Cosmologia - Da origem ao fim do Universo (3)

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Módulo 3 do curso de cosmologia oferecido pelo Observatório Nacional

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  • Ensino a DistnciacosmologiaDa origem ao fim do universo

    2015Mdulo 3

    A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso do contedo do universo

  • Esta publicao uma homenagem a Antares Cleber Crij (1948 - 2009) que dedicou boa parte da sua carreira cientfica divulgao e popularizao da cincia astronmica.

    Presidente da RepblicaDilma Vana Rousseff

    Ministro de Estado da Cincia, Tecnologia e InovaoJos Aldo Rebelo Figueiredo

    Secretrio-Executivo do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovaolvaro Doubes Prata

    Subsecretrio de Coordenao de Unidades de PesquisasKayo Jlio Csar Pereira

    Diretor do Observatrio NacionalJoo Carlos Costa dos Anjos

    Observatrio Nacional/MCTI (Site: www.on.br)Rua General Jos Cristino, 77So Cristvo, Rio de Janeiro - RJCEP: 20921-400

    Criao, Produo e Desenvolvimento (Email: [email protected])

    Carlos Henrique VeigaCosme Ferreira da Ponte NetoRodrigo Cassaro ResendeSilvia da Cunha LimaVanessa Arajo SantosGiselle VerssimoCaio Siqueira da SilvaLuiz Felipe Gonalves de Souza

    2015 Todos os direitos reservados ao Observatrio Nacional.

    Equipe de realizao

    Contedo cientfico e textoCarlos Henrique Veiga

    Projeto grfico, editorao e capaVanessa Arajo Santos

    Web DesignGiselle VerssimoCaio Siqueira da Silva

    ColaboradoresAlexandra Pardo Policastro NatalenseNey Avelino B. SeixasAlex Sandro de Souza de Oliveira

    Imagem do Grande Aglomerado Globular da Constelao de Hrcules. Mostra uma grande diversidade de galxias em in-terao. Foi descoberto pelo ingls Edmond Halley em 1714. Est a uma distncia de 25100 anos-luz do Sistema Solar. Pode conter mais de um milho de estrelas

  • Mdulo 3

    Ensino DistnciacosmologiaDa origem ao fim do universoo

    2015A Teoria relativstica da Gravitao e a

    nova viso do contedo do universo

  • 156 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    O DESLOCAMENTO PARA O VERMELHO (REDSHIFT)

    Apresentaremos alguns detalhes de um dos conceitos mais importantes no estudo da astronomia extragalctica e da cosmologia: o deslocamento para o vermelho ou redshift. Este conceito ser mais detalhado medida que formos progredindo no conhecimento da teoria do Big Bang.

    O Espectro Eletromagntico A fsica nos diz que a luz que nossos olhos conseguem perceber somente

    uma pequena parte de um conjunto muito maior de formas de radiao que chamamos de radiao eletromagntica.

    Foi o fsico escocs James Clerk Maxwell quem primeiro mostrou que essa radiao eletromagntica tinha as propriedades de uma onda. Ela ento pas-sou a ser chamada de onda eletromagntica.

    Sendo uma onda, a radiao eletromagntica possui todas as propriedades que caracterizam as ondas, ou seja, comprimento de onda e frequncia.

    Vamos ento definir algumas grandezas bsicas do movimento ondulatrio.

    Caracterizamos uma onda por: Seu comprimento de onda: que a distncia entre os mximos da

    onda.

    Sua frequncia: que o nmero de mximos da onda que passam por um determinado ponto em um segundo.

    A velocidade de propagao de uma onda eletromagntica representada pela letra c e corresponde a

    c = 2,99792458 x 108 m/s~3,00 x 108 m/s no vcuo

    Aps Maxwell ter provado que a onda eletromagntica se propaga no v-cuo com uma velocidade constante de aproximadamente 300000 quilmetros por segundo, foi fcil verificar que havia uma relao entre a velocidade c de propagao da onda eletromagntica, sua frequncia e seu comprimento de onda . Esta relao

    que pode ser escrita como

    20

    PROPRIEDADE SMBOLO UNIDADE DE MEDIDAfrequncia Hertz (Hz) = ciclos/segundo

    comprimento de onda

    centmetro (cm)ou ngstroms () = 10-8 cm

    ou nanmetros (nm) = 10-9 m = 10-7 cm = 10

    O Deslocamento para o Vermelho

    (Redshift)

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 157

    ou ento

    A DESCOBERTA DO REDSHIFT

    Em maio de 1842 o fsico austraco Christian Johann Doppler apresentou em um congresso de cincias naturais que ocorreu na cidade de Praga um artigo onde descrevia uma descoberta que o tornaria imortal na cincia. Ele verificou que a frequncia do som emitido por uma fonte sonora mudava quando havia um movimento relativo entre o corpo emissor e um obser-vador. A comunicao apresentada por Doppler tinha o ttulo ber das farbige Licht der Doppelsterne und einiger anderer Gestirne des Himmels, e foi apresentada por escrito em 1843 na revista Abh. knigl. bhm. Ges. Wiss. 2, 465-482, 1843.

    Em junho de 1845 o meteorologista Christoph H.D.Ballot, de Utrecht, Ho-landa, confirmou a descoberta de Doppler durante uma viagem de trem que realizou entre Utrecht e Amsterdam.

    Pouco tempo depois o prprio Doppler realizaria uma experincia para provar sua teoria. Sua ideia foi brilhante. Ele colocou em um vago de um trem um grupo de msicos que deveria tocar a mesma nota musical durante toda a viagem. Ao mesmo tempo, um outro grupo de msicos foi colocado em uma estao de trem e tinha a misso de registrar qual a nota musical que eles esta-vam ouvindo tanto quando o trem se aproximasse da estao como quando ele se afastasse. Ou seja, a experincia mostrava que frequncias mais altas produ-zem sons mais agudos e frequncias mais baixas produzem sons mais graves.

    Anos mais tarde o fsico francs Armand Hippolyte Louis Fizeau verifi-cou que as concluses de Doppler se aplicavam no s ao som mas tambm radiao eletromagntica. Em 1848 ele observou que os corpos celestes que se aproximam da Terra eram vistos com uma cor mais azulada (frequncias maiores) enquanto que aqueles que se afastam de ns tinham uma cor mais avermelhada (frequncias menores). Isso quer dizer que o espectro eletro-magntico deslocado para maiores ou menores frequncias dependendo do movimento relativo entre o observador (no caso o nosso planeta) e a fonte que emite a radiao.

    No caso da radiao que compe a parte visvel do espectro eletromagnti-co, quando a fonte emissora se aproxima do observador sua frequncia des-locada na direo do ultravioleta extremo do espectro. Quando esta fonte se afasta do observador a frequncia da onda emitida deslocada para o infraver-melho extremo do espectro eletromagntico. Isso quer dizer que, do mesmo modo que as ondas sonoras, as ondas eletromagnticas possuem frequncias mais altas quando se aproximam de ns e mais baixas quando se afastam.

    O efeito descoberto por Doppler se aplica a qualquer tipo de onda e ficou conhecido como efeito Doppler.

    O EFEITO DOPPLER CLSSICO

    Certamente todos j sentimos o efeito sonoro que ocorre quando um carro de polcia se aproxima de ns. O som emitido por sua sirene mais agudo medida que o carro se aproxima e quando ele se afasta souvimos um som mais grave. O som emitido pelos carros de corriga na Frmula 1 tambm apresenta esse efeito.

    Christian Johann Doppler (1803 - 1853).

    Armand Hippolyte Louis Fizeau (1819 - 1896).

    Espectro eletromagntico

  • 158 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    POR QUE ISSO ACONTECE?

    Para entender melhor esse fenmeno vamos considerar uma fonte sonora e um observador que se locomovem ao longo da reta que os une. Suponha que a fonte sonora est em repouso em relao ao meio e o observador est em movimento em relao fonte (se afastando ou se aproximando) com uma velocidade vo. A frequncia emitida pela fonte sonora representada por . A fsica diz que a frequncia ouvida pelo observador dada por

    A letra v representa a velocidade do som no meio considerado.

    Nesta expresso o sinal positivo se refere situao na qual o observador se aproxima da fonte. Quando isso acontece o observador intercepta um nmero maior de ondas. Veja que, neste caso, a frequncia recebida pelo observador maior do que a frequncia que ele ouviria se estivesse em repouso, portanto ele escuta um som mais agudo.

    O sinal negativo nesta equao corresponde ao caso em que o observa-dor se afasta da fonte, quando ento ele recebe um nmero menor de ondas medida que se afasta. Veja, tambm, que neste caso a frequncia recebida pelo observador menor do que a frequncia que ele ouviria se estivesse em repouso, ou seja, ele escuta um som mais grave.

    O mais importante notar que em ambos os casos considerados acima a causa da variao da frequncia devida ao fato do observador interceptar um nmero maior ou menor de ondas, por intervalo de tempo, devido ao seu movimento atravs do meio.

    importante notar que estas equaes mudam se considerarmos agora que a fonte que se desloca e o observador permanece estacionrio. Suponha agora que a frequncia da fonte dada por e sua velocidade de deslocamento vf. A variao da frequncia do som recebido pelo observador ser dada pela expresso

    Agora o sinal negativo se refere ao caso em que a fonte se aproxima do observador e o sinal positivo fonte se afastando do observador. A causa da variao da frequncia devida ao fato de que o movimento da fonte, atravs de um meio, faz diminuir ou aumentar o comprimento de onda transmitido atravs dele.

    E se a fonte e o observador estiverem em movimento? Neste caso a equao

    onde os sinais superiores, positivo no numerador e negativo no denomina-dor, correspondem situao em que a fonte e o observador esto se aproximan-do. Os sinais inferiores, negativo no numerador e positivo no denominador, se referem situao em que a fonte e o observador esto se afastando.

    Chama-se a ateno para o fato de que todas as equaes acima se refe-rem situao particular em que fonte e observador se deslocam ao longo de uma reta que os liga. Vale lembrar que a frequncia emitida pela fonte depen-de apenas da prpria fonte e no se altera com o movimento. Isso significa,

    Como a fonte se aproxima do observador direita, este intercepta um nmero maior de ondas por unidade de tempo. A frequncia maio, portanto o som fica mais agudo. J o observador esquerda, escuta um som mais grave, pois intercepta um nmero menor de ondas por unidade de tempo (frequncia menor).

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 159

    por exemplo, que o piloto do carro de Frmula 1 escuta o barulho do motor sempre na mesma frequncia, e no percebe a variao na frequncia que os expectadores escutam.

    Embora o efeito Doppler seja comum a qualquer tipo de onda, existem diferenas entre as equaes do efeito Doppler para o som, mostradas acima, e aquelas para o caso da radiao eletromagntica. Isso ocorre porque a radia-o eletromagntica no precisa de um meio material para se propagar e sua velocidade tem sempre o mesmo valor constante, c, tanto em relao fonte como ao observador, como foi provado pela Teoria da Relatividade Especial criada por Henri Poincar e Albert Einstein. Deste modo, s deve existir uma nica equao (e no duas) para o deslocamento Doppler da radiao eletro-magntica e esta equao relativstica.

    Para a radiao eletromagntica o efeito Doppler descrito pela equao

    onde: C= Velocidade da onda eletromagntica.

    V= Velocidade relativa entre a fonte e o detector.

