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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE TAUBATÉ – ESTADO DE SÃO PAULO. ___________________, brasileiro, menor, neste ato assistido por sua mãe, _____________, brasileira, solteira, portadora da cédula de identidade R.G./SSP-SP nº _______, inscrita no CPF/MF sob nº ____________, residente e domiciliado neste município na Rua ____________, ___, Bairro _____, por seu advogado adiante assinado (doc. 1), vem, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal, no artigo 247 do Código Civil, nos artigos 273, 632 e seguintes do Código de Processo Civil e demais disposições aplicáveis, promover Ação Cominatória com Pedido de Tutela Antecipada contra a FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público, representada por seus procuradores que recebem citação na SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS DA JUSTIÇA, situada nesta Capital no Pátio do Colégio nº 184, 1º andar, e solidariamente contra a PREFEITURA MUNICIPAL DE TAUBATÉ, pessoa jurídica de direito público, representada por seus procuradores Av. Tiradentes 520 CEP 12030-180, o que faz pelos motivos e para os fins a seguir expostos:

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ VARA CÍVEL DA COMARCA DE TAUBATÉ – ESTADO DE SÃO PAULO.

___________________, brasileiro, menor, neste ato assistido por sua mãe, _____________, brasileira, solteira, portadora da cédula de identidade R.G./SSP-SP nº _______, inscrita no CPF/MF sob nº ____________, residente e domiciliado neste município na Rua ____________, nº ___, Bairro _____, por seu advogado adiante assinado (doc. 1), vem, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal, no artigo 247 do Código Civil, nos artigos 273, 632 e seguintes do Código de Processo Civil e demais disposições aplicáveis, promover Ação Cominatória com Pedido de Tutela Antecipada contra a FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público, representada por seus procuradores que recebem citação na SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS DA JUSTIÇA, situada nesta Capital no Pátio do Colégio nº 184, 1º andar, e solidariamente contra a PREFEITURA MUNICIPAL DE TAUBATÉ, pessoa jurídica de direito público, representada por seus procuradores Av. Tiradentes 520 CEP 12030-180, o que faz pelos motivos e para os fins a seguir expostos:

OS FATOS

O Autor foi diagnosticado nos primeiros meses de vida como portador da alergia à proteína do leite de vaca (APLV). A APLV é provocada pelas proteínas presentes no leite, principalmente a globulina, que é identificada pelo sistema imunológico como um agressor, um agente estranho que precisa ser combatido. A partir da ingestão destas proteínas o sistema imunológico desencadeia uma verdadeira guerra contra os “agressores”, e esta guerra é a responsável pelos sintomas – diarréia, distensão abdominal, flatulência e ainda: lesões na pele, como urticária e coceira, sintomas respiratórios, inflamação da mucosa intestinal e até pequenos sangramentos intestinais.

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Em razão desta deficiência congênita, os cuidados com a crianças são redobrados, posto que lhe é vedada a alimentação de qualquer produto que contenha o leite (doces, balas, massas, bolos, biscoitos, iogurte etc).

Logo após o nascimento do Autor, após a realização de diversos exames, (doc. ??), detectado a deficiência, este passou a se alimentar de Fórmula Hidrolisada Protéica, que é distribuído pelo Sistema Único de Saúde para as pessoas que dele necessitam. Em nenhuma hipótese a criança pode ficar sem esta alimentação, sob o risco de subnutrição e raquitismo, bem como demais implicações de saúde.

Tal doença, se não tratada, causa “náuseas, vômitos, dores abdominais e diarréias, ocorrendo déficit no ganho de peso e desnutrição, decorrente também da má absorção intestinal ou perda da energia dos alimentos eliminados nos vômitos e regurgitações”1 (doc. ??).

Assim, uma vez identificada a doença e o melhor tratamento, o autor, no mês de ???? de 2.009 passou a receber uma dieta sem a presença de leite de vaca e passou a receber da Prefeitura de Taubaté, em atendimento à Resolução da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo – 336/07 (doc. ??), fórmula específica para o tratamento de APLV (Fórmula Hidrolisada Protéica).

Contudo, de maneira arbitrária, ilegal e inconstitucional, o fornecimento de Fórmula Hidrolisada Protéica será interrompido quando autor completar 02 anos de idade, o que se dará em 02.01.2012.

Paradoxalmente a referida Resolução ratifica o entendimento que “maioria dos portadores (80 a 90%) adquire tolerância ao alimento a partir do segundo ou terceiro ano de vida.” (grifos não presentes no original)

A conclusão necessária, direta, irretorquível e insofismável que se chega que na quase totalidade dos casos a intolerância à proteína do leite de vaca não é superada antes dos 24 meses de idade, como é o caso do autor.

Portanto, a fim de garantir seu pleno desenvolvimento orgânico, o autor não pode prescindir de fonte primordial de alimentação, o leite.

Sua mãe, que ora assiste o autor na propositura da presente, não reúne condições financeiras para arcar com aquisição de 1 http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/saudpesq/article/viewArticle/1069

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aproximadamente 08 latas mensais, ao valor unitário de aproximadamente R$ 180,00, sendo certo que não há substituto adequado, nesta fase da vida para o leite.

Tanto é verdade que o Estado de São Paulo desenvolveu programa de distribuição de Fórmula Hidrolisada Protéica, porém, de forma inexplicável, somente atende os bebês de até 24 meses de idade.

Como se vê Exa. a distribuição de Fórmula Hidrolisada Protéica é o única tratamento adequado para intolerância desenvolvida pelo autor.

Nem precisamos ressaltar que o caso do autor é de imensa gravidade, sendo que a interrupção no fornecimento de sua principal fonte de alimento pode redundar em um gravíssimo quadro de desnutrição ou raquitismo.

No entanto Exa., diante da condição financeira de sua mãe inviabilizar que adquira às suas expensas o Fórmula Hidrolisada Protéica, sem que isso a impeça de fazer frente aos outros gastos seus e de seu filho com despesas habitacionais, médicas, alimentares, etc, O AUTOR NECESSITA DO FORNECIMENTO DE FÓRMULA ESPECÍFICA PARA O TRATAMENTO DE APLV EM REGIME DE GRATUIDADE, tudo de acordo com a Constituição Federal, a legislação civil, a Lei nº 8.080/90, para o controle da grave doença que lhe acomete, sendo que mencionado alimento, como já dito, lhe é negado a partir do seu 24º mês de vida pela Rede Pública de Saúde deste município, e o requerente não tem condições de arcar com os altos custos para o adquirir.

Os atendentes do Posto do SUS em diversas ocasiões já informaram a mãe do autor que no mês corrente de dezembro seria a última vez receberia o fornecimento da fórmula específica para o tratamento de APLV (Fórmula Hidrolisada Protéica).

