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EQÜIDADE (JULGAMENTO COM EQÜIDADE E JULGAMENTO POR EQÜIDADE) Osmar Brina Corrêa-Lima Professor Titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da UFMG e da Faculdade de Direito Milton Campos Inteligentibus pauca. Sumário: 1. Introdução - 2. Objetivo deste Trabalho - 3. As Diversas Conotações do Vocábulo “Eqüidade” no Direito Positivo Brasileiro - 4. Eqüidade Social - 5. Julgamento com Eqüidade e Julgamento por Eqüidade - 6. O Julgador Sempre Deve Julgar com Eqüidade - 7. Julgamento por Eqüidade - 8. A Deturpação do Conceito de Eqüidade - 9. A Correta Aplicação da Eqüidade - 10. Um Caso - 11. A Eqüidade no Código Tributário Nacional - 12. Conclusões. 221

CORREA-LIMA, Osmar Brina - Eqüidade (Julgamento Com Eqüidade e Julgamento Por Eqüidade)

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EQIDADE(JULGAMENTOCOMEQIDADEE JULGAMENTOPOR EQIDADE)Osmar Brina Corra-LimaProfessorTitular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da UFMG e da Faculdade de Direito Milton CamposInteligentibus pauca.Sumrio:1.Introduo -2.Objetivodeste Trabalho -3. AsDiversas Conotaes do Vocbulo Eqidade no Direito PositivoBrasileiro -4. Eqidade Social -5. J ulgamento com Eqidade e J ulgamento por Eqidade -6. O J ulgador Sempre Deve J ulgar com Eqidade -7. J ulgamento por Eqidade - 8.A DeturpaodoConceitodeEqidade -9. A Correta AplicaodaEqidade- 10.UmCaso - 11.A EqidadenoCdigo Tributrio Nacional -12. Concluses.221------ -----------------------------------------Osmar BrinaCorra-LimaIntroduoA idia de eqidade encontra-se sempre presente no mundo jurdico. Contudo, o seu conceito ainda no parece suficientemente aclarado. Na verdade, e de certa forma,a eqidade confunde-secom o prprioDireito, como na consagrada definio de Paulo, ius est ars boni et aequi (o direito a arte do bome do justo).ObjetivodesteTrabalhoEste trabalho pretende colaborar para que se aclare um pouco o velho e sempre atual conceito de eqidade. Mas a abordagem aqui adotada revela-sepropositadamente pragmtica.Assim,deixaremosa cargodos filsofos do Direito e dos fillogos consideraes outras, mais aprofundadas e que, embora importantes, se mostram de pouca valia para o trabalho mais imediato dos profissionais do Direito.Com essa advertncia em mente e valendo-nos dos modernos recursosda Informtica,constatamosquea palavraeqidade aparece empregada algumas poucas dezenas de vezes no ordenamento jurdico brasileiro vigente,eprocuramosobserv-laatentamenteemdiferentescontextos normativos, para dessa observao extrair algumas concluses teis1.AsDiversasConotaesdoVocbuloEqidade noDireitoPositivoBrasileiroOs dicionaristas da Lngua Portuguesa consignam os seguintes sinnimosdeeqidade"igualdade,imparcialidade,retido,justia, serenidade,moderao (Fernandes,1955).Uma leitura acurada dos textos legais nos quais aparece empregado o vocbulo eqidade deixa transparacer que o seu conceito no unvoco. Ao contrrio, costuma assumir conotaes diferentes em contextos diversos. Com efeito, no ordenamento jurdico brasileiro, o vocbuloeqidadeaparece empregado, em textos e contextos diferentes, com as seguintes conotaes:1Nossa fonte de consulta, para esse mister, o CD-ROM LIS, da Saraiva Data de n 24 (out.-nov./97).223Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais equilbrio; igualdade;imparcialidade;isonomia; justia; moderao; retido; serenidade; e, ainda, critrio para aplicao da lei; fonte do Direito; e justia adequada a um caso concreto.EqidadeSocialEm alguns textos, o substantivo abstrato"eqidade aparece seguido do adjetivosocial ( eqidadesocial ).JulgamentocomEqidadee JulgamentoporEqidadeAs vezes, a palavra eqidade aparace precedida da preposio "por".Outras, da preposio"com.O exame dos diversos textos sugere uma diferena entrejulgarcomeqidade - de um lado- ejulgar por eqidade - de outro. Eis um exemplo:Cdigo CivilLei 9.307, de 23/0911996,que dispe sobre a Arbitragem"Art.1.456- Noaplicara penadoArt. 