    Os sinais negativos do numerador e positivo do denominador se referem situao em que a fonte e o detector esto se afastando. O sinal positivo no numerador e negativo no denominador se referem situao em que a fonte e o detector esto se aproximando.

    O QUE O REDSHIFT?

    A maior fonte de informao sobre os corpos celestes que a astronomia possui a radiao eletromagntica que eles emitem ou refletem. natural ento que nos concentremos sobre o redshift da radiao eletromagntica.

    Redshift uma palavra da lngua inglesa que significa deslocamento para o vermelho. O redshift um deslocamento produzido na frequncia de uma onda eletromagntica na direo de frequncias mais baixas ou, equiva-lentemente, comprimentos de onda maiores.

    O redshift definido como a variao no comprimento de onda da luz dividida pelo comprimento de onda desta mesma luz medido em repouso.

    A expresso do redshift :

    z= (comprimento de onda observado - comprimento de onda emitido) / (comprimento de onda emitido)

    ou seja,

  • 160 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    Como o comprimento de onda dado por

    podemos escrever o redshift como:

    z= (frequncia emitida - frequncia observada) / (frequncia observada) ou seja,

    Tambm podemos escrever estas equaes como:

    z= (comprimento de onda observado) / (comprimento de onda emitido) - (comprimento de onda emitido) / (comprimento de onda emitido) = (com-primento de onda observado) / (comprimento de onda emitido) - 1

    ou seja,

    Do mesmo modo, temos que

    z= (frequncia emitida) / (frequncia observada) - (frequncia observada) / (frequncia observada)= (frequncia emitida) / (frequncia observada) - 1

    ou seja,

    Juntando tudo isso temos

    z = (comprimento de onda observado) / (comprimento de onda emitido) - 1= (frequncia emitida) / (frequncia observada) - 1

    ou seja,

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 161

    Em geral esta equao colocada na forma:

    1 + z= (comprimento de onda observado) / (comprimento de onda emitido) = (frequncia emitida) / (frequncia observada)

    ou seja,

    OS VRIOS TIPOS DE REDSHIFT

    efeito Doppler

    Se uma fonte luminosa est se afastando de um observador dize-mos que est ocorrendo um redshift (z > 0).

    Se uma fonte luminosa est se deslocando na direo do observa-dor dizemos ento que est ocorrendo um blueshift (z < 0).

    Isto verdade para todos os tipos de ondas eletromagnticas e explicado pelo efeito Doppler. Consequentemente este tipo de redshift tambm chamado de redshift Doppler.

    Se a fonte est se afastando do observador com uma velocidade v, ento, ignorando os efeitos relativsticos, o redshift dado por

    onde c a velocidade da luz. Note, entretanto, que esta expresso apenas aproximada e precisa

    ser modificada quando estamos tratando com velocidades prximas velocidade da luz.

    expanso do espao-tempo

    Um efeito muito semelhante ao efeito Doppler causado pela ex-panso do espao-tempo prevista pelos modelos atuais da cosmologia fsica. Mais uma vez as propriedades da fonte no so modificadas, mas os comprimentos de onda da luz sero esticados medida que o espao-tempo atravs do qual ele est se deslocando se expande. Isso aumenta o comprimento de onda da luz.

    Este tipo de redshift tambm chamado de redshift cosmolgico ou redshift de Hubble.

    Podemos usar as seguintes equaes neste caso:

  • 162 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    onde:

    gravitacional

    A teoria da Relatividade Geral mostra que quando a radiao ele-tromagntica se desloca atravs de fortes campos gravitacionais o seu comprimento de onda sofre ou um deslocamento para o vermelho (redshit) ou um deslocamento para o azul (blueshift). Isto conhecido como redshift gravitacional.

    Este efeito muito pequeno, mas mensurvel, na Terra usando o chamado efeito Mssbauer. Entretanto ele bastante significativo pr-ximo a um buraco negro e medida que um objeto se aproxima do horizonte de eventos o redshift se torna infinito. Ele tambm a causa principal das flutuaes de temperatura em grande escala angular que observamos na radiao de fundo de microonda csmica.

    OS MAIORES REDSHIFTS AT AGORA DETECTADOS

    O telescpio ptico-infravermelho japons Subaru, com 8,2 metros de di- metro do espelho principal, detectou a presena de uma galxia afastada de ns 12,8 bilhes de anos-luz. Esta a galxia mais distante at agora detecta-da. Observando uma rea do cu equivalente ao tamanho da Lua, este grupo de pesquisadores japoneses detectou mais de 50000 objetos, entre os quais estavam includas muitas galxias extremamente fracas. Eles ento seleciona-ram as galxias preferencialmente brilhantes no vermelho, encontrando cerca de 70 possveis objetos que poderiam ter redshifts de 6,6, o que equivale a uma distncia de cerca de 13 bilhes de anos-luz.

    Observaes posteriores confirmaram que duas dessas galxias candida-tas tinham redshifts de 6,578 e 6,56. A primeira a galxia SDF132418 e a segunda a galxia HCM-6A. Estas medidas de redshift indicavam que a luz proveniente delas e que estava sendo registrada havia sido emitida quando o Universo tinha somente cerca de 900 milhes de anos de idade.

    Uma outra deteco de grande redshift ocorreu no Very Large Telescope (VLT) do European Southern Observatory (ESO). No ano de 2004 um grupo de pesquisadores suos e franceses encontrou uma galxia qual eles atribu-ram o redshift 10,0. Esta galxia estava localizada no aglomerado de galxias Abell 1835 IR1916 e estava a cerca de 13,23 milhes de anos-luz d e ns. Sua luz havia sido emitida quando o Universo tinha apenas 470 milhes de anos. A imagem ao lado mostra a deteco feita por estes astrnomos.

    No entanto, levantamentos posteriores feitos por outros observatrios no conseguiram detectar este objeto. No momento no podemos afirmar se a de-terminao feita pelos astrnomos franceses e suos correta.

    A LEI DE HUBBLE

    Quando Hubble combinou suas medies de distncias de galxias com as medies de redshifts associados com as galxias que tinham sido obtidas por Vesto Slipher, ele verificou que havia uma aproximada relao de propor-cionalidade entre as distncias medidas e os correspondentes redshifts. Com

    Telescpio Subaru, montado no Mauna Kea, Hava.

    Galxia com Redshift 10,0 no aglomerado Abell 1835 IR1916.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 163

    apenas 46 galxias estudadas, Hubble descobriu que a relao linear entre a velocidade de afastamento e a distncia s galxias podia ser escrita como:

    onde v a velocidade de afastamento da galxia medida a partir do seu redshift e tipicamente expressa em km/s. A letra D a distncia que a radiao eletromagntica gerada pela galxia viajou at chegar ao referencial inercial do observador. A distncia D medida em megaparsecs (Mpc).

    Hoje escrevemos a expresso acima como

    onde Ho a chamada constante de Hubble. Na verdade a expresso mais geral deve ser escrita como

    onde H o parmetro de Hubble que um valor que varia com o tempo. Consideramos que Ho o valor de H no momento da observao.

    QUAL O VALOR DA CONSTANTE DE HUBBLE?

    O valor da constante de Hubble foi (e ) um dos grandes problemas da cos-mologia. Quando Hubble estabeleceu a expresso matemtica que mostramos anteriormente, obteve para essa constante o valor aproximado de 440 km/s/Mpc. Durante a maior parte da segunda metade do sculo XX o valor da cons-tante de Hubble Ho foi estimado entre 50 e 90 km/s/Mpc. O valor da constante de Hubble foi o assunto de uma longa e um tanto amarga controvrsia entre Grard de Vaucouleurs, que dizia que o valor de Ho era 100 km/s/Mpc, e Allan Sandage, que afirmava este valor ser de 50 km/s/Mpc.

    Em 1996 foi feito um debate sobre esta questo, sob a presidncia de John Bahcall, no qual participaram os astrnomos Gustav Tammann e Sidney van den Bergh. Em maio de 2001 o Hubble Key Project divulgou que a estimati-va final do valor da constante de Hubble Ho era de 72 8 km/s/Mpc.

    Em 2003 o satlite artificial norte-americano Wilkinson Microwave Aniso-tropy Probe (WMAP), usando um mtodo completamente independente, base-ado na medio das anisotropias da radiao de fundo de microondas csmicas, obteve que o valor da constante de Hubble era de 70,1 1,3 km/s/Mpc.

    A importncia da medio do valor correto da constante de Hubble imensa. Veja a partir da equao que se conhecermos o valor atual de Ho e obtendo o valor de v a partir das medies de redshift, podemos saber, com muita facilidade, a que distncias esto as galxias!

    DEFINIES IMPORTANTES PARA A COSMOLOGIA

    A partir da constante de Hubble os cosmlogos passaram a definir algumas unidades que se mostraram teis na descrio do Universo. Elas so o tempo de Hubble, o comprimento de Hubble e o volume de Hubble. Veremos agora suas definies e, mais tarde, mostraremos sua aplicao teoria.

    Tempo de Hubble A constante de Hubble H0 tem as unidades de inverso do tempo. A partir disso,

    definimos um tempo de Hubble como sendo o inverso da constante de Hubble.

    Satlite Wilkison Microwave Anistropy Probe (WMAP).

    Referencial inercial de um observador aquele no qual o observador est em

    equilbrio.O observador em equilbrio aquele que no tem foras atuando sobre ele: ele est

    ou parado (em repouso) ou em movimento retilneo uniforme. O observador em equilbrio no est sofrendo qualquer

    forma de acelerao.

    Ateno: a constante de Hubble na verdade no uma constante e sim um parmetro que varia com o tempo. No entanto ela uma constante para cada

    instante de observao.

  • 164 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    O valor do tempo de Hubble no modelo cosmolgico padro de

    tH= 4,35 x 1017 s ~ 13,8 bilhes de anos

    Comprimento de Hubble O comprimento de Hubble uma unidade de distncia usada na cosmo-

    logia. Ela definida como

    ou seja, a velocidade da luz c multiplicada pelo tempo de Hubble.

    O comprimento de Hubble equivale a 4228 milhes de parsecs ou 13,8 bi-lhes de anos-luz. O leitor atento notou que os valores numricos do compri-mento de Hubble, em anos-luz, e do tempo de Hubble, em anos, so iguais (valor numrico igual a 13,8). Essa coincidncia feita por definio.

    OS AGLOMERADOS DE GALXIAS

    Mostramos abaixo o resultado do levantamento feito pelo Center for As-trophysics (CfA) com um total de 30926 galxias. Embora esse nmero possa parecer pequeno tendo em vista os bilhes de galxias existentes no Universo, ele permite ter uma viso bem interessante de como as galxias se distribuem ou seja, de como o Universo em larga escala.

    Essa primeira imagem nos mostra a distribuio dessas 30926 galxias, que formam o catlogo do CfA, em um diagrama que usa as chamadas coor-denadas galcticas.

    As galxias no esto espalhadas aleatoriamente no Universo. Em vez dis-so, estudos sobre a sua distribuio nos revelam que a maioria das galxias est gravitacionalmente associada se reunindo em aglomerados de galxias.