Os requeridos deixaram o autor, bebê de 24 meses incompletos e sua genitora na desesperada contingência de ter de contar com a mobilização do Poder Judiciário como último recurso para obtenção do alimento, que lhe é imprescindível à preservação da saúde e porque não dizer, da própria dignidade.

Destarte, é notório que o Poder Público despende vultosa quantia de verba pública para custear propagandas institucionais, ao mesmo tempo em que nega medicamento/alimento a quem dele necessita, criando aos cidadãos óbice ao direito à vida.

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Assim, na luta contra a morte, ou quiçá contra os prejuízos ou lesões em seu organismo para toda a vida, e diante da impossibilidade econômico-financeira de arcar com os vultosos custos do alimento que necessita para viver, alternativa não restou ao autor senão requerer guarida ao Poder Judiciário para ter efetivamente cumprida pelo Estado a obrigação de zelar pela saúde, fornecendo-lhe assistência integral de que tanto precisa.

DO DIREITO

DA LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM

É cristalino o dever que incumbe ao Poder Público de fornecer medicamentos, especialmente os essenciais, aos cidadãos que porventura deles dependam para a manutenção de sua de sua saúde.

Em perfeita consonância com o sistema de proteção à saúde, formado pelo texto constitucional, Lei Orgânica da Saúde e demais dispositivos regulatórios, é imprescindível demonstrar que quando o texto constitucional, em seu artigo 196, caput, afirma ser “a saúde é direito de todos e dever do Estado, ...”, o vocábulo Estado deve ser interpretado de maneira ampliativa.

Como é cediço, a Carta Magna preconizou a instituição de um Sistema Único de Saúde financiado com os recursos do orçamento da Seguridade Social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Aspecto esse que assume enorme relevo, uma vez que tem servido para afastar as tentativas do Poder Público de se furtar a assumir essa responsabilidade sob a alegação de ilegitimidade de parte.

Esse é o entendimento mais que pacífico dos tribunais pátrios, principalmente do Superior Tribunal de Justiça, consoante se verifica da leitura dos excertos jurisprudenciais colacionados a seguir:

“MEDICAMENTOS – Fornecimento pelo Estado – Agravo de Instrumento Interposto contra decisão que, em ação ordinária de obrigação de fazer proposta contra o município, determinou o chamamento ao processo da Fazenda Estadual e da União – Responsabilidade sucessiva da União, dos Estados e dos municípios – Ocorrência –

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Direito do opção do ente contra o qual se voltar reservado ao autos da ação – Agravo Provido” (Agravo de Instrumento nº 454.195-5/3 – TJSP 12ª Câmara de Direito Público – Presidente e Relator Cristiano Kuntz – 26.07.06)

“ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO OU CONGÊNERE. PESSOA DESPROVIDA DE RECURSOS FINANCEIROS. FORNECIMENTO GRATUITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS... 4. É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso À medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo, as mais graves.5. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de quaisquer deles no pólo passivo da demanda.6. Recurso especial improvido.” (REsp 656979/RS, Relator Min. Castro Meira, DJ 07.03.2005)

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – SUS – SÚMULAS 211/STJ E 284/STF – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS – LEGITIMIDADE DA UNIÃO....3. O funcionamento do Sistema Única de Saúde – SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-Membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade passiva ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.4. Recurso especial conhecido em parte e improvido.” (REsp 878080/SC, Relator Min. Eliana Calmon, DJ 20.11.2006).

Outrossim, não se pode inviabilizar o direito fundamental dos indivíduos à saúde por entraves processuais, devendo ser garantido o amplo acesso ao judiciário e a plena possibilidade de alcançar os entes responsáveis pela ineficácia no sistema de saúde. Vale ainda ressaltar que a

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Administração é pautada pelo princípio da eficiência, baseado na desburocratização e na melhor utilização possível dos recursos públicos, visando a satisfação ampla do bem comum.

Nestes casos, segundo a melhor doutrina, o indivíduo deve recorrer ao Poder Judiciário, pleiteando contra o Município, o Estado e a União, que são solidariamente responsáveis (Alexandre de Morais, Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, Ed. Atlas, 2002, Comentários ao artigo 23):

 " Vislumbra-se, portanto, dentro dessa nova ótica constitucional, um reforço à plena possibilidade de o Poder Judiciário (CF, art.5º, XXXV), em defesa dos direitos fundamentais e serviços essenciais previstos pela Carta Magna, garantir a eficiência dos serviços prestados pela administração pública, inclusive responsabilizando as autoridades omissas (...)".

Ainda no tocante à legitimidade passiva, cumpre ressaltar que o direito à saúde encontra-se intrinsecamente ligado ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana, à assistência social e à solidariedade, não podendo ser impossibilitado por percalços administrativos ou processuais, razão pela qual a legitimidade passiva nas ações que envolvem requerimento de medicamentos é de todos os entes da federação.

Desta forma, dúvida não há quanto a legitimidade passiva do Estado de São Paulo no presente caso, bem como da Prefeitura de Taubaté, devendo o mérito ser analisado, para que, pelo princípio da efetividade das normas constitucionais, a garantia do direito à vida seja concretizado.

DAS NORMAS APLICÁVEIS AO CASO

Em que pese o paciente que apresentar diagnóstico de “alergia à proteína do leite de vaca (APLV)”, nos casos em que for indicado

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o tratamento com fórmula específica para o tratamento de APLV (Fórmula Hidrolisada Protéica), não estar amparado por legislação específica, como é o caso daqueles que sofrem de enfermidades como a AIDS e que contam com o devido suporte legal (Lei nº 9.313/96), está, pelo menos em tese, protegido pela Carta Magna.

O acesso a medicamentos é parte significativa do exercício do direito à saúde que, por sua vez, é corolário do direito à vida, conclusão lógica encontrada no texto constitucional e nos dispositivos legais mencionados a seguir.

Nesse contexto, a saúde recebeu da Constituição Federal de 1988 ampla proteção, que se inicia logo no artigo 1º que elege como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, seguido do artigo 3º que constitui como objetivo da República a promoção do bem de todos. Por sua vez, o artigo 5º, relativo aos direitos e garantias fundamentais, assegura a inviolabilidade do direito à vida; e, já no dispositivo seguinte (artigo 6º), o direto à saúde é qualificado como direito social.

Com efeito, os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados nos artigos 196 a 200 da Constituição Federal. Especificamente o artigo 196 dispõe que:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

O direito à saúde, tal como assegurado na Carta Magna de 1988 configura direito fundamental de segunda geração. Nesta geração, estão os direitos sociais, culturais e econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata mais, como nos direitos de primeira geração, de apenas impedir a intervenção do Estado em desfavor das liberdades individuais.

Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de exigir do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho, etc.

