamente e explicitamente

avaliados.

SENTIDO E PROPÓSITO DAS INTERCONEXÕES

O sentido e o propósito do trabalho social (a compaixão) deve ser partilhado por

toda a equipa.

A contratação e a afetação de colaboradores devem ter em conta especiais talentos

e aspirações e consideram a relação entre as perspetivas culturais e espirituais dos

clientes e as competências dos trabalhadores (por exemplo, se existem muitos

clientes muçulmanos da comunidade numa área do serviço, a agência deverá

incluir trabalhadores que são respeitados por membros da comunidade muçulmana

ou que tenham treino e que estejam confortavelmente à vontade para trabalhar com

clientes muçulmanos e em cooperar com o sistema de suporte comunitário

muçulmano)

LIDERES COM RECONHECIDO MÉRITO

Os lugares de chefia devem ser preenchidos por pessoa que acolhe o respeito da

equipa, devendo a mesma ser envolvida na seleção dos seus líderes.

Qualquer elemento da equipa pode aceder a posições de chefia desde que reúna

capacidades de liderança

Liderança informal, baseada nas qualidades de inovação, cooperação e

capacidades de comunicação, deve ser reconhecida e recompensada oficialmente.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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Os líderes devem ter boa capacidade de comunicação e habilidade em escutar,

inspirar colegas e encorajar a sua autoestima.

PARTICIPAÇÃO NA TOMADA DE DECISÃO

Todas as pessoas afetas às equipas, clientes e membros da comunidade devem

ser serem implicadas direta ou indiretamente nos processos de tomada de decisão

(exemplos disso são atividades de brainstorming, caixas de sugestões anónimas,

sugestões e críticas para beneficiar a qualidade da prestação, sondagens, inclusão

em possíveis inovações de representantes de todos os níveis das equipas, clientes

e comunidade em grupos consultivos e de planeamento)

As reuniões para tomada de decisão devem ser conduzidas numa atmosfera de

confiança, encorajamento para assumir o risco e disposição para trabalhar através

de tensão e discordância (momentos de meditação e reflexão calma podem facilitar

uma interação consciente e respeitosa).

GRUPO DE INOVAÇÃO EM DIVERSIDADE ESPIRITUAL

Deve existir uma comissão para o planeamento, implementação e

acompanhamento de inovação de diversidade espiritual (este grupo deverá

encorajar e monitorizar o acompanhamento de um processo de inovação espiritual

da totalidade organizacional

COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL

Todas as pessoas, quer de pequenos quer de grandes departamentos, devem

poder comunicar uns com os outros diretamente e pessoalmente com uma base

regular.

Caso sejam usados modos de comunicação como memos ou emails, deve ser

reforçada a comunicação pessoal em seu lugar.

Na comunicação dever ser dada ênfase ao respeito, afirmação, honestidade, ao

gosto, disposição para trabalhar através das divergências

SATISFAÇÃO DE ASPIRAÇÕES PESSOAIS

Aspirações de crescimento pessoal das equipas devem ser averiguadas de modo a

que os programas possam ser desenhados no sentido de as considerar.

Colaboradores devem ser vistas como pessoas pelo que importa criar condições

para que a vida pessoal se possa conciliar com o trabalho.

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Padrões de stress, burnout, absentismo, turnover devem ser localizados no sentido

de desenvolver respostas preventivas e ativas (exemplos são atividades de suporte

criativo e de mudança de tarefas de trabalho que promovam o desenvolvimento

profissional, tempo flexível, um dia para prestação de cuidados às crianças,

atividades para a gestão do stress, subsídios para a educação contínua, garantia

médica que cubra cuidados holísticos incluindo os preventivos e locais e tempos

para uma reflexão calma e concentrada)

CLIMA ENTRE COLEGAS

Todos os colaboradores em diferentes níveis e especializações devem relacionar-

se uns com os outros de maneira cooperante e respeitosa.

A equipa deverá apreciar cada um dos elementos no valor do seu papel em

particular e do seu talento que contribui cada um para o bem da organização.

As relações não se devem basear numa hierarquia rígida, coerciva, autoritária ou

de competição destrutiva que desdém.

Deverá ser incentivado a compatibilidade entre ambiente social e cultural

O ambiente comunitário deverá realçar e melhorar todos os aspetos da atividade

organizacional.

RELAÇÃO ENTRE AMBIENTE SOCIAL E CULTURAL

O ambiente das organizações de trabalho social deverá ser apreendido em todos os

seus aspetos. Líderes de comunidade profissional e grass-roots devem ser

envolvidos no desenho e avaliação de programas.

Interagência e networks em comunidade e equipas devem ser constituídas através

de compromissos, task forces, compromissos informais de cooperação.

Lideres religiosos e não religiosos espirituais, cuidadores devem ser incluídos em

serviço de cooperação, com relevância para os clientes.

Empowerment e princípios de justiça relevantes para a comunidade devem ser

demonstrados claramente nos objetivos de trabalho e nos comportamentos.

RELAÇÃO COM O AMBIENTE NATURAL

O ambiente natural deverá ser apreendido em todos os seus aspetos.

Os impactos prejudiciais devem ser identificados, eliminados ou minimizados.

Deve ser evidente dentro da organização a inspiração e os estímulos para as

conexões entre humanos/natureza

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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Espaços inspiradores de beleza natural devem ser incluídos em programas para

equipas e clientes (exemplos são veículos de energia eficiente e iluminação,

automóveis comuns e programas de reciclagem, uso de materiais biodegradáveis

de limpeza, locais seguros para o deposito de materiais tóxicos, construção de

jardins orgânicos na vizinhança, cuidando da paisagem em torno da organização

com métodos orgânicos, colocação interior de plantas e aquários, janelas abertas

com vista e áreas para passeios na localização das organizações de trabalho

social, terapias com animais ou na floresta e organização de visitas a parques

naturais para clientes e trabalhadores)

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4.1.1. “OLHAR” PARA A ESPIRITUALIDADE NA ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO SOCIAL

Após a delimitação da fronteira a diagnosticar, e partindo do conjunto de referências supra

mencionados, revela-se necessário planear a ação de diagnóstico, passando por proceder

a um exame prévio, em todo semelhante a uma pesquisa de terreno, com base em

contactos com as entidades envolvidas (chefias e profissionais), entrevistas e recolha e

análise documental, que permita uma descrição preliminar da(s) estrutura(s), da posição

dos intervenientes na(s) estrutura(s), definição hierárquica e responsabilidades na

intervenção social, bem como de outras informações, igualmente relevantes (ambiente

social) e que serão captadas por meio de uma observação participante. Considera-se

fundamental, que tal ação se inicie pelas chefias, através de uma reunião, onde se explicite

objetivos ou resultados que se pretendem alcançar com a ação e metodologias de trabalho,

entre outras informações consideradas pertinentes (espaços a reservar para o

desenvolvimento dos trabalhos, calendarização das ações, interlocutores privilegiados,

etc.). Afim de não perder de vista as linhas que deve orientar uma avaliação da

espiritualidade na organização, a cheklist revela-se uma ferramenta útil, uma vez que

permite não descurar de nenhuma informação que venha a ser considerada pertinente.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 74

FIGURA 11. CHECKLIST PARA A CONCEPÇÃO DE CHECKLIST

Dimensões Princípios a considerar na concepção de uma Checklist

Abordagem na conceção de

uma Checklist

Definir a área a analisar 1

Identificar os utilizadores destinatários das checklists 2

Elaborar questionário de acordo com experiência pessoal 3

Estudar literatura adequada 4

Realizar entrevistas exploratórias com especialistas na área 5

Clarificar critérios a ter em conta na elaboração da Cheklist (pertinência, inteligibilidade, clareza, imparcialidade, fácil utilização, etc.)

6

Elaborar lista de

Checkpoints

Listar e ordenar questões consoante importância 1

Converter questões em Checkpoints a analisar 2

Distinguir cada um dos Chekpoints a analisar 3

Elaborar definição para cada descritivo anterior 4

Classificar, ordenar

Checkpoints

Escrever cada enunciado e definição separadamente 1

Ordenar os descritivos por categorias 2

Identificar as categorias principais e catalogar cada uma delas 3

Definir e identificar as categorias

importantes

Termos e conceitos principais 1

Estabelecer uma relação com base lógica para cada categoria 2

Avisos relevantes a serem cuidadosamente observados em cada Checkpoints 3

Rever Checkpoints para cada categoria a fim de introduzir clareza e parcimónia 4

Redefinir e rever se necessário os Chekpoints 5

Determinar a ordem das categorias

Decidir a ordem de atribuição para os utilizadores 1

Escrever a relação de acordo como ordem de preferência 2

Fazer listagem das categorias que devem ser abordadas 3

Revisão da Cheklist

Preparar uma versão do projecto de Cheklist 1

Envolver os potenciais utilizadores para revisão e crítica do projecto de Cheklist 2

Listar as matérias que precisam de maior atenção em face da lógica anterior 3

Destacar as situações que foram sujeitas a observação 4

Revisão do conteúdo

Examinar e decidir como apresentar e identificar os diferentes pontos 1

Voltar a redigir a Cheklist 2

Delinear e formatar a

Checklist para que seja aplicável

Determinar em conjunto com os utilizadores o valor de importância das categorias consideradas 1

Determinar em conjunto com os utilizadores modos de observação e fontes face aos Checkpoints 2

Determinar em conjunto com os utilizadores quais os resultados satisfatórios a alcançar 3

Determinar em conjunto com os utilizadores procedimentos a adoptar em face à apresentação 4

Definir a forma final da Cheklist tendo em conta o trabalho anterior 5

Avaliação da Cheklist

Obter pareceres de entidades e peritos 1

Envolver os utilizadores conhecedores no teste da Cheklist 2

Avaliar se na generalidade a Cheklist preenche as necessidades de pertinência, compreensão, clareza aplicabilidade no campo que se pretende analisar e se é de fácil utilização

3

Finalizar a Cheklist

Enumerar sistematicamente os resultados dos testes 1

Escrever e finalizar a Cheklist 2

Distribuir a Cheklist

Utilizar a Cheklist 1

Disponibilizar a Cheklist através de diversas formas de divulgação 2

Convidar os utilizadores a providenciarem o seu preenchimento 3

Rever periodicamente

a Checklist

Usar toda a informação disponível recebida por todos os utilizadores e melhorar continuamente a Cheklist

1

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 75

A delimitação das fronteiras, nomeadamente da população, alvo da intervenção social, no

planeamento, afigura-se, por isso, indispensável, uma vez que permite, desde logo,

identificar as diferentes entidades implicadas na intervenção social e iniciar o desenho das

interligações possíveis entre essas diferentes entidades, devendo tais interligações serem

confirmadas, posteriormente, numa análise casuística ancorada a processos individuais

(reconstituição de casos de intervenção), quanto à sua natureza. A título de exemplo e

partindo no nosso caso prático, foi possível a confirmação de todas as entidades que

intervieram em todas as outras fases ao longo do plano (nomeadamente as Unidades de