    Os aglomerados de galxias podem ser classificados de acordo com vrias propriedades. Por exemplo:

    riqueza (nmero de membros)

    forma (regular (esfrica, achatada) ou irregular)

    contedo de galxias: rico em espirais, pobre em espirais, rico em elpticas

    Os aglomerados podem conter um nmero bastante variado de galxias. Em funo disso, os astrnomos classificam os aglomerados de galxias em:

    aglomerados ricosOs aglomerados ricos chegam a possuir milhares de galxias. O aglo-merado de galxias mais rico que est mais prximo de ns o aglo-merado Virgo, situado a 60 milhes de anos-luz da nossa Galxia. Ele contm cerca de 2500 galxias, a maior parte delas elpticas.

    aglomerados pobresOs aglomerados pobres em geral possuem apenas 20 ou 30 galxias. Por este motivo eles so tambm chamados de grupos de galxias. Os

    21 Os aglomerados

    de galxias

    Exemplo do aglomerado Rico de galxias.

    Exemplo do aglomerado Pobre de galxias.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 165

    grupos de galxias so muito mais numerosos do que os aglomerados ricos.O Grupo Local, o aglomerado de galxias ao qual a nossa Galxia per-tence, formado por cerca de 30 galxias apenas.

    Por outro lado, a forma global de um aglomerado est relacionada com os tipos de galxias dominantes que ele contm. Os aglomerados regulares, ricos, so formados por uma maioria de galxias elpticas e S0. Por exemplo, aproxi-madamente 80% das galxias pertencentes ao aglomerado Coma so elpticas. J os aglomerados irregulares, tais como o aglomerado Virgo e o aglomerado Hercules, possuem uma mistura mais equilibrada de tipos de galxias.

    Um outro ponto importante a destacar no estudo dos aglomerados de galxias que alguns aglomerados so intensos emissores de radiao rdio enquanto que outros emitem raios X.

    O GRUPO LOCAL DE GALXIAS

    A nossa Galxia faz parte de um aglomerado pobre, um pequeno grupo de galxias que chamado de Grupo Local.

    O Grupo Local dominado por duas galxias espirais gigantes, a galxia Andrmeda e a nossa prpria Galxia. A terceira maior galxia do Grupo Lo-cal a galxia espiral Triangulum (M33).

    Alm da galxia Messier 33, uma galxia tipo Sc de massa intermediria, existem no Grupo Local mais 15 galxias elpticas e 13 irregulares. A maioria das galxias pertencentes ao Grupo Local so elpticas ans.

    As galxias irregulares, Grande Nuvem de Magalhes e Pequena Nuvem de Magalhes, so satlites da nossa Galxia. Do mesmo modo, as galxias Messier 32 e NGC 205 so galxias satlites da grande galxia Andrmeda.

    O Grupo Local tem um dimetro de cerca de 3 milhes de anos-luz e sua massa total de 5 x 1012 Msolares.

    A imagem acima mostra a galxia SagDEG abreviao de Sagittarius Dwa-rf Elliptical Galaxy (SagDEG). A SagDEG est localizada a cerca de 80000

  • 166 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    anos-luz da nossa Galxia, na constelao Sagittarius, e foi descoberta somen-te em 1994 pelos astrnomos R. Ibata, M. Irwin, e G. Gilmore. At outubro de 2005 ela era considerada a galxia mais prxima de ns, tendo superado a Grande Nuvem de Magalhes que durante muitos anos foi considerada a galxia mais prxima da nossa.

    A galxia SagDEG no momento est passando por um encontro com a nossa Galxia, o que, provavelmente, ir perturb-la e modific-la. Esta ga-lxia possui um brilho superficial muito baixo e, por esta razo, ficou tanto tempo sem ser conhecida. No entanto, ela muito grande, com cerca de 10000 anos-luz de comprimento. A galxia SagDEG possui 4 aglomerados globula-res, M54 (imagem direita), Arp 2, Terzan 7 e Terzan 8, que provavelmente sero capturados pela nossa Galxia, enriquecendo o nosso halo.

    AS GALXIAS PERTENCENTES AO GRUPO LOCAL

    AS GALXIAS DO GRUPO LOCAL

    Galxia Ascenso Reta DeclinaoDistncia (x 1000

    anos-luz)

    WLM(Wolf-Lundmark-Melotte)

    00:02.0 -15:28 3400

    IC 10 00:20.4 +59:18 4200

    Cet dw 00:26.1 -11:02 2800

    NGC 147 00:33.2 +48:31 2400

    And III 00:35.4 +36:31 2900

    NGC 185 00:39.0 +84:20 2300

    M110 00:41.3 +41:41 2900

    And IV(pode ser apenas um grande aglomerado globular na galxia M31 e no uma galxia. Pode tambm ser uma galxia muito

    mais longnqua e no pertencente ao Grupo Local)

    00:42.5 +40:34 2900

    M 32 00:42.7 +40:52

    M 31 00:42.7 +41:16 2900

    And I 00:45.7 +38:00 2900

    SMC 00:51.7 -73:14 210

    Scl dw 01:00.0 -33:42 300

    LGS 3(Local Group Suspected 3)

    01:03.8 +21:53 3000

    IC 1613 01:05.1 +02:08 2900

    And V 01:10.3 2900

    And II 01:16.4 +33:27 2900

    M 33 01:33.9 +30:39 3000

    Phe dw 01:51.1 -44:27 1600

    For dw 02:39.9 -34:32 500

    UGCA 86(pode no ser membro do Grupo Local)

    03:59.9 +67:08 6200

    Aglomerado globular M54, na Galxia SagDEG.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 167

    UGCA 92 04:27.4 +63:30 4700

    LMC 05:19.7 -68:57 179

    Car dw 06:14.6 -50:58 360

    Leo A(pode no ser membro do Grupo Local)

    09:59.4 +30:45 2500

    Sex B 10:00.0 +05:20 4700

    NGC 3109 10:03.1 -26:09 4500

    Ant dw 10:04.1 -27:20 4600

    Leo I 10:08.5 +12:18 900

    Sex A 10:11.1 -04:43 5200

    Sex dw 10:13.2 -01:37 320

    Leo II 11:13.5 +22:10

    GR 8(pode no ser membro do Grupo Local)

    12:58.7 +14:13 7900

    UMi dw 15:08.8 +67:12 240

    Dra dw 17:20.1 +57:55 280

    Galxia(nossa Galxia)

    17:45.6 -28:56 28

    SagDEG(Sagittarius Dwarf Elliptical Galaxy)

    18:55 -30:30 80

    SagDIG(Sagittarius Dwarf Irregular Galaxy)

    19:30.1 -17:42 4200

    NGC 6822 19:44.9 -14:49 1800

    Aqr dw 20:46.8 -12:51 3400

    IC 5152(pode no ser membro do Grupo Local)

    22:06.1 -51:17 5800

    Tuc dw 22:41.7 -64:25 3200

    UKS2323-326 23:26.5 -32:23 4700

    And VII 23:27.8 +50:35 3000

    And VI 23:51.7 +24:36 2800

    OUTROS GRUPOS DE GALXIAS

    O Grupo Compacto Hickson 87 O Grupo Compacto Hickson 87 (Hickson Compact Group 87 - HCG 87)

    um conjunto de quatro galxias localizado na constelao Capricornus a uma distncia de cerca de 400 milhes de anos-luz de ns. Este grupo de galxias tem um dimetro de 52 kpc, o que corresponde a cerca de 170000 anos-luz.

    A imagem ao lado foi obtida pelos astrnomos Sally Hunsberger (Lowell Observatory, Flagstaff, Arizona) e Jane Charlton (Pennsylvania State Univer-sity) usando a Wide Field and Planetary Camera 2 do Hubble Space Telescope. Ela nos mostra os complexos detalhes que existem nas camadas de poeira do maior objeto do grupo, a galxia HCG 87a. Esta galxia tem a forma de um disco mas est to inclinada em relao a ns que a vemos quase de perfil.

    Grupo compacto de Hicksen 87, ou HCG 87.

  • Tanto a galxia 87a como sua vizinha de forma elptica, a galxia 87b, tm ncleos galcticos ativos (AGN), onde buracos negros supermassivos engo-lem o gs que est na sua vizinhana. Uma fraca ponte de estrelas e gs, produzida por efeito de mar, pode ser vista se estendendo da galxia 87a, vista de borda, s galxias elpticas.

    O terceiro membro do grupo, a galxia espiral 87c, pode ser uma galxia starburst, um tipo de galxia que estar passando por um violento processo de formao de estrelas.

    Estas trs galxias esto to prximas umas das outras que a interao gravita-cional entre elas modifica suas estruturas e altera seus processos de evoluo.

    O quarto elemento deste grupo deve ser a pequena galxia espiral que est localizada prxima ao centro do grupo. No entanto, alguns astrnomos acre-ditam que ela um objeto situado muito mais distante que as outras e no est relacionada com este grupo.

    O QUINTETO DE STEPHAN O SEXTETO DE SEYFERT

    OQuinteto de Stephan, um grupo de cinco galxias localizado na constelao Pegasus. formado pelas

    galxias NGC 7317, NGC 7318A, NGC 7318B, NGC 7319 e NGC 7329. Este grupo apresenta uma caracterstica especial; quatro de suas galxias apresentam grandes

    deslocamentos similares em direo ao vermelho nas linhas espectrais, enquanto que a galxia NCG

    7320, que aparenta ser membro do grupo, mostra um deslocamento para o vermelho muito menor.

    Alguns astrnomos acreditam que a galxia NGC 7320 no pertena ao Quinteto de Stephan e seja membro

    de um outro grupo, o grupo NGC 7331. Esta imagem mostra os deslocamentos para o

    vermelho das galxias do Quinteto de Stephan. Nota-se que h uma sexta galxia na figura, NGC 7320C, que embora apresente um deslocamento para o vermelho

    alto, semelhante ao das quatro outras galxias do quinteto, no pertence a este grupo.

    A imagem abaixo mostra o Sexteto de Seyfert, como o nome diz, um grupo de 6 galxias localizadas na

    constelao Serpens. Este grupo se caracteriza por possuir uma galxia que apresenta um deslocamento para o vermelho completamente diferente das outras

    cinco. Enquanto que cinco de suas galxias apresentam deslocamentos para o vermelho bastante similares, entre 4000 e 4500 quilmetros por segundo, a sexta galxia tem

    um deslocamento para o vermelho de cerca de 20000 quilmetros por segundo. Alguns astrnomos acreditam que esta galxia no pertence ao grupo, sendo um objeto

    muito mais distante do que as outras cinco. Esta imagem identifica as galxias do Sexteto de Seyfert. O nmero escrito na imagem o

    deslocamento para o vermelho, em quilmetros por segundo, de cada objeto. Pode-se identificar a galxia anmala graas ao seu deslocamento para o vermelho

    de 19813 quilmetros por segundo.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 169

    ALGUMAS GALXIAS INTERESSANTES

    O AGLOMERADO VIRGO O AGLOMERADO ABELL 2218

    O Aglomerado de Virgo est afastado cerca de 60 milhes de anos-luz de ns e o aglomerado rico mais prximo do Grupo Local. Isto o coloca como sendo o

    aglomerado de galxias irregular mais prximo da nossa Galxia. O aglomerado Virgo muito rico, possuindo

    mais de 2500 galxias. Esta a regio das galxias M84/M86 pertencentes ao aglomerado Virgo. A imagem

    superior, obtida com o Mayall Telescope de 4 metros do Kitt Peak National Observatory, nos Estados Unidos, nos mostra que entre as brilhantes galxias M 86 (prxima

    ao centro) e M 84 (na direita) existem muitas outras galxias, elpticas ou lenticulares, mais fracas.

