86
i Controlo de fendilhação para deformações impostas em depósitos Resumo As estruturas de betão armado estão sujeitas a deformações impostas quando expostas à acção do meio ambiente. Estas deformações ao serem restringidas pelas condições de apoios ou de ligação a outros elementos estruturais, como é no caso dos depósitos, induzem tensões axiais. Estas tensões, ao atingirem os valores de tensão resistente de tracção do betão, induzem por sua vez o aparecimento de fissuras. Refira-se que nas estruturas de betão estrutural são quase inevitáveis ou, pelo menos, difíceis de assegurar a sua não formação, daí a necessidade de tomar medidas para controlar a sua abertura, de modo a permitir um comportamento adequado em serviço (estado limite de fendilhação). Uma das formas económicas de controlar as aberturas de fendas em estruturas de betão sem revestimento é a adopção de quantidades de armadura mínimas na direcção perpendicular às possíveis fissuras transversais. O trabalho teve por objectivo analisar precisamente estas quantidades de armadura, para o caso das paredes laterais dos depósitos, de modo a assegurarem características aceitáveis, não só esteticamente, mas também de estanquidade adequadas, considerando-as como um elemento plano encastrado na base, de modo a simular a laje de fundo, e livre nas extremidades. Palavras-chaves: Deformação imposta, Armadura mínima, abertura de fendas, estanquidade, retracção.

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i

Controlo de fendilhação para deformações impostas em depósitos

Resumo

As estruturas de betão armado estão sujeitas a deformações impostas quando expostas à acção do

meio ambiente. Estas deformações ao serem restringidas pelas condições de apoios ou de ligação a

outros elementos estruturais, como é no caso dos depósitos, induzem tensões axiais. Estas tensões,

ao atingirem os valores de tensão resistente de tracção do betão, induzem por sua vez o

aparecimento de fissuras. Refira-se que nas estruturas de betão estrutural são quase inevitáveis ou,

pelo menos, difíceis de assegurar a sua não formação, daí a necessidade de tomar medidas para

controlar a sua abertura, de modo a permitir um comportamento adequado em serviço (estado limite

de fendilhação). Uma das formas económicas de controlar as aberturas de fendas em estruturas de

betão sem revestimento é a adopção de quantidades de armadura mínimas na direcção

perpendicular às possíveis fissuras transversais. O trabalho teve por objectivo analisar precisamente

estas quantidades de armadura, para o caso das paredes laterais dos depósitos, de modo a

assegurarem características aceitáveis, não só esteticamente, mas também de estanquidade

adequadas, considerando-as como um elemento plano encastrado na base, de modo a simular a laje

de fundo, e livre nas extremidades.

Palavras-chaves: Deformação imposta, Armadura mínima, abertura de fendas, estanquidade,

retracção.

ii

Crack control for imposed deformations in deposits

Abstract

Reinforced concrete structures are subject to imposed deformations when exposed to the

environment conditions. When restrained by support conditions or connections to other structural

elements, as in the case of deposits, the deformations induce axial stresses. When these axial

stresses reach the values of the concrete tensile resistance they induce cracking. It should be

referred that in reinforced concrete structures it is almost inevitable, or at least difficult to avoid,

cracking. So it is important to take steps to control its width in order to obtain an adequate behaviour

(cracking limit state). One of the efficient ways to control crack widths on concrete structures is the

adoption of minimal reinforcement in the perpendicular direction to the possible transverse cracks.

This work has as objective the analysis of the minimal reinforcement in the lateral deposit wall to

guarantee the esthetical and permeability control, considering the wall as a plane element, with a rigid

support at the base, simulating the wall/foundation connection, and free at the ends.

Key-words: Imposed deformation, minimal reinforcement, crack width, permeability control,

shrinkage strain.

iii

Agradecimentos

Vou aproveitar este espaço para expressar os meus sinceros agradecimentos à todos aqueles que

directa ou indirectamente contribuíram para que este trabalho fosse realizado.

Ao professor José Camara, pela sua orientação, disponibilidade que sempre demonstrou para tirar

todas as dúvidas que foram surgindo no decorrer do trabalho e varias revisões do texto, que foram

contribuindo para a consolidação dos meus conhecimentos e do texto final do documento.

Também agradecer ao Engº Alexandre Paris pelo contributo dado na tradução e organização do

artigo apresentado.

iv

ÍNDICE GERAL

I. Introdução geral ...........................................................................................................................1

1.1 Introdução ...................................................................................................................................1

1.2 Enquadramento teórico................................................................................................................3

1.3 Objectivo .....................................................................................................................................4

1.4 Estrutura do documento...............................................................................................................5

II. Caracterização das acções indirectas ........................................................................................7

2. Introdução......................................................................................................................................7

2.1 Variações de temperatura ............................................................................................................7

2.2 Retracção ....................................................................................................................................8

2.2.1 Retracção plástica ................................................................................................................9

2.2.2 Retracção química ................................................................................................................9

2.2.3 Retracção térmica.................................................................................................................9

2.2.4 Retracção de carbonatação ................................................................................................10

2.2.5 Retracção hídrica................................................................................................................10

2.2.5.1 Retracção endógena....................................................................................................11

2.2.5.2 Retracção de secagem ................................................................................................12

2.2.6 Formas de minimizar os efeitos da retracção ......................................................................19

2.3 Aspectos gerais da durabilidade.................................................................................................20

III. Mecanismo de fendilhação e as suas propriedades ............................................................... 24

3.1 Mecanismo de fendilhação.........................................................................................................24

3.1.1 Tracção pura.......................................................................................................................24

3.1.2 Deformação imposta externa ..............................................................................................25

3.1.3 Deformação imposta interna ...............................................................................................28

3.1.4 Análise comparativa entre a deformação imposta externa e interna.....................................29

3.2 Armadura mínima ......................................................................................................................31

3.3 Espaçamento entre as fendas ....................................................................................................33

v

3.4 Estimativa da abertura de fenda.................................................................................................38

3.5 Modelo simplificado da abertura de fendas.................................................................................41

3.6 Limites das aberturas de fendas ................................................................................................42

3.7 Estanquidade.............................................................................................................................46

3.8 Eurocodigo 2-parte 3..................................................................................................................49

3.9 Comportamento de paredes laterais...........................................................................................52

IV. Comportamento das paredes laterais ..................................................................................... 58

4.1 Modelação de uma parede lateral ..............................................................................................58

4.2 Análise da tensão na secção central ..........................................................................................64

4.3 Modelação do efeito do tempo ...................................................................................................67

4.4 Abertura de fendas.....................................................................................................................69

V. Conclusão e desenvolvimento futuro ...................................................................................... 72

5.1 Conclusões ................................................................................................................................72

5.2 Desenvolvimentos futuros ..........................................................................................................73

Bibliografia....................................................................................................................................... 74

vi

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura II.1: Diagrama representativo do efeito da temperatura numa estrutura [1]. ............................7

Figura II.2: Resposta estrutural, consoante a parcela da variação de temperatura considerada [1]. ...8

Figura II.3: Avaliação do risco de aparecimento de fissuras com a evolução da retracção térmica [5].

........................................................................................................................................................10

Figura II.4: a) distribuição hipotética do tamanho dos poros para os materiais cimentícios indicando

que com a secagem, os poros mais pequenos vão esvaziando progressivamente; b) mecanismo da

tensão superficial agindo na interface liquido/vapor [6]. ....................................................................11

Figura II.5: a) Pressões internas e externas que se encontram numa superfície esférica Pi e Po

respectivamente; b) Forças do lado esquerdo da superfície semi-esférica são devidas à tensão

superficial, enquanto que as perpendiculares à superfície semi-esférica são devidas à diferença de

pressão Pi e Po [6]. ...........................................................................................................................12

Figura II.6: Relação entre a perda de massa e a retracção para diferentes humidades relativas [6].13

Figura II.7: Efeito da água total na retracção de secagem [6]. .........................................................14

Figura II.8: Efeito da razão entre o agregado e cimento (a/c) e da razão água cimento (A/C) na

retracção de secagem [6].................................................................................................................14

Figura II.9: Exemplo tipo de quantificação da retracção – parcela endógena (azul), de secagem

(verde) e soma das duas (encarnado) [1]. ........................................................................................15

Figura II.10: Influencia dos sistemas estáticos e de juntas sobre as zonas com risco de fissuração

[5]. ...................................................................................................................................................19

Figura II.11: Foto da degradação de uma laje sem um recobrimento adequado. .............................21

Figura II.12: Evolução da carbonatação e penetração dos cloretos em profundidade, ilustrando a

importância do recobrimento [2]. ......................................................................................................23

Figura III.1: Diagrama de esforço – deformação de um tirante de betão armado, solicitado por um

esforço de tracção crescente [1]. .....................................................................................................24

vii

Figura III.2: Diagrama de esforço – deformação de um tirante, para deformação imposta externa

crescente [1]. ...................................................................................................................................25

Figura III.3: Comportamento global da abertura de fenda num elemento estrutural [1]. ....................26

Figura III.4: Evolução das tensões na armadura e consequente abertura de fenda, a uma

deformação imposta: a) sem armadura mínima; b) com armadura superior à mínima [1]..................26

Figura III.5: Resposta estrutural tipo de um tirante de betão, sujeito a uma deformação imposta só ao

betão [1]. .........................................................................................................................................28

Figura III.6: Modelo base simulado na ATENA [1]. ..........................................................................29

Figura III.7: Análise de tensões nas armaduras e respectiva abertura de fendas, para deformações

imposta externa a) e interna b) respectivamente, para um tirante de %04.1=ρ [1].........................30

Figura III.8: Variação de K, em função da espessura.......................................................................32

Figura III.9: Equilíbrio de tensões e variação de deformações ao longo da fase de formação de

fendas. ............................................................................................................................................33

Figura III.10: Ensaios tipo – comportamento da aderência aço – betão para várias situações tipo [1].

........................................................................................................................................................34

Figura III.11: Transmissão de tensão ao longo do comprimento 0l [1]. .............................................35

Figura III.12: Variação do afastamento entre as fendas de acordo com a pormenorização adoptada

[1]. ...................................................................................................................................................38

Figura III.13: Comparação do afastamento das fissuras de acordo com os diferentes regulamentos

[1]. ...................................................................................................................................................38

Figura III.14: Contribuição do betão entre as fissuras [2]. ................................................................39

Figura III.15: Equilíbrio de tensões aquando da abertura da primeira fenda [5]. ...............................41

Figura III.16: Percepção humana comum ao fenómeno da fendilhação em função da distância [5]..43

viii

Figura III.17: Proposta de dimensionamento entre os dois critérios enunciados apresentada por

Favre [5]. .........................................................................................................................................45

Figura III.18: Foto de infiltração e presença de limo causada pela fissuração e permeabilidade

excessiva da laje de betão. ..............................................................................................................46

Figura III.19: a) Variação da permeabilidade com A/C; b) variação da permeabilidade com os aditivos

e qualidade de cura [2].....................................................................................................................47

Figura III.20: Distinção entre fissuras transversais à totalidade da secção ou não [5].......................47

Figura III.21: Gráfico com os valores recomendados para a abertura, wk1. .......................................50

Figura III.22: Gráfico com diâmetros máximos de varões recomendados para varias aberturas de

fendas, função da tensão nas armaduras [4]. ...................................................................................51

Figura III.23: Gráfico com espaçamentos máximos de varões recomendados para varias aberturas

de fendas, função da tensão nas armaduras [4]. ..............................................................................51

Figura III.24: a) Geometria geral da parede; b) Distribuição de tensões antes de formar a 1ªfenda, c)

Resultantes de tensões longitudinais antes de formar a 1ªfenda. .....................................................53

Figura III.25: Comparação de distribuição de tensão no centro das paredes com as dum tirante em

função da razão bl / [5]. .................................................................................................................54

Figura III.26: a) Parede antes de formação de uma 2ªfenda; b) Distribuição de tensões antes de

formar a 2ªfenda, c) Resultantes de tensões antes de formar a 2ªfenda, para um comportamento não

linear. ..............................................................................................................................................54

Figura III.27: Características geométricas e de materiais adoptados no modelo computacional, para

as paredes laterais na análise não linear, ATENA [3]. ......................................................................55

Figura III.28: Variação das resultantes de tensões ao longo da parede obtida através do

comportamento não linear para o caso correspondente a [3]............................................................56

Figura III.29: Evolução da tensão média e aberturas de fendas ao longo da parede para caso de

%5,0=ρ , para deformação imposta externa e interna respectivamente [3]. ..................................56

ix

Figura IV.1: Modelo base utilizado No Sap2000. .............................................................................58

Figura IV.2: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=15,70 cm2/m (armadura

mínima). ..........................................................................................................................................61

Figura IV.3: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=10,48 cm2/m. .....................61

Figura IV.4: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=22,62 cm2/m. .....................62

Figura IV.5: Variação de tensão média na secção central, para os casos analisados. .....................63

Figura IV.6: Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da formação

da 1ªfenda, ∆T=8,63ºC. ...................................................................................................................64

Figura IV.7: Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da formação

da 3ªfenda, ∆T=12,35ºC. .................................................................................................................65

Figura IV.8: Deformada para a situação imediatamente antes da formação da 3ºfenda, ao longo do

comprimento da parede SAP2000....................................................................................................65

Figura IV.9: Variação de tensão e valor médio, na secção central da parede a quando da formação

das fendas seguintes para: a) caso1, com As=15,70cm2/m; b) caso 2, com As= 10,48cm

2/m; c) caso

3, com As=22,63 cm2/m. ..................................................................................................................66

Figura IV.10: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=15,70 cm2/m (armadura

mínima), modelando a estrutura com módulos de elasticidade reduzidos. ........................................67

Figura IV.11: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=10,48 cm2/m, modelando a

estrutura com módulos de elasticidade reduzidos. ...........................................................................68

Figura IV.12: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=22,62 cm2/m, modelando a

estrutura com módulos de elasticidade reduzidos. ...........................................................................68

Figura IV.13: Variação de tensão da armadura na 1ª fenda para o caso 1, 2 e 3 respectivamente,

considerando a retracção como uma acção lenta. ............................................................................69

x

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela I.1: Tabela sinóptica de causas, período de aparecimento de fendas, e medida de projecto e

de obra a tomar [1].............................................................................................................................2

Tabela II.1: Valor de hk da expressão II.3 [7]. ..................................................................................16

Tabela II.2: Valor da retracção nominal, 0,cdε (em ‰) no betão [7]...................................................17

Tabela II.3: Pormenorização de juntas, para o controle de fendas. ..................................................20

Tabela II.4: Valores de recobrimento mínimo, minC , de modo a assegurar características de

durabilidade adequadas [7]. .............................................................................................................22

Tabela III.1: Casos de análise – parametrização da armadura ordinária [1]......................................30

Tabela III.2: Valores limites recomendáveis para as aberturas de fendas, dependentes das condições

de serviço [5]. ..................................................................................................................................42

Tabela III.3: Valores recomendados para a abertura de fendas, maxw [7]. ........................................44

Tabela III.4: Tabela apresentada pelo EC2 na secção 7.3.3, para o controlo indirecto da fendilhação

[7]. ...................................................................................................................................................44

Tabela III.5: Tabela com classificação da exigência de estanquidade [4] .........................................49

Tabela III.6: Casos de análises para a analise não linear, ATENA [3]. .............................................55

Tabela IV.1: Características dos materiais à adoptar na parede.......................................................58

Tabela IV.2: Caso de análise – parametrização da armadura ordinária. ...........................................60

Tabela IV.3: Valores das aberturas média de fendas (modelo com módulo de elasticidade elásticos).

........................................................................................................................................................70

xi

Tabela IV.4: Valores das aberturas média de fendas (modelo com módulo de elasticidade reduzido).

........................................................................................................................................................70

xii

Simbologia

As,min Área de armadura mínima

Ac,ef Área efectiva do betão

c Recobrimento da armadura

cmin Recobrimento mínimo da armadura

cnom Recobrimento nominal da armadura

Ec Módulo de elasticidade do betão

Es Módulo de elasticidade do aço

Ec,eq Módulo de elasticidade equivalente

εimp Deformação imposta

ε∆T Deformação devido à variação da temperatura

εcs Deformação devido à retracção total

εcd Deformação devido à retracção de secagem

εca Deformação devido à retracção endógena

εs,yk Deformação característica de cedência do aço

fcm Tensão de compressão média do betão

fck Tensão de compressão característica do betão

fctm Tensão de tracção média do betão

fs,yk Tensão característica de cedência do aço

Ф Diâmetros dos varões de aço

ol Comprimento de transmissão

Sr,max Afastamento máximo entre as fendas

Sr,min Afastamento mínimo entre as fendas

efρ Percentagem de armadura na área efectiva

bτ Tensão de aderência aço – betão

bmτ Tensão de aderência média aço – betão

1

I. Introdução geral

1.1 Introdução

A história do betão estrutural mostra que uma estrutura, para além de ter a capacidade resistente

necessária, deve assegurar determinadas características de comportamento em serviço, e ainda,

possuir uma durabilidade suficiente de modo a tornar a estrutura eficiente. Esta constatação tornou-

se evidente a partir do momento que se verificou que algumas estruturas e nalgumas zonas, onde se

cumpriam satisfatoriamente a regulamentação referente ás verificações da segurança à rotura,

apresentavam problemas de falta de qualidade de funcionamento em serviço.

Um grande impulso nesta área é dado nos anos de 70 e 80, na Europa, em particular na EPF

Lausanne, onde houve a possibilidade de lançar um esforço de investigação importante para

caracterização do comportamento em serviço de estruturas, de modo a dar resposta a questões

levantadas pelo comportamento deficiente verificado nalgumas obras. Uma importante

sistematização das características do comportamento foi realizado, permitindo, nesta área, que

propostas práticas fossem apresentadas no que diz respeito à deformabilidade e fendilhação, tendo

em consideração os efeitos do tempo, que mais tarde vieram a ser introduzidas em regulamentos e

outras recomendações de projecto. Provávelmente terá sido nesta época que a caracterização do

comportamento em serviço mais evoluiu passando também a existir uma maior consciência da sua

importância no dimensionamento. Porém, ainda hoje, por falta de sensibilidade dos projectistas,

essas disposições regulamentares, por vezes menos bem consideradas, podem conduzir a

resultados menos bons.

