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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI DIEGO MATHEUS MARTINS FILIPE CLARO ALUANI AMBRÓSIO COOL JAZZ: UM ESPÍRITO DE FRESCOR EM MEIO À REVOLUÇÃO

Cool Jazz: um frescor em meio à revolução

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Artigo sobre o Cool Jazz - movimento do jazz estadunidense, ocorrido por volta da década de 1950. Escrito por Diego Matheus Martins e Filipe Aluani Ambrósio.

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Page 1: Cool Jazz: um frescor em meio à revolução

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBIDIEGO MATHEUS MARTINS

FILIPE CLARO ALUANI AMBRÓSIO

COOL JAZZ: UM ESPÍRITO DE FRESCOR EM MEIO À REVOLUÇÃO

São Paulo2009

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DIEGO MATHEUS MARTINSFILIPE CLARO ALUANI AMBRÓSIO

COOL JAZZ: UM ESPÍRITO DE FRESCOR EM MEIO À REVOLUÇÃO

Trabalho Interdisciplinar apresentado ao curso de Produção Musical da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Guilherme Campiani Maximiano.

São Paulo2009

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RESUMO

O Cool Jazz se trata de uma corrente estilística – a qual influenciou todas as

esferas da sociedade dos Estados Unidos – liderada essencialmente por músicos

brancos da costa oeste do país no período posterior à Segunda Guerra Mundial.

Abordaremos todas as suas marcantes peculiaridades, as quais deixaram

marcas profundas de uma ruptura comedida e de um desenvolvimento relevante na

música popular do século XX.

O uso de técnicas musicais européias, como o contraponto e a polifonia

instrumental possibilitaram o rebuscamento das composições. O excesso de

introspecção e serenidade foram marcas importantes dos músicos. Eles se tornaram

mais econômicos, mais comedidos e contidos, assim como sua música.

Analisaremos também o efeito do Cool em relação à transformação do Jazz

como arte e da relação entre platéia, música e os músicos. Também discutiremos a

relação entre o bebop e o Cool, mostrando o que os aproxima como evolução um do

outro e o que os diferencia como duas escolas de jazz.

Palavras-chave: Jazz. Cool. Bebop. Polifonia. Piano-less.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 4

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO COOL – O BEBOP..............................................................5

CAPÍTULO 2 DO BEBOP PARA O COOL – ENTRANDO NO ERUDITO................................8

CAPÍTULO 3 O NASCIMENTO DO COOL...............................................................................9

3.1 ELEMENTOS MUSICAIS E ESTÉTICOS......................................................................10

3.2 SONORIDADE, ARRANJOS E O PIANO-LESS QUARTET.........................................11

CAPÍTULO 4 ANÁLISE DE “THE LADY IS A TRAMP”........................................................12

CONCLUSÃO.......................................................................................................................... 14

REFêRÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS.........................................................................................15

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INTRODUÇÃO

O Cool, nos anos 50, foi uma escola muito diferente de tudo que veio antes no

Jazz por sua aproximação nunca antes vista com o erudito, por sua relação forte

com a música européia, por sua base essencialmente branca. Esteticamente, o Cool

prezou por um despojamento emocional em favor de uma música mais cerebral,

limpa sonoramente – quase ortodoxa – e evoluída arquiteturalmente. O Cool era

mais frio, despojado, com andamentos mais lentos, rítmica menos quebrada.