A Suprema Corte, por intermédio do Ministro Celso de Mello apresenta inteligente orientação no seguinte sentido, in verbis:

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“Não deixo de conferir... significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadas de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.

É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.

Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade (ADPF 45 MC/DF - Informativo do STF nº 345)

Cumpre ressaltar, mais uma vez, que baliza nosso ordenamento jurídico o “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”,

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insculpido no artigo 1º , inciso III, da Constituição Federal e que se apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil.

Como é notório dentre os aplicadores do Direito, a melhor doutrina tem refutado tanto o argumento de que as normas constitucionais de caráter programático não teriam aplicabilidade imediata, se limitando a meras recomendações a serem cumpridas quando da elaboração de lei pertinente, quanto aquele que inclui entre tais normas o direito à saúde, direito social.

Quanto à primeira afirmação, o ilustre professor Celso Antônio Bandeira de Mello (Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça Social – revista de Direito Público 57/58, págs. 236 e255) assegura que:

“A Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, de aspirações, de propósitos. É a transformação de um ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios para todos: órgãos do Poder e cidadãos.”

E continua:

“(...) Todas as normas constitucionais concernentes à Justiça Social – inclusive as programáticas – geram imediatamente direitos para os cidadãos, inobstante tenham teores eficaciais distintos. Tais direitos são verdadeiros “direitos subjetivos”, na acepção mais comum da palavra.

(...)A existência dos chamados conceitos vagos, fluídos, ou imprecisos, nas regras concernentes à Justiça Social não é impediente a que o Judiciário lhes reconheça, in concreto, o âmbito significativo. Esta missão é realizada habitualmente pelo juiz nas distintas áreas do Direito e sobretudo no direito privado. Além disso, por mais fluído que seja um conceito, terá sempre um núcleo significativo indisputável”.

E especificamente quanto à efetividade do direito à saúde o mestre José Afonso da Silva (Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça Social – revista de Direito Público 57/58, pág. 150) explica:

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“(...) não incluímos aqui (entre as normas programáticas dirigidas à ordem econômico-social em geral) nem o direito à saúde (artigo 196) nem o direito à educação (artigo 205), porque em ambos os casos a norma institui um dever correlato de um sujeito determinado: o Estado – que, por isso, tem a obrigação de satisfazer aquele direito e, se este não é satisfeito, não se trata de programaticidade, mas de desrespeito ao direito, de descumprimento da norma”.

Colocando fim a quaisquer dúvidas que a abrangência do conceito de saúde, acima explicitado, bem como do enunciado do artigo 196 poderiam suscitar, tem-se as bem arrazoadas considerações de Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos (Único de Saúde – Comentários à Lei Orgânica da Saúde, 3ª edição, Editora da Unicamp, pág.41):

“(...) Daí dizer-se que o artigo 196 deve ser desdobrado em duas partes:

1) a de dicção mais objetiva que obriga o Estado a manter, na forma do disposto no artigo 198 da Constituição e na Lei nº 8080/90, as ações e serviços públicos de saúde que possam prevenir, de modo mais direto, mediante uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados, os riscos de agravo à saúde (assistência preventiva) e recuperar o indivíduo das doenças que o acometem (ações curativas);

2) a de linguagem mais difusa que corresponde a programas sociais e econômicos que visem à redução coletiva de doenças e seus agravos, com melhoria da qualidade de vida do cidadão.O direito insculpido na segunda parte do artigo 196 (acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação) e explicitado no artigo 198 é de eficácia plena, imediata, não podendo o Estado postergá-lo nem condicioná-lo a futura implementação de programas sociais e econômicos.”

A aplicação imediata das referidas normas constitucionais já é pacífica na jurisprudência pátria, conforme se depreende das decisões proferidas pelo E. Supremo Tribunal Federal abaixo citadas:

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“DIREITO À SAÚDE. ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE PERMITIU A INTERNAÇÃO HOSPITALAR NA MODALIDADE “DIFERENÇA DE CLASSE”, EM RAZÃO DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO DOENTE QUE NECESSITAVA DE QUARTO PRIVATIVO. PAGAMENTO DA DIFERENÇA DE CUSTO DOS SERVIÇOS. RESOLUÇÃO 283/91 DO EXTINTO INAMPS.O art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação.O direito à saúde, como está assegurado na carta, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele. (...)” (grifo nosso)(STF, RE 226835-RS/1999, Min. Ilmar Galvão)

“PACIENTE COM HIV/AIDS – PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS – DIREITO À VIDA – FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS – DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF arts. 5º, caput, e 196) – PRECEDENTES (STF) – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.O direito à saúde representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida.O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização

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federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento institucional.A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...)” (grifo nosso)(STF, AGRRE 271286-RS/1999, Min. Celso Mello)

Diante do exposto, emerge inequívoco que normas constitucionais efetivamente encontram espelho em normas inferiores, como se passará a demonstrar, não restam dúvidas de que o estado brasileiro está, então, legal e constitucionalmente obrigado a fornecer um serviço de saúde integral, igualitário e eficaz para todos os seus cidadãos, sob pena de ser instado judicialmente a fazê-lo.

Com efeito, com o fim de ratificar o disposto na própria carta magna, a edição da Lei nº 8.080/90 que disciplina organização, direção e gestão do Sistema Único de Saúde, traz inúmeras disposições que asseguram o direito à saúde, e conseqüentemente o acesso aos medicamentos, refletindo claramente a harmonia com o texto constitucional, assegurando:

“Art. 2o - A saúde é um direito fundamental do ser humano devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.Parágrafo 1o - O dever do Estado de garantir a saúde consiste na reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.”

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E não é só. Mencionada lei vai mais longe e fazendo jus à denominação Lei Orgânica da Saúde, como se pode perceber pelo texto do seu artigo 7º cujo texto ora se expõe:

“Art. 7º. As ações e serviços de saúde (...) que integram o Sistema único de Saúde – SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo aos seguintes princípios:

....II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Pertinente revelar que as expressões “atendimento integral”, “assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica” e “integralidade de assistência” compreendem inexoravelmente o fornecimento de medicamentos indispensáveis e essenciais ao valor máximo que o Direito pode e deve tutelar, qual seja, a VIDA.”

Como se verifica, o supra mencionado articulado, além da integralidade de assistência (II) acima definida, prescreve os outros princípios do Sistema Único de Saúde, também merecendo destaque para o caso em tela a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência (I) e a igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie (IV).

Dessa forma, apenas considerando os princípios norteadores da assistência à saúde, conclui-se que suas ações e serviços devem ser acessíveis a todos, sem qualquer distinção, respeitadas as peculiaridades e complexidade de cada caso, inclusive no tocante aos medicamentos que se mostrem necessários.

