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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS POPULAÇÃO INDÍGENA ARICAPU E IMIGRANTES DA REPÚBLICA DE MIROKAI vs. REPÚBLICA FEDERAL DE TUCANOS CONTESTAÇÃO MEMORIAL DA REPÚBLICA DE TUCANOS 2011

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS · dos direitos humanos e o direito brasileiro. ... PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça ... Direitos humanos e o direito constitucional

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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

POPULAÇÃO INDÍGENA ARICAPU E IMIGRANTES DA REPÚBLICA DE MIROKAI vs.

REPÚBLICA FEDERAL DE TUCANOS

CONTESTAÇÃO

MEMORIAL DA REPÚBLICA DE TUCANOS

2011

i

ÍNDICE

I. ABREVIATURAS UTILIZADAS ................................................................................ .... iii

II. REFERÊNCIAS ................................................................................................................ iv

II.a. Doutrina e documentos legais .............................................................................. iv

II.a.i. Doutrina ................................................................................................. iv

II.a.ii. Documentos Legais ............................................................................ viii

II.b. Jurisprudência ...................................................................................................... ix

II.b.i. Corte Interamericana de Direitos Humanos ........................................... ix

II.b.ii. Comissão Interamericana de Direitos Humanos ....................................xi

1. DOS FATOS ....................................................................................................................... 1

1.1. Da Construção da Hidrelétrica ............................................................................. 1

1.2. Das Ações Penais Ajuizadas ................................................................................ 5

1.4. Do Procedimento perante o Sistema Interamericano ........................................... 7

2. ANÁLISE LEGAL ............................................................................................................ 8

2.1. Preliminares ......................................................................................................... 8

2.1.1. Da Ausência de Violação à Convenção Americana .............................. 8

2.1.2. Da Ordem Pública ................................................................................. 13

2.1.3. Medidas Adotadas pelo Estado ............................................................ 16

2.2. Do Mérito ............................................................................................................ 17

2.2.1. Direito à Vida ...................................................................................... 17

2.2.2. Integridade Física ................................................................................. 19

2.2.3. Garantias Judiciais ................................................................................ 20

2.2.4. Honra .................................................................................................... 22

2.2.5. Propriedade ........................................................................................... 24

ii

2.2.6. Liberdade de Circulação e de Residência ............................................ 27

2.2.7. Igualdade e Proteção aos Imigrantes ................................................... 29

2.2.8. Proteção Judicial .................................................................................. 31

2.2.9. Meio Ambiente Saudável ..................................................................... 32

3. DOS PEDIDOS ................................................................................................................ 35

iii

I. ABREVIATURAS UTILIZADAS

ANAE Agência Nacional de Auxílio aos Estrangeiros

Art./ Arts. Artigo/ Artigos

CADH Convenção Americana sobre Direitos Humanos

CEDH Convenção Européia de Direitos Humanos

CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Comissão Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Convenção Convenção Americana de Direitos Humanos

Corte Corte Interamericana de Direitos Humanos

Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos

IMA Instituto Nacional do Meio Ambiente

LC Lei Complementar

LOA Lei Orçamentária Anual

OEA Organização dos Estados Americanos

ONU Organização das Nações Unidas

P. Página

Par. Parágrafo

PND Política Nacional de Deslocados

PTMA Política Tucana de Meio Ambiente

RIA Relatório de Impacto Ambiental

iv

II. REFERÊNCIAS

II.a. Doutrina e Documentos Legais

II.a.i. Doutrina

ABELHA RODRIGUES, Marcelo; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Manual de direito

ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1999. .............................. (p. 33)

ACCIOLY, Hildebrando, NASCIMENTO E SILVA, G.E.. Manual de direito internacional

público. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. ................................................................ (p. 16, 17)

ACQUAVIVA, Cláudio Marcus. Dicionário jurídico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

.......................................................................................................................................... (p. 17)

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10 ed. Malheiros: São Paulo, 1998. .................. (p. 9)

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direitos humanos e meio ambiente: paralelo

dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.

.................................................................................................................. (p. 13, 19, 32, 33, 34)

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição.

14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. ........................................................................... (p. 26)

v

CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos: análise dos

sistemas de apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no

Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. ............................................................................ (p. 21)

CARVALHO RAMOS, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem

internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. ......................................................... (p. 15, 16)

CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo:

Saraiva, 2006. .................................................................................................................. (p. 12)

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

R.. Teoria geral do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. ............................... (p. 12)

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva,

2004. .................................................................................................................................. (p. 9)

FROTA, Hidemberg Alves. Reflexões sobre o princípio tridimensional da proporcionalidade

no direito público comparado. Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do

Campo, ano 9, n. 11, 2005. ............................................................................................. (p. 15)

GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (Org.). O sistema interamericano de proteção

dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

.......................................................................................................................................... (p. 10)

vi

GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio

Scarance. As nulidades do processo penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

.......................................................................................................................................... (p. 14)

JAYME, Fernando G. Direitos humanos e sua efetivação pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. ......................................... (p. 20, 21, 25)

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

.................................................................................................................................... (p. 26, 27)

LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo: Martins Fontes, 1955. ............ (p. 27)

LINDGREN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo:

Perspectiva, 2005. .............................................................................................................. (p. 9)

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 15. ed. São Paulo:

Saraiva, 2002. ................................................................................................................... (p.15)

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo:

Malheiros, 2008. .............................................................................................................. (p. 26)

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003. ....... (p. 17)

vii

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos

arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 8

ed. São Paulo: Atlas, 2007. .................................................................................. (p. 25, 30, 31)

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos

sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006.... (p. 12, 17)

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo:

Saraiva, 2008. .................................................................................................................. (p. 21)

ROSA, Luiz Pinguelli. Blecaute: sistema elétrico brasileiro tem vulnerabilidade. Portal de

notícias G1, 2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/noticias/brasil/0,,mul1374464-

5598,00-sistema+ eletrico+ brasileiro+tem+vulnerabilidade+afirma+pinguelli+rosa.htm>.

Acesso em: 04 jan. 2011. ................................................................................................. (p. 14)

SALIBA, Aziz Tuffi. Legislação de direito internacional. 3. ed. São Paulo: Rideel, 2008.

.......................................................................................................................................... (p. 34)

SARMENTO, Daniel. A garantia do direito a posse dos remanescentes de quilombos

antes da desapropriação. Parecer de 09.10.2006. Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.

br/documentos-e-publicacoes/artigos/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Dr_dDaniel_

sarmento.pdf>. Acesso em: 06 jan. 2011. ........................................................................ (p. 26)

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.

.................................................................................................................................... (p. 32, 33)

viii

II.a.ii. Documentos Legais

Carta das Nações Unidas

Art. 1 ................................................................................................................................ (p. 16)

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, 22 de novembro de 1969

Art. 1 .............................................................................................................. (p. 1, 7, 8, 30, 35)

Art. 2 ……………………………………………………………………...……. (p. 12, 21, 23)

Art. 4 …………………………………………………………………… (p. 1, 7, 8, 18, 19, 35)

Art. 5 .............................................................................................................. (p. 1, 7, 8, 19, 35)

Art. 8 .............................................................................................................. (p. 1, 7, 8, 20, 35)

Art. 11 .......................................................................................................... (p. 1, 7, 22, 23, 35)

Art. 21 .......................................................................................... (p. 1, 7, 8, 14, 16, 24, 25, 35)

Art. 22 ...................................................................................................... (p. 1, 7, 8, 27, 28, 35)

Art. 24 .......................................................................................................... (p. 1, 7, 29, 31, 35)

Art. 25 ...................................................................................................... (p. 1, 7, 8, 31, 32, 35)

Art. 32 .............................................................................................................................. (p. 15)

Art. 49 ................................................................................................................................ (p. 8)

Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992

Princípio 3 ........................................................................................................................ (p. 34)

Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, 1986

Art. 1 ................................................................................................................................ (p. 34)

ix

Protocolo de San Salvador, 17 de novembro de 1988

Art. 11 ............................................................................................................ (p. 1, 7, 8, 32, 35)

Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Art. 40 ................................................................................................................................ (p. 8)

Art. 45 ................................................................................................................................ (p. 8)

II.b. Jurisprudência

II.b.i. Corte Interamericana de Direitos Humanos

Casos Contenciosos

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Cesti Hurtado vs. Peru.

Sentença de 29 de setembro de 1999. ........................................................................ (p. 23, 32)

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Comunidade Indígena

Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 31 de agosto de 2001.

.......................................................................................................................................... (p. 24)

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Comunidade Indígena

Xákmok Kásek vs. Paraguay. Sentença de 24 de agosto de 2010. .................................. (p. 18)

x

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Comunidade Indígena

Yakye vs. Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006. ............................................. (p. 17)

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Comunidade Indígena

Yakye vs. Paraguai. Sentença de 17 de junho de 2005. .................................................. (p. 15)

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Godínez Cruz vs.