Se por um lado, porém, o Cool desconstruiu a estética hot dos beboppers

quarentistas que o precederam, por outro viés ele foi exatamente uma sucessão

natural do Bebop, em atitude e até em técnica. Vejamos o que diz James Collier, em

citação feita por Carlos Calado:

O músico bop vestia-se como um corretor inglês da bolsa; falava tanto quanto possível como um professor universitário – quando não estava usando sua gíria particular – e evitava qualquer coisa que cheirasse a emocionalismo. Nada do sorriso largo e dos braços estendidos de Armstrong; ao contrário, ele friamente cumprimentava a platéia com a cabeça ao fim do número e saía do palco. Por certo, a imagem era algumas vezes quebrada na sua formação. (...) Mas a intenção cool era bastante real, e tinha dois significados. Por um lado, era uma tentativa deliberada de evitar desempenhar o papel de entertainer negro flamboyant, que os brancos esperavam. Por outro lado, era uma paródia do que os negros viam como o quadrado mundo dos brancos. (COLLIER, 1978 apud CALADO, 1990, p.154)

A atitude cool, portanto, era muito mais uma revolta em relação ao público e

ao próprio papel do negro na sociedade. O bop era uma resposta musical e política

ao swing, emocional e rígido em suas big bands. Era uma resposta negra aos

brancos que serviam de público e também ficavam com os lucros de sua música.

O revolucionismo musical do início dos anos 40 é inconcebível sem os levantes políticos dos anos 30, que deram aos negros americanos uma confiança cada vez maior, ao mesmo tempo em que os aproximava cada vez mais das barreiras aparentemente insuperáveis que havia entre eles e a igualdade. A revolução bebop era tão política quanto musical. (...) a insistência apaixonada em inventar uma música tão difícil que “eles” – os brancos que sempre acabavam auferindo os lucros das conquistas dos negros – “não pudesse roubar”, e mesmo as peculiaridades pessoais dos novos músicos, não podem ser explicadas apenas em termos musicais (...) a sua música seria tão boa quanto à dos brancos, até mesmo em termos de música de arte, porém fundamentada na cultura negra. (HOBSBAWN, 2004, p.98-99)

Esses parâmetros que os negros instituíram a partir dessa revolução do jazz

foram de extrema importância para o Cool – tanto para colocar na mesa coisas que

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seriam primordiais para sua existência, quanto para instituir sonoridades e

complexidades musicais que seriam negadas a seguir, dando espaço para outros

aspectos. Nos capítulos seguintes, discutir-se-á os reflexos da revolução para

entendermos o Cool – sua relação com o passado, sua aproximação com a fronteira

erudito-popular, sua sonoridade e suas inovações.

1. INTRODUÇÃO AO COOL – O BEBOP

Como dito anteriormente, o Bebop veio como uma resposta ao swing. Em

meio ao já apresentado contexto de relação delicada com os brancos e de

fortalecimento da cultura negra e da busca por igualdade racial, “os músicos se

cansaram e se frustraram com a música cada vez mais padronizada e repetitiva das

big bands” (HOBSBAWN, 2004, p. 124). A maioria dos boppers era proveniente

dessas bandas, como Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Kenny Clarke e Charlie

Christian. Apesar de algumas experiências do Bebop com big bands, seus conjuntos

eram normalmente pequenos.

A música Bebop passou a ser também uma música para músicos, em

oposição àquela música que se fazia para entreter o público. O Bebop carrega essa

essência dos músicos que tocavam para agradar a eles mesmos, nas jams tardias

que aconteciam em Nova Iorque, em bares como o Minton’s Playhouse. Nesse

espaço, músicos que seriam expoentes do estilo se encontravam para tocar e criar

uma música que os brancos não pudessem roubar, porque não saberiam tocar,

entre eles Kenny Clarke, Thelonious Monk e Dizzy Gillespie. Com isso, o bop levou

ao extremo o virtuosismo e as revoluções harmônicas e rítmicas, abandonando a

rigidez orquestral das big bands para elevar o improviso a elemento principal. Os

boppers tocavam tentando espantar os músicos “quadrados” e os principiantes.

Com essa atitude, que era de certa forma elitista, os músicos se colocaram

acima dos próprios negros – trabalhadores e espelho de sua origem –, como uma

elite negra talentosa e intelectual que havia conquistado algo.

Acabaram sendo excluídos não só pelo mundo dos brancos, mas até pela classe média negra, aquela massa mesquinha de burocratas que escondia a sua consciência de impotência atrás da tentativa de construir uma frágil caricatura da respeitabilidade burguesa branca (HOBSBAWN, 2004, p. 99).

