22
Departamento de Artes & Design CONVERSÃO DE OBRAS AUDIOVISUAIS ENTRE OS FORMATOS FULLDOME E TELA PLANA Alunos: Letícia Curi Gomes Ferreira e Adso Almeida Orientadoras: Luiza Novaes e Maria Claudia Bolshaw Introdução Em 2013 um acordo de cooperação técnico-científica entre a PUC-Rio e a Fundação Planetário do Rio de Janeiro permitiu uma investigação sobre tecnologias emergentes para projeção em cúpulas e o desenvolvimento de duas obras audiovisuais fulldome: Em uma Noite de Lua Nova e Buga-buga. Nos filmes, desenvolvidos no Núcleo de Arte Digital e Animação (N.A.D.A.) do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio, foram exploradas técnicas mistas de manipulação de bonecos, live action e animação 2D de forma integrada, trazendo um diferencial em relação aos produtos importados disponíveis no mercado, que em sua maioria adotam a técnica de animação 3D. Esse caráter inovador se manifestou tanto nos produtos em si, como também no processo de realização dos filmes, uma vez que envolveram uma metodologia multidisciplinar e colaborativa de trabalho para a criação e confecção de bonecos, animações, infográficos, trilha sonora e efeitos visuais, se tornando as primeiras produções fulldome nacionais. A realização dos dois filmes permitiu também que se percebesse que existe uma grande gama de recursos para o desenvolvimento de narrativas específicas para o formato fulldome, porém, como o formato não é muito comum, ainda há pouca literatura sobre o assunto. Com essas informações em mente, nesse projeto de pesquisa propomos um aprofundamento sobre as etapas do processo de realização de produções fulldome e uma revisão sobre as experimentações feitas até então e suas descobertas. Nesse sentido, um tema identificado como oportuno para estudo foi a possibilidade de conversão de um filme desenvolvido originalmente para o formato fulldome, para o formato clássico bidimensional. O intuito do estudo aqui proposto é, portanto, permitir a reprodução das animações/filmes desenvolvidos para fulldome em suportes clássicos, sem as distorções inerentes às versões fulldome. Desta forma, são priorizadas a investigação das questões narrativas exclusivas do formato durante esse processo de conversão e das possibilidades técnicas e tecnológicas de conversão e visualização. Objetivos Estudar as especificidades narrativas do formato fulldome e propor um método de conversão de obras audiovisuais fulldome para o formato bidimensional, visando a menor perda de conteúdo e sentido na conversão, tendo em vista a anulação das distorções inerentes ao formato fulldome. Metodologia A metodologia proposta para a pesquisa tem caráter exploratório, e utiliza o conceito de reflexão-na-ação, proposto por Donald Schön (2000, 1983), como base. Inclui as seguintes etapas: revisão bibliográfica e filmográfica sobre narrativas, tecnologias e projeção fulldome; experimentação técnica e tecnológica para a realização de produções e projeções fulldome; conversão entre os formatos fulldome e tela plana; e documentação do processo. O fulldome é um método de projeção de vídeos comumente empregado em planetários.

CONVERSÃO DE OBRAS AUDIOVISUAIS ENTRE OS … · bonecos, live action e animação 2D de forma integrada, trazendo um diferencial em relação aos produtos importados disponíveis

Embed Size (px)

Citation preview

Departamento de Artes & Design

CONVERSÃO DE OBRAS AUDIOVISUAIS ENTRE OS FORMATOS FULLDOME E TELA PLANA

Alunos: Letícia Curi Gomes Ferreira e Adso Almeida Orientadoras: Luiza Novaes e Maria Claudia Bolshaw