Um aspecto importante do controlo do comportamento em serviço das estruturas é a eventual

abertura de fendas com valores superiores ao admissível. De uma forma geral, estas são induzidas

por fenómenos que se apresentam na Tabela I.1 [1], onde também são indicados os períodos do seu

aparecimento e o tipo de medidas a considerar para as controlar.

2

Tabela I.1: Tabela sinóptica de causas, período de aparecimento de fendas, e medida de projecto e de obra a

tomar [1].

Causas Período de

aparecimento Medida a tomar

Abatimento do betão fresco

Retracção plástica e química

Nos instantes seguintes à

betonagem (horas)

Controlo do

processo de cura

Retracção Térmica Alguns dias após a

betonagem Armadura mínima

Retracção de

secagem

Alguns meses ou anos

após a betonagem Armadura mínima

Assentamento

diferencial da

fundação

Durante a utilização Armadura mínima

Deformações

Impostas

Variações de

temperatura Durante a utilização Armadura mínima

Carregamento da estrutura Durante a utilização Controlo de tensões

Corrosão da armadura Durante a utilização

Reacções químicas (alcalis) Durante a utilização

Gel Durante a utilização

Qualidade global da

estrutura

Este quadro realça que uma importante razão para a menor qualidade do comportamento das

estruturas deve-se à ocorrência de deformações impostas nas estruturas que, devido a

hiperestaticidade estrutural, não se podem verificar livremente. Havendo restrição ao movimento

livre, desenvolvem-se tensões que quando excedem a resistência à tracção do betão, dão origem à

fendilhação, que muitas vezes é por tracção, sendo portanto transversais à secção.

É de salientar que para a situação de fissuras na superfície, resultantes das parcelas de retracção

plásticas e térmicas ou devida a fendihação por flexão (como por exemplo, as induzidas por

assentamentos diferenciais ou variação diferencial de temperatura), podem ser inconvenientes do

ponto de vista estético ou de durabilidade, mas são, no caso de depósitos, menos inconvenientes no

que diz respeito às exigências de estanquidade.

A fendilhação é, para o nível actual de conhecimentos do betão estrutural, inevitável, devendo

portanto, ser encarada como um fenómeno natural numa estrutura de betão. É hoje, um aspecto

conhecido do comportamento estrutural, estando bem caracterizados os parâmetros que explicam e

controlam o comportamento de elementos fendilhados. No entanto, há que reconhecer a dificuldade

em quantificar com alguma exactidão os parâmetros das expressões de cálculo do valor da abertura

de fendas, sendo, contudo, possível obter estimativas razoáveis.

3

1.2 Enquadramento teórico

De uma forma geral as acções que actuam num elemento estrutural, podem ser classificadas como

directas ou indirectas [2]. As acções directas englobam cargas como o peso próprio, as restantes

cargas permanentes, as sobrecargas e as acções horizontais como o vento. Por sua vez as acções

indirectas que interessam em particular neste trabalho, têm carácter de deformação imposta e são as

variações de temperatura, os efeitos da retracção do betão e os assentamentos diferencias de

apoios.

No que diz respeito à caracterização da influencia dos efeitos destas acções nos elementos

estruturais é de referir que as acções directas geram tensões (ou esforços) nas estruturas que,

dependendo do comportamento estrutural considerado (linear ou não linear devido à fissuração e

fluência do betão), podem ter distribuições diferentes mas sempre sem diminuição global de

esforços, pois estes são fundamentais para o equilíbrio. Contudo, no caso dos efeitos das acções em

estudo (acções indirectas), devido ao comportamento não linear, verifica-se uma diminuição de

esforços em relação aos valores elásticos, pois estes dependem da rigidez da estrutura.

Um processo simples para ter em conta a não linearidade do comportamento dos elementos

estruturais, e assim avaliar os efeitos estruturais das acções, é reduzir a rigidez elástica dos mesmos

nas secções fendilhadas.

Convêm referir que as acções indirectas podem ser de carácter externo ou interno ao elemento

estrutural. As primeiras são referentes a deformações impostas, como por exemplo uma variação de

temperatura, que afecta simultaneamente o betão e o aço. No que diz respeita ás segundas referem-

se aos casos de uma deformação imposta unicamente ao nível do betão, como no caso da retracção.

É importante salientar o facto de que as deformações impostas correntes nos elementos estruturais,

considerando simultaneamente a retracção e uma variação de temperatura, são bastantes superiores

à deformação correspondente ao início de fendilhação, pois, para um módulo de elasticidade

instantâneo tem-se:

4

,

3

max 101.0106.0)( −−∆ ×≈=⟩⟩×≈+=

mc

ctm

ctmcsTimpE

fεεεε (I.1)

Assim sendo, a não consideração de eventual fendilhação devido as deformações impostas, pode

ser irrealista, a menos que a estrutura ou o elemento estrutural seja isostático ou que a deformação

se possa verificar quase livremente. No entanto, quando há impedimentos da deformação imposta,

há que avaliar os efeitos em termos do comportamento em serviço.

4

Em geral, devido ao comportamento não linear, para controlar e tornar aceitáveis as características

do comportamento às deformações impostas, é suficiente a adopção de uma quantidade mínima de

armadura a colocar perpendicularmente às possíveis fissuras. Dessa forma, sem encarecer

desnecessariamente a construção, é possível evitar a formação de fendas exageradas, que

comprometam a funcionalidade e durabilidade estrutural.

Ao colocar-se a armadura mínima garante-se, pelo menos, a obtenção de uma fendilhação repartida,

evitando o aparecimento de uma fenda grande isolada. Essa solução mostra-se, no entanto,

insuficiente para níveis de exigência maiores, como, por exemplo, no caso de estanquidade de

depósitos.

1.3 Objectivo

As estruturas de betão durante a sua vida útil, estão sujeitas a deformações impostas quando

expostas à acção do meio ambiente. Estas deformações, como referido, ao serem restringidas pelas

ligações ao exterior e entre os diferentes elementos estruturais, induzem tensões axiais de tracção

no betão que propiciam o aparecimento de fendas. E as aberturas daquelas fendas têm de ser

limitadas de modo a permitir uma boa aparência e um comportamento adequado em serviço, em

particular garantido condições de funcionamento adequadas à sua função. Uma das formas

eficientes de limitar as aberturas de fendas, e que será discutido neste trabalho, é o uso de

quantidades de armadura adequadas na direcção perpendicular a possíveis fendas transversais.

A quantificação destas armaduras (correntemente definidas como armaduras mínimas), é feita

através do critério da não plastificação ou, de forma mais exigente, por limitação mais rigorosa da

tensão nas armaduras de modo à limitar eficazmente a abertura de fendas.

Inicialmente, tendo como objectivo perceber todo o mecanismo de fendilhação, analisou-se o

comportamento característico de um tirante de betão a uma deformação imposta, tendo-se

considerado dois tipos de acções indirectas. A primeira referente a uma variação de temperatura que

afecta simultaneamente o betão e o aço e a segunda afectando unicamente o betão, como é o caso

da retracção.

Num estudo realizado recentemente, apresentado no artigo “Controlo de fendilhações para

deformação imposta” [3], foram desenvolvidas análises não lineares, com recurso ao programa

ATENA, sobre o comportamento das paredes com ligação rígida à fundação ou laje de fundo.

Observou-se que, nas paredes laterais dos depósitos ou muros de suporte, não há uniformização da

resultante de tensões ao longo da parede, depois do início da fendilhação, contrariamente à situação

de tirante. Verifica-se que a tensão média máxima nas armaduras, após a fendilhação toma valores

inferiores à que poderia ser prevista se o comportamento fosse equivalente à de um tirante. Assim,

5

as armaduras a adoptar nas paredes laterais devem ter, por um lado, em consideração estas

características do comportamento e, por outro lado, as exigências funcionais que são diferentes num

muro lateral ou em paredes de um depósito.

Neste estudo, o objectivo proposto foi o de avaliar este fenómeno, a partir do uso de um programa

menos sofisticado e mais corrente (modelo linear, SAP2000), mas tendo em consideração, de uma

forma simplificada, a perda de rigidez a quando da formação das fendas, para posteriormente

analisar os resultados e tentar contribuir para responder a questões do tipo:

• Será a forma actual de avaliação das quantidades de armadura, para limitar eficazmente a

abertura de fendas em paredes a mais correcta?

• Dever-se-á utilizar em depósitos quantidades de armadura inferior, igual ou um pouco

superior à mínima, correspondente à não plastificação da armadura, para conseguir respeitar

as exigências funcionais?

• Porque será que, por vezes, utilizando quantidades de armaduras significativas, se verificam

situações não aceitáveis em termos de estanquidade dos depósitos?

1.4 Estrutura do documento

Este trabalho intitula-se “Controlo de fendilhação para deformações impostas em paredes laterais de

depósitos” e está dividido em 5 capítulos.

Este primeiro capítulo apresenta um breve historial do surgimento da necessidade de verificar com

mais rigor a segurança ao estado limite de serviço, fazendo o enquadramento do estudo, e

salientando os principais objectivos e estrutura do trabalho.

No segundo capítulo faz-se uma caracterização das acções indirectas e dos seus efeitos,

analisando-se as suas consequências e formas de as controlar.

No terceiro capítulo analisa-se de uma forma geral todo o mecanismo de fendilhação, as

propriedades essenciais para assegurar características de funcionalidade adequadas às paredes de

depósitos e a regulamentação em causa, analisando-se em particular o regulamento específico para

os depósitos, Eurocodigo 2 – parte 3 [4]. No fim deste capítulo é apresentada as características

principais da resposta de paredes laterais face a deformações impostas, com base em estudos

recentemente realizados.

No quarto capítulo apresenta-se o estudo analítico realizado neste trabalho referente a uma parede

lateral, considerada livre nas extremidades e encastrada na base, sob o efeito de uma variação da

temperatura. No SAP2000 analisaram-se os resultados para as diferentes fases do processo de

6

formação de fendas comparando-os com os obtidos no modelo não-linear referido no parágrafo 1.3 e

desenvolvido no 3.9.

No quinto capítulo apresentam-se as conclusões gerais do trabalho realizado e os possíveis

desenvolvimentos futuros.

7

II. Caracterização das acções indirectas

2. Introdução

As acções indirectas são deformações impostas, como as variações de temperatura e a retracção,

cujos efeitos podem limitar a durabilidade e as condições de funcionamento das estruturas de betão

durante o seu período de vida útil. É, portanto, importante conhecer as características de cada uma

dessas acções, para depois avaliar as características da resposta estrutural.

2.1 Variações de temperatura

As diferenças de temperatura ocorrem ao longo de toda a vida da estrutura, de uma forma cíclica,

com maior ou menor intensidade, consoante esta se encontre mais ou menos exposta ao meio

ambiente, e em particular ao efeito directo do sol.

A exposição da estrutura à variação térmica depende de vários factores, condições climáticas locais,

orientação da estrutura, sua massa e o tipo de revestimento. A sua amplitude será menor em

edifícios consoante os revestimentos adoptados e aos sistemas de climatização interior de

aquecimento/arrefecimento que estabilizam a temperatura no interior dos edifícios ao longo do dia, e

também, ao longo do ano. No entanto existem estruturas, como é o caso de pontes, depósitos e

outras, que se encontram expostas a variações de temperatura significativas que, na generalidade

dos casos, se verificam com diferentes valores ao longo da espessura do elemento estrutural.

O efeito da temperatura numa secção não é uniforme, pelo que a sua distribuição como acção deve

ser dividida, em geral, em diferentes parcelas como representado na Figura II.1.

Variação de temperatura ∆Tu ∆TMz ∆TMy ∆Te

∆Ttotal(x,y,z)

Figura II.1: Diagrama representativo do efeito da temperatura numa estrutura [1].

Em que:

• ∆Tu, componente de temperatura uniforme;

8

• ∆TMy e ∆TMz, componente de temperatura diferencial linear, tenderão a provocar curvaturas

segundo Y e Z respectivamente;

• ∆Te, componentes não linear da temperatura, que geram um sistema de tensões auto-

equilibardas;

Ao fazer actuar numa estrutura isostática uma variação de temperatura uniforme, esta provoca

apenas um deslocamento axial (ver Figura II.2 a)) ao passo que caso a estrutura seja hiperestática

desenvolve esforços axiais. Por sua vez se a solicitação for uma variação diferencial de temperatura

(ver Figura III.12 b)), esta introduz uma deformação com curvatura associada, devidas às extensões

diferencias entre as faces dos elementos exposta e protegida, sem produzir qualquer tipo de esforço,

isto para uma estrutura isostática. Se a estrutura for hiperestática gerar-se-ão naturalmente esforços

de flexão.

Figura II.2: Resposta estrutural, consoante a parcela da variação de temperatura considerada [1].

De facto ao restringirem-se as deformações impostas uniformes, por variação negativa da

temperatura ou por retracção, tendem a se gerar tensões axiais de tracção nos elementos estruturais

que podem originar fissuras transversais ao elemento, influenciando por conseguinte as

características de comportamento em serviço (aspecto, estanquidade, etc.) e, eventualmente, a

durabilidade.

2.2 Retracção

A retracção é um fenómeno caracterizado pela diminuição gradual de volume do betão ao longo do

processo de endurecimento, na ausência de cargas aplicadas. Essa redução que acontece

principalmente porque o betão tende a perder parte da água utilizada no seu fabrico, denominando-

se de retracção hídrica, que como veremos no subcapitulo 2.2.5, é composta por duas parcelas

(parcelas endógena e de secagem). De qualquer forma há outras componentes do fenómeno que

9

devem ser consideradas e que ocorrem em simultâneo com a perda de humidade (água). Podem

então ser identificadas ainda os seguintes tipos de retracção:

• Retracção plástica,

• Retracção química;

• Retracção térmica,

• Retracção de carbonatação;

Nos subcapítulos seguintes, caracteriza-se cada uma das componentes acima referidas, dando-se

mais ênfase às que mais influenciam o comportamento das estruturas e que portanto, são mais

relevantes para este estudo.

2.2.1 Retracção plástica

A retracção plástica é a retracção que ocorre antes do betão adquirir a presa, ou seja, antes que as

propriedades mecânicas se encontrem desenvolvidas. Esta componente é devida ao facto da

velocidade de evaporação da água, junto à superfície livre do betão fresco, ser superior à água que

migra do interior do betão para a superfície [1].

Depende, além da composição do betão, dos factores que afectam a velocidade de evaporação da

água, como a humidade relativa do meio ambiente, a temperatura, a velocidade do ar e o volume da

peça.

Como resultado da retracção plástica, tem-se, eventualmente, uma fendilhação superficial que além

do aspecto estético negativo poderá prejudicar a durabilidade da estrutura.

2.2.2 Retracção química

A retracção química é também chamada de retracção intrínseca e tem em conta que o volume

absoluto da pasta de cimento se reduz quando se dá a hidratação do cimento, verificando-se, no

entanto, que após algumas semanas, o volume aparente da mesma pasta endurecida tem um

aumento. Esta situação pode-se explicar pela formação de vazios na pasta de cimento, os quais são

normalmente chamada de poros de gel [1].

2.2.3 Retracção térmica

A retracção térmica tem em conta o arrefecimento do betão devido ao efeito das reacções químicas

de hidratação do cimento, que são exotérmicas e libertam calor. No fim da presa, as reacções são

mais lentas e a temperatura baixa progressivamente graças a dissipação de calor para o exterior

através das cofragens e da superfície livre (ver Figura II.3). Da observação da figura nota-se que,

10

este fenómeno se manifesta de uma forma mais gravosa após a descofragem, até que o calor da

hidratação se dissipe totalmente.

Figura II.3: Avaliação do risco de aparecimento de fissuras com a evolução da retracção térmica [5].

A retracção térmica é o efeito da contracção do betão que acompanha este arrefecimento gradual.

Esta retracção é provocada pelo gradiente térmico entre o interior do elemento de betão e o meio

exterior e, dela resulta a eventual fendilhação superficial. Depende da temperatura do meio ambiente

exterior, da natureza do material da cofragem, da dimensão do elemento e da dosagem do cimento

utilizado. Com o aumento da dosagem do cimento, maior é a quantidade de componentes hidratados

e, assim, maior será a libertação de calor para o exterior e por conseguinte maior será o risco de

fissuração.

2.2.4 Retracção de carbonatação

A retracção de cabonatação produz-se logo que o hidróxido de cálcio Ca(HO)2 reage com o dióxido

de carbono CO2 para formar o carbonato de cálcio CaCO3. É um fenómeno muito localizado na

superfície de betão e que muitas vezes nem é considerada como de retracção [1].

2.2.5 Retracção hídrica

Contudo, como referido anteriormente, a parcela mais importante é a retracção hídrica, que é devida

às perdas de água em excesso na pasta de cimento, podendo ser considerada dividida em duas

componentes distintas, retracção endógena e retracção de secagem, que serão explicados nos

subcapítulos que se seguem.