1454,procederoiuizcomeaidadeArt.11-Poder,ainda,o compromisso arbitrai conter:[...]11- aautorizaoparaqueo rbitroouosrbitros julguempor eqidade,seassimfor convencionado pelas partesatentandonascircunstnciasreais,e noemprobabilidadesinfundadas, quanto agravao dos riscos".No contexto do art. 1.456, acima transcrito, a preposio com entra na formao de adjunto circunstancial indicando modo,como nesta ilustrao de Aurlio (1986): Commuito jeitoentregou-lhea ave".224Nocontextodoart.11 daLein9.307,acimatranscrito,a preposio por entra na formao da orao indicando padro, estalo, modelo,norma,como neste exemplo de Aurlio (1986):aferindotudo por esse padro,procediaemconformidadecomele'".OJulgador SempreDeve Julgar comEqidadeParececurialqueojulgadorsempredeve julgarcom eqidadevaledizer,comequilibrio, justia,imparcialidade,retido, serenidade e moderao. (O juiz preenche as lacunas da lei com os insumos das demais fontes do Direito. Assim agindo, como que, constri o Direito. E, nessa construo, emprega o cimento ou o amlgama da eqidade).JulgamentoporEqidadeMas, ento, o que significa julgarpor eqidade ?Certamente, julgar por eqidade no significa, e nem poderia significar, julgarcontralegem (contra a lei).Por outro lado, e considerando o disposto no art. 127, do Cdigo deProcessoCivil,segundooqualo juizsdecidir poreqidadenos casosprevistoseml e i ,sernecessriocompreenderocontedoea extenso dessa expresso.Aleituradostextoslegaisnosquaisapareceapalavra eqidaderevela que a expressojulgamentoporeqidade ''costuma vir empregada, principalmente, em normas de Direito Internacional ou em diplomasdisciplinandoinstitutosmaisutilizadosnosistemaanglo- americano, como a arbitragem.Nesses textos, o vocbuloeqidade" parace traduzir o conceito deequity do Direito anglo-americano.Emvirtudedisso,ser convenientepesquisarmosoconceito deequity,por tres razes: (Ia) para delimitarmos o que significajulgar MLeqidade(2a)paraestabelecermosa diferenaentrejulgar por------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Osmar Brina Corra-Lima225Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de M inas Geraiseqidade -de umlado-ejulgarcomeqidade-deoutro;e(3a),para verificarmosse,nosistemaromano-germnicodeDireitohnecessidade de serecorrer aoconceitodeequity dosistema anglo-americano.OConceitodeEquity noSistema Anglo-Americanode DireitoParaprecisarmosoconceitodeEquitynosistemaanglo- americano de Direito, vamos nos valer de alguns conceituados Dicionrios Jurdicosnorte-americanos:EQUITY,mais geralmente, justia. Historicamente, a equity desenvolveu-secomoumcorposeparadodaleinaInglaterra comoreao inabilidadedasCortes decommonlaw,emsua estritaadernciarigidezdoswritseformasdeao,para fornecer ouproverumremdiopara cadalesoouameaa[a direito],ORei, portanto,instituiu a alta Corte de Chancelaria, cujopropsitoconsistiaemadministrarajustiasegundo princpios de justia, para aqueles casos para os quais a common law no previa nenhum reparo, ou previa um reparo inadequado. ODireitodaequity,emgrandemedida,eraformuladoem mximas(principiosgerais),taiscomoaequitynosuporta umdireitosemumremdio(semumaaoaele correspondente),ouaequity acompanhaalei,significando queaequityfornecerumsignificadoparaseatingirum resultadojuridcoquandooprocedimentolegalsemostrar inadequado.Aequityealeinoseachammaisbifurcadas, masencontram-seagorafundidasemmuitasjurisdies, emboraa jurisprudnciaeadoutrinasobreaequityainda apareamindependentemente viveis)2(Traduodoautor).2EQUITY most general/y,JusticeHistorically,equity' developed as a separatebody o flawinEngland in reaction to the inability o fthe common law courts,in their strict adherence to rigids writs andforms o faction, to entertain orprovide a remedyfor