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CORPOS EM CONSTRUO:
emagrecimento, interdisciplinaridade e sade.
Sinara Gnoatto1
Suelen Bordignon2 Larissa F. Pistia3
Resumo: O presente artigo visa analisar a diferena entre as ideias de sentir-se bem: uma que ocorre em condio de dependncia da imagem corporal idealizada
(manuteno de um corpo magro), e outra que no tem essa condio de
dependncia. A proposta de emagrecimento saudvel em sua relao com o estado de sentir-se bem, ocorreu atravs de uma prtica interdisciplinar com a presena da
Educao Fsica, da Psicologia e da Nutrio. Tal anlise visa contribuir para o
desenvolvimento de um processo consistente de eliminar peso de forma saudvel. Desta forma, acredita-se ser possvel chegar a vivencia de um estado de sentir-se bem independente de uma imagem de corpo ideal. O presente estudo foi realizado
por meio de pesquisa qualitativa de carter exploratrio. Em funo das caractersticas dos diferentes participantes da pesquisa, foram utilizadas duas tcnicas de coleta de dados: um questionrio fechado e o grupo focal. A amostra da
pesquisa de campo composta pela opinio dos participantes do projeto de emagrecimento saudvel: os participantes por meio dos questionrios fechados e os profissionais do projeto por meio da tcnica de grupo focal. A anlise dos dados
ocorreu na perspectiva da anlise do discurso.
Palavras-chave: Emagrecimento. Sentir-se bem. Qualidade de vida. Prticas
corporais. Subjetividade humana. Reeducao alimentar.
1. INTRODUO
Na prtica diria das academias de ginstica e musculao possvel
constatar alguns dos objetivos que levam os alunos a procurar o exerccio fsico.
Estas percepes afloram no que chamamos de avaliao fsica. Ela consiste em
Bacharel em Educao Fsica pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS. E-mail: [email protected] 2 Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS. E-mail:
3 Nutrio pela Universidade Federal de Cincia da Sade de Porto Alegre UFCSPA, 2011, mestranda em
Nutrio e Alimentos pela Unisinos. Nutricionista do Hospital Tacchini de Bento Gonalves, RS. E-mail:
mailto:[email protected]
2
uma coleta de dados antropomtricos4 e um questionrio (anamnese) que tem o
intuito de esclarecer o estado de sade e as particularidades biofisiolgicas do
aluno. Uma das preocupaes evidenciadas neste tipo de questionrio elaborar
estratgias de trabalho que possam interagir com a subjetividade do aluno e atingir
suas expectativas.
Em muitos casos, a busca pelo exerccio fsico atravs de uma academia
acontece pela insatisfao do aluno com seu modelo corporal. A busca pelo corpo
perfeito, ou hegemonicamente considerado o desejado, no algo recente. A
preocupao com determinado padro corporal j se mostrou presente em
diferentes momentos histricos, revelando a recorrncia da preocupao com a
esttica e o modelo corporal.
Ao mesmo tempo, os padres mudaram e a imagem corporal (IC) est cada
vez mais focada na ideia de que um corpo perfeito (padronizado) proporcionar uma
forma de sentir-se bem. No contemporneo, a mdia impe um modelo de beleza
sustentado na magreza e nas medidas perfeitas, vendendo o glamour e a ideia de
que a aceitao do ser humano parte do princpio da uniformizao dos padres
estticos. O que importaria correr atrs da aceitao, seja atravs da atividade
fsica em geral, das prticas estticas, das intervenes mdico-cirrgicas e, ainda,
do consumo de bens como vesturio, alimentao e produtos cosmticos.
No raro, o conceito de ideal de sade tambm est atrelado a um padro
de beleza divulgado pela mdia e pela indstria de produtos estticos e
farmacuticos. Estes complexos industriais se esforam para gravar no imaginrio,
que qualquer diferena em relao ao ideal de sade e beleza indicado por eles
visto como um desvio, um distanciamento ainda maior da perfeio projetada
(BRASIL, 2005).
Nesse contexto, a prtica diria das academias de ginstica e musculao
trabalha com uma proposta de interveno no corpo do outro, se preocupando em
4 Antropometria o ramo das cincias biolgicas que estuda as caractersticas mensurveis da morfologia
humana. A avaliao antropomtrica realizada atravs da mensurao da massa corporal (peso),
comprimento (estatura) perimetria (vrios segmentos corporais) e a composio corporal (dobras cutneas)
(Guedes et al, 2008).
3
elaborar estratgias que vo ao encontro dos objetivos dos alunos. Sendo a
dimenso da imagem corporal aquela disponvel para alcanar este modelo de
perfeio5, vinculada ao processo de emagrecimento ou manuteno de um corpo
magro, por vezes so estabelecidos objetivos irreais e inatingveis.