A importância dos princípios em nosso ordenamento pátrio é aqui recordada nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello

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(Curso de Direito Administrativo, 8a. edição, ed. Malheiros, pág. 546.), ao ensinar que “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Da leitura da a Lei 8080/90 é fácil perceber que o dever do Estado de garantir a saúde pressupõe condições econômicas e sociais que favoreçam o bem-estar do cidadão, conferindo a tarefa de promoção da saúde aos dirigentes do SUS, e salienta a integração da assistência e da prevenção, modalidades de proteção à saúde indissociáveis, que, certamente, englobam o acesso aos medicamentos necessários para a proteção e restabelecimento da saúde, conforme o caso.

Por essa razão, estão incluídos no campo de atuação do Sistema Público a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica (artigo 6º, I, a), a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção (VI) e o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde (VII).

Nesse contexto, cumpre observar que o Ministério da Saúde, por meio da portaria nº 3.916/MS/GM, de 30/10/1998, estabeleceu a Política Nacional de Medicamentos, cujo objetivo é garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade destes produtos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais (Introdução da portaria 3.916/MS/GM).

Entre as diretrizes que deverão impulsionar as ações para o alcance desse propósito está a adoção da relação dos medicamentos essenciais, atualmente listados pela Portaria nº 1.587, de 3 de setembro de 2002, do Ministério da Saúde. Os medicamentos essenciais são definidos como aqueles produtos considerados básicos e indispensáveis para atender a maioria dos problemas de saúde da população e que devem estar continuamente disponíveis aos segmentos da sociedade que deles necessitem. Outra diretriz determina que o modelo de assistência farmacêutica será reorientado de modo a que não se restrinja à aquisição e à distribuição de medicamentos. As ações incluídas nesse campo da assistência terão por objetivo implementar, no âmbito das três esferas do SUS, todas as atividades relacionadas à promoção do acesso da população aos medicamentos

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essenciais. (Diretrizes 3.1 e 3.3 da portaria 3.916/MS/GM).

Muito embora o medicamento que o autor necessita não se enquadre no rol da portaria supramencionada, certo é que a negativa de fornecimento desse remédio acarretará conseqüências irreversíveis para o mesmo, deixando, neste caso, o Estado de cumprir com seu dever de proteção e garantia da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, são inúmeras as decisões das Cortes Superior e Suprema do Poder Judiciário brasileiro, exemplificadas a seguir:

"CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA PORTADORA DE DOENCA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA.

1.A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a gravidade e a urgência da situação recorrente: a busca para garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida.

2. É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos artigos 6º e 196.

3. Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, AG nº

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238.328/RS, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, Resp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000).

4. Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art.196).

5. Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético - jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida.

6. Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos.

7. Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente." (grifos nossos)

(STJ, ROMS 11183/PR - Relator Ministro José Delgado)

“RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. SUS. LEI N. 8080/90.

O v. acórdão proferido pelo egrégio Tribunal a quo decidiu a questão no âmbito infraconstitucional, notadamente à luz da Lei 8080, de 19 de setembro de 1990.

O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da vida da paciente, deverá ser ele fornecido.

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Recurso especial provido. Decisão unânime.”

(STJ – Recurso Especial nº 212.346 – Rio de Janeiro)

“MANDADO DE SEGURANÇA. ADEQUAÇÃO. INCISO LXIX, DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. UMA VEZ ASSENTADO NO ACÓRDÃO PROFERIDO O CONCURSO DA PRIMEIRA CONDIÇÃO DA AÇÃO MANDAMENTAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DESCABE CONCLUIR PELA TRANSGRESSÃO DO INCISO LXIX DO ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Saúde – Aquisição e Fornecimento de medicamentos. Doença rara. Incumbe ao Estado (gênero) proporcionar meios visando a alcançar a saúde, especialmente quando envolvida criança e adolescente. O SUS torna a responsabilidade linear alcançando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.” (grifos nossos)

(STF – Recurso Extraordinário nº 195.192-3 – Rio Grande do Sul)

“SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES E A PORTADORES DO VÍRUS HIV. RESPONSABILIDADE REPASSADA TAMBÉM A MUNICÍPIO CONTRARIANDO ACORDO CELEBRADO COM ESTADO-MEMBRO. ADMISSIBILIDADE.

O direito público subjetivo que representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada a todas as pessoas pela norma do art. 196 da CF, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, mostra-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir em grave comportamento inconstitucional, não havendo se falar em ofensa ao art. 2º da Lex Mater, no fato de a responsabilidade pela distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, bem como remédios para portadores do HIV, ser repassada também a Município, mesmo contrariando acordo celebrado com Estado-membro.”

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(STF Agravo Regimental no Recurso Especial nº 259.508 – Rio Grande do Sul, 2000)

A lei acima mencionada vem fortalecer o disposto nos artigos 219, 222 e 223 da Carta Magna do Estado de São Paulo:

Art. 219. A saúde é um direito de todos e dever do Estado.

§ único: .....

8- atendimento integral do indivíduo, abrangendo a promoção, preservação e recuperação de sua saúde.

Art.222. As ações e os serviços de saúde executados e desenvolvidos pelos órgãos e instituições públicas estaduais e municipais, da administração direta, indireta e fundacional, constituem o sistema único de saúde, nos termos da Constituição Federal, que se organizará ao nível do Estado, de acordo com as seguintes diretrizes e base:

III- integração das ações e serviços com base na regionalização e hierarquização do atendimento individual e coletivo, adequado a diversas realidades epidemiológicas;

Art. 223. Compete ao sistema único de saúde, nos termos da Lei, além de outras atribuições:

I- a assistência integral à saúde, respeitadas as necessidades específicas de todos os segmentos da população;...

Ainda, corroborando o mandamento constitucional, a Lei Orgânica da Seguridade Social reafirma o compromisso do Estado e da própria sociedade no sentido de “assegurar o direito relativo à saúde”.

Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Estado de fornecer o medicamento necessário para o tratamento da “alergia à proteína do leite de vaca (APLV)”, que acomete o autor, e de toda e qualquer outra

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enfermidade, ainda que não constem da listagem oficial do Ministério da Saúde e/ou não sejam, atualmente, fornecidos pela rede pública de saúde, porque não há como, limitando-se ao texto constitucional, estabelecer que a obrigação de fornecer medicamentos está adstrita a uma lista oficial padronizada.

Assim, certo é que o artigo 1º da Lei nº 9.313/96 assegura aos portadores do HIV, o recebimento gratuito pela rede publica, da medicação necessária ao seu tratamento de acordo com a padronização de medicamentos a ser feita pelo Ministério da Saúde (§§ 1º e 2º). Necessário é, pois, que se estenda tal benefício a todas as outras pessoas igualmente portadoras de alguma patologia.