    A imagem inferior, que mostra a regio das galxias M84/M86 no aglomerado Virgo foi obtida com o UK Schmidt

    Telescope do Anglo-Australian Observatory. Ela nos revela que as galxias deste enorme aglomerado de galxias so muito maiores e esto mais densamente agrupadas. Nota-se que os envoltrios mais externos, e bastante fracos, das galxias M84 e M86 se aproximam bastante. Veja tambm que alguns detalhes da estrutura das galxias mais fracas

    podem ser observados.

    Esta a imagem do aglomerado de galxias Abell 2218, obtida por Andrew Fruchter e seus colaboradores

    do Space Telescope Science Institute (STScI), usando a Wide Field and Planetary Camera 2 do Hubble

    Space Telescope. Quase todos os objetos brilhantes que vemos nela so galxias deste aglomerado.

    O aglomerado Abell 2218, situado a cerca de trs bilhes de anos-luz de ns na constelao Draco do hemisfrio norte, muito compacto e possui

    uma massa muito grande. Como consequncia, sua gravidade curva e focaliza a luz proveniente de galxias que esto situadas atrs dele. Estas galxias aparecem

    na imagem como arcos alongados e fracos. Este o processo conhecido como lente gravitacional. Um

    exemplo simples de um efeito anlogo ao processo de lente gravitacional pode ser obtido olhando-se

    lmpadas distantes na rua atravs do vidro de um copo de vinho.

  • 170 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    ALGUMAS GALXIAS INTERESSANTES

    O AGLOMERADO CENTAURUS O AGLOMERADO COMA

    Este o aglomerado Centaurus, visvel no hemisfrio sul. Ele est localizado na constelao Centaurus.

    Localizado na constelao Coma Berenices, este aglomerado contm mais de 1000 galxias. A maioria

    de suas galxias do tipo elptica (E) ou ento lenticulares (SO).

    O AGLOMERADO HYDRA

    Este o distante aglomerado de galxias que observamos na constelao Hydra.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 171

    SUPERAGLOMERADOS DE GALXIAS

    O processo de aglomerao de galxias possui estruturas ainda maiores do que a dos grupos e aglomerados. Em vrias regies do Universo alguns aglomerados interagem formando estruturas imensas que so os superaglo-merados de galxias.

    O nosso Grupo Local um membro externo distante de um superaglome-rado de galxias do qual o aglomerado Virgo o membro dominante.

    A enorme massa do aglomerado Virgo age gravitacionalmente sobre as galxias e os grupos de galxias que esto sua volta. Existem evidncias de que o aglomerado Virgo est acelerando o Grupo Local na sua direo. Deste modo, o Grupo Local dever, algum dia, se fundir com este enorme aglomera-do de galxias formando o Superglomerado Local ou Superaglomerado Virgo.

    OLHANDO PARA TRS NO TEMPO

    A estrutura do Universo bastante complicada. Com a entrada em fun-cionamento de poderosos telescpios, tais como o Hubble Space Telescope, o W. M. Keck Telescope, o VLT, etc. tivemos, pela primeira vez, a oportunidade de detectar e observar aglomerados de galxias situados a distncias inacre-ditveis de ns. Estes aglomerados foram formados no Universo primordial e obter suas imagens o mesmo que olhar para trs no tempo.

    A imagem abaixo, obtida por Wesley N. Colley, J. Anthony Tyson e Edwin L. Turner, usando o Hubble Space Telescope, nos mostra um destes aglome-rados distantes. O aglomerado CL 0024+1654 um grande aglomerado de ga-lxias localizado a cinco bilhes de anos-luz da Terra. Ele se destaca pela sua riqueza, um grande nmero de galxias em interao, e tambm por mostrar uma magnfica lente gravitacional. As linhas azuis situadas na parte da frente da figura so imagens de uma galxia espiral que est localizada atrs do aglo-merado CL 0024+1654. Estas imagens da galxia espiral, as linhas azuis, esto sendo produzidas pelo processo de lente gravitacional.

    Hoje sabemos que, h bilhes de anos, quando o Universo comeou a construir suas estruturas em larga escala, os aglomerados de galxias continham muito mais galxias espirais do que eles tm hoje. Isto pode ser explicado considerando-se que estes aglomerados foram, ao longo deste tempo imenso, certamente perturbados por colises e fuses que, inevitavelmente, ocorreram no seu interior. O aglomerado CL0024+1654, localizado a 5 bilhes

    de anos-luz da Terra.

  • 172 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    VENDO O UNIVERSO MUITO DISTANTE

    O conhecimento das propriedades das galxias parte da chamada as-tronomia extragalctica. Esta parte da astrofsica procura analisar tanto as propriedades locais das galxias como tambm suas interaes. No entanto, o estudo da cosmologia muito mais abrangente. A cosmologia pretende descrever no os fenmenos locais que ocorrem no universo mas sim o pr-prio universo.

    Para estudar cosmologia precisamos conhecer no apenas o tipo de mat-ria existente no Universo mas tambm de que modo ela se distribui.

    Com o desenvolvimento das observaes astronmicas passamos a conhe-cer muito mais o universo, sempre a distncias cada vez maiores. Hoje ins-trumentos como o Hubble Space Telescope (HST) e os grandes observatrios terrestres tais como o Keck Observatory, o European Southern Observatory (com o famoso Very Large Telescope) e o Gemini Observatory nos revelam galxias e quasares assombrosamente distantes do nosso planeta.

    Importantes trabalhos sobre a estrutura em larga escala do Universo foram feitos nos ltimos anos. O Hubble Space Telescope foi utilizado para obter imagens de galxias e quasares situados a distncias impressionantes. Esses dois projetos, chamados de Hubble Deep Field North e Hubble Deep Field South nos revelaram um Universo at ento desconhecido.

    Durante 10 dias consecutivos, entre 18 e 28 de dezembro de 1995 o Hubb-le Space Telescope foi apontado para uma regio do cu que, mesmo ob-servada pelos grandes telescpios da poca, parecia estar livre de qualquer objeto. Esta pequena rea, com apenas 144 segundos de arco de dimetro (o que equivale ao tamanho angular de uma bola de tnis vista a uma distn-cia de 100 metros), estava localizada na constelao Ursa Major. A imagem final consistiu da reunio de 342 exposies isoladas da regio feitas com a poderosa Wide Field and Planetary Camera 2 do Hubble Space Telescope. Praticamente todos os objetos mostrados na imagem, cerca de 3000, so ga-lxias muito distantes.

    A imagem 1 do Hubble Deep Field North est mostrada ao lado e deve ser observada com ateno. Uma regio do Universo que parecia estar desprovida de estrelas ou galxias apresentou a riqueza incomum em termos de galxias e quasares mostrada na imagem. Isso apenas nos provava que ainda conhec-amos muito pouco do contedo de matria do Universo.

    Poderamos argumentar que o HST, casualmente, teria observado uma regio atpica do cu. Ao fazer o mesmo tipo de observao prolongada no cu do hemisfrio sul, tambm em uma regio onde parecia no haver obje-tos observveis, o HST registrou outra vez a riqueza do universo que ainda era desconhecida (imagem 2) .

    Desta vez o Hubble Space Telescope observou uma pequena regio na constelao Tucana durante 10 dias, em setembro e outubro de 1998.

    O Hubble Space Telescope no foi o nico a obter imagens de campo pro-fundo do Universo. Seguindo esta abordagem o National Optical Astronomy Observatory (NOAO) tambm fez uma imagem deste tipo fotografando uma pequenina regio do cu localizada na constelao Botes. A imagem a se-guir mostra uma parte deste campo onde esto registradas mais de 300000 estrelas e galxias. Este nmero bem maior do que aquele registrado pelo Hubble Space Telescope por que o levantamento do NOAO foi de um campo amplo (wide field), bem maior do que o registrado pelo telescpio orbital. Na verdade, o levantamento total do NOAO inclui mais de cinco milhes de galxias!

    22 Vendo o

    Universo muito distante

    (1)

    (2)

    Composio de imagens (1) obtidas pelo HST na constelao Ursa Maior. A Imagem (2) em detalhe a riqueza do Universo local.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 173

    A procura pelos limites do Universo visvel ainda continuava. Acumulando dados ao longo do perodo de 3 de setembro de 2003 a 16 de janeiro de 2004, o Hubble Space Telescope conseguiu a mais profunda imagem do Universo obti-da at hoje na regio do visvel do espectro eletromagntico. Este o chamado Hubble Ultra Deep Field (HUDF), uma imagem de uma pequena regio do espao que mostra como o Universo era h cerca de 13 bilhes de anos (Ima-gem abaixo). Esta regio est localizada a sudoeste de Orion, na constelao Fornax. Ela tem apenas 3 minutos de arco quadrados, menor do que um gro de areia mantido distncia do comprimento de um brao!

    Estima-se que existam cerca de 10000 galxias nesta imagem cuja rea de apenas 1/10 do dimetro da Lua Cheia vista da Terra. Esta impressionante imagem o resultado de uma coleo de 800 exposies feitas pelo Hubble Space Telescope ao longo de 400 voltas em torno do nosso planeta.

    Imagem de uma pequena regio do cu na constelao BOTES.

    Imagem de 3 minutos de arco quadrados, a sudoeste de Orion, obtida pelo "Hubble Ultra Deep Field"

    (HUDF).

  • 174 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    SUPERAGLOMERADOS DE GALXIAS

    As observaes dos objetos existentes no Universo mostraram aos astr-nomos que existe uma estrutura hierrquica no Universo. Como j vimos, as estrelas esto reunidas em aglomerados estelares e em estruturas maiores que chamamos de galxias. Por sua vez as galxias interagem gravitacionalmente formando grupos e aglomerados de galxias. Estudos mais detalhados do uni-verso mostraram que os prprios aglomerados de galxias tambm interagem formando os chamados superaglomerados de galxias.

    Os superaglomerados de galxias so estruturas imensas em que os ele-mentos participantes so os aglomerados de galxias. Os superaglomerados de galxias so separados no espao por regies vazias, chamadas em ingls de voids.

    Mas porque estruturas to gigantescas como os superaglomerados de ga-lxias no foram logo descobertas? Nota-se que acima demos as trs dimen-ses da Grande Parede. Para ver uma estrutura tridimensional no universo necessrio localizar a posio das galxias em trs dimenses e isso envolve o conhecimento no s da localizao da galxia pelas suas coordenadas mas a combinao dessas informaes com a distncia, que obtida a partir do conhecimento do seu redshift.

    O Superaglomerado de Virgo ou Superaglomerado Local

    Como j vimos, a nossa Galxia faz parte de um grupo de galxias chama-do Grupo Local. Esse Grupo Local, por sua vez, faz parte de uma estrutura ainda maior que o superaglomerado de galxias conhecido como Superaglo-merado Local ou Superaglomerado de Virgo.

    O dimetro do Superaglomerado Local de cerca de 200 milhes de anos-luz. Ele contm cerca de 100 grupos e aglomerados de galxias mas domina-do pelo poderoso aglomerado de Virgo que se localiza prximo a seu centro. A partir de anlises do efeito gravitacional sobre o movimento das galxias, os astrnomos estimam que a massa total do Superaglomerado Virgo cerca de 1015 massas solares ou seja, 2 x 1046 quilogramas.

    O Grupo Local, do qual a nossa Galxia faz parte, est localizado prximo borda do Superaglomerado Local. No entanto, devido intensa fora gravi-tacional exercida pelo aglomerado de Virgo, o Grupo Local est sendo lenta-mente arrastado na direo deste grande aglomerado de galxias.

