Conversas Sobre a Formação Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

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  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

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    ___

    RC

    I:

    tr

    1 1

    IVA

    Nas set e conve rsa s que compem este livro, .Iean-Loup Rlvl re

    Jacques Lassalle, eles prprios pedagogos, perguntam-se sohl' 11 11111111

    e as formas dessa etapa de aprendizado e formao, que '1111(1111,1111Ilul

    em potencial para ser um artista que, espera-se, seja mais COlllllhllll.

    Em Conversas sobre a Formao do Ator, que a editora

    Pcrspccttvu

    publica na coleo Estudos, no h nem prescries, ncm l'ccl'III1H.HIIII\I

    a exposio de uma ideia do teatro e de reflexes sobre os mclCl JlIIIII

    atingi-Ia, A maior parte dos grandes encenadores do scul u XXviu

    na esco la o complemen to necessrio para o exerccio dc SIIIIIII'h'.

    A prtica e o ensino do teatro, aps o surgimento da CnCCIIII\' 111111I111\1111

    esto int imamente l igados. De que maneira o ensino pode, IICNHI''IIHII,

    gar an ti r e susc it ar uma l iberdade c riado ra , possivelmente, 11CIIIIIHI11

    centr al e fundament al que pe rmeia os dilogos deste livru,

    A estas conversas segue-se uma pea escrita por Jacques I ,IINSIIIIII111111

    os alunos de seu ltimo ano no Conserv ,

    -'o D_'o .....

    11

    1,

    1 11

    de 1960, os alunos de um curso de inte

    morte de Bernardo, um de seus colega

    no contingente estacionado na Arglia.

    em abril

    d;

    2001, tendo sido adaptada

    por Jean-Philippe Puymartin.

    elR

    Tombo 4

    255 00

    stu o s

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    792. I

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    f PERSPECTIV

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    1 O

    Estud os

    Dirgida por . Gulnsburg

    Equipe de realizao - Traduo: Nathali Safranov Rabczuk; Reviso da traduo:

    Na nc i F er nandes; E di o d e Texto: Mar ei o Hon ori o d e Go doy; Reviso: Ionathan

    Busato; Sobrecapa: Sergio Ko n: P rod uo: Ricardo W Neves, Sergio Kon e Raquel

    Fernandes Abranches. .... . . ,

    Jacques Lassalle e

    Jean-Loup Riviere

    CONVERSAS SOBRE A

    FORMAO DO ATOR

    SEGUIDO DE APRES DEPOIS ,

    PEA DE JACQUES LASSALLE

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    T tu lo do original francs

    Co nve rsations su r I a jo rmation de /act eur

    Actes SUd/CNSAD,2004

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP,Brasil)

    Lassalle, [acques, 1936- .

    Conversas sobre a formao do ator: seguido de Aprs

    (Depois ), pea de [acques Lassalle / [acques Lassalle e Jean

    Loup

    Rviere; [traduo Nathalia

    Safranov Rabc zuk e

    Nanci

    Fernandes]. - So Paulo: Perspectiva, 2010. - (Es tu do s; 278 /

    dirigida por J. Guinsburg)

    Ttulo original: Conversations sur Ia formation de Ia cteur.

    ISBN978-85-273-0886-1

    1. Arte dramtica 2. Atores 3. Tea tro 4. Teatro - Esttica

    I

    Ri-

    vere, [ean-Loup, 1948-. 11. Guinsburg, J. m. Ttulo. IV. Srie.

    10-02374

    CDD-792

    ndice s p ara catlo go s istemtico:

    1. Ar te dramtica: Teatro 792

    Direitos reservados em ln gu a portuguesa

    EDITORA PERSPECTIVA S.A.

    Av. Brigadeiro Lus Antnio, 3025

    01401-000 So Paulo SP Brasil

    Telefax: (011) 3885-8388

    www.editoraperspectiva.com.br

    2010

    u r o

    IARTE

    ONVERSAS

    PRIMEIRA CONVERSA 3

    Encenar ainda ensinar. Fazer teatro com aquilo que

    recusado pelo teatro. O domnio da lngua ...

    EGUNDA CONVERSA

    19

    fim pedaggico? escola, o mestre zen e o mercado.

    Artes do espetculo e

    p er fo rm in g a rt s

    TERCEIRA CONVERSA

    35

    Ensinamento direto e indireto. O ator racional e o ator

    instintivo. A descontinuidade do progresso ...

    QUARTA CONVERSA 49

    o

    gesto exato.

    observao, o realismo, a iniciao.

    O corpo devorador ...

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    QUINT ONVERS 61

    Saber reinterpretar. O instante de cisivo: O artista, a criana,

    a escola ...

    SEXT ONVERS

    81

    A matidez. O ator adesist, o distanciado ou o complexo.

    A relao com o espectador ...

    STIM ONVERS

    93

    Depois da escola. A revolta dos intermitentes do

    entretenimento. Ser ator: quem decide sobre isso? ...

    PARTE II

    EPOIS de Iacques Lassalle

    PREF IO

    111

    Primeira Jornada

    Sexta-feira, 22 de abril de 1960:

    NOT I

    1. Andrmaca 115

    2. A Prova 119

    3. A Place Royale 125

    4. A Aula Enfurecida 128

    5. A Chegada do Soldado 133

    S eg un da Jornada

    Segunda-feira, 2 de maio de 1960:

    F ZENDO SERO

    1. Uma Noite para Francisco 135

    2. O Espetculo 137

    3. A Apario de Sara 139

    4. O Filme de Bernardo 139

    Terce ira Jornada

    Quinta-feira, 12 de maio de 1960:

    EN ONTROS

    1. O Projeto das Trs Irms 143

    2. A Iniciativa de Suzana 150

    3. Sara e Francisco 155

    Qua rt a J or n ada

    Quarta-feira, 8 de junho de 1960:

    O GR NDE DI

    1. Os Bastidores do Concurso 159

    2. A Volta dos Candidatos 160

    3. Questes do Futuro 163

    4. A Deciso de Sara 166

    NOT 175

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    Jacques Lassalle e [ean-Loup Rivire os interlocutores destas con-

    versas tm como principal campo de trabalho respectivamente o

    palco e a escri ta teatral

    O primeiro encenador foi professor de interpretao no Con-

    servatr io Nacional Super ior de Arte Dramtica CNSAD de 1981

    a 1983 e de 1994 a 2001

    O segundo professor na Escola Normal Superior - Letras e

    Cincias Humanas dir ige um ateli de dramaturgia no CNSAD des-

    de 2002

    Ccile Falcon normalista e assistente de Jacques Lassalle par-

    ticipou destas entrevistas gravando-as e transcrevendo-as As mes-

    mas foram revisadas em seguida pelos dois intervenientes que lhe

    agradecem com entusiasmo

    rte

    ONVERS S

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    Primeira Conversa

    8 de maio de 3

    A TRADIO TEATRAL DICO E DECLAMAO

    ENCENAR

    AINDA ENSINAR FAZER TEATRO COM AQUILO

    QUE

    RECUSADO PELO TEATRO O QUE EST NA ORIGEM

    DO ATO DE ENSINAR O MESTRE PATERNAL E O MESTRE

    FRATERNAL O OUTRO DO TEATRO APRENDER A

    DESDOBRAR O AMOR

    LNGUA ATUAR

    REESCREVER

    APRENDER A DESAPRENDER A TRAVESSIA DO PALCO

    AN-LOUP RIV:RE A escola supe a transmisso e a trans-

    misso supe um conjunto de saberes e tcnicas que uma tra-

    dio reuniu H saberes e tcnicas relativos arte do jogo

    teatral mas no Ocidente no h que se falar propriamente

    em tradio

    ACQUES LASSALLE Houve

    IUV:RE Sim h muito tempo e um dos nicos exemplos que

    pudemos conhecer foi quando Strehler montou O

    Arlequim

    de Goldoni Era ao mesmo tempo uma encenao da tradi-

    o - sua reconstituio - e uma obra que marcava seu desa-

    pareeimento

    IASSALLE A aposta era em uma encenao contempornea da

    obra introduzir aquele Arlequim que nos vinha do famoso

    Sacchi um Arlequim do sculo XVIII Quem ainda desempe-

    nha o papel do Piccolo Ferrucio Soleri tem 73 anos Ele no

    tinha nem trinta anos quando sucedeu seu mestre Marcello

    Moretti que havia ele mesmo recriado o papel no espetcu-

    lo de Strehler Ao final da representao quando Soleri retira

    sua mscara descobre-se a face de um homem idoso Isto faz

    lembrar o filme de Max Ophuls O

    Prazer

    Um danarino mas-

    carado cai e sob a mscara descobre-se um homem muito

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    'O NV EIISA S SO IIIU l A 1'()(IM \( ,:I \O I O A '1 '() ll

    velho. A tradio um pouco assim. N

    rn

    mento em que

    se redes cobre o seu esplendor que se percebe que ela est a

    ponto de morrer.

    RIVIERE Ou j est morta .. . No existe tradio no sentido de

    que aquilo que um mestre ensinaria a seu aluno um conjun-

    to de saberes e tcnicas .codificados e, sobretudo, partilhados.

    L SS LLE Conheci uma tradio muito forte quando eu era

    um jovem aluno no conservatrio. Era a tradio da dico.

    As obras de Georges Le Roy, mestre cujo ensinamento era se-

    guido por Henri Rollan, eram extremamente precisas. Essas

    obras no deixavam nada ao acaso na categoria de oralidade

    dos textos. Alis, elas existem para sempre. So obras que ain-

    da tm muito bom uso. Formavam o corpo doutrinal da tradi-

    o do ator francs. Porm, influenciavam apenas a gesto do

    texto, com uma grande ateno ao estilo do autor e ao gnero

    da obra tragdia, comdia, drama ... ) .O ator francs, .erncer-

    ta perspectiva, estava sem corpo, sem parceiro, sem espao,

    mas era um grande declamador.

    RIVIERE No se ensinava ento o jogo teatral, mas a declama-

    o, e tratava-se antes da reproduo de um bom costume ...

    L SS LLE No interior da declamao, cada papel era modela-

    do. Mas a modelagem era fei ta unicamente na organizao do

    dizer . Eis como se diz Fgaro Eis como se diz Pedra E, com

    efeito, chegava-se a um resultado unicamente atravs de m-

    todos declamatrios. Esta tradio era muito forte quando in-

    gressei no conservatrio. Alis, grandes tradies ainda so

    ensinadas. O n , o kabuki, a pera chinesa sempre fascinam

    muito os ocidentais. Stanislvski, Meierhold, Brecht propem

    mtodos de atuao que continuam sendo referncia no mun-

    do todo. E muitos dos pedagogos tm a inteno de se conside-

    rar apenas pedagogos de transmisso. Eles aceitam apenas uma

    margem muito reduzida de reapropriao ou reatualizao.

    lovllm

    Na sua posio de pedagogo, o exerccio da arte e a

    Ir \IlA IT I isso podem ser vistos como distintos?