Quando a dificuldade se apresenta, aparecem diferentes tipos de conflitos.
Como resultado, muitas pessoas encontram doenas fsicas e emocionais e se
distanciam muito do ideal de sade e de outra sensao de sentir-se bem, menos
exigente ou pelo menos distinta e independente da imagem de corpo ideal.
Diante desses conflitos, uma prtica interdisciplinar foi desencadeada em
uma academia de ginstica e musculao, na cidade de Bento Gonalves. Uma
prtica integrando a Educao Fsica enquanto disciplina que se ocupa das
prticas corporais; a Psicologia enquanto disciplina que se ocupa da subjetividade
humana; e a Nutrio enquanto disciplina que se ocupa da reeducao alimentar.
Tal interveno interdisciplinar visou contribuir para o desenvolvimento de um
processo consistente de eliminar peso de forma saudvel.
Deste modo, o propsito deste artigo analisar esta prtica interdisciplinar
de emagrecimento saudvel em sua relao com o estado de sentir-se bem. Uma
das principais reflexes deste trabalho foca as diferentes ideias de sentir-se bem:
uma que ocorre em condio de dependncia a imagem corporal idealizada
(manuteno de um corpo magro) e outra que no tem essa condio de
dependncia.
2. FUNDAMENTAO TERICA
2.1 O ESTADO DE SENTIR-SE BEM
No decorrer deste artigo muito se fala sobre a vivncia de um estado de
sentir-se bem, porm, torna-se difcil avaliar este estado, uma vez que as sensaes
e os sentimentos so subjetivos e impactam de forma diferente em cada ser
humano. Tudo leva a crer que a felicidade foi, e sempre ser a maior e mais
5 Conforme Segre e Ferraz (1997), a perfeio subjetiva e indefinvel.
4
profunda aspirao do homem. Ela uma preocupao universal da humanidade e
pertence ao universo da subjetividade e ao mundo interior de cada pessoa
(GIANNETTI, 2002 p. 34).
Durante o Iluminismo (sec. XVIII), ou, era da razo, defendia-se a ideia de
que a existncia da humanidade era a vida em si mesma, em vez do servio ao rei
ou ao Deus. O desenvolvimento pessoal e a felicidade tornaram-se valores centrais
(GALINHA & RIBEIRO, 2005). Acreditava-se que o trabalho seria a garantia de
felicidade das geraes futuras (GIANNETTI, 2002), porm,
...uma (ideia) em particular revelou-se problemtica: a noo de que os avanos da cincia, da tcnica e da razo teriam o dom no s de melhorar as condies objetivas de vida, mas atenderiam aos anseios de felicidade,
bem-estar subjetivo e realizao existencial dos homens (GIANNETTI, 2002, p. 30).
A ideia de que a felicidade estava baseada na cincia e no conhecimento
iniciou na era da razo, e deixa sua marca na atualidade. Sob esta perspectiva, seria
difcil defender que o presente garantiria um amanh que foi prometido ontem.
Constatamos com Giannetti (2002, p. 60) que a questo do segredo da felicidade e
do lugar do prazer na melhor vida ao nosso alcance tem ocupado alguns dos
melhores (e piores) crebros da humanidade h milnios (GIANNETTI, 2002, p. 60).
Dentro desta temtica existem estudos que objetivam elucidar os determinantes da
felicidade, por diversos ngulos. Entre eles se destaca:
O estudo do que torna certos estados de conscincia mais ou menos aprazveis; a identificao dos fatores pessoais, socioeconmicos e culturais associados a variaes de bem-estar subjetivo; e as bases qumicas, hormonais e neurobiolgicas das experincias mentais e emocionais que levam algum a se sentir mais ou menos feliz com a vida
que tem (GIANNETTI, 2002, p. 60). Giannetti (2002) sustenta que se a felicidade ou falta dela no tivesse se
tornado um problema, no haveria tanta preocupao em estud-la. Baumann
(2009, p.05) comea seu livro A Arte da Vida perguntando: O que h de errado com
a felicidade? Ele ousa propor uma pausa na busca pela felicidade para que seja
possvel refletir o que essa felicidade. Segundo Rustin, apud Baumann (2009), as
sociedades atuais so movidas por milhes de seres humanos que se tornam cada
dia mais ricos, mas h dvidas se esto mais felizes. Segundo ele, parece que a
busca dos seres humanos pela felicidade pode muito bem se tornar responsvel
5
pelo seu prprio fracasso (BAUMANN 2009, p. 5). Presume-se, desta forma, que
uma vida abastada no garantia plena de uma vida feliz.
O corpo, fruto da cultura vigente, est vinculado ideia de consumo. Ele faz
parte de uma cadeia de interesses que vende sade atravs de aparelhos de
ginstica, programas de condicionamento fsico, suplementos, anabolizantes. No