Mesmo assim, o bop logo foi reconhecido, principalmente por jovens

intelectuais brancos, que ali reconheceram uma força contra cultural que

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identificavam com sua própria, e, assim, tornaram o bop a música do beat

generation. O próprio governo adotou o jazz como produto de exportação da cultura

americana, assim como os comerciantes, que enxergaram um poder de venda

naquilo.

Entender tudo isso é importantíssimo para perceber o que foi o Cool, uma vez

que, nesse aspecto, ele foi uma evolução do Bebop. A partir da década de 40, o jazz

passou a ser visto como arte, e uma arte não mais de expurgos da sociedade. Essa

tendência que elitizou o jazz, fez com que o Cool elevasse isso a conseqüências não

experimentadas e o aproximasse da música de arte ortodoxa, da erudição.

O Cool Jazz também foi um fruto de uma mudança de relação entre o artista e

o público iniciada no Bebop. Como já visto, os músicos que iniciaram o jazz moderno

nos anos 40 estavam cansados de entreter as pessoas. Sua atitude, que já era cool,

negava as caretas e sorrisos de Louis Armstrong. Eles não queriam mais ser

entertainers. Eram músicos. Ainda que Gillespie fosse gozador, Monk fosse

excêntrico, eles não eram entertainers ingênuos, não faziam isso pelo público, mas

sim por eles mesmos. Isso se somou ao fato de que, durante a Guerra, existiam

taxas muito altas para a indústria de diversão. Músicas cantadas tinham uma taxa de

20% a mais, assim como se alguém dançasse. As big bands, que tocavam para

dançar, pararam de tocar. O instrumentista virtuose tinha emprego. A música

instrumental estava em foco, com isso. Então as pessoas começaram a se sentar e

a assistir música.

Claro que esses impostos não eram a única motivação para essa nova

apresentação do jazz como concerto. Andamentos quase não-dançantes e o

desgaste do swing e das big bands também contribuíram para essa mudança.

Porém, talvez o que tenha sido mais significativo é a mudança da música em si. O

Bebop, com suas características de virtuose e improvisação, acabava sendo uma

música que, além de se criar na hora e nunca mais ser repetida, por ser

improvisada, tinha muitos detalhes, era uma música difícil, que demandava audição

concentrada.

É importante ressaltar que a relação dessa mudança com a música não é tão

causal assim. Obviamente o jazz também encontrou nessa atenção para a música

em si espaços para libertar-se das obrigações de fazer dançar, de entreter.

O bop, portanto, introduziu essa tendência à música como concerto, como

arte. Ele também despertou o interesse branco para o jazz como arte e inspiração, o

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que os trouxe para dentro da produção jazzística nessa nova concepção artística,

nesse novo caráter que o estilo ganhava. Os brancos entravam no jazz,

paradoxalmente, a partir de um movimento que veio para valorizar os negros e

elevá-los ao patamar social e artístico que tinham os brancos. Nesses aspectos

tratados, então, falar de Bebop é falar do Cool e de sua essência. É falar de sua

origem, embora musicalmente sejam muito diferentes e até antagônicos em certos

pontos.

2. DO BEBOP PARA O COOL – ENTRANDO NO ERUDITO

Ainda versando sobre as evoluções do Bebop que levaram ao Cool, é

importante ressaltar que “os revolucionários assumiram um nível tal de sofisticação

musical, que transformaram automaticamente o jazz em atividade de elite.”

(HOBSBAWN, 2004, p. 125). A subversão das funções estéticas e musicais fez com

que a música chegasse a um nível de requinte que exigia do músico conhecimentos

técnicos avançados demais. Charlie Parker tocava 360 semínimas por minuto

mantendo o swing. A bateria não mais marcava o beat, fazendo com que os músicos

tivessem que presumir o tempo em que se davam todas as complexidades rítmicas.