Honduras. Sentença de 20 de janeiro de 1989. ............................................................... (p. 22)

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Yatama vs. Nicaragua.

Sentença de 23 de junho de 2005. ................................................................................... (p. 15)

Pareceres Consultivos

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. O efeito das reservas sobre a

entrada em vigência da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Parecer Consultivo

OC-02/82, de 24 de setembro de 1982. Série A, n. 02. ............................................... (p. 9, 10)

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Proposta de modificação da

constituição política da Costa Rica relacionada com a naturalização. Parecer Consultivo

OC-04/84, de 19 de janeiro de 1984. Série A, n. 04. ....................................................... (p. 15)

xi

II.b.ii. Comissão Interamericana de Direitos Humanos

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Informe N° 04/01. Caso

11.625. Maria Eugenia Morales de Sierra vs. Guatemala. 19 de janeiro de 2001. ........ (p. 30)

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Informe N° 103/06.

Petição 162/04. Inadmissibilidade. José Luís Valdéz Pineda vs. México. 21 de outubro de

2006. .......................................................................................................................... (p. 11, 12)

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução N° 03/08.

Direitos humanos dos migrantes, normas internacionais e diretiva européia sobre retorno.

Disponível em: <http://www.cidh.org/Resoluciones/Resolución%2003-08%20PORT.pdf>.

Acesso em: 06. jan. 2011. p. 01. ...................................................................................... (p. 29)

1

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente da Benemérita Corte Interamericana,

A República dos Tucanos (doravante “Estado”, “Tucanos” ou “República”) oferece

contestação ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Comissão” ou

“CIDH”), pela demanda apresentada em benefício da população indígena Aricapus e dos

imigrantes da República de Mirokai, com o objetivo de que seja pronunciada pela Corte

Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Corte”) a ausência de responsabilidade

internacional do Estado por haver incorrido na violação dos direitos preconizados nos artigos

4 (direito à vida), 5 (integridade física), 8 (garantias judiciais), 11 (honra), 21 (propriedade),

22 (liberdade de circulação e de residência), 24 (igualdade) e 25 (proteção judicial), todos em

consonância com o artigo 1.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de

San José da Costa Rica, doravante “Convenção” ou “CADH”), além do artigo 11 (meio

ambiente saudável) do Protocolo de San Salvador.

1. DOS FATOS

1.1. Da Construção da Hidrelétrica

1. A República de Tucanos desde sua independência da Espanha, que ocorreu no século XIX,

se erigiu como uma Republica Democrática. A partir desde marco, o Estado Democrático de

Tucanos tem elegido seus representantes, tanto do poder executivo, quanto do legislativo,

através do voto popular, periodicamente, a cada quatro anos, sendo a ideia de democracia

reforçada pela sistemática que se verifica na forma de governo de Tucanos. Atualmente,

Tucanos caracteriza-se pela defesa e preservação de uma democracia estável, demonstrando

um grande apreço pelos direitos humanos.

2

2. O Estado teve participação ativa no processo de negociação da carta da Organização dos

Estados Americanos – OEA, em 1948, além de ratificar todos os tratados interamericanos de

direitos humanos, bem como a maioria dos tratados da Organização das Nações Unidas –

ONU sobre direitos humanos.

3. A economia da República de Tucanos era baseada na agricultura com a produção de café,

milho e algodão.

4. Nos anos 1990, houve uma mudança significativa na economia do país, que deixou de

alicerçar-se em produtos agrícolas, e passou a ser movimentada principalmente pela produção

industrial, sendo que o governo realizou grandes investimentos na indústria, de forma a

possibilitar que Tucanos tivesse um crescimento acelerado da economia local. Esse

crescimento resultou em uma alta demanda por energia.

5. Estudos realizados por especialistas garantem que, caso não haja a exploração de novas

fontes de energia no país, a população de cerca de 50 milhões de habitantes de Tucanos

viverá um quadro crítico nos próximos anos, sendo prevista a ocorrência de diversas falhas

generalizadas de energia elétrica, vulgarmente conhecidas por “apagões”. Assim, a fim de

evitar o problema, o Estado decidiu investir na construção de uma grande hidrelétrica,

denominada “hidrelétrica de Cinco Voltas”, na confluência dos rios Betara e Corvina, em seu

território, que deverá produzir 11.000 megawatts de energia.

6. Ainda de acordo com estudos realizados por especialistas em 1980, para a construção de

uma hidrelétrica de grande porte é necessário um notável volume de água, sendo a

confluência dos rios Betara e Corvina o local mais apropriado para a sua construção.

7. Nesta área mora a população de imigrantes mirokaenses, que tem títulos de posse da terra

legalizados conforme a legislação local, e o povo indígena Aricapus, que tem títulos de

propriedade da terra.

3

8. Dentre a população de Tucanos, a população indígena Aricapus representa um dos mais

antigos e tradicionais grupos que habitam a região norte da República de Tucanos, vivendo

basicamente da caça.

9. O governo, sempre resguardando os interesses de todos os membros que compõem o seu

Estado, mantém boas relações com a população indígena local, garantindo-lhes serviços

básicos, tais como de educação e saúde. Ademais, através do Ato de Reconhecimento de

Terras Indígenas de 1975, os indígenas tiveram seus direitos coletivos à terra reconhecidos, e

receberam títulos de propriedade.

10. Cerca de 10 % dos habitantes da República de Tucanos são indígenas, e moram nas áreas

com florestas perto da fronteira Norte. Atualmente, os Aricapus estão agrupados em 20

pequenas vilas, totalizando aproximadamente 3.250 membros. Pelo menos 15 dessas 20 vilas

estão localizadas na confluência dos rios Betara e Corvina, no território da República de

Tucanos, de modo que cerca de 1.550 membros indígenas vivem na região da construção da

hidrelétrica.

11. A população mirokaense chegou ao continente sul-americano na década de 70, após uma

catástrofe atingir o continente Asiático. Ondas sucessivas de tsunamis atingiram a República

de Mirokai, um pequeno país com cerca de 20 milhões de habitantes, devastando a sua costa,

e deixando parte de sua população sem moradia.

12. Cerca de 5 mil destes imigrantes se instalou na República de Tucanos, perto da

confluência dos rios Betara e Corvina, onde se planeja a construção da hidrelétrica de Cinco

Voltas.

13. A Constituição da República Federativa de Tucanos, em respeito aos direitos humanos,

garante tratamento igual a toda sua população, tanto aos seus nacionais quanto aos

estrangeiros. Como resultado, a LC 101/1924 estabeleceu a criação da Agência Nacional de

4

Auxílio aos Estrangeiros (ANAE), responsável por registrar a entrada dos estrangeiros nos

país e prestar ajuda humanitária quando necessário.

14. Os mirokaenses se registraram na República de Tucanos conforme as normas da ANAE e

adquiriram título de posse das terras onde se estabeleceram cinco anos depois.

15. A lei de licitações do Estado, no seu artigo 67, prevê que, para projetos financiados pelo

governo, como no caso em tela, os procedimentos adotados devem ser feitos através do uso

de licitações ou leilões, e terem seus gastos aprovados na lei orçamentária do exercício

financeiro atual.

16. A construção da hidrelétrica também encontra amparo na Lei 8090/76, que estabelece a

legislação ambiental do país (Política Tucana de Meio Ambiente – PTMA, de 1991) e cria o

Instituto Nacional do Meio Ambiente (IMA), responsável pela análise e autorização de

projetos que envolvem impacto ao meio ambiente.

17. Seguindo os procedimentos estabelecidos pela LC 101, a licença prévia foi aprovada pelo

IMA em outubro de 2009. A licença foi inserida no Projeto de Lei da Lei Orçamentária

Anual (LOA) para o exercício financeiro de 2010, com o objetivo de assegurar os créditos

orçamentários necessários para as obras.

18. O edital de licitação foi divulgado em novembro para a inscrição das empresas

interessadas no projeto. Já em dezembro foi aberto o processo licitatório, do qual

participaram quatro empresas, sendo a escolhida a Empresa LAX.

19. A LOA de 2010 foi aprovada pelo Congresso em janeiro, com os créditos orçamentários

específicos para a construção da hidrelétrica. O Relatório de Impacto Ambiental (RIA) foi

elaborado em conjunto pelo IMA e pela empresa LAX, sendo submetido ao IMA em seguida,

e disponibilizado em um site na internet para a população tucanense.

20. A empresa LAX indicou no relatório que a construção da hidrelétrica criará um imenso

lago de 1.450 km² de superfície, sendo necessário o deslocamento da população ribeirinha de

5

imigrantes de Mirokai, que vive na parte sul do rio Corvina (5.000 habitantes), e do povo

indígena Aricapus, que vive no lado norte do rio Betara (1.550 habitantes), que, juntos,

representam menos de 1% da população de Tucanos.