    I. IIJI.

    N a verdade, mais ou menos conscientemente, parto

    II ti < I i s prvias. Primeiramente, jamais pude ler por

    111' 10 1111\ livro

    d utrina teatral; isso foge ao meu contro-

    I

    10 111

    I

    I

    U

    folh

    ar com interesse esta ou aquela pgi-

    11 \

    d

    ,'I I

    I vii M

    i irh old , Iouvet, Le Roy ou Dullin. Por

    PIUMIIRA C lN V I',RSA

    mim 11 1 51110 , Llv um grande prazer com Lessing, Diderot,

    Artaud, Br cht, mas esses so escritores que me fascinam. De

    modo geral, contudo, fao pouco uso dos manuais de forma-

    o do ator. Eles me aborrecem. Em segundo lugar, ensinar j

    encenar; encenar ainda ensinar. No dissocio os dois atos:

    a encenao e a formao do ator. Nenhuma tcnica de ator

    preexiste na singularidade de um texto, de sua leitura e de seu

    futuro cnico. A terceira condio prvia que fao teatro so-

    mente com aquilo que, aos olhos dos outros, poderia ser re-

    cusado pelo teatro: o comum, o banal, o imediatismo da vida;

    ou aquilo que no teatro, como o romance, o filme, a mem-

    ria pictrica.

    Posso parecer estar assumindo uma atitude cmoda de

    um autodidata que trabalharia com a recusa das tradies tea-

    trais. Na realidade, no verdade. Recebi no conservatrio

    uma formao tradicional na qual meus mestres desejavam

    ser somente transmissores de modelos, de usos, de tcnicas.

    Essa formao que recusei, que achava esteril izante ou mui-

    to confortvel, eu a usei depois como ferramenta. E quando

    trabalho a partir de um texto, convido os atores a redescobrir

    primeiramente o fraseado, o ri tmo, a respirao, omovimen-

    to. Como me sacrifiquei muito durante minha formao tea-

    tral no estudo das grandes doutrinas estticas, esta recusa que

    fao do livro, e do referente, apenas relativa.

    RIVIERE

    Seu segundo ponto qualifica o encenador como um

    professor de teatro. Partimos da questo da tradio e chega-

    mos ao ponto de dar-lhe um sentido um pouco mais geral: ser

    que isto preexiste em mim em e determina? E o senhor diz que

    isso que preexiste e determina o ato do ensinamento no um

    corpo de doutrina, de saberes constitudos, como se costuma

    dizer: corpos constitudos , no qualquer coisa, o texto.

    LSS LLE

    O texto, ou mais exatamente a minha reatividade ao

    texto.

    RIVIER Quem pode ento ser professor de teatro? O ator est

    em situao mais adequada para ser professor?

    LSS LLE

    Ele pode s-lo, mas na maior parte do tempo o est

    sob o ponto de vista da transmisso. Na verdade, quais so os

    atores que esto suficientemente amadurecidos frente a uma

    tradio para assumi-Ia, desconcert-Ia e reforrnul-Ia de

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    6 CONVERSAS SOBRE A FORMAO 00 ATOR

    outra maneira? Muito poucos. Mas isto no impede que um

    trabalho de transmisso artesanal, modesto, inteiramente re-

    ferencial, tenha de ser aceito integralmente. No conservatrio,

    havia no incio atores reivindicando igual tradio para todos.

    Eles transmitiam a tradio da arte do ator e do sistema de

    usos segundo o qual a.categoria teatral comportava uma d-

    zia de grandes figurasarquetpicas s quais sempre serecorria.

    Muito antes de se encenar Sganarelle ou Figaro, encenava-se

    um criado de comdia, antes de encenar Climene, encenava-

    -se uma cocote ... A partir do trabalho que se construa a

    personagem. O julgamento apoiava-se na capacidade de con-

    formao com o modelo proposto. Qualquer tentativa de rea-

    propriao pessoal gerava espanto, entrava em desacordo.

    Substituir sem preparao um ator no causava problema.

    Diziam-nos: No seu trabalho, voc tem que conhecer de cor

    ao menos uma dzia de personagens : O pressuposto era que a

    encenao somente deveria posicionar-se em um cenrio ge-

    nrico com fundo de tecido de linho pintado. O ator era uma

    espcie de arteso a seu modo, que polia seu personagem no

    segredo de seu

    gueuloir

    e se prestava aventura coletiva da

    representao assim que a cortina levantava. Cada qual tirava

    partido desse abandono e esse sistema no causava escnda-

    lo. Hoje em dia isso ainda ocorre, aqui e ali, no sentido de que

    certas reprises de personagens acontecem dessa maneira.

    RIVI R No fundo, o encenador seria um mestre paternal, e o

    ator um mestre fraternal. O mestre indica, enigmtico, even-

    tualmente silencioso. O irmo explica, aconselha, ensina. O

    pai incita. O irmo reconforta.

    L SS LL

    O irmo pode tambm ser spero, e o pai benevolen-

    te ... Creio que h espao para as duas pedagogias: a da trans-

    misso e a da descoberta. Na primeira, se est no espao da

    certeza; l, considera-se como suspeito aquilo que sesabe, faz-

    -se uso circunstancial da baliza provisria. Eu no me apoio

    naquilo que sei. Parto do desejo que tenho de ir descoberta

    daquilo que eu no sei, ou, mais exatamente, daquilo que sei

    s

    saber que o sei:

    I IIlIO

    francs

    cuja origem remonta a Flaubert e serefere ao s eu espao pri-

    vl ld o

    de

    ru o

    pessoal (N. da T.).

    IIUMHIH CONVIlHS

    tlV R Pod - dizer a seu aluno: Voc veio aprender algu-

    ma coisa de mim e eu te digo que no sei nada ? Pode-se dizer

    ascoisas com tal brutalidade?

    L SS LL O pintor Rouault dizia: O melhor mestre aquele

    que for menos professor : Eu diria mais: aquele que convida

    a partilhar com ele um pouco mais que a dvida: a ignorncia.

    H algum tempo, passei ao largo dessa dvida radical, dessa

    animosidade ante um saber de teatro, sua vaidade, suas fal-

    sas aparncias, sua arrogncia. Todo texto um enigma; toda

    encenao uma pesquisa, toda direo de ator uma aceitao

    partilhada do desconhecido. Cheguei a recrutar atrizes de ci-

    nema belas, conhecidas, admiradas, e foi necessrio que nos

    separssemos porque, inaptas para a experimentao teatral ,

    elas s conseguiam subsistir sua imagem. Somente um gran-

    de ator capaz de renunciar a si mesmo, de renegar a imagem

    que os outros tm dele. Mas renunciar aparncia da cena

    para atender ao ser do personagem exige um grande conheci-

    mento, uma grande experincia de teatro.

    Ante os alunos no procedo de outra forma, porm come-

    o prevenindo-os: Para vocs aprenderem progressivamen-

    te a aceitar que deve desaparecer o ator que existe em vocs,

    mesmo assim vou convid-los primeiro a tornarem-se verda-

    deiros atores, depositrios de uma verdadeira tcnica, de um

    verdadeiro saber no tocante histria do teatro, suas formas,

    reformas, evoluo, revoluo. E em seguida eu os convidarei

    a tudo esquecer : Nos primeiros tempos, eu ainda estava sob a

    influncia de Rosselini, Zavattini, do primeiro Fellini, do Toni

    de Renoir, em suma, do chamado neorrealismo ital iano. Em

    Vitry-sur-Seine, ento, trouxe para trabalhar caminhoneiros,

    professores de educao fsica, contabilistas, para interpreta-

    rem personagens de Marivaux, Goldoni ou Shakespeare. Ha-

    via momentos impressionantes, momentos de exploso entre

    o ser daquelas pessoas e a fico das peas, porm o mais fre-

    quente era um dfici t terrvel de projeo, de ri tmo, contras-

    tes e tenso sustentada. Foi nesse momento que o jovem ator

    que eu era, que tinha recusado ao mesmo tempo a formao

    que tinha recebido e aquela que tinha imaginado incorporar,

    redescobriu, pelo lado negativo, a necessidade de uma arte do

    ator.

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    NVI,RSAS SOIJIUl A lOllMAO 1)0 ATOR

    outra maneira? Muito poucos. Mas isto no impede que um

    trabalho de transmisso artesanal, modesto, inteiramente re-

    ferencial, tenha de ser aceito integralmente. No conservatrio,

    havia no incio atores reivindicando igual tradio para todos.

    Eles transmitiam a tradio da arte do ator e do sistema de

    usos segundo o qual l categoria teatral comportava uma d-

    zia de grandes figuras arquetpicas s quais sempre se recorria.

    Muito antes de se encenar Sganarelle ou Figaro, encenava-se

    um criado de comdia, antes de encenar Climene, encenava-

    -se uma cocote ... A partir do trabalho que se construa a

    personagem. O julgamento apoiava-se na capacidade de con-

    formao com o modelo proposto. Qualquer tentat iva de rea-

    propriao pessoal gerava espanto, entrava em desacordo.

    Substituir sem preparao um ator no causava problema.

    Diziam-nos: No seu trabalho, voc tem que conhecer de cor

    aomenos uma dzia depersonagens . O pressuposto era que a

    encenao somente deveria posicionar-se em um cenrio ge-

    nrico com fundo de tecido de linho pintado. O ator era uma

    espcie de arteso a seu modo, que polia seu personagem no

    segredo de seu

    gueuloir

    e se prestava aventura coletiva da

    representao assim que a cortina levantava. Cada qual tirava

    partido desse abandono e esse sistema no causava escnda-

    lo. Hoje em dia isso ainda ocorre, aqui e ali, no sentido de que

    certas reprises de personagens acontecem dessa maneira.

    RIVIERE No fundo, o encenador seria um mestre paternal, e o

    ator um mestre fraternal. O mestre indica, enigmtico, even-

    tualmente si lencioso. O irmo explica, aconselha, ensina. O

    pai incita. O irmo reconforta.

    LASSALLE

    O irmo pode tambm ser spero, e o pai benevolen-

    te ... Creio que h espao para as duas pedagogias: a da trans-

    misso e a da descoberta. Na primeira, se est no espao da

    irtcz l, considera-se como suspeito aquilo que se sabe, faz-

    lI H O ci rcunstancial da baliza provisria. Eu no me apoio

    1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 que sei. Parto do desejo que tenho de ir descoberta

    h l j I l I l Il I Il H \ eu no sei, ou, mais exatamente, daquilo que sei

    IIi 1 - 1 1 1 1 I q l l l

    o scl

    11 1 1 1 1 1 11 1 \1 1 11 rmonr P l a u b e r t e se r e f e r e a o s e u e s p a o p r i -

    1 1 1 1 1 . _ 1 1 1 1 1 N t l l i I , ,

    PIUMilllA CONVilltSA

    7

    ItlVIERE Pode-se dizer a seu aluno: Voc veio aprender algu-

    ma coisa de mim e eu te digo que no sei nada ? Pode-se dizer

    as coisas com tal brutalidade?

    i\SSALLE O pintor Rouault dizia: O melhor mestre aquele

    que for menos professor : Eu diria mais: aquele que convida

    a partilhar com ele um pouco mais que a dvida: a ignorncia.

    H algum tempo, passei ao largo dessa dvida radical, dessa

    animosidade ante um saber de teatro, sua vaidade, suas fal-

    sas aparncias, sua arrogncia. Todo texto um enigma; toda

    encenao uma pesquisa, toda direo de ator uma aceitao

    parti lhada do desconhecido. Cheguei a recrutar atrizes de ci-

    nema, belas, conhecidas, admiradas, e foi necessrio que nos

    separssemos porque, inaptas para a experimentao teatral,

    elas s conseguiam subsist ir sua imagem. Somente um gran-

    de ator capaz de renunciar a simesmo, de renegar a imagem

    que os outros tm dele. Mas renunciar aparncia da cena

    para atender ao ser do personagem exige um grande conheci-

    mento, uma grande experincia de teatro.