every injury.The King therefore established the high Court ofchancery, lhepurpose o fwhich was to administerjustice according to principies o ffairness in cases where the common lawwould grvenoor madequateredress.Equity lawto alarge extent was formulated inmaxims,suchas equity suffers not a rightwithoul a remedyorequity follows the lawmeaning that equity will derive a226---------------------------------------------------------------------------------- ------------------------- Osmar Brina Corra-LimaEQUITY.Emseusentidomaislargoenasuasignificomais geral,estetermodenotaoespritoeohbitodehonestidade, justia,e negociaoleal,que devem presidir orelacionamento dos seres humanos, - a regra de fazer aos outros como desejamos queelesfaamconosco;ou,comoexpressadoporJustiniano, viverhonestamente,noprejudicar ningum,dar a cada umo que e seu'. Inst.1,1, 3., portanto, o sinnimo de direito natural ou justia.Mas, neste sentido,sua obrigao etica aoinvs de jurdica,esuadiscussopertenceesferadamoral.Est alicerada nos preceitos da conscincia,noemalguma sano do direito positivo[...]. Num sentido mais estrito,[equity] um sistemadejurisprudncia,ouramodejustiareparadora, administrada por certos tribunais, distintos das cortes da common law, com competncia para exercer ajurisdio no sentido amplo acima referido.Aqui,a equity se toma umcomplexoderegras bemestabelecidasebemcompreendidas,princpiose precedentes...3(Traduo doautor).Comose percebe,a equitynada mais que umconjuntode princpiosgeraisdedireito,aplicadospor Cortesparalelassdacommon law,criadasoficialmente.Assim,asCortesdacommonlawaplicavama lei. E as Cortes de Equity,denominadas, nos Estados Unidos, de Courts of Chancery,aplicavamosprincpiosgeraisdedireito.Comoassinala Gifis, "a equity ea lei no seachammaisbifurcadas,mas encontram-se agora fundidasemmuitas jurisdies.Comefeito,nosEstadosUnidos,hoje, sexisteumaCourto fChancery,a doEstadodeDelaware,commaisdemeans to achieve a lawful result when legalprocedure is inadequate. Equity and law are no longer bifurcated butarenowmergedinmost jurisdictions,thoughequity jurisprudenceand equitabledoctrinesarestill independently viable.[...] An action brought in a court o fequity is said to be AT EQUITY(Gifis, 1984)3EQUITY In its broadest and most general signification, this term denotes the spirit and the habit of faimess, justness and right dealing which would regulate the intercourse of men with men, - the rule of doing to ali others as we desire them to do to us; or, as it is expressed by J ustinian, to Iive honestly, to harm nobody. to render to every man his due Inst.1,1,3. It is therefore the synonym of natural right or justice. But in this sense, its obligation is ethical rather than juridical. and its discussion belongs to the sphere of morais. It is grounded in the precepts ofthe conscience, not in any sanction of positive law. [...] In a still more restricted sense, it is a system of jurisprudence, or branch of remedial justice, administered by certain tribunais, distinct fromthe common-law courts and empowered to decree equityin the sense last above given. Ilere it becomes a complex of well- settled and well - understood rules, principies and precedents... (Black, 1968).227Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Geraiscem anos e respeitabilssima naquele pas. E a Court o fChcmcery, do Estado de Delaware, aplica, harmoniosamente, a lei e os princpios gerais de direito.A criao das Cortes de Eqidade nos pases de direito anglo- americano ocorreu, em determinada poca histrica, para suprir lacunas da lei, quando ainda prevalecia, entre os magistrados, uma viso muito estreita e formalista do Direito; uma viso superada com a evoluo dos tempos.Apalavraeqidade ,contidanaexpressojulgarpor eqidade ,corresponde precisamente ao conceito deequity do direito