21. Tucanos prevê em sua Política Nacional de Deslocados (PND) de 1992 (doravante,

“Política de Deslocados”), que todos os deslocados por motivo de interesse social, receberão

um lote de terra do mesmo tamanho do lote onde viviam, bem como recursos econômicos

suficientes para que seja possível recomeçar suas vidas e atividades em uma nova área que

lhes será designada, tratamento este garantido a todos os cidadãos tucanenses afetados pela

construção da hidrelétrica.

22. Após a publicação do relatório, o povo indígena Aricapus e a população ribeirinha

mirokaense disseram não ter sido propriamente consultados no processo.

23. O Estado se reuniu com o secretário-geral, representante dos Aricapus, e com San Yano,

representante eleito dos mirokaenses, no dia 20 de fevereiro de 2010, para discutir a situação.

Nesta reunião ficou acordada a realização de um trabalho conjunto, para uma solução pacífica

que atenda os interesses de ambas as partes.

24. O IMA aprovou o relatório publicado pela LAX no dia 15 de março de 2010 e autorizou o

início das obras, o que ocorreu duas semanas depois da aprovação.

1.2. Das Ações Penais Ajuizadas

25. As populações Aricapus e Mirokaense se uniram para ingressar na Justiça com pedido de

anulação da aprovação concedida pelo IMA, e de concessão de uma liminar para interrupção

das obras da hidrelétrica.

26. Os Aricapus e Mirokaenses alegaram que a criação do lago na construção da hidrelétrica

teria um impacto ambiental superior aos limites e procedimentos estabelecidos pela PTMA.

6

27. Essa ação foi julgada em Primeira Instância pelo Tribunal local, e o Estado afirmou que

não houve qualquer perseguição aos povos Aricapus e aos imigrantes mirokaenses, e que os

seus direitos à vida, liberdade e propriedade foram assegurados pela Política de Deslocados.

Além disso, assegurou que a construção da hidroelétrica respeitou todos os dispositivos da

PTMA.

28. Após a verificação das provas apresentadas e respeitado o devido processo legal, o Juiz

da Primeira Instância indeferiu totalmente o pedido dos indígenas e ribeirinhos, no dia 14 de

maio de 2010.

29. Na Corte de Apelações, em Segunda Instância, os Aricapus e os mirokaenses tiveram seu

pedido deferido em 30 de junho de 2010, com a emissão de liminar ordenando a suspensão

das obras.

30. Visando aos interesses da grande maioria da população tucanense, em nome do Estado, o

Advogado Geral da União recorreu em última instância à Suprema Corte de Tucanos,

afirmando que as obras deveriam continuar, já que as populações indígenas e mirokaenses

não apresentaram qualquer elemento probatório que apoiasse seus argumentos referente a

impactos negativos resultantes da construção da hidrelétrica, seja para o território, seja para

as populações deslocadas. Ademais, de acordo com o RIA, os impactos ambientais estão

dentro do limite esperado.

31. O Advogado Geral também destacou que o impedimento das obras iria contra a soberania

do governo, e que os benefícios trazidos pela hidrelétrica são de grande significância para a

população de Tucanos, sendo que sua construção é essencial para o crescimento das

indústrias nacionais e para as populações urbanas, que hoje só têm acesso a recursos

limitados, e que necessitam disso para seu crescimento econômico. Ressaltou que um

impacto negativo sobre uma porção tão pequena da população é justificado pelos benefícios

que a hidrelétrica irá gerar para todos.

7

32. A Suprema Corte decidiu no dia 02 de agosto de 2010 em favor do Estado, confirmando a

decisão do Tribunal de 1ª Instância, e indo contra a decisão do Tribunal de Apelações. Foi

ordenada a revogação da liminar e permitida a continuação das obras, já que em nenhum

momento os direitos indígenas deixaram de ser respeitados e os impactos ambientais ficaram

dentro dos limites estabelecidos pela PTMA.

1.3. Do Procedimento Perante o Sistema Interamericano

33. Com o esgotamento dos recursos internos, o povo indígena Aricapus e os imigrantes

mirokaenses entraram com petição individual na Comissão, no dia 6 de outubro de 2010,

alegando que a República de Tucanos estaria violando:

i) Os artigos 4 (direito à vida), 5 (integridade física), 8 (garantias judiciais), 11 (honra), 21

(propriedade), 22 (liberdade de circulação e de residência), 24 (igualdade) e 25 (proteção

judicial), todos em consonância com o artigo 1.1 da Convenção;

ii) A proteção dos imigrantes, também de acordo com o art. 1.1 da Convenção;

iii) O artigo 11 (meio ambiente saudável) do Protocolo de San Salvador.

34. No dia 15 de outubro de 2010, após uma análise prévia, a Comissão admitiu a petição e

notificou Tucanos, dando um prazo de dois meses para a resposta às acusações das partes.

35. Em 20 de novembro de 2010, Tucanos respondeu afirmando não ter violado qualquer

direito humano, uma vez que todos os procedimentos judiciais e administrativos foram

devidamente cumpridos, de acordo com os requisitos legais. Ademais, o Estado demonstrou

que os planos para a hidrelétrica, conforme exposto no RIA, estavam em consonância com a

PTMA, e que todas as restrições à propriedade privada tinham sido feitas conforme as

especificações dos arts. 21.1 e 21.2 da Convenção, que prevêem a subordinação do direito

8

individual ao uso e gozo de bens por motivo de utilidade pública ou de interesse social,

mediante pagamento de justa indenização.

36. A Comissão decidiu pela violação de Tucanos dos artigos 4, 5, 8, 21, 22 e 25, juntamente

com o artigo 1.1 da Convenção.

37. Em conformidade com o artigo 40 do Regimento da Comissão e com o artigo 49 da

Convenção, a Comissão tentou mediar um acordo amigável entre as partes.

38. Não sendo a mediação de um acordo bem sucedida, e considerando a gravidade da

situação e a posição dos peticionários, a Comissão apresentou o caso à Corte Interamericana,

em conformidade com o artigo 45.2 de seu Regimento.

39. Os representantes da população Aricapus e dos imigrantes mirokaenses apresentaram ao

Tribunal vários documentos, incluindo seus argumentos e pedidos, e reafirmaram que a

República de Tucanos deveria ser responsabilizada pela violação de suas obrigações,

incluindo o art. 11 do Protocolo de San Salvador.

2. DA ANÁLISE LEGAL

2.1. Preliminares

2.1.1. Da Ausência de Violação à Convenção Americana

40. A República de Tucanos tem como base uma democracia estável. Nesse sentido, cabe

destacar a importância da democracia como “elemento fundamental para se obter a

9

observância de direitos humanos” 1, conforme a Declaração e Programa de Ação de Viena de

1993.

41. Um governo democrático busca o interesse de seu povo. Para Rousseau, “a democracia é

uma vontade geral, única e capaz de fazer com que o Estado atenda ao fim para qual foi

instituído, a saber, o bem comum”.2 Uma vez que um Estado Democrático atenda ao

princípio ao qual foi fundado, não há que se falar em violação de direitos. Para Lincoln, o real

significado de Democracia é um Estado que busca “o governo do povo, pelo povo e para o

povo”.3

42. Como Estado democrático de direito, a República de Tucanos tem protegido os nacionais

e estrangeiros igualmente. Neste sentido, Fiorillo esclarece, como responsabilidade estatal, o

“importante papel (...) no sentido de prestar serviços aos nacionais e estrangeiros residentes

no país, principalmente no que se refere à apreciação de lesão ou ameaça a direitos” [grifo

no original].4

43. Ao ratificar a Convenção, Tucanos assumiu o compromisso de proteção aos direitos

humanos e, assim, tem atendido aos preceitos ali contidos, em consonância com o objeto da

Convenção, não só respeitando tal compromisso assumido em relação a outros Estados, mas

ainda com os “indivíduos sob sua jurisdição”.5

1 LINDGREN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva,

2005. p. 154.

2 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10 ed. Malheiros: São Paulo, 1998. p. 212.

3 LINCOLN’S Address at Gettybur In: Riverside Literature Series, p. 124 apud BONAVIDES, Paulo. op. cit., p.

267.

4 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 6.