    Ante os alunos no procedo de outra forma, porm come-

    o prevenindo-os: Para vocs aprenderem progressivamen-

    te a aceitar que deve desaparecer o ator que existe em vocs,

    mesmo assim vou convid-los primeiro a tornarem-se verda-

    deiros atores, depositrios de uma verdadeira tcnica, de um

    verdadeiro saber no tocante histria do teatro, suas formas,

    reformas, evoluo, revoluo. E em seguida eu os convidarei

    a tudo esquecer . Nos primeiros tempos, eu ainda estava sob a

    influncia de Rosselini, Zavattini, do primeiro Fellini, do

    Toni

    de Renoir, em suma, do chamado neorrealismo italiano. Em

    Vitry-sur-Seine, ento, trouxe para trabalhar caminhoneiros,

    professores de educao fsica, contabilistas, para interpreta-

    rem personagens de Marivaux, Goldoni ou Shakespeare. Ha-

    via momentos impressionantes, momentos de exploso entre

    o ser daquelas pessoas e a fico das peas, porm o mais fre-

    quente era um dficit terrvel de projeo, de ri tmo, contras-

    tes e tenso sustentada. Foi nesse momento que o jovem ator

    que eu era, que tinha recusado ao mesmo tempo a formao

    que tinha recebido e aquela que tinha imaginado incorporar,

    redescobriu, pelo lado negativo, a necessidade de uma arte do

    ator.

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

    10/95

    "'NVERSAS OIJI(E A PI{MA :O 1)0 ATOR

    Hoje em dia, toda vez que me deparo com as situaes em

    que ocorre essa contradio entre o conquistado e o renunciado,

    percebo que sou muito injusto na avaliao que fao de certos

    atores. Sua virtuosidade, sua maestria provoca em mim uma

    -

    tima forada mas, ao mesmo tempo, eu no saberia desafi-los,

    j que em ltima anlise eles s me falavam de teatro. Os nicos

    alunos e,depois deles; os nicos atores que me ficaram na me-

    mria, decididamente, aolongo detodo seu percurso de solido,

    de incerteza - terrvel a existncia do ator, to dependente da

    aprovao dos outros, da ideia que os outros tm de voc -, so

    os atores que me falam de outra coisa para alm do teatro, mas

    que me falam sobreteatro. Esses so os nicos que eu adoraria

    ajudar a fazer nascer. Pode ocorrer de elesaprenderem o que no

    sabem. Eles me fazem aprender aquilo que no sei mais. Eles

    me lembram o fulgor da hesitao , como dizia Matisse.

    Eles aceitam que tudo se passa no calor da noite, de surpresa,

    por choque, como manifestao de ternura ou, se necess-

    rio, por desacordo. por isso que ainda nos dias atuais, assim

    que vejo uma escola de teatro surgir com um programa, diretri-

    zes, empenho nos resultados e, na fachada, uma frase bem ela-

    borada, fujo. Mesmo com a conscincia de ter, eu tambm, algo

    a transmitir, isso no muda o meu percurso.

    RIVIERE A propsito de seu terceiro ponto, parece-me que o

    senhor aponta aquilo que, da mesma maneira em que pode

    ameaar o teatro, tambm o consti tui. O que faz a especifici-

    dade desta arte que ela est integralmente habitada, eu diria

    at que consti tuda por outra arte que no ela prpria - o

    que no o caso da msica ou da pintura. Um msico pode

    ignorar a pintura, a literatura ete., mesmo sendo msico for-

    mado, um pintor pode ignorar a msica ou a literatura etc.

    Um artista de teatro, no. Outra arte que no o teatro infor-

    ma a arte do teatro. A maior parte do tempo quem a informa

    a literatura, mas pode ser a msica ou a pintura ... V-se isso

    muito bem quando se examina a obra dos grandes pioneiros

    da encenao: Craig e a gravura, Appia e a msica, Copeau e

    a literatura ete. De que maneira, num gesto de ensinamento,

    pode-se investigar esse outro do teatro que faz o teatro?

    L SS LLE verdade que as outras artes para alm do teatro

    no cessam de informar o teatro. Contudo, em ltima anlise,

    PI{IMHII\A CONVIIISA

    ser que o teatro faz outra coisa a no ser ele mesmo? A iden-

    tidade ltima do teatro no seria desembocar em alguma coisa

    na qual seria ele, o prprio teatro, o objetivo, mas principal-

    mente transcender as contribuies recebidas? Seria preciso

    separar este ncleo duro. Sonha-se com um teatro desobri-

    gado de todos os teatros antes dele, porm, ao mesmo tempo,

    isso impossvel. Sonha-se com um jovem ator que no teria

    nenhuma conta a ajustar com seus antecessores, e ao mesmo

    tempo, para favorecer a vinda desse ator, preciso pedir-lhe

    emprestada a voz de todos os que o precederam. Trata-se da

    questo de uma memria que no seria nem nostlgica e pas-

    sadista nem vingativa e polmica, mas aberta e xperincia do

    passado. Quanto mais se avana na sua histria e na sua prti-

    ca, mais se sabe que no se pode negar essa dialtica.

    RIVIERE Na medida em que o elemento que preexiste ao ensi-

    namento e no qual ele se funda o texto a ser trabalhado com

    os alunos, j lhe ocorreu pensar que h textos que so, nessa

    situao especfica, maus textos ? Textos que no so adapta-

    dos juventude ou imaturidade artstica dos alunos? Textos

    que viriam cedo demais? Todo texto de teatro que o senhor

    tem vontade de trabalhar com os atores se constitui num bom

    objeto de trabalho para alunos em formao?

    LSS LLE Ser que existem textos mais especialmente indica-

    dos aos ciclos de iniciao, de aperfeioamento, de suficincia?

    No estou certo disso. A progressividade na arte no eviden-

    te. Talvez seja melhor comear logo pelo estudo de Rembrandt

    do que pelos esboos em papel quadriculado do mtodo BC

    Minha nica certeza que preciso partir da literatura dos

    textos.

    - os

    ao p da letra. Esquecer aquilo que dcadas de

    comentrios literrios, cnicos, ideolgicos) acumularam a

    seu respeito. Eles embaralham ou modificam a orientao de

    nossas primeiras leituras. preciso ter l ido diversas vezes um

    texto ao nvel das palavras, sem prejulgar nem ter prvia in-

    teno, para comear a descobrir sua verdadeira eficcia. E

    percebe-se rapidamente que o prazer do leitor, hoje, ser o

    livre uso, amanh, do ator comeando com a polissemia da

    escrita, a proliferao e a ambivalncia de suas significaes,

    suas contradies aparentes, seus sentidos incompletos, seus

    jogos de eco entre as sonoridades, os intervalos, os silncios.

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

    11/95

    10

    CONVERSAS SOBRE A FORMAO DO ATOR

    Para tanto, sempre convido os jovens atores a retornar ino-

    cncia, proibio de uma primeira vez. Eles adoram que se

    lhes d segurana. Esperam de voc um saber estrutural. E no

    caso de uma disciplina de ensinamento em que se distingue a

    aquisio dos saberes , oaluno estaria no direito de exigir isso

    de seu professor. Mas falo aqui de um aluno-ator, de um artis-

    ta em transformao, e isso uma coisa totalmente diferente.

    RIVIERE Concretamente, para o senhor, quais so os textos de

    teatro que tm essa riqueza polissmica?

    L SS LLE

    So os textos em que sealternam as figuras percept-

    veis, como a metfora, a elipse, a l totes, o paradoxo, a rei tera-

    o o efeito repentino de ruptura. Falou-se muito dos efeitos

    do subtexto , da subconversao , mas trata -se ainda do tex-

    to escri to ou no. O que mais me ocupa o entre as palavras ,

    os efeitos de passagem, do deslize de um pensamento, um sen-

    t imento de uma vontade hesitante a outra. Um grande texto

    est contido tambm nos seus espaos em branco. Escrever

    transfigurar esses espaos em branco. Atuar habitar esses

    espaos em branco. Recordo-me de uma citao de Sarraute:

    O que escapa nas palavras aquilo que as palavras devem di-

    zer . Os grandes textos dos quais falo so esses, os que fazem

    do vazio de ideias o seu lugar no inefvel, no inominado, no

    inominvel, os que no pretendem tratar a fundo tudo aquilo

    que pode ser dito. A polissemia no teatro em primeiro lugar

    o lacnico, a abertura do falado.

    RIVIERE Quando o senhor fala dos textos que tratam a fundo

    aquilo que dito, o primeiro nome que me vem ao pensamen-

    to Genet, o teatro de Genet.

    L SS LLE

    Sim, seu teatro, e no as suas narraes ou sua cor-

    respondncia.

    RIVIERE Efetivamente, mas aquilo a que quero me referir no

    diz respeito de modo algum qualidade prpria, qualidade

    esttica do texto, antes de mais nada a sua complexidade.

    Certos textos de teatro conformam-se ao carter efmero e

    nico da representao, e poder-se-ia dizer que sucumbem na

    unicidade de sua manifestao teatral. E acho que um ele-

    mento muito importante no aprendizado,

    pois

    v a medir o

    grau de complexidade de um texto.

    Iss o

    m u ltu

    dln

    il d d

    ri-

    nir,

    po is no s

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    850

    os I n ntos nh]

    I

    I,

    ou ob]

    1Iv\ -

    PRlMEIRA CONVERSA

    veis, que poderiam medir esse grau. Para retomar o exemplo

    de Genet, parece-me que uma encenao de O alcopode

    ser melhor que outra, mais justa, mais brilhante, porm, com

    exceo de uma deficincia catastrfica na interpretao, toda

    pea vai estar sempre l, de forma que at uma interpretao

    medocre de O Misantropo pode desdobrar-se em novos as-

    pectos, inesperados, ainda despercebidos. E, ainda uma vez

    mais, isso no quer dizer que O alco seja uma pea pior ou

    menos interessante que O

    Misantropo

    H uma expresso de

    Pitoff de que gosto muito: ele diz que encenar desdobrar .

    Quero simplesmente dizer que h peas que so mais dobra-

    das que outras. Seria preciso talvez manter essa expresso de

    dobradura , pois ela permitiria evitar qualquer julgamento de

    valor. E uma das misses do ensino seria, antes de mais nada,

    observar a dobradura de uma pea, depois aprender a des-

    dobrar ... Cito um encenador, e sem dvida no por.acaso:

    creio que a arte da encenao tem estimulado consideravelmen-

    te a fora dos textos dramticos. Sem dvida h peas que ti-

    veram que aguardar a arte moderna da encenao para que

    e manifestassem todas as suas potencialidades. Por exemplo,

    acho que as peas de Racine so muito pouco dobradas e

    que um espectador do sculo XVII sem dvida, no assistiu a

    uma Fedra ou a uma Berenice menos rica que um espectador

    do sculo

    xx,

    enquanto que Goldoni, por exemplo, parece-me

    er um autor que s apareceu em toda sua riqueza na era da

    ncenao. Goldoni bastante dobrado : e preciso a arte da

    ncenao moderna para tornar aparente a sua complexida-

    de. O Goldoni que conhecemos talvez mais interessante que

    aquele encenado no sculo XVIII e nosso Racine, no ... Eu

    me arrisco um pouco, e estou certo que me diro que Racine

    muito mais dobrado do que se cr, e Goldoni muito me-

    nos ... Mas estou convencido de que h alguma coisa de

    preci-

    s

    de explicvel e, talvez - uma investigao mais avanada o

    straria -, alguma coisa que pertence prpria natureza do

    xto dramtico. E, para voltar sua objeo, o que digo sobre

    n

    t ,

    vid nt

    111

    nt

    vlido para suas peas.