11

2.2.5.1 Retracção endógena

A retracção endógena é também chamada de retracção autogénea, retracção de auto-dissecação ou

de hidratação. Estas diferentes denominações devem-se ao facto desta parcela de retracção poder

ser causada por vários mecanismos [6]:

• O volume absoluto dos produtos da reacção do ligante com a água é inferior ao volume dos

reagentes (retracção química). Esta redução é aproximadamente proporcional ao grau de

hidratação e ocorre no momento em que a água e o cimento entram em contacto podendo

prolongar-se até à fase endurecida do betão;

• A auto-dissecação origina mudanças físicas e químicas dos componentes do cimento

durante o seu processo de hidratação, devido à perda da água que se encontra nos poros

capilares;

Esta retracção ocorre sem trocas de humidade com o exterior e aumenta com a diminuição da

relação água/cimento, fazendo com que esta parcela da retracção seja mais relevante nos betões de

elevada resistência, onde a razão entre a dosagem de água e cimento é baixa.

A retracção endógena é uma parcela normalmente pequena da retracção total, que é mais relevante

para os betões de elevado desempenho, com baixa razão A/C, onde os poros maiores ficam

totalmente vazios devido à hidratação. Esta ocorre, para betões usuais, em cerca de 80 % até aos 28

dias, pelo que a retracção endógena é um fenómeno que ocorre nas primeiras idades do betão.

À medida que a retracção se desenvolve, a remoção da água vai-se processando dos poros maiores

para os mais pequenos, com aumento progressivo do volume de vazios (ver Figura II.4 a)),

acompanhada de um aumento da tensão capilar, pois começa-se a desenvolver um menisco capilar

na interface líquido/vapor, devida à perda de pressão nos poros (Figura II.4b)).

Figura II.4: a) distribuição hipotética do tamanho dos poros para os materiais cimentícios indicando que com a

secagem, os poros mais pequenos vão esvaziando progressivamente; b) mecanismo da tensão superficial

agindo na interface liquido/vapor [6].

12

O facto da parcela de retracção endógena ser mais significativa nas primeiras idades do betão, com

a dissecação a processar-se dos poros maiores para os mais pequenos, faz com que as perdas de

pressão sejam maiores nos primeiros e, por conseguinte, maiores são as variações de tensões

capilares nas primeiras idades do betão.

Podemos explicar o equilíbrio estático após a redução da pressão no poro pela equação de Laplace

que descreve o equilíbrio mecânico para o caso de um menisco esférico através da seguinte

expressão [6]:

rpp

σ2,,, =− , (II.1)

Em que ,,p é a pressão do vapor e ,p a pressão do fluido, σ a tensão superficial da água e r a

curvatura do menisco (ver Figura II.5).

Figura II.5: a) Pressões internas e externas que se encontram numa superfície esférica Pi e Po

respectivamente; b) Forças do lado esquerdo da superfície semi-esférica são devidas à tensão superficial,

enquanto que as perpendiculares à superfície semi-esférica são devidas à diferença de pressão Pi e Po [6].

2.2.5.2 Retracção de secagem

A retracção de secagem, por vezes denominada de retracção de dissecação, é a parcela mais

significativa da retracção global. Produz-se pela difusão da água na direcção das faces expostas,

verificando-se a secagem em presença de um gradiente hídrico entre o interior do betão e o ar

ambiente sendo tanto maior quanto maior for a relação água/cimento. Assim a retracção de secagem

em betões de alta resistência é menor que no caso dos betões correntes devido às pequenas

quantidades de água livre após a hidratação e à menor porosidade.

13

Essa perda de água, dá origem a uma variação de volume do betão, pois sendo o betão um material

poroso sofre uma diminuição de volume quando a água é removida dos poros. O vapor de água,

como referido, ao difundir-se de dentro do betão para a superfície, vai forçando a água que se

encontra dentro dos poros a se transformar em vapor, para manter o equilíbrio. Os poros maiores,

como referido na parcela de retracção caracterizada anteriormente, são os primeiros a ficarem

vazios, verificando-se neles um aumento da tensão superficial, associado à perda de humidade no

interior do poro. Este fenómeno é bastante mais lento do que o associado à remoção da água dos

poros por retracção endógena e dura vários anos até que o betão fique totalmente seco.

A perda de volume do elemento de betão, resultante da perda de vapor de água dos poros, no

processo de retracção de secagem, pode processar-se, para além dos mecanismos da tensão

superficial nos poros capilares, por pressão de disjunção e energia livre na superfície sólida.

Todos estes mecanismos dependem do equilíbrio entre a humidade relativa do meio ambiente e a

humidade interna do betão. A Figura II.6 mostra a relação entre a perda de água (massa) e a

retracção, para diferentes valores de humidade relativa e da temperatura.

Figura II.6: Relação entre a perda de massa e a retracção para diferentes humidades relativas [6].

No domínio 1 da Figura II.6 observa-se a perda de água inicial dos maiores poros capilares, o

domínio 2 representa a remoção de água dos poros mais pequenos e os domínios 3 e 4 representam

a remoção das camadas adsorvidas. O mecanismo da tensão superficial nos poros capilares está

activo em 1, 2 e possivelmente em 3, a energia superficial livre é o mecanismo dominante em 4 e,

finalmente, o domínio 5 representa a decomposição dos silicatos de cálcio hidratados (C-S-H) a

temperaturas elevadas.

14

A retracção de secagem não depende somente do ambiente exterior, mas de todos os constituintes

do betão, da relação água/cimento, da relação entre os volumes de agregado e da pasta de cimento,

assim como das dimensões da peça.

A Figura II.7 mostra como a quantidade de água total na mistura de betão tem efeito significativo na

retracção de secagem, sendo essencial para a sua minimização.

Quantidade de água (kg/m3)125 150 175 200 225 250 275

0.00

0.02

0.04

0.06

0.08

0.10

0.12

0.14

Retracç

ão de seca

gem (%)

Figura II.7: Efeito da água total na retracção de secagem [6].

Pode-se concluir assim que, para minimizar a retracção de secagem, a quantidade total de água

deve ser mantida o mais baixo possível.

A Figura II.8 mostra também que um aumento na razão agregado/cimento, a/c, reduz

significativamente a retracção de secagem.

0.35 0.40 0.45 0.50 0.55 0.60 0.65 0.70

0.00

0.02

0.04

0.06

0.08

0.10

0.12

0.14

Razão A/C

Retracção

de seca

gem

(%)

a/c=3 a/c=4 a/c=5 a/c=6 a/c=7

Figura II.8: Efeito da razão entre o agregado e cimento (a/c) e da razão água cimento (A/C) na retracção de

secagem [6].

15

Os agregados influenciam a retracção devido a dois factores, por um lado, o uso de agregados

grossos minimiza a quantidade total de água por diminuir a quantidade da pasta de cimento, pois

quanto menor for a quantidade deste, para uma mesma finura dos grãos, menor será a superfície à

hidratar. Por outro lado, a retracção da pasta de cimento é reduzida pelos agregados devido à sua

restrição ao encurtamento que oferecem. Esta restrição depende do tipo de agregado, da sua rigidez,

da quantidade usada e do tamanho das partículas.

É ilustrada na Figura II.9 um gráfico de evolução das duas últimas e mais importantes parcelas de

retracção (retracção endógena e retracção de secagem) ao longo do tempo para um caso tipo de um

betão de baixa resistência e para um elemento de laje com espessura de 25 cm, verificando-se uma

parcela muito significativa da retracção de secagem face à endógena.

Figura II.9: Exemplo tipo de quantificação da retracção – parcela endógena (azul), de secagem (verde) e soma

das duas (encarnado) [1].

A retracção de secagem produz-se segundo um processo muito mais lento, como analisado

anteriormente, dando-se ao longo de anos, mas tomando valores importantes entre os 400 a 800

dias. Este aspecto desvaloriza a hipótese, por vezes defendida para o faseamento construtivo de

estruturas, em que a construção de troços independentes de pequena dimensão em planta com

estabelecimento de ligação após 30 a 45 dias, é uma forma de eliminar os efeitos da retracção ou

grande parte deles. Neste período, poder-se-á ter, no máximo, um valor de retracção de cerca de

30% do valor final. Sendo assim, em estruturas sensíveis aos efeitos de deformação impostas,

haverá sempre necessidade de avaliar a necessidade de controlar a eventual fendilhação, não só

nas primeiras horas de vida do betão, mas as que possam surgir posteriormente. Uma das formas de

o fazer é com a adopção de quantidades de armadura superiores a valores considerados como

mínimos, na direcção perpendicular a possíveis fendas.

16

O Eurocodigo 2 – parte 1 [7], considera a retracção total como a soma das duas ultimas parcelas de

retracção referidas acima, dada por:

cacdcs εεε += (II.2)

Onde:

• csε é a retracção total;

• cdε é a retracção de secagem;

• caε é a retracção endógena;

E o valor final da retracção de secagem é dado por:

0,, cdhcd k εε ×=∞ (II.3)

Onde:

• hk é o coeficiente que depende do valor de h0, tomando valores entre 0,70 e 1,0 como

indicado na Tabela II.1.

Tabela II.1: Valor de hk da expressão II.3 [7].

h0 [mm] kh

100 1.0

200 0.85

300 0.75

≥ 500 0.70

E ho é a espessura especifica dada por:

u

Ah c20 = (II.4)

Em que:

Ac é a área bruta da secção de betão;

u é o perímetro da parte da secção bruta exposta à secagem;

• 0,cdε é o valor da retracção nominal de secagem, apresentado simplificadamente na Tabela

II.2.

17

Tabela II.2: Valor da retracção nominal, 0,cdε (em ‰) no betão [7].

Humidade relativa [%] fck/fck,cubo (MPa) 20 40 60 80 90 100

20/25 0.64 0.60 0.50 0.31 0.17 0 40/50 0.51 0.48 0.40 0.25 0.14 0 60/75 0.41 0.38 0.32 0.20 0.11 0 80/95 0.33 0.31 0.26 0.16 0.09 0 90/105 0.30 0.28 0.23 0.15 0.05 0

Esta grandeza é definida de uma forma geral pela seguinte expressão, apresentada no

anexo B (B.2) do EC2 – parte 1 [7]:

( ) RH

cm

cm

dsdscdf

fβααε ××

−+= −6

0

210, 10)exp(11022085,0 , (II.5)

Em que,

−−=

3

0

155,1RH

RHRHβ (II.6)

Onde:

• fcm é a resistência de compressão média;

• fcmo =10 Mpa

• 1dsα é o coeficiente que depende do tipo de cimento e toma os seguintes valores:

3, para um endurecimento lento de cimento (s);

4, para um endurecimento normal ou rápido de cimento (N);

6, para um rápido endurecimento e alta resistência do cimento (R);

• 2dsα é o coeficiente que depende do tipo de cimento e toma os seguintes valores:

0.13, para um endurecimento lento de cimento (s);

0.12, para um endurecimento normal ou rápido de cimento (N);

0.11, para um rápido endurecimento e alta resistência do cimento (R);

• RH é a humidade relativa do meio ambiente;

• RH0 =100%

A avaliação da retracção de secagem com o tempo é dada por:

0,),()( cdhsdscd kttt εβε ××= (II.7)

Em que,

304.0)(

)(),(

hott

tttt

s

s

sds

+−

−=β (II.8)

18

Onde:

t , é a idade do betão até ao momento considerado;

st , é a idade do betão em que se inicia a retracção, normalmente coincide com fim do

processo de cura do betão;

E, finalmente, a retracção endógena é, de acordo com o EC2 [7], definida por:

)()()( ∞×= caasca tt εβε (II.9)

Em que,

610)10(5,2)( −×−=∞ fckcaε (II.10)

)2,0exp(1)( 5,0ttas −−=β (II.11)

Onde t é dado em dias

Por exemplo, para o caso de um betão de classe C20/25 (fck=20Mpa, betão de baixa/média

resistência), com humidade relativa do meio ambiente da ordem de 80% tem-se, para 800 dias após

a betonagem, da expressão (II.11), 9965,0)800( ==tasβ e, por conseguinte, das expressões (II.9)

e (II.10), 51049,2)800( −×==tcaε . Por outro lado, a partir do valor de 31,00, =cdε ‰ dado pela

Tabela II.2 e, admitindo h0=200 mm tem-se, kh=0,85 e da expressão (II.8), 8761,0=dsβ , obtendo-se

finalmente de (II.7) 41031,2 −×=cdε . Verifica-se assim, como ilustrado no gráfico da Figura II.9, que

para um betão de baixa a média resistência, a parcela da retracção de secagem é muito mais

significativa.

Fazendo agora os cálculos, para as mesmas condições de ambiente e exposição da estrutura, mas

para um betão de alta resistência C60/75 (fck=60Mpa), obtêm, 41024,1)800( −×==tcaε e

41049,1 −×=cdε . Verifica-se uma clara menor diferença relativa entre as duas parcelas de

retracção, embora no caso do betão de alta resistência, a parcela de retracção devido à secagem

ser, ainda, superior à endógena.

A retracção de secagem que tem maior relevância para a estrutura, toma valores da ordem de 0,15 a

0,40‰ dependendo dos factores mencionados anteriormente, que somando à retracção endógena,

resulta, em geral, numa gama de valores da retracção total de 0,30 a 0,50‰.

19

2.2.6 Formas de minimizar os efeitos da retracção

Relativamente à minimização dos efeitos estruturais, verifica-se, portanto, que a escolha de um betão

com maior parcela endógena de retracção e menor de secagem, associado a um processo

construtivo favorável, pode contribuir eficazmente para diminuir a deformação imposta no sistema

final de estruturas com mais restrições. De qualquer forma a retracção é com o nível de tecnologia

actual inevitável nas estruturas de betão armado. No entanto, é possível reduzi-la e ao mesmo tempo

prever medidas de controlo das aberturas de eventuais fendas, de forma a evitar repercussões

negativas em termos da durabilidade da estrutura e do ponto de vista estético. Assim há que, no

dimensionamento das estruturas, ter uma especial atenção aos estados limites de serviço e, na fase

de execução da obra, ter um controlo adequado do faseamento construtivo e, das características dos

materiais utilizados.

Existem varias formas de reduzir o valor da retracção ou os seus efeitos estruturais, como já

referindo anteriormente, através do uso de betões com baixa razão A/C, utilização de cinzas volantes

ou pozolanas, optimização das proporções da mistura para aumentar o volume da fracção do

agregado, uso de agregados leves saturados ou, ainda, com a adopção de juntas construtivas ou

sistemas isostáticos (ver Figura II.10), fases de betonagens adequadas, cuidados na colocação e

compactação do betão (as cofragens devem ser limpas e humedecidas) e um controlo do processo

de cura, de modo a reduzir a velocidade de evaporação da água.

Uma forma de diminuir a retracção pode também passar pela utilização de adjuvantes redutores da

retracção, que são comercializados pelas indústrias de produtos químicos. De facto uma forma de

actuar eficazmente nos betões consiste em fazer diminuir a tensão superficial dos poros capilares,

conseguindo-se a redução ou desaceleração da retracção, principalmente da retracção de secagem

para argamassas e betões cuja razão entre água e ligante seja elevada [6]. O uso de adjuvantes

para reduzir os efeitos da retracção, pode fazer baixar a resistência do betão, não sendo, para o tipo

de estrutura em causa neste trabalho, um aspecto significativo.

Figura II.10: Influencia dos sistemas estáticos e de juntas sobre as zonas com risco de fissuração [5].

20

Como ilustrado na Figura II.10, a adopção de juntas nas zonas com riscos de ocorrerem fendas, faz

com que se diminua de forma significativa as fissuras no elemento estrutural, mas, exige outros

cuidados no tratamento das próprias juntas. Refira-se que estas normalmente têm uma vida útil

menor do que a estrutura em causa, o que faz, com que, frequentemente haja necessidade de

repará-las, com custo adicional na manutenção da estrutura.

Podemos dizer que há duas possíveis concepções para o dimensionamento das paredes, que

dependem das condições de serviço e do grau de exigência admissível (aspecto este, que será

abortado na secção 3.8). Estas opções referidas no EC2 – parte 3 [4] são:

• (a) dimensionamento considerando as paredes contínuas, sem juntas, sendo a abertura e o

espaçamento das fendas controladas de acordo com as recomendações técnicas

conhecidas, em particular, a secção 7.3 do EC2 [7].

• (b) dimensionamento considerando juntas, que libertam parcialmente as dilatações das

paredes, sendo as deformações absorvidas em parte pelas juntas, e permitindo, desta forma,

moderar a quantidade da armadura necessária para o controlo das aberturas de fendas.

As opções acima referidas devem ter em consideração a Tabela II.3 apresentada pelo EC2 – parte 3

[4], na secção 9.6.6 e apresentada seguidamente.

Tabela II.3: Pormenorização de juntas, para o controle de fendas.

Opção Método de controlo

Espaçamento das juntas Armaduras

(a) Continua – Rígida

Geralmente não há juntas, podendo ser desejáveis se bem afastadas quando seja de prever uma importante variação de temperatura.

Armaduras de acordo com a secção 6 e 7.3 do EC2

(b) Juntas – Máxima liberdade dos deslocamentos

Juntas completas* afastadas de 1,5 a 5 vezes altura da parede.

Armaduras de acordo com a secção 6 mas não menor que as mínimas definidas em secção 9.6.2 e 9.6.4 do EC2

* juntas completas, são juntas onde há uma completa descontinuidade, tanto para o betão como para as armaduras nas faces do elemento.

2.3 Aspectos gerais da durabilidade

A durabilidade, como referido anteriormente, não é uma característica intrínseca do material, pois

está dependente das condições ambientais, devendo as exigências nesta matéria dependerem do

meio onde a estrutura se encontra.

21

É conhecido que uma das principais causas de degradação das estruturas de betão armado consiste

na delaminação do betão de recobrimento devido à corrosão das armaduras, devendo-se em

primeiro lugar assegurar uma espessura de recobrimento adequada.

È importante referir que presentemente é reconhecido, a partir da investigação experimental de

Schiessel [8], que do ponto de vista da durabilidade, as aberturas de fendas da ordem dos 0.3 a 0.4

mm não são prejudiciais em termos de poderem ser considerados como causa da degradação das

estruturas por corrosão das armaduras. Pois, os ensaios laboratoriais para esta ordem de grandeza

das fendas, demonstraram existir condições para se dar o início do processo de corrosão, mas não a

sua progressão no tempo. As limitações das aberturas de fendas, em função do ambiente de

exposição apresentadas no EC2 [7], reflectem essa constatação como será referido com mais

detalhe em 3.6.

