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CONTROVÉRSIA

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RESPOSTA AO PROFESSOR AMÉRICO DA COSTA RAMALHO *

Leodegário A. de Azevedo filho

Mais uma vez, somos honrados pelo eminente professor

Américo da Costa Ramalho, — aqui também respeitosamente designado

sr. Costa Ramalho, como no Brasil é de praxe em artigos de contro­

vérsia e de critica, — pois de novo voltou o seu interesse para os

nossos estudos anchietanos e. para a análise do modesto trabalho

que editamos sobre Anchieta e_ a Literatura liovilatina em Portugal

(Rio de Janeiro, 1985). A nova critica foi impressa nas páginas

da revista Humanitas (vols. XXXVII - XXXVIII, Coinfora, 1986, p. 382-386),

onde o mesmo professor, com vários cortes, eticamente inexplicáveis,

também publicou e mutilou a nossa resposta ã critica que fez ao

livro As_ Poesias de Anchieta em Português (Rio de Janeiro, 1983) ,

na mesma revista Humanitas (vols. XXXV — XXXVI, p. 19-22), livro

editado em colaboração com o eminente linguista brasileiro profes­

sor Silvio Elia. Alias, o único responsável pelo estabelecimento

critico dos textos, com alto saber e ã luz do Ms. Opp. NN. 24, dos

Arquivos da Companhia de Jesus em Roma, é o professor Silvio Elia,

como se declara no volume, cabendo-nos apenas a apreciação literá­

ria da obra. Aos interessados na questão, se é que alguém possa

ainda interessar-se por isso, recomendamos a leitura dos nossos ar­

tigos de resposta, intitulados: "Aramaças!" (Revista da Academia

Cearense da Língua Portuguesa, n9 6, 1985, p. 88-92) ; "Anchieta e

a Literatura Pré-Barroca em Latim" (Revista Brasileira de Língua e_

Literatura, Rio de Janeiro, n9 14, 1986, p. 74-82); e "Sobre o Hu­

manismo Barroco no Brasil" (Suplemento Literário de_ Minas Gerais,

Belo Horizonte, n9 1028, 1986, p, 8-9). Pena é que tal espécie de

crítica desenvolvida contra nós, sem sabermos com que propósitos,

não ofereça aos leitores uma ideia de conjunto do nosso trabalho,

focalizando apenas trechos esparsos e adredemente escolhidos, com

frágeis discordâncias e contestações fragmentadas, num estranho pro­

cesso de recensão, já que esfacela a obra, sem apreciá-la em toda

a sua linha expositiva. Parece incrível, mas ainda existe tal es­

pécie de crítica...

Nem se pode analisar a obra literária de Anchieta com

visão setorizada, mas globalmente, nas quatro línguas (português,

espanhol, latim e tupi) em que o jesuíta, comprovadamente, escre­

veu. Quanto ao latim, também não se pode vendar os olhos diante de

um hino (De_ Assumptione Beatae Mariae Virginis) escrito em quadras

populares de versos de redondilha maior e seu quebrado de três sí­

labas, como se fazia na Idade Média, substituindo-se o ritmo quan­

titativo da língua latina pelo ritmo intensivo das línguas romãni-

* Reprodução fotográfica do original.

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cas. Eis a primeira estrofe da composição, cujas ideias se repe­

tem na parte final do grande poema De Beata Virgine Dei Maire Maria:

Super caelos eleuaris,

Virgo, uirginum praeclara,

Virgo Clemens, Deo cara,

Christi mater.

Ao todo, são 92 quadras, num total de 276 versos setissllabos e 92

versos quebrados de três sílabas, como se pode ver no Ms. de Roma.

Nas quadras, o segundo e o terceiro versos rimam emparelhadamente,

e o quarto verso rima com o primeiro verso da estrofe seguinte, como

na poesia de longa tradição popular. Portanto, não se pode frag­

mentar a obra literária de Anchieta, mas analisá-la em seu conjun­

to, sem esquecer a importantíssima parte escrita na lingua geral

da costa brasileira, o tupi. Afinal de contas, o jesuíta não es­

creveu apenas em latim de imitação clássica, embora também fizesse

isso, em tudo revelando os seus radicais compromissos com o ideá­

rio místico da Contra-Reforma, a que se filiava a Companhia de

Jesus. Por isso mesmo, literariamente falando, o latim culto de

Anchieta já não é o latim do Renascimento, mas o latim do Barroco.

E aqui está o ponto crucial do problema, apresentando o professor

Costa Ramalho dificuldades teóricas intransponíveis, como' adiante

veremos.