    23 Superaglomerados

    de galxias

    Diagrama que representa o Superaglomerado de Virgo ou o Superaglomerado local.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 175

    Superaglomerado Coma Localizado a cerca de 300 milhes de anos-luz da Terra, o Superaglomerado

    Coma (Figura A) o superaglomerado massivo de galxias mais prximo ao Supe-raglomerado Virgo, do qual fazemos parte. Ele est situado na constelao Coma Berenices e foi um dos primeiros superaglomerados descoberto pelos astrnomos.

    O Superaglomerado Coma inclui o aglomerado de galxias Coma (Abell 1656) e o aglomerado de galxias Leo (Abell 1367) e possui mais de 3000 ga-lxias distribudas de forma aproximadamente esfrica em um dimetro de cerca de 20 milhes de anos-luz.

    Curiosamente, o Superaglomerado de galxias Coma est localizado no centro da chamada Grande Parede, que veremos mais tarde.

    Superaglomerado Shapley Esta a maior concentrao de galxias na nossa vizinhana no Universo

    (figura B) . Est situada na constelao Centaurus a cerca de 650 milhes de anos-luz da nossa Galxia.

    Superaglomerado Perseus-Pisces Essa uma das maiores estruturas conhecidas no Universo (Figura C).

    Situado a uma distncia de 250 milhes de anos-luz de ns, essa cadeia de galxias se estende por mais de 40o no cu.

    Os principais aglomerados do Superaglomerado Perseus-Pisces so conhe-cidos como Abell 262, Abell 347 e Abell 426.

    (A) Configurao do Superaglomerado de Coma. (B) Representao do Superaglomerado Shapley.

    (C) Distribuio do Superaglomerado de Perseus-Pisces. (D) Representao do Superaglomerado

    Horologium.

    (A)

    (C)

    (B)

    (D)

  • 176 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    Superaglomerado Horologium Esse superaglomerado, que tambm conhecido como Superaglomerado

    Horologium-Reticulum, formado por cerca de 5000 grupos de galxias, das quais 30000 so galxias gigantes e 300000 so galxias ans (Figura D). Por essa razo ele considerado como um dos mais massivos superaglomerados conhecidos, com uma massa total de cerca de 1017 massas solares.

    A parte mais prxima desse superaglomerado est a uma distncia de 700 milhes de anos-luz da Terra e formada pelos aglomerados vistos prximos parte de baixo (Figura D). Seu limite mais distante est a cerca de 1,2 bilhes de anos-luz de ns e formado pelos aglomerados localizados na parte supe-rior da figura. Esse superaglomerado tem cerca de 550 milhes de anos-luz de dimetro. Entre seus aglomerados temos o Abell 3266.

    Superaglomerado Hydra-Centaurus Esse um superaglomerado que se divide em duas partes, uma delas situa-

    da na constelao Centaurus e a outra na constelao Hydra. Por esse motivo algumas vezes, em vez de superaglomerado Hydra-Centaurus ele subdivi-dido e chamado de superaglomerado Hydra e superaglomerado Centaurus.

    O superaglomerado Hydra-Centaurus o mais prximo vizinho ao supe-raglomerado Virgo, onde se encontra a nossa Galxia (Figura E).

    Na parte desse superaglomerado, que se encontra na constelao Cen-taurus, existem quatro grandes aglomerados de galxias: o aglomerado de galxias Centaurus (A3526), A3565, A3574 e A3581. Tambm fazem parte do superaglomerado Hydra-Centaurus o aglomerado de galxias Hydra (A1060), que se localiza prximo a ns, e o aglomerado de galxias Norma (A3627). Muitos outros aglomerados de galxias pequenos tambm pertencem a esse superaglomerado.

    Os aglomerados centrais do superaglomerado de galxias Hydra-Cen-taurus esto a distncias entre 150 e 200 milhes de anos-luz da Terra.

    Superaglomerado Pavus-Indus Vizinho ao Superaglomerado Local (que contm o Grupo Local, ao qual a

    nossa Galxia pertence), encontramos o Superaglomerado Pavo-Indus. Esse superaglomerado contm quatro aglomerados principais de galxias,

    Abell 3656, Abell 3698, Abell 3742 e Abell 3747.

    O Grande Atrator Em 1973 astrnomos notaram que havia uma regio no cu que mostrava des-

    vios de uma expanso uniforme do Universo. Isso foi confirmado em 1978 e logo os astrnomos chamaram essa regio de O Grande Atrator (Figura o lado).

    O Grande Atrator hoje entendido como sendo uma anomalia gravita-cional existente no espao intergalctico que se encontra na regio do Supera-glomerado de galxias Centaurus. O Grande Atrator revela que, nesse local existe uma grande concentrao de massa, equivalente a dezenas de milhares de vezes a massa da nossa Galxia! O Grande Atrator observado devido ao efeito que ele causa no movimento das galxias e nos aglomerados de galxias aos quais elas fazem parte. Essa interao gravitacional ocorre ao longo de uma regio de centenas de milhes de anos-luz de distncia!

    Tem sido difcil estudar detalhes do Grande Atrator devido obstruo causada pela matria escura que existe no plano da nossa Galxia. Mesmo assim, os astrnomos conseguiram, em 1986, determinar que o Grande Atra-tor, inicialmente considerado estar a uma distncia de cerca de 150 milhes de anos-luz da nossa Galxia, na verdade est localizado a uma distncia de cerca de 250 milhes de anos-luz de ns.

    (E) Distribuio do Superaglomerado Hydra-Centaurus.

    Imagem do Superaglomerado Pavus-Indus.

    (E)

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 177

    Ele se situa na direo das constelaes Hydra e Centaurus, regio do es-pao que dominada pelo aglomerado de galxias Norma (ACO 3627) (Ver figuras abaixo). Esse aglomerado de galxias bastante massivo e a maior par-te de sua matria visvel formada por galxias grandes e velhas. Muitas das galxias que pertencem ao aglomerado Norma esto sofrendo processos de coliso entre elas e muitas emitem grandes quantidades de ondas radio.

    Viso da distribuio espacial do "Grande Atrator".

    Detalhes do "Grande Atrator".

  • 178 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    OS SUPERAGLOMERADOS NO CATLOGO DE GALXIAS DO CfA

    interessante notar que alguns superaglomerados no parecem estar loca-lizados em regies superdensas de galxias. Isto ocorre porque a maioria deles est muito mais distante no espao do que as galxias mostradas neste diagra-ma. Entretanto, a famosa Concentrao de Shapley e o Grande Atrator, que se situam na mesma direo, esto localizados em regies notadamente superdensas.

    A distribuio, em coordenadas galcticas, de mais de 30000 galxias, feita pelo CfA, assinalando com pontos amarelos as posies de vrios superaglomerados de galxias conhecidos. Os nmeros apresentados em parnteses nos do quantos aglomerados de galxias fazem parte destes superaglomerados, o que nos permite ter uma ideia da riqueza do superaglomerado.

    (F) Distribuio de mais de 30.000 galxias em 3D, obtida no CfA.

    (F)

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 179

    Os pesquisadores do CfA tambm obtiveram esta distribuio de mais de 30000 galxias em 3 dimenses (Figuras F). Neste caso a nossa Galxia est localizada no centro do diagrama. Como o seu plano horizontal so criadas zonas vazias, que so os cones horizontais escuros e vazios que podemos ver para ambos os lados a partir do ponto central. A escala vertical desta distribui-o de galxias de 160 Mpc.

    Podemos notar nesta distribuio numerosos dedos de Deus, ou seja, cadeias de galxias que apontam na direo da nossa Galxia. Como j disse-mos, estes dedos so explicados pela disperso de velocidade existente nos aglomerados de galxias. Observe tambm a parte superior do diagrama. Ali podemos ver a famosa Grande Parede (Great Wall), uma longa e curva ca-deia de galxias.

    Para que possamos observar melhor algumas importantes estruturas que aparecem na distribuio em larga escala das galxias estudadas, os astrno-mos do CfA filtraram a imagem acima. Nesta nova figura (G), somente so mostradas as galxias pertencentes s regies superdensas. Os crculos verme-lhos assinalam aglomerados de galxias tirados do Catlogo ACO. Note que muitas delas coincidem com os dedos de Deus.

    A nossa Galxia continua a ocupar o centro deste diagrama mas, neste caso, a distribuio de galxias est sendo vista por um observador localiza-do em um ponto diferente daquele mostrado no diagrama anterior. Agora o observador est no local assinalado pelo cubo azul que limita a distribuio estudada pelo CfA.

    Neste diagrama podemos ver bem melhor a localizao da Grande Parede. Ela o semicrculo situado na parte superior do diagrama.

    (G) Figura em 3D mostrando apenas as galxias pertencentes s regies Superdensas.

    (G)

  • 180 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    MAPEANDO O UNIVERSO: OS REDSHIFT SURVEYS

    O resultado do uso de detectores e telescpios cada vez mais poderosos foi a descoberta de um nmero cada vez maior de galxias espalhadas em todas as direes no Universo. Isso fez com que o interesse dos astrnomos logo se voltasse para o mapeamento do Universo. Como as galxias se distribuem por toda a imensa vastido do Universo?

    At 1989 os astrnomos acreditavam que a estrutura em larga escala do Universo terminava nos superaglomerados de galxias. Estas seriam as maio-res estruturas existentes no universo e estavam distribudas de modo mais ou menos uniforme em todas as direes atravs de todo o universo. Esta viso estava para ser mudada.

    No final da dcada de 1980 vrios grupos de astrofsicos desenvolveram um dos mais importantes trabalhos para o conhecimento da estrutura em larga escala do Universo. Estes trabalhos, chamados de levantamentos de redshifts (redshift survey), procuravam obter o maior nmero possvel de medies de redshifts de galxias. Deste modo, era possvel conhecer suas dis-tncias e, consequentemente, ter uma viso bastante ampla da distribuio de galxias no universo.

    Para realizar esse tipo de mapeamento, que em ingls chamado de sur-vey, necessrio medir o redshift de cada um desses objetos. A esse tipo de levantamento dos valores dos redshifts de vrios objetos de uma determina-da rea ou seo do Universo, damos o nome de redshift survey.

    Os resultados que podem ser obtidos a partir de um redshift survey so vrios. Por exemplo, com o auxlio da lei de Hubble, o redshift pode ser usado para calcular a que distncia um determinado objeto (que teve seu redshift medido) est da Terra. Alm disso, combinando-se o redshift obtido de cada objeto com o correspondente dado de sua posio angular, um redshift sur-vey nos permite obter uma viso tridimensional da distribuio de galxias pertencentes regio estudada.

    O CfA Redshift Survey Esse foi o primeiro redshift survey realizado, a primeira tentativa de ma-

    pear a estrutura em larga escala do Universo. O Center for Astrophysics (CfA)da Universidade da California iniciou esse trabalho em 1977 e em 1982 com-pletou a coleo inicial de dados. O segundo CfA survey foi feito entre 1985

    24 Mapeando o Universo: os

    redshiftsurveys

    Primeira tentativa de mapeamento da estrutura em larga escala do Universo.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 181

    e 1995. A partir desses dados, em 1989, os astrnomos descobriram a chamada Grande Parede (Great Wall), um superaglomerado de galxias circundado por vazios (Figura H).