Na Figura II.11 ilustra-se as consequências de adopção de recobrimentos insuficiente numa laje de

betão armado, onde a despassivação das armaduras e o facto de se verificarem as condições de

humidade e exposição necessárias, fez com que se desenvolvesse a corrosão daquelas.

Figura II.11: Foto da degradação de uma laje sem um recobrimento adequado.

O EC2 [7] por sua vez propõe que o recobrimento nominal a ser definido em projectos seja dado por:

devnom CCC ∆+= min (II.12)

Onde:

• minC é definido em função da classe do ambiente em que a estrutura se encontra e do tipo

da armadura, como indicado na Tabela II.4.

22

Tabela II.4: Valores de recobrimento mínimo, minC , de modo a assegurar características de durabilidade

adequadas [7].

Requisitos ambientais para Cmin (mm) Disposição de classes de acordo com a tabela 4.1 Classe de

estrutura X0 XC1 XC2/XC3 XC4 XD1/XS1 XD2/XS2 XD3/XS3

1 10 10 10 15 20 25 30

2 10 10 15 20 25 30 35

3 10 10 20 25 30 35 40

4 10 15 25 30 35 40 45

5 15 20 30 35 40 45 50

6 20 25 35 40 45 50 55

• devC∆ é apresentado no anexo de cada país, recomendando o EC2 [7]o valor de 10 mm.

Este valor que pode ser reduzido para:

• Estruturas betonadas in situ, com fiscalização especial

105 ≤∆≤ devC mm

• Elementos pré-fabricados

100 ≤∆≤ devC

Para betão moldado contra superfícies irregulares devem-se aumentar as tolerâncias:

• Betão moldado contra o terreno Cnom≥75 mm

• Betão moldado contra o solo preparado (incluído betão de limpeza) Cnom≥40 mm

Evidentemente que esta protecção das armaduras em relação ao início do processo de corrosão não

depende somente do recobrimento, mas também da qualidade do betão que o envolve, mais

especificamente da sua compacidade. A Figura II.12 ilustra, de forma qualitativa, a evolução da

carbonatação do betão e da penetração dos cloretos no interior do betão, que leva à despassivação

das armaduras e à possibilidade de se iniciar o processo da corrosão.

23

2 5 10 15 25 50 100

tempo

Profundidade(cm)

Recobrimento de betão

Recobrimento de betão

1

2

3

Ano

1/2 valor nominal

valor nominal

Curva de penetração(carbonatação, cloretos)

.

Figura II.12: Evolução da carbonatação e penetração dos cloretos em profundidade, ilustrando a importância do

recobrimento [2].

Verifica-se que, reduzindo o valor de recobrimento para metade (por exemplo de 2,5 para 1,25 cm), a

penetração da carbonatação atinge a superfície das armaduras ao fim de um período inferior a

quatro vezes o correspondente ao maior recobrimento (isto é de 100 para 15 anos).

Sendo assim os aspectos anteriormente referidos, relativos à garantia de recobrimento e da

qualidade do betão, são do ponto de vista da durabilidade, os parâmetros essenciais.

24

III. Mecanismo de fendilhação e as suas propriedades

3.1 Mecanismo de fendilhação

O betão, como discutido nos capítulos anteriores, está sujeito a efeitos diferidos no tempo como a

retracção que corresponde a uma deformação imposta que, ao ser restringida, pode originar tensões

de tracção nos elementos estruturais (em particular nas paredes dos depósitos) e proporcionar o

aparecimento de eventuais fissuras. Para melhor se perceber o mecanismo de fendilhação e, assim

poder controlar a abertura de fendas, analisa-se seguidamente o comportamento de um tirante de

betão submetido a diferentes acções.

3.1.1 Tracção pura

O tirante de betão armado ao ser solicitado por uma força de tracção pura (N), passa no essencial

por três estados até atingir a rotura: primeiro um estado não fendilhado (estado I, regime elástico),

depois o estado fendilhado (comportamento não linear do elemento) que se subdivide em duas

fases, a primeira de formação de fendas e a segunda de fendilhação estabilizada e, finalmente, um

terceiro estado a partir da cedência do aço.

No estado não fendilhado, as tensões de tracção no betão são inferiores às da resistência à tracção

do betão, fctm. A partir do momento que a tensão no tirante ultrapassa a resistência disponível

nalguma zona verifica-se o aparecimento da primeira fenda, podendo-se dizer que o tirante está no

estado fendilhado, que, como se ilustra na Figura III.1, pode subdividir-se em duas fases: fase de

formação de fendas e a fase de fendilhação estabilizada.

Figura III.1: Diagrama de esforço – deformação de um tirante de betão armado, solicitado por um esforço de

tracção crescente [1].

25

A fase de formação de fendas é caracterizada essencialmente pela formação sucessiva de fendas,

desde que a quantidade de armadura seja suficiente para evitar a plastificação (y

ct

f

f>ρ ). Durante

esta fase verifica-se uma diminuição progressiva da rigidez secante, com uma ligeira

descontinuidade sempre que se forma uma nova fenda.

Durante a fase de fendilhação estabilizada, mantém-se o número de fendas do final da fase

anterior, sendo esta caracterizada por um aumento da abertura de fendas. A relação mN ε− segue

uma relação contínua que se aproxima à do estado II (fendilhado, só com a contribuição das

armaduras).

3.1.2 Deformação imposta externa

Ao impor-se agora uma deformação externa crescente (como por exemplo uma variação de

temperatura) sobre o tirante de betão com medição da força de tracção, verificam-se as mesmas

fases do caso anterior. Contudo na fase de formação de fendas há uma diferença de comportamento

importante, pois, neste caso, com a formação de cada nova fenda há uma diminuição brusca de

esforço N sob o efeito de uma deformação, ∆L mantida constante (ver Figura III.2).

Figura III.2: Diagrama de esforço – deformação de um tirante, para deformação imposta externa crescente [1].

Os abaixamentos repentinos do esforço axial no elemento estrutural, quando se gera cada nova

fenda, deve-se ao abaixamento considerável da rigidez nessas zonas, onde somente as armaduras

passam a resistir ao esforço axial, que são, em geral, de percentagem inferior a 1% em relação ao

betão, nas secções transversais. Inicialmente, o comportamento é elástico linear (elemento

homogéneo ao longo de todo o comprimento, estado I), em que a rigidez axial é dada pela soma da

rigidez dos dois materiais que a compõe (EsAs+EcAc), sendo a parcela do betão muito mais

26

significativa. Com o incremento da extensão, começam a aparecer sucessivas fendas, e junto a

estas, passa-se a ter somente as armaduras a resistir aos esforços (zonas a funcionar no estado II),

sendo a rigidez dada somente por EsAs. (ver Figura III.3).

Figura III.3: Comportamento global da abertura de fenda num elemento estrutural [1].

No momento da formação da primeira fenda, dá-se uma diminuição significativa da força pelo que,

então, não há risco de plastificação da armadura. Com a continuação do aumento da extensão no

elemento, o esforço de tracção no tirante recomeça a crescer, acompanhado de algum aumento da

abertura de fenda. Se a resistência da armadura for superior à da força de fendilhação do tirante,

Ncr, poderão se formar novas fendas verificando-se, na formação de cada nova fenda, uma ligeira

diminuição na abertura das já existentes (ver Figura III.4 b)).

Figura III.4: Evolução das tensões na armadura e consequente abertura de fenda, a uma deformação imposta:

a) sem armadura mínima; b) com armadura superior à mínima [1].

27

Por outro lado, como ilustrado na Figura III.4 a), se a resistência da armadura for inferior ao esforço

axial de fendilhação, a armadura plastifica na secção onde se havia formado a 1ªfenda e todo o

alongamento imposto ao tirante concentra-se na abertura da 1ªfenda, que atinge, rapidamente,

valores inaceitáveis.

É de salientar que na avaliação dos efeitos das deformações impostas, o que está em causa não é a

determinação da capacidade resistente dos elementos estruturais, ou seja, a verificação da

segurança do estado limite último, mas sim do seu comportamento em serviço, em particular o

controlo das aberturas de fendas. Assim sendo, não é fundamental a avaliação do comportamento da

estrutura na 3ª fase (comportamento referente ao estado após a plastificação da armadura), como se

ilustra na Figura III.4 b).

Mesmo em condições desfavoráveis de serviço, ou seja, considerando a acção simultânea da

retracção e de uma variação temperatura, as estruturas de betão encontram-se normalmente na fase

de formação de fendas, desde que, como se disse anteriormente, a quantidade de armadura seja

suficiente para evitar a plastificação. Assim tem-se, em geral:

• Deformação imposta

3106.0 −∆ ×<+= csTimp εεε (III.1)

• Deformação do tirante no final da fase de formação de fendas, valores da ordem de

33 105.1101 −− ×× a

• Deformação de cedência no caso do aço A400 tem-se,

3,

, 102)400( −×≈=

s

yks

yksE

fε (III.2)

Verifica-se que, para níveis de armadura correntes e que permitem o processo de formação de

fendas, o elemento estrutural apresenta um comportamento inicial elástico idêntico, sendo nesta

fase, o betão responsável pela resposta estrutural. Após a formação da primeira fenda, o

comportamento estrutural, para diferentes percentagens de armadura, apresenta dentro das

características acima referidas, algumas diferenças. Assim para maiores quantidades de armadura,

na fase de formação de fendas, verificam-se variações mais ligeiras do esforço axial, pois maior é a

rigidez do tirante fendilhado. Durante o processo de formação de fendas e, para um mesmo nível de

deformação, as aberturas são necessariamente mais pequenas. Este facto é influenciado pela maior

28

superfície de contacto entre os dois elementos (aço-betão), pois torna menor o comprimento, 0l , de

transferência de tensão do aço para o betão.

3.1.3 Deformação imposta interna

No caso da restrição à retracção livre do betão, devido ao impedimento de deformação das

extremidades do elemento (ver Figura III.5), verifica-se que o comportamento estrutural apresenta

algumas particularidades em relação ao caso referido anteriormente de uma deformação imposta

exterior abrangendo igualmente o betão e o aço.

Figura III.5: Resposta estrutural tipo de um tirante de betão, sujeito a uma deformação imposta só ao betão [1].

A partir da resposta elástica, a primeira fenda verifica-se para um esforço axial ligeiramente inferior,

porque à medida que se desenvolve a retracção do betão, a armadura é comprimida e geram-se

tensões de tracção no betão, devido à compatibilidade da deformação da secção. Esta distribuição

de tensões auto – equilibradas, que não se verifica na situação anterior, faz diminuir o valor do

esforço axial para o qual se verifica a fendilhação. Após a formação da primeira fenda, com o

continuar do desenvolvimento da retracção, a compressão no aço, em particular na zona entre

fendas, aumenta, assim como as tensões de tracção no betão, que são responsáveis pela diminuição

dos valores de esforço axial na abertura de cada nova fenda.

Constata-se que o nível de extensão no final do processo da formação de fendas é idêntico ao do

caso anterior mas para um nível de esforço axial bastante inferior. Com a diminuição progressiva do

esforço axial global, é de esperar que a tensão no aço nas zonas fendilhadas tenha tendência a

diminuir. O que se verifica é que esta diminuição se dá segundo uma relação de aproximadamente o

inverso do modulo de elasticidade do aço (1/EsAs) como se ilustra na Figura III.5. Pode-se concluir,

assim, que, não se verificando a cedência da armadura na formação da segunda fenda, esta não se

verificará depois.

29

3.1.4 Análise comparativa entre a deformação imposta externa e interna

No estudo realizado por Ricardo Luís [1], com objectivo de analisar a resposta do tirante de betão,

face a deformações impostas a nível exterior e interior, utilizou-se um modelo numérico

computacional, não linear, ATENA, onde simulou-se o tirante como um elemento plano finito (com

comprimento de 7m, espessura de 0,20 m e largura de 1m), com as armaduras consideradas de

forma simétrica em relação ao eixo de desenvolvimento da peça, evitando curvaturas induzidas pela

aplicação das acções indirectas axiais e minimizando a influencia de distribuição de momentos entre

o apoio e o meio vão, na fase pós-elástica. Um dos apoios foi considerado no modelo como

encastrado, enquanto na outra extremidade optou-se pela modelação de um encastramento

deslizante, na situação de deformação imposta externa e de um encastramento “fixo”, para o caso de

deformação imposta interna.

De forma a melhorar a transmissão de forças entre os apoios e o elemento, adoptaram-se blocos de

ancoragens, permitindo que a força axial (por efeito de deformação imposta) na extremidade do

elemento seja introduzida com uma distribuição semelhante à da resistência dos materiais. O modelo

base final é apresentado na Figura III.6.

Figura III.6: Modelo base simulado na ATENA [1].

Sendo a tensão nas armaduras, o principal parâmetro para caracterizar as aberturas de fendas e, por

conseguinte, o comportamento em serviço do elemento estrutural, tendo por base o modelo acima

referido, foram definidas criteriosamente várias percentagens de armadura, cujo valores são

apresentados na Tabela III.1, em que:

• Caso 1, As,min, armadura mínima de tracção para um critério mínimo de não plastificação das

armaduras;

• Caso 2, As=1,30× As,min (caso 1). Trata-se de uma percentagem de armadura definida

através do pressuposto de que o esforço normal verificado no fim do processo de formação

de fendas é, aproximadamente 30% superior ao da formação da primeira fenda (ver Figura

III.4);

30

• Caso 3, com a armadura calculada segundo EC2 [7], limitando a abertura de fenda a

wk=0,30mm (controlo indirecto da abertura de fenda), por conseguinte para uma tensão

máxima na armadura de 280 Mpa (ver Tabela III.4);

• Caso 4, segundo o mesmo tipo de cálculo, mas limitando a abertura de fenda a wk=0,20mm,

e em consequência a tensão máxima na armadura, a 240 Mpa (ver Tabela III.4);

• Caso 5, consideração de um patamar superior de armadura, com uma percentagem de

armadura superior a 1,50%;

Tabela III.1: Casos de análise – parametrização da armadura ordinária [1].

Casos de

análise

As, cálculo [cm2]

As, adoptado [cm2]

Percentagem de armadura [%]

Espaçamento médio* [m]

1º caso 6,00 (×2) 8Φ10 (6,28cm2) 0,52 0,125

2º caso 7,80 (×2) 7Φ12 (7,92cm2) 0,66 0,143

3 ºcaso 10,71 (×2) 9Φ12 (10,18cm2) 0,85 0,111

4 ºcaso 12,50 (×2) 11Φ12 (12,44cm2) 1,04 0,091

5 ºcaso 18,00 (×2) 10Φ16 (20,11cm2) 1,68 0,100 * O espaçamento médio indicado, indica o espaçamento considerado pelo ATENA, e que equivale a dividir directamente a largura da peça pelo número de varões colocados.

Em particular, para o caso 4, apresentam-se na Figura III.7 as variações de tensões e das aberturas

de fendas resultantes da análise, nalgumas das secções escolhidas por apresentarem valores mais

elevados, para cada uma das acções indirectas (externa a) ou interna b)).

a) b)

Figura III.7: Análise de tensões nas armaduras e respectiva abertura de fendas, para deformações imposta

externa a) e interna b) respectivamente, para um tirante de %04.1=ρ [1].

31

É importante referir que da análise das figuras ressalta que, o abaixamento de esforço axial global e

do nível de tensão nas armaduras, para o caso de deformação imposta interior, não é equivalente a

uma diminuição da abertura de fenda, porque o encurtamento simples do betão em relação à

armadura na zona entre as fendas, também contribui para a abertura de fenda. Verifica-se, assim,

naquele estudo, que, para deformações internas ou externas da mesma ordem de grandeza, as

aberturas de fendas são aproximadamente iguais.

3.2 Armadura mínima

Como referido anteriormente é preciso ter uma quantidade mínima de armadura, de modo que se

possa verificar o processo de formação de fendas. Caso contrario só se forma uma fenda e a

totalidade da deformação imposta concentra-se aí, dando origem a um comportamento estrutural em

serviço inaceitável. A partir do momento que se forma a primeira fenda, é necessário haver

condições para que, por efeito de aderência aço/betão, se dê a transferência de tensões do aço para

o betão para que se atinja de novo a tensão resistente de tracção do betão, fctm, formando-se assim

outras fendas.

Considerando o tirante de betão armado, solicitado por uma deformação imposta axial, verifica-se

que o critério de não plastificação da armadura, enunciado anteriormente (σs≤fyk) assegura esse

mínimo de armadura. Na abertura de uma qualquer fenda, o betão deverá ter uma tensão média, fct,

correspondente a um esforço de tracção, Ncr. Será, então, razoável admitir que o esforço axial não é

superior a Ncr, dado por:

)1( αρ+××= ctccr fAN (III.3)

Uma vez que o parâmetro,αρ , é pouco significativo, e impondo a não cedência da armadura ao

longo do processo de fendilhação tem-se:

y

ct

csyksctcykcrf

fAAfAfANN ×=⇒×≤×⇔≤ min. (III.4)

No caso de se tratar de uma deformação imposta de flexão, do critério de não plastificação, obtém-

se:

y

ct

ctsyksctctyktf

fAAfAfANF ×=⇒×≤×⇔≤

2

1

2

1min. (III.5)

Sendo FT, a força de tracção no betão e 2

hbAct

×= , a área de betão da zona traccionada.