Por certo, muito nos agrada saber que, após a permanên­

cia do professor Américo da Costa Ramalho no Rio de Janeiro, onde

lecionou em três Universidades, por indicação nossa e a pedido seu,

aqui tomando contacto com a obra literária de Anchieta, que não co­

nhecia, ao retornar a Coimbra, passasse a ministrar cursos de Mes­

trado sobre Épica Novilatina, baseado no De_ Gestis Mendi de Sag, e

sobre Ode Novilatina, também baseado na obra de Anchieta. Mas te­

mos, a esse respeito, algumas dúvidas, que adiante vamos expor.

Os dois grandes poemas latinos, que são o De Beata Virgine

Dei Matre Maria e o De_ Gestis Mendi de Saa, apenas atribuídos a

Anchieta, pois não há nenhuma assinatura do autor em nenhum dos dois,

ao contrário do que reiteradamente informa o sr. Costa Ramalho em

relação ao primeiro, foram editados por jesuítas modernos,—sem con­

tar com as edições do passado, — mas sem o indispensável tratamen­

to ecdõtico exigido pela moderna crítica textual, por mais cuida­

dosas que sejam tais edições. Isso se deve, sobretudo, ao incan­

sável labor do padre Armando Cardoso, S. J., que muito tem divul­

gado os dois textos, çom a sua respectiva tradução para o portu­

guês. Nem mais se poderia exigir do benemérito padre Armando Cardoso,

S. J., que nunca se declarou um especialista em ecdótica, embora

seja um excelente latinista, por todos respeitado. Mas, em críti-

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ca universitária de elevada especialização, o que todos esperáva­

mos do professor Américo da Costa Ramalho, pois chegou a ser con­

vidado por nós para realizar essa tarefa, era uma edição crítica de

ambos os poemas, ou apenas de um, a partir do manuscrito básico, já

nem aqui nos referimos às numerosas cópias correntes no século XVII,

mas especificamente ao texto mais antigo do De_ Beata Virgine Dei

Maire Maria, ao que se admite o autógrafo do poeta, pois ia rubri­

cado pelo Visitador no provincialado de Anchieta, que era o padre

Cristóvão Gouveia. Tal texto, levado a Portugal, talvez para a im-

pressão feita pelo padre Simão de Vasconcelos, no sécuïb XVIÎ7~Y~sè~-

ria o mesmo que depois foi guardado no Cartório da Bahia e que, se­

gundo o testemunho do padre Alexandre de Gusmão, tinha a letra de

Anchieta, mas sem qualquer assinatura do missionário, que não pu­

nha o seu nome nos poemas, por humildade cristã. Alguns episódios

históricos, entretanto, confirmam que o texto era de Anchieta, lon­

gamente meditado durante o seu cativeiro em Iperoig, onde esteve

como refém dos Tamoios. Diga-se ainda que o texto mais antigo (e

lectio antiquior -potior) foi remetido a Roma, para o exame dos do­

cumentos escritos no processo de beatificação de Anchieta, junta­

mente com os poemas De_ Gestis Menai de Sag e outras poesias, tudo

pertencente ao chamado Manuscrito de Algorta, realmente de análise

indispensável para o estudo da língua latina usada'pelo famoso je­

suíta. Desse Manuscrito o padre Armando Cardoso, S. J. possui uma

fotocópia, que serviu para a edição do Arquivo Nacional, jamais in­

titulada edição critica, em 1940. Trata-se da quinta edição do

texto latino, pois também houve a de Tenerife, em 1887, e da pri­

meira tradução para o português. Depois disso, além de uma publi­

cação do Mons. Luís Gonzaga de Moura, Vigário Geral de Campinas,

as Edições Paulinas lançaram, em terceira e em quar.ta edições, res­

pectivamente datadas de 1959 e 1960, o Poema da Virgem, entre ou­

tras publicações, que afinal culminaram com a edição do Instituto

Nacional do Livro, em convénio com as Edições Loyola, de são Paulo,

em 1980, em dois volumes.' A fixação do texto em latim é da respon­

sabilidade exclusiva do padre Armando Cardoso, S. J., profundo co­

nhecedor daquela língua clássica, bem assim a trabalhosa tradução

em versos alexandrinos para o português, língua em que também é

mestre. Mas não se trata de uma edição crítica, no sentido rigo­

roso do termo, como sabe o próprio editor. Aliás, é extremamente

complexa a elaboração de uma edição critica do poema De Beata Virgine

Dei Matre Maria, em face da variável tradição manuscrita remanes­

cente e das múltiplas edições do texto.