    LLE

    Lc [ 1 1 1 1 I 1 I I II C

    quilibrista), por exemplo, para

    ontlnuur 0 11\ 1 1 11\ IK -m um t

    xro

    dobrado. uas peas o

    o m nos nu

    11 11

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    12/95

    NVEn AS I3IUl A P HMAAO 1> AIOI\

    Bagne

    (Colnia Penal), mas na sua verso de roteiro e no da

    pea para o teatro, alis inacabada.

    RIVIERE O senhor chegou a trabalhar com os alunos algum

    texto que no t inha vontade de encenar?

    LASSALLE Certamente, poi h demandas de alunos que me

    perturbam e que, em um primeiro momento, estou apenas

    curioso de acatar. Penso, por exemplo, naqueles que preferem

    empenhar-se na

    ntgona

    de Anouilh do que naquela de S-

    focles. preciso, ento, comear por um exercc io de lei tura

    comparada, compreender aquilo que seduz aqui e ainda o que

    repugna ali. A questo da traduo, da intimidao pela his-

    tr ia grega e seus mitos , do hbil aux lio da atual izao para

    nossos dias. Quando retomei ao conservatrio em 1994, en-

    contre i u l la classe cujo professor anterior tinha paixo por

    Claudel. Os alunos ainda estavam sob o golpe de uma verda-

    deira transferncia. Isso acontece algumas vezes, e no ocorre

    sem risco. O que me interessa em Claudel o realismo, abus-

    ca mstica, sim, mas num mundo singularmente ancorado em

    fins do sculo

    XIX

    Personagens humanos, bastante humanos,

    por vezes derivativos. Em suma, o cu e o inferno de um co-

    lonial ismo tomado pela graa. Ora, fui convidado para uma

    celebrao relativa exclusivamente linguagem desse teatro.

    Desconfio do encanto literrio, do lirismo desbragado, das

    celebraes musicadas e conflitos. Chega-se beleza, fora

    potica de uma obra questionando-a, desarticulando-a se for

    preciso, fa lando-a em todo caso, ao invs de reci t-Ia de for-

    ma montona. Mas naquela ocasio, aprendi a inda assim a co-

    nhecer melhor, a apreciar melhor Claudel.

    Raramente tenho atividades encomendadas no teatro. Pre-

    fi ro parti r do desejo, do apelo de ta l ou ta is obras . svezes me

    engano. A obra se revela menos substanciosa que a expecta-

    t iva que se t inha dela. Falo da minha expectat iva . Mas tem-se

    o direito de conter esses alunos? No penso mais nisso. No

    comeo, eu chegava a considerar com condescendncia cer-

    tos autores. Durante os anos de 1960, brechtianos, e os anos

    de 1970, Artaud-Mao, a moda era o antema, os sarcasmos e

    as excluses. Ser que sempre consegui manter-me em guar-

    da? Na minha juventude era o contrrio: eu tomava EOeuf O

    vo), l P li i n ar au, e Timtim de Billetdoux, como

    IIUMIIlI\/\ CONVJII\SA 3

    obras apitals. Ilav -las se Jhido con ervatrio conferia-

    -me um st atus de original e' moderno. Retrospectivamente,

    btive o reconhecimento dos meus professores , que manti-

    v ram vivas as minhas paixes, mesmo aquelas que deviam

    r velar-se ilusrias. que se faz necessrio encontrar seu lu-

    ar no gosto de seus alunos e fazer obra de pedagogia a par ti r

    mesmo de seu desejo, por inflexo, desenvolvimento, compara-

    o

    anexaes sucessivas. Longa caminhada que no deve ja-

    mais ser forada. Revelao doce, longe de qualquer esprito de

    doutrina e de intimidao dogmtica.

    IIIV[ERE Voltemos "fetichizao" do literrio, que nos reme-

    te ao primeiro momento de nossa conversa. Houve uma po-

    a em que a nica coisa ensinada era dico e declamao:

    prender a atuar era aprender a dizer. Depois, a partir do

    omeo do sculo XX com a encenao moderna, o apren-

    dizado da interpretao torna-se muito mais completo, e se

    desenvolve especialmente o trabalho corporal. Ora, estamos

    num momento em que essa tradio desapareceu e em que

    a declamao retoma sob outra forma. Eu ouvi um dia um

    jovem encenador dizer: "Vou montar tal pea de Racine 'a

    par tir da l ngua" '. O que isto quer dizer? Esta fet ichizao do

    literrio surge como um amor histrico da lngua, e poder-se-

    -ia compreend-Ia no sentido que Lacan lhe d: o histrico

    busca um mestre sobre quem reinar. Ora, no se reina sobre

    a lngua, ela quem dirige. Encontra-se outro sinal nesta ex-

    presso que se tornou corrente: "apoderar-se de um texto",

    um ator "apodera-se" de um texto. Poder-se-ia preferir 'que

    fosse o inverso ... H vrios anos, quando eu era produtor na

    France-Culture, tinha acompanhado Alain Cuny em seu de-

    sejo de gravar uma leitura integral de Fedra. Ele fazia todos

    os papis. A interpretao era magnfica e a dico do verso

    admirvel. Ao final da gravao, perguntei -lhe como e onde

    ele havia aprendido. Jamais, e em lugar algum ... Ele t inha ra-

    zo. Se o gosto e a vontade o levam atravs da lngua, ento

    voc sabe ler. De modo que, se aprendemos a falar sem que

    ningum nos ensine - a escrita se ensina, no a palavra, bas-

    ta viver em sociedade -, igualmente dever-se-ia aprender a

    dizer sem um professor, e aprender unicamente com a vida,

    na companhia dos textos. Todo mundo como santo Agos-

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    C NVIRSAS SOJ\1t1A I RMA O 1)0 AJOlt

    tinha, que aprendeu a falar unicamente com sua intelign-

    cia ...

    2

    Se os elementos tcnicos lhe fazem falta, alguns dias,

    alguns conselhos e alguns princpios gerais sero suficien-

    tes para voc assimil-Ias. Ora, na maior parte das escolas

    de atores, t rabalham-se horas e meses na dico. Talvez seja

    algo que se poderia suprimir ...

    L SS LLE Se ler j escrever, representar reescrever. es-

    crever novamente o texto, embora ele j esteja fixado na p-

    gina. O texto permanece uma invarivel, mas cada uma de

    suas passagens, no palco, modula sua percepo sem mudar

    a letra. O pedagogo, assim como a seguir o encenador - mas

    eu disse o quanto me era difc il distingui-Ias absolutamente -,

    ajuda o ator a penetrar os segredos de uma escrita, a reconhe-

    cer o processo e os modos de fabricao. No h nesse dom-

    nio uma teoria prvia. Cada ator suscita uma aproximao e

    uma tcnica par ticular de interpretao. Alguns explicam que

    se Racine traiu Moliere era porque ele tinha adquirido a con-

    vico de que a esttica do natural pregada em O mproviso

    de Ve r sa i ll e s

    no convinha a

    es ses

    textos. Ele no dava conta o

    suficiente no que dizia respeito sua musicalidade. Sem d-

    vida, do seu ponto de vista de poeta ele tinha razo. Talvez a

    escrita raciniana, ass im como outras, antes e depois dela, cla-

    mavam pela intruso do cantado no falado. como o ovo e a

    galinha. Quem comea, a msica ou o sentido? De minha par-

    te, primeiro do sentido que nasceria a msica, mas a questo

    continua, e ela se contenta com respostas mais conjunturais

    do que tericas. Inversamente, possvel que um texto meti-

    culosamente detalhado, analisado, perca um pouco de sua in-

    teligibilidade. Por vezes, a pressa faz sentido, a lentido nivela

    e obscurece. Vilar no gostava de Racine e amava apaixona-

    damente Corneille. Mas ele adorava Casares, e deu-lhe o pa-

    pel de Fedra. Ambos desviaram-se do caminho. Cuny (Teseu)

    chegou, e, como o senhor disse, era luminoso. Todos os mes-

    tres da pronncia raciniana estavam equivocados. Um grande

    texto est sempre novo. Ele se reescreve na exploso que pro-

    duz cada vez que sua originalidade tem interseco com uma

    2 Eu

    aprendi totalmente sozinho, com a inteligncia que Tu me deste, meu

    D us S on fisses livro IVIII 13, Paris: Gallimard, p. 790 (Biblioteca da

    1 > 1 ln d c

    IIOMIiIIt/\ CONVEI(SA

    P a, um lu

    l

    Int rpr tes, um pblico. O efmero da repre-

    S

    ntao

    J O

    a arr ta isso no texto. Ele no perde nada por ser

    TI canicamente reproduzido de livro em livro. A captao do

    utro, to comovente, to leg tima quanto possa parecer, pro-

    pe quase sempre uma memria superficial, lisa, incompleta,

    parcial, em uma palavra ilusria. Eu reproduzo, logo suprimo:

    No restar nem ao menos um texto que faajus qualidade

    de clssico, caso sua capacidade de reagir ao tempo da Histria

    no for menor do que aquela que lhe escapa.

    IUVIERE Eu gostaria de retomar sua ideia de desconfiana,

    quanto ao saber, e da tarefa do mestre, que seria a de inspir-

    - 1 Um aluno ainda tem pouco conhecimento. Como colocar

    em dvida algo que ainda no est l, que no existe? Se se

    incomodado pelo saber, pode-se descart-Ia. Sese perturba-

    do pela ignorncia, preciso l ivrar-se dela tambm. A igno-

    rncia tem um volume. Uma lacuna apodera-se do lugar. No

    s implesmente algo que no est l.

    I SS LLE Antes da ignorncia, h o falso saber..Quando chego a

    uma escola superior, o jovem ator o menos inocente, o me-

    nos virginal que se possa imaginar. Ele j est, s vezes, intei-

    ramente programado, deformado. A ignorncia, no seu caso,

    seria antes da ordem de reconquista. Minha preocupao, por

    analogia a muitos jovens atores , ajud-Ios a desaprender. A

    questo do saber no viria seno depois. Mas de todo modo,

    no se far apelo ao saber, ou no o constituiremos, a fim de

    melhor exced-Io, ultrapass-Ia.

    RIVIERE

    De um lado, antes coloca-se a preeminncia do ato de

    ser ator , que no depende de nenhum aprendizado. Por outro

    lado, ao redor deste ato de estar-l que se vai trabalhar. Isso

    uma contradio, sem ser uma incompatibilidade? Penso num

    exemplo: para Copeau, a instaurao da escola e da pedagogia

    uma tentativa essencial, e o mesmo Copeau quem, em um

    belo texto de teatro, admira a maneira pela qual um tcnico de

    seu teatro atravessa o palco. Ele v em seu gesto no teatral o

    ponto culminante do teatro e lamenta nunca ter visto um ator

    atravessar? palco com essa naturalidade e essa fora.