Apesar do exposto, a rede pública de saúde tem negado o fornecimento de determinados medicamentos imprescindíveis para o correto tratamento de enfermidades, violando, destarte, o direito constitucional e legal à saúde, ao recebimento gratuito de medicamentos e, em última análise, o próprio direito à vida.

Não menos maculada restou a garantia constitucional da saúde, como direito de todos e dever do Estado, que se não possuísse acepção de valor/interesse social, não mereceria tratamento individualizado pela Carta Magna de 1988, no Título VIII (Da ordem social), Capítulo II (Da Seguridade Social), Seção II.

É por essas e outras razões que em casos semelhantes, nossos Tribunais Superiores têm decidido em recentíssimos julgados:

“RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. PACIENTE COM HEPATITE “C”. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. PRECEDENTE DA CORTE.A teor do art. 196/CF: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”Comprovado através de relatório médico acostados aos autos, que a impetrante que a impetrante já fora submetida a outro tratamento convencional, sem êxito,

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não como se negar o acesso a outro medicamento recomendado pelo especialista que a acompanha.Recurso ordinário conhecido e provido.” (RMS 17449/MG, Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 13.02.2006)

“RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE COM DOENÇA PULMONAR OBSTRURIVA CRÔNICA. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. JULGAMENTO EXTRA E ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. 1. O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debela-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna.2. Configurada a necessidade do recorrente, posto legítima e constitucionalmente garantido direito À saúde e, em última instância, à vida. Impõe-se o acolhimento do pedido.3. Proposta a ação objetivando a condenação do ente público (Estado do Rio de Janeiro) ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de doença pulmonar crônica, resta inequívoca a cumulação de pedidos do tratamento e fornecimento de medicamento, posto umbilicalmente ligados. É assente que os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontades de forma a tornar efetivo o acesso à justiça. (Precedente: REsp 625329/RJ, Relator Min. Luiz Fux, DJ 23.08.2004).4. In casu, o Juiz Singular reconheceu a obrigação de fazer do Estado do Rio de Janeiro, consistente no fornecimento dos medicamento pleiteados na inicial, bem como os que venham a ser necessários no curso do tratamento, desde que comprovada a necessidade por atestado médico fornecido por hospital da rede pública (fls. 107).5. Recurso especial provido. (REsp 814076/RJ, Relator Min. Luiz Fux, DJ. 01.08.2006)

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Neste mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 11, caput e §2º, estabelece que:

Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

§ 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado.

§ 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.

Resulta do referido diploma legal que o direito ao tratamento adequado, independente da deficiência, recebeu tratamento nos planos constitucional e infraconstitucional, vinculando o Poder Público a prestar um atendimento integral e gratuito à saúde, em especial daqueles que ainda não alcançaram seu desenvolvimento completo, fornecendo-lhes todas as condições para tanto, não havendo, no dispositivo, restrição quanto a medicamentos ou modalidades de tratamento a ser empregadas.

Logo, a Administração Pública, ao se abster de fornecer, ou fornecer de maneira irregular o leite especial para os intolerantes, pratica conduta ilegal, fazendo-se necessário, por isto, a tutela jurisdicional destes direitos difusos e coletivos.

A Portaria 3916/98, diretriz da Política Nacional de Medicamentos e reorientação da assistência farmacêutica, nas três esferas do SUS, prevê a:“ a) descentralização da gestão; (...) c) otimização e eficácia do sistema de distribuição no setor público...” e que a “... assistência farmacêutica engloborá as atividades de seleção, programação, aquisição, armazenamento e distribuição, (...) o que deverá favorecer a permanente disponibilidade dos produtos, segundo as necessidades da população, identificadas em critérios epidemiológicos” .

Portanto, o Estado-administração (representado pela União, Estado do Espírito Santo, Municípios de Vitória e Cariacica, solidariamente) deve ser obrigado a regularizar o fornecimento dos alimentos necessários à dieta dos usuários do SUS que possuam intolerância à lactose.

DA RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO

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Quanto à responsabilidade do Poder Público, imprescindível lembrar o artigo 37, caput e § 6º da Constituição Federal:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(...)§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos eu seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

No mesmo sentido o artigo 22, caput e parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor obriga a reparação dos danos eventualmente causados toda vez que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, não fornecerem serviços adequados, eficientes, seguros e quanto aos essenciais contínuos.

Sobre o tema, ensina o ilustre professor Hely Lopes Meirelles:

“A Constituição atual usou acertadamente o vocábulo agente, no sentido genérico de servidor público, abrangendo, para fins de responsabilidade civil, todas as pessoas incumbidas da realização de um serviço público, em caráter permanente ou transitório. O essencial é que o agente da Administração haja praticado o ato ou a omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. (...)Nesta substituição da responsabilidade individual do servidor pela responsabilidade genérica do Poder Público, cobrindo o risco da sua ação ou omissão, é que se assenta a teoria da responsabilidade objetiva da Administração, vale

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dizer, da responsabilidade sem culpa, pela só ocorrência da falta anônima do serviço, porque esta falta está, precisamente, na área dos riscos assumidos pela Administração para a consecução de seus fins”

E conclui:

“Todo o ato ou omissão de agente administrativo, desde que lesivo e injusto, é reparável pela Fazenda Pública, sem se indagar se provém do jus imperii ou do jus gestionis, uma vez que ambos são formas da atuação administrativa”.

O dever do Estado, personificado por qualquer entidade autorizada a prestar um serviço público, aqui assistência à saúde, é indiscutível. Ao negligenciar a obrigação de fornecer medicamentos essenciais àqueles que deles necessitam, pondo em perigo, por vezes, a vida dos cidadãos, o Município está incorrendo em conduta ilícita, violando todo o arcabouço de normas relativas ao direito à saúde.

Conforme artigo 23, inciso II, da Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública. No mesmo sentido, o artigo 30, apesar de tratar especificamente da competência dos Municípios, determina que a prestação dos serviços de atendimento à saúde da população deve ser feita com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado (inciso VII).

Sendo assim, respeitadas as competências fixadas pela Lei nº 8080/90 e o princípio da descentralização político-administrativa do Sistema Único de Saúde - SUS, todos os entes da Federação, cada qual no seu âmbito administrativo, têm o dever de zelar pela adequada assistência à saúde aos cidadãos brasileiros.

Ademais, a Lei Orgânica da Saúde prescreve que integram o SUS o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, e também os prestados pela iniciativa privada especialmente nos casos de participação complementar do sistema público, conforme artigos 4º, caput e § 2º, 24 e seguintes.