Introdução Em 2013 um acordo de cooperação técnico-científica entre a PUC-Rio e a Fundação Planetário do Rio de Janeiro permitiu uma investigação sobre tecnologias emergentes para projeção em cúpulas e o desenvolvimento de duas obras audiovisuais fulldome: Em uma Noite de Lua Nova e Buga-buga. Nos filmes, desenvolvidos no Núcleo de Arte Digital e Animação (N.A.D.A.) do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio, foram exploradas técnicas mistas de manipulação de bonecos, live action e animação 2D de forma integrada, trazendo um diferencial em relação aos produtos importados disponíveis no mercado, que em sua maioria adotam a técnica de animação 3D. Esse caráter inovador se manifestou tanto nos produtos em si, como também no processo de realização dos filmes, uma vez que envolveram uma metodologia multidisciplinar e colaborativa de trabalho para a criação e confecção de bonecos, animações, infográficos, trilha sonora e efeitos visuais, se tornando as primeiras produções fulldome nacionais. A realização dos dois filmes permitiu também que se percebesse que existe uma grande gama de recursos para o desenvolvimento de narrativas específicas para o formato fulldome, porém, como o formato não é muito comum, ainda há pouca literatura sobre o assunto. Com essas informações em mente, nesse projeto de pesquisa propomos um aprofundamento sobre as etapas do processo de realização de produções fulldome e uma revisão sobre as experimentações feitas até então e suas descobertas. Nesse sentido, um tema identificado como oportuno para estudo foi a possibilidade de conversão de um filme desenvolvido originalmente para o formato fulldome, para o formato clássico bidimensional. O intuito do estudo aqui proposto é, portanto, permitir a reprodução das animações/filmes desenvolvidos para fulldome em suportes clássicos, sem as distorções inerentes às versões fulldome. Desta forma, são priorizadas a investigação das questões narrativas exclusivas do formato durante esse processo de conversão e das possibilidades técnicas e tecnológicas de conversão e visualização.

Objetivos Estudar as especificidades narrativas do formato fulldome e propor um método de conversão de obras audiovisuais fulldome para o formato bidimensional, visando a menor perda de conteúdo e sentido na conversão, tendo em vista a anulação das distorções inerentes ao formato fulldome.

Metodologia   A metodologia proposta para a pesquisa tem caráter exploratório, e utiliza o conceito de reflexão-na-ação, proposto por Donald Schön (2000, 1983), como base. Inclui as seguintes etapas: revisão bibliográfica e filmográfica sobre narrativas, tecnologias e projeção fulldome; experimentação técnica e tecnológica para a realização de produções e projeções fulldome; conversão entre os formatos fulldome e tela plana; e documentação do processo. O fulldome é um método de projeção de vídeos comumente empregado em planetários.

Departamento  de  Artes  &  Design  

Valendo-se da perspectiva olho de peixe, que é dotada de grande distorção, os vídeos fulldome são projetados na superfície de uma cúpula (semiesferas completas ou parciais), proporcionando aos espectadores grande imersão. Os vídeos fulldome podem ser vídeos bidimensionais adaptados para a projeção em cúpula ou desenvolvidos especificamente para a mesma. Diferentes formas de projeção podem ser usadas, como o rebatimento da imagem em um espelho esférico ou a divisão da imagem de vídeo em fragmentos projetados por múltiplos projetores. Partindo-se do princípio do rebatimento da imagem em um espelho, verifica-se a possibilidade de se gerar versões bidimensionais a partir de vídeos fulldome. Para tal, faz-se necessário gravar a projeção incidindo sobre uma superfície semiesférica. Tal procedimento pode ser feito em programas de edição 3D, que permitem a projeção de vídeo em modelos tridimensionais virtuais, anulando desta forma as distorções originais dos vídeos projetados. Assim, a visualização plana dos vídeos em suportes clássicos bidimensionais, como telas de computadores, se torna viável. A narrativa plana tem sido a mais explorada na maioria das mídias voltadas para o público (cinema, televisão, computador, etc..). Do mesmo jeito que as narrativas planas necessitam de uma adaptação para visualização na tela quadrada ou na tela retangular, percebe-se a necessidade também de um mesmo processo de adaptação dessas narrativas para exibição em mídia fulldome e vice-versa. Hoje a experiência da projeção fulldome pode ser encontrada não só em planetários, mas também a partir da utilização de outros artifícios que reproduzem o mesmo efeito circular – entre eles os “Oculus Rift” e algumas aplicações para celulares – evidenciando um interesse crescente nesse tipo de mídia. Nesse processo de adaptação deve-se ressaltar a importância da narrativa visual e como ela é impactada pelo formato de projeção fulldome. Por se tratar de uma tela contínua, o espectador está inserido num ambiente em que todo o seu campo visual é preenchido com uma tela. Desta forma, todo um espaço que antes não existia passou a existir, e isso traz inúmeras possibilidades e dificuldades em relação a como a história é apresentada para o espectador.

Desenvolvimento

1. Revisão bibliográfica e filmográfica sobre narrativas, tecnologias e projeção fulldome Foi realizado um levantamento de exemplos de narrativa em filmes de animação,

buscando observar e registrar aspectos relacionados aos personagens, movimento de câmera e técnicas e tecnologias de realização e projeção.

Neste processo, priorizamos filmes experimentais e os que fazem parte de acervos de planetários, pela especificidade da projeção em cúpulas. A seguir, apresentamos alguns exemplos representativos que foram pesquisados.