    L SS LLE E que o ator muito frequentemente se protege do

    seu estar-l por meio de sua tcnica de ator, de sua mscara . J

    me ocorreu tambm experimentar o que Copeau tinha sentido

    15

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

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    1 6

    'ONVEI('ASS IJItEi\1' ItMA :AOJ)OA'I' It

    na presena de um maquinista andando no palco. Eu m s-

    mo assisti, no Opra, no momento de uma mudana mal

    sincronizada de cenrio, travessia repentina, alm do mais

    imprevisvel, de um maquinista levando uma escada de uma

    armao de cenrio a outra, ignorando que ele fazia isso na

    frente do pblico; o efeito era irresistvel. O irromper de um

    efeito semelhante da relidade entrava em coliso com a fico

    e a fragilidade da conveno cnica. Ela reinstalava por con-

    sequncia a ordem do real cotidiano. H atores para os quais

    essa coexistncia minimamente imprevista, com um maqui-

    nista ou um bombeiro de servio, de passagem sobre o pal-

    co, vista e com o c hecimento do pblico, no faz perder

    sua credibilidade. H outros que por muito tempo no se re-

    compem. Os primeiros preservam uma qualidade de verda-

    de na sua existncia cnica, de sorte que nada aparentemente

    a poderia alterar. Isto poderia ser aquela qualidade, no cine-

    ma, de um ator filmado na rua, em meio aos pedestres. A

    c-

    mera capta essa verdade, nessa ocasio, em seu imediatismo;

    evidentemente que em outra ocasio ela tambm denunciaria

    a sua ausncia. Mas no teatro, essa qualidade de presena no

    mundo, essa evidncia prvia do estar-l, para alm de todos

    os artifcios do espetculo, no dada imediatamente. Ao me-

    nos jamais completamente. preciso um longo aprendizado

    de fico cnica para recolocar e preservar, infin a verdade.

    RIVIERE

    Isto me faz pensar no que diz Iakobson a respeito da

    linguagem infantil do recm-nascido, que pode emitir todos

    os sons que o aparelho fnico permite ...

    LASSALLE Todos os fonemas possveis, de todas as lnguas?

    RIVIERE Absolutamente. E em seguida, por ser capaz de falar,

    ele deve perder um certo nmero de suas competncias fo-

    nticas. preciso que o ator perca uma habilidade natural de

    modo natural, para tornar-se natural. ..

    LASSALLE

    Atravessar o palco, por exemplo, um dentre todos

    os primeiros exerccios que os jovens atores praticam.

    que

    revela frequentemente a falsa confiana, "o artificial" que

    (\ I

    sorm no seu deslocamento no palco do teatro. Em sth r

    1 / 1 1 // \

    film de Desplechin, um velho professor prope isso

    tluu n E I v nisso o comeo e o pice, todo o univer-

    \

    tio uor

    Progressivamente, a jovem Esther vai ultra-

    IIIUM IIA CONVI \SA 7

    J ssar opu' t x r { elementar, aps seu pnico ante a

    l n ia d qualquer forma imposta, de qualquer subterf-

    gio, num esboo de interpretao qualquer. Pouco a pouco,

    sob nossos olhos, ela aprende a "sujeitar-se", a contentar-se em

    er o que ela . Cena admirvel, para se projetar com urgn-

    cia, por exemplo, para os candidatos do concurso de ingresso

    no conservatrio.

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

    15/95

    egunda Conversa

    de junho de 3

    111MPEDAGGICO. FIM INSTITUCIONAL E FIM ARTSTICO.

    MULTIPLICAO DASESCOLAS. NENHUMA ESCOLA FORMOU

    JAMAISUM ATOR. A ESCOLA, O MESTRE ZEN E O MERCADO.

    ENSINO, INTIL? A FINALIDADE DO ENSINO DO TEATRO

    TEATRO? ARTES DO ESPETCULO E

    PERFORMING RTS

    li RCELA DE SONHO.

    I NLOUP

    RIVIERE Um artista nunca para de aprender, mas

    a escola de teatro implica um tempo determinado de

    iprendzado. Existe algum indcio que prove que o objetivo

    ro

    atingido, que o trabalho propriamente pedaggico esteja

    terminado

    O fim do ensino representa o trmino da durao

    ensino? Isto j levou o senhor a pensar: "Sim, aquele l est

    r nto para sair da escola"

    : UES LASSALLE

    Existem duas acepes da palavra "fim": o

    rn como finalidade, o fim como trmino, parada, interrup-

    sem volta. No que concerne

    segunda acepo, eu dir ia

    se a escola deve ter um fim, a formao jamais deveria,

    num sentido amplo, interromper-se. Mas para continuar na

    lia pergunta, a partir de que momento um aluno est pron-

    to

    para representar? E o que

    u r

    dizer estar pronto para re-

    r sentar? Quando ns o percebemos? Ou seja, se voc sabe

    vimentar-se em cena, traduzir sentimentos, escutar o par-

    'ir ,responder-lhe de forma inteligvel? Se voc compreen-

    qu uma situao dramtica e se sabe conduzi-Ia a bom

    I rrno]

    alunos que ingressam no conservatrio com o cor-

    I () travado, s

    m

    nt mo, uma voz que quase no se ouve,

    um

    l tl l

    o pr I1itada ("m tralhadora', diz-se no jargo

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

    16/95

    20

    ;O N VE I lSA SS O III \1 A IO RM A < ,;AU L JO A TO R

    dos cursos), gestos e movimentos com desconcertante falta

    de jeito. Certos examinadores acabam tendo, contudo, o

    ds -

    cernimento de aproveitar alguns desses alunos, pressentindo

    uma clareza, uma presena singular sob a imperfeita e confu-

    sa mistura. E frequentemente tais alunos, desconcertados com

    a confiana que lhes foi conferida, transformam-se em alguns

    meses, e no final de seus trs anos de escolaridade, revelam-

    -se verdadeiros atores, prontos para part icipar de verdadei-

    ras aventuras artsticas. H outros cuja bagagem tcnica seduz

    nos primeiros dias e que no progridem minimamente du-

    rante toda sua escolaridade: no esto nem mais, nem menos

    prontos a atuar, seja quando ingressaram na escola, seja quan-

    do se formam. Eles engrossaro as filas dos atores funcionais,

    descartveis. Poder acontecer, muitas vezes, que abram uma

    escola ou uma agncia. Outros no veem a hora em que a es-

    cola ir acabar: desperdiam seu tempo em revoltas inteis ou

    em dedicao estril. Tm necessidade de confrontar-se com

    o pblico, com a exaltao compartilhada no trabalho e nas

    representaes. Para outros, ao contrrio, a escola acaba cedo

    demais ... Tambm nesse caso, no h leis.

    Porm, deve-se voltar primeira acepo: a finalidade da

    escola. Consiste em preparar para o teatro? Para todos os tea-

    tros? Para um s teatro? Ela abrange todo o espectro do espe-

    tculo de entretenimento e das prticas audiovisuais?

    um

    libi para uma poltica de emprego? Ou a simples prove-

    dora de ofertas submetidas a um mercado cada vez mais em

    transformao, cnico e mercantil? Ou a escola seria apenas,

    ao final de contas, o caminho tortuoso do teatro para uma

    pedagogia de vida, para uma propedutica do mundo e de si

    prprio no mundo? No tomar partido por esta ou aquela res-

    posta correr o risco de aumentar a confuso geral.

    H algum tempo, no entanto, as coisas pareciam claras: um

    ensino pblico organizado, de certa maneira, em trs nveis:

    primeiro os conservatrios municipais, em seguida as classes

    preparatrias do ENSATT (Escola Nacional Superior de Artes e

    Tcnicas do Teatro), curso Dullin em Chaillot, Iacques Lecocq,

    Balachova, enfim, o ensino superior, aquele do Conservatrio

    Nacional de Paris, ao qual Gignoux iria obter de Malraux, no

    incio dos anos de 1960, que tambm fosse anexado Escola do

    1 1 11 \ /N /IA (, IN V II iS A

    2

    lcn tro

    Nacional de ESlmsburgo

    (TNS).

    Paris preparava atores

    pllm

    a Comdie

    Pranalsc

    e para os palcos privados parisienses.

    I\strusburgo e seu ensino multidisciplinar alimentavam o cir-

    (1 1 11 0 da descentralizao dramtica. Quanto ao ensino priva-

    \ 1 \ preparava um pouco para tudo, para o conservatrio, para

    d nema e para a televiso, com um nmero, no final de contas,

    II'Hlritode estabelecimentos: Simon, Escande-Dussane, Girard,

    I ,cgllirFuret, Florent, Primony, Mathieu ...

    As coisas evoluram muito. Primeiramente, aps 1968, o

    \ nnservatrio abandonou os seus exames de concluso. E em

    \ unsequncia, tanto no ensino pblico como no privado, todo

    mundo quis ter a sua escola: os Centros, os Palcos Nacionais,

    I. companhias dramticas, as coletividades emergentes ... O

    Ispecto poltico ernbaralhou-se. Cada um quis ter seu con-

    crv at ri o regional, sua nova Escola Nacional Superior, suas

    tua ster classes

    seus estgios de formao. As escolas privadas

    omearam a proliferar. Atualmente, somente na cidade de Pa-

    ris encontram-se cerca de setecentos cursos privados. Muitos

    ores decepcionados s conseguem uma atividade no ensino.

    Pura dar uma aparncia de legitimidade a essa multido de

    pcdagogos, uma associao de defesa da escola privada tentou

    definir alguns cri trios de avaliao para esses estabelecimen-

    tos. Por seu lado, as tutelas pblics estudam h algum tem-

    po a possibilidade de criar e impor um diploma de professor

    de arte dramtica. Atualmente, chegou-se assim a uma dzia

    de escolas pblicas, que se autoproclamam Escolas Nacionais

    Superiores; a uma dzia de conservatrios ditos regionais ;

    um nmero ainda muito mais importante de conservatrios

    municipais e escolas ligadas s companhias profissionais, com

    residncia ou no nos teatros fixos. Seria necessrio acrescen-

    lar, aqui, os estudantes dos institutos de estudos teatrais na

    universidade, criados nos anos de 1970 para fins os mais di-

    versos, mas que, a seu modo, tambm lanam no mercado um,

    grande nmero de estudantes mais preocupados em atuar no

    teatro do que dedicar-se ao ensino ou pesquisa. Enfim, re-

    pito, preciso contar tambm com os setecentos cursos priva-

    dos na regio parisiense.

    O que todas essas escolas tm em comum? Uma escolari-

    dade estrutura da, na maioria dos casos, em trs anos, a eli-

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

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    22

    NVI\It. A s t )IIIU( A FORMAO DO ATOR

    SEGUNDA CONVERSA

    abertamente ao passado como base de resistncia. Suporta a

    sociedade atual cada vez com maior dificuldade e trabalha com

    a perspectiva de uma sociedade melhor. Como no apoi-Io?

    Dois perigos maiores o ameaam: o pensamento negativo e o

    discurso encantatrio com relao s perspectivas e possibili-

    dades de venda do seu produto. Continua-se a falar em trupe

    no momento em que no existe mais uma escola que consti-

    tua um repositrio para o teatro contemporneo no qual ela se

    insere, no momento em que no h mais continuidade entre

    a formao e o espao profissional , na medida em que ela s

    pode ser garantida a uma nfima minoria de alunos formados;

    reivindica-se o pensamento crtico, a primazia da indepen-

    dncia e d a liberdade intelectual enquanto secorteja, frequen-

    temente, o campo dos dogmas, dos engajamentos unvocos.

    Aspira-se existncia de um mestre, desejar-se-ia um guru

    para a vida, porm no seousa muito reconhec-lo. Como po-

    deria o mestre escapar das perspectivas igualmente ilusrias

    de semelhante alternativa?