32

Tendo em consideração os dois casos, o EC2 – parte 1 [7] estipula, na secção 7.3.2, a seguinte

expressão geral para a armadura mínima:

s

efct

ctcs

fAKKA

σ,

min, ×××= (III.6)

Em que:

• ACt é a área do betão traccionada;

• σs é o valor da tensão máxima admissível na armadura imediatamente após a formação da

fenda. Poderá tomar no máximo o valor da tensão de cedência, fyk. No entanto, poderá ser

considerado um valor mais baixo para satisfazer a limitação da abertura máxima de fendas

segundo a secção 7.3.3 (2);

• fct,eff é o valor médio da tensão de resistência à tracção do betão, à data que se prevê que se

possam formar as primeiras fendas (pode-se considerar menor que fctm, se se prever uma

fendilhação antes dos 28 dias);

• K é um coeficiente que considera o efeito das tensões não uniformes auto equilibradas, de que

resulta uma redução no nível dos esforços de coacção que provocam o inicio da fendilhação;

Figura III.8: Variação de K, em função da espessura.

• Kc é o coeficiente que tem em conta a distribuição de tensões na secção, imediatamente antes

da fendilhação e da variação do braço do binário:

Para tracção simples Kc=1.0

Para flexão ou flexão composta Kc varia consoante as secções. Para o caso das secções

rectangulares no caso de flexão simples vale 0.4 e para a flexão composta tem-se:

1

)(

14.0

,*1

−×=

effct

cc

fh

hK

(III.7)

Em que,

33

• cσ , é a tensão média do betão existente na parte da secção considerada, tal

que:

bh

N Edc =σ , (III.8)

NEd é o esforço normal no estado limite de utilização actuando na parte da secção

considerada (positivo para um esforço de compressão). NEd deve ser determinado

considerando os valores característicos do pré-esforço e dos esforços normais para

a combinação de acções apropriada.

• h* h*=h, para h menor que 1m

h*=1, para h maior ou igual a 1m

• K1 coeficiente que considera os efeitos dos esforços normais na distribuição de

tensões:

K1=1.5, se NEd for um esforço de compressão;

K1=h

h

3

2 *

, se NEd for um esforço de tracção;

3.3 Espaçamento entre as fendas

Qualquer elemento estrutural, sob a acção de um efeito axial, ao fendilhar desenvolve fendas

transversais na totalidade da secção, onde o elemento passa a ter um comportamento de estado II

(somente a armadura a resistir aos esforços). Entre as fissuras, a uma certa distância destas, o

elemento volta a ter tensões de tracção no betão que, no entanto, não ultrapassam, como é natural,

a tensão de fendilhação, como se pode constatar na Figura III.9.

ο

� �

ο

���

Tensão na armadura

σ s

Tensão no betão

σ c

Tensão de aderência

τb

Deformaçoes

=fct

Figura III.9: Equilíbrio de tensões e variação de deformações ao longo da fase de formação de fendas.

34

Da observação da Figura III.9, verifica-se que na zona fissurada há um aumento da tensão na

armadura, associado também ao aumento da deformação da armadura em relação à do betão. O

aumento desta deformação diferencial faz gerar tensões de aderência na proximidade das fendas

que diminuem a partir da zona da fenda até se efectuar a transferência de tensões da armadura para

o betão, ao longo do comprimento 0l (ver Figura III.9 e Figura III.11).

A distância entre as fendas, dependem portanto, da transmissão de tensão entre o aço e o betão.

Esta por sua vez depende das condições de aderência, que se baseiam numa relação local de

tensão – escorregamento entre os dois materiais. Os factores que estão directamente relacionados

com este modelo local são, geometria das nervuras e a dimensão da superfície de contacto entre os

dois materiais (diâmetro dos varões). No entanto, é de realçar outros factores menos directos, mas

igualmente importantes, como o confinamento e as condições de betonagem do elemento, com se

constata da Figura III.10.

Figura III.10: Ensaios tipo – comportamento da aderência aço – betão para várias situações tipo [1].

Verifica-se da observação da Figura III.10, que o aço nervurado e confinado, atinge valores de

aderência maiores, tendendo após a abertura da fenda, para um valor residual de tensão. Se não

houver confinamento do betão, como no caso do segundo modelo, verifica-se que a tensão máxima

baixa um pouco, e após a fendilhação do betão, o modelo perde praticamente toda a capacidade de

transmitir tensões de novo para o betão. Ao se analisar os resultados do ensaio com um aço liso,

embora confinado, verifica-se que não são atingidos os valores de tensão de aderência anteriores,

uma vez que é somente mobilizada a parcela de aderência química entre os dois materiais. No

entanto, após um certo nível de deslizamento, a desvantagem inicial pelo facto da face ser lisa

perde-se, uma vez que o modelo tende para os valores da tensão residual do primeiro modelo.

É de salientar, que a mobilização da armadura provoca, como já referido anteriormente, a introdução

de forças internas no betão. Essa transferência, tem tendência a acontecer numa dada volumetria do

betão envolvente à armadura, definida em geral, por uma área efectiva, dada no EC2 [7] por:

35

efcefc hbA ,, ×= (III.9)

Em que,

[ ]2/;3/)();(5,2min, hxhdhh efc −−= (III.10)

Sendo:

• x a altura da zona comprimida, no caso da flexão;

• d a distância do centro da armadura de um lado da secção à superfície do betão do outro lado;

O comprimento, 0l , necessário para que se dê a transferência de tensões para o betão, de modo a

se poderem formar novas fendas é dado por:

obm

lo

bctefc

lo

br ldxfAdxN ××=××=×⇒××= ∫∫ πφτπφτπφτ0

,

0

(III.11)

Como referido, é de prever que sempre que uma nova fenda se forme, esta apareça nas zonas em

estado I, onde o betão se encontra submetido a tensões mais elevadas, ou seja, para além do

comprimento 0l (ver Figura III.9), a partir de onde há tendência para uma uniformização de tensões

na secção. Refira-se que rN é a resultante das tensões de tracção no betão na zona envolvente ao

aço (área efectiva), como se ilustra na Figura III.11.

Figura III.11: Transmissão de tensão ao longo do comprimento 0l [1].

Se se definir bmτ como sendo o valor médio de aderência no comprimento 0l , obtém-se então:

36

efbm

ctefc

o kfA

l,

2

,

4

1

4

4

ρφφ

τπφ××=××= (III.12)

Sendo:

• efρ percentagem de armadura na área efectiva;

• bm

ctfkτ

= coeficiente que representa as características médias de aderência;

Caracterizado o comprimento de transmissão de tensões, 0l , no processo de formação de fendas,

está-se em condições de definir aproximadamente o afastamento entre fendas.

Como ilustrado no gráfico de tensões do betão na Figura III.9, é de prever que qualquer nova fenda

só se possa verificar a partir das secções em que se deu a transmissão de tensões médias ao betão

da ordem de fct. Assim, 0l representa a menor distância possível entre fissuras ( min0 Sl = ).

A distância mínima entre as fendas no EC2 [7] é dada por uma formula semelhante à de 0l , em que:

ef

kkSρφ

21min 25,0 ××= (III.13)

Em que:

• k1 é o coeficiente que tem em conta as propriedades de aderências dos varões e que toma os

seguintes valores:

0.8 Para varões de alta aderência (nervurados ou rugosos);

1.6 Para varões lisos;

• k2 é o coeficiente que tem em conta a forma da distribuição das extensões na secção, e vale:

0.5 Para flexão;

1.0 Para tracção simples;

No caso de tracção excêntrica, ou para zonas localizadas, devem utilizar-se valores

médios de k2, que podem ser calculados pela expressão:

1

212

2εεε +

=k (III.14)

=⇐

=⇐=

)sec(05.0

)(0.1

2

21

2altapoucoçãodeflexão

puratracçãok

ε

εε

37

Em que 1ε e 2ε , são respectivamente extensões nas faces exterior e interior da

área efectiva.

É de referir que quando forem utilizados, na mesma secção transversal, varões com diâmetros

diferentes, deve ser utilizado na expressão de Smin um diâmetro equivalente eqφ , dado por:

2211

2

22

2

11

φφφφ

φnn

nneq +

+= (III.15)

Em que in é o numero de varões correspondente ao diâmetro, iφ .

O EC2 [7] avalia a abertura característica de fendas com base numa expressão de afastamento

máximo baseada na anterior, dada por:

efef

r kkckkcSρφ

ρφ

2121max, 425.040.3)25.02(7.1 +=+×= (III.16)

Onde k1 e k2 têm os significados atrás referidos e c representa o recobrimento das armaduras.

Saliente-se que esta expressão é equivalente à anterior multiplicada por 1.7 e onde 2c representa um

termo corrector que tem, também, em consideração o facto de abertura de fendas na face do betão

ter tendência a ser superior à do nível da armadura.

Da observação das expressões de avaliação da distância entre fendas (expressões (III.13) e (III.16)),

verifica-se que, quanto mais apertada for a malha das armaduras (diâmetros menores para uma

mesma quantidade de armadura), o espaçamento entre as fendas tende a ser menor, e que quanto

menor for a percentagem de armadura maior será à distância entre as fendas. Refira-se que esta

expressão só é valida se a percentagem da armadura for tal que não haja cedência da armadura.

Caso contrário, após a formação da 1ª fenda, a deformação total da peça concentra-se na fenda já

aberta, conduzindo a um comportamento inaceitável em serviço.

Como mostram ensaios laboratoriais [1], para deformações impostas a tirantes, no processo de

formação de fendas o numero de fissuras vai aumentando e o espaçamento entre estas diminuindo,

tendendo a estabilizar para valores entre 0l e 02l . Com se pode constatar na Figura III.12.

38

Figura III.12: Variação do afastamento entre as fendas de acordo com a pormenorização adoptada [1].

No gráfico da Figura III.13 [1], compara-se o espaçamento máximo entre as fendas em função das

percentagens das armaduras, segundo recomendações do EC2 [7], MC-90 [9], e FIB [10].

Figura III.13: Comparação do afastamento das fissuras de acordo com os diferentes regulamentos [1].

Salienta-se a importância da quantidade da armadura, em particular para a gama de valores que

interessa a este trabalho (percentagens da área efectiva de aço entre 0,5 e 1,5%). Verifica-se,

também, que a partir de percentagens de armaduras de 3%, para além de se verificar uma menor

contribuição da quantidade de armadura no espaçamento entre as fendas, há uma certa discrepância

na quantificação desta grandeza [1].

3.4 Estimativa da abertura de fenda

É importante mencionar que, em geral, só é possível determinar uma estimativa da abertura de

fendas e não do seu cálculo “correcto” pois aquela é uma característica do comportamento do betão

39

estrutural que tem uma grande variabilidade, entre fendas em situações idênticas e, mesmo, ao

longo de uma mesma fenda.

Como referido anteriormente, na zona onde se dá a transferência de tensões do aço para o betão

envolvente, Ac,ef, ao longo do comprimento 0l , há um deslocamento relativo entre o aço e o betão,

fazendo com que a secção não permaneça plana. Este facto dá origem, como referido, a uma

diferença de extensão entre os dois materiais ao longo da distância Srm ou 02l (antes da fendilhação

estabilizada, ver Figura III.12), a que corresponde a abertura de uma fenda,w , dada pela seguinte

expressão:

∫∫ −==sr

cxsx

sr

srx dxdxw )( εεε (III.17)

E que, em termos médios, pode ser definida por:

)( cmsmmrSw εε −×=

(III.18)

Da observação do gráfico da Figura III.14, constata-se também como a extensão média de um tirante

é inferior à extensão do aço em estado II (ou seja estado fendilhado, sIIε ), devido a contribuição do

betão entre fendas.

Figura III.14: Contribuição do betão entre as fissuras [2].

É de referir, ainda, que na expressão anterior devia ter sido considerada a retracção do betão, como

encurtamento do betão relativamente ao aço, o que, em muitas situações, por simplificação, não é

incluída. Nesse caso ter-se-ia:

)(scmcmsmrm Sw εεε −−= (III.19)

40

Relativamente à extensão média no aço, é dada por:

efs

ct

t

s

s

ss

efccttss

ss

cs

smE

fk

EAE

AfkA

AE

FF

ρσσ

ε −=−

=−

= , (III.20)

Onde:

• sσ representa a tensão no aço calculada com base na secção fendilhada;

• kt é um factor de integração da distribuição de extensões, e que tem em conta a duração ou a

repetição das cargas (kt=0.6 para acções de curta duração; kt=0.4 para acções de longa

duração);

É de salientar que a extensão media do aço é tanto maior quanto maior for sσ verificando-se, por

outro lado, que a influência do betão para diminuir a extensão do aço é mais importante nos casos de

baixas percentagens de armadura.

A extensão média do betão envolvente da armadura pode ser avaliada por:

c

ct

t

efcc

efcctt

efcc

c

cmE

fk

AE

Afk

AE

F===

,

,

,

ε (III.21)

Deste modo, a extensão média relativa dos dois materiais pode ser avaliada através da expressão

seguinte, adoptada pelo EC2 [7]:

)1()( efe

efs

ct

t

s

s

c

ct

t

efs

ct

t

s

s

cmsmE

fk

EE

fk

E

fk

Eρα

ρσ

ρσ

εε +−=−−=− (III.22)

Em que eα , é coeficiente de homogeneização dado por c

s

eE

E=α .

E, por conseguinte, a abertura de fendas é dada por:

+−×= )1( efe

efs

ct

t

s

s

rmE

fk

Esw ρα

ρσ (III.23)

Pode simplificar-se a expressão da abertura média de fendas, admitindo a não existência de

aderência aço – betão, ou seja, considerando nula a participação do betão entre fendas, obtendo-se

a expressão simplificada e conservativa para a abertura de fendas, dado por:

41

s

s

rmsmrmmE

sswσ

ε ×=×= (III.24)

3.5 Modelo simplificado da abertura de fendas

Com o objectivo de quantificar a abertura de fendas para a acção de deformações impostas na fase

de formação de fendas, Jaccoud e Favre [5], apresentam um modelo simplificado que depende do

comprimento de transmissão, 0l .

Basicamente considera-se que o comportamento do tirante é definido por dois estados distintos (ver

Figura III.15), o primeiro, em 0,35 0l para cada lado da fenda, no estado II puro (somente o aço a

resistir, 22 ssss E εσσ == ), o segundo, no restante comprimento, admitindo uma ligação perfeita

entre os materiais, estado I, tal que:

111 , c

c

s

cssE

Eσσσσ ×== < ctf (III.25)

Figura III.15: Equilíbrio de tensões aquando da abertura da primeira fenda [5].

Deste modo, é possível deduzir uma expressão simplificada para quantificar a abertura das fendas,

para aquele tipo de acção dada por:

)(70,0 2 cssolw εε −×= (III.26)

42

Verifica-se que a expressão (III.26) é extremamente simples e eficiente para o caso da análise dos

efeitos de deformação impostas, em geral na fase de formação de fendas, sendo fácil estimar 2sε

que está directamente relacionado com o dimensionamento da quantidade da armadura.

Salienta-se também, que ao considerarmos uma deformação imposta externa o termo csε será nulo,

sendo a abertura de fendas proporcional à tensão/extensão. Porém, no caso da consideração da

retracção do betão, aparecerá o termo csε (considerado com um valor negativo), sendo o valor 2sε

reduzido, na medida em que o esforço axial por efeito da restrição à deformação livre é um pouco

inferior, como referindo anteriormente (ver Figura III.5).

No entanto em termos práticos, e por simplificação, pode desprezar-se o valor de csε , no caso da

retracção do betão (deformação imposta interior), e avaliar o valor de 2sε como se tratasse de uma

deformação imposta exterior ( 2sε avaliado para N=Ncr), obtendo-se um resultado da mesma ordem

de grandeza, como ilustrado na Figura III.7 e evidenciado em [1].

3.6 Limites das aberturas de fendas

Uma vez analisada a avaliação das aberturas de fendas, há que discutir em que medida poderão

afectar a durabilidade estrutural, o comportamento da estrutura ou tornar o seu aspecto inaceitável.

O valor limite da abertura de fenda recomendável por Favre [5], dependente das condições de

serviço, de modo a satisfazer as exigências anteriores, é apresentado na Tabela III.2.

Tabela III.2: Valores limites recomendáveis para as aberturas de fendas, dependentes das condições de serviço

[5].

Motivo ou Objectivo Abertura máxima de fendas, wmax

Ductilidade mínima ou não plastificação da armadura 0,50mm ou um pouco superior

Durabilidade de estrutura de betão armado em

ambiente agressivo 0,30 a 0,40mm

Critério Estéticos 0,20 a 0,30mm

Durabilidade em estruturas pré-esforçadas 0,20mm ou critério de descompressão

Estanquidade (em reservatórios) 0,05 a 0,20mm

Garantia de não ocorrência de fendilhação

Nula (critério de descompressão, garantia de

reserva de compressão ou limitação da

tracção)

A durabilidade de uma estrutura, como referido anteriormente na secção 2.3, está relacionada com a

eliminação da protecção da armadura, que pode criar condições para se iniciar o processo de

corrosão, referenciado também, que a corrosão nas armaduras não depende directamente das

aberturas de fendas perpendiculares a elas, desde de que aquelas não ultrapassem valores da

43

ordem dos 0,30mm a 0,40mm, pois segundo ensaios laboratoriais, para esta ordem de grandeza das

fendas, existem condições para se dar o início do processo de corrosão, mas não a sua progressão

no tempo. No entanto, para as estruturas pré-esforçadas, principalmente as não aderentes, há que

ser mais exigente.

Do ponto de vista estético, o valor da abertura de fendas aceitável é subjectivo, e depende de

inúmeras factores, que não as estruturais, como a textura da superfície, a susceptibilidade do

observador, etc. A experiência mostra que caso a abertura de fendas não exceda os 0,3mm a 0,4mm

não se torna inquietante para a generalidade das pessoas. Jaccoud [5], por seu lado, apresenta com

base em trabalhos anteriores de Padilla, Robles e Kupfer, uma ordem de grandeza da abertura de

fenda visível em função da distância do observador à fenda (ver Figura III.16).

l [m]

wmax

[mm]

1 2 3 4 5

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

limite de

percepçãofracomédiomuito elevado

Nível de Exigência:

l

w

Figura III.16: Percepção humana comum ao fenómeno da fendilhação em função da distância [5].