Filme: Grossology and you (Grossologia e você) Premissa: Viagem dentro do corpo humano Técnica: Animação 2D e 3D Origem: UNC - Morehread Planetarium and Science Center https://www.youtube.com/watch?v=A69_dhmvRIw

Personagens 1. Personagem principal sempre aparece pela metade. 2. Demais personagens aparecem inteiros e são feitos em animação 2D, justapostos em

elementos 3D.

Departamento de Artes & Design

. Movimento de Câmera

1. Ao ampliar o campo de visão da câmera que se arrasta rapidamente para trás, a velocidade do cenário tomando conta da tela dá a sensação de que se está caindo de costas em algo desconhecido.

2. O filme é resumido em várias viagens dentro do ambiente 3D - o corpo humano - que são narradas pelos personagens. No entanto, enquanto há esse deslocamento de câmera, os personagens não aparecem na tela. Os personagens aparecem somente quando a câmera está parada, devido ao cruzamento de estilos de animação diferentes (2D e 3D).  

3. Plongée1: O uso contínuo da parte superior da cúpula causa a sensação de que o público está flutuando.

Demais elementos

1. O ambiente é feito prioritariamente em 3D, mas apresenta em algumas cenas objetos feitos em 2D, semelhantes aos personagens, para que exista uma diferenciação do que está realmente exposto no corpo humano. O autor utiliza esse recurso gráfico como parte da narrativa.

                                                                                                                         1 O termo francês, que equivale a “mergulho” na língua portuguesa, consiste em filmar a pessoa ou o objeto de cima para baixo, captando toda a sua dimensão.

 

Departamento  de  Artes  &  Design  

.  

2. Muito semelhante ao que foi explorado nos primeiros filmes 3D, no filme

“Grossology and You” utiliza-se bastante algumas técnicas já conhecidas de interação com a câmera, como por exemplo jogar um objeto na direção do espectador, para simular profundidade e movimentos de câmera; e entrar na boca do personagem principal – técnicas que quebram constantemente a quarta parede da narrativa.

Filme: The Meatwad Full Dome Experience Premissa: Montanha Russa que leva o espectador a experimentar um pouco do que se passa na cabeça da personagem “Meatwad”, a bola de carne, do grupo de animações “Adult Swim” Técnica: Animação 2D e 3D Origem: Comic-Con – San Diego 2014 https://www.youtube.com/watch?v=LoVDdD41w-Q Personagens

1. Personagens variam de 2D – Meatwad, para 3D – Unicórnio, dependendo do momento em que a viagem através da montanha russa se encontra.

Departamento de Artes & Design

Movimento de Câmera

1. Antes mesmo de começar a viagem, no ponto mais alto da montanha russa, o espectador já é exposto ao caos eminente de tudo se desmoronando, graças à possibilidade de imensidão da tela. Isso ajuda a criar expectativa para quando o inevitável acontece.

2. A linha do horizonte serve como ponto de referência em quase toda a viagem - retirando-se somente na sequencia da escada infinita - isso ajuda o público a se situar na narrativa. A rotação da linha do horizonte provoca uma tendência nas pessoas a virarem a cabeça para compensar o equilíbrio da imagem. Ao se virar a linha do horizonte em 180º graus, apesar do público manter seu posicionamento, a sensação é de estar de ponta-cabeça.

3. Ambientes impossíveis, como os das “Escadas Impossíveis” de Escher, também têm grande destaque no filme. Pela falta de uma linha do horizonte estável, e por conta do contínuo rotacionar do carrinho na montanha russa, o público consegue achar lógica em qualquer tipo de posição da tela, podendo o teto ser chão e vice-versa.

Departamento  de  Artes  &  Design  

Demais elementos

1. Apesar do Domo ser um ambiente prioritariamente côncavo, podemos observar que várias vezes ao longo da viagem foi possível a criação de uma imagem convexa.

2. Na projeção de cenas claras, uma maior percepção da estrutura da cúpula é notada, coisa que não acontece nas situações em que a imagem projetada é escura.

Filme: Infinity plus one Premissa: viagem intergalática Técnica: Animação 3D Origem: Bauhaus University https://www.youtube.com/watch?v=73R21AyWgQ4 Personagens

1. Aparecem inteiros na tela. Movimento de Câmera

1. A câmera surpreende, e como consequência o público também é surpreendido. Isso se dá pelo fato de inicialmente a câmera estar focada em um objeto aparentemente inofensivo e distante, e quando o foco muda, tal objeto fora de cena “abraça” a câmera por trás - área escura da cúpula - e quando o cenário aparece subitamente, a sensação é de que a plateia foi puxada para trás, caindo dentro do buraco negro.