    Frente aos alunos, cuja maioria a cada ano est sendo

    mais fragil izada pelo discurso miditico, e diante do sonho

    de ter acesso ao star sy stem (considere-se a audincia de ta r

    Ac'), da necessidade material de' achar o mais rpido poss-

    vel o seu lugar no mundo da imagem (por que no sacrificar

    um trabalho sobre Alceste em favor de uma part icipao em

    Navarrot ,

    como assegurar a responsabilidade do artista na

    cidade, a construo de si mesmo em cada papel, a aula esco-

    lar como escola de vida tanto quanto o teatro? Tais questes

    esto na base do meu trabalho tanto no Instituto de Estudos

    Teatrais de Paris

    I I

    como na Escola do Teatro Nacional de

    Estrasburgo e no Conservatrio de Paris. No meu magistrio,

    elas ainda esto muito presentes. Como conformar-se em pro-

    porcionar um ensino que pode ser visto apenas como ruptura

    com o mercado e sua demanda? Como falar de disciplina de

    vida e de longa caminhada a algum que espera de voc antes

    de mais nada um emprego?

    23

    minao das

    I iS l u s

    de aprovados de fim de ano, a deliberao

    afirmada, alto c Corte, de formar profissionais - cada escola

    justificando, definitivamente, a sua excelncia pelo nmero de

    candidatos que ingressam nas mesmas. Poderamos nos con-

    tentar com semelhante situao; poderamos ver nisso o re-

    sultado de meio sculo de descentralizao teatral em todo o

    territrio; poderamos ligar isso tudo chegada de uma civi-

    lizao do entretenimento, a um crescimento exponencial dos

    espetculos e das mltiplas formas que pode assumir o entre-

    tenimento cultural. Certamente, tais razes no so negligen-

    civeis; preciso reconhecer isso. Porm, quem seria capaz

    de afirmar, de boa f, quando se pensa que apenas uma ins-

    tituio, o Jovem Teatro Nacional

    (ITN),

    garante, a partir dos

    anos de 1970 e somente durante trs anos, custe o que custar,

    um emprego unicamente aos alunos sados do conservatrio

    de Paris e da Escola Nacional Superior de Estrasburgo, quem

    poderia garantir que a cada ano existir lugar na Frana para

    os cerca de milhares de novos atores profissionais? Ningum,

    e muito menos os interessados. Aedio o nico setor que

    responde a uma baixa da demanda quando ocorre o cresci-

    mento da oferta assegura

    [rme

    Lindon, fundador das edi-

    es Minuit. Mas ele esqueceu-se do ensino teatral.

    Em consequncia, cada um se comporta, mais ou me-

    nos, como avestruz e trabalha na elaborao e promoo de

    seus programas, f ingindo ignorar o futuro. Depois de ns,

    o dilvio:' Dois tipos de ensino afirmam -se cada vez menos

    compatveis. O primeiro afirma submeter seus programas

    demanda do mercado, tanto do audiovisual e da indstria de

    entretenimento quanto do espetculo dito ao vivo. Neste l-

    timo caso, a oferta massivamente consensual, conjuntural,

    ecltica, submissa s flutuaes da economia e das curvas de

    audincia. Ocupa amplamente o espao privado e ganha o es-

    pao pblico.

    outro ensino tem por princpio rejei tar qualquer pers-

    pectiva de eficcia instantnea. Recusa-se a aderir ideologia

    liberal do tudo vlido desde que tudo acabe por ser vendi-

    do': um ensino que quer priorizar, em primeiro lugar, o va-

    lor das obras, a nobreza dos modelos, as lies do passado, a

    exigncia e a pesquisa artsticas. um ensino que I lri

    1 Sitlo da In lCI'Ill'1 .'111/1 '1 li'1 /I/111I1 )/8: cww wstaracaderny .tfl.fr> N , da T.,

    2 S rie pu llc lull'H 111111111111,II'v IHO OCI'III ICCS U, crlada em 1989 por Picrre Grim -

    hlnl C '1 '110

    I\lpll,l, )

    1"'I II II IIt4I'1 l1 NnVI II'I'() 11m pollc tu l lncorr uptlvcl c l lllW .

    U II1Il 111;111 '111111 111,1111111111 _11\11i111' IIIIN I'IIII O I'd l'111 t' I1IH IIO I'lt Illtll ' N, d l1 I:),

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

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    24

    CONVERSAS SOBRE A FORMAO DO ATOR

    RIVIERE Compreendo o que o senhor est descrevendo. Po-

    rm, artisticamente, h algum sinal do desaparecimento do

    ensino?

    LASSALLE No, o paradoxo que, em face da proliferao de-

    sordenada de seus contedos e mtodos, jamais a necessidade

    de uma pedagogia do ator foi to forte. Mas qual? No apenas

    uma pedagogia tcnica, instrumental, tendo como primeiro

    objetivo a formao de intrpretes, mas sim uma pedagogia

    da curiosidade, da abertura aos saberes e s tradies, que se

    destine igualmente, de forma plena, aos temas e s pessoas. O

    teatro pode no ser o nico objetivo do ensino de teatro. Pode

    preparar para muitas outras atividades da vida.

    V dizer isso a um aluno que acabou de entrar numa Esco-

    la Nacional Superior. Ele passou por trs rodadas de seleo,

    foi examinado por uma banca de examinadores imponentes,

    heterogneos, frequentemente insensveis. Foi escolhido entre

    diversas centenas de outros candidatos. Como pode voc co-

    locar em questo o seu futuro como ator? Marcel Bozonnet,

    o precedente diretor do conservatrio, t inha uma frmula in-

    teressante no que diz respeito aos novos ingressantes: Se vo-

    cs chegaram at aqui, porque j so atores . Pode ou no ser

    verdade. verdade porque, no aqui e agora do concurso, eles

    eram os melhores, pareciam os mais aptos a beneficiar-se de

    um ensino superior. Nesse aspecto, fala-se muito em injusti-

    a, em incompetncia das bancas examinadoras. Invoca-se o

    arbtrio dos concursos que frequentemente sacrificam os me-

    lhores. Na realidade, sempre fico impressionado, em meio s

    inumerveis bancas examinadoras das quais part icipei, pela

    quase unanimidade no que tange aos melhores, de uma parte,

    e com relao aos menos convincentes, de outra parte. Quan-

    do acontece o debate, se ocorre alguma dvida, eles incidem

    sobre os candidatos medianos, bem como, igualmente, so-

    bre. os no classificados, mas o fato de ingressar no conser-

    vatrio ou na Comdie Franaise no desautoriza um ator. E

    a frmula de Bozonnet continua sendo ambgua, pois parece

    comprometer-se com o futuro, mas o fato que somente rati-

    fica a verdade de um momento. Ela acaba se reduzindo

    pas-

    sagem por uma grande escola, e, especialmente no caso

    d

    nse rv atrio de Paris ou de E stras burgo consti tul -se 1ll1JIl

    SEGUNDA CONVERSA

    chance real: frequentemente acompanhada por uma bolsa

    de estudos, a promessa de encontros produtivos com alguns

    mestres, com prticas multidisciplinares e sabiamente integra-

    das, com convivncias determinantes para o futuro. Chega mes-

    mo a se transformar numa transio quase garantida prtica

    profissional, por intermdio indireto do Jovem Teatro Nacional.

    No entanto, no garante absolutamente o esplendor e a pereni-

    dade daquilo que chamamos de uma carreira.

    Na verdade, uma escola, por mais prestigiosa, por mais

    exigente que seja, jamais formou um ator, no mais que um

    pintor ou msico. Mas, dia aps dia, ter permitido um apren-

    dizado de si mesmo, dos outros e do mundo; ter fomentado

    o gosto e a familiaridade com os textos, a humildade e o ri-

    gor das verdadeiras disciplinas de trabalho. Essa bagagem vale

    no apenas para o exerccio do teatro. Tambm ilumina o per-

    curso de uma vida.

    Curiosamente, os oramentos, frequentemente em baixa

    no domnio da criao, da pesquisa e do funcionamento dos

    teatros, tornam -se passveis de aumento quando se trata de

    ajudar na formao, na deteco de redes de empregos . Jus-

    tificam tambm os investimentos considerveis? No, quando

    o caso de manter os hbitos ds beneficiados, de perspecti-

    vas ilusrias, de um alinhamento mecanicista com as necessi-

    dades do mercado e as tolices do show iz ou, pior ainda, com

    a iluso de estimular os polticos securitrios pela multiplica-

    o das atividades teatrais nas reas desfavorecidas e pobres.

    Sim, trata-se de uma pedagogia de arte e vida, que reconcilia

    o passado e o futuro, o singular e o mltiplo, o diferente e o

    semelhante, o efmero e o durvel, a desgraa e tambm, no

    obstante, a felicidade de estar no mundo. No nos perodos

    de prudncia, transformaes, de inquietudes generalizadas

    que o artista encontra menos possibilidades para se exprimir.

    VIlm Recordo-me do incio desse movimento. forma atra-

    vs da qual a escolaridade acaba pode contribuir para definir

    () que o ensino pode significar para um ator. Ora, atualmente

    h exames nem provas de concluso.

    LL No conservatrio no h mais exames desde os anos

    te 197 0 Mais eX1111ll11el1te,partir dos anos de 1980 pois Jacques

    Ito sncr o nlrto dl n to r

    trabalhou de tal forma que coexisti-

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

    19/95

    26

    CONVERSAS SOBRE A FORMAO DO ATOR

    ram, isso durante dez anos, dois conservatrios no mesmo lo-

    cal:um conservatrio dito moderno : sem concursos e abertos

    s conquistas da representao, e outro feito maneira de an-

    tigamente, que preservava, alm das provas de concluso, re-

    servadas, salvo derrogao, somente aos terceiro-anistas , os

    exames trimestrais de avaliao, a perenidade dos professores,

    quase todos scios honorrios da Comdie Franaise, e a prio-

    ridade das tradies declarnatrias. Rapidamente, como setor-

    nou mais fcil entrar no antigo conservatrio do que no novo,

    os alunos admitidos no primeiro geralmente aproveitavam a

    transferncia sistemtica para o segundo.

    RIVIERE Em todo caso, o exame era somente classificatrio.

    No dizia se uma competncia tinha sido ou no adquirida.

    Na universidade, formava-se ou no um doutor. Em um con-

    servatrio, todos se tornam atores. Aprende-se alguma coisa

    que simplesmente no verificvel.

    LASSALLE

    A questo mais interessante a ser colocada talvez seja

    a das reformas ps-1968 no domnio da formao do ator e,

    eventualmente, suas consequncias: romperam-se os mode-

    los socioculturais ultrapassados e os pilares de uma sociedade

    conservadora e injusta, ou comeava a surgir, o que sever que

    vai acontecer, a prpria dif iculdade de avaliar, hierarquizar de

    maneira absoluta qualquer forma de expresso artstica?