Quanto ao poema De_ Gestis Méndi de Saa, foi publicado pe­

la primeira vez pelo tipógrafo régio João Alvares, em 1563, em

Coimbra, mas sem qualquer indicação de autoria. Em sua Bibliogra­

fia de obras impressas em Portugal no século XVI (Lisboa, 1926),

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António Joaquim Anselmo dá noticia da obra. No que se refere ao

Brasil, o padre Hélio Abranches Viotti, S. J. recebeu, em 1960,

algumas páginas microfilmadas do texto impresso em Coimbra, proce­

dentes do exemplar da Biblioteca de Évora, para confronto do texto

com a edição publicada pelo Arquivo Nacional, em 1958. Verifica-

ram-se então algumas diferenças, embora se tratasse do mesmo poema.

A edição do Arquivo Nacional, que também não é critica, utilizou

igualmente cópias fotostáticas do Manuscrito ãe Algorta, cópias re­

vistas e "aperfeiçoadas" pelo padre José Ramon Zabala. Mais infor­

mações sobre os dois poemas se encontram em nosso pequeno estudo so­

bre Anchieta e a Literatura Novilatina em Portugal, que tanto desa­

gradou ao professor Américo da Costa Ramalho, por alguns motivos que

já vamos ver.

Como é evidente, os devotados estudos anchietanos do pa­

dre Armando Cardoso, S. J. merecem a máxima consideração, embora

deles se possa divergir, em termos técnicos e respeitosos, como já

o fizemos, nomeadamente em relação aos textos em português e a

partir das lições encontradas no Ms. Opp. NN. 24, dos Arquivos da

Companhia de Jesus em Roma. Em relação aos textos latinos, para

efeito de uma primeira e provisória apreciação literária (e não ainda

para efeito de análise filológica ou linguistica) , só nos resta aca­

tar a tradução proposta pelo padre Armando Cardoso, S. J., sem con­

frontá-la com os manuscritos, embora confrontando-a com o texto

impresso, pois não ignoramos a língua latina, embora não seja esta

a nossa especialização, como todos sabem e como enfadonhamente re­

pete o sr. Costa Ramalho aos seus leitores e alunos. Mas em rela­

ção aos textos em português, — sempre em sentido globalizante e

não setorizado, — de que daremos aqui apenas um pequeno exemplo,

nem sempre podemos seguir o padre Armando Cardoso, S. J., dele di­

vergindo técnica e respeitosamente.

Na verdade, a obra literária de Anchieta apresenta duas

questões preliminares: a de crítica autoral e a de critica textual.

A primeira é muito complexa (e não apenas a segunda), pois o Ms.

Opp. NN. 24, do século XVI, com 208 folhas, algumas com a letra de

Anchieta e outras não, nenhuma assinatura leva do piedoso jesuíta.

No conjunto de textos, todos sem indicação expressa de autoria, há

os autógrafos ou assim considerados (96 páginas) e há os manifes­

tantes apõgrafos (112 páginas) . Apesar de tudo isso e das possí­

veis interpolações, aqui se encontra o corpus que deve servir de

base a qualquer discussão posterior de critica autoral ou textual.

A propósito, embora seja compreensível o nobre desejo de ampliar o

número de poesias atribuídas ou atribuíveis a Anchieta, com a uti­

lização de critérios generosamente elásticos, mas nem sempre reco­

mendáveis e até perigosos, a inclusão de "alguns textos novos, en­

contrados fora desse documento principal", como escreve o padre

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Armando Cardoso, S. J., na página 10 da sua edição das poesias em