Departamento de Artes & Design

2. Pela mesma ausência de linha do horizonte já mencionada antes, vemos aqui também uma utilização de viagem “absurda” , quando a câmera passa por várias correntes sem que o espectador consiga identificar o lado “para cima” e o lado “para baixo”.

3. Acontece também uma tomada muito comum em filmes de ação em que o objeto em foco está parado e somente o ambiente gira. Semelhante às xicaras, este tipo de ambiente rotacionado, em conjunto com a visão periférica, pode causar enjoos.

Demais elementos

1. Elementos tendem a saltar da tela, como acontecia nos primeiros filmes em 3D. 2. Existe uma preocupação em preencher todo o espaço possível do Domo.

Departamento  de  Artes  &  Design  

3. Os cortes são em grande maioria suaves, sem ocorrências de cortes secos. 4. Os objetos constantemente cruzam a tela.

Filme: Faded Premissa: Videoclipe de uma viagem alucinógena Técnica: Filmagem com câmera GoPro2 e manipulação de imagem Artistas: Stefan Yazzie, Shahab Nedaei, Thomas Marsch, Thomas Waidhofer Origem: University of Applied Arts of Vienna https://www.youtube.com/watch?v=e7iUqzafwRI

Personagens 1. Pessoa filmada aparece inteira na tela, em angulações extremas. 2. Personagens também recortados com somente a cabeça à mostra.

Movimento de Câmera

1. Efeito “Cano” em que a câmera entra na boca de um dos personagens, chega em um outro breu e entra novamente na boca de um segundo personagem, continuamente.

2. A câmera está parada e focada em um terceiro objeto, porém, quando o chão se movimenta na direção contrária da câmera, a sensação é de que se está flutuando.

                                                                                                                         2 Câmera ideal para aventureiros. Pequena, resistente e poderosa, ela é ótima para registros de esportes, sejam eles radicais ou não. Permite cliques em situações como no fundo do mar ou a partir do capacete de quem está andando de bicicleta.

Departamento de Artes & Design

Demais elementos

1. Efeito de caleidoscópio.

Filme: Kaluoka’hina Premissa: Viagem subaquática Técnica: Animação 3D Origem: Softmachine https://www.youtube.com/watch?v=DGqmkAWMfeI

Personagens 1. Peixes e animais marinhos aparecem sempre inteiros, mesmo sendo grandes como

baleias. A filmagem é majoritariamente em plongée, com os peixes também sendo vistos neste mesmo ângulo, na maior parte do filme.

Departamento  de  Artes  &  Design  

Movimento de Câmera 1. Plongée, sempre mantendo perto do centro da cúpula um reflexo de além mar,

simulando estarmos em um ambiente subaquático.

Demais elementos

1. O plongée é utilizado ricamente no filme para reforçar a composição circular, como nas cenas das algas e do cardume.

2. O filme utiliza também muitos recursos explorados em filmes 3D, sugerindo interações da plateia com o filme, como na cena do barco, que faz com que as pessoas desviem suas cabeças do peixe fugindo, dando a impressão de que ele está flutuando e próximo do espectador.

Departamento de Artes & Design

2. Experimentação técnica e tecnológica para a realização de produções e projeções fulldome

Duas formas de adaptação de vídeos e imagens bidimensionais para o formato fulldome, já mencionadas anteriormente neste trabalho, são o rebatimento da imagem em um espelho esférico e a divisão da imagem de vídeo em fragmentos projetados por múltiplos projetores. Durante a pesquisa, tivemos acesso ao trabalho de Paul Bourke, a respeito da adaptação de projeções 2D para fulldome a partir da utilização de um espelho esférico, que detalharemos a seguir.

Sphemir O método conhecido como Sphemir consiste em projetar sobre o espelho a imagem bidimensional, sendo essa por sua vez rebatida na cúpula. Desta forma, ambos espelho e projeção podem ser ajustados para eliminar distorções decorrentes do método. O método é uma alternativa de baixo custo para a projeção em cúpula, embora dependa de projetores com propriedades específicas e controle focal.