    RIVIERE Tambm secoloca a questo do modelo atravs do qual a

    escola funciona. At o momento, esse modelo funda-se numa

    ideia que pode ser formulada desta maneira simplista: para

    aprender teatro preciso fazer teatro. O aluno tenta, eviden-

    temente, adquirir algumas tcnicas correlatas, como canto,

    esgrima, valsa, e aproveita o mximo possvel a presena de

    atores ou encenadores. Poder-se-ia imaginar outro modelo,

    que no estaria ligado ao fazer , mas justamente necessi-

    dade de retardar o fazer teatro . como na histria do mes-

    tre zen, que faz seu aluno pianista trabalhar na mesma pgina

    durante um tempo muito longo, e quando o aluno quer virar

    a pgina, o mestre o impede. Quando, aps muitos anos, ele

    lhe permite virar a pgina, ela est em branco. Retardar o fa-

    zer seria, do mesmo modo, um verdadeiro aprendizado. H

    algo convencional no tipo de funcionamento das escolas, pois

    todas, segundo suas prprias modalidades, funcionam (.0111 o

    SEGUNDA CONVERSA

    mtodo formar-se no local de trabalho: com a ideia de que

    for ando-se algum a exercitar uma coisa possvel torn-Ia

    hbil . Algumas escolas poderiam ter outro tipo de formao,

    cujo espr ito estaria l igado prtica da colocao em dvida,

    que voc lembrou h pouco, e que tambm uma forma de

    r etardar o fazer :

    IASSALLE

    Trata-se de retardar o fazer at o momento em que

    se seria digno de enfrentar a pgina em branco ... Aos nossos

    olhos de ocidentais, talvez isso seja exagerado. Por muito adiar

    o prazo, acaba-se esquecendo dele. Ns o substitumos. Esta

    poderia tambm ser a proposta do exerccio.

    No isso que ameaa a maior parte de nossas escolas.

    Elas estariam sendo, mais do que tudo, assediadas pela impa-

    cincia dos resultados. Elas se gabam do nmero e da pres-

    teza de compromissos de seus alunos. A lista de seus alunos

    que se transformaram em estrelas, ou pelo menos conheci-

    dos, a seus olhos o seu melhor carto de visi tas. Ela d-lhes

    crdito para o seu caminho rumo ao emprego. No momento

    da apresentao de seus alunos, elas buscam atrair a presen-

    a de profissionais, de responsveis pela elaborao de c sting

    Os agentes fazem a lei. Eles so tambm quase to numero-

    sos quanto os atores aprendizes. No conservatrio, assim que

    os exames de ingresso acontecem, cada aluno tem seu agente,

    isso quando j no o tenha no momento de se apresentar. Nos

    anos de 1960, alguns alunos do meu curso sonhavam priori-

    tariamente em seduzi-Ias e convenc-Ios, Fiz um escndalo

    opondo-me presena de agentes durante as apresentaes

    dos exerccios. Agora isto no ser mais possvel.

    A escola arranja empregos, mas a escola tambm mui-

    to menos um espao de formao e preparao e muito mais

    uma mquina de produzir espetculos. conhecida a frase

    de Vitez: A escola o mais belo teatro do mundo . Essa fra-

    se exprimia o belo sonho de associao escola-teatro-mundo

    de um pedagogo. A escola permite muito, a partir de agora,

    os excessos: a escolha sistemtica do fragmento em prejuzo

    da totalidade, da hiptese ldica em prejuzo da composio

    coerente e global, do esboo em prejuzo do quadro, da vida

    como representao ininterrupta, indiferente s obrigaes

    do

    cotkllmu:

    t S resistncias da histria. Porm, a frase de

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

    20/95

    CONVERSAS SOBRE A FORMAO DO ATOR

    Vitez induz, antes de mais nada, querendo ou no, ao fato de

    que a escola o nico lugar onde sepoderia fazer o verdadeiro

    teatro, que alis deveria ser o nico a ser feito, ou ento, dar-

    -se-ia o caso de este ser to acadmico, to previsvel , que no

    valeria mais a pena faz-lo.

    RIVIBRE A escola como teatro do futuro .. .

    LASSALLE Sim, do futuro, mas de um futuro sem futuro, pura

    utopia, para fora da cidade e de qualquer compromisso exte-

    rior que no fosse com ele mesmo, que conduziria s intermi-

    nveis colagens de propostas cnicas : E aquela escola de que

    falamos acaba favorecendo a emergncia de figuras igualmente

    ambguas, tais como as do pedagogo mascarado de profeta, de

    guru. Inicio meus alunos na minha prpria religio. Impeo

    meus alunos de fazerem outras prticas que no aquelas que pre-

    conizo e torno-os por toda a vida meus discpulos. Probo-os

    de trabalhar com outros, de enriquecer-se com outras prticas

    e outras perspectivas: O teatro, meu Deus, no est jamais a

    salvo das seitas e totalitarismos.

    RIvIImE

    Uma escola que privilegiasse o fazer teatro teria seu

    fim nela mesma?

    LASSALLE Poder-se-ia dizer tambm que durante certo tempo

    o aluno no teria outro acesso ao teatro a no ser aquele pro-

    posto pela escola, sendo que em seguida ele poderia, ator ou

    no, encontrar seu lugar na cidade. Vasil iev, em sua escola de

    Moscou, pratica uma escolaridade de sete anos. Os alunos so

    iniciados nas artes marciais, nos cantos gregorianos ortodo-

    xos. S selhes permite um acesso homeoptico a alguns frag-

    mentos de textos, frequentemente religiosos. Os alunos no

    fazem nada alm disso. A escola torna-se sua prpria finalida-

    de, uma espcie de monastrio, um teatro ideal, um retiro so-

    litrio. No entanto, para onde se vai, o que nos tornamos aps

    t-Ia deixado?

    RIVIERE o ultrapassado. H alguma coisa dessa natureza em

    Copeau. A escola torna-se uma resposta s imperfeies do

    teatro real.

    LASSALLE A escola frequentemente agarra-se infncia, deseja-

    ria preserv-Ia para sempre. Afasta a chegada das responsabi-

    lidades, da idade adulta, ou ento a anuncia na form a exalt ada

    um pOLlCO ridcula de Trof irnov, o velh o estuda nte mlllH que

    SEGUNDA CONVERSA

    trintenrio de O

    Jardim das Cerejeiras

    de Tchkhov. uma

    postura defensvel? Acontece-me de dirigir estgios, aquilo

    que se denomina atualmente master classes na Frana e no

    estrangeiro. Tenho necessidade disso como de um soro da ju-

    ventude como uma ocasio privilegiada para uma reciclagem,

    para um retorno s origens. Mas esta no seria uma justifica-

    t iva suficiente. No teatro, mais que em todas as outras formas

    de expresso artst ica, o outro a condio da prpria busca,

    o parceiro da sua prpria realizao. melhor no abusar dis-

    so O que recebi, o que recebo, tenho que restituir. A partir

    da, com a idade, ocorre um sentimento crescente de ter que

    transmitir, ter que reciclar . No obstante, depois de apenas al-

    guns dias de trocas, o que teremos part ilhado? A abordagem

    comum de uma obra, de sonhos, inquietudes, surpresas, tal-

    vez at as revelaes do papel a representar ou do pensamen-

    to.

    muito para um pedagogo. Porm, quanto ao aluno, onde,

    quando, junto a quem ele poder fazer uso disso?

    Seria excesso de escrpulos? Desencantamento? Aposta-

    mos preferencialmente no otimismo. Hoje em dia, o jovem

    ator tem um leque de possibilidades, de experincias, de apli-

    caes muito mais importantes do que aquelas existentes

    quando comecei no teatro. H tantas escolas, tantas propostas,

    na Frana, no estrangeiro, que seria o cmulo se no chegs-

    semos, de tentativa em tentativa, a produzir uma identidade,

    um saber, um domnio de curiosidades e de atitudes particu-

    lares. preciso, ainda, avanar com os olhos abertos, no se

    deixando ficar ao sabor do mercado, dos messias, dos Pigma-

    lees de toda ordem. O ator depende do querer dos outros,

    mas s sobrevive pelas prprias escolhas.

    {VIBRE Sim, isso ainda outra modalidade de retardar o fa-

    zer: Algumas vezes o senhor tem tido um sentimento de inu-

    tilidade do ensinamento? O senhor j pensou que um aluno

    poderia estar empregado imediatamente, que no precisaria

    passar pela escola?

    Ii\SSALLE Quando acontece de um aluno ter sido admitido por

    equvoco, quando sua margem de progresso revela-se infini-

    tamente

    mais limitada do

    que aquela que as bancas exami-

    nad oras

    tinham

    IlIHI,ulo,

    Oll ainda quando sua expectativa

    nau corr cs pondr

    1 1 11 11 1 d sc J) 1p cnh o; a L I quando, enfim, ele

    29

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

    21/95

    30

    CONVERSAS SOBRE A FORMAO DO ATOR

    abandona ou falta escola na primeira ocasio, em troca de

    uma srie televisiva ou de uma aventura incerta no teatro, nes-

    ses casos pode-se experimentar um sentimento de inutil ida-

    de, com a dvida e a tristeza que a acompanham. Mas isso

    no dura muito, pois tudo isso remedivel. Tambm na es-

    cola, mesmo que a partir de agora no sejam os professores a

    escolher os alunos, e mesmo que, de preferncia, ocorra o in-

    verso, a relao pedaggica s funciona verdadeiramente no

    momento em que evolui na direo de uma aceitao recpro-

    ca ou, ao contrrio, com o estabelecimento de uma atrao

    confli tuosa, mas que finalmente se revele fortif icada e produ-

    tiva. Por outro lado, a mudana de classe, ou mesmo uma as-

    sumida sada da escola, so alternativas possveis.

    No entanto, diante de um aluno realmente talentoso, real-

    mente motivado e efetivamente pronto a representar, no se

    experimenta nunca o sentimento de inuti lidade. Pelo contr-

    r io. Desde o terceiro ano, frequentemente at no segundo ano,

    esse aluno pode perfeitamente representar durante a noite,

    junto com voc ou em outro grupo, e continuar sendo um

    elemento motor da classe durante toda a escolaridade. Isso

    da responsabilidade dele, e se ele consegue alcanar a discipli-

    na, esse fato consti tui uma prova suplementar de sua qualida-

    de. A relao pedaggica pode continuar naturalmente, sem

    interrupo no ato pblico da representao, e enriquecer-se

    igualmente.

    Na verdade, nada, nem mesmo o desaparecimento do mes-

    tre, pode acabar com uma verdadeira relao pedaggica. O

    trmino da escola no deveria significar o seu trmino. Por essa

    razo, no preciso que seexagere na melancolia das despedi-,

    das. Um mestre e seu aluno jamais se afastam verdadeiramen-

    te, mesmo se as disperses da vida no mais lhes permitirem

    reencontrar-se. Aquilo que foi semeado, germinar.

    Existem pedagogias que reivindicam exclusivamente os

    seus resultados favorveis, ainda que estes estejam em con-

    tradio com o ensino recebido:

    aqui, comigo, que tal ou

    tais comearam': ouve-se proclamar aqui e ali . De minha par-

    te, sinto-me depositrio tanto de meus malogros, como de

    meus sucessos. No estou menos orgulhoso em relao aos

    meus alun os qu e

    perm anec eram

    an ni mos do que em

    rc lnco

    SEGUNDA CONVERSA 31

    queles que, como se diz, f izeram carreira. Isto no significa

    que um pedagogo-encenador no deva estimular seus alu-

    nos - sem nenhum espri to de exclusividade, alis - , cada vez

    que o possa. Mas no momento em que no o puder, no deve

    culpar-se exageradamente. Em primeiro lugar, por aquilo

    tudo que revelou aos seus alunos do teatro, da vida e deles

    mesmos, que ele deve ser julgado. No se deve inverter a prio-

    ridade.

    RIVIERE O mercado no um teste Contudo, para retomar

    questo da finalidade do ensino, isso que o senhor sugere

    que o ensino no pode ter uma limitao, uma vez que no co-

    rao desse aprendizado encontra-se a capacidade de se colo-

    car o teatro em dvida. No se acaba nunca com essa dvida,

    e portanto com o aprendizado. Isto desconcertou os alunos

    do conservatrio quando Fomenko anunciou-lhes que poucos

    dentre eles haveriam de se tornar atores. Eles pensavam que

    o simples fato de conseguirem passar no concurso j era uma

    garantia disso.