português e tupi, deve ser repensada. Ainda que alguns desses tex­

tos possam ser de Anchieta, como a poesia incompleta ao Menino Jesus,

que abre a série tirada do Ms. do Chile (MST), entendemos que tais

textos devem ficar para uma segunda etapa de investigação, para não

interferir no estudo básico. Do mesmo modo, as três composições

em versos de redondilha, a que o ilustre editor dá o nome de epi­

gramas, conservadas pelos padres Pêro Rodrigues, Jorge Cardoso e

Simão de Vasconcelos, não cremos que já devam ser incluídas no

corpus inicial. Por fim, um soneto em quatro línguas (português,

espanhol, italiano e latim), encontrado pela infatigável bibliote­

cária Maria Luísa Ramos, na Miscelânea de Manuscritos n° 1636, p. 34Q

da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, e apressadamente

publicado pelo professor Américo da Costa Ramalho, na mesma revis­

ta Humar.itas (vols. XXXI - XXXII, 1979-1980, p. 244-245), sem a

mínima garantia de autoria anchietana, também deve ficar reservado

a estudos posteriores, quando já estiver criticamente estabelecido

o corpus principal. Com efeito, em português e espanhol, com ex­

tensão ao tupi, o que nos ensina o Ms. de Roma é que Anchieta era

um poeta ligado ã versificação tradicional (a chamada medida velha),

jamais tendo escrito qualquer soneto. Além disso, nenhuma prova

existe de que a língua italiana fosse usada pelo jesuíta, em qual­

quer situação, sendo o Ms. de Coimbra bastante duvidoso e tardio,

.já que data do século XVIII. Nem hã qualquer confirmação quinhen­

tista para a autoria anchietana do texto. Além disso, parece-nos

ainda muito precária a relação do soneto com um episódio lendário

que se atribui à vida do missionário no Brasil, lembrado pelo pa­

dre Hélio Abranches Viotti, S. J., o maior de seus biógrafos, em

artigo publicado na revista Bumanitas (vols. XXXIII — XXXIV, 1981-

-1982, p. 213-217). Na verdade, não apresenta consistência tal atri

buição de autoria, pelo menos ã luz das exigências da moderna crí­

tica textual, não apenas por lhe faltar qualquer confirmação qui­

nhentista, mas também porque Anchieta jamais escreveu qualquer so­

neto, em face do testemunho do Ms. de Roma e de acordo com os da­

dos históricos e biográficos da época. Até porque, no soneto, o

estilo não é o de Anchieta, como logo percebeu o padre Armando Car­

doso, S. J. Nem se poderia, inquestionavelmente, relacionar o tex

to com um episódio apenas lendário. Aliás, bem se sabe que as atri­

buições tardias de autoria são sempre duvidosas, como se pode ver

no caso específico da lírica de Camões, assunto que estudamos mi­

nuciosamente em nossa edição, que está sendo publicada pela Biçrensa

Nacional/Casa da Moeda, de Lisboa, em vários volumes. E é tempo

de alertar os especialistas para o caso, antes que se introduza,

na obra literária de Anchieta, embora com boa fé, o desastroso mo­

vimento de ampliação do corpus, até transformá-lo em vasto e he-

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terogêneo universo lírico, como ocorreu com a lírica de Camões ao

longo de quatro séculos. No caso específico de Anchieta, lembra­

mos que o problema autoral já é da.máxima gravidade, dentro do pró­

prio Ms. de Roma.

Nada disso significa que o padre Armando Cardoso, S. J.

não saiba que é muito delicada a questão autoral dos textos. E isso

mesmo o declara nas páginas 38, 39 e 41 do livro há pouco citado,

Lírica Portuguesa e_ Tupi (1984) , ali invocando testemunhos histó­

ricos, como o do padre Pêro Rodrigues (ou Roiz), Provincial de

Anchieta nos últimos anos de sua vida (1594 — 1597), que parece

descrever as próprias peças do Ms. de Roma: "Outras muitas obras

compôs em diversos tempos, porque tinha para isso muita graça e

felicidade, em todas as quatro línguas que sabia, latina, portu­

guesa, espanhola e brasílica." Como se vê, no testemunho históri­

co citado não há qualquer referência ã língua italiana. Mas pros­

segue o padre Pêro Rodrigues, o segundo biógrafo contemporâneo de

Anchieta, pois o primeiro foi Quirício Caxa, que também não faz

qualquer referência ã língua italiana: "Mudava cantigas profanas

ao divino, e fazia outras novas ã honra de Deus e dos Santos, que

se cantavam nas igrejas e pelas ruas e praças, todas mui devotas,

com que a gente se edificava e movia a temor e amor a Deus." (Vi­

da, L. 1, c. 9). Veja-se ainda o testemunho do padre Simão de Vas­

concelos (1596-1671): "Era dextro em quatro línguas, portuguesa,

castelhana, latina e brasílica; em todas elas traduziu em romances

pios [ narrativas populares em versos] , com muita graça e delicade­

za, as cantigas profanas, que andavam em uso, com fruto das almas;

porque, deixadas as lascivas, não se ouvia pelos caminhos outra coi­

sa senão cantigas ao divino, convidados os entendimentos a isso,

do suave metro de José." (.Vida, L. I, c. V, n. 5-6) . Diante dos

testemunhos históricos invocados, portanto, e com prudência, pois

aqui não deve haver pressa, numa primeira etapa de trabalho, só se

deve tomar o conjunto de textos do Ms. de Roma como de possível ou

provável autoria anchietana, ressalvados ainda os casos sempre admis

síveis de interpolações.