5 Segundo entendimento da Corte: “La Corte debe enfatizar, sin embargo, que los tratados modernos sobre

derechos humanos, en general, y, en particular, la Convención Americana, no son tratados multilaterales de

tipo tradicional, concluidos en función de un intercambio recíproco de derechos, para el beneficio mútuo de los

10

44. Além disso, “o Estado-parte tem a obrigação de respeitar e assegurar o livre e pleno

exercício desses direitos e liberdades [constantes da Convenção], sem qualquer

discriminação. Cabe ainda ao Estado-parte adotar todas as medidas legislativas e de outra

natureza que sejam necessárias para conferir efetividade aos direitos e liberdades

enunciados”.6

45. Os processos judiciais internos respeitaram os direitos humanos e as garantias judiciais. A

responsabilidade de Tucanos, também neste quesito, atendeu ao disposto na Convenção, de

modo que não há que se falar em violação aos direitos humanos das comunidades Aricapus e

Mirokai. O Estado tem tratado ambas as comunidades de forma totalmente igualitária,

observando ainda a legislação interna e as garantias de seus direitos.

46. Tendo em vista, portanto, que não houve por parte do Estado qualquer violação ou

desrespeito à CADH, não podem as partes agir no sentido de usar a CIDH como um órgão de

revisão da atuação dos órgãos internos, uma vez que a legislação interna do Estado foi

respeitada por órgãos judiciais, prevendo todas as garantias necessárias para preservar os

Estados contratantes. Su objeto y fin son la protección de los derechos fundamentales de los seres humanos,

independientemente de su nacionalidad, tanto frente a su propio Estado como frente a los otros Estados

contratantes. Al aprobar estos tratados sobre derechos humanos, los Estados se someten a un orden legal

dentro del cual ellos, por el bien común, asumen varias obligaciones, no en relación con otros Estados, sino

hacia los individuos bajo su jurisdicción”. Cf. O efeito das reservas sobre a entrada em vigência da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Parecer Consultivo OC-02/82, de 24 de setembro de 1982.

Série A, n. 02. par. 29. Tradução livre.

6 PIOVESAN, Flávia. Introdução ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: a convenção

americana de direitos humanos. In: GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (Org.). O sistema

interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000. p. 31.

11

direitos humanos de todos os cidadãos de Tucanos, e que, referente à legislação interna, está

em consonância com a CADH.

47. Assim, o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos não pode atuar como

quarta instância, como já tem sustentado a Comissão, que, no tocante à reavaliação das

decisões de direito interno, “tem sustentado reiteradamente que ‘não pode analisar as

valorações e irregularidades das decisões judiciais, assim como as interpretações de normas

processuais do direito interno de cada Estado, com efeito de determinar se estas foram ou não

corretamente aplicadas pelos tribunais internos’”.7 Desta forma, não se pode valer da Corte

como um órgão de revisão para alcançar o que se deseja, uma vez que o direito foi aplicado

pelo Estado.8

48. Uma vez que o direito foi aplicado nas instâncias dos Tribunais internos, só caberá

interposição de recurso aos Tribunais de direitos humanos quando houver violação aos

preceitos da CADH, o que não foi evidenciado no caso em tela. Assim, as decisões destes

Tribunais não substituem as decisões dos órgãos internos.9

7 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Informe N° 103/06. Petição 162/04.

Inadmissibilidade. José Luís Valdéz Pineda vs. México. 21 de outubro de 2006. par. 37. Tradução livre.

8 Neste sentido, vem decidindo a Comissão de que a Corte “no puede hacer las veces de un tribunal de alzada

para examinar supuestos errores de hecho o de derecho que puedan haber cometido los tribunales nacionales

que hayan actuado dentro de los límites de su competencia, salvo que existiera evidencia inequívoca de

vulneración de las garantías del debido proceso consagradas en la Convención Americana”. Cf. Ibidem, par.

38.

9 Afirma Cançado Trindade que “os Tribunais internacionais de direitos humanos existentes não ‘substituem’ os

Tribunais internos, e tampouco operam como tribunais de recurso ou cassação de decisões dos Tribunais

internos”. Cf. A interação entre o direito internacional e o direito interno na proteção dos direitos humanos, p.

33 apud PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas

regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 104.

12

49. Sem prejuízo do que foi tratado ainda, ressalta-se que a Comissão já afirmou

anteriormente que o resultado negativo não constitui uma violação aos direitos humanos. O

amparo da proteção judicial reconhecido pela Convenção visa a garantir “o direito a

procedimentos justos, imparciais e rápidos”10, e não um resultado favorável.11

50. Entende-se, assim, que o Estado, atendendo os requisitos do seu direito interno, produz o

real objetivo de proteger os direitos humanos. Ainda que o resultado não seja favorável ao

indivíduo, alcança o que a Comissão considera julgamento justo, com respeito aos direitos

humanos, traduzido, portanto, pelo senso de justiça12, segundo o qual nenhum indivíduo

sofrerá qualquer restrição sem o procedimento que a lei estabeleça.13

51. Ante o exposto, por não ter havido qualquer violação às garantias processuais e aos

direitos humanos, e pelo Estado adotar disposições de direito interno em observância ao art. 2

da CADH, não é cabível a revisão dos julgados internos por esta Corte, por inexistência de

violação aos preceitos da CADH.

10 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Informe N° 103/06. Petição 162/04.

Inadmissibilidade. José Luís Valdéz Pineda vs. México. 21 de outubro de 2006. par. 39. Tradução livre.

11 A Comissão tem expressado: “La protección judicial que reconoce la Convención comprende el derecho a

procedimientos justos, imparciales y rápidos, que brinden la posibilidad, pero nunca la garantía de un

resultado favorable. En sí mismo, un resultado negativo emanado de un juicio justo no constituye una violación

de la Convención”. Cf. Idem.

12 CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 69.

13 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R.. Teoria geral

do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 83.

13

2.1.2. Da Ordem Pública

52. Os fatos apresentados demonstram que é essencial para toda a população de Tucanos a

construção de uma hidrelétrica, e estudos indicam a confluência dos rios Betara e Corvina

como o local mais apropriado. Assim, a construção da hidrelétrica não viola os direitos

humanos, visto que é necessário atender as necessidades mínimas da população tucanense.

53. Conforme os ensinamentos do mestre Cançado Trindade, os elementos básicos para a

sobrevivência são aqueles formulados na Conferência Mundial da OIT sobre Emprego,

Distribuição de Renda e Progresso Social, realizada em Genebra, em julho de 1976: "Em

primeiro lugar, eles incluem certas exigências mínimas de uma família para o consumo

privado: alimentação adequada, abrigo e roupas, bem como certos equipamentos domésticos

e móveis. Segundo, eles incluem os serviços essenciais prestados pela e para a comunidade

em geral, tais como água potável, saneamento, transportes públicos e de saúde, instituições

educacionais e culturais”.14

54. No entanto, o Estado só poderá atender as necessidades básicas da população, como água

potável, saneamento básico, transporte e saúde, se dispor de infraestrutura suficiente. Neste

ponto, a energia elétrica é uma condição básica preliminar necessária para viabilizar o

atendimento das necessidades citadas.

55. A República de Tucanos, para efetivar a demanda por energia elétrica e proteger e

assegurar a toda população - incluindo os povos indígena Aricapus e os imigrantes

mirokaenses - meios essenciais para a sobrevivência, antecipou-se a um futuro crítico

14 INTERNATIONAL LABOUR OFFICE, MEETING BASIC NEEDS – Strategies for erradicating mass poverty

and unemployment, Geneva, ILO, 1977 apud CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direitos humanos e

meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,

1993. p. 100. Tradução livre.

14

previsto por especialistas, que tragicamente se concretizaria se novas fontes de energia –

como a hidrelétrica de Cinco Voltas – não fossem exploradas.

56. Ressalta-se, também, que a segurança do país depende da criação da hidrelétrica, uma vez

que apagões gerados pela falta de energia elétrica podem ter terríveis consequências, como o

aumento da violência e transtornos no atendimento hospitalar e no transporte público.15

57. Menos de um por cento da população será afetada pela construção da hidrelétrica.

Estamos, assim, diante de um conflito de direitos individuais e coletivos da população

tucanense. Neste contexto, é importante ressaltar que não existem direitos absolutos, podendo

ser os direitos fundamentais individuais relativizados em face do direito da coletividade,

conforme prevêem os artigos 21.1 e 21.2 da CADH, que subordinam expressamente o uso da

propriedade pelo indivíduo ao interesse social.16

58. De acordo com o entendimento de Ada Pellegrini Grinover, o direito não pode ser dado

como absoluto, “em face da restrição resultante do princípio da convivência das

liberdades”17, do qual se entende que a liberdade individual de cada pessoa não pode ser

exercida de modo a afrontar a ordem pública e as liberdades de outras pessoas.18

15 ROSA, Luiz Pinguelli. Blecaute: sistema elétrico brasileiro tem vulnerabilidade. Portal de notícias G1,

2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/noticias/brasil/0,,mul1374464-5598,00-sistema+ eletrico+

brasileiro+tem+vulnerabilidade+afirma+pinguelli+rosa.html>. Acesso em: 04 jan. 2011.