Trabalho Social destinadas a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável e destinadas a

pessoas com doenças infecto-contagiosas). Assim, caso a avaliação venha, previamente,

eleger uma área de intervenção social e/ou uma população em especial, entende-se que,

no âmbito de um exame prévio, devem ser contactadas as Unidades de Trabalho Social

supostamente implicadas na intervenção social, podendo estas se encontrarem integradas

numa ou em mais Instituições, afigurando-se, por isso, de ajustar a atuação ao tipo de

avaliação (interna ou externa) a realizar. Deste modo, importará, num exame prévio,

considerar os objetivos estratégicos de cada Unidade de Trabalho Social implicada na

concretização da missão (se for esta a única), que em sentido lato se reportará à promoção

do bem-estar. Tomando como exemplo o nosso caso prático, as Trabalho Social foram

duas:

A de apoio a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável cujo objetivo central a

definição e execução de uma estratégia comum de atuação que potencie a

complementaridade, rentabilidade e adequação das respostas às necessidades dos

cidadãos sem residência fixa ou em trânsito na cidade de Lisboa, nas situações de

emergência ou de risco social;

A de apoio a pessoas com doenças infecto-contagiosas cujo objetivo é o da

promoção da qualidade de vida e a integração na comunidade, que se encontram

em situações social, familiar e económica precária;

Refira-se, ainda, que ambas as Unidades contemplam ambas um conjunto de

competências específicas e compreendem diversas medidas e respostas sociais dirigidas a

pessoas em função das necessidades e problemas inerentes (informação esta a ser

considerada, igualmente, na sequência do levantamento e exame prévio da intervenção

social). Entende-se, igualmente, necessário proceder a uma breve caracterização psico-

social das pessoas a abranger e abrangidas pela intervenção social, bem como das

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 76

necessidades e problemas a estas associadas, procurando, ainda, considerar aspetos que

estejam relacionados com os valores e princípios orientadores, que nem sempre se

encontram refletidos em sede de regulamentos, apesar de espelhados nos Códigos de

Ética dos profissionais da intervenção social. Na ausência de referência em

regulamentação interna de princípios éticos orientadores da intervenção, afigura-se

necessário ouvir as chefias e profissionais de modo a apreciar em que medida tais

princípios orientam a intervenção social. Na sequência do levantamento da(s) estrutura(s)

consideradas no âmbito da intervenção social, afigura-se de identificar o posicionamento

de cada interveniente (unidades organizacionais, chefias ou profissionais, respostas

sociais, etc.), na(s) estrutura(s) em causa, numa perspetiva horizontal, ou seja em função

da fase do plano de intervenção (atendimento, diagnóstico, definição do PDI/S, execução,

supervisão, monitorização, etc.) e, numa perspetiva vertical, isto é dos reportes

hierárquicos e da definição das responsabilidades. Neste exame prévio auxiliaria

consideravelmente a existência de um Manual de Boas Práticas devendo o mesmo se

encontrar atualizado, porém na ausência de tal Manual considera-se de adotar um outro

tipo de estratégia. Com efeito, deverá perspetivar-se num exame prévio um levantamento

documental - de organogramas, regulamentos, relatórios de atividade, etc. -e na ausência

de tais fontes entrevistar de preferência chefias, para que no final se esteja em condições

de se proceder a uma caracterização geral das entidades (do ponto de vista da missão,

visão e valores, dos objetivos estratégicos, das pessoas a abranger no âmbito da

intervenção social e medidas e respostas a mobilizar), da(s) estrutura(s) orgânica(s) e de

funcionamento (hierarquias e responsabilidades) dos profissionais afetos às entidades

responsáveis pela intervenção social (no que diz respeito nomeadamente às habilitações

académicas e profissionais, categorias profissionais, conteúdos funcionais e tarefas

atribuídas na intervenção social). Quando procedemos a uma tal análise estamos, todavia,

a dar enfoque apenas aos aspetos objetivo e inter-objetivo da organização (os quadrantes

direitos do modelo AQUAL de Wilber), descurando o subjetivo e o inter-subjetivo

respeitante ao aspeto humano da organização (os quadrantes esquerdos do modelo

AQUAL). Para que a avaliação seja completa e integral ela terá de atender a todos os

quadrantes isto é não só aos aspetos objetivos e inter-objetivos da organização de trabalho

social como aos subjetivos e intersubjetivos mergulhando na dimensão humana da

organização. No que respeita ao trabalho social são duas as estratégias que aqui nos

propomos. Por um lado, a da reconstituição de casos de intervenção social apelando a

uma metodologia integral com enfoque não só a narrativas biográficas orais e documentais

como também à reconstituição fazendo apelo à intuição. Por outro lado, procede-se à

análise e dinâmica das relações humanas nas equipas de trabalho social com recurso à

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 77

sociometria e sociograma de J.L Moreno, com o intuito de mais tarde trabalhar através de

jogos dramáticos a espontaneidade levando a que cada um se possa confrontar com os

seus próprios valores em face dos casos apresentados. Estas são as estratégias aqui

apresentadas como contributos para um modelo de trabalhos social que se pretende

holístico, resgatando nas memórias momentos de tensão e crise, criando posteriormente

condições para a transformação integral das equipas de trabalho social.

4.1.3. RECONSTITUIÇÃO DE CASOS DE INTERVENÇÃO SOCIAL

Após um exame prévio da organização, afigura-se importante reconstituir casos de

intervenção social, recorrendo preferencialmente à análise documental uma vez que a

recolha da evidência (prova) constitui elemento essencial e o testemunho oral coloca

questões de natureza deontológica (no que respeita ao dever de sigilo e de

confidencialidade) a serem acauteladas, sem pretender, no entanto, suprimir outros

métodos que venham a se revelar úteis ao longo da ação (como a observação ou a

entrevista) afim de complementar os elementos recolhidos ou a possibilitar esclarecimentos

sobre questões deixadas em aberto.

4.1.3.1. CASO MARIA

Ao se ter selecionado apenas um processo individual já arquivado, pretendia-se esgotar

todas as possibilidades e aflorar todas as limitações que poderão advir da reconstituição de

um estudo de caso. A Maria foi a pessoa (utente) escolhida para através de uma análise do

seu percurso de aproximadamente três anos num plano de intervenção social, não só o

apreciar do ponto de vista rede social criada, como, também, e sobretudo avaliar a técnica

proposta e utilizada, suas fragilidades e potencialidades. O processo individual de Maria

continha, praticamente, informação documental de todas as fases de um plano de

intervenção social (entre Ficha de Caracterização, Documentos de Identificação, Relatórios

Sociais, Relatórios de Avaliação e Diagnóstico, Registos de Diligências e Ocorrências

(cerca de 52 registos), tendo sido possível proceder á sua observância, com recurso a

cheklists criadas para o efeito, exceção feita naquelas em que não chegaram a efetivar-se

(como no caso da definição do Plano de Desenvolvimento Individual ou da Monitorização).

Maria dirige-se pessoalmente à Unidade de apoio a pessoas sem-abrigo ou com domicílio

instável para pedir ajuda, transportando consigo uma mão cheia de nada para quem vive

na dependência do único apoio de rede social que lhe resta: As Instituições de

Solidariedade Social (Exército de Salvação). Maria era na altura uma mulher de 55 anos,

nascida em Angola mas com nacionalidade portuguesa. Era divorciada (vitima outrora de

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 78

violência doméstica por parte do marido) e tinha um único elo familiar, uma das filhas que

ficava coercivamente com o seu único meio de subsistência (187,50 €), de acordo com a

análise da documentação constante do Processo Individual, desconhecendo-se por falta de

evidência ou existência efetiva de outros laços ou redes sociais que poderiam vir a

constituir um suporte caso o plano de intervenção social assim o considerasse. Dormia

num carro abandonado sempre que a filha exercia sobre si violência para lhe ficar com o

seu parco RSI, tendo passado, posteriormente, por alojamentos temporários de Instituições

de Solidariedade Social, destinadas a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável. Sem

qualificação (tinha apenas o 4.º ano de escolaridade) e, provavelmente, sem aptidão

profissional (não existe informação a este respeito), viveu da mendicidade (arrumava

carros) o que lhe garantia algum dinheiro para a sua dependência de consumo de álcool.

Contraiu HIV é referido não saber como e sofria de problemas de ossos o que lhe

dificultava as suas tarefas de vida diária. A Maria após um Plano de Intervenção Social de,

aproximadamente, 3 anos volta para a rua, na sequência de comportamentos agressivos

que colocam em causa a integridade emocional e física de outras pessoas residentes e dos

profissionais afectos à Unidade que a acolheu, de acordo com registos constantes do seu

Processo Individual, acabando por sucumbir sem os cuidados necessários a quem padece

do HIV. A Maria passa por um Atendimento da Unidade de Trabalho Social de apoio a

pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável onde, desde logo, foram mobilizadas, pelo

Assistente Social F, medidas e respostas para cobrir a suas necessidades mais básicas

(de alimentação, de alojamento, abrangendo, aí, também cuidados de higiene e de

conforto), tendo-se iniciado um processo de regulamentação de documentação tal como

tinha sido pedido pela própria que lhe irá permitir nomeadamente ter acesso a RIS e ao

Centro de Saúde. Perspetivou-se, ainda, na sequência do Atendimento, um

encaminhamento para a Sociedade Anti-Alcoólica, faltando, todavia, evidência de Maria se

ter lá dirigido, se é que alguma vez se dirigiu. De acordo com informações obtidas junto

desta Sociedade (apurado pelo auditor), recomenda-se que a pessoa com dependência

seja acompanhada sempre por alguém mais próximo da sua rede social nuclear, uma vez

se torna necessário, nos primeiros tempos, uma vigilância na toma da medicação. Maria é

encaminhada pelo Assistente Social F, ao fim de 57 dias, para outra Unidade de Trabalho

Social agora de apoio a pessoas seropositivas, onde, entre idas sucessivas ao

Atendimento assegurado por Enfermeiros (o G, o F e o N) permanece nesta fase cerca de

607 dias. O Diagnóstico é efetuado, num só dia, através de uma única visita conjunta entre

o Enfermeiro F e o Assistente Social da Unidade de apoio a pessoas sem-abrigo ou com

domicílio instável e mais tarde já numa fase de mobilização de medidas e respostas sociais

por um Terapeuta Ocupacional, tendo resultado dois Relatórios. Tal como no Atendimento

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 79

também no Diagnóstico, apenas, se escuta Maria, sem ter sido considerado pelos

profissionais outros elementos da sua rede social (nomeadamente, a Filha que mais tarde

vem contactar a Unidade para informar do falecimento da sua Mãe).

Sem evidência de um Plano de Desenvolvimento Individual definido, Maria entra, após

Diagnóstico, de imediato para uma Resposta Social da Apoio Residencial onde lá

permaneceu 140 dias (apoio este pela sua natureza continuado) assegurado por

profissionais da Residência (entre estes, Ajudantes de Lar, Monitor de ATL e Enfermeiro)

dirigida por um Diretor com formação em Trabalho social, tendo mais tarde passado para

um Apartamento Terapeuticamente Assistido, onde veio a permanecer durante 120 dias

(apoio periódico dada a natureza da Resposta) assegurado, também, por diversos

profissionais do CSMM e dirigido por um Diretor com Formação em Terapia Ocupacional.