Quanto ã crítica textual propriamente dita, que ë a se­

gunda questão preliminarmente levantada, não será lícito respeitar

apenas os textos admitidos como autógrafos no Ms. de Roma, embora

sem qualquer assinatura, e alterar os textos apógrafos, a. partir

do pressuposto de que eles poderiam conter erros dos copistas. Se

fosse assim, a lírica de Camões, que não dispõe de um autógrafo se­

quer, poderia ser alterada em função do gosto pessoal de cada edi­

tor, o que aliás largamente já se fez. O mesmo em relação ã lírica

medieval galego-portuguesa, sem autógrafos nos grandes Cancioneiros

apógrafos que a recolheram e preservaram. Em todos esses casos,

impõe-se respeito aos manuscritos, que podem e devem ser discutidos,

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mas nunca alterados. Até porque a circunstância de serem apõgra-

fos vários textos não significa, necessariamente, que eles tenham

sido modificados pelos copistas. Tanto mais quanto alguns desses

textos apógrafos, que se apresentam na forma popular das seguidi-

lhas, combinando-se versos de 6 e 4 sílabas, não podem ter somados

os versos para formar um suposto decassílabo, de uma suposta ode,

como é o caso de "Não hay cousa segura." Na edição que preparamos

com o professor Sílvio Elia, o texto aparece com o seguinte titulo:

"Da vaidade das cousas do mundo", sugestivamente encontrado na có­

pia manuscrita que se guarda no Instituto Histórico. e Geográfico

Brasileiro (L. 120, ms. 2105), também em forma de seguidilha e não

de ode. Disso mesmo tratamos no livro As Poesias de Anchieta em

Português, tão mal entendido pelo professor Costa Ramalho, anali­

sando ainda o texto no artigo "Orna seguidilha de Anchieta", publi­

cado no n9 56, de Julho de 1980, da revista Colóquio / Letras,-g. 12-22.

Como é evidente, os versos de seguidilha, de longa tradição penin­

sular, não podem ser transformados em versos decassílabos de uma

suposta ode, ao contrário do que se vê no Ms. de Roma e como pro­

põe o padre Armando Cardoso, S. J., na p. 10 do seu livro, para con­

cluir que é através de exemplo como este que Anchieta "deve ser con­

siderado poeta quinhentista e não medieval.". Ao contrário disso,

é através de exemplos como este que se pode comprovar a herança me-,

dleval na poética de Anchieta. Tanto assim que, ao juntar os ver­

sos de 6 e 4 sílabas, para formar um suposto decassílabo, o padre

Armando Cardoso, S. J. encontrou logo alguns problemas sérios, pa­

ra os quais adotou a seguinte solução: acrescentou um e_, usando

parênteses e não colchetes, ao verso: "(e) toda a criatura passa

voando", que aparece no Ms. de Roma assim, com dois versos de qua­

tro sílabas:

toda criatura

passa voando.

Em seguida, colocou no lugar dò substantivo peito o substantivo ser,

no seguinte verso decassílabo por ele formado, a despeito da lição

do Ms. de Roma: "que as trevas de meu (ser) todas consume." Mas

a lição do Ms. de Roma é a seguinte, com um verso de 6 e outro de

4 sílabas:

que as trevas de meu peito

todas consume.

Em suma e sem maiores análises, foi destruída a forma poética da

seguidilha, por divinatio ou conjectura, o que não se verifica no

texto estabelecido pelo eminente professor Sílvio Elia, no livro

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Page 11: CONTROVÉRSIA - Universidade de Coimbra · editado em colaboração com o eminente linguista brasileiro profes ... creveu apenas em latim de imitação ... com a edição publicada

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muito menos em cursos de Mestrado, onde se exige maior rigor cien­

tifico. Tal edição critica, que esperávamos da competência do pro­

fessor Américo da Costa Ramalho, ainda não se fez, a despeito do

convite que lhe fizemos no Rio de Janeiro (e do qual se esquivou),

embora lhe garantíssemos a publicação da obra pelo Instituto Nacio­

nal do Livro, então dirigido pelo escritor Herberto Sales, que tan­

ta esperança punha no trabalho. E essa edição monumental, ao con­

trário das minúsculas resenhas publicadas em Humanitas, talvez fosse

a maior obra da sua vida.