16 Conforme o artigo 21 da Convenção, que trata do direito à propriedade privada: §1. Toda pessoa tem direito

ao uso e gozo de seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social (grifo nosso).

17 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As

nulidades do processo penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 129.

18 Idem.

15

59. No tocante ao interesse coletivo, este prevalece sobre o individual. Resta evidente,

portanto, que quando necessária uma intervenção estatal19 nos direitos individuais para

garantia de interesse público primário20, Tucanos observa o princípio da proporcionalidade, e

não ao da discriminação.21 Uma limitação aos direitos individuais se torna uma medida

necessária diante da obrigação do Estado de garantir o interesse da coletividade como um

todo, sendo este direito amparado pela Convenção em seu art. 32.2, na medida em que

garante uma limitação nos direitos de cada pessoa em favor aos direitos dos demais.

60. O Estado, diante de decisões que afetam uma maioria, ou mesmo uma minoria de seu

povo, deve levar em conta o princípio da proporcionalidade22, como exposto. Assim, suas

ações estatais necessariamente devem ponderar a escolha da melhor providência, aquela que

atenda a necessidade do interesse da coletividade, considerando o resultado a ser atingido e

seus possíveis danos.23 Ademais, quando se faz um juízo de proporcionalidade, pondera-se as

19 CARVALHO RAMOS, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de

Janeiro: Renovar, 2005. p. 136.

20 MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 43.

21 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Yatama vs. Nicaragua. Sentença de 23

de junho de 2005. par. 186; Proposta de modificação da constituição política da Costa Rica relacionada

com a naturalização. Parecer Consultivo OC-04/84, de 19 de janeiro de 1984. Série A, n. 04. par. 54. Tradução

livre.

22 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Comunidade Indígena Yakye vs.

Paraguai. Sentença de 06 de fevereiro de 2006. par. 24. Tradução livre.

23 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis

restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília, DF: Brasília Jurídica, 2000. p. 46 apud GUIMARÃES, Ruy

Malveira. O princípio da proporcionalidade. Revista do Ministério Publico do estado do Amazonas, Manaus,

v.2, jan.-dez. 2001, p. 2001 apud FROTA, Hidemberg Alves. Reflexões sobre o princípio tridimensional da

proporcionalidade no direito público comparado. Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do

Campo, ano 9, n. 11, 2005. p. 176.

16

“vantagens de uma medida, em contra partida, o sacrifício exigido a um direito

fundamental”.24

61. Ressalta-se que nenhum dos envolvidos foi desamparado por Tucanos, uma vez que foi

garantida a sua dignidade, já que todos os deslocados receberão um lote de terra do mesmo

tamanho da área onde vivem, além de recursos econômicos suficientes para recomeçarem

suas vidas e atividades, conforme a Política de Deslocados, e o artigo 21.1 da Convenção, em

nome da ordem pública.

62. Com isso, o Estado demonstra efetivo interesse em diminuir ao máximo os danos que

possam atingir as populações Aricapus e mirokaenses, com a construção da hidrelétrica,

cumprindo, assim, o seu compromisso internacional de proteção dos direitos humanos.

2.1.3. Medidas Adotadas pelo Estado

63. O direito internacional garante às pessoas de uma nação o direito de se autogovernar, é a

“competência conferida ao Estado pelo direito internacional”,25 direito este conhecido como

autodeterminação dos povos.

64. Tucanos, em respeito a este princípio, cuida que suas ações respeitem os direitos

humanos, uma vez que a construção da hidrelétrica garante o interesse da coletividade.

65. O artigo 1° da Carta das Nações Unidas garante o direito à autodeterminação dos povos.

Este princípio pode ser visto tanto do ponto de vista interno, que se traduz no “domínio

24 CARVALHO RAMOS, André de, op. cit.,. p. 139.

25 ACCIOLY, Hildebrando, NASCIMENTO E SILVA, G.E.. Manual de direito internacional público. 14. ed.

São Paulo: Saraiva, 2000. p. 104.

17

interno de seu território, e neste sobre pessoas ou coisas”,26 quanto do ponto de vista externo,

na competência para se relacionar com os demais membros da comunidade internacional.27

66. Em face deste princípio, e buscando atender ao interesse público28, pode o Estado

promover a utilização das terras de ambas as comunidades em face de um objetivo legítimo

de uma sociedade democrática.29 O direito de propriedade dos indígenas e o direito de posse

dos imigrantes não estão sendo violados, pois podem ser relativizados em razão do interesse

público. Vale enfatizar que os direitos destes grupos são resguardados pela Política Nacional

de Deslocamento, que se apresenta como uma medida de implementação30 ao compromisso

assumido junto à Convenção Americana de Direitos Humanos.

67. A legislação interna prevê como direito desses grupos a substituição das terras originais

por terras alternativas, e compensação financeira para um recomeço, o que também foi

observado pelos Tribunais locais, reforçando a ideia de proteção aos direitos humanos e a não

violação do compromisso internacional assumido por Tucanos ao ratificar a CADH.

2.2. Do Mérito

2.2.1. Direito à Vida

26 ACQUAVIVA, Cláudio Marcus. Dicionário jurídico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 125.

27 ACCIOLY, Hildebrando, NASCIMENTO E SILVA, G.E, op. cit., p. 104-105.

28 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 687.

29 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Comunidade Indígena Yakye vs.

Paraguai. Sentença de 17 de junho de 2005. par. 144. Tradução livre.

30 PIOVESAN, Flávia, op. cit., p. 117.

18

68. O art. 4° da CADH dispõe sobre o respeito à vida: “1. Toda pessoa tem o direito de que se

respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da

concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.

69. Nenhum direito à vida foi desrespeitado pela República de Tucanos. A legislação interna

garante a proteção do direito à vida, e o Estado fornece meios para preservar as comunidades

indígenas, garantindo acesso à saúde e educação aos Aricapus. Além disso, o direito à vida é

assegurado também aos imigrantes pela Política de Deslocados.

70. Neste sentido, conforme o juiz Augusto Fogel Pedrozo, da Corte, o direito à vida é

reconhecido em diversos instrumentos, segundo os quais a pobreza extrema atenta contra o

direito fundamental à vida, violando a dignidade humana. Especificamente no caso das

comunidades que são afetadas pela pobreza crítica, essa situação implica uma negativa

sistemática da possibilidade de gozar dos direitos fundamentais e inerentes ao ser humano.31

31 Conforme o voto concorrente e dissidente do Juiz Augusto Fogel Pedrozo, “El derecho a la vida está

consagrado en diversos instrumentos, y conforme a ellos la existencia de pobreza extrema, con tendencia

creciente en el país, significa negación de los derechos económicos, sociales y culturales, comprendiendo los

derechos a una alimentación adecuada, a la salud, a la alimentación y al trabajo. La Comisión de Derechos

Humanos de las Naciones Unidas reconoció que la pobreza extrema atenta contra el derecho fundamental a la

vida y determinó los derechos humanos que son esenciales para la protección del derecho a la vida

(alimentación, agua potable, salud). Por su parte la Conferencia Mundial de Derechos Humanos, celebrada en

Viena en 1993, consideró que la pobreza extrema constituye un atentado contra la dignidad humana, como ya

se ha señalado en sentencias anteriores. En el caso de las comunidades indígenas, en especial las afectadas por

la pobreza crítica esa situación implica la denegación sistemática de la posibilidad de gozar de los derechos

inherentes al ser humano”. Cf. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso

Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai. Voto concorrente e dissidente do Juiz Augusto Fogel

Pedrozo. Sentença de 24 de agosto de 2010. par. 21.

19

71. A construção da hidrelétrica visa ao desenvolvimento econômico da República de

Tucanos, e a falta de energia que assolará Tucanos se a hidrelétrica não for construída, afetará

toda a população, incluindo a comunidade indígena de Aricapus e os imigrantes de Mirokai,

colocando em risco a vida e a subsistência de todos, que também poderão ficar reduzidos a

uma abjeta condição de pobreza extrema.

72. O direito à vida é reconhecido pelas Nações Unidas como um direito inerente a todos os

indivíduos e todos os povos, especialmente os grupos vulneráveis, como as populações

indígenas e os imigrantes. Para Cançado Trindade, o respeito à vida não se limita mais ao

simples conceito de privação arbitrária da vida, mas se deve entendê-lo como o dever do

Estado de “buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência”.32

73. Em atenção a estes dois princípios, Tucanos não se manteve inerte ante a necessidade de

deslocamento das populações ribeirinhas. O Estado tanto ofereceu recursos financeiros

quanto novas terra, como forma de amparo aos deslocados.

74. Portanto, ressaltamos a preocupação e a garantia do Estado à preservação e proteção do

direito à vida, reafirmando o compromisso internacional com o art. 4° da CADH.