Ao longo da permanência na primeira Resposta Social o Psicólogo da UBE, juntamente

com os Monitores de ATL, desenvolve atividades (de acordo com os Registos pelo menos

3 vezes) de grupo de Arte-Terapia. Face aos registos encontrados, verifica-se que as

medidas e respostas sociais foram mobilizadas numa perspetiva de atender pontual e

casuisticamente às necessidades e problemas que iam surgindo, mas faltou um Plano que

tivesse permitido à Maria ou a outras pessoas da sua eventual rede social nuclear

participarem, serem escutados e implicados nas medidas e respostas mobilizadas via à

promoção do seu bem-estar pessoal. A observância da fase de Avaliação faz-se, de acordo

com os registos constantes no Processo Individual, na sequência de distúrbios havidos no

Apartamento onde Maria reside na sequência do seu comportamento agressivo que

ameaça a integridade física e emocional de pessoas residentes e profissionais, sem que

tenha previamente existido ao longo do plano de intervenção social, ou pelo menos

evidência, de monitorização ou de supervisão. Maria é compulsivamente colocada fora do

Apartamento (a fechadura é alterada), sem existirem evidências de terem sido mobilizadas

ou, pelo menos, equacionadas outras medidas ou respostas alternativas via à promoção do

seu bem-estar pessoal, acabando por sucumbir do local onde encontrou sempre o seu

Abrigo, quando fora vítima de violência por parte dos seus familiares (a Rua), na sequência

de um plano de intervenção social que pecou, designadamente, pela ausência de

observância de todas as fases de um plano de intervenção social – sendo de destacar a

fase de definição do Plano de Desenvolvimento Individual - e, essencialmente, por uma

coerência parcial, na medida em que desde o Atendimento - em que foi sinalizado o

problema de alcoolismo na Maria - passando pelo Diagnóstico - em que foi reconhecido

potenciais psicológicos via ao seu bem-estar pessoal (a vida possui um sentido) -, não

foram tidos em conta elementos essenciais a serem considerados no plano de intervenção

social, comprometendo, deste modo, a sua adequabilidade e efetividade. O caso de Maria

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 80

permite, por um lado, reconhecer que o plano de intervenção social atendeu às suas

necessidades mais básicas (alimentação, alojamento, cuidados de higiene e conforto,

saúde) tendo sido mobilizadas medidas e respostas logo na fase Atendimento, de forma a

proporcionar de imediato bem-estar e a garantir a efetivação de Direitos Fundamentais (a

pobreza é uma violação de Direitos Humanos). Contudo, entende-se que ao ter sido

descurado fases de um plano de intervenção – como sejam as de definição de um plano de

desenvolvimento individual, monitorização ou mesmo a supervisão – vários aspetos não

foram tidos em linha de consideração registando-se a ausência de uma coerência plena

entre o que foi sinalizado na fase do atendimento (a dependência em álcool) e as medidas

e respostas que vieram a ser mobilizadas posteriormente comprometendo a

adequabilidade necessária à, consequente, efetividade da intervenção. Por outro lado, tudo

indicia que a efetivação do plano de intervenção social terá ficado, igualmente,

comprometido, desde o início do Plano, entre outros aspetos:

Por não se ter esclarecido devidamente a Pessoa a quem se destinou a intervenção

sobre os seus Direitos e Deveres na fase de Atendimento, necessário ao seu

envolvimento (as únicas evidências são documentos assinados pelo próprio a

autorizar o tratamento de dados pessoais);

Por não se ter escutado outras pessoas da sua rede social nuclear na fase de

Diagnóstico;

Por não se ter implicado o suficiente nas medidas e respostas sociais que foram

mobilizadas, em grande medida pela ausência de um Plano de Desenvolvimento

Individual que não se chegou a definir;

Por não se ter escutado ativamente a Pessoa não sequência do seu

descontentamento e não se ter delineado em conjunto um Plano alternativo.

Por isso, se o Plano de Intervenção visou desde o início promover o bem-estar pessoal

através de condições objetivas de existência, pecou por não se ter atendido aos aspetos de

natureza mais psico-social-espiritual que permitisse uma transformação integral.

Retomando a proposta de Edward Canda sobre a transformação terapêutica sobre o

caso Maria torna-se evidente que a intervenção não foi suficiente para alterar “velhos

hábitos” tendo-se ficado por uma resposta de tipo formal. Segundo Canda num trabalho

social prático o especialista acolhe a pessoa numa relação de ajuda num espaço como o

de gabinete ou em sua casa designado para um encontro dedicado à ajuda. Deixam dicas

às pessoas para que se desvinculem de uma situação ordinária de vida da qual se sentem

presas. Indicam a sua intenção de ajudar e como o irão fazer. Recolhem-se dados

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Rui Pedro Ventura 81

importantes sobre a história de vida e identificam-se os problemas e as aspirações. Esta é

a fase da avaliação e da análise, que literalmente significa “desmontar”. Ajuda-se a pessoa

a desconstruir a sua situação e a abrir-se a outras possibilidades. Nesta fase, torna-se

importante criar um laço de confiança e segurança na relação de ajuda com a pessoa que

se encontra afetada, oprimida e desorientada pelo caos, revelando-se indispensável

assegurar respeito por ela. Esta fase de ajuda dá ênfase ao restabelecimento das relações,

procurando-se transmitir, deste modo, um sentido de proteção, compreensão e esperança

no futuro. Faltou o acompanhamento durante o fluxo de mudança. As desordens têm

as suas vantagens e o caos pode ser criativo. A pessoa que sinta o status quo a ruir

poderá deslumbrar uma abertura para a mudança e crescimento. Ao longo do processo de

ajuda, afigura-se necessário que o especialista em trabalho social ajude a pessoa a

encontrar novas oportunidades, a ter outras formas de ver e de pensar, a improvisar

soluções e a recorrer aos seus próprios potenciais e recursos imprescindíveis num

processo de mudança. Para o efeito, importará cortar com velhos padrões. Esta é a fase

em que se abrem muitas oportunidades havendo um forte apelo à criatividade. Quando

uma pessoa está em movimento, ela sente ambiguidade e alguma desconcentração,

contudo tem a possibilidade de se mover de um lugar para outro. Estruturas pessoais e

culturais, hábitos, normas e expectativas encontram-se temporariamente alteradas ou

suspensas. Muitas possibilidades se abrem. As pessoas em conjunto que passam através

deste processo, tendem a formar um sentido de cooperação e suporte mútuo de base

igualitária e comunitária. Esta falta de estrutura, porém, faz apelo a um suporte de proteção

e orientação, que poderá ser assegurado por cuidadores. Este suporte, no caos criativo, é

catalisador no processo de transformação. A complementaridade entre a anti-estrutura e a

estrutura é similar aos conceitos de morfostase (morphostasis) e morfogénese

(morphogenesis) num sistema dinâmico. A morfostase significa “manutenção de forma”. É

o processo de vida do sistema que protege e restaura a integridade de vida do sistema, de

modo a poder sobreviver. A morfogénese significa “gerar forma”. Trata-se do processo que

adapta, muda e cria novos padrões de vida de um sistema, de modo a poder desenvolver e

crescer todo o tempo. A morfostase e morfogénese são complementares e aspetos

necessários no processo dinâmico de manutenção e transformação da vida do sistema. A

morfostase sozinha resulta na estagnação e morfogénese sozinha resulta em caos

destrutivo.

Que fatores humanos organizacionais terão concorrido para este desfecho? Teria sido

possível um resultado diferente com um modelo de trabalho social holístico? Como avaliar

a equipa de trabalho social? Como promover junto da equipa uma transformação com via a

um trabalho social holístico?

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 82

4.1.2. SOCIOMETRIA E SOCIOGRAMA DE EQUIPAS DE INTERVENÇÃO SOCIAL

O recurso à análise de redes, baseado na sociometria e sociograma de Jacob L. Moreno,

afigura-se como um importante instrumento para avaliar estruturas e dinâmicas das

equipas de trabalho social com a finalidade de avaliar dimensões importantes referidas a

propósito da espiritualidade nas organizações de trabalho. De acordo com Marta Valadas

um processo de investigação de redes sociais tem por objetivos (1) reconstituir e

representar a estrutura com o objetivo de simplificar as redes; (2) localizar cada entidade

ou pessoa do sistema social; (3) e proceder à associação entre esse posicionamento e o

respetivo comportamento (Valadas, 2000: 94). Entende-se, neste sentido, que para levar a

cabo uma investigação às redes sociais se torna imprescindível delimitar a fronteira do

estudo (exemplo: uma organização, uma área geográfica, etc.) equacionar as fontes de

informação (documentais ou outras), definir níveis de análise (podendo estes serem de

nível egocêntrico, relacional ou, ainda, estrutural), escolher o tipo de dados (sobre

relações, atributos ou comportamentos) e, por último, o tipo de relação a ser estudada.

Num processo de investigação em redes revela-se necessário a prévia definição do objeto

a analisar o âmbito – podendo estes se reportarem à área da intervenção social, às

pessoas a abranger pela intervenção ou ainda das suas problemáticas sociais: sem-abrigo

ou com domicílio instável, ou famílias, crianças e jovens em risco, pessoas idosas isoladas,

pessoas dependentes de álcool ou de drogas, pessoas desempregadas de longa duração,

pessoas vítimas de violência domestica, pessoas portadoras de deficiências ou com ser 0

positividade, etc.). A definição da área de intervenção social implicará, igualmente,

considerar as entidades implicadas no plano de intervenção social, nomeadamente das

Unidades de Trabalho Social, as Respostas Sociais entre outras - podendo algumas destas

virem a ser identificadas a partir de uma técnica de amostragem como o de snowball

sampling –, determinando, deste modo, a extensão da análise. Entende-se que a

heterogeneidade de necessidades e problemas associados das pessoas abrangidas pela

intervenção implica necessariamente a mobilização de medidas e respostas sociais

diferentes ajustadas a cada situação, pelo que outras entidades, para além daquelas que

se perspetivam analisar, podem vir a ser identificadas após análise casuística aos

processos individuais com recurso à técnica de análise de redes. Após a delimitação da

fronteira a avaliar, revela-se necessário planear a ação, passando por proceder a um

exame prévio, em todo semelhante a uma pesquisa de terreno, com base em contactos

com as entidades envolvidas (chefias e profissionais), entrevistas e recolha e análise

documental, que permita uma descrição preliminar da(s) estrutura(s) a avaliar, da posição

dos intervenientes na(s) estrutura(s), definição hierárquica e responsabilidades na

intervenção social, bem como de outras informações, igualmente relevantes (ambiente

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 83

social) e que serão captadas por meio de uma observação participante. A delimitação das

fronteiras, nomeadamente da população, alvo da intervenção social, no planeamento,

afigura-se, por isso, indispensável, uma vez que permite, desde logo, identificar as

diferentes entidades implicadas na intervenção social e iniciar o desenho das interligações

possíveis entre essas diferentes entidades, devendo tais interligações serem confirmadas,

posteriormente, numa análise casuística ancorada a processos individuais (nível

egocêntrico), quanto à sua natureza. A título de exemplo e partindo no nosso caso prático,

foi possível a confirmação de todas as entidades que intervieram em todas as outras fases

ao longo do plano (nomeadamente as Unidades de Trabalho Social destinadas a pessoas

sem-abrigo ou com domicílio instável e de respostas destinadas a pessoas com doenças

infecto-contagiosas).