Por seu lado o EC2-parte 1 [7], começa por definir um valor limite característico para as aberturas de

fendas, maxw , tendo em conta o enquadramento da estrutura e os custos associados às medidas

necessárias à limitação da fendilhação. Estes valores são dados no anexo nacional de cada país, no

entanto, na ausência de requisitos específicos (como por exemplo estanquidade), recomendam-se os

valores apresentados na Tabela III.3.

44

Tabela III.3: Valores recomendados para a abertura de fendas, maxw [7].

Classe de exposição

Elementos de betão armado e elementos de betão pré-

esforçado com armaduras não aderentes

Elementos de betão pré-esforçado com armaduras

aderentes

Combinação de acções quase-permanente Combinação de acções frequente

X0, XC1 0,41 0,2

XC2, XC3, XC4 0,22

XD1, XD2, XS1, XS2, XS3

0,3 Descompressão

Nota 1: Para as classes de exposição X0 e XC1, a largura de fendas não tem influência sobre a

durabilidade e este limite é estabelecido para garantir um aspecto aceitável. Na ausência de especificações

no que respeita ao aspecto, este limite pode ser alargado.

Nota 2: Para estas classes de exposição deve verificar-se, ainda, a descompressão para a combinação

quase-permanente de acções.

Refira-se que, o EC2 [7], na secção 7.3.3 apresenta os quadros, que aqui são indicados na Tabela

III.4, como forma de permitir um controlo indirecto da abertura de fendas, ou seja, sem calcular

directamente as aberturas de fendas, dando maior versatilidade e eficácia à verificação da

adequabilidade da estrutura em termos de controlo da abertura de fendas.

Tabela III.4: Tabela apresentada pelo EC2 na secção 7.3.3, para o controlo indirecto da fendilhação [7].

Máximo diâmetro do varão Máximo espaçamento entre varão* Tensão no aço [Mpa]

wk=0,40 mm wk=0,30 mm wk=0,20 mm wk=0,40 mm wk=0,30 mm wk=0,20 mm

160 40 32 25 300 300 200

200 32 25 16 300 250 150

240 20 16 12 250 200 100

280 16 12 8 200 150 50

320 12 10 6 150 100 - 360 10 8 5 100 50 - 400 8 6 4 50 - -

450 6 5 - - - - * Condição alternativa para acção de cargas verticais, mas não deformações impostas.

A investigação desenvolvida por Favre [5], resultou numa proposta para controlo da abertura de

fendas, para acções predominantemente devidas a deformações impostas, em que, para além de se

garantir a fendilhação distribuída na peça estrutural, se limita a abertura de fendas a valores mais

exigentes quando comparado com o critério da não plastificação da armadura. Na Figura III.17

apresentam-se os gráficos da referida proposta, para espessuras de elementos com 0,30 e 0,80 m e

para casos de utilização de diâmetros diferentes.

45

Figura III.17: Proposta de dimensionamento entre os dois critérios enunciados apresentada por Favre [5].

Assim, é possível a avaliação da percentagem de armadura em função da resistência do betão e do

diâmetro dos varões a adoptar. Constata-se que para betões com fcm entre 20 a 120 Mpa, aços A400

a A600, diâmetros da armadura entre 6 mm e 30 mm, espessuras de elementos entre 0,30 m e 0,80

m e para fendas limite de 0,30 mm e 0,50 mm, as percentagens de armadura variam entre mínimos

de 0,20 a 0,25% e máximos de 1 a 1,20%. Refira-se, as menores exigências de percentagem de

armadura para peças mais espessas, pois nestas, o esforço axial de fendilhação é reduzido pelas

tensões auto-equilibradas na secção.

A principal conclusão a retirar dos diagramas anteriores é de que, para betões correntes, o

condicionamento da armadura mínima pelo critério da abertura de fendas (wk <0,30mm ou mesmo wk

<0,50mm) é claramente mais exigente, que o da não plastificação da armadura, sendo a diferença

tanto menor quanto mais pequenos forem os diâmetros dos varões adoptados.

Para o caso de infraestruturas como depósitos, onde as exigências de estanquidade são

importantes, as recomendações acima referidas não são suficientes para garantir um funcionamento

adequado dos mesmos, devendo-se seguir as recomendações do EC2 – parte 3 [4], especificas para

aquele tipo de situação. O aspecto da estanquidade será analisado em pormenor no subcapítulo

46

seguinte, pois, para uma dada abertura de fenda, há necessidade de avaliar a quantidade do líquido

que aquelas poderão deixar passar. Assim, de acordo com o grau de exigência pretendido, há que

limitar as aberturas de fendas. No subcapítulo que se segue aborda-se a questão da permeabilidade

das estruturas de betão armado e a influencia das aberturas de fendas.

3.7 Estanquidade

A estanquidade de uma estrutura de betão armado sem revestimento, depende da qualidade do

betão, da espessura dos seus elementos e da largura das aberturas de fendas. O betão deve ser

suficientemente compacto e estanque, através de uma adequada combinação dos seus

componentes, cuidados na colocação em obra e processo de cura.

A Figura III.18 ilustra uma laje de betão armada que não garante uma permeabilidade adequada.

Figura III.18:Foto de infiltração e presença de limo causada pela fissuração e permeabilidade excessiva da laje

de betão.

A permeabilidade do betão depende de vários factores:

• Relação água/Cimento (A/C >0.5 permeabilidade aumenta muito, ver Figura III.19 a));

• Qualidade da cura do betão;

• Dosagem do cimento (uma dosagem de 300 kg/m3 é normalmente suficiente para se obter

um aceitável nível de permeabilidade);

Geralmente para casos de ambiente muito agressivo ou elevado grau de exigência de estanquidade,

utiliza-se um betão de melhor resistência, fck ≥35 Mpa com cimento combinado com escoria de alto

forno ou pozolanas naturais, baixas relações de água cimento (A/C ≤ 0.5), uma dosagem de ligante

superior a 500 kg/m3 e um recobrimento superior a 3 mm.

47

Figura III.19: a) Variação da permeabilidade com A/C; b) variação da permeabilidade com os aditivos e

qualidade de cura [2].

Da observação da Figura III.19 b) conclui-se que, com os cimentos combinados com pozolanas ou

escórias de alto forno, pode conseguir-se uma permeabilidade muito mais baixa do que com o

cimento portland, isto se a cura for boa. Pelo contrário, se a cura for má, as características de

permeabilidade podem ser piores do que com cimento portland.

A experiência mostra que a espessura dos elementos de betão armado, para terem um

comportamento adequado à estanquidade não deve ser inferior a 0,25m ou 0,30m.

Como referido anteriormente dificilmente consegue-se evitar a fendilhação numa estrutura de betão,

no entanto, as aberturas de fendas têm de ser limitadas de modo a respeitar a funcionalidade e a

qualidade estética das estruturas. No que diz respeita à estanquidade, convêm distinguir entre as

fissuras transversais à totalidade da secção ou não, apresentadas na Figura III.20.

Figura III.20: Distinção entre fissuras transversais à totalidade da secção ou não [5].

As fissuras não transversais, Figura III.20 b), resultam por exemplo dos gradientes na espessura dos

elementos (retracção ou variação da temperatura não uniforme) ou a efeitos de cargas de flexão. As

48

suas alturas e aberturas são geralmente limitadas, não afectando, em princípio, a estanquidade dos

elementos estruturais, enquanto existir uma zona de betão comprimida, de espessura igual ou

superior a 50mm ou ao dobro de diâmetro máximo dos inertes. Para um betão de boa qualidade, a

estanquidade é principalmente afectada pela presença de eventuais fissuras transversais.

O caudal infiltrado nas fissuras transversais, por metro linear de fissura, q, depende de vários

parâmetros, tais como a diferença de pressão hidrostática, p∆ , espessura do elemento, h, a

viscosidade dinâmica do fluido,η , e a abertura da fenda medida na superfície do elemento, w .

O caudal pode ser estimado graças à seguinte relação, estabelecida por Poiseuille [5] para o caso de

escoamento laminar entre dois planos lisos afastados por w :

h

pwq

⋅∆⋅⋅

ξ12

3

(III.27)

Onde:

• η é a viscosidade dinâmica que pode ser considerado como igual à

233 /103,1100,1 mNsou −− ×× para caso de água a temperatura de 20 ou 10ºC

respectivamente;

• ξ é o coeficiente de atrito que depende da rugosidade das faces de fissuras, sendo

independente da natureza do fluido;

1=ξ para um caso teórico (dois planos lisos e paralelo);

125,0≈ξ pode ser admitido como um valor médio para o caso de uma fissura

transversal;

É de salientar que, um estudo realizado sobre este tema, por Mivelaz P, no contexto da sua tese de

doutoramento na EPFL, e apresentado por Favre [5], mostra que é mais apropriado considerar na

expressão (III.27), um valor de coeficiente de atrito a depender da abertura da fenda, tomando assim

valores de:

• 0=ξ para mmw 05.0≈

• 2,0≈ξ para mmw 3,0≈

Como se pode constatar na expressão (III.27), a questão da estanquidade e, por conseguinte a

eficiência na contenção de líquidos, depende essencialmente do valor da abertura de fenda e, esta

por sua vez, depende da quantidade da armadura utilizada. Na hipótese de ξ ser constante, a

relação anterior mostra que o caudal de infiltração aumenta proporcionalmente ao cubo do valor da

abertura de fendas, w . Este facto, realça a importância da estimativa do valor da abertura de fenda,

49

verificando-se que se se reduzir o valor da abertura de fenda de 0,3 para 0,15 mm, obtém-se uma

diminuição do caudal de infiltração de um factor de 8.

A consideração de valores reduzidos da abertura de fenda para obter uma boa estanquidade,

justifica-se no caso de estruturas com elevado grau de exigências desse ponto de vista (depósitos,

piscinas, etc), apesar do custo associado à utilização de maiores percentagens de armadura.

É de salientar que no caso de estruturas com solicitações permanentes de pressão de água ou de

ambiente húmido, pode-se esperar a colmatação das fissuras, se estas tiverem aberturas de cerca

de 0,1 à 0,2 mm. A colmatação é consequência de vários fenómenos (inflação de betão no meio

húmido, acumulação de elementos finos de inertes e depósitos de partículas suspensas no liquido)

que, progressivamente tapam as fendas após alguns dias ou semanas tornando a estrutura

praticamente estanque. É de salientar ainda que, para estruturas em ambientes geralmente seco,

com presença ocasional de água (lajes de parques de estacionamento) o risco de infiltrações de

água pode ser maior, apesar daquelas não estarem sob pressão.

3.8 Eurocodigo 2-parte 3

Como referindo na secção 3.6, para as estruturas com exigências de estanquidade importantes, as

recomendações do EC2- parte 1 [7] para o controle da abertura de fendas, apresentadas nas

Tabelas III.3 e III.4, são insuficientes para garantir um adequado funcionamento da estrutura.

Devendo-se, então, para este caso, seguir as recomendações do EC2 – parte 3 [4], para as

estruturas, cuja funcionalidade, é reter o liquido.

O EC2 – parte 3 [4], limita, portanto, a abertura de fendas à exigência de estanquidade do líquido,

definido de acordo com a tabela 7.105 que a seguir se apresenta (ver Tabela III.5).

Tabela III.5: Tabela com classificação da exigência de estanquidade [4].

Classe Exigência da fuga

0 É aceitável alguma fuga, liquido pouco prejudicial.

1 A fuga é limitada a uma pequena quantidade. É permitido alguma coloração na

superfície e ou humidade nas telas impermeabilizantes.

2 A fuga tem de ser mínima, e não pode haver coloração.

3 Não é permitido fuga.

Propõe-se que, na ausência de exigência específica, se sigam as seguintes indicações:

• Para a Classe 0 usam-se os valores tabelados no EC2 [7], secção 7.3.1, que neste

documento são apresentados na Tabela III.3;

50

• Para a Classe 1 considera-se a abertura limite, wk1, a seguir indicada, quando se espera que

a fenda atravesse toda a secção ou então a abertura estipulada em 7.3.1, com um valor da

altura da área comprimida de pelo menos Xmin (fissuras não transversais), calculada para a

combinação mais desfavorável e considerando a resistência de tracção do betão como nula;

• Para a Classe 2 há que evitar fendas transversais sempre que estas possam ser previsíveis,

a menos que venham a ser adoptadas medidas semelhantes a revestimentos;

• Para a Classe 3 há que considerar medidas especiais como por exemplo revestimentos ou

pré-esforço de modo a garantir a impermeabilidade;

Os valores de wk1 e Xmin, são apresentados no anexo nacional de cada país. No entanto

recomendam-se valores para os depósitos em função da razão da pressão hidrostática, hD, sobre a

espessura da parede, hw, tais que:

• 2,0,5 1 =≤ k

w

D wh

hmm

• 05,0,25 1 =≥ k

w

D wh

hmm

• E para, valores intermédios, a interpolação linear proposta na Figura III.21

Figura III.21: Gráfico com os valores recomendados para a abertura, wk1.

O valor de Xmin recomendado é de 50 mm.

Estes valores de 1kw têm em conta a expressão de Poiseuille (III.27), para limitar o caudal de

infiltração por metro linear de fissuras. O valor de Xmin adoptado é o referido por Renaud Favre [5],

como valor necessário para que as fendas não transversais, com betão de boa qualidade,

assegurem a estanquidade (ver Figura III.20b)).

0,20

0,05

25 5 hD/hw

wk1, lim

(mm)

51

O EC2 – parte 3 [4] estabelece nos gráficos das Figuras 7.103 e 7104, que a seguir se reproduzem

nas Figuras III.22 e III.23, o máximo valor do diâmetro e espaçamento dos varões, respectivamente,

para os vários limites de aberturas características, em função da tensão na armadura após a

fendilhação.

Figura III.22: Gráfico com diâmetros máximos de varões recomendados para varias aberturas de fendas, função

da tensão nas armaduras [4].

Figura III.23: Gráfico com espaçamentos máximos de varões recomendados para varias aberturas de fendas,

função da tensão nas armaduras [4].

É importante verificar que, se se pretender limitar a abertura característica de fendas a valores da

ordem de 0,05mm a 0,1mm, há que ser extremamente exigente em relação à tensão admissível nas

armaduras e, portanto, às suas quantidades. É de salientar que para as aberturas características de

52

0,2 mm e 0,3 mm os limites de tensões na armadura para um determinado diâmetro, apresentados

na Figura III.22, para o caso dos depósitos, são da mesma ordem de grandeza dos valores dos

limites de tensões apresentados pelo EC2-parte 1 [7], para o controlo indirecto das aberturas de

fendas, provocadas essencialmente por deformações impostas axiais, que aqui são apresentados na

Tabela III.4. No entanto, para o caso das fendas, provocadas predominantemente por acções, caso

da Figura III.23, constata-se que o espaçamento máximo entre os varões é mais exigente do que as

limitações dos espaçamentos máximos apresentados na Tabela III.4, para o controlo indirecto da

abertura de fenda, neste caso só para efeitos de acções directas.

Os máximos diâmetros das armaduras dados pelo gráfico da Figura III.22 devem ser corrigidos de

acordo com a seguinte expressão:

)(10)

9.2(

,*

dh

hf effctss −

= φφ (III.28)

Onde:

• sφ é o máximo diâmetro do aço já ajustado;

• s*φ é o máximo diâmetro obtido a partir da Figura III.22;

• h é a espessura total da parede;

• d é a distância do centroide da armadura de um lado, com a superfície do betão do outro

lado;

Para limitar a abertura de fenda devido à restrição de deformação imposta, induzida pela variação da

temperatura ou retracção do betão, pode-se, para depósitos classificados como de classe 1 de

estanquidade (ver Tabela III.5), assegurar, no essencial, que caso se exceda a tensão resistente de

tracção do betão, a abertura de fendas fica limitada a wk1. Para as classes 2 ou 3, especialmente

para a última, se não se utilizarem sistemas de impermeabilização, as exigências de estanquidade

devem ser asseguradas garantindo a compressão com recurso a pré-esforço.

3.9 Comportamento de paredes laterais

No caso de muros de contenções de terras e das paredes laterais dos depósitos a sapata da

fundação ou a laje de fundo respectivamente, betonadas em geral numa fase anterior, e com

espessuras maiores, restringem o livre encurtamento das paredes laterais sob o efeito das

deformações impostas (retracção e variações da temperatura), induzindo assim, tensões de tracção

na parede. A avaliação elástica da distribuição destas tensões na parede mostram que, apesar da

restrição se verificar ao longo da ligação inferior parede/fundação, há só uma pequena variação de

tensões em altura, tendendo para uma distribuição quase uniforme na zona central. Apresenta-se de

53

forma qualitativa, na Figura III.24, a distribuição das tensões e resultantes de tensões ao longo do

comprimento da parede.

Figura III.24: a) Geometria geral da parede; b) Distribuição de tensões antes de formar a 1ªfenda, c)

Resultantes de tensões longitudinais antes de formar a 1ªfenda.

Devido a estas características elásticas do comportamento (distribuição de tensão quase uniforme na

secção central da parede) é usual avaliar a armadura, nestes casos, como se tratasse de um tirante

restringido nas extremidades, adoptando-se pelo equilíbrio de tensões, a expressão regulamentar

referida anteriormente (III.6), para avaliação das quantidades da armadura longitudinal nas duas

faces:

s

efct

ctcs

fAKK

s

A

σ,min. ×××=

Em que:

• K=K(h) em que h é a espessura das paredes laterais, dado pela Figura III.8.