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Especificamente no tocante às atribuições de cada esfera administrativa, seguindo a Constituição Federal, a LOS indica que à direção nacional do SUS compete, dentre outras atribuições (artigo 16), prestar cooperação técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional (XIII); promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal (XV); acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas as competências estaduais e municipais (XVII). Por sua vez, incumbe à direção estadual (artigo 17) promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde (I); acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de Saúde - SUS (II); prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde (III). E por fim, inserido nos deveres da direção municipal (artigo 18) está o de planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde (I).

No mesmo sentido, a Política Nacional de Medicamentos (portaria nº 3916/MS/GM), ao prever as responsabilidades das esferas de governo no âmbito do SUS (item 5), determinou que todos os gestores , em cumprimento aos princípios do SUS, atuarão no sentido de viabilizar o propósito desta Política de Medicamentos, qual seja, o de garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais (grifos nossos). Quanto às atribuições particulares estabeleceu que o gestor federal (5.2) deverá prestar cooperação técnica e financeira às demais instâncias do SUS no desenvolvimento das atividades relativas à Política de Medicamentos (a); estabelecer normas e promover a assistência farmacêutica nas três esferas de Governo (b); destinar recursos para a aquisição de medicamentos, mediante o repasse Fundo-a-Fundo para estados e municípios, definindo, para tanto, critérios básicos para o mesmo (r). O gestor estadual, por conseguinte, tem a responsabilidade de (c) prestar cooperação técnica e financeira aos municípios no desenvolvimento de suas atividades e ações relativas à assistência farmacêutica; (d) coordenar e executar a assistência farmacêutica no seu âmbito. E dentre as competências do gestor municipal está a de (a) coordenar e executar a assistência farmacêutica no seu respectivo âmbito; (i) assegurar o suprimento de medicamentos destinados à atenção básica à saúde da população, integrando sua programação à do estado, visando garantir o abastecimento de forma permanente e oportuna.

Como se vê, a conjugação dos dispositivos da constituição federal, da lei 8080/90 e da política nacional de medicamentos atribui de modo harmônico, entre as esferas de governo, as competências geradas pelo dever do

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estado de garantir e proporcionar o direito à saúde e conseqüentemente o acesso aos medicamentos essenciais, de modo que cada uma tem sua parcela de responsabilidade, da qual não podem se eximir.

No caso aqui exposto, incumbe primordialmente ao Sr. Secretário Municipal da Saúde, gestor do SUS e responsável pela rede municipal de unidades de saúde integrantes do Sistema Único, a obrigação de cuidar da saúde dos usuários dos serviços públicos, executando as ações e serviços para esse fim, o que inclui a disponibilização imediata e permanente dos medicamentos necessários para o tratamento dos males que afligem o doente.

Como já foi dito, corte suprema do país colocou um ponto final no ato de estados e municípios esquivarem-se continuamente da responsabilidade de prestar adequadamente os serviços de saúde, ao proferir, decisão no Agravo de Instrumento nº 238.328/RS, publicado no DJ de 11/05/99, da qual depreende-se:

“(...)O preceito no artigo 196 da Carta da República, de eficácia imediata, revela que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção e recuperação”. A referência, contida no preceito a “Estado”, mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do artigo nº 195, com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz, a descentralização das ações e serviços públicos de saúde que integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional de eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da atividade, afigura-se como incontroverso, porquanto registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome

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da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O município de Porto Alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição não impede fique assentada a responsabilidade do Município. Decreto visando-a não poderá reduzir, em si, o direito assegurado em lei. Reclamam-se do Estado (gênero) as atividades que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança pública, cobertos, em si, em termos de receita, pelos próprios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínimo de conforto suficiente a atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem. (...)”(grifos nossos)

Como se vê, a não observância dos preceitos constitucionais, legais e da Política Nacional de Medicamentos, independentemente das alegações inaceitáveis de impossibilidade financeira, deve ser combatida com rigor, sob pena da manutenção de um estado de risco demasiadamente alto para os cidadãos que necessitam da prestação gratuita dos serviços de saúde.

Nesse sentido, o ministro Celso Mello, apreciando pedido de suspensão de liminar formulado pelo Estado de Santa Catarina, em petição nº 1246-1, refletiu o posicionamento atual da nossa Suprema Corte no que concerne à importância da proteção da vida e da saúde dos cidadãos brasileiros:

“Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível ação: o respeito

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indeclinável à vida.”

Da mesma maneira, não há que se falar em invasão da discricionariedade administrativa, visto que essa prerrogativa não concede ao administrador a possibilidade de optar por permanecer em situação totalmente ilegal. Discricionariedade é a margem de liberdade, conferida pela norma ao administrador, para escolher, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal (Discricionariedade e Controle Jurisdicional, Celso Antônio Bandeira de Mello, Ed. Malheiros - 2ª edição - p. 48), o que não está acontecendo no caso. Aliás, aqui não há o que se falar em discricionariedade, visto que a única forma do Estado cumprir a lei é disponibilizar imediatamente e sempre os medicamentos essenciais para os usuários do sistema público que deles necessitarem. Qualquer outro comportamento implica em desobediência às normas citadas nessa inicial, demandando atuação enérgica do poder judiciário para por fim a esse desrespeito e aos riscos a que fica submetida a população.

Nesse sentido, a primeira providência é fazer cessar esse comportamento ilícito do Poder Público, compelindo-o a abandonar a conduta negligente. A outra é indenizar todos aqueles que porventura tiverem sofrido prejuízos materiais e morais.

Ademais, muito embora louvável a teoria da separação das funções do Estado, consagrada na própria Constituição Federal em seu artigo 2º, certo é que a presente medida não visa romper com esse sistema. Aliás, muito pelo contrário, a ação aqui proposta surge como última saída para que se soluciona problema tão grave.

Ao socorrer-se do Poder Judiciário, pleiteia-se, ainda que em bases excepcionais, determinar especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pelo texto maior, sejam efetivamente implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprimento de um dever constitucional, vierem comprometer a eficácia e integralidade de direitos sociais e culturais impregnados de proteção constitucional.

Como já restou pacificado no Superior Tribunal de Justiça de São Paulo, a imposição de multa para o caso de descumprimento de obrigação de fazer por parte do Poder Público revela-se perfeitamente possível, como se depreende do excerto abaixo colacionado:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO.

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DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. MEDIDA EXECUTIVA. POSSIBILIDADE IN CASU. PEQUENO VALOR. ART. 461, § 5º, DO CPC. ROL EXEMPLIFICATIVO DE MEDIDAS. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIROE ADMINISTRATIVO. (EREsp 787101/RS, Relator Min. Luiz Fux, DJ 14.08.2006)

É imprescindível frisar que a Constituição Federal foi criada para ser efetiva e não mera menção a princípios. Assim, ao socorrer-se ao Poder Judiciário, o autor espera ter sua garantia a uma vida diga assegurada.