Departamento  de  Artes  &  Design  

Utilizando esse método como referência, formulamos uma hipótese de engenharia reversa do processo. Considerando que um vídeo originalmente desenvolvido no formato fulldome ao ser projetado em uma cúpula perde as distorções ao se adaptar ao domo, cogitou-se capturar uma projeção fulldome incidindo sobre uma cúpula. Para tal, inicialmente adotamos o método de testes de projeção desenvolvido durante o projeto do filme Buga-buga, produzido e realizado no N.A.D.A, no qual utilizou-se um projetor padrão para projetar o vídeo sobre uma semiesfera de isopor de 15 cm de raio, simulando uma cúpula, a fim de se poder observar as distorções das imagens e testar os vídeos produzidos. Posteriormente, o sistema foi transposto para um cenário virtual, a partir da utilização de um programa de modelagem 3D, que permite que se atrele vídeos e imagens a modelos 3D, que podem ser reproduzidos como se fossem projeções incidindo sobre tais modelos.

Assim sendo, primeiramente salvamos um arquivo com as imagens do vídeo e atrelamos o mesmo a um modelo de semiesfera. Após ajustes no tipo de orientação da imagem, pudemos observar um comportamento similar ao obtido quando o filme foi exibido pelo projetor na cúpula.

Departamento de Artes & Design

Testes A etapa seguinte da pesquisa foi testar um vídeo atrelado ao modelo, selecionar uma câmera e gravar a projeção, produzindo assim um vídeo com deformações reduzidas em relação ao arquivo original.

Verificamos que certas características da projeção não podem ser alteradas, uma vez que se apresentam como particularidades inerentes à narrativa, como por exemplo os limites da tela. Assim, a projeção, mesmo após a conversão, continua circular, pois não é possível se anular totalmente as distorções do arquivo original sem perdas significativas. Pesquisas posteriores revelaram que o método desenvolvido trata-se de uma simulação virtual da cúpula fulldome. Métodos alternativos Durante a pesquisa foram encontrados múltiplos métodos para a conversão de filmes fulldome para o formato bidimensional. Vale ressaltar, contudo, que cada método particular tem sua limitação, seja na perda de parte da imagem ou no âmbito da experiência do espectador. Simulador virtual de cúpula O programa Amateras é um simulador virtual de cúpulas que permite a manipulação de arquivos fulldome com o intuito de simular o ponto de vista do espectador, entre outras possibilidades de posicionamento da câmera. O programa dá ampla liberdade ao usuário na escolha do posicionamento da câmera que observa a cena, bem como permite observar o arquivo fulldome no seu estado original. Entretanto, devido às limitações da tela

Departamento  de  Artes  &  Design  

bidimensional do computador, a experiência proporcionada não se iguala à oferecida durante uma real projeção em cúpula, tendo o programa um papel maior na simulação da projeção e testes dos arquivos destinados à projeção. O programa se mostrou de fácil manipulação e não apresentou os problemas de orientação das imagens que outros métodos exibiram, o que o torna uma excelente opção para a visualização de arquivos fulldome.

Processo de conversão defish O processo descrito como defish, nomenclatura derivada da lente fish eye (olho de peixe), consiste em se salvar um arquivo de vídeo, a partir da manipulação do arquivo fulldome em um ambiente virtual que simula a cúpula. Por meio de um plugin fulldome, no programa After Effects, é possível: se direcionar a câmera que capta a cena, para simular, assim, o ponto de vista de um espectador; e selecionar uma porção da imagem captada pela câmera (o "sweetspot", que é a imagem da região frontal da projeção), com a possibilidade de se escolher o formato e resolução desejados. Ao se processar o vídeo, o arquivo gerado assume o formato dependendo da seleção prévia, e as distorções do arquivo original são compensadas parcialmente (os cantos do vídeo, por exemplo, apresentam leve distorção). Esse método é eficaz para a criação de trailers de vídeos fulldome, entretanto, devido à perda significativa de imagem que se dá nesse processo, a experiência de um vídeo fulldome é severamente sacrificada, tornando-se, assim, um método pouco aconselhável para a conversão completa de vídeos.

Departamento de Artes & Design

Outro processo de defish estudado durante a pesquisa, consiste em uma conversão da imagem ou vídeo por meio do script Dome2rect, desenvolvido por Andrew Hazelden, sendo esse não dependente de nenhum outro programa, necessitando apenas do computador que produz uma conversão automática de imagem ou vídeo.

Oculus Rift O Oculus Rift é um equipamento em formato de óculos de realidade virtual, que é acoplado à cabeça do usuário, sobre seus olhos, e que permite a projeção de imagens e vídeos bem como o reconhecimento da posição e direção do olhar do usuário. Por meio desse aparelho, é possível simular parcialmente a experiência de projeção fulldome, reproduzindo para o espectador o sweetspot no aparelho, permitindo que o mesmo seja livre para visualizar qualquer parte da projeção em tempo real. Embora o aparelho ofereça uma experiência similar à real, ela ainda assim sofre perdas devido à ausência de projeção para o campo visual completo do usuário, uma vez que não contempla a visão periférica. Outra questão é que não se trata de um método de conversão e sim de visualização, no qual o usuário é dependente do equipamento específico.