Os músicos tinham que, agora, saber a melodia, pois já não se improvisava em cima

de um tema. Criava-se um novo tema em cima da harmonia do antigo, harmonia

essa que também se modificava. Às vezes mudava-se o título do tema original, de

modo que o músico tinha que descobri-lo ou reconstruí-lo, para que tivesse o

entendimento do tema criado e do tema original, que não era tocado, mas que dava

a base para o novo. Esse tipo de procedimento, segundo Hobsbawn, era “um teste

de conhecimento tão complexo quanto seguir uma fuga de Bach sem partitura”

(HOBSBAWN, 2004, p.125). Ele completa:

Não é de admirar que os músicos modernos demonstrassem um desejo muito maior por construções intelectualmente mais exigente em termos de música clássica. Para eles, nada de Debussy ou Delius, mas Bach, Schoenberg e Bartók.

Essa tendência ganha muita força durante o Cool Jazz. Os músicos, em sua

maioria, brancos de formação musical européia, trazem essa estética erudita para

dentro do Jazz. Críticos chegam a dizer que conjuntos como o de Dave Brubeck e o

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de Lennie Tristano atravessam a linha entre o jazz e a música erudita com

tonalidades de jazz.

Quando se intelectualiza e se formaliza, com o Cool, o jazz ganha mais apelo

para os brancos, já que esse novo formato está mais perto de sua formação musical.

No Cool, a formação erudita é um traço forte dos seus principais nomes. Isso

tem reflexos na sonoridade, nas formações e principalmente na preocupação com os

arranjos e orquestrações.

3. O NASCIMENTO DO COOL

Apesar de evoluir do bebop naturalmente em certos aspectos, o Cool tem

grandes diferenças musicais. A música bop ainda era hot, “tanto em sua sonoridade

agressiva como em sua dinâmica nervosa, além de um certo humor” (CALADO,

1990, p.161). A música cool vinha mudar isso, esfriar o bop.

Quando Charlie Parker formou sua banda regular em 1947, ele escolheu

Miles Davis para seu trompetista. Davis, com vinte anos na época, percebeu que

não poderia duplicar em seu instrumento o que o seu ídolo Dizzy Gillespie tocava,

então ele desenvolveu seu próprio estilo de execução. Miles fazia cada nota valer,

parava no registro médio e tocava num estilo calmo, que contrastava com as

explosivas improvisações de Parker. Essa química funcionou muito bem e Miles,

apesar de vir do Bebop, já mostrava um tom mais Cool em suas interpretações.

Apesar de ser difícil de dizer como nasceu o Cool de verdade, é comum dar o

mérito ao álbum The Birth of the Cool, que só se tornou um disco mesmo em 1957,

quando ganhou esse título. O álbum era um projeto de Miles Davis junto com outros

oito artistas que viriam a ser expoentes do Cool Jazz. É curioso o fato de que esse

noneto só tenha se reunido para essa série de gravações que deu origem ao álbum,

entre 1949 e 1950. Entre os integrantes do noneto, estavam o próprio Davis, Gil

Evans, Gerry Mulligan, John Carisi (esses três eram arranjadores da orquestra de

Claude Tornhill, onde já propunham arranjos com instrumentos pouco usuais), Lee

Konitz (que também trabalhava como sax alto na orquestra de Tornhill) e John Lewis

(integrante do Modern Jazz Quartet). A principal inovação, em termos de formação,

era o noneto, com baixo, bateria e piano na base; dois saxofones, um trompete e um

trombone e o aparecimento de uma tuba e uma trompa, que eram bastante

incomuns para o jazz da época.

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Esse movimento que se iniciava teria base na Califórnia, principalmente Los

Angeles, onde muitos desses músicos encontraram emprego na indústria

cinematográfica. Entre eles estava Gerry Mulligan, Shorty Rogers e Jimmy Giuffre.