Destarte, considerando a responsabilidade evidente do Estado de São Paulo em garantir o tratamento para o autor, emerge inequívoca a imposição de multa diária para o caso de descumprimento da ordem de fornecimento defórmula específica para o tratamento de APLV (Fórmula Hidrolisada Protéica).

No mais, a imprescindibilidade dos direitos sociais e das garantias à dignidade torna-os mandamentos, garantias constitucionais inadiáveis, o que reclama por um tratamento prioritário por parte do Estado. A Reserva do Possível não pode ser utilizada com o intuito de exoneração desse compromisso2.

Na já citada ADPF 45 MC/D, o ministro Celso de Melo defende que, “cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.”

Se não é possível o Estado resguardar a saúde e a dignidade de seus infantes, pode-se repensar qual seria o possível papel do Estado.

Por oportuno relembra-se que o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não capitulou o seu papel de garantir a efetividade das normas constitucionais aqui invocadas em exatos 08 casos em que foram

2 KEINERT, Tânia Margarete Mezzomo, in “Ações Judiciais no SUS e a promoção do direito à saúde”, Instituo de Saúde, São Paulo-2009

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negado à maiores de 24 meses o fornecimento de fórmula para o tratamento de APLV, que abaixo seguem:

1 - Agravo de Instrumento nº 0588350-58.2010.8.26.0000 PindamonhangabaAgravante: Fazenda do Estado de São PauloAgravado: Samuel Morais Gonçalves Agravo de Instrumento. Ação de obrigação de fazer. Fornecimento de “Leite Neocate”. Impetrante portador de constipação intestinal e refluxo gastroesofágico secundários à proteína do leite de vaca e soja. Tutela antecipada deferida. Presença dos requisitos legais. Inviabilidade, no entanto, de determinação de marca, quando há produto similar. Decisão, no tópico, reformada, para determinar que o fornecimento seja do produto nominalmente pleiteado ou de produto similar. Possibilidade de imposição de multa contra pessoa jurídica de direito público (artigo 461, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil). Valor, contudo, que se mostra excessivo. Necessidade de redução. Recurso parcialmente provido

2 - Apelação nº 0016525-79.2010.8.26.0625 - Taubaté VOTO Nº 20.017APELAÇÃO Nº 0016525-79.2010.8.26.0625, de TaubatéAPELANTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULOAPELADA: ISADORA AMARAL DIAS DA SILVA (menor representada por seus pais)JUIZ 1ª INSTÂNCIA: PAULO ROBERTO DA SILVAApelação Mandado de Segurança impetrado por menor que apresenta quadro de “Bronco Espasmo”, “Diarréia” e “Dermatite Atópica” em decorrência de alergia alimentar à proteína do leite de vaca, necessitando para a sua alimentação de 8 (oito) latas de “Leite Neocate” por mês, até que complete 3 (três) anos de idade. Segurança concedida. Recurso da Fazenda Estadual buscando a inversão do julgado. Inviabilidade. Comprovação médica de que a recorrida é portadora da doença referida, bem como de que não dispõe de situação sócio-econômica que lhe permita arcar com o respectivo custo. Responsabilidade pela prestação dos serviços de saúde que é compartilhada por todos os entes políticos (art. 196 da Constituição Federal de 1988). Recursos oficial, este tido por interposto, e voluntário improvidos.

Urge enaltecer que o pedido para aplicação de pena de multa ao Estado de São Paulo visa tão somente garantir o “resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis para a proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados.” (REsp 771.616/RJ, Relator Min. Luiz Fux, DJ 01.08.2006)

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DA NECESSIDADE DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

Diante de pedido da parte, poderá o Juiz antecipar, total ou parcialmente, a tutela jurisdicional postulada, desde que, tal qual estatui o artigo 273 do Código de Processo Civil.

Assim, para o deferimento da antecipação da tutela, basta a ocorrência de um dos requisitos: fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, abuso do direito de defesa ou propósito protelatório do réu, (art. 273, I e II do CPC), ou quando o pedido se mostrar incontroverso (art. 273, § 6º).

In casu, Exa., justifica-se o pedido de antecipação da tutela em relação ao autor, pelo fato de estarem caracterizados, a lume do artigo 273, do Código de Processo Civil, todos os pressupostos autorizadores de sua concessão.

Assim sendo, conclui-se que o primeiro requisito para a concessão da tutela antecipatória é a probabilidade de existência do direito afirmado pelo demandante. Esta probabilidade de existência nada mais é, registre-se, do que o fumus boni iuris, o qual se afigura como requisito de todas as modalidades de tutela sumária, e não apenas da tutela cautelar. Assim sendo, deve verificar o julgador se é provável a existência do direito afirmado pelo autor para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional.

Não basta, porém, este requisito. A probabilidade de existência do direito do autor deverá aderir outro requisito, sendo certo que a lei processual criou dois outros (incisos I e II do art. 273).

Estes dois requisitos, porém, são alternativos, BASTANDO A PRESENÇA DE UM DELES, ao lado da probabilidade de existência do direito, para que se torne possível a antecipação da tutela jurisdicional.

Assim é que, na primeira hipótese, ter-se-á a concessão da tutela antecipatória porque, além de ser provável a existência do direito afirmado pelo autor, existe o risco de que tal direito sofra um dano de difícil ou impossível reparação.

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“Este requisito nada mais é do que o periculum in mora, tradicionalmente considerado pela doutrina como pressuposto de concessão da tutela jurisdicional de urgência (não só na modalidade que aqui se estuda, tutela antecipada, mas também em sua outra espécie: a tutela cautelar)” (in CÂMARA, Alexandre, Lições de Direito Processual Civil, Lúmen Iuris – São Paulo, 2000, pp. 390-1).

Acrescente-se que:

“Qualificar um dado direito como fundamental não significa apenas atribuir-lhe uma importância meramente retórica, destituída de qualquer conseqüência jurídica. Pelo contrário, a constitucionalização do direito à saúde acarretou um aumento formal e material de sua força normativa, com inúmeras conseqüências práticas daí advindas, sobretudo no que se refere a sua afetividade, aqui considerada como a materialização da norma no mundo dos fatos, a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social, aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social” (in BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira, 3ª ed. São Paulo, Renovar, 1996, p. 83).

O fumus boni iuris, ou seja, a plausividade do direito invocado, consubstancia-se no relatório e no laudo médico e demais documentos apresentados, que atestam, de forma inequívoca, que o demandante apresenta diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca (APLV), necessitando URGENTEMENTE de tratamento médico com Fórmula Hidrolisada Protéica, que lhe é negado pela rede pública de saúde, e cujo fornecimento lhe é vital.

Nessa condição, é direito garantido pela legislação já invocada o recebimento gratuito dessa medicação necessária ao seu tratamento.