4.1.2.1. CASO MARIA

O processo individual de Maria continha uma base de evidência (entre ficha de

caracterização, cópias de documentos de identificação, relatórios sociais, relatórios de

avaliação e diagnóstico, registos de diligências e ocorrências - cerca de 52 registos) que

permitiu identificar o percurso da utente pelas diferentes etapas da intervenção e

profissionais implicados. Tal como se poderá observar na Figura … cada “nós” é

representado por uma figura geométrica: correspondendo o diamante à Maria, o quadrado

à Filha, o círculo aos profissionais e o triângulo às etapas de intervenção.

FIGURA 12. REDE DE INTERVENÇÃO SOCIAL DE MARIA

Fonte: NetDraw 2.097

A partir da análise do grafo, pode-se constatar não existir evidência que tenha sido feita

duas etapas da intervenção, nomeadamente, o plano de desenvolvimento individual e a

monitorização. A observância de todas as etapas constitui um dado de boas práticas.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 84

Importa, ainda, referir que dos elementos constantes do processo não existe evidência que

tenha havido contato por qualquer um dos profissionais ao longo da intervenção com

familiares de Maria. Existe, apenas, um registo de contato da filha com a Diretora de

Unidade na fase de arquivamento do processo, que importa, aqui, realçar. O assistente

social, profissional responsável pelo encaminhamento de Maria para a Direção onde a

intervenção, grosso modo, ocorre, acompanha em praticamente todas as etapas da

intervenção. No que respeita à perícia, um dado que ressalta a propósito da rede de

intervenção é o seu carácter multidisciplinar, podendo-se identificar desde enfermeiros, a

terapeuta ocupacional, a assistente social, psicólogo, intervindo em diferentes etapas da

intervenção. Um outro dado importante reporta-se à consistência da rede de intervenção

medida por indicadores de centralidade, embora os laços considerados tenham sido

identificados, apenas, a partir dos elementos constantes do processo, sem escutar os

profissionais implicados na rede. A rede de intervenção teve uma densidade (density) de

0,4056 valor correspondente ao número de laços existentes entre os laços possíveis 73, o

que evidência que praticamente todos os profissionais tiveram articulados no processo de

intervenção de Maria.

QUADRO 1. DENSIDADE DA REDE DE INTERVENÇÃO

Fonte: Ucinet 6

O grau de intermediações (betweeness) ou caminhos geodésicos é, igualmente, baixo

atendendo que se trata de uma rede de intervenção em que os profissionais têm um

contacto, quase sempre, direto com a pessoa a quem a intervenção social se dirige,

registando-se um nível de intermediações praticamente nulo.

QUADRO 2: GRAU DE INTERMEDIAÇÕES NA REDE DE INTERVENÇÃO

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 85

Fonte: Ucinet 6

As Diretoras foram as que apresentaram maiores valores (71,83%, 18,917% e 9,250%),

explicando-se pelo facto de Maria ser a pessoa a quem a intervenção se dirige e no caso

das Diretoras pelo seu papel hierárquico que as fez relacionarem-se com quase todos os

profissionais que intervieram diretamente junto de Maria durante o processo. Em termos da

capacidade para alcançar todos os nós da rede (closenness) destaca-se, uma vez mais, a

Maria com o valor mais elevado pois ela é ator central da rede, assumindo a filha (como

parte da sua rede intima) o segundo valor mais baixo.

QUADRO 3: GRAU DE PROXIMIDADE NA REDE DE INTERVENÇÃO

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 86

Fonte: Ucinet 6

Não obstante esta primeira abordagem proporcionar importantes elementos para uma

apreciação da rede de intervenção no que respeita, em especial, à observância das fases,

à perícia e à consistência da rede, afigurou-se necessário complementá-la com uma

análise mais aprofundada (com questões diretas aos intervenientes), tendo em

consideração os seguintes fatores:

FIGURA 13. FATORES DE ANÁLISE

FATORES ÍNDICES INDICADORES

Base-Evidência Elementos do processo que constituam base de evidência de todas as fases de intervenção.

Dados que permitam a descrição cronológica e detalhada das fases intervenção e dos intervenientes.

Observância das fases da intervenção

Evidências em termos da efetivação das fases de intervenção.

Dados sobre ações encetadas que permita comprovar a observância das fases de intervenção.

Perícia na rede de intervenção

Profissionais implicados ao longo da intervenção em função das suas competências técnicas

Dados sobre profissionais implicados e ações encetadas nas diferentes fases de intervenção quer na relação direta com a pessoa ao cuidado ou familiares quer entre profissionais implicados no âmbito da intervenção.

Consistência da rede de intervenção

Laços entre profissionais, pessoa ao cuidado e familiares tecidos na intervenção

Medidas de centralidade que permitam aferir sobre as características da rede de intervenção, nomeadamente: densidade; centralidade, intermediação e proximidade entre os diferentes profissionais implicados e entre estes com a pessoa ao cuidado e familiares.

Coerência entre as fases de intervenção

Consonância entre as diversas fases da intervenção Dados que permitam apreciar sobre a coerência entre as diferentes fases nomeadamente sobre o aferido e o proposto, entre o que se contratualiza e se efetiva na prática.

Empoderamento Implicação da pessoa a quem a intervenção se destina

Dados que permitam apreciar sobre o modo como a pessoa a quem a intervenção se destina foi implicado ao longo da intervenção pelos profissionais que intervieram.

Proficiência das respostas

Efetividade das respostas mobilizadas no âmbito da intervenção

Dados que permitam validar se as respostas identificadas foram mobilizadas e se serviram o seu propósito.

A descrição em termos de estrutura e dinâmica da rede de intervenção (sociometria)

revela-se de todo útil para o momento que se seguirá o de transformação integral levado a

cabo mediante jogos dramáticos.

4.1.4. JOGOS DRAMÁTICOS COMO UMA VIA PARTICIPATIVA DE TRANSFORMAÇÃO INTEGRAL

PARA UM TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Depois da avaliação da análise casuística aos processos individuais (a selecionar de

acordo com critérios de amostragem tidos por adequados face aos objetivos que se

pretendem atingir) complementado com a sociometria e o sociograma da equipa de

intervenção, consideram-se estarem reunidas as condições para se tecer as conclusões a

propósito do desempenho das entidades avaliadas do ponto de vista da intervenção social.

Trata-se de um momento fundamental na medida em que se impõe rigor, objetividade,

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 87

isenção da formulação de opiniões. Este é um momento de proceder a uma relação entre

os resultados obtidos na análise aos processos individuais como todos os momentos

anteriores respeitantes ao processo de avaliação, designadamente:

Do planeamento onde se inclui o exame prévio das Entidades.

Da descrição, análise e avaliação do Plano de Intervenção Social; e

Após se ter percorrido o percurso inverso à da ação, afigura-se necessário identificar as

desconexões entre as práticas de intervenção objeto de avaliação com os processos e

procedimentos previstos que foram objeto de levantamento, as relações entre os casos

práticos de insucesso do ponto de vista da intervenção com as eventuais desadequações

organizacionais, mas, também, os casos práticos de sucesso e sua associação com as

boas práticas. Esta relação, entre os momentos da ação respeitantes a uma avaliação

estática (do exame prévio à descrição) com uma avaliação dinâmica identificada na

sociometria ancorada aos casos práticos individuais, permitirá formular recomendações de

melhoria ou, ainda, realçar as potencialidades da intervenção social na perspetiva de um

trabalho social holístico. Uma avaliação com inspiração espiritual corresponde a um

processo contínuo de discernimento, implicando, ao mesmo tempo, uma abertura

profissional e da pessoa ao cuidado para o reconhecimento dos impactos da relação de

ajuda. Segundo Canda não se trata de um processo tipo egocêntrico de reflexão. Afirma

Canda que a avaliação de inspiração espiritual preocupa-se com os resultados da ajuda,

mas não se encontra amarrado de forma egoísta a ela. A avaliação não tem como o

propósito garantir que as pessoas ao cuidado se conformem com as aspirações dos

profissionais de trabalho social ou metas institucionais. Tem como propósito ajudar a

pessoa a estar alerta e a ser encorajada a prosseguir na sua caminhada demonstrando os

benefícios da mudança, evitando os erros de estratégias de ajuda que não são efetivas. O

lado convencional da avaliação é a monitorização. Na monitorização procura-se assegurar

que os objetivos delineados estão a ser cumpridos pela pessoa ao cuidado, tendo em

atenção alertar sempre que ocorrem desvios por comprometerem a meta definida. Poder-

se-á ajustar o plano em face de mudanças ocorridas, tendo em vista que a intervenção seja

mais efetiva. Entendemos, porém, antes do profissional e da equipa de trabalho social

estar preparada para esse processo transformativo da pessoa, família ou comunidade que

acompanha deve antes ou após ela própria refletir sobre si própria, uma vez que ela

própria deverá ser levada a reconstituir os seus modos de atuação, identificar os momentos

de crise e os obstáculos para assim os poder conceber como alavancas de transformação

integral de cada um dos elementos e da equipa em geral. Uma equipa holística é aquele

em que cada um dos elementos consegue transpor cada um dos egos, sentir e funcionar

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 88

como um Todo. Assim, na opinião de Canda, a monitorização pode recorrer ao diálogo

clínico, aos contactos de ajuda, a instrumentos psicológicos de medida, a indagação

subjetiva e individual e a inquéritos de satisfação. Tudo isso é útil, mas não o suficiente. É

importante zelar que o crescimento da pessoa ao cuidado seja genuíno e não algo de

artificial e imposto. Torna-se necessário que esse plano ou projeto de vida seja assumido

como seu. Por isso, entende que a monitorização precisa de ser complementada com um

processo que vise a transformação da pessoa ao cuidado e do seu sistema, bem

como da própria relação de ajuda, que só se consegue, em nossa opinião, com uma

transformação do próprio especialista do trabalho social e da equipa de intervenção.

O processo de transformação o lado não convencional, segundo Canda da avaliação, deve

ser levado a cabo com a implicação de todos os intervenientes na intervenção social num

processo dinâmico e de transformação integral (havendo momentos em que a pessoa ao

cuidado pode ser implicada, ou não).

O modo mais adequado de o fazer, consideramos será através de jogos dramáticos

(axiodrama, teatro espontâneo, teatro playback e teatro de criação) recreando os casos de

intervenção reconstituídos no sentido de trabalhar a espontaneidade, colocando em

confronto ideias pré-concebidas, valores que, por vezes, constituem obstáculos a uma

relação de ajuda genuína e empática. Por isso, uma equipa terá que funcionar como um

todo, e esse todo só se consegue com um trabalho que facilite cada um transpor a sua

fronteira, a sua máscara, a sua persona. Inspirado no psicodrama, no teatro espontâneo,

no teatro playback e teatro de criação propõe-se um pequeno jogo dramático de acordo

com as seguintes etapas:

Momento de aquecimento com os participantes que se deslocam livremente e

descontraidamente pela sala, com ou sem interação

É proposto que cada grupo faça uma pequena encenação dramática inspirando-se

nos casos de intervenção apresentados.