    Mostramos na pgina anterior um diagrama da distribuio de galxias no cu, obtido com os dados do CfA redshift survey. Cada ponto representa uma galxia no hemisfrio celeste norte que mais brilhante do que a magni-tude azul aparente de 15,5 e com um redshift medido at o valor 15000 km/s. As galxias mais prximas so mostradas na cor vermelha. As galxias repre-sentadas pelas cores azul, magenta, ciano e verde esto respectivamente mais afastadas de ns.

    O 2dF Galaxy Redshift Survey O 2dF Galaxy Redshift Survey (Two-degree-Field Galaxy Redshift Survey),

    tambm conhecido como 2dF ou 2dFGRS, um dos mais notveis redshift surveys feitos recentemente. Seu nome 2dF vem do fato de que o instru-mento que realizava os levantamentos cobria uma rea de aproximadamente dois graus quadrados. O 2dF um levantamento de objetos de baixo redshift que foi realizado pelo Anglo-Australian Observatory (AAO) com o telescpio de 3,9 metros dessa instituio. Esse levantamento foi feito entre 1997 e 11 de abril de 2002. Os dados desse levantamento foram liberados para o pblico no dia 30 de junho de 2003. Esse levantamento determinou a estrutura em larga escala em uma seo do Universo local.

    O levantamento 2dF cobriu uma rea de cerca de 1500 graus quadrados que inclua regies em ambos os plos galcticos.

    O Sloan Digital Sky Survey Este levantamento foi feito usando um telescpio ptico dedicado de 2,5

    metros de dimetro do Apache Point Observatory, New Mexico, Estados Uni-dos. Os trabalhos comearam no ano 2000 e tinham como objetivo mape-ar cerca de 25% do cu e observar cerca de 100 milhes de objetos, obtendo espectros de aproximadamente um milho deles. A cada noite o telescpio produz cerca de 200 GB de dados astronmicos.

    As imagens a seguir mostram as posies espaciais das galxias em torno da nossa Galxia. Elas foram obtidas a partir dos dados do SDSS.

    No ano 2006 foi iniciado o SDS-II, uma segunda fase dessas pesquisas.

    (H)

  • 182 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    JUNTANDO TODOS OS LEVANTAMENTOS DE REDSHIFT

    J que tantos levantamentos de redshift foram feitos por diversos observa-trios em todo o mundo, nada mais natural do que reunir esse conhecimento e ver o que pode resultar. A imagem abaixo, obtida por Thomas Jarret, do IPAC, nos d uma viso panormica do Universo visto na regio espectral do infraver-melho prximo. Ela nos revela a distribuio de galxias at agora conhecida.

    Essa imagem foi feita a partir de dados do 2MASS Extended Source Ca-talogue (XSC), que renem mais de 1,5 milhes de galxias, e o Point Source Catalogue (que registra cerca de 0,5 bilho de estrelas pertencentes nossa Galxia). Nessa projeo a nossa Galxia est no centro da imagem.

    Na imagem as vrias cores representam os redfshifts das galxias. Assim, as galxias na cor azul esto mais prximas de ns (z < 0,01), as galxias mos-tradas na cor verde esto a uma distncia moderada da Terra (0,01 < z < 0,04). J as galxias mostradas na cor vermelha so as mais distantes que o 2MASS capaz de calcular o redshift (0,04 < z < 0,1).

    Mapeamento do cu realizado pelo telescpio tico do Apache Point Observatory para observar cerca de 100 milhes de objetos.

    Distribuio de galxias conhecida at o momento.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 183

    A ESTRUTURA EM LARGA ESCALA DO UNIVERSO

    O Universo possui estruturas muito maiores, mas muito mesmo, que os superaglomerados. Essas estruturas, s quais nem mesmo o nome de gigan-tescas conseguiria realmente expressar seu tamanho, so conhecidas como as paredes csmicas, os filamentos e os vazios. Isso se no falarmos das bolhas de Lyman-alpha! Vamos ver cada uma delas separadamente.

    PAREDES

    A Grande Parede (Great Wall)

    Em 1989, os astrofsicos Margaret Geller e John Huchra, analisando dados obtidos em um dos redshift surveys, descobriram uma distribuio de gal-xias com mais de 500 milhes de anos-luz de comprimento e 200 milhes de anos-luz de largura. Esta distribuio tinha a espessura de apenas 15 milhes de anos-luz. A estrutura descoberta por estes astrnomos, uma imensa folha de galxias, passou a ser conhecida como a Grande Parede (Great Wall).

    A Grande Parede do SLOAN (SLOAN Great Wall) Em abril de 2003 foi descoberta uma outra imensa estrutura no Universo.

    Trata-se da chamada Grande Parede do SLOAN (SLOAN Great Wall). No entanto, tecnicamente, a Grande Parede do SLOAN no uma es-

    trutura verdadeira, uma vez que os objetos que fazem parte dela no esto ligados gravitacionalmente ou seja, eles no esto gravitacionalmente relacio-nados uns com os outros. Eles s parecem estar ligados gravitacionalmente devido medio de distncia que foi usada.

    Filamentos e Vazios Com a ampliao dos redshift surveys cada vez mais os astrnomos pu-

    deram esboar a distribuio tridimensional das galxias no universo. Hoje os astrnomos descrevem o universo como sendo uma coleo de vazios (voids) com o aspecto de bolhas, separados por distribuies de galxias com a forma de folhas e filamentos. Estas folhas e filamentos formam uma rede retorcida com grandes espaos vazios, que so os vazios. Estes vazios tm um dimetro tpico de 25 Mpc e preenchem cerca de 90% do espao. O maior vazio at agora observado est localizado na constelao Capricornus e tem o nome de vazio de Capricornus. Estima-se que ele tenha um dimetro de 230 milhes de anos-luz.

    25 A estrutura em larga escala do

    Universo

    Grande parede do Sloan.

    Simulao feita em computador que mostra os filamentos e vazios criados a partir da

    distribuio de matria no Universo.

    Representao das gigantescas estruturas do Universo (Paredes csmicas).

  • 184 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    Na descrio que estamos fazendo da estrutura em larga escala do Uni-verso, composto por filamentos e vazios, os superaglomerados aparecem como ocasionais ns, relativamente densos, desta rede. Os filamentos so as maiores estruturas conhecidas no Universo. So estruturas semelhantes a linhas com um comprimento tpico de 50 a 80 megaparsecs. Os filamentos delineiam os contornos existentes entre os grandes vazios do Universo.

    Os filamentos so formados por galxias gravitacionalmente ligadas. Nas regies do filamento onde um grande nmero de galxias esto situadas mui-to prximas umas s outras, dizemos que a existe um superaglomerado de galxias.

    O vazio em Botes Em 1981 os astrnomos Robert Kirshner, August Oemler,Jr., Paul Schech-

    ter e Stephen Shectman, durante um levantamento de redshifts de galxias, descobriram na regio da constelao Botes uma imensa regio do espao vazia, quase totalmente desprovida de galxias, que ficou sendo conhecida como vazio de Botes.

    O vazio de Botes tem uma forma aproximadamente esfrica e muito grande. Com cerca de 250 milhes de anos-luz de dimetro, um dos maiores vazios encontrados at agora no nosso Universo. Para se ter a real dimenso do vazio de Botes, bom usar a comparao feita pelo astrnomo Greg Aldering: se a nossa Galxia estivesse localizada no centro do vazio de Botes, somente nos anos da dcada de 1960 que teramos sabido que existiam ou-

    Representao do vazio de Botes.

    Distribuio de alguns superaglomerados de galxias e alguns vazios conhecidos no Universo.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 185

    tras galxias no Universo. Muitos astrnomos passaram a estudar esse vazio tentando verificar se

    existiam galxias localizadas no seu interior ou se essa imensa regio era real-mente completamente vazia. Logo algumas galxias comearam a ser desco-bertas no interior do vazio de Botes.

    Em 1987 os astrnomos J. Moody, Robert Kirshner, G. MacAlpine e S. Gregory descobriram oito galxias no interior do vazio de Botes. Em 1989, os astrnomos Greg Aldering, G. Bothun, Robert P. Kirshner e Ron Marzke descobriram mais 15 galxias nesse imenso vazio. Algumas outras galxias foram descobertas nessa regio e em 1997 conhecamos 60 galxias no interior do vazio de Botes. Curiosamente, essas galxias se dispem na forma aproximada de um tubo que cruza o meio do vazio. Os astrnomos acreditam que o vazio de Botes foi formado a partir da fuso de vrios outros vazios menores que existiam nessa regio, algo semelhante ao que se v quando bolhas de sabo comeam a se juntar formando uma bolha cada vez maior. Nota-se que devido ao seu imenso tamanho, mesmo a descoberta dessas galxias no interior do vazio de Botes no modifica sua caracters-tica principal que a de ser uma regio do Universo quase completamente desprovida de matria visvel.

    A mancha fria do WMAP Em 2004, enquanto mapeava o cu fazendo o levantamento das flutua-

    es de temperaturas da radiao de fundo de microondas csmica (assunto que ser abordado mais tarde), o Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP) descobriu a existncia de uma enorme regio situada na constelao Eridanus na qual a radiao de fundo era mais fria do que na rea circundante adjacente. O crculo na imagem ao lado marca a regio em questo.

    Essa enorme regio fica no hemisfrio norte da esfera celeste e est cen-trada nas coordenadas galcticas lII = 207,8o e bII = -56,3o. Em coordenadas equatoriais sua localizao ascenso reta = 03h 15m 05s e declinao = -19o 35 02. A ela foi dado o nome de WMAP Cold Spot (mancha fria do WMAP)

    O que seria essa mancha fria? A melhor explicao dada a de que essa mancha fria um enorme vazio, um supervazio, que existe entre ns e a radiao csmica de fundo primordial, uma vez que os vazios podem produzir regies mais frias do que suas vizinhanas. Entretanto, seria necess-rio um vazio impressionantemente grande para explicar essa mancha fria. Essa regio vazia teria de 6 a 10 bilhes de anos-luz de extenso e aproximada-mente 1 bilho de anos-luz de largura.

    Bolhas de Lyman alpha Um outro indicador da estrutura em larga escala do Universo a chamada

    floresta de Lyman alpha (Lyman alpha forest). Para entendermos o que isso significa precisamos falar um pouco sobre o tomo de hidrognio.

    O hidrognio o elemento qumico que existe em maior quantidade no Universo. O tomo de hidrognio o mais simples de todos os tomos: ele tem um eltron apenas, que gira em torno de um ncleo que tambm s possui uma nica partcula, um prton.

    Se o eltron do tomo de hidrognio absorve um fton com uma deter-minada energia ele saltar para uma rbita mais energtica, mais afastada do ncleo. Dizemos ento que o eltron est excitado e esse processo conhecido como excitao.

    Imagem da mancha fria do WMAP.

  • 186 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    Todas as partculas elementares que existem no Universo no gostam de permanecer em um estado excitado. Sua tendncia liberar esse excesso de energia e voltar para o estado de menor energia possvel. Assim, neste estado excitado o eltron em algum momento emitir um fton e saltar para um nvel de menor energia, um nvel mais baixo, mais prximo ao ncleo. Esses processos do origem s chamadas sries do hidrognio que mostram as pos-sveis transies que o eltron do tomo de hidrognio pode fazer.

    Estas transies do eltron do origem s seguintes sries:

    As sries mostradas acima so fundamentais para a astrofsica. Entre ou-tros pontos importantes, as sries do tomo de hidrognio, que representam transies entre nveis atmicos, nos do informaes sobre a composio qumica das estrelas.