anglo-americano.Julgar por eqidade significa julgar aplicando os principios gerais do direito. No significa - e nem poderia significar - julgarcontra legem (contra a lei) - repete-se.Parace compartilhar desse entendimento Almeida Melo (1997: 7), ao escrever que o art. 5o da nova introduo ao Cdigo Civil e o art.126 do Cdigo de ProcessoCivil permitem ao juiz criar normas,atendendo aos fins sociaisesexignciasdobemcomum,pararesolvercasosquelhesejam submetidos,pois embora profusas,asleis no esgotamos bens davida nem se atualizamcom a mesma rapidez do desenvolvimentoda civilizao .Uma leitura atenta e construtiva do texto de Almeida Melo induz seguinteconcluso:alei,quasesempreimperfeita,lacunosae desatualizada, constitui apenas parcela - a mais importante, sem dvida - do ordenamento jurdico. O ordenamento jurdico toma-se um sistema vivo, perfeito,completo,atualizadoeharmonioso,quandointegradopelos costumes, regulados pela jurisprudncia, e pelos princpios gerais de direito.Os fins sociais da lei e as exigncias do bem comum integram aquelasnormasoriundasdaabstraolgicadaquiloqueconstituio substrato comum das diversas normas positivas , que Caio Mario da Silva Pereira (1961), citando Cogliolo, chama deprincipios gerais de direito .Uma analogia - embora grosseira - ilustra essa ideia. Compare-se o ordenamento jurdico com o corpo humano;a estrutura ssea com a lei; o restante do corpo humano, com as demais fontes do Direito. Ora, um esqueleto, por mais completo que se apresente, no um ser humano vivo. A lei (stricto228Osmar Brina Corra-Limasensu), por mais detalhada e minuciosa que se apresente, no um ordenamento jurdico vivo, dinmico, harmonioso, em constante evoluo e amadurecimento. Leiescritavale por purainvenohumana-dondearapidezcomque envelhecem os cdigos humanos e as leis humanas.Escrever fixar e fixar matar.Perptuo movimento,a vida infixa4.Ao juiz cabe aplicar o ordenamento jurdico sem repudiar a lei, queointegraharmoniosamente.Para julgarporeqidade ,ouseja, aplicando os princpios gerais dodireito, no h necessidade de nenhum comando especial. J temos um comando geral, contido na Lei de Introduo ao Cdigo Civil, que erige os princpios gerais de direito em fonte do Direito.Nos pases vinculados ao sistema romano-germnico do Direito, este concebido e visualizado como um ordenamento completo, harmonioso e coerente, disciplinador de toda a vida social. Nenhuma leso ou ameaa adireitoescapadapossibilidadedeapreciaopeloPoderJ udicirio (Constituio Federal de 1988, art. 5o, XXXV). Nenhum juiz pode eximir- se desentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei;no julgamento da lide, caber-lhe aplicar as normas legais;no as havendo, recorrer analogia, aos costumes e aos princpios gerais de direito (Cdigo deProcessoCivilde1973,art.126).Segundooart.4odaatualLeide Introduo ao Cdigo Civil (decreto-lei n 4.657, de 4 de setembro de 1942), Quando a lei fo r omissa,o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, oscostumeseos princpios geraisdedireitoAlei[...]a fo n t e principaldodireito,peloqualo ordenamento jurdicoseexpressaemsentidogenrico.Massealei omissa,nem porissose podeconsiderarlacunosa aordem jurdica,nem oj u i z podeabster-sededecidir,poisqueasuarecusaconstituiria denegao de justia,e,ento,o problema se resolver mediante o recurso aos outros elementos,considerados fontes acessrias de direito,invocveis comcarater subsidirio (Pereira,1961:53).J Monteiro Lobato, Cidades Mortas, So Paulo, Ed. Brasiliense, 1959, p.198229Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas GeraisO antigo Cdigo de Processo Civil, no seu art.114, autorizava o juiz, em circunstncias especiais, a aplicar a norma que estabeleceria se fosse legislador. Comentando esse dispositivo, Caio Mario da Silva Pereira (1961:68),citandoDePage,escrevera oseguinte:Foradoscasosem