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Norte-coreanos cruzam Ásia e sofrem para chegar ao Sul
Fuga começa pela China, onde vivem como clandestinos e mulheres são vendidas a camponeses.
Yong Hee tinha acabado de completar 17 anos quando a fome a convenceu a fugir da Coreia do
Norte e embarcar na arriscada aventura de cruzar de maneira clandestina a fronteira de seu país
com a China, onde viveria de maneira ilegal, sob a permanente ameaça de ser presa e mandada de
volta a qualquer momento.
Como ela, milhares de norte-coreanos assumem o risco a cada ano, na tentativa de escapar de um
regime totalitário, isolado e incapaz de prover comida suficiente para seus 23 milhões de
habitantes. Além da clandestinidade, enfrentam a possibilidade de morrer durante a travessia -de
frio, afogados no rio ou com tiros dos soldados que guardam a fronteira com ordem para matar os
desertores que ousam fugir do país.
O sonho da maioria é chegar à Coreia do Sul, mas a fuga pela China é a única opção - e a primeira
escala de uma maratona por vários países da Ásia que pode durar anos (veja mapa).
Não há números precisos sobre quantos norte-coreanos vivem ilegalmente na China, mas as
estimativas variam de 20 mil a 100 mil. Desde 1989, um total de 15.271 refugiados conseguiu
chegar à Coreia do Sul, onde recebem apoio do governo e são considerados cidadãos do país.
O nome Yong Hee é um pseudônimo. A refugiada não quer revelar sua identidade com temor do
que possa acontecer com o pai e a irmã mais velha, que ficaram na Coreia do Norte. Sua mãe
morreu logo depois que ela conseguiu chegar à China.
O que mais a surpreendeu no novo país não foi a internet, o celular, as luzes ou os diferentes
modelos de carros, mas o fato de as pessoas terem acesso ao que a seus olhos parecia uma
inesgotável oferta de alimentos. "As dificuldades vão se acumulando, mas o maior problema era a
falta de comida. Havia dias em que não tínhamos o que comer", disse a franzina Yong Hee ao
Estado na sede da Missão Evangélica Durihana, em Seul.
O movimento de refugiados para a China se acelerou a partir de meados da década de 90, quando
uma fome devastadora atingiu a Coreia do Norte e provocou a morte de um número estimado em
2 milhões de pessoas, quase 10% da população de 23 milhões.
Desde o fim dos anos 90, a Missão Durihana já ajudou 730 norte-coreanos que estavam
escondidos na China a chegarem à Coreia do Sul, estima o diretor da organização, o reverendo
Chun Ki-won. A passagem pelo país que é o principal aliado externo da Coreia do Norte é
inevitável e cheia de ameaças. A opção mais óbvia seria a fronteira entre as duas Coreias, mas é
virtualmente impossível atravessá-la de maneira clandestina.
A faixa de 4 km de largura e 241 km de extensão da "zona desmilitarizada" que separa os dois
países é a região com o maior número de minas terrestres em todo o mundo. Altas cercas de
arame farpado e torres de observação completam o aparato que torna qualquer tentativa de
travessia um salto para a morte.
O caminho da China até a Coréia do Sul exige dinheiro e o apoio de uma rede de intermediários,
muitos dos quais ligados a movimentos cristãos, como o do reverendo Chun. Quase 80% dos que
chegam à Coreia do Sul são mulheres, muitas das quais foram vendidas por traficantes da fronteira
a camponeses chineses que não conseguiam se casar, a cafetões ou a donos de empresas de sexo
pela internet. Sem documentos, ficam totalmente à mercê de quem as comprou, apavoradas
diante da perspectiva de serem denunciadas e mandadas de volta para a Coreia do Norte.
As refugiadas atendem parte da enorme demanda por mulheres existente na China, país onde o
controle de natalidade e a histórica preferência por filhos homens levaram ao desequilíbrio sexual
da população. Dados oficiais mostram que, em 2007, havia 40 milhões de homens a mais que
mulheres no país, grande parte deles em idade para casar.
A desproporção é especialmente acentuada na zona rural e os camponeses pobres são os que
enfrentam a maior dificuldade para encontrar uma noiva. É para eles que muitas das
norte-coreanas são vendidas, quase sempre contra sua vontade.
Quando o movimento de refugiados começou, no fim dos anos 80, os homens eram maioria, mas
a situação mudou radicalmente a partir de 2002. "É mais fácil para as mulheres se manterem
escondidas. Elas podem ser vendidas. Ninguém vai querer comprar um homem", observa o
reverendo Chun, cujo trabalho é tentar resgatar essas refugiadas e levá-las para a Coreia do Sul.
Depois de três anos na China, Yong Hee começou a pesquisar na internet uma maneira de fugir e
encontrou o contato do pastor. Com sua ajuda, atravessou o país do extremo nordeste ao extremo
sudoeste, sem documentos e com o temor de ser descoberta e mandada de volta para a Coreia do
Norte, onde poderia terminar em campos de trabalho forçado, ser torturada ou até executada.
De lá, cruzou a fronteira para o Laos, também de maneira clandestina, e finalmente chegou à
Tailândia, país que reconhece os norte-coreanos como refugiados e permite sua saída legal para a
Coreia do Sul. A rota pela Tailândia é a mais comum, mas também é possível fugir pelo Camboja
ou pela Mongólia, no norte.
A travessia para a China muitas vezes é facilitada pelo pagamento de propina aos guardas da
fronteira. O dinheiro é dado pelos refugiados ou pelos traficantes que os aguardam do outro lado
do rio que separa os dois países.
O jornal sul-coreano Chosun Ilbo manteve durante dez meses uma equipe de jornalistas do lado
chinês da fronteira, que documentaram em vídeo a travessia de refugiados e o tráfico de heroína
produzida na Coreia do Norte. O traficante entrevistado pela equipe disse que paga 500 yuans (
US$ 73) aos guardas cada vez que cruza a fronteira. Segundo ele, as mulheres que têm entre 26 e
28 anos podem ser vendidas por no mínimo 3.000 yuans (US$ 440). Algumas chegam a valer 7.000
(US$ 1.025).