Departamento  de  Artes  &  Design  

Youtube 360º O recurso de publicação de vídeos 360º no site Youtube permite ao espectador - após a alteração de metadata do arquivo de vídeo através de uma ferramenta disponibilizada gratuitamente pelo site https://support.google.com/youtube/answer/6178631?hl=en - uma experiência próxima à proporcionada pelo Oculus Rift. Com o mouse o espectador pode selecionar a direção da câmera e ter liberdade de movimento em todas as direções em tempo real. Esse método de reprodução apresenta a mesma questão encontrada na visualização com o Oculus Rift, pois a visão periférica não é simulada pelo sistema, e mesmo em tela cheia o espectador visualiza apenas um recorte da totalidade do vídeo, o que acaba tornando a experiência sacrificada. Outro problema encontrado nesse processo é que a ferramenta de conversão de vídeos interpreta erroneamente o posicionamento do vídeo fulldome, o que leva a uma conversão com distorções severas.

3. Conversão entre os formatos fulldome e tela plana

Neste item apresentaremos observações feitas sobre narrativas, para consideração no processo de conversão entre formatos. Staging “Staging” é um dos 12 princípios de animação que define a apresentação de toda e qualquer ação para que ela seja completa e indiscutivelmente clara. É atribuição do animador estabelecer o ritmo e o lugar de onde o espectador deve olhar e para onde este olhar deve ir em seguida. Isso pode ser aplicado tanto na atuação dos personagens, quanto no tempo de cada ação, no angulo de câmera, na posição da câmera e no ambiente. E a lógica desta regra é que quanto mais personagens, mais cuidado o animador tem que ter para não acabar fazendo um staging ruim, onde as ações se sobrepõem e o espectador não sabe para onde olhar primeiro ou em seguida. A não ser que este efeito de “caos” seja a intenção da cena.

Departamento de Artes & Design

Leticia Curi, diretora do Curta “Sham-mun-en-su”, quis criar uma cena bem caótica de propósito, instigando um “bad staging”, para aumentar a sensação de que tudo saiu do eixo nesta cena.

Esse princípio nos faz refletir, portanto, sobre a projeção em uma cúpula, em que existe uma área muito maior para ser utilizada e que a colocação de elementos deve ser muito cuidadosa, pois pode ajudar ou interferir no staging da cena. Não podemos deixar de considerar que além da vista tradicional, nesse tipo de projeção em cúpula existe a visão periférica, que está diretamente ligada à sensação/percepção de espaço do ser humano. Visão Periférica A visão periférica talvez seja, em síntese, uma das maiores vantagens de filmes no formato fulldome, sendo responsável pela grande sensação de “imersão” em seus filmes. A visão periférica é tudo aquilo que conseguimos ver ao redor do nosso campo visual. Esta visão é normalmente mais embaçada e não tem muitos detalhes, mas é responsável pela capacidade de percepção de objetos e movimentos próximos ao ser humano. Além de ser importantíssima para a locomoção humana. A visão periférica também está conectada a partes do cérebro que incidem em emoções, controles de movimento e também na forma como se pensa. Isto pode ser um fator muito interessante para ser incluído na criação de filmes, pois possibilita que seus autores consigam explorar sensações que antes não eram possíveis.

Em narrativas de suspense por exemplo, existe comumente a construção da tensão até a surpresa e consequentemente outras descobertas. O espectador é guiado em um ambiente normalmente escuro ou de pouca luz, para vivenciar a história focado em um ponto x. Com a

Departamento  de  Artes  &  Design  

inserção da tela na nossa visão periférica, associada a efeitos de som, pode-se criar então ilusões de movimentos nas extremidades fora do “campo principal”, para distrair o espectador e aumentar a tensão ou revelar a primeira surpresa, que pode ou não se desencadear em outras. O Doutor Eric Cobb, co-fundador do site Z-Health, pesquisando maneiras de potencializar o físico humano a partir da neurologia, diz ter investigado que pessoas que se encontram em situações muito estressantes ou ansiosas, podem ter sua visão periférica reduzida, causando uma “visão de túnel”, uma compensação do cérebro em situações de risco. Em contrapartida, ambientes claros e amplos fazem o cérebro relaxar. Há também um segmento de narrativa que sai um pouco da estrutura tradicional e se foca mais em causar sensações diversas no público. O jogo “Journey” por exemplo, se caracteriza por uma jornada silenciosa - por parte do protagonista - que tem como atração principal o ambiente em que se passa e como este consegue despertar no jogador desde calma até euforia, baseando-se na paleta de cores, ângulos e composição de cenas.