Com efeito, em nossos dias, um professor universitário eu

ropeu, como autêntico scholar, bem deve saber que são destituídos

de maior valor científico os comentários filológicos e linguísti­

cos feitos a partir de edições que não foram preparadas com todos

os rigores paleográficos e codicológicos exigidos pela moderna ecdó—

tica. Por isso mesmo, não se pode analisar um autor do século XVI,

em termos rigorosamente filológicos e linguísticos, sem a necessá­

ria base de uma edição crítica. Diante dessa dúvida inicial, não

vale a pena prosseguir no debate, pois todas as pessoas que enten­

dem do assunto já perceberam muito bem do que estamos falando...

Mas resta uma palavra final sobre as nossas considerações,

não entendidas pelo professor Costa Ramalho, a respeito do chamado

latim do Renascimento, que não foi apenas do Renascimento, mas tam­

bém do Maneirismo e do Barroso. Também em língua portuguesa toda

a literatura daquela época, sem distinção, já foi considerada do

Renascimento, numa concepção monolítica, hoje insustentável ã luz

da crítica da Cultura. Tal concepção chegou a estender-se, num pas­

sado já remoto, pelos séculos XVII e XVIII, a tudo dando-se o nome

de Classicismo. Mas, sobretudo a partir de Wolfflin, nas primei­

ras décadas do nosso século, estabeleceu-se nítida oposição entre

as normas e postulados da estética renascentista e as normas e pos­

tulados da estética barroca, numa proposição ainda inicial. Depois

de Wolfflin, os historiadores da arte e os teóricos da literatura,

aos poucos, foram percebendo que, entre o Renascimento e o Barroco,

havia uma espécie de entre-lugar, a que foi dado o nome de Manei­

rismo, ou arte feita ã maneira de Miguel Ângelo, expressão antes

usada em artes plásticas e que, bem cedo, se estenderia ãs artes

rítmicas, entre as quais se inclui a literatura. Pois bem, todas

as artes que se desenvolveram paralelamente ã Contra-Reforma, com

influxos místicos, bem estudadas por Weisbach, dentro do complexo

cultural do século XVI, sem esquecer as artes vinculadas a elemen­

tos tardo-góticos, bem estudadas por Weise, logo contribuíram para

a melhor compreensão do Maneirismo e do Barroco, ao mesmo tempo em

que se deixava de falar em Renascimento, monoliticamente. Na ver­

dade, nenhuma época se repete, e a retomada dos modelos da Antigui

dade Clássica, marginalizando-se a Idade Média, — que não foi uma

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espaço para o entre-lugar do Maneirismo, numa antecipação ao Barro­

co. A filosofia de vida de Anchieta, mesmo quando expressa em latim

de imitação clássica, revela outra visão e outro sentimento do mun­

do. Nada tem a ver, por exemplo, com os valores expressos num au­

tor como Bembo, tipicamente ligado ao Renascimento. Não admira

assim que os mitõnimos greco-latinos, que são o deslumbrado encan­

tamento do professor Costa Ramalho, fujam espavoridos e mergulhem

nas profundezas do Inferno, diante da face luminosa do Cristo, no

maravilhoso poema cristão de Anchieta. Como já observamos, embora

no poema se use o vocabulário pagão dã poesia latina, nesse voca­

bulário o que se exprime é o poder supremo de Deus, numa constru­

ção puramente barroca. Em tudo isso, muita falfa faz a leitura de

um autor como Hauser ou como Weise, em cujas obras o professor Costa

Ramalho poderia verificar que, na segunda metade do século XVI (e

mesmo na primeira), após a crise do Renascimento, que é datada em

torno de 1520, na Itália, mas especificamente a partir de 1527, com

o saque de Roma (Carlos V), formaram-se duas grandes e simultâneas

vertentes estéticas, que desaguaram no Maneirismo e- no Barroco,

uma delas com elementos tardo-gõticos e outra com elementos místi­

cos paralelos ã Contra-Reforma. Aliás, tanto no Brasil, como em

Portugal, tal assunto já foi amplamente tratado por Afrânio Coutinho,

e sua Introdução ã Literatura no Brasil, e por Vitor Manuel de Aguiar

e Silva, no livro Maneirismo e_ Barroco na Poe si a Lírica Portuguesa.

Ambos demonstraram, com sólida e erudita argumentação, que a lite­

ratura em língua portuguesa, ou não, na segunda metade do século XVI,

já não é renascentista. Mas o professor Costa Ramalho, sem . pene­

trar no complexo cultural do século de Quinhentos, continua a es­

tudar os autores novilatinos, como se estivesse lendo os autores

da Antiguidade Clássica...