    Para o caso que estamos tratando aqui, as chamadas folhas de Lyman alpha, nos interessa somente as transies feitas para o nvel fundamental do tomo de hidrognio.

    A imagem ao lado nos mostra que quando um eltron do tomo de hidro-gnio faz uma transio de um nvel excitado (seja ele qual for) para o nvel fundamental, so criadas linhas que coletivamente recebem o nome de linhas de Lyman. Essas linhas aparecem no espectro.

    Ao observarem os espectros dos quasares, um tipo de galxia ativa, os as-trnomos verificaram que havia uma grande profuso de linhas de Lyman alpha nos seus espectros. A isso eles deram o nome de florestas de Lyman alpha.

    Ao conjunto de linhas de absoro, que aparecem no espectro da luz prove-niente dos quasares, os astrnomos do o nome de floresta de Lyman alpha.

    As bolhas de Lyman alpha (Lyman-alpha blob -LAB) so enormes con-centraes de gs que emitem a linha Lyman alpha. Os LABs so alguns dos maiores objetos individuais conhecidos em todo o Universo. Algumas dessas estruturas gasosas tm mais de 400000 anos-luz de dimetro.

    As mais famosas bolhas de Lyman alpha foram descobertas no ano 2000 pelo astrnomo Steidel. Astrnomos japoneses, usando o telescpio Subaru, descobriram mais de 30 novas LABs no mesmo campo estudado anterior-mente por Steidel, mas todas de menor tamanho do que a original. Essas LABs formam uma estrutura que tem mais de 200 milhes de anos-luz de extenso.

    No se sabe como essas LABs esto conectadas com as galxias circunvi-zinhas a elas.

    Essas regies so interpretadas como indicando a existncia de enormes folhas finas de gs intergalctico. O principal constituinte deste gs o hi-drognio. Os astrnomos acreditam que estas folhas (ou bolhas) esto associadas ao processo de formao de novas galxias.

    SRIE OCORRE UMA TRANSIO DE QUALQUER NVEL EXCITADO PARA O NVEL

    LYMAN 1 (estado fundamental)

    BALMER 2

    PASCHEN 3

    BRACKETT 4

    PFUND 5

    Transies eletrnicas do tomo de hidrognio, formando as sries do hidrognio.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 187

    A ESTRUTURA EM LARGA ESCALA DO UNIVERSO

    A fsica que ocorre no interior da matria, na regio que designamos como nvel microscpico ou nvel atmico, muito diferente daquela que estamos acostumados a ver no nosso mundo macroscpico, cujas escalas vo do mil-metro aos milhares e milhares de quilmetros. Os fenmenos que ocorrem no interior da matria ou seja, no interior dos tomos, tm aspectos muitssimo particulares, caractersticos e algumas vezes surpreendentes.

    Os blocos construtores bsicos da matria normal, aquela que vemos espalhada por todo o Universo, so os tomos. Ao se reunirem, os tomos formam o que chamamos de molculas.

    Entretanto, veremos mais tarde que, embora a matria normal seja com-posta de tomos e molculas, a maioria da matria que existe no Universo no se apresenta desta forma. Ao invs disso, a maior parte da matria no Universo est presente na forma de plasma.

    O modelo de Bohr para o tomo Em nossa discusso das propriedades mais importantes da estrutura at-

    mica e molecular empregaremos um modelo muito simplificado para descre-ver o tomo, proposto em 1915 pelo prmio Nobel dinamarqus Niels Bohr. Este modelo chamado de tomo planetrio ou modelo de Bohr.

    O modelo do tomo proposto por Bohr no inteiramente correto nem representa a viso atual que os fsicos possuem sobre o interior da matria. No entanto, ele tem vrios aspectos que so aproximadamente corretos, mais fcil de ser entendido e plenamente satisfatrio para uma grande parte da nossa discusso.

    No modelo atmico proposto por Bohr partculas chamadas nutrons e prtons ocupam uma regio central, densa, do tomo chamada ncleo at-mico. Em torno deste ncleo outras partculas, os eltrons, descrevem rbitas. A atrao eltrica entre os prtons e os eltrons um dos processos que d estabilidade ao tomo, mantendo-o unido.

    Esta descrio se assemelha, em alguns aspectos, quela que fazemos do nosso Sistema Solar, onde os planetas esto em rbita em torno do Sol. No entanto, fazer uma analogia sem restries entre o Sistema Solar e o tomo de Bohr no correto, uma vez que os planetas esto em rbitas que, aproxima-damente, permanecem confinadas a um plano enquanto que, no caso de um tomo, as rbitas dos eltrons no esto confinadas a nenhum plano.

    H um outro aspecto, muito mais complexo, que anula completamente a analogia entre o Sistema Solar e o tomo de Bohr. Veremos mais tarde que os eltrons possuem restries muito maiores do que aquelas aplicadas aos pla-netas do Sistema Solar no que diz respeito s suas possveis rbitas em torno de um objeto central, o ncleo atmico no caso do tomo. Trataremos este aspecto mais tarde, quando falarmos sobre a chamada quantizao dos nveis de energia.

    O tamanho tpico de um ncleo atmico 10-13 centmetros com os el-trons descrevendo rbitas a uma distncia (raio) de, aproximadamente, 10-8 centmetros= 1 ngstrom (1 ). Isto quer dizer que o raio do ncleo cerca de 100000 vezes menor do que o raio do tomo inteiro. Este dado importante para que voc tenha a noo correta de como a matria vazia.

    Outro ponto importante que para o estudo do interior da matria consi-deraremos que vlido o princpio de que as partculas de um determinado tipo so indistinguveis. Com isto queremos dizer que um eltron sempre igual a outro eltron. No existem eltrons gordos ou magros, novos ou ve-lhos. At onde sabemos, podemos considerar o eltron como uma partcula

    26 A estrutura em larga escala do

    Universo

    Niels Henrick David Bohr (1885 - 1962).

    Representao do modelo de Bohr para o tomo.

  • 188 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    puntiforme, sem extenso espacial, e cujas propriedades intrnsecas so as mesmas para todos eles, independentemente da situao fsica.

    Vemos pela tabela acima que a maior parte da massa dos tomos reside nos prtons e nutrons, que ocupam a regio central mais densa chamada ncleo atmico ou, simplesmente, ncleo.

    Se os tomos so formados por partculas positivas (prtons) e negativas (eltrons) qual a sua carga total? Os tomos tm carga positiva ou negativa? Na verdade os tomos so eletricamente neutros por que o nmero de eltrons, carregados negativamente, que ele possui exatamente igual ao nmero de prtons, carregados positivamente.

    E quanto aos nutrons? Qual a misso deles em um tomo? Experi-mentalmente verifica-se que o nmero de nutrons , aproximadamente, igual ao nmero de prtons nos ncleos leves estveis. No entanto, o nmero de nutrons cresce rapidamente e cerca de duas vezes o nmero de prtons nos ncleos estveis mais pesados. esse maior nmero de nutrons que d esta-bilidade ao ncleo do tomo. Veremos mais tarde que tomos pesados cujos ncleos so ricos em nutrons sero os responsveis pela ocorrncia de proces-sos nucleares no interior das estrelas.

    Os istopos de um elemento O nmero de prtons que participam do ncleo de um determinado tomo

    chamado de nmero atmico e representado pela letra Z. Como sabemos que os tomos no possuem carga eltrica resultante, o nmero de prtons no ncleo tem que ser igual ao nmero de eltrons que esto em rbita em torno deste ncleo. Da, podemos dizer que o nmero atmico nos d o nmero de prtons no ncleo de um determinado tomo ou o nmero de eltrons nas respectivas rbitas em torno desse ncleo.

    O nmero total de prtons e nutrons que formam um determinado n-cleo atmico chamado de nmero de massa do tomo e representado pela letra A. Representando com a letra N o nmero de nutrons, temos que o nmero de massa dado por:

    A= Z + N

    Chamamos de istopo de um elemento aquele cujos tomos tm o mesmo nmero de prtons, e consequentemente o mesmo nmero de eltrons que o elemento original, mas um nmero diferente de nutrons.

    Assim, os istopos de um elemento tm o mesmo nmero atmico mas diferem em seus nmeros de massa.

    Um mesmo elemento qumico pode ter vrios istopos, todos eles diferin-do apenas no nmero de nutrons que constituem seus respectivos ncleos.

    Uma notao compacta para istopos de um elemento ilustrada a seguir:

    constituintes dotomo

    smbolocarga

    eltricavalor da carga massa

    equivalncia entre massas

    massa aproximada

    eltron e- negativa 1,6022 10-19

    Coulombs9,1093897

    10-31 kg ---- 9,11 10-31 kg

    ncleoprton p+ positiva igual do

    eltron1,6726230

    10-27 kg~1836 vezes a

    massa do eltron1,67 10-27 kg

    nutron n 0 ---- 1,6749286 10-27 kg

    aproximadamenteigual do prton

    1,68 10-27 kg

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 189

    onde 235 o nmero de massa, 92 o nmero atmico e 143 o

    nmero de nutrons do elemento qumico.O hidrognio, o elemento qumico que existe em maior quantidade no

    Universo, possui istopos com nomes caractersticos:

    O smbolo representa o hidrognio enquanto que os outros dois sm-

    bolos representam seus istopos.O istopo de massa 2 do hidrognio, , chamado de deutrio ou hi-

    drognio pesado enquanto que o istopo de massa 3, , chamado de tr-tio ou trcio.

    Observa-se que o ncleo do hidrognio formado por um prton apenas, o ncleo do deutrio formado por um prton e um nutron e o do trtio inclui um prton e dois nutrons.

    O estudo dos istopos dos elementos qumicos importante para a astrof-sica. Os processos nucleares que ocorrem no interior de uma estrela produzem muitos istopos seja por processos de enriquecimento dos ncleos dos tomos a partir da coliso com nutrons ou ento por processos de decaimento de tomos pesados.

    A necessidade de um novo modelo para o tomo Os cientistas que estudavam a estrutura do tomo no incio do sculo XX

    descobriram algo muito interessante. As regras estabelecidas pelo fsico ingls Isaac Newton, que eram capazes de descrever o comportamento dos corpos macroscpicos, no funcionavam na escala atmica. A mecnica Newtonia-na no pode corretamente descrever o comportamento de prtons, nutrons, eltrons ou tomos.

    Niels Bohr, Max Planck, Wolfgang Pauli, Louis de Broglie, Erwin Schr-dinger, Werner Heisemberg e outros grandes cientistas daquela poca co-mearam a desenvolver um novo conjunto de leis fsicas que se aplicavam, bastante bem, ao mundo microscpico dos tomos. Esta nova teoria foi cha-mada de Mecnica Quntica.

    Hoje, os fsicos acreditam que a teoria correta que descreve o tomo se baseia na mecnica quntica, uma teoria matematicamente sofisticada e que apresenta uma descrio muito mais precisa do tomo do que o modelo proposto por Bohr. O modelo do tomo de Bohr apenas uma aproximao descrio feita pela mecnica quntica, mas com a virtude de ser muito mais simples.

    OS NVEIS DE ENERGIA DE UM TOMO: EXCITAO E DESEXCITAO

    Um dos aspectos bsicos da mecnica quntica que est incorporado ao modelo de Bohr, e que o faz ser completamente diferente do modelo planetrio

    elemento istopos

    de Broglie

    PlankSchrdinger

    Heisemberg

    Pauli

  • 190 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    que tantas vezes usado como analogia, que a energia das partculas no tomo de Bohr est restrita a certos valores discretos, muito bem definidos, e somente estes valores so permitidos. Dizemos que a energia do tomo quantizada.