Narrativas com este mesmo foco podem usar das telas mais distantes, atributos para reforçar quaisquer sensações que demandem esta consciência periférica. No entanto é preciso estabelecer que tal visão também pode causar certos contratempos. Por se tratar de uma categoria relativamente nova em relação ao cinema em si, e por ainda requerer um amadurecimento ao desenvolver imagens que mexem com a visão periférica, deve-se tratar desta característica com cuidado. Foi constatado que filmes com movimentos de câmera ou objetos que simulam velocidade podem causar náuseas. Durante a criação do filme “Em uma noite de Lua nova” tal sensação de enjoo, por causa da velocidade das ações, foi relatada por toda a equipe presente no seu desenvolvimento. Esta sensação se dá pelo movimento ser percebido pela visão, mas não sentido pelo corpo e isso pode ser mais frequente no domo, devido à sua própria capacidade de promover imersão.

Departamento de Artes & Design

Em menos de 10 segundos o ambiente muda para contar a história do filme. Em uma tela tradicional, isso pode passar despercebido, devido ao próprio recorte da tela. No entanto, ao exibir essa mesma sequência em cúpula, tal troca de ambiente pode causar uma desorientação no público. Extra Quadro / Área Escura

Como já foi dito, o grande destaque da técnica de cinema em fulldome é a sua intensa capacidade de promover imersão, que faz com que seja possível a utilização de quase todo o campo visual - faltando somente a parte abaixo da cúpula - incluindo a visão periférica. No entanto, essa nova oportunidade mexe diretamente com grandes conceitos do cinema tradicional, um deles o “extra quadro”. O extra quadro traz a ideia de que mesmo a cena estando contida em uma tela, tanto as informações mostradas quanto as que estão fora da cena são importantes.

No curta “Paperman”, da Disney, podemos ver constantemente a invasão de objetos no quadro assim como o uso de seus extremos para ditar o movimento da cena. https://www.youtube.com/watch?v=qo7cjPi8Xvw

Durante muitos anos os filmes utilizavam situações semelhantes para surpreender os espectadores, ou sugerir ambientes absurdos onde um membro saía de um canto da tela e aparecia novamente no seu oposto. Agora, todo o ambiente que antes era escondido está disponível para o espectador, o que acaba cortando um pouco da surpresa de situações como as das imagens acima. É necessário então buscar outras soluções para sugerir o efeito. No entanto, diferente dos demais ambientes em domo (como por exemplo nos encontrados em óculos rift), a cúpula ainda possui uma “área escura” que é exatamente a parte onde os espectadores estão. Com essa conexão, podemos sugerir situações da narrativa que interajam com o público, ou se assemelhem com a situação e posicionamento em que eles

Departamento  de  Artes  &  Design  

estão. Desta forma, a sensação de que algo está acontecendo entre eles ou a partir deles aumenta.

Composições Ao desenvolver uma peça visual, seja ela no formato tradicional ou não, é necessário ter uma ideia bem clara do que se quer demonstrar para o público e conseguir executa-la de maneira que seja interessante para os olhos. Para isso, acredita-se que dependendo de onde se coloca os elementos, é possível criar uma composição forte que ajude a estabelecer a ideia original.