Nem se pode superficialmente admitir que qualquer influ­

ência recebida por Anchieta no Colégio das Artes, ainda adolescen­

te, pudesse ter sido superior ã sua própria formação religiosa, pois

tal argumento é frágil, inconsequente e até pueril. Não apenas no

século XVI, mas também nos séculos XVII e XVIII, e até mesmo nos

séculos XIX e XX, as ordens religiosas de ensino sempre estudaram,

leram e traduziram os grandes autores da época áurea romana, apa­

recendo sempre em todas elas profundos conhecedores da língua de

Cícero, como é o caso do próprio padre Armando Cardoso, S. J., em

nossos dias. Não se trata apenas do chamado latim da Igreja, mas

do latim culto, que também existiu na Igreja. Por isso é que de­

fendemos a tese de' que o latim literário de Anchieta, mesmo que

aperfeiçoado no Colégio das Artes, tem muito mais a ver com a sua

formação eclesiástica global, na linha barroca da Contra-Reforma,

do que com qualquer influência renascentista. Na verdade, a sua

atitude espiritual, a sua visão e o seu sentimento do mundo, lumi-

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nosamente, se inserem no Anti-Renascintento (Battisti) ou Contra-

-Renascimento (Haydn), muito ao contrário do que pensa o professor

Costa Ramalho, a ponto de citar a Farsãlia, para sustentar a sua

tese, acrescentando que "as acções humanas são, no poema de Lucano,

determinadas pelo Fatum, o Destino." Que tem isso a vem com Anchie­

ta, autêntico humanista da Contra-Reforma, para quem só Deus podia

comandar o destino dos homens? Aliás, não é uma velha teoria nossa

a de que o grande jesuíta fosse "simultaneamente um homem de Idade

Média e do Barroco." Tal afirmação revela apenas desconhecimento

da bibliografia existente sobre o assunto, cometendo-se aqui uma

grande injustiça em relação aos ilustres pesquisadores que nos an­

tecederam. Já na primeira metade do nosso século, quando ainda se

ensinava, nos velhos liceus ou ginásios brasileiros, que Anchieta

era um humanista do Renascimento, o grande historiador Sérgio Buaraue

de Holanda sustentava ãjtese, depois dele cabendo a Afrãnio Coutinho,

extraordinário teórico da literatura, desenvolver o tema nas pági­

nas de A_ Lizevatuva no Brasil3 especificamente tratando da estéti­

ca jesuítica, sem importar aqui a questão da língua. A propósito,

não está escrito, em nossos modestos estudos, que Anchieta, no Co­

légio das Artes, "ficou na Idade Média." Realmente, é impressio­

nante o modo como o sr. Costa Ramalho deforma o pensamento alheio,

o mesmo fazendo em relação ao que dissemos sobre a censura religio­

sa no século XVI, num ã vontade que bem define o valor da sua crí­

tica. 0 que se disse lã e se repete aqui é que o jovem escolásti­

co repeliu, aliás radicalmente, o sentido paganizante do Renasci­

mento, revitalizando os valores espirituais da Idade Média, em fa­

ce dos seus ostensivos compromissos ideológicos com a Contra-Reforma,

o que é outra coisa muito diferente. E aqui, evidentemente, é pre­

ciso saber o_ que se diz.

Para a crítica da cultura dos nossos dias, pouco impor­

tando a posição do passado, o que interessa investigar é se Anchieta

pode ou não ter a sua obra literária incluída na órbita do Manei­

rismo ou do Barroco. A nosso ver, pode. Aliás, o mesmo deve ocor

rer com vários autores novilatinos, ainda não estudados sob esta

perspectiva renovadora e fecunda, já que o professor Costa Ramalho

apenas se contenta e^Çublinhar mitõnimos nos textos... Mas é sem­

pre com muita espontaneidade e muita sinceridade, justiça se lhe

faça, que o professor Costa Ramalho expõe a sua posição pré-saus-

sureana em•linguística, pois ainda hoje vê, na dicotomia básica do

mestre genebrino {langue e-paro le ) , por nós interpretada como lín­

gua e linguagem {discurso) 3 apenas um "jogo de palavras" ou uma

"vulgar tautologia"... Por outro lado, já se tornou cansativo di­

zer que "o catedrático brasileiro nada sabe de literatura novila-

tina." Não é que aqui não se saiba disso, mas o pouco que jã se

sabe é mais do que suficiente para uma conclusão imediata, a partir

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mesmo dos próprios estudos do catedrático português: trata-se (e

as exceções que se retirem!), em geral, de uma sub-literatura, que

nem o Demo, que tudo suporta, seria capaz de deglutir. E as pou­

cas exceções existentes, infelizmente, são analisadas ã luz de uma

õtica niveladora, incapaz de ultrapassar o eixo sintagmãtico da lín

gua, para penetrar ao eixo paradigmático da linguagem. Apesar disso,

há ainda quem se orgulhe de 1er essa incrível pas tichaije no origi­

nal... Neste mundo, como se vê, há gosto para tudo... E fica real­

mente muito difícil discutir tais assuntos com pessoas que ainda

hoje confundem Anchieta, um escolástico, com Erasmo, um herético...