    Isto significa que somente certas rbitas, com raios bem estabelecidos, podem ser ocupadas pelos eltrons. As rbitas que poderiam estar situadas dentro destes intervalos estabelecidos pela mecnica quntica simplesmente no existem.

    A figura acima mostra tais nveis de energia quantizados para o tomo de hidrognio.

    Estes nveis so designados por um nmero inteiro n que chamado de nmero quntico.

    O estado (ou nvel) de energia mais baixo chamado de estado fundamental.

    Os estados que apresentam, sucessivamente, mais energia do que o estado fundamental so chamados de estados excitados e so designados, segundo a ordem de afastamento a partir do ncleo atmico, como primeiro estado excitado, segundo estado excitado, terceiro estado excitado, etc.

    Alm de uma certa energia, chamada potencial de ionizao, os el-trons que pertencem ao tomo no conseguem mais ficar ligados ao n-cleo. Eles passam a ser eltrons livres. A partir deste valor de energia os nveis de energia formam uma regio que recebe o nome de continuum. No caso do hidrognio seu potencial de ionizao ou seja, a energia neces-sria para destruir a ligao do seu eltron com o ncleo atmico, trans-formando-o em eltron livre, de 13,6 eltrons-volt. Dizemos ento que o continuum do tomo de hidrognio comea em 13,6 eV acima do estado fundamental.

    Excitao e desexcitao de um tomo Os eltrons pertencentes a um tomo podem fazer transies entre as r-

    bitas (nveis de energia) permitidas pela mecnica quntica absorvendo ou emitindo exatamente a diferena de energia que existe entre estas rbitas.

    N=

    N= 5

    N= 4

    N= 3

    N= 2

    ESTADOS EXCITADOS

    CONTINUUM

    ESTADO FUNDAMENTALN= 1

    Nveis de energia para o tomo de hidrognio.

    Galxia com Redshift 10,0 no aglomerado Abell 1835 IR1916.Galxia com Redshift 10,0 no aglomerado Abell 1835 IR1916.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 191

    Vejamos melhor como isto acontece. Vamos supor que um eltron est em uma rbita qualquer, entre aquelas permitidas pela mecnica quntica, em torno de um ncleo. claro que existem outras possveis rbitas, ou nveis de energia, que este eltron pode ocupar se ele tiver energia suficiente para isto. A diferena de energia entre cada uma destas vrias rbitas poss-veis e aquela onde est efetivamente o eltron pode ser facilmente calculada. Vamos supor ento que, por algum processo, por exemplo aquecimento, transmitimos energia para este tomo. Esta energia incidente, seja qual for a sua origem, formada por ftons com vrios comprimentos de onda. Even-tualmente um destes comprimentos de onda pode corresponder diferena de energia que existe entre algum dos possveis nveis atmicos deste tomo e o nvel onde est o eltron.

    Quando esta energia externa incide sobre o eltron, ele absorver um dos ftons incidentes desde que a energia desse fton corresponda diferena de energia entre um dos possveis nveis atmicos e o nvel onde o eltron est. Ao absorver esta energia o eltron realiza um salto quntico para o nvel de energia mais alta que corresponde sua nova energia total. Deste modo, a diferena em energia entre nveis corresponde a um comprimento de onda especfico da radiao incidente.

    Por exemplo, um eltron est no segundo nvel quntico. Incidimos radia-o de vrios comprimentos de onda sobre o eltron. Entre estes comprimen-tos de onda est aquele que corresponde diferena de energia entre o nvel quntico 5 e o nvel 2 onde est o eltron. Nosso eltron absorve este fton e passa para o nvel 5, ocupando agora um estado de maior excitao do que aquele em que ele estava anteriormente.

    Em outras palavras, quando o tomo encontra um fton com um compri-mento de onda especfico, correspondente diferena de energia entre nveis qunticos, o fton ser absorvido pelo tomo, e o eltron saltar do nvel de energia mais baixa para o nvel de energia mais alta.

    O eltron neste novo nvel de energia est em um estado excitado. No en-tanto, todos os eltrons que esto em estados excitados querem retornar a um nvel de energia mais baixa. Para realizar isto o eltron libera um fton, que transporta este excesso de energia, e retorna para um nvel de energia cor-respondente a uma excitao menor. A este processo de emisso de energia damos o nome de desexcitao.

    Resumindo, quando o eltron cai de um nvel de maior energia para um de menor energia ele emite um fton cuja energia equivalente diferena de energia entre estes dois nveis. Se o eltron excitado volta para o seu estado ori-ginal, o tomo emite um fton com o mesmo comprimento de onda especfico daquele que o havia excitado inicialmente.

    A imagem ao lado mostra uma excitao atmica causada pela absoro de um fton e uma desexcitao causada pela emisso de um fton.

    No entanto, as regras para que a excitao ou desexcitao ocorram so muito rgidas. Em cada caso o comprimento de onda da radiao emitida ou absorvida, ou seja o fton absorvido ou emitido, exatamente a diferena de energia entre as duas rbitas atmicas envolvidas no processo. Esta ener-gia pode ser calculada dividindo o produto de uma constante h, chamada de constante de Planck e velocidade da luz hc pelo comprimento de onda da luz. Assim, um tomo somente pode absorver ou emitir certos comprimentos de onda discretos (ou, equivalentemente, frequncias ou energias). Podemos di-zer, de modo equivalente, que somente certos ftons podem ser absorvidos ou emitidos por um tomo.

    Um outro ponto importante, que constantemente leva a interpretaes erradas, o fato de que quando dizemos que um eltron passou de um nvel

    Ilustrao da absoro e desexcitao causada pela emisso de um fton.

  • 192 Mdulo 3 A Teoria relativistica da Gravitao e a nova viso ...

    quntico para outro contguo, somos, erroneamente, levados a supor que esta passagem contnua. Por exemplo, quando dizemos que o eltron passou do nvel 2 para o nvel 3 podemos ser levados a imaginar que o eltron se deslo-cou, de modo contnuo, por todo o intervalo de energias que fica entre os dois nveis citados. Isto no verdade. Lembre-se que uma das regras da mecnica quntica nos diz que no podem existir nveis intermedirios entre dois nveis permitidos contguos. Assim, quando constatamos que o eltron passa do n-vel 2 para o 3, por exemplo, estamos dizendo que ele desapareceu do nvel 2 e reapareceu no nvel 3. Misterioso, no ? Mas esta a beleza da mecnica quntica.

    IONIZAO E PLASMA

    J vimos que os tomos so eletricamente neutros uma vez que sua carga total negativa, fornecida pelos seus eltrons, exatamente igual sua carga positiva dada pelos prtons que formam seus ncleos. Uma grande parte da matria normal que encontramos em torno de ns desta forma.

    Entretanto, particularmente quando existem fontes de energia disponveis atuando prximas aos tomos e molculas, eles podem ganhar ou perder el-trons adquirindo, consequentemente, uma carga eltrica resultante. Este pro-cesso chamado de ionizao e extremamente importante para a astrofsica.

    O que a ionizao de um tomo? A ionizao o ganho ou a perda de eltrons por um tomo. O processo de

    ionizao pode ocorrer de vrias formas, algumas delas at mesmo presentes na nossa vida diria. Quando se passa um pente rapidamente no cabelo cons-tata-se que ele se torna capaz de atrair pequenos pedaos de papel e isto se deve ao processo de ionizao que ocorreu por meio do atrito do pente com o seu cabelo. O mesmo ocorre quando voc anda sobre um carpete ou tapete e em seguida recebe um pequeno choque eltrico ao tentar abrir uma porta com fechadura metlica.

    A perda de eltrons, que o processo mais comum nos meios ambientes as-trofsicos, converte um tomo em um on positivamente carregado. O ganho de eltrons por um tomo o converte em um on negativamente carregado.

    fcil entender esta nomenclatura porque se um tomo perde eltrons, mas no prtons, isto faz com que o nmero de prtons seja maior do que o nmero de eltrons. Consequentemente, sua carga positiva fica maior do que a carga negativa. Da chamarmos o tomo que tem estas caractersticas de on positivo. No outro caso, quando um tomo ganha um eltron, mas no pr-tons, o seu nmero de eltrons fica maior do que o nmero de prtons. Neste caso o tomo fica carregado negativamente ou seja, ele um on negativo.

    Veja que on o tomo que perdeu ou ganhou eltrons e que, portanto, tem carga eltrica total diferente de zero.

    E para onde vo os eltrons arrancados dos tomos? Eles ficam sob a forma de eltrons livres at que, ao se aproximarem suficientemente de algum tomo, sejam capturados permanecendo, ento, em uma de suas rbitas permitidas.

    Na discusso subsequente, usaremos os termos ionizao e ionizar no sentido de perda de eltrons com a consequente formao de ons positivos.

    H uma notao padro na astrofsica para os vrios nveis de ionizao de um tomo. Como mostrado na tabela seguinte esta notao usa nmeros romanos crescentes para indicar nveis mais altos de ionizao.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 193

    NOTAO PARA GRAUS DE IONIZAO

    sufixo ionizao exemplos notao da qumica

    I no ionizado (neutro) H I, He I H, He

    II uma vez ionizado H II, He II H+, He+

    III duplamente ionizado He III, O III He++, O++

    ... ... ... ...

    XVI 15 vezes ionizado Fe XVI

    ... ... ... ...

    Fica fcil entender esta notao ao percebermos que o nmero romano que acompanha o smbolo do elemento qumico tem uma unidade a mais do que o seu grau de ionizao. Por exemplo, Fe XIV significa que o elemento ferro est ionizado (14 - 1)= 13 vezes.

    Um outro ponto a notar que o maior grau de ionizao possvel de um determinado tomo dado pelo nmero de eltrons que ele possui. Deste modo, o hidrognio, que s tem um eltron, s pode ser ionizado uma vez, formando o H II. No espao entre as estrelas existem regies onde o hidro-gnio est ionizado. Estas so as regies HII, regies do espao interestelar onde a radiao proveniente de estrelas vizinhas ionizou completamente o hidrognio local. O estudo das regies H II um importantssimo tema na astrofsica. Vemos ao lado uma dessas regies HII, a nebulosa M16, tambm chamada de nebulosa guia.

    Os processos de ionizao so muito importantes para a astrofsica por es-tarem associados temperatura. medida que fornecemos energia a um gs, sua temperatura aumenta. Os eltrons de cada elemento qumico que o forma vo absorvendo esta energia, passando para nveis cada vez mais excitados at que se transformam em eltrons livres. O gs passa ento a ser formado por tomos cada vez mais ionizados e por eltrons livres. Como somos capazes de determinar no laboratrio qual a temperatura correspondente a cada nvel de ionizao, ao constatarmos a presena destes tomos ionizados no espao sabemos a temperatura dos fenmenos locais.

    O plasma Se a maioria dos tomos ou molculas em uma regio esto ionizados, o

    estado resultante da matria corresponde a um gs que eletricamente neutro em uma escala global, mas composto microscopicamente de ons carregados positivamente e eltrons (obviamente com carga negativa) que foram arranca-dos dos tomos quando os ons foram formados. Tal estado da matria, forma-do por ons e eltrons livres, chamado de plasma.

    A maior parte da matria nas estrelas est na forma de um estado de plasma.Dissemos anteriormente que o Universo formado por matria nor-

    mal ou seja, aqu