3.1 ELEMENTOS MUSICAIS E ESTÉTICOS

Na história do jazz sempre houve o contraste do hot com o cool: nos anos 30,

o estilo gentil do piano stride de Teddy Wilson o tornou influente perante aos

pianistas que não conseguiam reproduzir os poderosos solos de Fats Waller.

Acontecia também com Lester Young, cujo estilo relaxado de tocar sax tenor

eventualmente era ultrapassado pela maior intensidade de Coleman Hawkins na

preferência dos jovens músicos. Sempre parecia que a expressão cool estava

vinculando o estilo de execução com a personalidade calma do instrumentista.

Gunther Schüller, que também estaria na gravação de The Birth of the Cool, fala

sobre esses extremos, comparando Bix Beiderbecke com Louis Armstrong:

O tom de Bix apresentava uma bela qualidade descansada, perfeitamente centralizada, com natural apoio do fôlego e vibrato relaxado, demonstrando ser independente de Armstrong, algo raro à época” (SCHÜLLER, tradução nossa)

Bix era um talentosíssimo trompetista, branco, educado formalmente ao

piano, que durante sua curta vida sempre flertou com a música erudita, assim como

ícones do Cool. Enquanto Armstrong possuía uma tensão rítmica constante e um

ímpeto incontrolável, Bix não manifestava essa mesma postura expansionista em

relação às possibilidades do trompete em si, mostrando-se conservador nesse

aspecto. Contudo, revelou uma qualidade raríssima dentre os antigos jazzistas: o

lirismo. Bix possuía um ataque muito seguro e um sentimento muito natural de

swing, assim como um timbre limpo, puro e amadurecido, como se pode constatar

em gravações da década de 1920.

Assim como Bix,

Nos anos 30, Lester Young, sax tenor da banda de Count Basie, havia demonstrado que era possível produzir Jazz notável evitando virtualmente todas as características do som hot, por meio, principalmente, de uma flexibilidade, produto do relaxamento muscular. O som cool de Young foi um dos elementos da revolução bop; na verdade, ele é frequentemente apontado como seu mais importante precursor individual. Mas, enquanto os boppers retinham o jazz hot ao mesmo tempo em que assimilavam a técnica cool, seus sucessores desenvolveram o cool, a pureza e o relaxamento em um

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sistema exclusivo. Ao fazê-lo, levaram o jazz aos limites últimos de suas possibilidades enquanto jazz. (HOBSBAWN, 2004, p.129)

Essa oposição parece ser bastante comum no jazz e os estilos parecem se

intercalar e exacerbar cada vez mais as características cool ou hot musicalmente.

A formação curiosa do noneto de Davis e o uso de instrumentos pouco usuais

deram características sonoras diferentes à música do grupo de The Birth of the Cool,

juntamente com as formações eruditas de vários de seus componentes. Sobre isso,

Calado diz:

As dinâmicas eram mais brandas, perfazendo um som mais calmo e introspectivo. Os andamentos eram moderados e a sonoridade geral era limpa, sem vibrato. O jazz moderno acabava de encontrar seu correspondente sonoro à atitude cool introduzida pelo bebop. (CALADO, 1990, p. 161)

Hobsbawn, porém, alerta para a simplificação de alguns elementos:

O jazz moderno, em certo sentido, se domesticou, fez concessões ao público. Aos poucos, ele reintroduziu um tipo de melodia menos revolucionária: o Modern Jazz Quartet, ou Miles Davis, principal solista da última fase do Jazz (Cool Jazz), toca em geral canções mais suaves e reconhecíveis, quase sempre não mais difíceis do que as de Ellington. A batida, essencial no jazz, é hoje mais facilmente identificável do que nos intrépidos anos 40. isso se deve, em parte ao retrocesso, porém também à continuação da evolução do jazz, no que se chamou de estilo cool dos anos 50. (HOBSBAWN, 2004, p.127)