2.2.2. Integridade Física

75. Prevê o art. 5° da CADH que “1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua

integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas

ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes”.

32 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, op. cit., p. 75.

20

76. Em nenhum momento qualquer cidadão nacional ou estrangeiro foi submetido a atos que

violem a Convenção Americana de Direitos Humanos, já que Tucanos preza o cumprimento

da Convenção, garantindo a integridade de todos que estejam em seu território.

77. Ressalta-se que Tucanos é um estado democrático e, no processo em questão, todos os

envolvidos tiveram a oportunidade de serem ouvidos.

78. Além disso, a integridade física, psíquica e moral do povo Aricapus e dos imigrantes

mirokaenses foram respeitadas.

79. Isso ficou demonstrado com a participação de toda a população na decisão adotada pelo

Estado sobre a construção da hidrelétrica, com a realização de uma audiência pública, o que

descaracteriza qualquer dano psíquico ou moral, reafirmando o caráter democrático de

Tucanos e a preocupação do Estado com sua população, inclusive com os indígenas e com os

imigrantes.

2.2.3. Garantias Judiciais

80. O art. 8° da CADH dispõe: “1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas

garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e

imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal

formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil,

trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (...) 10. Direito de recorrer da sentença a juiz

ou tribunal superior”.

81. Conforme o entendimento da Corte, processo “significa, na verdade, ‘devido processo

legal’, que tem no contraditório elemento essencial”.33 33 JAYME, Fernando G. Direitos humanos e sua efetivação pela Corte Interamericana de Direitos

Humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 135.

21

82. O processo judiciário “é o instrumento de garantia da democracia, ao criar, assegurar,

ampliar e efetivar direitos. É através do devido processo legal que se determinam o conteúdo

e o alcance dos direitos humanos, unifica-se a interpretação da Convenção Americana e

concretizam-se os direitos nela declarados”.34

83. O Estado observou o art. 2° da CADH, instituindo normas internas de preservação à vida,

à integridade, garantindo o acesso dos indivíduos aos meios judiciais, garantindo a

propriedade, a liberdade de circulação e proteção aos indivíduos, inclusive indígenas e

imigrantes, atendendo rigorosamente aos compromissos assumidos pelo Estado com a

Convenção.

84. A obrigação do Estado de respeitar os direitos humanos está relacionada diretamente com

a garantia de um recurso útil e célere perante os Tribunais internos competentes, de acordo

com o estabelecido na Convenção Americana de Direitos Humanos.35

85. Ainda neste sentido, afirma Cançado Trindade que o dever dos Estados de assegurar

recursos eficazes no âmbito interno, imposto pelos tratados de direitos humanos, fazem com

que seja necessário o prévio esgotamento dos recursos de direito interno pelas partes, “como

condição de admissibilidade de suas petições a nível internacional”.36

34 Ibidem, p. 134.

35 CARVALHO RAMOS, André de. Processo internacional de direitos humanos: análise dos sistemas de

apuração de violações de direitos humanos e implementação das decisões no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar,

2002. p. 116-117.

36 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A interação entre o direito internacional e o direito interno na

proteção dos direitos humanos, p. 44 apud PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional

internacional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 250.

22

86. Neste sentido, segundo entendimento da Corte, “a regra do prévio esgotamento dos

recursos internos permite ao Estado resolver o problema segundo seu direito interno antes de

se ver enfrentando um processo internacional”.37

87. Com o esgotamento dos recursos internos, previstos na legislação interna, evidencia-se

que o Estado concedeu às vítimas o acesso ao Poder Judiciário, através dos processos

julgados pelos tribunais locais, tendo ainda garantido, portanto, o devido processo legal e o

duplo grau de jurisdição, reforçando a proteção dos direitos humanos e o compromisso da

República de Tucanos com a CADH.

88. Além disso, toda a comunidade envolvida teve a oportunidade de ser ouvida e manifestar-

se a respeito, atendendo aos ditames dos preceitos do Estado Democrático de Tucanos.

89. Dessa forma, está demonstrado que todos os aspectos da Convenção foram respeitados,

uma vez que se teve o devido processo legal, com amplas garantias constitucionais, num

prazo razoável, tendo ambas as comunidades acesso à justiça e sendo tratadas sob a proteção

do princípio da igualdade, uma vez que o processo teve seus trâmites respeitados, através da

garantia do duplo grau de jurisdição.

2.2.4. Honra

90. Dispõe o art. 11 da CADH que: “1. Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao

reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou

abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência,

nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei

contra tais ingerências ou tais ofensas”. 37 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Godínez Cruz vs. Honduras. Sentença

de 20 de janeiro de 1989. par. 64. Tradução livre.

23

91. Tucanos não ofendeu a honra de qualquer cidadão, indígena, imigrante ou outro. Foram

garantidos os direitos individuais previstos na legislação interna, observados os mandamentos

internacionais assumidos pelo Estado, em consonância com o art. 2° da CADH.

92. Também foi garantido o debate democrático entre os grupos envolvidos e representantes

da sociedade e do Estado, e o acesso ao poder judiciário local pelas vítimas, com o

esgotamento dos recursos internos em três instâncias, a fim de discutir eventuais violações

aos direitos humanos, reforçando a proteção aos direitos humanos e a não violação do

compromisso internacional assumido com a ratificação da CADH pela República de Tucanos.

93. Assim, Tucanos não afetou a honra dos indígenas no tocante à sua readequação em uma

nova área, própria a preservar o meio de existência da comunidade. Além disso, o vínculo da

comunidade indígena com a terra está garantido pelas medidas adotadas pelo Estado,

principalmente pela comunidade Aricapus, que se baseia principalmente na caça, atividade

esta que pode ser exercida plenamente em outra área.

94. Já no tocante aos imigrantes, estes serão beneficiados com a criação do lago da

hidrelétrica, o que garante uma melhor condição para a pesca.

95. Ademais, houve a garantia de recursos para o deslocamento dos envolvidos, evitando-se

ao máximo possível danos físicos, psíquicos e materiais.

96. Dessa forma, as partes não podem alegar que tiveram sua honra violada simplesmente

pela existência de um processo judicial, visto que, conforme já decidido pela Corte, “o

processo judicial não é, por si só, uma afetação ilegal de honra ou dignidade”.38

97. Por fim, vale ressaltar que a não violação da honra já foi corroborada pela Comissão, que

verificou que não houve qualquer violação ao art. 11 da CADH, quando apresentou o caso a

esta Corte. 38 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Cesti Hurtado vs. Peru. Sentença de 29

de Setembro de 1999. par. 177. Tradução livre.

24

2.2.5. Propriedade

98. O art. 21 da CADH prevê: “1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens. A lei

pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social. 2. Nenhuma pessoa pode ser privada de

seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública

ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei. 3. Tanto a usura, como

qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem, devem ser reprimidas pela lei”.

99. A população de imigrantes mirokaenses tem títulos de posse da terra legalizados

conforme a legislação local, e os Aricapus têm propriedade das terras, em conformidade com

jurisprudência da Corte, que diz: “O direito consuetudinário dos povos indígenas deve ser

tido especialmente em conta, para os efeitos de que se trata. Como produto do costume a

posse da terra deveria bastar para que as comunidades indígenas que careçam de um título

real sobre a propriedade da terra obtenham o reconhecimento oficial da propriedade e o

seguinte registro”.39

100. Em Tucanos, os povos indígenas tiveram o reconhecimento oficial da propriedade, e os

imigrantes tiveram o reconhecimento ao direito de posse, de que trata o julgado. A

reclamação de tratamento discriminatório dos tribunais locais, que não teriam respeitado seus

direitos de posse sobre aquele território, não merece guarida. O Estado não só reconheceu a

posse dos imigrantes e a propriedade dos indígenas, mas também fornecerá recursos aos

prejudicados.

101. Além de recursos econômicos suficientes para que possam recomeçar suas vidas e

atividades numa nova área que lhes será designada, diante da necessidade de deslocamento

das populações ribeirinhas de imigrantes de Mirokai e do povo indígena Aricapus para a 39 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Comunidade Indígena Mayagna (Sumo)

Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentença de 31 de agosto de 2001. par. 151. Tradução livre.

25

construção da hidrelétrica, a Política de Deslocados estabelece que todos os deslocados

receberão um lote de terra do mesmo tamanho do lote onde viviam. Tal ação do governo está

em consonância com o disposto no artigo 21.2 da Convenção, que foi observado pela

República de Tucanos.

102. Cabe esclarecer, ainda, que todas as restrições à propriedade privada foram feitas dentro

das especificações do art. 21, 1 e 2 da Convenção e em nome de um interesse social maior,

como tratado no item 57.