queexpressamenteautorizadoaassimdecidir,oempregodela[da eqidade] s toleradocomcarterextremamenteexcepcional,poisque a prprianorma j contmostemperamentosqueaeqidadenatural aconselha,enopodeservirdemotivooudesculpaefetivaodas tendncias sentimentaisou filantrpicasdo j u i z .O Cdigo de Processo Civil de 1973 no mais investe o juiz da faculdade de aplicar a norma que estabeleceria se fosse legislador. Mas no o impede de'julgar por eqidade ,ou seja, aplicando os princpios gerais de direito, quando a lei for omissa. O que o juiz no pode fazer substituir aleiouosprincpiosgeraisdedireitoporalgumcritriosubjetivo personalssimo. Eis, a propsito, a lio da jurisprudncia:"... No pode o juiz,sob alegao de que a aplicao dotexto daleinoseharmonizacomoseusentimentode justiaoueqidade, substituir-seaolegislador para formulareleprprioaregradedireito aplicvel.Mitigueoju i z origordalei,aplique-acomeqidadee equanimidade,masnoa substitua peloseucritrio...(Supremo Tribunal Federal, RE n 93.701MG -, in: DJ U,11.10.1985, p.17.861)."A proibio de queo juiz decida por eqidade,salvo quando autorizado por lei,significaquenohaverdesubstituir aaplicaodo direitoobjetivoporseuscritriospessoaisde justia.Nohdeser entendida,entretanto,como vedando se busque alcanar a justia no caso concreto,comatenoaodispostonoart.5 daLeideIntroduo.(Superior Tribunal de J ustia, REsp n 0048176 -So Paulo, in:DJ U, 08/04/1996, p.10469)230----------------------------------------------------------- -------------------------------- -------Osmar Brina Corra-LimaADeturpaodoConceitodcEqidadeCaio Mario da Silva Pereira (1961) alerta para o fato de que a eqidade pode seruma facadedois gumes.E acrescenta:se,porum lado, permite ao juiz a aplicao da lei de forma a realizar o seu verdadeiro contedoespiritual,poroutroladopodeservirdeinstrumentos tendnciaslegiferantesdo julgador,que,pondodeladooseudeverde aplicar odireito positivo,comelaacobertaumadesconformidadecoma leiAdeturpaodoconceitodeeqidade ocorre,precisamente, quando ele utilizado como instrumento para as tendncias legiferantes do julgador. Acontece quando o julgador quebra a harmonia do ordenamento jurdico por desconsiderar um de seus componentes essenciais, que a lei, substituindo-a por outra, cristalizadora de seus sentimentos personalssimos e subjetivos.A Correta AplicaodaEqidadeAcorretaaplicaoda eqidadeocorrequandoo juiz,sem desconsiderar a lei, procura realizar o seu verdadeiro contedo espiritual, porque, como revela a Biblia,a letra mataeoespritovivificaAlmeida Melo (1997) traduziu com perfeio a correta aplicao da eqidade,aoafirmarqueoapeloeqidadeestemevitarqueo direitopordemaisestritosejaainjustiademasiadogrande(summum jus summa injuria).Quer-me paracer que essa correta aplicao da eqidade - como, de resto, de todo o ordenamento juridico - no pode prescindir de um exame cuidadoso, acurado e meticuloso da situao ftica em julgamento.UmcasoOcasoaseguirrelatado,extradodaminhaexperiprofissional, pareceu-me poca, uma correta aplicao da eqidade.231Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas GeraisAtuandocomorepresentantedoMinistrioPblicoFederal, junto Vara Penal da J ustia Federal em Belo Horizonte, comparaci a um interrogatrio criminal. Observei atentamente o ru: um homem simples, esqueltico, analfabeto, precocemente envelhecido e trajando roupas rotas. Viera sozinho de um recndito rinco do extremo norte de Minas Gerais. Achava-se enquadrado num dos tipos criminais previstos na ento recm publicada Lei n5.197,de 03/01/1967, quedispesobreaProteo Fauna.Umcrimeinafianvel,sujeitoa penadereclusoeapurado mediante processo sumrio. Fora preso em flagrante logo depois de caar um (1) tatu.Confessou ocrimesem rodeios. Afirmouquenosabia do carter ilcito do seu ato. Os noticirios da poca divulgavam, com alarde, escndalosfinanceiros tipificadoscomcrimesdocolarinhobranco, totalmente