Pede-se a cada elemento que escreva livremente num pequeno papel os casos que

gostariam de representar e formam-se grupos em função dos casos escolhidos;

Estes podem ser escolhidos por aqueles que estiveram implicados na intervenção

ou não (no caso do primeiro teríamos um exemplo de psicodrama em que a

experiência é dramatizada pelo próprio no outro caso é exemplo de teatro de

criação uma representação feita de forma espontânea por outro enquanto que

experienciou assiste)

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 89

Os casos de intervenção vão sendo dramatizados pelo grupo enquanto a história

vai sendo narrado.

Neste jogo dramático cada participante ou quem tem o papel principal (por exemplo

o profissional) pode trazer consigo um “anjo” e um “demónio”, personificado por

outros elementos do grupo através de duas vozes internas do “bem” e do “mal” (de

acordo com a tradição cultural religiosa).

O demónio não tem que ser necessariamente quem advoga, por exemplo, o modelo

de gestão desenhado para maximizar a eficiência através da determinação racional

das metas e objetivos do trabalho social, sem olhar o lado humano, mas uma chefia

ou a sociedade representado por outro interveniente.

O “demónio poderá aqui ter apenas o papel de levar o “profissional” a escolher a via

mais comoda ou aquela que lhe dará maior visibilidade, mérito e reconhecimento

pela chefia ou social mesmo que o seu “anjo” lhe diga que tal via não apela à

espiritualidade no trabalho social, porque não esta a ter em atenção a pessoa ao

cuidado.

No final do jogo dramático espontâneo ou de criação, pretende-se que mediante a

experiência vivencial os participantes tenham-se confrontado com os seus quadros de

valores antigos e/ou novos, mudando algo de forma a poder vir a estar no trabalho (e no

mundo) de um modo diferente do anterior, ou possam fazer uma espécie de catarse de

uma experiência dramática dando lugar a uma transformação integral dramatizando por

exemplo o fato ocorrido ou ainda aquilo que terá sido o sonho do ponto de vista do

desfecho final.

4.2. INVESTIGAÇÃO INTEGRAL APLICADA AO TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

A espiritualidade é tema central no estudo científico das religiões muito particularmente na

sociologia das religiões, como também é tema no estudo em outros campos

nomeadamente das ciências médicas, da física quântica, de uma psicologia da consciência

(ou também denominada de transpessoal), da antropologia, da teologia entre outros. O

tema da espiritualidade é central no estudo das religiões, contudo, espiritualidade não é o

mesmo que religião(ões), podendo ser abordada como essência e/ou aspeto da pessoa

humana distinta dos aspetos social, biológico, psicológico. Por isso, assume especial

interesse igualmente nas práticas profissionais, nomeadamente, do cuidar (da saúde ao

trabalho social), da educação, da gestão entre outras. O relevo sociológico é apenas para

quem faz da sua prática profissional a produção do conhecimento sobre a realidade social,

por isso caso o presente tema aqui proposto possa vir a merecer o interesse para a

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 90

sociologia, então, só poder-se-ia concluir, no final, que serve, também, a sociologia na

medida em que acrescenta algo para à compreensão de fenómenos sociais, mas não será

este o propósito do presente trabalho. Na verdade, o que faz distinguir a sociologia do

trabalho social é essa busca em procurar que a produção do conhecimento se reflita em

termos das suas práticas de intervenção não só porque tem por base determinado

diagnóstico como por ser capaz de projetar modos de fazer, modos de cuidar. O trabalho

social recorre, na verdade, a teorias do comportamento humano onde se incluem

contributos de teóricos da sociologia, mas o trabalho social não é sociologia nem a

sociologia é trabalho social. Importará, por isso, que a investigação se centre quer em

termos dos seus fundamentos teóricos quer das suas práticas em termos das metodologias

de atuação junto das pessoas e grupos sociais a intervir. Não se pretende aqui reduzir o

importante papel que a sociologia poderá ter para o trabalho social, apenas recoloca-lo em

termos do modo em que este poderá ser importante e servir o trabalho social. Neste

sentido, a sociologia é tão importante como o é a psicologia para o trabalho social, pois

ambas proporcionam base de compreensão do comportamento humano, mas no que

respeita à arte de intervir e de cuidar esta tem um contributo especial do trabalho social

desde princípios do século XX com Marie Richmond e a sua obra célebre e de referência

Social Diagnosis (Richmond, 1917). Na verdade, o especialista em trabalho social pode ter

nas teorias do comportamento humano uma fonte de recursos importantes, não só porque

lhe permite compreender as situações com que se vai confrontando quotidianamente, no

exercício da sua atividade, como, ainda, procura orientação através delas as suas práticas.

Existe um conjunto amplo de teorias que o especialista em trabalho social pode mobilizar

para responder às situações com que se vai confrontando. Com efeito, são vastíssimas tais

teorias, mas, ainda assim, elas não permitem tornar previsível a cem por cento o

comportamento humano nem, tão pouco, fornecer detalhadamente como agir, restando-lhe

a sabedoria e a arte para encontrar uma resposta que seja a mais adequada em face da

situação em concreto. Para além das teorias dos sistemas; dos conflitos; do empowerment;

feministas, da cultura, da psicodinâmica, do desenvolvimento, do ciclo da vida (life span

theory); sociológicas como a do interacionismo simbólico e do conhecimento (construção

social da realidade), dos papéis, da fenomenologia, do behaviorismo, da pedagogia social,

das teorias da transição existem as teorias transpessoais úteis para o assistente social dar

enfase a aspetos espirituais e religiosos da experiência humana. Elas providenciam

conceitos não sectários e modelos para o fazer inspiradas em tradições espirituais. Elas

orientam para o modo como lidar com todas as pessoas e constelações ambientais, sem

esquecer dos aspetos espirituais do indivíduo na relação com o Mundo. Chamam a

atenção para a perceção interior positiva espiritual e potencial das pessoas, bem como da

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 91

importância do espiritual e do religioso como sistema de suporte para o desenvolvimento

de um sentido de vida com sentido e direção. Elas providenciam linhas orientadoras para

lidar com experiências que transcendem o ego, podendo ajudar a pessoa ao cuidado a

alcançar paz e felicidade. São, igualmente, importantes na medida em que ajudam a

expandir a visão do profissional para uma perspetiva ideal de justiça. A teoria integral de

Wilber, por exemplo, leva a considerar todas as dimensões da pessoa e do ambiente (dos

aspetos subjetivos do individual ao coletivo) e dos níveis (pré-egoico, egoico e transegoico)

do desenvolvimento como relevante para uma situação prática. Estas grandes ideias de

várias teorias podem até ser controversas e suscitarem muitas questões aos assistentes

sociais, mas permitem promover um complexo e completo desenvolvimento do profissional

e da pessoa ao cuidado. Ora, ao passar todas as teorias mencionadas em revista

pretendeu-se demonstrar que o seu propósito no trabalho social é o de aplicação prática,

nomeadamente, numa relação de ajuda, correspondendo, por exemplo, o corpo das teorias

transpessoais aquele que procura dar ênfase à espiritualidade e por esta via sustentar uma

prática facilitadora do bem-estar, felicidade e realização da pessoa humana. Considerar a

espiritualidade apenas do ponto de vista sociológico ou com recurso apenas às

abordagens sociológicas mais usuais e partindo do pressuposto errado de que

espiritualidade é sinónimo de religião seria e serviria de pouco ao trabalho social que

procura na espiritualidade desenvolver uma atividade holística por integrar todos os

aspetos da dimensão da pessoa humana incluindo o espiritual. O conceito central do

presente trabalho é a espiritualidade e não a religião, embora possa aqui ter lugar na

medida em que a religião está incluída na espiritualidade e não o inverso, sendo aquela,

por isso, mais ampla. O termo da espiritualidade foi adotado pelo trabalho social com o

intuito dotar os especialistas de trabalho social de um olhar mais amplo e integral da

pessoa, na medida em que procura não só considerar todos os aspetos - espiritual,

biológico, psicológico, social e transpessoal- que a compõem, como, também, de os

procura inter-relacionar todos os aspetos na medida em que a espiritualidade surge

também como agregadora. Ao dotar os profissionais com um olhar mais amplo e integral

da pessoa, pretende-se, assim, que o seu modo de intervir facilite na pessoa a transição

para a plena realização do seu potencial com repercussões positivas para si e para outros

que façam parte das suas redes interpessoais (da família à comunidade). A espiritualidade

assume, deste modo, um sentido próprio para o trabalho social alicerçada mais numa

orientação holística que pretende afirmar a totalidade da pessoa sujeita da intervenção e

menos de religião como prática, mesmo que aquela assuma diferentes significações do

ponto de vista da sua conceptualização, ou seja, umas vezes como essência (spirituality-

as-essence) outras vezes como uma dimensão humana (spirituality-as-one-dimension)

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 92

(Carroll, 2010). Sabe-se o quanto a metodologia é importante para conferir cientificidade ao

que se está a estudar. Porém, optar por uma ou por outra poderá não acolher, igual,

entusiasmo. São equacionados, no âmbito da investigação com enfoque nas práticas de

trabalho social com ligação à espiritualidade, vários cenários possíveis contendo propostas

metodológicas completamente distintas, mas só este que aqui se apresenta se afigura

como o mais adequado para uma investigação integral do trabalho social holístico.

Desejável seria que houvesse casos práticos de intervenção em trabalho social já com um

modelo holístico orientador e que aqueles estivessem acessíveis para que pudessem ser

testados provando, assim, os seus benefícios na pessoa ao cuidado. Contudo,

desconhecemos da existência de tais modelos de intervenção, pelo menos, de forma

institucionalizada, tal como acontece em alguns casos já descritos por Besthorn (2001) ou

Canda (2010) nos Estados Unidos. Por outro lado, optar por um método de investigação

experimental testando, por exemplo, o modelo holístico, mesmo que conceptual, tal como

aquele que é proposto por Edward Canda, quer ao nível organizacional quer ao nível da

terapêutica, a um grupo de pessoas e ao longo de um ano monitorizando os seus

resultados, para além de muito dispendioso e necessitar de uma concordância superior ao

nível institucional haveriam sempre variáveis que escapariam ao seu controlo. Perguntou-

se ao autor do modelo de atividade holística em trabalho social Edward Canda se já tinha

sido objeto de uma investigação, ao qual me respondeu que não, dada a complexidade do

modelo. Sugeriu um tipo de estudo etnográfico de natureza mais qualitativa onde se

procurasse aferir junto de especialistas em trabalho social não só da sensibilidade para a

espiritualidade como, também, o modo como os profissionais a transpõe para a sua prática.