    L SS LLE Piotr Fomenko, bem sua maneira russa, distin-

    to, spero, mostrou-se muito consequente. Ele partiu de sua

    prpria experincia, invertendo-a. Foi somente quando ele

    sentiu, em sua aula no Gitis (Academia Russa de Artes) em

    Moscou, que estava diante de uma turma com aprovao ex-

    cepcional, que decidiu, no final dos anos de 1970, trabalhar

    como encenador apenas com os alunos dessa turma. conven-

    ceu o Estado a

    equip- o

    com uma pequena sala. A escola con-

    tinuou fora de suas instalaes, fora da escolaridade, s que a

    partir de ento perante o pblico.

    ItIVIERE

    Ela tornou-se teatro .. . A crislida e a borboleta ...

    I SS LLE Numa tradio e num contexto poltico muito par-

    ticulares, Fomenko guiou o seu trabalho como pedagogo-

    -encenador ao seu termo. Mesmo muito ligado aos meus alu-

    nos, ainda no' realizei o mesmo sonho. Acredito muito na

    mistura de geraes e de percursos, na unidade artstica como

    conquista ltima e jamais adquirida, de preferncia a dados

    prvios. Mas minha relao com a histria e com o poder po-

    lit ico

    to pouco alinhada quanto possa ter sido, no deixou

    os mesmos rastros, no engendrou as mesmas prticas de so-

    br cvi vnc i

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

    22/95

    32

    CONVERSAS SOBRE A FORMAO DO ATOR

    Para vol tar frmula de Vitez, a escola no , desde ento,

    completamente um teatro. Ela no se volta para o futuro. Se

    puder escolher abrir suas portas para mostrar alguns de seus

    exerccios, que no o seja , nesse caso, muito tarde na escola-

    ridade de seus alunos, bem como no sentido de que seus p-

    blicos sejam realmente reativos e parceiros, isto , nem muito

    especializados agentes, jornalistas, empregadores potenciais),

    nem muito incondicionais parentes, amigos, simpatizantes,

    aposentados etc.).

    nrvrana O senhor selembra da distino estabelecida por Gro-

    tvski no seu discurso inaugural no College de France. Ele

    lembrou a maneira de se designar o teatro nos pases anglo-

    -saxes, que

    performing arts

    e na Frana, que artes do es-

    petculo. De um lado, o teatro avaliado em funo daqui-

    lo que feito, de outro, -o em funo daquilo que visto.

    Grotvski colocava-se ao lado das

    performing arts

    e, no nosso

    caso, tenho tendncia naturalmente para o lado das artes do

    espetculo. Pergunto-me, portanto, se no se pode conside-

    rar a escola como o momento das

    performing arts

    O trmino

    da escola corresponderia, assim, passagem para as artes do

    espetculo . Is to implicar ia uma gesto muito controlada da

    presena do pblico. Com trinta espectadores est-se nas

    per-

    forming arts

    O pblico tolerado como testemunha somente

    pelo fato de se tratar de teatro.

    L SS LLE Tambm como amplificador, como caixa de resso-

    nncia .. . A questo de uma pedagogia afastada do circuito

    usual de produo um sonho que deveria habitar qualquer

    escola, e no apenas as escolas de teatro. A questo dialti-

    ca: como real izar esse sonho e, ao mesmo tempo, preservar a

    necessidade de um teatro inscrito no corao da histria,

    no

    corao da cidade? A escola exige uma ret irada, uma recusa

    provisria do mundo ao redor, caso tambm queira ser uma

    propedutica da realidade tanto quanto o teatro. Hoje em dia

    pode-se dizer, com o sorriso das belas serenidades conquis-

    tadas, que o equvoco das escolas

    generalizado e que ele

    agravado por objetivos eleitoreiros, mercantis e miditicos. Os

    infelizes alunos atores ficam fascinados por ofertas de propos-

    tas e promessas. No conseguem mais fazer a ligao entre os

    disc ur sos que lh es so di tos as pr ti cas que Ih es so prop ostas

    SI,CUNJA CONVEISA

    e o mundo no qual se situam. Toda pedagogia necessita, con-

    tudo, de equilbrio nas respiraes, uma ateno para o tempo

    com que a faz, ao tempo que dura e no somente ao tempo em

    que se d. Toda vez que eu podia, em Vitry, em Estrasburgo,

    no Conservatrio de Paris, eu levava meus alunos para lon-

    ge da cidade, para o interior, na esperana de encontrar no-

    vas Thleme, longe das rotinas de resul tado Ren Char) .

    A escola no tem por objetivo fazer com que se ganhe a vida.

    Ela no uma agncia de empregos. Atualmente , quando pa-

    recem s contar as curvas de crescimento e os diagramas de

    audincia, mais urgente do que nunca manter os alunos fora

    por um breve perodo. Tudo exprime a arrogncia e a impa-

    cincia do mercado. uma razo a mais para que a escola

    assuma o seu tempo e mande aos especuladores de todos os

    gneros um gesto obsceno de desprezo, como o fez h algum

    tempo Maurice Piala t em Cannes, no momento em que os fes-

    tivaleiros, no incio, pareciam saudar unanimemente o o ol

    de Sat

    que tinha acabado de ser adaptado de Bernanos.

    Rcfcrnca li Abadia de Thlme em Franois Rabelais,

    Gargantua e Panta-

    , . ,/ ( / , lllv,ro, captulo lLII N. da T.).

    33

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

    23/95

    Terceira Conversa

    de junho de 2 3

    LUGAR DO SABER ENSINAMENTO DIRETO E INDIRETO

    O ATOR RACIONAL E O ATOR INSTINTIVO

    A DESCONTINUIDADE DO PROGRESSO ESCOLA

    TEATRO

    O SUJEITO FRAGMENTADO DO ATOR CAMINHOS

    DE TRAVESSIA UMA ESCOLA QUE SE AFASTA DA NORMA

    O OLHAR DO OUTRO

    JEAN-LOUP RIVIERE

    Falamos muito da dvida, do todavia.

    Poderamos falar agora do complemento, do acrscimo ...

    daquilo que se acumula, que se capitaliza. Um aluno que sai

    da escola de teatro est mais rico d o que quando ingressou

    nela? Mais rico do qu? Geralmente, ensinar , em grande

    parte, transmitir um saber. E um aluno que sai de uma esco-

    la tem mais saber ou mais habilidade do que quando entrou.

    Mas seria este o caso de um aluno-ator? Um ator que sai de

    uma escola atua melhor do que quando entrou, porm se trata

    de um aperfeioamento, no de uma aquisio : Pergunto-me

    qual e qual deveria ser a parte do saber no ensino da arte do

    ator. Parece-me que ela importante, pois em todas as esco-

    las de teatro h departamentos de histria, dramaturgia etc.

    Formar-se-iam, pelo menos, bons atores caso no houvessem ,

    cursos centrados na, ou justificados pela, transmisso de-um

    saber positivo, na aquisio de conhecimentos? No Conser-

    vatrio Nacional de Paris h uma distino entre os cursos

    de interpretao e os chamados cursos tcnicos, que vo da

    dana, da expresso ou da dico histria e dramaturgia.

    Essa distino aparece algumas vezes como separao entre

    uma atividade nobre e essencial , o aprendizado da atuao em

  • 7/24/2019 Conversas Sobre a Formao Do Ator -- Jacques Lassalle e Jean-Loup Riviere

    24/95

    CONVERSAS SOBRE A FORMAO DO ATOR

    cena, e complementos triviais, secundrios, e nesse caso, para

    ser mais preciso, facultat ivos, mesmo que, felizmente, no o

    sejam. E d-se o caso de os professores dos cursos ditos tc-

    nicos acharem que fazem a interpretao': Eles tm e no

    tm razo. No tm razo, porque a parte mais importante do

    trabalho a atuao em cena, e tambm tm razo porque a

    tcnica e os conhecimentos so as circunstncias de uma in-

    terpretao' e logo da interpretao em si mesma.

    A part ir de sua experincia como professor de interpreta-

    o, o senhor poderia dizer que o ensino acrescenta alguma

    coisa? Falemos tambm do ensino indireto': H conhecimen-

    tos ou exerccios que podem no ter nenhuma relao aparen-

    te com aquilo que se pretende e que tm um efeito secundrio,

    indireto. Quando um pedagogo aborda um tema que aparen-

    temente no tem qualquer relao com a cena trabalhada pelo

    aluno, ou manda executar um exerccio que parece fora de

    propsito, esse aparente desvio permite, na realidade, um tra-

    balho indireto. Minha pergunta, nesse caso, dupla: o senhor

    tem a sensao de que um conhecimento esteja sendo trans-

    mitido num dado momento da relao pedaggica com um

    ator? E o senhor acha que o conhecimento indireto possa ter

    uma funo? Dou-lhe algo que lhe servir sem que voc o

    saiba, ou do qual voc s reapropriar ...

    JACQUES LASSALLE Creio que sempre ocorre a transmisso de

    saber, mas que raramente ela direta. Quando nos relaciona-

    mos com osatores, preciso que a transmisso de saber se faa

    indiretamente, entre parnteses e como que inadvertidamente.

    A partir do instante em que se determina o momento do saber

    CAgora, eu vou iniciar vocs), a partir do momento em que

    se est lidando com o saber constitudo, formulado, em de-

    corrncia disso o aluno cochila, ou algumas vezes se rebela

    numa ostentao de desinteresse. Os atores supem que todo

    saber j est formatado, pr-digerido, pr-estabelecdo. Acon-

    tece a mesma coisa com relao ao texto. Seja o caso de essa

    relao ser brusca, desenvolta: Isto quer dizer mais ou menos

    isso, vamos interpretar mais ou menos isto': Nesse caso o alu-

    no impacienta-se. Seja quando o texto se mostra, num pri-

    meiro momento, filolgico, gramatical, analtico.

    O aluno

    se aborr ec e Mais ta rde no entanto quando o tex to

    rOI' (IXIIIIII

    TERCEIRA CONVERSA 37

    nado, primeiramente de maneira rpida, o aluno ter a ten-

    dncia a torn-lo um fetiche. Ele far do texto a totalidade do

    teatro, sombriamente dobrado em si mesmo na forma de uma

    literatura suspeita, sem meandros nem sinuosidades.

    A leitura da cena, com todos sentados ao redor da mesa, j

    configura uma interpretao em potencial. J o corpo dispo-

    nvel, espera. Assim que o jovem ator percebe a proximidade

    do palco, a questo do saber s ser admitida se for dissimu-

    lada. No acho que os atores que se assumem como seres pu-

    ramente inst int ivos, que no se levam em considerao, que

    pretendem apenas ser operacionais no seu trabalho cnico, te-

    nham o desejo de aprender qualquer coisa que seja na medi-

    da em que isso implique uma relao fsica, concreta com a

    atuao. Isto diz respeito at aos alunos instrudos e abertos,

    fora do palco, com relao reflexo e curiosidade intelec-

    tual. Quando voc convida um especialista renomado para fa-

    lar em classe sobre tal ou tais autores, de tal ou tais momentos

    histricos, frequentemente um fracasso. Ao contrrio, es-

    ses mesmos alunos podem ficar imensamente fascinados por

    qualquer um que venha ensinar-lhes a mscara neutra ou o

    salto em rotao completa sobre o corpo. A transmisso do sa-

    ber, afora o tcnico ou o corporal, fa