impunes. Pedi a absolvio do ru. E o juiz o absolveu ali mesmo.A Eqidade noCdigoTributrioNacionalA linha de raciocniodesenvolvida neste trabalho conduziu- nos, natural e inevitavelmente, a identificar a eqidade com os princpios gerais de direito. Assim, julgar por eqidade significa aplicar os princpios geraisdedireito,fazendo-ocomprudncia,serenidade,equilbrioe moderao.Essa mesma linha de raciocnio nos impe, conseqentemente, a leitura da palavra eqidade , empregada nos arts.108 e 172 do Cdigo Tributrio Nacional, como sinnimo de princpios gerais de direito:Art.108-Naausnciadedisposioexpressa,aautoridade competente para aplicar a legislao tributriautilizar sucessivamente, na ordemindicada.I - a analogia;II -os princpios gerais de direitotributrio;III - os princpios gerais dedireito pblico;IV-aeqidade(= princpios geraisdedireito),232 1 -O emprego da analogia no poder resultar na exigncia de tributo no previstoemlei. 2 - Oemprego da eqidade(=dos principios gerais de direito)nopoder resultar na dispensa do pagamentodetributodevido.Art .172 - Alei podeautorizar a autoridadeadministrativa a conceder, por despacho fundamentado,remisso total ou parcial do crdito tributrio,atendendo:[...]IV-aconsideraesdeeqidade(=principiosgeraisde direito),em relao com as caractersticas pessoais ou materiais do caso;Observe-se que o dispositivo do art.108 do Cdigo Tributrio Nacional no se dirige, exclusivamente, ao Poder J udicirio. Dirige-se, de maneira mais ampla, autoridadecompetente para aplicar a legislao tributria . Refere-se tambm, portanto, a funcionrios do Poder Executivo.Ademais, o mesmo dispositivo estabelece clara hierarquia das fontesdedireitonelemencionadas.Etambmdeixaclaroocarter subsidirio e sucessivo dos itens I, II, III e IV, s aplicveisna ausncia dedisposio[legal]expressa.O funcionrio pblico do Poder Executivo que se enquadre no papeldeautoridadecompetenteparaaaplicaodalegislao tributriasubordina-se,emsua atuao,aoprincpioda legalidade e, enquanto administrador, possui margem limitada de discricionariedade. Essa discricionariedade encontra os seus limites no princpio da legalidade.Com redobrada razo, portanto, no pode o funcionrio pblico doPoderExecutivocompetenteparaaplicaralegislaotributria deixar de aplicar a lei, alando-se na qualidade de legislador para substituir o comando legal pelos seus sentimentos personalssimos de justia. Pode ele, na ausncia de disposio [legal] expressa, recorrer, sucessivamente, analogia, aos princpios gerais de direito tributrio, aos princpios gerais de direito pblico e aos princpios gerais de direito.--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Osmar BrinaCorra-Lima233Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais--------------------------------------------Concluses1.So coisas diferentes o julgamento comeqidade e o julgamento nor eqidade.2.O juiz sempre deve julgar comeqidade.3.O juiz no pode julgar nor eqidade (aplicando os princpios gerais de direito) contra legem (contra a lei), porque esta, no nosso ordenamento jurdico, a fonte principal do direito. Os princpios gerais de direito constituem fonte secundria ou subsidiria.RefernciasBibliogrficas1.ALMEIDA MELO, J os Tarcsio, J ulgamento por Eqidade, in: O Sino do Samuel, Belo Horizonte, Faculdade de Direito da UFMG, julho/l 997.2.AURLIO BUARQUE DE HOLANDA, Novo Dicionrio da Lngua Portuguesa, Rio, Nova Fronteira,1986.3.BLACK,HenryCampbell,BlacksLaw Dictionary,St.Paul,Minn., West Publishing Co.,1968.4.FERNANDES,Francisco,DicionriodeSinnimose Antnimosda Lngua Portuguesa, Rio de J aneiro, Porto Alegre e So Paulo, Ed. Globo, 1955, verbete eqidade.5.GIFIS,StevenH.,LawDictionary,Woodbury,New York,London, loronto, Sidney, Barrons Educacional Series,1984.6.PEREIRA,CaioMriodaSilva,InstituiesdeDireitoCivil,Rioe So Paulo, Forense,1961, vo. I.234