Levar a cabo uma investigação num contexto organizacional poderia, no entanto, levantar

alguns obstáculos. A permissão institucional para um estudo desta natureza e a burocracia

existente em muitas das instituições para dar o seu aval nem sempre se compadece com o

tempo que se impõe a um trabalho académico desta natureza, levando, a maioria das

vezes, por entrevistar especialistas de trabalho social com quem se iriam tecer laços ao

longo da investigação, voando para além dos muros institucionais, procurando, assim, dar

atenção ao sentido de espiritualidade e como este se expressa no trabalho quotidiano dos

profissionais em trabalho social. Ao centrar o foco de atenção nos profissionais pode-se

aferir que sentido a espiritualidade têm para os mesmos e quais os benefícios resultantes

para si e para as pessoas que cuidam. Sabe-se, porém, que a espiritualidade não faz parte

de um programa de educação em profissionais em trabalho social em Portugal. Com efeito,

a formação continua a privilegiar conhecimentos do positivismo e materialismo e, por isso,

não se saberá ao certo se em termos das práticas profissionais haverá quem procura

transpor a espiritualidade para o trabalho. Poder-se-á questionar se alguns destes

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 93

profissionais, mesmo com um sentido de espiritualidade a procuram transpor para o

trabalho apelando por exemplo a um saber intuitivo (o lado yin) quando se confrontam com

as situações reais dos seus clientes. Poder-se-á questionar, também, se tendo como

teorias à disposição com ênfase na espiritualidade no corpo das teorias do trabalho social

os profissionais acabariam por adotá-las em suas práticas. Talvez qualquer teoria acabe

por ser interiorizada (como teoria implícita na prática) e destas duas fontes, conhecimento

e intuição, resulte sempre uma abordagem diferente, acabando por imprimir um carácter

singular à intervenção. Há, com efeito, uma espécie de pré-teorização (mesmo que se

procure referências de algumas teorias) e que resulta do confronto com situações novas

(problemas) que vão surgindo e que necessitam de uma resposta imediata e adequada.

Após a resposta ou na sequência das mesmas respostas às situações emerge uma

teorização acerca de um determinado padrão de problemas versus respostas. Muitas das

teorias, propriamente ditas, tiveram, também, por base evidências, que as enformaram

para voltarem a ser testadas com recurso a mais evidências, num processo cumulativo.

Nesta espécie de pré-teorização em face de situações novas, eventualmente, poderá ser

possível fazer corresponder um paralelo com certas teorias (ex., um problema de alguém

que acabará por despoletar uma determinada leitura por parte especialista de trabalho

social com uma orientação espiritual e, consequentemente, uma resposta, onde poderá ser

feito um paralelo com determinada teoria transpessoal). Nada garante, porém, que fosse

possível encontrar na vida de todos os dias exemplos idênticos ao que foi anteriormente

apresentado. Na prática poder-se-ia não encontrar evidência de que os profissionais se

tenham socorrido de uma teoria transpessoal, ou mesmo que o afirmasse poderia não ser

fácil estabelecer uma relação entre uma determinada decisão num processo de ajuda e um

resultado com uma opção por um determinado enquadramento teórico onde seja dado

ênfase à questão espiritual. Buscar nos profissionais de trabalho social modos de entender,

sentir, percecionar e desenvolver a espiritualidade nomeadamente como estes emergem

em si e nas suas relações interpessoais bem como das suas implicações do ponto de vista

das práticas profissionais poder-se-á revelar útil do ponto de vista da academia, mesmo

que posteriormente seja possível estabelecer algum paralelismo com algumas teorias com

ênfase na espiritualidade (teorias implícitas). Contudo, não se saberá ao certo se os

especialistas em trabalho social que venham a ser implicados na pesquisa procurem nas

suas práticas profissionais orientação espiritual - mesmo que implicitamente – e mesmo

que estas se possam considerar com tal orientação os próprios profissionais podem não se

dar conta que muitas das suas práticas já a incorporam. Com efeito, em Portugal a

espiritualidade não faz parte de um programa de formação em trabalho social ao contrário

do que acontece em outros países, mas ainda assim tal facto não será impeditivo dos

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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especialistas em trabalho social procurem nas suas práticas uma sensibilidade ou uma

orientação espiritual. Numa pesquisa realizada por Canda com Leola Furman (Canda,

2010a) foi desenvolvido um inquérito, em 2008, em termos nacionais, junto de assistentes

sociais membros da NASW (n=1,804). Estes autores constatam que a maioria dos

assistentes sociais americanos abordam questões relacionadas com a espiritualidade junto

das pessoas que procuram cuidar. Constatam, ainda, que em determinados momentos, a

maioria inspira-se na espiritualidade e orientam as suas práticas de cuidar em função

dessa inspiração. Porém, essa maioria refere que tiveram pouca ou nenhuma preparação

educativa sobre espiritualidade. Por exemplo, 50% ou mais inquiridos recomendaram a

pessoas (suas clientes) livros ou textos sobre religião ou espiritualidade, orações ou

meditação. Usaram conceitos ou uma linguagem espiritual ou religiosa. Recomendaram a

participação em atividades religiosas ou espirituais. Referiram contributos de mentores ou

guias de ajuda espiritual religiosos e não religiosos. Abordaram, igualmente, aspetos

relacionados com espiritualidade e religião a pessoas que prestaram cuidados, tais como o

sentido de vida, o propósito existencial e abordagens sobre a vida depois da morte. Todos

estes resultados são apreciados pelos autores com reserva e preocupação e advertem

para os cuidados a ter, nomeadamente se a pessoa ao cuidado está em condições frágeis

e de instabilidade do ponto de vista físico, emocional ou mental. Para estas pessoas,

devem ser adotadas precauções especiais. Existirá uma qualidade espiritual na pessoa e

que constitua um potencial inato, que poderá ser fortalecido, sem que, previamente tenha

tal qualidade sido facilitado através de um suporte da comunidade religioso ou não. No

caso dos assistentes sociais tal qualidade pode ter emergido, naturalmente, no contexto

das suas redes interpessoais (abrangendo a profissional) mesmo que não tenha

constituído matéria de programa universitário (ao contrário do que acontece em algumas

Universidades nos EU onde a formação em espiritualidade foi introduzida nos programas

dos cursos em trabalho social). Esta poderá ser uma hipótese de pesquisa que poderemos

vir a adotar. Compreender como estes fundamentos pré-teóricos ou teóricos, com ênfase

na espiritualidade, se encontram implícitos nas práticas dos profissionais, como o sentido

da espiritualidade emerge e se expressa nas suas práticas profissionais constitui assim um

possível objeto de investigação viável e pertinente. Na mesma linha, numa pesquisa

desenvolvida por Stacey L. Barker e Jerry E. Floersch (Barker & Floersch: 2010) aplicaram-

se entrevistas a 20 alunos de trabalho social com menos 3 anos de experiência no campo,

selecionados através da técnica de amostragem snwoball, tendo colocado um conjunto de

questões semiabertas com o objetivo de compreender o entendimento sobre a

espiritualidade. Os estudantes foram, através das questões levados a refletir sobre,

diversos aspetos da espiritualidade, tendo-se chegado à conclusão de que os estudantes

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 95

de trabalho social não possuíam uma linguagem adequada para definirem a

espiritualidade. Constatam os investigadores pela análise de conteúdo um dispersão ampla

de entendimentos sobre a espiritualidade, designadamente: como difícil de definir; como

não sendo religião; como devendo ser definida, apenas, em termos individuais; como

característica comportamental e descrita, apenas, como tal; como multidimensional; como

manifestação de fé; como manifestação da natureza humana; como busca de sentido e de

propósito da vida. Em face dos resultados alcançados e dispersão de entendimentos vagos

sobre a espiritualidade, consideram estes investigadores de que se torna necessário

considerar uma nova linguagem para conceptualizar o fenómeno e a promoção de uma

reflexão junto dos profissionais em trabalho social em torno da espiritualidade e potencial

impacto no contexto das práticas profissionais. Ora, uma investigação tal como foi

desenvolvida por Stacey L. Barker e Jerry E. Floersch (Barker & Floersch: 2010) ou uma

outra, com um carácter mais extensivo, por Canda, E. R. & Furman, L. D. (2009), em que

estes realizaram um inquérito nacional, afigura-se útil. À semelhança destas investigações,

poder-se-á desenvolver uma pesquisa junto dos profissionais em trabalho social sentidos

de espiritualidade e formas de transpô-la para o quotidiano, contudo, tal pesquisa não

permitirá trazer um contributo para uma prática profissional sustentada em suporte teórico

e uma metodologia de intervenção que se pretende holística. Ao tornar a prática em

trabalho social com sensibilidade espiritual como objeto de investigação seguindo este

entendimento, então, é porque se pretende torna-la, depois de refletida e reconstruída,

extensível às práticas profissionais, pelo que exigirá uma teorização prévia com tal

orientação. As propostas de aliar espiritualidade à ciência em ciências sociais e humanas

vão neste sentido ganhando especial relevo no trabalho social que busca uma orientação

holística em termos da intervenção, porém uma investigação que possa avaliar um modelo

holístico de trabalho social implicará inevitavelmente uma metodologia integral. Uma

metodologia integral, tal como se pretende aqui seguir (Braud, 1994: 30-33): (a) reconhece

e investiga múltiplas realidades; (b) reconhece e incorpora múltiplas formas de

conhecimento; (c) enfatiza a totalidade mais do que a fragmentação (d) procura

harmonização (c) preocupa-se em acrescentar valor. A metodologia integral reconhece

múltiplas realidades ou domínios do ser e do se tornar – do mais ordinário ao mais

extraordinário – do mundano e do transcendente. Ela reconhece que a verdade descoberta

é construída pela ciência, pelas humanidades, pelas artes e tradições espirituais (ontologia

pluralista). Reconhece e aceita todas as formas de conhecimento, nomeadamente a

observação empírica, o pensamento racional, a experiência interior, a intuição, as gnoses e

as experiências humanas excecionais. O empiricíssimo que a metodologia integral

emprega é um empiricíssimo amplo a todas as formas possíveis. Empírico é derivado do

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 96

grego que originariamente significa derivado da experiência. Com a metodologia integral,

empírico significa experiencial, e não deverá nunca ser confundido com experimental. A

metodologia integral reconhece métodos que derivam das ciências, valorizando, também,

as expressões artísticas, ascéticas, literárias, narrativas, simbólicas e metafóricas.

Reconhece múltiplas perspetivas: desde pessoas indígenas, de outras culturas, do

feminino como do masculino. Reconhece a importância do conhecimento tácito, do

conhecer subtil e do que pode ser conhecido e auferido através do silêncio, da imaginação

e do pensamento não discursivo (epistemologia pluralista). A metodologia integral

reconhece a natureza holística do Universo, as interconexões de todas as coisas.

Reconhece a importância das inter-relações e dos diferentes aspetos ou facetas da pessoa

– corpo, mente, emoção e espírito –, assim como das relações que esta estabelece com

outras pessoas e a natureza. Por causa destas relações, a causalidade é multifacetada e

ocorre em ambas as direções a montante e a jusante, jogando um papel influente e ativo.

