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Coordenação do Ensino Português em França
Ano letivo de 2014/2015
Projeto Onda Pina, promovido pelo Museu Nacional da Imprensa
18 de novembro de 2014 - Homenagem a Manuel António Pina
MATERIAIS PARA DIVULGAÇÃO
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Projeto Onda Pina, promovido pelo Museu Nacional da Imprensa
18 de novembro de 2014 - Homenagem a Manuel António Pina
MATERIAIS PARA DIVULGAÇÃO
A Poesia Vai Acabar
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —
Manuel António Pina
in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um
Pouco Tarde", 1974
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18 de novembro de 2014 - Homenagem a Manuel António Pina
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Amor como em Casa
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo.
Calma é Apenas um Pouco Tarde", 1974
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18 de novembro de 2014 - Homenagem a Manuel António Pina
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Esplanada
Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,
agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.
O café agora é um banco, tu professora do liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.
Manuel António Pina, in 'Um Sítio onde Pousar a Cabeça', 1991
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18 de novembro de 2014 - Homenagem a Manuel António Pina
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O Lado de Fora
Eu não procuro nada em ti,
nem a mim próprio, é algo em ti
que procura algo em ti
no labirinto dos meus pensamentos.
Eu estou entre ti e ti,
a minha vida, os meus sentidos
(principalmente os meus sentidos)
toldam de sombras o teu rosto.
O meu rosto não reflete a tua imagem
o meu silêncio não te deixa falar,
o meu corpo não deixa que se juntem
as partes dispersas de ti em mim.
Eu sou talvez
aquele que procuras,
e as minhas dúvidas a tua voz
chamando do fundo do meu coração.
Manuel António Pina, in “O Caminho de Casa”, 1998
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Todas as Palavras
As que procurei em vão,
principalmente as que estiveram muito perto,
como uma respiração,
e não reconheci,
ou desistiram e
partiram para sempre,
deixando no poema uma espécie de mágoa
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me;
as que calei por serem muito cedo,
e as que calei por serem muito tarde,
e agora, sem tempo, me ardem;
as que troquei por outras (como poderei
esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?);
as que perdi, verbos e
substantivos de que
por um momento foi feito o mundo
e se foram levando o mundo.
E também aquelas que ficaram,
por cansaço, por inércia, por acaso,
e com quem agora, como velhos amantes sem
desejo, desfio memórias,
as minhas últimas palavras.
Manuel António Pina, in POESIA REUNIDA, 2001
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Inventão, conta uma história! (excerto de “O Inventão”)
OS MENINOS
Inventão, conta uma história, Inventa uma aventura qualquer. – A verdade é tão ilusória! – Só em histórias se pode crer! Conta a do Rei Ninguém, a da Rainha Nenhuma, a do Capitão, a do Ladrão, qualquer uma!
INVENTÃO
Era uma vez um Rei… (A do rei era bonita mas não a sei!) Era uma vez uma Rainha… (A da Rainha é tão pequenina!) Era uma vez um Gigante… (A do Gigante é tão grande!) Era uma vez um Português & um Chinês… (Não me façam contar a do Chinês outra vez!) Era uma vez uma Cabra… (A da Cabra nunca mais acaba!) Era uma vez um Animal… (A do Animal acaba tão mal!) Que história contarei? Tem que ser uma história que eu saiba, Que não seja muito pequena mas que caiba, Uma história simples (a da Fada é tão complicada!) Que acabe bem E se possível que comece bem também, E se não for pedir muito que meie bem também, Tinha pensado na história do Cão… Mas a história do Cão é tão!
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OS MENINOS
Conta a do Bicho Carpinteiro, conta a da Lua & do Marinheiro, a das 3 Meninas, a dos 7 Anões, a do Ali Ladrão e os 40 Babões, conta aquela que começa pelo fim, aquela que se conta com a boca fechada, a do faz Tudo que não fazia nada, a do Anão Anão & do Assim Assim… Conta uma qualquer, inventa uma se não te lembrares de nenhuma!
INVENTÃO
Era uma vez um menino que não queria sopa de letras, podiam estar lá coisas bonitas escritas mas para ele era tudo tretas… Podia lá estar escrito COMER, podia lá estar GOIABADA, como ele não sabia ler a sopa não lhe sabia a nada! Tinha no prato uma FLOR, um NAVIO na colher, comia coisas lindíssimas sem saber, mas ele queria lá sabor! Até que um amigo com todas as letras lhe ensinou a soletrar a sopa toda. E ele passou a ler a sopa toda, o peixe, a carne, a sobremesa, etc…
Inventei mesmo agora esta, mas não é grande coisa realmente. É muito literária, falando literalmente; uma história supina e indigesta… (…)
Manuel António Pina, in O Inventão, 1987
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BICHO DO OUVIDO
Se os bichos pensam demais,
Se existem mais do que
podem,
Vimos nós manter a ordem
Que os mantém nos varais.
Os bichos que há há.
Os que não há não há.
Proibimos o imaginário
De imaginar o contrário!
Manuel António Pina, in O Inventão, 1987
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O
UM GAMBOSINO
Dantes para existir
um bicho era só pedir
existia-se do pé para a mão
bastava imaginação
Hoje em dia todavia tudo são
dificuldades papéis certidões
de idade tratados de
zoologia
Manuel António Pina
in O inventão, 1987
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Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda a gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente
Que bom é pensar em outras coisas
e olhar para as coisas noutra posição
as coisas sérias que cómicas que são
com o céu para baixo e para cima o chão
Manuel António Pina
in O Inventão, 1987
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O pássaro da cabeça
Sou o pássaro que canta dentro da tua cabeça, que canta na tua garganta, que canta onde lhe apeteça.
Sou o pássaro que voa dentro do teu coração e do de qualquer pessoa (mesmo as que julgas que não).
Sou o pássaro da imaginação que voa até na prisão e canta por tudo e por nada mesmo com a boca fechada.
E esta é a canção sem razão que não serve para mais nada senão para ser cantada quando os amigos se vão
e ficas de novo sozinho na solidão que começa apenas com o passarinho dentro da tua cabeça.
Manuel António Pina
In O pássaro da cabeça e mais versos para crianças, 2012