Apesar desse aparente retrocesso, o Cool Jazz explorou alguns elementos

musicais e os elevou a patamares nunca vistos antes. É o caso da composição e da

orquestração, que recuou no Bebop e foi retomado no Cool. Diz Hobsbawn:

As inovações do bop nada tinham de arquiteturais ou orquestrais. Os inovadores revolucionaram a tonalidade e a harmonia, mas deixaram a obra bop típica tão primitiva em termos arquiteturais quanto as obras de pequenos conjuntos: um tema (aqui geralmente tocado em uníssono pelos músicos) seguido de variações e talvez repetido. Em alguns aspectos, o bop recuou dos complexos escritos orquestrais que “Jelly-Roll” Morton, Duke Ellington, Don Redman, Sy Oliver e outros compositores e arranjadores tinham trazido para o jazz, embora esse recuo tenha sido apenas temporário. A escola moderna desenvolveu, com o tempo, arranjadores extremamente hábeis que retomaram, por assim dizer, a escrita a partir do ponto em que Ellington a havia deixado: Teddy Dameron, John Lewis, Gil Evans. (HOBSBAWN, 2004, p.126)

O Cool, portanto, com sua estética comedida, sons delicados, seu fraseado

distendido, sua dinâmica contida e sua forte relação com a formação erudita – que

trouxe para o jazz a escrita contrapontística, a atração pelo atonalismo e até a

utilização de formas e procedimentos típicos da música erudita européia – inovou e

evoluiu alguns elementos musicais e estéticos – como a arquitetura e a orquestração

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–, acalmou alguns – como a rítmica e a harmonia – e continuou a evolução de outros

– como a atitude e a técnica cool, que começaram a ganhar espaço no bop, e a

transformação do jazz em arte, música para ser ouvida com concentração.

3.2 SONORIDADE, ARRANJOS E O PIANO-LESS QUARTET

O jazz do passado era, pela sua própria natureza, hot – sensual, emocional, físico – e “sujo” – instrumentalmente não-ortodoxo, pois era emocionalmente expressivo (a palavra foi usada como sinônimo de hot nos anos 20). Mesmo o bop, como vimos, retinha esse calor emocional fundamental e essa impureza musical. (...) O jazz cool buscava como ideal até então irrelevante de pureza musical, o que quer dizer, em muitos aspectos, uma reversão total da maioria dos valores do jazz. Os músicos cool tentavam fazer com que os instrumentos soassem como instrumentos clássico ortodoxos, com o mínimo de vibrato, por exemplo. Instrumentos clássicos, cujo principal apelo para o jazz estava em sua suavidade e apelo esnobe, foram usados pela primeira vez, como algo mais do que simples excentricidade: flautas, oboés, flugelborns. O principal esteio do jazz, os instrumentos de sopro de metal ou madeira, tornaram-se suspeitos: pequenos conjuntos consistindo apenas de instrumentos como piano, baixo, bateria (talvez suplementados por um vibrafone ou por um sax com som de oboé, uma clarineta de som apurado ou mesmo de um violoncelo de arco) se tornaram ocorrências comuns. O que Hodeir chamou de som whispy [sussurrante], se tornou o ideal de muitos músicos cool. (HOBSBAWN, 2004, p.127-128)

Assimilando as palavras de Hobsbawn, podemos compreender a razão pela

qual Paul Desmond fazia seu saxofone alto soar com um timbre tão limpo e leve que

por vezes soava como um clarinete, ou porque bateristas como o próprio Joe

Morello – também integrante do Dave Brubeck Quartet – mesmo quando solava,

mantinha-se dentro de um limite de dinâmica e ataque ao instrumento.

O pianista Lennie Tristano, era, na maioria das vezes, acompanhado por

baixo e bateria, os quais soavam sempre de maneira extremamente suave. Assim

também o fazia o pianista Bill Evans.