• Kc=1 para tracção pura

• Act=h×1

É de salientar que esta variação de tensão na altura da parede, segundo Favre [5], depende da

razão do comprimento sobre a altura da parede, bl / , dada pelos valores que se apresentam

esquematizada na Figura III.25.

54

Figura III.25: Comparação de distribuição de tensão no centro das paredes com as dum tirante em função da

razão bl / [5].

Verifica-se que a uniformização das tensões na zona central é tanto mais significativa quanto maior

for o comprimento da parede lateral em relação à altura.

De acordo com um estudo realizado recentemente, apresentado no artigo ”Controlo de fendilhação

para deformações impostas “ [3], verificou-se que, depois da formação da primeira fenda transversal,

e perda consequente da rigidez longitudinal, a resultante de tensões transversais na parede, a

quando da formação de uma 2ªfenda, deixa de ter um valor quase constante ao longo da parede,

tomando na zona da 1ªfenda uma resultante inferior (ver na Figura III.26 uma representação

qualitativa).

a)

b)

N

c)

Nc,1

Ncr

Figura III.26: a) Parede antes de formação de uma 2ªfenda; b) Distribuição de tensões antes de formar a

2ªfenda, c) Resultantes de tensões antes de formar a 2ªfenda, para um comportamento não linear.

55

No estudo realizado, apresentado no artigo acima referido, modelou-se a parede como um elemento

plano, cuja características geométricas e materiais adoptados na modelação computacional (ATENA)

se encontram apresentadas na Figura III.27.

Parede

L=30 m

h=3 m

Fundação com restrição absoluta

Betão:

Ec=30,5 Gpa

fct=2,35 Mpa

Aço:

Es=200 Gpa

fsyk=500 Mpa

Figura III.27: Características geométricas e de materiais adoptados no modelo computacional, para as paredes

laterais na análise não linear, ATENA [3].

Foram simuladas no modelo computacional três situações de distribuição da armadura como

indicada na Tabela III.6 em que uma corresponde à armadura mínima regulamentar, avaliada com

base na expressão do EC2-parte 1 [7] admitindo a tracção simples, e as outras duas situações com

menos (caso 2) e mais (caso 3) quantidade de armadura.

Tabela III.6: Casos de análises para a analise não linear, ATENA [3].

Caso de análise

As, adoptado [cm2/m] Percentagem de armadura [%]

1º caso Φ12//0,15 (2×7,54 cm2/m) 0,50

2º caso Φ10//0,15 (2×5,14 cm2/m) 0,35

3 ºcaso Φ16//0,15 (2×13,41 cm2/m) 0,89

Para o caso 1 em particular, apresenta-se na Figura III.28 a evolução da resultante de tensões ao

longo da parede. Consta-se que, à medida que a deformação imposta crescia formavam-se novas

fendas, mas que nas secções previamente fendilhadas o nível do esforço axial nunca voltava a tomar

o valor correspondente ao de fendilhação, Ncr, mas sim, valores da ordem de grandeza de metade

daquele.

56

Figura III.28: Variação das resultantes de tensões ao longo da parede obtida através do comportamento não

linear para o caso correspondente a [3].

Por outro lado, os níveis de tensões (ver Figura III.29) para os dois tipos de deformação imposta

externa (variação da temperatura) e interna (retracção), para o mesmo caso analisado acima

( %5,0=ρ ), eram claramente inferiores aos de cedência que tinha sido admitido no

dimensionamento. Verificou-se ainda que, os níveis da abertura de fendas avaliadas pelo programa

eram da ordem de 0,2 mm e com valores semelhantes para ambos os casos de deformação imposta.

Figura III.29: Evolução da tensão média e aberturas de fendas ao longo da parede para caso de %5,0=ρ ,

para deformação imposta externa e interna respectivamente [3].

57

Concluiu-se neste trabalho que esta constatação precisava de ser mais estudada, pois a se

confirmarem estas características de comportamento, há obvias repercussões no dimensionamento

das armaduras necessárias para assegurarem determinadas características de funcionalidade, por

exemplo, para o controlo das aberturas de fendas nas paredes de tanques.

O estudo efectuado neste trabalho e, apresentado no capítulo seguinte vem na sequência da

necessidade de um maior conhecimento do comportamento para estas situações, analisando-se

paredes laterais através da modelação da perda de rigidez da zona onde as fendas se vão formando.

É um processo por etapas, pois recorre-se a uma sequência de análise lineares, que exige após a

formação de cada nova fenda baixar a rigidez dessa zona.

58

IV. Comportamento das paredes laterais

4.1 Modelação de uma parede lateral

De forma a analisar o comportamento da parede lateral de uma forma que permitisse uma mais fácil

comparação com outros resultados, modelou-se no SAP2000 o mesmo elemento adoptado na

análise não linear referida no final do capítulo anterior, ou seja, uma parede com 30 m, 3 m e 0.3 m

de comprimento, altura e espessura respectivamente. Os nós foram afastados de 0.5 m e 0.6 m em

comprimento e altura respectivamente, perfazendo um total de 366 nós referentes a 300 elementos

finitos, com deslocamentos restringidos longitudinalmente ao longo de um bordo para simular a

restrição da laje de fundo (ver Figura IV.1). De facto na altura da betonagem da parede, a laje de

fundo encontra-se numa fase mais avançada da retracção, além de que, devido à diferença de

espessuras e de exposição, a retracção na parede é mais rápida. Deste modo a laje de fundo

tenderá a impedir o livre encurtamento da parede, fenómeno este que pode ser modelado ao fazer-

se actuar naquela uma variação de temperatura.

Figura IV.1: Modelo base utilizado No Sap2000.

Para as análises lineares executadas neste trabalho, com o SAP2000, adoptaram-se os materiais

cujas características são indicadas na Tabela IV.1.

Tabela IV.1: Características dos materiais à adoptar na parede.

Betão C25/30 Unidades

Ec 30,5 Gpa

fck 25 Mpa

fctm 2,6 Mpa Aço A500R

Es 200 Gpa

fs,yk 500 Mpa

Conhecida a tensão média resistente de tracção do betão, fctm e a geometria do elemento, pode-se

determinar a força longitudinal resultante associada ao início da formação de fendas no betão ao

longo da secção transversal, Ncr, uma vez que é razoável admitir que só o betão é responsável pela

resposta estrutural, tal que:

59

2340106,233,0 3 =×××=××≈ ctmcr fheN kN (IV.1)

Avaliado este valor, faz-se actuar uma diminuição de temperatura na parede até se atingir numa

dada secção uma resultante de tensões axiais equivalente, tendo-se verificado que seria na secção

do meio comprimento da parede. Após atingir este valor da força de fendilhação (expressão (IV.1)),

teve-se em conta indirectamente a não linearidade do comportamento do elemento no modelo,

simulando-se a perda de rigidez nessa zona. No presente caso de estudo, a avaliação da perda de

rigidez teve como base o modelo simplificado da abertura de fendas referido na secção 3.5 onde se

admite que no processo de formação de fendas, e num comprimento de 070,0 l , a rigidez do

elemento só depende das armaduras.

Refira-se que no modelo não linear, as fendas se formaram da extremidade para o meio da parede,

contrariamente ao que sucedeu nesta análise linear devido à concentração de tensões na

proximidade da zona de ligação parede/fundação [3]. No entanto, este aspecto não afecta as

características principais da modelação simplificada adoptada e da comparação com esses

resultados.

Como referido anteriormente, após a formação da primeira fenda, o comportamento estrutural

depende da quantidade da armadura e da sua disposição. No estudo que se segue, em que também

se consideram três casos, cada um referente a uma determinada quantidade de armadura, a rigidez

na zona das fendas, foi caracterizada através de um módulo de elasticidade equivalente, Ec,eq , dado

por:

Ac

As com , E.E seq c, == ρρ (IV.2)

Este módulo de elasticidade corresponde ao valor que se deve multiplicar a área de betão da secção,

de modo a se obter uma rigidez equivalente à que existiria na secção só com armadura, tal que:

eqEcAcEsAs ,×≈× (IV.3)

Esta zona de menor rigidez foi considerada numa largura de 70% do comprimento de transmissão,

0l , estando os parâmetros necessários para simular as perdas de rigidez e aberturas de fendas

apresentados na Tabela IV.2 para os 3 casos analisados. De referir que o caso 1 corresponde à

adopção de uma percentagem de armadura avaliada com base na expressão (III.6) do EC2 [7]

admitindo a tracção simples, como se tratasse de um tirante e, os casos 2 e 3 correspondem,

respectivamente, a menos e mais, aproximadamente 1/3 daquela quantidade. São casos de

pormenorização próximos aos adoptados nas análises não lineares, referido no sub-capítulo anterior,

de modo a permitir uma comparação de resultados.

60

Tabela IV.2: Caso de análise – parametrização da armadura ordinária.

Casos de

análise Armadura adoptada

As,total [cm2/m]

Ec,eq

[kpa] ρef

[%] lo

[cm] 0,70 lo[cm]

1º caso Φ10//0,10 por faces 15,7 10,46×105 0,785 25,5 ≈20

2º caso Φ10//0,15 por faces 10,48 6,9866×105 0,524 38,2 ≈27

3 ºcaso Φ12//0,10 por faces 22,62 15,08×105 1,131 21,2 ≈15

Avaliado o valor de 0l , para cada caso de pormenorização, adopta-se a rigidez equivalente após a

abertura de cada nova fenda, num comprimento de 035,0 l para cada lado da secção em causa, de

acordo com o modelo referido na secção 3.5 (modelo simplificado da abertura de fenda).

Considerando a perda de rigidez naquele comprimento, para o mesmo valor de deformação imposta,

o esforço axial global resultante diminui significativamente simulando o efeito verificado em ensaios

experimentais e na análise não linear. Se se continuar a impor no novo modelo linear a variação de

temperatura na parede, os esforços axiais voltam a aumentar até que noutra secção transversal se

atinje de novo a força de fendilhação, repetindo-se o mesmo processo de análise, com a

consideração de outra zona com rigidez reduzida.

Nas Figuras IV.2, IV.3 e IV.4 apresenta-se o aspecto gráfico da história da variação da resultante da

força (resultante de tensões na secção transversal) ao longo da parede, à medida que evolui a

variação da temperatura, repetindo-se a análise sempre para as situações de antes e depois da

abertura de cada nova fenda. Os valores da resultante das forças em cada secção apresentados

naqueles gráficos, foram obtidos a partir da soma de todos os valores da força de cada nó

pertencente à secção em causa. É de salientar ainda dos gráficos os seguintes aspectos:

• São apresentadas as resultantes de tensões antes da fendilhação, para três casos,

correspondentes a variações de temperatura de 5º, 7º e 8,63ºC (valor da fendilhação);

• São indicadas sempre as situações antes e após a formação de cada fenda, e com a

indicação do número de fendas geradas (por exemplo, a simbologia /, representa a formação

de uma fenda e, a simbologia // de duas fendas simétricas em relação à secção central da

parede);

• São ainda, representadas algumas situações intermédias;

• Os modelos foram analisados até a formação de 5 fendas;

61

0

500

1000

1500

2000

2500

0 5 10 15 20 25 30

X (m)

F (kN

)∆T=-5,00

∆T=-7,00

∆T=-8,63 /

∆T=-8,63

∆T=-9,59 //

∆T=-9,59

∆T=-11,00

∆T=-12,35 //

∆T=-12,35

∆T=-13,06 /

Figura IV.2: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=15,70 cm2/m (armadura mínima).

0

500

1000

1500

2000

2500

0 5 10 15 20 25 30

X (m)

F (kN

)

∆T=-5,00

∆T= -7,00

∆T= -8,63 /

∆T =-8,63

∆T =-9,00

∆T =-9,5

∆T =-9,82 //

∆T =9,82

∆T =-11,5

∆T =-13,71 //

∆T =-13,71

∆T =-14,5

∆T =-14,77 /

Figura IV.3: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=10,48 cm2/m.

62

0

500

1000

1500

2000

2500

0 5 10 15 20 25 30X (m)

F (kN

)∆T=-5,00

∆T=-7,00

∆T=-8,63 /

∆T=-8,63

∆T=-9,37//

∆T=-9,37

∆T=-10,00

∆T=-11,14 //

∆T=-11,14

∆T=-11,81 /

∆T =-11,81

∆T =-12,13 /

∆T =-12,13

∆T =-13,5

Figura IV.4: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=22,62 cm2/m.

Da análise dos gráficos constata-se, como era de esperar, que os espaçamentos entre as fendas, na

fase inicial da formação de fendas, estão compreendidos entre h e 2h, em que h é a altura da parede

[5].

Verifica-se que, com a diminuição da armadura, há um maior abaixamento dos esforços axiais

globais nas zonas previamente fendilhadas, pois há uma maior diminuição da rigidez. Nota-se

também que, para menores quantidades de armadura, o valor da deformação imposta para formar os

mesmos números de fendas é maior pois as diminuições de tensão e de rigidez a quando da

formação de uma nova fenda, são maiores.

É interessante verificar que o tipo de comportamento constatado na análise não linear é

qualitativamente bem avaliado pela modelação simples adoptada e que, mesmo em termos

quantitativos para o caso 1 (Φ10//0,10 com As=15,7cm2/m) equivalente ao caso 1 da análise não

linear (Φ12//0,15 com As=15,08 cm2/m) os resultados são quantitativamente comparáveis. Por

exemplo, o esforço axial máximo que se gera nas secções já fendilhadas, da ordem de 1000 kN (ver

figuras III.28 e IV.2), e que é da ordem de metade do esforço axial de fendilhação global, Ncr (dado

pela expressão (IV.1)), são bastante próximos nas duas modelações.

As expressões definidas anteriormente que avaliam as aberturas de fendas, dependem do diâmetro

e da quantidade da armadura, mas principalmente da tensão na armadura calculada com base na

secção fendilhada. Assim, e porque também o EC2 – parte 1 e 3 [4, 7] fazem, como referido nos

capitulos anteriores, um controlo indirecto da abertura de fendas com base principalmente da tensão

no aço, tem todo o interesse em analisar a evolução dessa tensão nas secções previamente

fendilhadas.

63

Assim, apresenta-se na Figura IV.5, para os casos analisados, as variações de tensões médias no

aço nas secções fendilhadas à medida que se impõe a variação da temperatura.

Figura IV.5: Variação de tensão média na secção central, para os casos analisados.

Observa-se que antes da formação da primeira fenda só há um pequeno acréscimo de tensão na

armadura, devido ao comportamento elástico da secção (Estado I). Quando se forma a primeira

fenda, apesar da queda do esforço axial global, verifica-se um aumento significativo da tensão da

armadura na zona fendilhada como esperado e verificado também no caso dos tirantes. Com o

continuar do aumento da variação da temperatura, a tensão no aço volta a aumentar, verificando-se

com a formação de cada nova fenda, uma diminuição ligeira, mas brusca, da tensão no aço. Estas

variações tendem a ser menores, quanto maior for a quantidade de aço na secção. Nesta figura,

nota-se também como se formam mais fendas, para um dado valor de deformação imposta, quanto

maior for a quantidade de armadura.

De referir que para o caso de As=15,70 cm2/m os valores médio máximos (230 a 300 Mpa) são da

mesma ordem de grandeza, embora um pouco superiores, aos obtidos na análise não linear (200 a

250 Mpa).

As características globais de comportamento são semelhantes às de um tirante, submetida a uma

deformação imposta exterior, contudo a tensão média nas armaduras é menor para iguais

percentagens de armadura. Verifica-se que, mesmo para uma armadura inferior à mínima caso 2

(Φ10//0,15 com As=10,48 cm2/m), a tensão média máxima antes da formação da fenda seguinte,

toma um valor da ordem de 330 Mpa, valor este, bastante inferior à da tensão característica de

cedência (500 Mpa). Há, no entanto, que ter em atenção que tratando-se de valores médios ao longo

da altura, há tensões um pouco superiores nesta secção, e, que se, se pretender uma melhor

avaliação da abertura máxima de fendas se deveria tomar esse valor.

64

4.2 Análise da tensão na secção central

Até este subcapítulo apresentaram-se os valores da resultante das forças das secções transversais

ao longo do comprimento da parede e tensões médias na secção central. Neste subcapítulo, analisa-

se a distribuição de tensão ao longo da altura da parede na secção central da parede, para os seus

dois estados possíveis (fendilhado e não fendilhado), para o caso 1 de estudo (Φ10//0,10 com

As=15,7cm2/m).

Para o estado não fendilhado, as tensões nas paredes distribuem-se como mostra o estudo realizado

por Favre [5], esquematizado na Figura III.25. Ai se analisava e comparava as tensões na base e no

topo da parede na zona central, cσ , com uma distribuição de tensões igual a que se teria se

considerasse a parede como um tirante encastrado nas extremidades (tensão uniforme na secção

central, ctmo f=σ ). Ai concluía-se que, quanto maior for a razão do comprimento sobre a altura da

parede, bl / , mais significativa é a uniformização da tensão na zona central.

Apresenta-se na Figura IV.6, a variação da tensão na zona central, onde também se encontra

indicada a razão da tensão no topo e na base, cσ , sobre a tensão uniforme, 0σ , imediatamente

antes da formação da 1ªfenda, ou seja, para uma variação de temperatura de 8,63ºC.

Figura IV.6: Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da formação da 1ªfenda,

∆T=8,63ºC.

Apesar da tensão ser maior na zona de ligação entre a parede e a laje de fundo, onde há restrição

total da deformação imposta pela variação da temperatura, verifica-se existir só uma pequena

diminuição de tensão na altura (cerca de 1,3%). Da razão das tensões das extremidades das

65

paredes, cσ , sobre o valor da tensão uniforme, 0σ , constata-se, ser coerente com o do estudo

apresentado por Favre [5] (ver Figura III.25), onde 10/ =bl .