Complementarmente, o investigador é por si uma parte integral de qualquer investigação,

ambos influenciam e são influenciados por qualquer coisa que esteja a ser estudado

(holístico/ interconexões). Dado que a realidade e modos de a conhecer são pluralistas, os

profissionais das metodologias integrais buscam equilíbrio tanto quanto possível na

dispersão de muitas dimensões. Eles buscam o equilíbrio entre as abordagens

quantitativas e qualitativas, entre um interesse em leis gerais e um interesse na

singularidade individual. Eles reconhecem ambas as leis causais e conexões (a)causais (o

surgimento de fenómenos mutuamente conectados sem o sentido convencional de

estabelecimento de qualquer ligação óbvia casual). Eles reconhecem os limites do

conhecimento e isso mantém um equilíbrio entre o domínio da perícia e o mistério, entre a

familiaridade o temor e a veneração, entre a compreensão e o enigma, entre o espontâneo

e o deliberadamente planeado, entre o esforço e a graça (Divina). Existe uma aptidão para

viver com a tensão entre esses complementos, assim como um talento para tolerar a

ambiguidade. Existe um equilíbrio entre o velho e o novo. Em muitas arenas da vida e do

pensamento existe um privilegiar para o mais novo, mais recentes acontecimentos,

descobertas, e refletir sobre o antigo, as visões “tradicionais” ou “clássicas”. Isto relaciona-

se, sem dúvida, numa crença e numa valorização do “progresso” – uma visão de que a

humanidade e do seu conhecimento e produção encontram-se em “evolução”,

constantemente a crescer a tornar-se maior e melhor, tudo o que aconteceu antes é

simplesmente uma preparação e um marco fundamental para os avanços posteriores.

Verdades mais antigas baseadas em tradições espirituais quer as descobertas quer as

abordadas e transpostas aos novos tempos não devem ser ignoradas e esquecidas, mas

deve existir uma certa cautela nem para adotar cegamente as primeiras caindo num

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 97

tradicionalismo rígido nem os revestimentos novos que lhes são dados que levam a cair,

muitas das vezes, numa errática trapaça (busca equilíbrio). A metodologia integral

interessa-se com as metas e os resultados no sentido da possibilidade das aplicações e

implicações das suas descobertas. É reconhecido e expectável que as investigações

tenham importantes impactos sobre os participantes da investigação, no investigador e na

sociedade. As investigações devem ser acompanhadas de ciência, de perceções e

experiências que possam contribuir para o físico, o psicológico e as mudanças espirituais

nos co-investigadores. Investigadores da metodologia integral encontram-se preparados

para experienciar transformações possíveis no decurso das suas próprias investigações.

Transformações implicam participar totalmente em certas investigações, fazer certos tipos

de observações, ou adquirir certos tipos de conhecimento ou experiências – isto é,

adequatio deve ser tido em atenção. É esperado que a investigação integral resulte não

apenas do incremento do conhecimento, mas, igualmente, nas mudanças que possam

ocorrer em si. Maior mudança “local” desta espécie pode resultar em impactos clínicos

adicionais e espirituais nos profissionais; do ponto de vista de uma maior extensão,

podendo, igualmente, promover mudanças sociais. Assim, um projeto de investigação

integral executada com a maior atenção e rigor possível pode ser, simultaneamente, um

veículo, nomeadamente, para acrescentar conhecimento e expandir a sua disciplina,

promotor de uma série de interações terapêuticas, agente de ação social e para contribuir

na caminhada pelo trilho da sua espiritualidade. Partindo destes princípios, entende-se

incluir o investigador ao objeto da investigação, focando-se nas práticas, nas redes de

relações que se vão tecendo nessa busca de soluções práticas com sentidos de

espiritualidade. É, por isso, importante não só compreender como esta espiritualidade se

sente e se expressa nas práticas, mas, sobretudo, procurar como numa prática profissional

se poderá ter uma sensibilidade espiritual útil para quem a pratica e quem se encontra ao

cuidado. Não se pretende apenas partir de fundamentos norteadores, mas de transformar

integralmente a realidade que é igualmente a sua. O recurso variado, da reconstituição de

casos, à sociometria das equipas de intervenção ao teatro criativo revelam-se como um

conjunto de métodos úteis no âmbito de uma metodologia de intervenção para uma via

holística de trabalho social pelos fundamentos aqui chamados contudo tal metodologia de

intervenção carece de uma investigação experimental que valide a sua adequação e

eficácia do ponto de vista do impacto que aquela possa ter sobre o grupo (por exemplo,

tornar-se-á o grupo mais coeso em face de tal metodologia de intervenção). A investigação

em trabalho social resulta assim num validar de um modelo de intervenção que

pretendemos testar, sendo o investigador junto com os especialistas de trabalho ator da

transformação integral para uma via holística de trabalho social.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 98

CAPITULO V – DESAFIOS PARA UM TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

O tema da espiritualidade no trabalho social é pioneiro em Portugal uma vez que ao

contrário do que existe em matéria de investigação é inexistente. É pertinente porque

poderá introduzir um elemento inovador às práticas dos profissionais em trabalho social,

isto é uma orientação espiritual que possa responder ao apelo a metas e aspirações das

pessoas e das suas comunidades, que evocam por uma apropriada abordagem holística e

cultural, no que, em especial, se refere às práticas em trabalho social. A espiritualidade no

Trabalho social respeita, igualmente, a uma diversidade de expressões espirituais

religiosas e não religiosas, dando enfoque ao sentido de vida que cada pessoa ao cuidado

e suas comunidades buscam, bem como aos propósitos que atribuem à sua própria

existência e suas metas, às cogitações que tecem sobre as vias de alcançar a perfeição e

o transcendente, resultado das suas aspirações mais elevadas, mesmo que implícitas ou

que importa resgatar. Ao apreender tais potenciais, o trabalho social procurará ora facilitar,

ainda, mais o seu crescimento ora orientá-los no sentido de cada um ou das comunidades

transmutarem dificuldades em desafios tendo em vista alcançarem o bem-estar e o

equilíbrio face às condições em que se encontram e dos meios de que dispõem. A

espiritualidade não tem merecido atenção exclusiva do trabalho social. Também, a

psicologia (especialmente, transpessoal e psicologia positiva) procurou aprofundar o tema

da espiritualidade, constituindo uma fonte importante, igualmente, os estudos sobre a

resiliência, a saúde e a saúde mental, em especial, os que produzem conhecimento sobre

a relação entre a espiritualidade e o bem-estar, sem descurar outros contributos

complementares, nomeadamente, provenientes dos estudos religiosos e multiculturais.

Para além da psicologia, entroncam num movimento paralelo o counseling, a medicina, a

enfermagem e outras ciências associadas às relações de ajuda em busca de incorporarem

a espiritualidade nas suas práticas, quer sejam estas ao nível da pesquisa elegendo aquela

como objeto empírico, quer nas relações de cuidar. Interessante será, igualmente, de

constatar que um dos precursores do transpessoal, Ken Wilber, referido por Besthorn

(2001), conta atualmente com um número considerável de seguidores, adeptos da sua

teoria integral, em diferentes campos profissionais (desde a saúde, psicologia, politica,

educação, espiritualidade, entre muitos outros). Apesar deste movimento emergente há,

pelo menos, três décadas, muitos assistentes sociais e outros profissionais que cuidam de

pessoas ou de investigadores encontram-se pouco sensíveis ou conscientes da

importância da espiritualidade no cuidar. Em Portugal, desconhece-se da existência de

pesquisas sobre o papel da espiritualidade no trabalho social, o mesmo já não acontece

nas ciências da saúde ou da consciência, nomeadamente, com os trabalhos desenvolvidos

através do Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência. O primeiro valor espiritual

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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orientador para um trabalho social impregnado de sensibilidade espiritual é a compaixão. A

compaixão significa literalmente paixão em relação a outros. O sentimento de compaixão

implica empatia com os outros. Constitui, ainda, uma resposta solidária ao sofrimento de

outros. A espiritualidade é um comprometimento do “coração” para um trajeto espiritual

tendo em vista promover bem-estar junto das pessoas e de todas as criaturas. O tema da

compaixão tem uma relação com uma ligação entre “coração” com “coração” em serviço

expresso, igualmente, na Filosofia Tradicional Chinesa. A principal virtude que o

Confucionismo dá ênfase é “Ren” (termo Chinês) que significa benevolência e humanidade.

Estes caracteres Chineses são formados como se acrescentassem dois lados, significando

conexão, símbolo para “Pessoa”. O mesmo significa que para se ser um ser humano

genuíno este tem que estar ligado. Crescemos com um sentido de ligação, de

responsabilidade com outras pessoas, outras criaturas. No mais íntimo do ser, como que

uma apetência inata, procura-se ajudar a nós próprios e ao Mundo tendo como meta sarar

“feridas”. Todas as tradições espirituais se dirigem ao sofrimento, à injustiça, à imoralidade

e à morte, procurando o seu remédio e um sentido de transcendência para o que acontece.

A sabedoria de Confúcio Mencius realça para o facto de todos sem exceção terem um

coração, sofrendo com o sofrimento de outros, sem um coração com compaixão não

seriamos humanos. Com efeito, o carácter Chinês de mente encontra-se perfilado com um

coração, indicando que a mente humana é fonte de sentimento, de caridade e

preocupação. A espiritualidade já se encontra expressa, amplamente, em princípios éticos,

difundidos pela National Association of Social Workers (NASW) e no Council on Social

Work Education (CSWE) e na International Associations of Schools of Social Work e

International of Social Workers (IASSW/IFSW). Os princípios foram delineados de modo a

estes poderem vir a ser adotados por cada profissional e adaptados a cada contexto

nacional e cultural. Os princípios incorporam uma orientação para uma ética responsável,

para a defesa de Direitos, para a Paz Social, para a mudança e o empowerment, o que, em

grande medida, reflete essa sensibilidade espiritual no trabalho social. Tal facto traduz uma

conjugação entre uma atitude dinâmica e de troca entre visões diferentes de acordo com a

diversidade espiritual e os contextos sociopolíticos. Em termo do trabalho social prático

com sensibilidade espiritual, aquele tem em vista a aplicação de conhecimentos, valores e

competências para ajudar as pessoas a alcançar as suas metas, zelando pelas

necessidades materiais, biológicas, psicológicas e relacionais de acordo com as

prioridades e aspirações dos clientes e comunidades. Trata-se de um trabalho social que

orienta, deste modo, as pessoas a recorrerem às suas próprias potencialidades e recursos

do meio de modo sócio e ecologicamente responsável. Em termos da justiça social, a

espiritualidade no trabalho social tem em vista desenvolver os meios para uma mudança