No caso de formações grandes, principalmente as que contavam com um

grande número de instrumentos de sopro – a exemplo do The Birth of the Cool

Nonet – os arranjos eram minuciosamente escritos, fato esse que deixa a impressão

de que o improviso já não era importante, mas pelo contrário, simplesmente agora o

arranjo voltava a ser elaborado. A faixa Budo, gravada em 1949 pelo noneto,

demonstra com exatidão esse conceito. A música tem um número pré-determinado

de compassos, é bastante exata quanto à forma, tendo partes elaboradas e escritas

com muita cautela e sensibilidade para todos os componentes do grupo. Apesar de

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isso influir diretamente na liberdade e extensão dos improvisos, jamais nega

importância aos mesmos.

Quanto à formação conhecida por Piano-less, merece destaque especial a

parceria do trompetista Chet Baker com o saxofonista barítono Gerry Mulligan, que

resultou numa série de gravações entre 1952 e 1953. Nessa formação em

específico, não há a presença de nenhum instrumento harmônico. Sendo assim, o

princípio fundamental dos arranjos é baseado no contraponto erudito, uma das

técnicas mais antigas da música européia. O conceito básico de contraponto é a

sobreposição de duas ou mais linhas melódicas – aspecto horizontal –

independentes entre si, as quais geram relações harmônicas, criando o que

ilustrativamente se chama de aspecto vertical dos sons – harmonia. Obviamente é

necessário que se construam determinadas relações intervalares entre as vozes

melódicas a fim de se alcançar as sonoridades desejadas, o que implica

necessariamente em erudição musical, em conhecimento. Esses contrapontos – e

não meros contracantos – eram criados em detalhes. O que chama a atenção é a

capacidade dos músicos em questão de incorporar uma técnica de escrita erudita e

ainda assim manter a essência do estilo jazzístico. O uso de sincopas e

dissonâncias em tempos fortes são características bastante comuns.

O contraponto não era sempre pré-determinado. Os improvisos simultâneos

no Gerry Mulligan Quartet são claros exemplos. No entanto, o espaço destinado aos

improvisos contrapontísticos era também parte dos rigorosos arranjos dos grupos

que tocavam em formação Piano-less. A análise a seguir ilustra detalhadamente

essa situação.

4 ANÁLISE DE “THE LADY IS A TRAMP”

A canção “The Lady is a Tramp” é de autoria de Richard Rodgers e Lorenz

Hart, os quais, juntamente com Cole Porter, Oscar Hammerstein II, Jerome Kern,

entre outros, fazem parte do seleto grupo dos mais importantes compositores dos

Estados Unidos no século XX, grupo esse que proveu um número enorme de temas

aos jazzistas das mais variadas gerações e correntes estilísticas.

A gravação em questão foi realizada no dia 3 de janeiro de 1953, pelo famoso

quarteto sem piano de Gerry Mulligan, composto pelo próprio no saxofone barítono,

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Chet Baker no trompete, Bobby Whitlock no contrabaixo e Chico Hamilton na

bateria.

Com 3min13 de duração, a música possui 166 compassos distribuídos da

seguinte maneira: 46 compassos de contraponto escrito com figuras rítmicas simples

entre o saxofone e o trompete, oito compassos de melodia improvisada com uma

função de ponte a outros seis compassos de contraponto pré-definido e dois de

breque. O improviso do trompete é desenvolvido ao longo de 32 compassos, sendo

que a partir do décimo sexto – ou seja, a partir da metade – aparece o contracanto

do saxofone, dessa vez improvisado. A mesma situação se aplica ao solo seguinte

do sax barítono. Ao final do solo, são mais 16 compassos de contraponto arranjado,

agora com uma rítmica bastante ousada. Oito compassos com andamento

sensivelmente mais lento precedem o final de mais 16 compassos com contraponto

escrito.

A influência erudita é bastante perceptível no comportamento dos músicos.