Mais adiante, trata da questão da existência de livros

no Brasil do século XVI, sempre de maneira esparsa e fragmentada,

arrogantemente dizendo que não provamos nada. Ora, essa prova foi

dada com o testemunho de Quiricio Caxa, amigo de Anchieta e o seu

primeiro biógrafo, quando informa que o missionário escrevia de pró­

prio punho os textos para os seus alunos, pelas noites a dentro, até

nascer o dia. Por certo, havia alguns livros e algumas bibliote­

cas já se começavam a formar nos fins do século XVI, como muito me

lhor do que as fontes que cita, — com exceção das cartas de Anchieta,

de que só agora tomou conhecimento, — pode-se ver na monumental ííic-

ZCí-í:I ii C:'-:p~K::ii de Jesus KC 3J>::SZ ',S do padre Serafim Leite, S.J. ,

livro que não pode deixar de ser citado por quem estuda tais assun­

tos. Mas entre isso e pensar que Anchieta dispunha de bibliografia,

só porque os soldados traziam livros nos navios, vai um longo ca­

minho. Então, no século XVI, "os soldados que iam ao Brasil eram

os mesmos que iam a índia e estes tinham livros?" Mas que livros

tinham esses soldados tao cultos? Certamente, livros de alta eru­

dição, sem esquecer os autores novilatinos, que sempre foram a de­

licia da soldadesca semi-analfabeta ou mesmo analfabeta... Então,

em seu texto, pleníssimo de confusões e de sincretismos, com as

embarcações da época, "o Brasil ficava a meio caminho de Goa"? Se­

rá que havia algum avião a jato, usado tão secretamente, naquela

época, que até hoje a História o desconhece? Curiosa ainda aquela

confusãozinha inicial: o_ título do traba lho foi "melado. Como pode

escrever isso? Qualquer pessoa, ainda que medianamente inteligente,

ao manusear o volume, imediatamente perceberá, na página de rosto

e ao longo do texto, que houve apenas um erro de impressão na capa,

corrigido ã mão, e mais nada.

Em suma, pela cultura clássica do professor Américo da

Costa Ramalho sempre tivemos a maior admiração, como todos sabem.

Mas quando extrapola e entra em assuntos que lhe são estranhos, os

conflitos são sempre inevitáveis. Já aqui, no Brasil, ficava um

tanto perplexo quando ouvia discussões de linguistica geral, his­

tória geral das artes, teoria e critica literária, a que sempre

dava o pitoresco nome de "cabriolas mentais", sobretudo quando aper-

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tado. Em seguida, com muita eloquência, emitia aquelas opiniõess que lhe são

muito peculiares e até engraçadíssimas ... Hão seria realmente mais adequado

discutir apenas a matéria da sua especialização, já que desaprova a interdisci­

plinaridade ? Até porque, em .assuntos tão complexos, ambos devemos buscar em

Anchieta os seus admiráveis exemplos de humildade cristã, sem ignorância arro­

gante, mas com plena consciência das próprias limitações.

Knfim, por não termos iniciado tão infeliz e infrutífera controvérsia, ape­

nas nos limitamos a responder às críticas do professor Costa Ramalho, por ser

este um direito nosso. Nem podemos ver, seguidamente, o nosso nome retalhado

nas páginas da revista Humanitas. onde fragmenta longos períodos nossos, pondo

em evidência pequenas partes inconclusas, para deformar e mutilar o nosso pen­

samento, numa estranha espécie de crítica. Na verdade, ao escrevemos uma coi­

sa, o nosso crítico sempre entende dutra, ou mesmo não entende nada, pois a sua

concepção sinorética de Renascimento é apenas e ainda prê-wSlffliniana ...

Rio de Janeiro, 8 de Janeiro de. 1988

Beodegário A. de Azevedo Filho

(Professor Titular, por concurso público, e Presidente da Academia Brasi­

leira de Filologia)