Para isso é de conhecimento comum que existem posicionamento que são mais interessantes para se colocar os elementos do que outros, os mais conhecidos sendo “proporção dos terços” que divide a tela em 9 espaços iguais buscando retirar o elemento do meio para sugerir direcionamento e a “proporção áurea” que divide a tela em aproximadamente 1:1,6 continuamente, até formar uma “onda”, desenvolvida na antiguidade e utilizada até hoje para buscar o equilíbrio perfeito entre partes. Por se tratar de uma tela muito grande, além de depender de características típicas de cada cúpula - como já foi dito anteriormente - é necessário estabelecer também qual área será o “foco principal” e quais servirão para dar suporte à cena. No entanto, isso não seria uma regra principal, apenas um primeiro direcionamento no desenvolvimento da narrativa. Para indicar movimentos, algumas narrativas tradicionais usam de elementos como “motion blur” ou “action blur” para simular uma distância grande, muito comum em cartoons dos anos 90. Tal efeito usado com precaução, poderia ser adaptado à cúpula colocando um objeto em um extremo - por consequência fora do foco principal - e outro objeto no extremo oposto. Ao chamar atenção para o primeiro objeto, o público direcionaria seu olhar para o mesmo e quando o objeto do lado oposto chamasse a atenção, o efeito que antes era desenhado na tela, seria feito naturalmente pelo deslocamento das cabeças e olhares do público. Tais interações que necessitam da movimentação do público ajudam o mesmo a se aproximar da narrativa e de seus personagens. Em uma situação em que dois personagens estão discutindo ao invés da câmera constantemente pular de um rosto para o outro, o público já faria isso automaticamente, aumentando a imersão na cena e na sensação de desorientação que normalmente uma terceira pessoa tem ao se ver dentro de uma discussão. Como já foi dito anteriormente, ao mostrar todo seu ambiente em volta, os filmes em fulldome podem ter dificuldades em surpreender o público, limitando o extra quadro somente à parte inferior da tela. Porém existe uma técnica comum em composição que permite que mesmo em ambientes enormes seja possível se simular um extra quadro: “recorte”.

Departamento de Artes & Design

Muito comum em estampas de camisa por conta de seu formato diferente, composições em “recorte” usam o posicionamento do ambiente entre o personagem na tela e o público para destacar uma área escondendo as demais. No curta de animação “Max e Sam” realizado pelo N.A.D.A. para o Museu Nacional, podemos ver nitidamente essa técnica usada na narrativa. Recortando áreas específicas para o desenvolvimento do plot , enquanto escondendo outras, mas mantendo a preocupação com o formato, para que seja coerente com a história.

A utilização desta técnica no ambiente fulldome poderia devolver ao domo o “espaço” necessário para surpreender a plateia, mesmo utilizando a maior quantidade de tela presente para poder potencializar tal prática. Outro bom exemplo para ilustrar essa questão é o curta “Day ‘n’ Night” da Pixar, onde os cenários ocorrem dentro dos próprios personagens, como ‘máscaras’. Ao adaptarmos o mesmo para o formato fulldome não haveria tantas dificuldades, uma vez que já existiria uma grande área negra em volta dos personagens.

Conclusão A realização da pesquisa foi importante para dar continuidade à cooperação técnico-científica entre o Departamento de Artes e Design da PUC-Rio e a Fundação Planetário do Rio de Janeiro. Pudemos contar com a participação do Dr. Alexandre Cherman e de Rafael Drelich ao longo do processo, o que enriqueceu as discussões sobre o formato fulldome e suas especificidades. O estudo mostrou que o grande impacto da projeção fulldome vai além do entendimento dela como um formato exótico, uma vez que ela influencia na construção da narrativa, e na relação que se estabelece entre autor e espectador. Ao simplificarmos o entendimento da parte técnica da produção e projeção fulldome, esperamos contribuir para que mais pessoas tenham a oportunidade de fazer experimentações com o formato, abrindo novas possibilidades para o seu desenvolvimento. A adoção de um paralelo entre as técnicas usadas tipicamente no cinema tradicional e as suas possíveis diferenciações quando aplicadas num domo; e o desenvolvimento de um primeiro experimento de técnicas que só são possíveis no formato fulldome trouxeram para a pesquisa um caráter teórico-prático-experimental que se mostrou bastante adequado.

Referências Bibliográficas BOURKE, Paul. Spherical Mirror: A New Approach to Hemispherical Dome Projection. Planetarian, Melbourne, v.34, n.4, dezembro 2005. Disponível em: http://c.ymcdn.com/sites/www.ips-planetarium.org/resource/resmgr/pdf-articles/200512SphericalMirror-Bourke.pdf Acesso em: 28 jun. 2015. ________ Using a spherical mirror for projection into immersive environments (Mirrordome). In: Proceedings of the 3rd International Conference on Computer Graphics and Interactive Techniques in Australasia and South East Asia. Graphite (ACM Siggraph). Dunedin, 2005. Disponível em: http://paulbourke.net/papers/graphite2005/ Acesso em: 28 jun. 2015

Departamento  de  Artes  &  Design  

Pineappleware. A long Way to Dome Master. Disponível em: http://pineappleware.com/ Acesso em: 20 fev. 2015. SCHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000. ________ The Reflective Practitioner: How Professionals Think in Action. New York: Basic Books, 1983. The Fulldome Blog. Looking Behind the Scenes of the Charles Hayden Planetarium. Disponível em: http://thefulldomeblog.com/ Acesso em: 28 jan. 2015.