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O receio de lesão grave ou de difícil reparação encontra respaldo no objeto dessa ação, qual seja, a ameaça à saúde e à vida do autor, tornando impossível que se aguarde demorado deslinde desta ação.

Ainda é de se considerar o pedido de fornecimento de Fórmula Hidrolisada Protéica incontroverso, nos termos do art. 273, § 6º do CPC, uma vez que na própria Resolução da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo – 336/07, expedida pelo mesmo Governo do Estado de São Paulo que de um lado reconhece que “maioria dos portadores (80 a 90%) adquire tolerância ao alimento” somente “a partir do segundo ou terceiro ano de vida”, e de outro lado somente fornece o tratamento até o segundo ano de vida.

E é esse o entendimento de nossos Tribunais:

“Negar ao doente de moléstia insidiosa, fatal e dolorosa, os recursos da ciência médica, equivale a passar de imediato uma sentença de morte, indiferente à preservação do valor maior representado pela vida”. 3

Também é cabível o pedido de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, conforme disposto na Lei n º 9.494, de 10 de setembro de 1.997, que prevê:

“Art. 1º. Aplica-se a Tutela Antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, o disposto nos arts. 5º e seu parágrafo único e 7º da Lei 4.348 de 26 de junho de 1.964, no art. 1º e seu parágrafo 4º da Lei nº 5.021 de 9 de junho de 1.966, e nos arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.437 de 30 de junho de 1.992.”

Impõe-se, na espécie, a dispensa de intimação para os fins do artigo 2º da Lei nº 8.437/92, no tocante ao fornecimento do medicamento imunoglobulina ao autor, em razão da gravidade da enfermidade e da urgência que o caso requer, sob pena de se tornar inócua decisão posterior.

Portanto, uma vez que cabe ao Juiz o controle difuso (de competência de todos os juízes de Direito) do cumprimento das leis como corolário da atribuição dada ao Poder Judiciário, é a este que o autor vem se socorrer para poder manter a sua VIDA e sua SAÚDE, igualmente como fizeram outras pessoas em situações jurídicas e fáticas análogas.3 in TJSP – AI 273.501-2, rel. Desembargador Vasconcelos Pereira – 6ª Câmara Cível, j. 02.05.1995.

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Além do que, a garantia constitucional do direito à vida prevalece quando em confronto com as regras de direito processual.

Ademais, analisando o caso em concreto, verifica-se que não há vedação para a concessão da medida pleiteada, posto que o fornecimento do medicamento Fórmula Hidrolisada Protéica, necessário para a mantença da saúde e vida do autor, não acarretará grave lesão à saúde pública, uma vez que a rede pública de saúde, com base na previsão médico-científico já deveria estar disponibilizando a aquisição deste medicamento.

Não obstante o pedido de antecipação de tutela se refira especificamente à entrega de determinada Fórmula Hidrolisada Protéica, o que levaria, em uma análise apressada, a se pensar que a obrigação que se pede se resumiria a uma prestação de dar, está-se, em verdade, diante de uma verdadeira obrigação de fazer, qual seja, a de prestar o tratamento necessário, suficiente e adequado à manutenção da saúde e preservação da vida do autor.

Todos os requisitos legalmente exigidos para o deferimento da antecipação do provimento jurisdicional se encontram presentes.

Ademais, os direitos à vida e à saúde, ora pleiteados, não podem ser executados por meio de precatórios, em vista do poder público não ter supremacia sobre tais direitos fundamentais contidos nos artigos 5º e caput e 6º da Constituição Federal.

Deferir a tutela antecipada, no presente caso significa preservar a vida do paciente e respeitar a sua condição de ser humano e cidadão, que tem o direito de cobrar do Estado o atendimento integral à saúde.

Dessa forma, requer o autor seja deferida a antecipação dos efeitos da tutela postulada inaudita altera pars para que seja determinado ao Sr. SECRETÁRIO DOS NEGÓCIOS DA SAÚDE DO ESTADO DE SÃO PAULO, cujo endereço encontra-se nesta Capital na Avenida Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, nª 188, 4º andar, o fornecimento gratuito e ininterrupto de FÓRMULA HIDROLISADA PROTÉICA, em local disponível e de forma imediata, para o tratamento de alergia à proteína do leite de vaca, bem como seja assegurado o fornecimento SEMANAL/MENSAL da quantidade do remédio necessário à continuidade e término do tratamento.

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b) a cominação de multa diária para caso de descumprimento da decisão liminar, no valor de R$ 5.000,00, mais as previstas nos arts. 644 e 645 do Código de Processo Civil pelo atraso nas obrigações de fazer, bem como a expedição de mandado de prisão em flagrante delito do réu e responsável pelo fornecimento do medicamento ora pleiteado, caso haja resistência ao cumprimento da medida liminar a ser concedida.

CONCLUSÃO E REQUERIMENTOS FINAIS

Por todos os motivos de fato e de direito expostos acima, por ser certo que o autor necessita do tratamento médico prescrito para sua cura, e por restar demonstrada a ilicitude da recusa imposta pelas Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, nada mais lhe restou a não ser o ajuizamento desta ação.

Assim, requer o autor a V. Exa. se digne de:

a) conceder inaudita altera pars a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, ora pretendida, na forma do artigo 273 do Código de Processo Civil, para que a ré seja compelida a suportar os valores que serão gastos no decorrer do tratamento, por ser imperativo e único modo de se evitar danos irreparáveis ao autor;

b) condenar a ré ao pagamento de multa pecuniária, a ser fixada por V. Exa., para o caso de descumprimento do provimento solicitado na presente demanda;

c) ordenar a citação das rés, na pessoa de seu procurador e representante legal, a fim de que, querendo e no prazo legal, conteste a presente, acompanhando-a até final decisão;

d) julgar, ao final, procedente a ação, para o fim especial de condenar a ré ao fornecimento imediato, indefinido e indeterminado ao autor do medicamento que necessita para manter sua saúde e vida, ou seja, Fórmula Hidrolisada Protéica, ou outros que venham a ser prescritos, posteriormente, ainda que importados, nas vezes e quantidades necessárias e/ou não conste da lista Oficial do Ministério da Saúde, em prazo exíguo a ser estipulado pelo prudente arbítrio de V. Exa.;

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e) condenar a ré nas custas processuais e verba honorária.

Protesta o autor provar o alegado por todos os meios em direitos admitidos, em especial e entre outros, por depoimento pessoal do representante legal da ré, sob pena de confissão, inquirição de testemunhas, juntada de documentos, requisição de informações, expedição de ofícios, realização de perícia, etc.

Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para efeitos fiscais.

Nestes Termos,P. Deferimento.

Taubaté,

___________,OAB/SP – 245.752.

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