103. Portanto, não se pode argumentar que o Estado não respeitou o direito de propriedade, já

que o interesse social de toda a população de Tucanos que está sendo observado, devido à

demanda por energia dos 50 milhões de habitantes, que deve ser contraposto ao descolamento

de menos de 1% da população, ou seja, 6.550 pessoas.

104. Sendo assim, o uso das terras nas margens dos rios Betara e Corvina é amparado pela

Convenção uma vez que garante o uso da propriedade privada por motivo de utilidade

pública, o que foi garantido pela lei interna de política de deslocamento.

105. A conciliação do “direito à propriedade privada e a possibilidade de o Estado nele

intervir para atender à função social constituem um dilema a ser resolvido pelo princípio da

razoabilidade e da proporcionalidade”40, como viso no item 59.

106. Cabe ressaltar que o direito é relativo na propriedade privada.41 Pode-se subordinar o

uso e gozo ao interesse público42; portanto, não é um direito absoluto, o que coaduna com a

CADH.

40 JAYME, Fernando G., op. cit., p. 160.

41 Neste sentido, Alexandre de Moraes diz que: “O direito de propriedade (...) garante que dela ninguém poderá

ser privado arbitrariamente, pois somente a necessidade ou utilidade pública ou o interesse social permitirão a

desapropriação”. Cf. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 174.

26

107. O direito à propriedade e à posse tem exceções. A desapropriação trata de um sacrifício

de direito imposto ao desapropriado.43 “O fundamento político da desapropriação é a

supremacia do interesse coletivo sobre o individual, quanto incompatíveis. O fundamento

jurídico teórico consiste na tradução dentro do ordenamento normativo dos princípios

políticos acolhidos no sistema. Corresponde à ideia do domínio eminente de que dispõe o

Estado sobre todos os bens existentes em seu território”.44

108. Por outro lado, a identidade cultural indígena não está ligada apenas à terra, mas também

em sua relação com os membros da comunidade, à união do grupo, que permite a sua

continuidade no tempo através de gerações.45 Esta união é o que possibilita a preservação da

cultura, dos seus valores.

109. A ligação do índio com a terra não se dá apenas por espaço físico, mas também com sua

organização social, costumes, línguas, crenças e tradição.46

110. Levi Strauss, antropólogo francês, descreveu em visita ao Brasil, como se comportam

algumas tribos sul-americanas: “Os Kaigang cultivam um pouco a terra, mas a pesca a caça e

a colheita de frutos silvestres constituem as suas ocupações essenciais. (...) A caça e a apanha

regem essa vida nômade na floresta, na qual as famílias desaparecem durante semanas a fio,

42 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do estado e da constituição. 14. ed. Belo

Horizonte: Del Rey, 2008. p. 1276.

43 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

p. 852.

44 Ibidem, p. 857.

45 SARMENTO, Daniel. A garantia do direito a posse dos remanescentes de quilombos antes da

desapropriação. Parecer de 09.10.2006. Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-

publicacoes/artigos/documentos-e-publicacoes/docs_artigos/Dr_dDaniel_sarmento.pdf>. Acesso em: 06 jan.

2011.

46 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 767.

27

sem terem sido seguidas por ninguém até aos seus retiros secretos, através dos seus itinerários

complicados. (...) As mulheres transportam toda a fortuna da família dentro dum cesto preso

com uma tira de pano ou com uma larga fita de casca que se prende na testa. (...) Esta vida

nômade pode durar dias ou semanas. A época da caça, a das frutas – jabuticaba, laranja e lima

– acarretam deslocações maciças de toda a população”.47

111. Por outro lado, poderia se cogitar a possibilidade de voluntariamente a comunidade

deslocar-se, e isso, também, não configuraria uma violação ao direito à cultura e integridade

desse povo. Reforçando a ideia, pode-se pensar que, eventualmente, outros motivos levariam

a comunidade indígena Aricapus a não permanecer naquelas terras, já que eles também

subsistem essencialmente da caça.

112. Tucanos em nenhum momento atentou contra esta união, e tampouco privou o povo

indígena do laço que mantém com a terra. O direito à terra dos indígenas foi preservado, o

Estado apenas visou a um remanejamento desta comunidade para outra área, para atender às

necessidades de toda a sociedade. 48

113. Neste caso, cabe ressaltar que, como um Estado democrático, o governo de Tucanos

também garantiu tanto o direito dos indígenas quanto dos imigrantes, através da Política

Nacional de Deslocamento.

2.2.6. Liberdade de Circulação e de Residência

114. Está previsto no art. 22 da CADH que: “1. Toda pessoa que se encontre legalmente no

território de um Estado tem o direito de nele livremente circular e de nele residir, em

conformidade com as disposições legais. (...) 3. O exercício dos direitos supracitados não 47 LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo: Martins Fontes, 1955. p. 202-203.

48 LENZA, Pedro, op. cit., p. 767.

28

pode ser restringido, senão em virtude de lei, na medida indispensável, em uma sociedade

democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a

segurança ou a ordem públicas, a moral ou a saúde públicas, ou os direitos e liberdades das

demais pessoas. 4. O exercício dos direitos reconhecidos no inciso 1 pode também ser

restringido pela lei, em zonas determinadas, por motivo de interesse público. (...) 6. O

estrangeiro que se encontre legalmente no território de um Estado Membro na presente

Convenção só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada em conformidade

com a lei.”

115. O deslocamento dos imigrantes de Mirokai e da população indígena de Aricapus para a

construção da hidrelétrica é permitido pelo art. 22.4, da Convenção, já que se trata de

interesse público. A existência da hidrelétrica é um interesse maior da sociedade, vista como

um todo. Tal interesse deverá ser considerado primário, pois visa atender às necessidades

coletivas, conforme exposto no item 59.

116. Além disso, o direito à liberdade é assegurado pela Política de Deslocados, inclusive dos

grupos envolvidos, pois as comunidades atingidas pela construção da hidrelétrica não estão

limitadas a viver e residir neste pedaço de terra. O Estado está oferecendo novas terras com

recursos suficientes para um recomeço, e cumprindo com sua legislação interna e com os

compromissos internacionais de proteção dos direitos humanos, garantido a estes grupos e

todos os demais indivíduos a livre circulação no Estado.

117. Nenhum dos povos deslocados está impedido de circular livremente pela República de

Tucanos ou foi expulso dela de forma arbitrária. Trata-se apenas de uma restrição para a área

da construção da hidrelétrica, que será aplicada a todos os habitantes do Estado, sendo eles

indígenas, imigrantes, ou não.

29

2.2.7. Igualdade e Proteção aos Imigrantes

118. O art. 24 da CADH dispõe que “Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por

conseguinte, têm direito, sem discriminação alguma, à igual proteção da lei”.

119. Conforme disposto no item 13, a Constituição de Tucanos garante tratamento igual à sua

população, tanto aos seus nacionais quanto aos estrangeiros. Como resultado, a LC 101/1924

estabeleceu a criação da Agência Nacional de Auxilio aos Estrangeiros (ANAE), responsável

por registrar a entrada dos estrangeiros nos país e prestar ajuda humanitária quando

necessário.

120. Através da ANAE, o Estado cumpre o determinado na Resolução 03/08 da Comissão,

que dispõe: “os membros da OEA [devem] promover o cumprimento das obrigações

internacionais assumidas, inclusive as questões relacionadas com a não discriminação, o

devido processo e as salvaguardas processuais básicas, as condições de detenção em

instalações para imigrantes e a obrigação de assegurar que as pessoas em risco de serem

perseguidas não sejam devolvidas a seus países”.49

121. Como já mencionado no item 14, os mirokaenses se registraram na República de

Tucanos conforme as normas da ANAE e adquiriram título de posse das terras onde se

estabeleceram cinco anos depois. Isso só confirma a posição do Estado no sentido de não

discriminar, e de proteger todos os indivíduos, e isso se reflete na existência de uma Agência

Nacional de Auxílio aos Estrangeiros, garantindo-lhes os mesmos direitos dos cidadãos

tucanenses.

49 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução N° 03/08. Direitos humanos

dos migrantes, normas internacionais e diretiva européia sobre retorno. Disponível em: <http://

www.cidh.org/Reso luciones/Resolución%2003-08%20PORT.pdf>. Acesso em: 06. jan. 2011. p. 01.

30

122. Além disso, não houve qualquer tratamento discriminatório entre as comunidades de

imigrantes e indígenas por parte da República de Tucanos que, por ser signatária da

Convenção Americana, tem o maior interesse em atender o disposto em seu artigo 1.1, tanto

que em sua legislação garante todos os direitos pactuados na Convenção.

123. Por essa razão, destaca-se que a República de Tucanos protege as garantias de igualdade

e não-discriminação consagradas na Convenção e que, segundo entendimento da Comissão,

“refletem bases essenciais do próprio conceito de direitos humanos”50.