Desde o arranjo quase todo escrito rigorosamente, com um número determinado de

compassos, passando pela técnica do contraponto até a postura racional dos

músicos – mesmo da parte de Chet Baker, um dos mais passionais de todo o Cool

Jazz – em relação aos improvisos e aos momentos de liberdade criativa. Diferença

notável, no entanto, são as relações intervalares ocorrentes nos contrapontos. Ao

contrário do que prega nos métodos didáticos de ícones da música erudita, como

Arnold Schöenberg, ou Giovanni da Palestrina, os contracantos são escritos de

forma a gerarem intervalos bem dissonantes, mesmo em tempos fortes, os quais,

contudo, soam naturais para ouvidos familiarizados ao estilo.

Típica da sonoridade cool é a execução de Chico Hamilton: o baterista

praticamente só se utiliza da caixa e do chimbal. Tocando com vassourinhas,

Hamilton reserva o bumbo apenas para determinadas – e raras – acentuações.

O contrabaixista Bobby Whitlock explora a técnica do walking bass na maior

parte da gravação, a não ser em algumas convenções como no final, quando os

quatro tocam uma linha rítmica idêntica, ou no início, quando somente toca no

primeiro e terceiro tempos do compasso.

Quanto aos improvisos, tanto Chet Baker como Gerry Mulligan, ambos com

uma postura bastante instrospectiva, mantêm-se nos registros médios de seus

instrumentos e em hipótese alguma executam vibratos.

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Essa música, portanto, além de um bom exemplo da dinâmica da polifonia

improvisada e da composição harmônica por camadas melódicas típicas do piano-

less quartets, é uma reafirmação das características do Cool Jazz.

CONCLUSÃO

Com o Cool, o Jazz mudou uma série de coisas que estavam na base do

Traditional. Ele consolidou movimentos que o Bebop já começara e começou outros.

Embora o bop fosse conseqüência de uma luta essencialmente negra contra os

próprios brancos, o Cool consolidou a entrada de brancos e o interesse dos mesmos

pelo Jazz como arte, que já tinha sido iniciado anos antes. A elevação do estilo

como música para ouvir – a valorização do Jazz como arte – foi algo que o bop

começou, mas que o Cool levou às últimas conseqüências, chegando ao ponto de

confundir o limiar entre o jazz e a música erudita. Essa teorização e instrução do

jazz é mérito dessa escola, inclusive.

O Cool também exacerbou a atitude bebopper, mais cerebral, sem

desperdício, contida. O calor do Jazz se submeteu a uma emoção presente, porém

estranha, sonâmbula, onírica.

É curioso perceber que, embora todas essas mudanças de atitude que vieram

do Cool tivessem nascido com um intuito bem definido no bop, elas se exageraram

por motivos outros, muitas vezes opostos aos dos negros do início dos anos 40.

Tanto é que, musicalmente, esses estilos praticamente se confrontam: se o bop era

forte, rápido e intenso, o Cool era distendido, contido e controlado.

Exatamente com esse embate musical, a escola Cool acabou por perder força

enquanto tendência, dando lugar a um movimento que pregava uma volta às origens

quentes do blues e do gospel – o Hard Bop –, que tinha em seu âmago uma luta

negra mais politizada. A costa leste voltou a se mexer e produzir instrumentistas

vigorosos, como Sonny Rollins e John Coltrane. O Cool, porém, não se perdeu.

Suas mudanças foram estruturais demais para serem varridas. O jazz já tinha

entrado nas universidades, já tinha teorizado, e o Cool já tinha tido filhos como a

Third Stream e o Progressive Jazz.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELLEST, Christian ; MALSON, Lucien. Jazz. Campinas: Papirus, 1989. 

CALADO, Carlos. Jazz como espetáculo, O. São Paulo: Perspectiva, 1990.

HOBSBAWN, Eric J. História social do jazz. Trad. De ângela noronha. 4. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

SCHÜLLER, Gunther. Early jazz. Its roots and development, Capítulos I e V. Nova Iorque: Oxford University Express, 1968.

KIRCHNER, Bill (ed.). THE OXFORD COMPANION TO JAZZ. Nova Iorque: Oxford University Press, 2000

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