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

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positiva no sentido da justiça social, em prol das pessoas e grupos de pessoas oprimidas e,

ainda, descriminadas negativamente pelas suas orientações espirituais ou religiosas. Por

isso, procura desenvolver os meios necessários a suprimir ou, pelo menos, a atenuar os

efeitos de um ambiente de racismo e de xenofobia, de injustiça social tanto nacional como

internacional, de conflitos e de guerra entre culturas e nações e de todas as outras

atividades humanas destrutivas para os sistemas ecológicos e extenso planeta Terra. O

cuidado é extensível, portanto, a qualquer lugar deste Mundo e para além deste. Em

termos da dignidade e valor da pessoa humana, a espiritualidade no Trabalho social

procura uma abordagem da pessoa humana com compaixão e respeito, consciente das

dissemelhanças individuais e culturais, incluindo as diferenças espirituais e religiosas. No

contexto das normas e dos papéis profissionais, considera a pessoa na sua totalidade e

integridade, avaliando os traços das pessoas de modo flexível, colaborativo e orientado

para os valores dos clientes e das suas comunidades. Respeitam-se as diferenças

procurando junto destas criar um terreno propício à cooperação. Atendem-se às

necessidades humanas comuns e universais, encarando a existência humana como

estando impregnada de um sentido, um propósito, uma moralidade e uma felicidade que

deve emergir em cada um e nas relações interpessoais. Procura promover a

autodeterminação das pessoas, das culturas e das nações, num contexto de

responsabilidade social e global. Em termos das relações, advoga que relações sociais

saudáveis entre pessoas e outras criaturas são importantes para o desenvolvimento. Por

isso, procura implicar as pessoas considerando-as como parceiras nos processos de ajuda,

apelando, ainda, ao conhecimento dos sistemas espirituais, religiosos e não religiosos

como uma fonte importante para essa ajuda. A espiritualidade no trabalho social visa

fortalecer as relações entre pessoas e entre estas com outras criaturas tendo em vista

promover, reparar, manter e ampliar o bem-estar pessoal, familiar, dos grupos sociais, das

organizações, comunidade global e todos os ecossistemas onde cada um se encontra

inserido. Reconhece e respeita a identidade pessoal, os diversos modos de inter-

relacionamento pessoal e identidades familiares e comunitárias. Contribui para o

enriquecimento profissional do ponto de vista do conhecimento e das competências para

uma prática efetiva. Os profissionais em trabalho social com sensibilidade espiritual vão

obtendo um conhecimento relevante e competências práticas, especialmente, através da

observação que faz das formas explícitas de espiritualidade religiosas e não religiosas: das

crenças, dos símbolos, dos rituais, das práticas terapêuticas e dos sistemas de suporte

comunitário. Assim, na prática quotidiana, face à diversidade de modos de expressão da

espiritualidade das diferentes comunidades, culturas e tradições espirituais, o trabalho

social com sensibilidade espiritual desenvolve-se no respeito pelos valores, orientações

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 101

espirituais das pessoas e restantes membros dos grupos e comunidades. O profissional em

trabalho social com sensibilidade espiritual aprende como cooperar e colaborar com a

comunidade, muitas das vezes atuando como sistema de suporte de base espiritual,

cuidando modo não convencional e com a competência que lhe advém da cultura de quem

necessita. Uma abordagem ética destas questões irá colocar a necessidade de se fazer

uma distinção entre aquilo que deve ser considerado como adequado ou não de considerar

nas realidades observadas ou mobilizar do ponto de vista dos saberes e competências

práticas tendo em atenção as situações concretas das pessoas e dos contextos culturais.

Face a uma população – específica, uma localidade – específica, e uma cultura –

específica, o trabalho social tem de partir da observação do “terreno”. Para o efeito, torna-

se necessário que o trabalho social esteja aberto à diversidade de perspetivas e senso

comum apelando a um exame detalhado das mesmas. Além disso, importa zelar para que

nenhuma orientação espiritual religiosa ou não religiosa seja imposta às pessoas e suas

comunidades sem terem em consideração a livre escolha. O uso de conceitos e de

atividades de cuidar dependem das metas, aspirações e visões daqueles a quem os

cuidados são dirigidos. O cruzamento da espiritualidade no trabalho social com a

globalização poderá resultar numa vantagem útil para abordar questões como a promoção

dos Direitos Humanos ou contrariar as formas mais prejudiciais que comprometem os

mesmos Direitos, como a expansão dos conflitos bélicos e militares, a exploração

económica transnacional, etc. O desafio que é colocado, presentemente, é de saber como

a espiritualidade no trabalho social poderá continuar a expandir-se no sentido do bem-estar

pessoal, social e ecológico para todas as pessoas e criaturas do Planeta. Ora, os

profissionais em trabalho social que investem na espiritualidade procuram desenvolver

conhecimento em que local e global se tornem compatíveis, ligando o Norte e Sul, Este e

Oeste, através da colaboração não hegemónica e de mútuo reconhecimento na

diversidade. Ao procurar no âmbito do presente investigação trabalhar o tema da

espiritualidade estávamos cientes da sua importância no trabalho social e dos cuidados a

adotar pelos profissionais em termos da abordagem com as pessoas e comunidades que

cuidam. A avaliação espiritual dá enfoque ao potencial espiritual implícito. Adverte-se,

porém, para que na avaliação do potencial espiritual a pessoa não deva ser reduzida a

problemas, patologias, sujeito de diagnósticos de modo fragmentado. Se a pessoa se

encontra a lidar com problemas específicos ou fragilidades, tal facto terá relacionado com

todo o seu contexto pessoal e ambiental, incluindo o espiritual. As pessoas devem ser

ajudadas facilitando nestas os seus talentos, habilidades, capacidades, sem descurar os

necessários laços interpessoais que as faz ligar à sua comunidade, e contribuir para que as

mesmas encontrem as suas aspirações. Os seus potenciais e recursos, seja qual for a

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 102

relevância que lhes seja atribuída, são para ter em linha de conta complementarmente com

o sentido de vida e de evolução, o entendimento dos problemas e modo de os transmutar

no sentido do crescimento, cura, recuperação, restabelecimento e resiliência. Apesar do

enfoque no agora, o passado constitui, igualmente, uma importante fonte no sentido em

que este poderá permitir resgatar memórias que dificultem o crescimento e transmutar

medos numa valorização de si, permitindo ter um efeito catalisador e de esperança em

relação ao futuro. Avaliar a espiritualidade implica colocar as questões de modo implícito.

Em primeiro lugar, torna-se desejável cultivar uma relação carinhosa com a pessoa que

necessita de cuidado, sem falar explicitamente de religião ou de espiritualidade. Lança-se,

no máximo, uma deixa à pessoa, dando-lhe abertura para que esta se exprima livremente,

demonstrando recetividade, interesse e respeito por qualquer assunto que se manifeste

como importante para ela. A avaliação espiritual implícita poderá ser facilitada colocando

questões em aberto, lançando temas relacionados com a religião e a espiritualidade e

procurando, igualmente, ter uma linguagem de fácil acesso e não religiosa. As respostas

das pessoas podem facultar deixas importantes para uma avaliação espiritual implícita,

constituindo uma oportunidade para que as mesmas se vão tornando cada vez mais

explícitas com a ajuda do facilitador. Em termos dos princípios éticos, os profissionais em

trabalho social devem aplicar práticas explicitamente orientadas para as pessoas em

função de dois princípios:

Ter uma significativa experiência pessoal e um treino formal suficiente com essas pessoas;

Assegurar que tais práticas sejam congruentes com os interesses das pessoas (clientes),

dos valores, das metas e das suas crenças.

Em geral, torna-se útil escolher práticas espirituais que reforcem as forças das pessoas a

quem se destinam os cuidados de modo a providenciar um equilíbrio necessário para fazer

face aos seus infortúnios e problemáticas extremas. No entanto, todas as práticas

espirituais (como a meditação, a contemplação, a oração, exercícios respiratórios

holotrópicos) requerem prudência. Torna-se necessário designadamente ter uma mente

clara e um conhecimento profundo do que se está a fazer, rompendo com preconceitos e

juízos. Existe uma variedade de técnicas relacionadas com sistemas terapêuticos que

requerem cuidado no seu uso, tais como as terapias cognitivas e comportamentais,

vocacionadas, em particular, para a saúde ou a saúde mental. As terapias de meditação

proporcionam a diminuição do stress, da ansiedade, da depressão (não clínica), ajudam

nas doenças cardiovasculares, incrementam uma capacidade de autocontrolo, expressões

de espiritualidade, criatividade e outros benefícios positivos, empatia, aceitação, ajudando,

também, a melhorar a perceção, tempos de reação e concentração. Certos tipos de

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 103

meditação podem induzir a mudanças significativas e melhorias ao nível da consciência,

associadas a mudanças dos sistemas neurológicos, químicos e funcionamento do cérebro.

As práticas prudentes demonstram ser efetivas no que respeita a distorções da

personalidade, desordens do estado de espírito e mentais (psicoses), gestão da dor,

violência com os seus pares e modo de lidar com uma série de doenças. Em suma, a

sensibilidade espiritual releva não só aspetos do bem-estar pessoal mas ao nível da

promoção da harmonia local e global. A espiritualidade no trabalho social dá enfoque aos

potenciais e recursos disponíveis, através de uma avaliação especializada que incorpora

espiritualidade e religião na prática do Trabalho social. Procura ajudar as pessoas a

remover os seus obstáculos inclusive que a espiritualidade ou a religião poderá ter para

estas. Na verdade, como qualquer aspeto da vida humana, a religião e a espiritualidade

(religiosa ou secular) para além de poderem ser usadas como suporte, podem, também,

servir para impedir a satisfação e a justiça social individual. Em diversos países existem

experiências religiosas e práticas espirituais que proporcionam grande consolo, poder,

beleza, sabedoria e empowerment, como, também, podem estar na origem de

manifestações nocivas que podem prejudicar. Um trabalho social com orientação espiritual

pretende facilitar o crescimento potencial e recurso de quem se cuida, bem como, das

comunidades em que se encontram inseridas, procurando transformar problemas e

obstáculos, trabalhando nestes, com o objetivo de obter elevados benefícios ao nível do

bem-estar mas, também, ao nível da justiça social. Esta aproximação à espiritualidade pelo

trabalho social, na prática, assume uma diversidade de contornos em função da

diversidade de inspirações espirituais e culturais. Desejavelmente, a espiritualidade no

trabalho social, tal como se tem vindo a desenhar pode vir a servir como referencial e

proporcionar, ainda, um diálogo em termos internacionais podendo vir a contar com a

colaboração de profissionais em trabalho social em todo o Mundo. Muitos profissionais

começam a sentir-se encorajados a adotarem aspetos que consideram ser de adotar do

ponto de vista da espiritualidade e a rejeitar o que consideram não ser de adotar. Um

processo internacional que estimula o diálogo multicultural possibilitará uma aprendizagem

mútua e uma colaboração do ponto de vista da investigação, promovendo a inovação no

trabalho social com relevância local e global. A espiritualidade no trabalho social tem por

finalidade promover o bem-estar em todas as pessoas e criaturas. Para o efeito, torna-se

necessário que os profissionais em trabalho social desenvolvam valores, conhecimentos,

competências, qualidades relacionais, com uma ampla consciência, ligando-se ao Local, às

situações concretas, tal como ao global e ao Cosmos. Ainda que o tema da espiritualidade

no trabalho social seja uma matéria extensa, em termos de objetivos afigura-se importante

atenuar ou prevenir a ocorrência de situações que conduzam ao sofrimento das pessoas,

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 104

de grupos e de comunidades (abrangendo outras criaturas) e de todas as situações

geradoras de divisões negativas e conflitos no Mundo. Considerando a reflexão anterior em

torno da importância do tema da espiritualidade no trabalho social que se procurou fazer

tendo em vista encontrar uma fundamentação para a presente pesquisa, afigura-se-me por

demais pertinente não só introduzir o tema no contexto do trabalho social português, bem

como o desenvolvimento de uma investigação mesmo que de natureza exploratória

começando por compreender os modos de entendimento e de expressar a espiritualidade

junto de profissionais dando um enfoque especial aos contextos profissionais onde podem

ocorrer práticas com uma orientação ou sensibilidade espiritual.

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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Rui Pedro Ventura 105

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