124. Assim, nacionais e estrangeiros são tratados igualmente, sem discriminação ou

perseguição de quaisquer grupos. Vale ressaltar, como dito no item 79 desta peça, que todos

os grupos envolvidos participaram de uma audiência pública e tiveram acesso aos meios

judiciais do direito interno do Estado.

125. Ademais, dentre este grupo de indígenas e estrangeiros, nem todos serão afetados,

apenas a parte que vive na região ribeirinha, a quem o próprio Estado dará condições de se

readequar, distribuindo terras similares e oferecendo ajuda de custo para seu

restabelecimento.

126. Portanto, cabe ressaltar que o Estado observou o “princípio da não-discriminação”51, que

“consagra que o exercício pleno de todos os direitos e garantias fundamentais pertence a

todas as pessoas, independentemente de sua raça, condição social, genealogia, sexo, credo,

convicção política, filosófica ou qualquer outro elemento arbitrariamente diferenciador”52,

como se verifica nas inúmeras posturas adotadas pelas legislações constitucionais internas

50 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Informe N° 04/01. Caso 11.625. Maria

Eugenia Morales de Sierra vs. Guatemala. 19 de janeiro de 2001. par. 36.

51 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da

Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 67.

52 Idem.

31

modernas, que “pretendem basicamente defender as minorias étnicas (incluindo os indígenas

e os estrangeiros), religiosas, lingüísticas, políticas de discriminações”53.

127. Por fim, destaca-se que um resultado negativo no processo interno não constitui uma

discriminação dos direitos dos grupos envolvidos, matéria já abordada pela Comissão que, ao

apresentar o caso em tela à Corte, não verificou qualquer violação ao art. 24 da CADH, a

saber, que trata sobre a igualdade perante a lei. Ficou demonstrado, portanto, que Tucanos em

nenhum momento violou este direito, pois foi garantido às partes um tratamento igualitário.

128. Ademais, os representantes dos povos Mirokai e Aricapus não fizeram qualquer menção

a tal artigo ao apresentarem ao Tribunal seus argumentos e pedidos.

2.2.8. Proteção Judicial

129. Dispõe o art. 25 da CADH que: “1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e

rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a

proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição,

pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas

que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. 2. Os Estados Membros

comprometem-se. 3. A assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do

Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso. 4. A desenvolver as

possibilidades de recurso judicial. 5. A assegurar o cumprimento, pelas autoridades

competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso”.

53 Idem.

32

130. A proteção judicial declarada no art. 25 da Convenção “constitui um dos pilares básicos,

não só da Convenção Americana, mas do próprio Estado de Direito em uma sociedade

democrática no sentido da Convenção”.54

131. Cançado Trindade aponta o acesso igual e não-discriminatório a recursos internos

judiciais e administrativos em caso de dano ambiental como fator importante para a

implementação do direito ambiental internacional.55

132. O governo de Tucanos não violou qualquer direito em relação à proteção judicial, já que

foi garantido a ambos os grupos o acesso à Justiça. No processo tramitado na ordem interna,

foram garantidos todos os procedimentos judiciais e administrativos, cumpridos de acordo

com os requisitos legais internos e internacionais.

133. Ademais, como tratado no item 49, a garantia refere-se ao direito a um procedimento

justo e imparcial, não sendo garantido, portanto, um resultado favorável.

2.2.9. Meio Ambiente Saudável

134. O art. 11 do Protocolo de San Salvador dispõe que: “1. Toda pessoa tem direito a viver

em meio ambiente sadio e a contar com os serviços públicos básicos.; 2. Os Estados Partes

promoverão a proteção, preservação e melhoramento do meio ambiente”.

135. A República de Tucanos visa a um “desenvolvimento equilibrado” 56, o qual tente a

buscar um crescimento econômico em consonância com um meio ambiente equilibrado. Na

lição de José Afonso da Silva podemos entender como meio ambiente a “interação do

54 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Cesti Hurtado vs. Peru. Sentença de 29

de setembro de 1999. par. 121.

55 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, op. cit., p. 33.

56 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000. p 20.

33

conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento

equilibrado da vida em todas as suas formas”.57 Assim, a existência de um meio ambiente

sadio e equilibrado é uma condição necessária para a efetividade de vários direitos da pessoa

humana, tanto para as gerações presentes quanto para as gerações futuras.58

136. O Estado de Tucanos se preocupou em garantir um meio ambiente sadio, consciente da

dimensão atemporal deste direito basilar, inclusive ao realizar estudos de impacto ambiental,

conforme a legislação local, atendendo aos requisitos do Protocolo de San Salvador.

137. Assim, o Estado cumpriu os planos para a hidrelétrica que, conforme exposto no RIA,

estavam em consonância com a PTMA. O RIA é um procedimento garantidor de proteção do

meio ambiente sob o prisma da efetividade, que permite a participação da sociedade nas

decisões sobre atividades potencialmente causadoras de danos ao meio ambiente.59

138. Ademais, o fato de a construção da hidrelétrica resultar em uma reformulação do meio

ambiente, com um imenso lago de 1.450 km2 de superfície, cria a necessidade de

deslocamento da população ribeirinha de imigrantes de Mirokai e do povo indígena Aricapus,

pois o Estado pretende garantir a continuidade da vida e da cultura dos grupos.

139. Vale dizer, ainda, que, por outro lado, as populações indígenas e mirokaenses ribeirinhas

não apresentaram qualquer evidência concreta de impactos negativos ao meio ambiente

resultantes da construção da hidrelétrica, seja para o território, seja para as populações

deslocadas.

140. Note-se que o direito ao desenvolvimento foi consagrado pela ONU em 1986, através da

Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, e que a República de Tucanos se respalda

57 Idem.

58 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, op. cit., p. 20.

59 ABELHA RODRIGUES, Marcelo; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Manual de direito ambiental e

legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 218.

34

tanto nas disposições da ONU, quanto no Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais60, que em seu artigo 1º também deixa claro o Direito ao Desenvolvimento.

Toda pessoa humana tem direito ao desenvolvimento. É um direito humano inalienável.61 O

Estado deve aplicá-lo, pois dele dependem outros direitos, que garantem uma vida digna.

141. A Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), no Princípio 3

diz que: “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido, de modo a permitir que sejam

atendidas equitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras”.62

142. É nítido que nos dias atuais, a energia elétrica é uma necessidade de toda a população,

bem como as gerações futuras, o que revela o caráter intertemporal da necessidade da

construção da hidrelétrica.

143. Ademais, os diversos direitos humanos devem ser vistos de uma forma conjunta,

interdependente e indivisível.63 Não podemos analisar qualquer direito humano isoladamente.

60 O artigo 1º do Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, dispõe que: “ Todos os

povos tem o direito de livre determinação. Em virtude deste direito, estabelecem livremente sua condição

política e desse modo regulam o seu desenvolvimento econômico, social e cultural (...)”. SALIBA, Aziz Tuffi.

Legislação de direito internacional. 3. ed. São Paulo: Rideel, 2008. p. 296.

61 Conforme artigo 1º: “O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda

pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e

político, a ele contribuir e dele desfrutar (...)”. Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração

sobre o Direito ao Desenvolvimento, 1986. Artigo 1°. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.

usp.br/index.php/Direito-ao-Desenvolvimento/declaracao-sobre-o-direito-ao-desenvolvimento.html>. Acesso

em 09 jan. 2011.

62 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, 1992. Princípio 3. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-

ao-Desenvolvimento/ declaracao-sobre-meio-ambiente-e-desenvolvimento.html>. Acesso em: 09 jan. 2011.

63 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto, op. cit., p. 190.

35

Assim, o direito ao meio ambiente sadio deve ser aplicado em consonância com o direito ao

desenvolvimento, não podendo um direito restringir o exercício do outro.

144. Diante disso, afirma-se que a República de Tucanos analisou os dois direitos em

conjunto, atendendo ao disposto no RIA e no Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, garantindo a todos o direito a um meio ambiente sadio, lembrando que a

hidrelétrica será construída, conforme o Relatório de Impacto Ambiental, causando o menor

impacto possível ao meio ambiente.

* * *

145. Em suma, as condutas realizadas pela República de Tucanos foram no sentido de

garantir os direitos humanos, promovendo o desenvolvimento da população local, inclusive

da comunidade indígena de Aricapus e dos imigrantes de Mirokai.

3. DOS PEDIDOS

146. Diante do exposto, a República de Tucanos respeitosamente solicita a esta honorável

Corte:

(a) que declare a ausência de responsabilidade internacional por parte de Tucanos, no que diz

respeito às supostas violações aos arts. 4, 5, 8, 11, 21, 22, 24 e 25 da Convenção, combinados

com o artigo 1.1 do mesmo diploma, além do artigo 11 do Protocolo de San Salvador.