Para o estado fendilhado, apresenta-se na Figura IV.7 e para o caso 1, a distribuição de tensão na 1ª

fenda (central) para a situação imediatamente antes da formação da 2ª e 3ªfendas, ou seja,

∆T=12,35ºC (dado que as duas fendas apresentadas na figura formaram-se para um mesmo valor da

variação de temperatura, ∆T=9,59ºC), como pode ser verificado na Figura IV.2.

Figura IV.7: Distribuição de tensão, na secção central da parede imediatamente antes da formação da 3ªfenda,

∆T=12,35ºC.

Observa-se que a distribuição de tensões nas armaduras, na secção central da parede não é

uniforme, como à partida se poderia esperar com base no comportamento não fendilhado (Figura

IV.6) e que, a tensão aumenta com a altura da parede. Este comportamento é explicado pela

restrição na base da parede que faz com que as aberturas de fendas tendem a ser maiores no topo,

como se ilustra na Figura IV.8.

Figura IV.8: Deformada para a situação imediatamente antes da formação da 3ºfenda, ao longo do comprimento

da parede SAP2000.

66

Como discutido anteriormente, a perda de rigidez devido às fendas foram simuladas no modelo,

considerando, numa zona de ol35,0 de comprimento, para cada lado da secção fendilhada, um

módulo de elasticidade equivalente, Ec,eq, inferior. Sendo as deformações maiores no topo, maior

será a tensão na zona superior. No caso 1 (Φ10//0,10 com As=15,7cm2/m) a tensão máxima é da

ordem de 385 Mpa.

Na Figura IV.9, apresentam-se, para os 3 casos de distribuição de armadura, os gráficos da variação

de tensão na secção central da parede, juntamente com o seu valor médio. É de referir que o modelo

com impedimento total da deformação na base pode ser responsável pela importante variação de

tensão em altura. Estes valores médios de tensões foram indicados no gráfico da Figura IV.5 para a

mesma situação de variação de temperatura, demarcados naquela figura com letra de A a C,

respectivamente para os três casos de estudo, antes da formação da 2ª e 3ªfenda.

Figura IV.9: Variação de tensão (azul) e valor médio (cor de rosa), na secção central da parede a quando da

formação das fendas seguintes para: a) caso1, com As=15,70cm2/m; b) caso 2, com As= 10,48cm

2/m; c) caso 3,

com As=22,63 cm2/m.

Verifica-se que, para caso 1 ( 10,0//10φ ) e caso 2 ( 15,0//10φ ), com distribuição da armadura

respectivamente igual e inferior à mínima (admitindo a parede à tracção simples, como tirante), a

tensão máxima na secção central é da ordem de grandeza de 385 e 445 Mpa respectivamente.

Apesar destes valores continuarem a ser inferiores à tensão característica de cedência (500Mpa),

poderão não ser aceitáveis em termos de exigência em serviço, em especial em termos de

67

estanquidade. Por exemplo para um controle indirecto de aberturas de fendas (ver Tabela III.4), o

valor limite da tensão no aço, para os diâmetros adoptados ( 10φ ) e aberturas de fenda

característica, wk, inferiores a 0,4 mm, é de 360 Mpa.

De salientar que, fazendo a mesma análise, para o caso 3 ( 10,0//12φ ), tem-se para um valor limite

de wk=0,4 mm uma tensão máxima de 320 Mpa, verificando-se que a solução responde

adequadamente àquele critério.

Para valores mais exigentes de aberturas de fendas, para assegurar características de estanquidade

adequadas em depósitos de água, para valores limite da abertura de fendas da ordem de 0,10 mm a

0,20 mm haveria que considerar quantidades de armadura superiores.

4.3 Modelação do efeito do tempo

Dado que a retracção é um processo que se desenvolve ao longo do tempo, e a deformabilidade do

betão é maior para acções aplicadas lentamente, devido à fluência, considerou-se interessante

avaliar aproximadamente este efeito. Para tal, considerou-se uma redução do módulo de elasticidade

do betão para metade e analisou-se uma segunda série de paredes em tudo idêntica à anterior, cujos

resultados são apresentados nas Figuras IV.10, IV.11 e IV.12.

0

500

1000

1500

2000

2500

0 5 10 15 20 25 30

X (m)

N (kN)

∆T=- 11,00

∆T= -13,00

∆T= -15,00

∆T=- 17,26 /

∆T =- 17,26

∆T =- 18,00

∆T =- 18,73//

∆T =18,73

∆T =-22,22 /

∆ T =-22,22

∆T =23,59 /

∆T =-23,59

∆T =-24,21 /

T =24,21

Figura IV.10: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=15,70 cm2/m (armadura mínima),

modelando a estrutura com módulos de elasticidade reduzidos.

68

0

500

1000

1500

2000

2500

0 5 10 15 20 25 30

X (m)

N (kN)

∆T=- 11,00

∆T= -13,00

∆T= -15,00

∆T=- 17,26 /

∆T =-17,26

∆T =-19,21//

∆T =-19,21

∆T =-23,00

∆T =24,90//

∆T =-24,90

∆T =-26,00

∆T =-26,26 /

Figura IV.11: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=10,48 cm2/m, modelando a estrutura

com módulos de elasticidade reduzidos.

0

500

1000

1500

2000

2500

0 5 10 15 20 25 30X (m)

N (kN)

∆T=- 11,00

∆T= -13,00

∆T= -15,00

∆T=- 17,26 /

∆T =-17,26

∆T =-18,33 //

∆T =-18,33

∆T =-20,29 /

∆T =-20,29

∆T =-20,58 /

∆T =-20,58

∆T =-21

∆T =-21,36 /

∆T =-21,36

∆T =-22,43 /

∆T =-22,43

∆T =-23,36 /

Figura IV.12: Gráfico da variação da força ao longo da parede, para As=22,62 cm2/m, modelando a estrutura

com módulos de elasticidade reduzidos.

Verifica-se que as fendas aparecem para um valor da deformação imposta de quase o dobro do caso

anterior, uma vez que os esforços são proporcionais ao módulo de elasticidade, mas, o aspecto mais

relevante desta análise é o facto dos abaixamentos de esforços axiais devido às aberturas das

fendas serem significativamente inferiores aos dos casos anteriores. Por exemplo, no caso 1, com

Φ10//0,10 a resultante do esforço axial médio máximo na zona das fendas é da ordem de 1400kN e

não de 1000 kN como no caso anterior. Este comportamento deve-se ao facto da perda de rigidez

69

relativa entre a secção não fendilhada e fendilhada diminuir ao se baixar o módulo de elasticidade do

betão.

Sendo assim, naturalmente que o nível de tensões média, nas armaduras das secções fendilhadas,

apesar de terem o mesmo andamento que nos casos anteriores, tomam valores superiores e com

diferenças relativas entre elas mais significativas logo após a formação da 1ªfenda (ver Figura IV.13).

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

0 5 10 15 20 25∆T (ºC)

σs (Mpa)

As=15,70 cm2/m

As=10,48 cm2/m

As=22,62 cm2/m

Figura IV.13: Variação de tensão da armadura na 1ª fenda para o caso 1, 2 e 3 respectivamente, considerando

a retracção como uma acção lenta.

Os resultados obtidos com esta simulação, necessariamente simplificada, levantam algumas

questões quanto à necessidade de uma melhor avaliação do efeito da evolução do fenómeno no

tempo. Se, por um lado, o processo de formação de cada fenda é repentino e portanto com uma

resposta de estrutura melhor simulado com um módulo de elasticidade instantânea, por outro lado, o

processo até a formação de cada nova fenda desenvolve-se lentamente no tempo. Apesar de uma

melhor clarificação deste efeito ser necessária com uma análise não linear no tempo, considera-se

que a avaliação mais correcta seria a consideração do efeito do tempo até a formação de cada nova

fenda, mas que a quando da sua formação a resposta devera ser avaliada com o modulo de

elasticidade instantâneo. Assim, pensa-se que os resultados de tensões nas armaduras, estimadas

com o módulo instantâneo correspondem melhor à realidade.

4.4 Abertura de fendas

Com o objectivo de analisar as aberturas de fendas de modo a comparar com as exigências de

estanquidade, e também analisar os valores das aberturas de fendas obtidos através das diferentes

expressões referidas nas secções 3.4 e 3.5, apresenta-se seguidamente a sua avaliação para os

casos em estudo.

A partir dos valores dos materiais das Tabelas IV.1 e IV.2 e dos resultados da máxima tensão média

no aço, após abertura das fendas, para os casos (sem e com redução do módulo de elasticidade do

betão), obtêm-se as Tabelas IV.3 e IV.4.

70

Tabela IV.3: Valores das aberturas características de fendas (modelo com módulo de elasticidade elásticos).

Caso 1 (Φ10//0,10)

Caso 2 (Φ10//0,15)

Caso 3 (Φ12//0,10)

σ1s, [Mpa] 292,1 321,3 243,7

lok [cm] 43,35 64,94 36,04 Srk,max [cm] 56,91 78,49 49,67 w1 [mm] 0,83 1,26 0,61 w2 [mm] 0,43 0,46* 0,36 w3 [mm] 0,44 0,73* 0,31

Tabela IV.4: Valores das aberturas características de fendas (modelo com módulo de elasticidade reduzido).

Caso 1 (Φ10//0,10)

Caso 2 (Φ10//0,15)

Caso 3 (Φ12//0,10)

σ2s, [Mpa] 354,1 435,5 274,1 lok [cm] 43,35 64,94 36,04

Srk,max [cm] 56,91 78,49 49,67 w1 [mm] 1,01 1,71 0,68

w2 [mm] 0,61 0,92 0,44 w3 [mm] 0,54 0,99 0,35

Onde:

• 1w , refere-se a uma estimativa da abertura característica de fendas muito conservativa, sem

considerar a participação do betão entre as fendas, dada simplesmente por:

s

s

rksrkE

SSw 2

max,2max,1

σε ×=×= (IV.4)

• 2w , tem em conta a participação do betão entre as fendas, desprezando-se o termo da

retracção, dada por:

+−×= )1(max,2 efe

efs

ct

t

s

s

rkE

fk

ESw ρα

ρσ , kt=0,4 (acção lenta no tempo) (IV.5)

• 3w , refere-se à abertura característica dada pelo modelo simplificado proposto por Jaccoud

e Favre [5], sem o termo referente à retracção do betão, dada por:

s

s

kE

low 2

3 70,0σ

×= (IV.6)

• max,rkS , é o espaçamento característico máximo entre as fendas, dado pela expressão III.16 :

)25.02(7,1 21max,

fe

rk kkcSρφ

+×=

71

Verifica-se que os valores das aberturas de fendas calculados pela expressão 1w são claramente

maiores, pois aquela é uma expressão simplificada, que para os casos em que as quantidades de

armaduras são próximas à mínima, com participação importante do betão à tracção entre fendas, é

claramente desaconselhável. Pela análise das tabelas verifica-se como a participação do betão entre

fendas assume um valor significativo, principalmente para a situação de menor percentagem de

armadura (caso 2). No entanto, ao reduzir-se o módulo de elasticidade para metade (ver Tabela IV.4)

a contribuição de betão entre as fendas diminui.

No que diz respeito às expressões de cálculo 2w e 3w verifica-se que há uma boa aproximação

entre os valores, com a única excepção para o caso 2 (assinalado por *, com módulo de elasticidade

instantâneo), onde, como referido, o betão entre as fendas tem uma contribuição importante.

Para o caso 3 (Φ12//0,10), tinha-se concluído anteriormente (secção 4.2) que, para o nível máximo

de tensão na secção transversal, no topo da parede, este caso respondia adequadamente para

soluções correntes (sem exigências de estanquidade, como é o caso de muros de suporte). Este

facto é comprovado pelos valores estimados da abertura característica obtidos pelas formulas 2w e

3w (ver Tabela IV.3).

Se se considerasse esta parede lateral, como sendo de um depósito com 10=w

D

h

h, a abertura de

fenda característica limite segundo o EC2 – parte 3 [4] (ver Figura III.21) seria de 0.165 mm, isto para

uma exigência de estanquidade de classe 1 (ver Tabela III.5). Portanto se esse fosse o objectivo

neste caso, haveria que considerar uma quantidade de armadura superior ao do caso 3 (Φ12//0,10)

de modo a respeitar aquele critério.

72

V. Conclusão e desenvolvimento futuro

5.1 Conclusões

Neste trabalho faz-se, em primeiro lugar, uma caracterização geral das acções indirectas e dos seus

efeitos nas estruturas de betão armado e, analisa-se, posteriormente, as diferenças da resposta

estrutural de um tirante face à acção de deformações impostas externas (variação da temperatura,

simultaneamente no aço e betão) e internas (retracção do betão). Chama a atenção para que,

embora nas últimas, as resultantes de tensões no aço, após o processo de formação de fendas,

fossem menores, as aberturas de fendas são da mesma ordem de grandeza, devido ao

encurtamento livre do betão entre as fendas. Sendo assim, os dois tipos de acções têm efeitos

equivalentes em termos de aberturas de fendas, podendo ser estas avaliadas de forma semelhante

na avaliação do comportamento em serviço.

Esta dissertação teve como objectivo principal compreender melhor os estudos desenvolvidos por

Ricardo Luís [3], com base em análises não lineares, com recurso ao programa ATENA, sobre o

comportamento das paredes para deformações impostas. Através da utilização de um processo de

análise por etapas, com um programa de análise linear (SAP2000), foi possível verificar de uma

forma qualitativa e quantitativa que as paredes têm um comportamento semelhante às verificadas

nas análises não lineares. Com a simulação simplificada implementada neste trabalho, confirmou-se

um aspecto importante daquelas análises que é o facto de que, com a formação das fendas

transversais, e consequente perda de rigidez, as tensões nas armaduras tomam valores inferiores

àquelas que teriam se se tratasse de uma situação típico de tirante, na qual se basearam as

indicações regulamentares. Estas características de comportamento têm repercussões no

dimensionamento das armaduras para assegurarem as características exigíveis de funcionalidade

deste tipo de estruturas.

Verificou-se neste trabalho que o nível de tensão das armaduras, nas secções previamente

fendilhadas é inferior à tensão de cedência do aço mesmo para o caso com adopção de uma

quantidade de armadura inferior à mínima para um tirante (caso 2, Φ10//0,15). No entanto, embora

não tenha ocorrido a cedência das armaduras, para os casos 1 (Φ10//0,10) e 2 (Φ10//0,15), os

valores das aberturas de fendas expectáveis, com base nas tensões máximas, obtidas nas

armaduras após a fendilhação e cálculo da abertura característica de fendas, tomam valores que,

segundo o EC2 – parte 1 [7], não seriam admissíveis em termos de durabilidade e aspecto. O menor

valor dos esforços axiais que se desenvolve no processo de formação de fendas faz com que, a

quantidade da armadura adoptado, um pouco superior a mínima (no caso 3, Φ12//0,10), resulte

numa resposta adequada nos casos sem exigências especiais de estanquidade, ou para os casos

correntes de muros de suporte. Para depósitos com nível de exigências maiores haveria que adoptar

mais armadura.

73

É de salientar que as exigências de estanquidade regulamentares para depósitos impõem

quantidades de armaduras superiores à mínima avaliada com base na expressão clássica do EC2

[7]. No entanto, é evidente que a constatação deste estudo, que aponta para a possibilidade de

admitir esforços axiais inferiores ao da formula da armadura mínima de estimativa da abertura de

fendas para deformação impostas, permite assegurar determinados níveis de exigências com

menores quantidades de armadura.

5.2 Desenvolvimentos futuros

Em termos de desenvolvimentos futuros, no sentido de obter uma melhor caracterização e controlo

do comportamento das paredes laterais de depósitos considera-se que há que clarificar alguns

aspectos como:

• Melhor caracterização dos efeitos da fluência do betão na rigidez da estrutura e nas

implicações para estimativa do nível de tensões nas armaduras;

• Definição de regras simples para estimar os valores de esforço axial para o cálculo de

tensões, considerando uma percentagem do valor de fendilhação de um tirante;

Além destes estudos de caracterização do comportamento e de complementarização das regras de

dimensionamento, parece importante fazer um levantamento de situações verificadas em obras de

depósitos, salientando as que mostraram um comportamento adequado e as que tiveram

comportamento anómalo, tentando fazer, face as características e quantidades dos materiais

adoptados, uma análise de causa e efeito.

74

Bibliografia

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e Deformações Impostas”, Instituto Superior Técnico, Dissertação de Mestrado, Outubro de 2005;

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2004

[3] Luís, Ricardo – “ Crack controlo for imposed deformations”, Laussane, Artigo científico, 2007;

[4] Eurocodigo 2 – parte 3 – “Dimensionamento de estruturas de betão – Retenção de líquidos em

estruturas”; EN 1992-3, CEN, Julho de 2003;

[5] Renaud Favre; Jean- Paul jaccoud - “Dimensionnement des structures en béton”- Aptitude au

service et éléments de structures, Presse Polytechnique et Universitaires Romandes, Traité de Génie

Civil, Vol. 8, 3è éd., 612 pages, Lausanne, Suisse, 2004;

[6] Silva, Ana – “A influência dos adjuvantes redutores da retracção no controlo da fissuração” ,

Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Dissertação de Mestrado, Núcleo de Betões, Lisboa Março

de 2006;

[7] Eurocódigo 2 – parte 1 – “Dimensionamento de estruturas de betão, parte 1.1”; EN 1992-1-1,

CEN, Abril de 2003;

[8] Schiessl, P. – “Einfluss von Rissen auf die Doucrhaftigkeit von Stahlbeton – und

Spannbetonbauteilen”, Deutsher Ausschuss für Stahlbeton, Berlin Heft 370, 1986;

[9] Model Code 90 – CEB-FIP Design Code, Junho de 1991;

[10] Structural Concrete. Text Book – Updated knowledge of the CEB-FIP Model Code 90 – Vol. 1, 2

e 3;