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Módulo 7 A história térmica do Universo Ensino a Distância COSMOLOGIA Da origem ao fim do universo 2015 Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

Cosmologia - módulo 7

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Módulo 7 do curso de cosmologia oferecido pelo Observatório Nacional

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  • Mdulo 7A histria trmica do Universo

    Ensino a DistnciaCOSMOLOGIADa origem ao m do universo

    2015Ministrio da

    Cincia, Tecnologia e Inovao

  • Esta publicao uma homenagem a Antares Cleber Crij (1948 - 2009) que dedicou boa parte da sua carreira cientfi ca divulgao e popularizao da cincia astronmica.

    Presidente da RepblicaDilma Vana Rousse

    Ministro de Estado da Cincia, Tecnologia e InovaoJos Aldo Rebelo Figueiredo

    Secretrio-Executivo do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovaolvaro Doubes Prata

    Subsecretrio de Coordenao de Unidades de PesquisasAdalberto Fazzio

    Diretor do Observatrio NacionalJoo Carlos Costa dos Anjos

    Observatrio Nacional/MCTI (Site: www.on.br)Rua General Jos Cristino, 77So Cristvo, Rio de Janeiro - RJCEP: 20921-400

    Criao, Produo e Desenvolvimento (Email: [email protected])

    Carlos Henrique VeigaCosme Ferreira da Ponte NetoRodrigo Cassaro ResendeSilvia da Cunha LimaVanessa Arajo SantosGiselle VerssimoCaio Siqueira da SilvaLuiz Felipe Gonalves de Souza

    2015 Todos os direitos reservados ao Observatrio Nacional.

    Equipe de realizao

    Contedo cientfi co e textoCarlos Henrique Veiga

    Projeto grfi co, editorao e capaVanessa Arajo Santos

    Web DesignGiselle VerssimoCaio Siqueira da Silva

    ColaboradoresAlexandra Pardo Policastro NatalenseNey Avelino B. SeixasAlex Sandro de Souza de Oliveira

    Imagem obtida pelo telescpio refl etor VISTA (Visible and Infrared Survey Telescope for Astronomy) de 4.1 metros de abertura do espelho primrio. Este telescpio est localizado no Observatrio Paranal, no Chile, cuja linha de pesquisa obter imagens na faixa de luz infravermelha.

    Esta imagem revela uma regio do cu profundo conhecida como campo COSMOS, localizada na direo da constelao do Sextante. Foi obtida com um tempo de exposio de 55 horas e composta pela combinao de 6000 imagens. Esta imagem contm mais de 200.000 galxias identifi cadas.

    Crditos:ESO

  • Mdulo 7A histria trmica do Universo

    Ensino a DistnciaCOSMOLOGIADa origem ao m do universo

    2015Ministrio da

    Cincia, Tecnologia e Inovao

  • 308 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    a histria trmiCa do Universo

    A observao sistemtica das galxias nos revelou uma surpreendente su-cesso de fenmenos. fato bem determinado que as galxias possuem uma hierarquia em sua distribuio pelo cosmos. Elas se renem em grupos e em aglomerados que podem possuir de centenas a milhares de membros. Vrios aglomerados se agrupam em estruturas ainda maiores, os superaglomerados de galxias, que lanam um poderoso desafi o aos pesquisadores: as galxias sempre existiram ou foram criadas em algum momento? Se foram criadas, como isso ocorreu? Nuvens imensas de matria se fragmentaram em gal-xias ou as galxias j formadas que se reuniram em aglomerados? Outras observaes revelaram que as linhas espectrais das galxias se apresentam desviadas para a regio vermelha do espectro eletromagntico, fenmeno esse conhecido pelo nome ingls de redshift . Essa descoberta realizada por Edwin P. Hubble em 1929 interpretada pela grande maioria dos astrnomos como signifi cando que as galxias esto se afastando umas das outras. Mas as gal-xias se afastam do que e porque? Na verdade no so as galxias que se afastam umas das outras por meio de algum processo dinmico inerente a elas mas o espao-tempo que est se expandindo. Se pensarmos em sentido contrrio, nos deslocando para trs no tempo, vamos concluir que toda essa matria, em algum momento, esteve concentrada em uma regio de dimenses muito pequenas o que nos leva a concluir que a densidade existente quando t tende para zero era surpreendentemente alta. Alm disso, tambm foi constatada a existncia de uma radiao de fundo de microondas que permeia todo o universo e que hoje possui uma temperatura de aproximadamente 3 Kelvin. Como o universo est se expandindo e a temperatura sensvel a esse fen-meno, diminuindo com a expanso do sistema, somos levados a acreditar que, nos seus instantes iniciais, o universo deve ter tido uma temperatura extrema-mente alta. Esses so os dados observacionais que nos levam a acreditar que o universo teve uma origem.

    Qual ento a nossa descrio sobre o incio do universo? Em um deter-minado instante de tempo (oops! esta uma afi rmao perigosa pois podemos perguntar se o tempo foi criado junto com o universo ou se ele j existia antes da criao do universo) o universo se formou a partir de uma singularidade do espao-tempo onde deveria haver densidade e temperatura infi nita. O que se forma a partir desse instante o prprio espao-tempo (no as estruturas de matria que conhecemos como as estrelas e as galxias, pois essas s iro se formar muitssimo mais tarde), que se expande continuamente dando origem ao nosso universo. Essa seria a representao de como teria se originado o universo, tudo que conhecemos e que, por ser tudo, no permite a existncia de um observador exterior a esse espetacular evento. A isso foi dado, pejora-tivamente pelo fsico ingls Fred Hoyle, o nome de Big Bang, nome que quer dizer a grande exploso, algo que nunca aconteceu.

    Insistimos aqui que no poderia haver um observador para esse evento, uma vez que ele necessariamente seria parte do universo que est sendo cria-do. Um observador somente poderia presenciar a gerao do universo se ele fosse algo externo ao universo mas isso impossvel, pois no pode haver nada fora do universo. Assim, quando um fi lme de TV nos mostra o Big Bang como uma linda exploso colorida h nisso dois erros fundamentais:

    no houve exploso nenhuma, pelo menos no sentido usual que damos a esse termo.

    ningum poderia assistir criao do universo por ser parte integran-te dele, estar sendo formado ao mesmo tempo que ele. Em linguagem

    46 a Histria trmica do universo

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 309

    mais clara, ningum at hoje conseguiu assistir ao seu prprio parto em tempo real.

    Aps ser criado, o universo se expandiu e, consequentemente, comeou a esfriar. Temos ento uma histria trmica para o universo. Essa histria pro-cura descrever os inmeros processos fsicos que ocorreram nessa odissia e que esto intimamente associados temperatura do universo. Esses processos englobam criao, destruio e transformao. Alguns so mais suaves, ou-tros so extremamente violentos com a liberao de quantidades de energia jamais imaginadas anteriormente.

    Mostramos abaixo algumas tabelas que esquematicamente descrevem a histria trmica do universo. Os nomes dados s diversas eras, com algumas poucas excees, variam com os autores, porm a fsica subjacente a elas sempre a mesma.

    Alguns tamanhos teis em ordem de grandeza

    propriedade valorcomprimento de Planck 10-35 metro

    limite observacional atual no interior da matria 10-19 metro

    dimetro do prton 10-15 metro

    dimetro do ncleo atmico 10-14 metro

    dimetro do tomo 10-10 metro

    altura do ser humano 1,0 - 2,0 x 100 metros

    dimetro da Terra 107 metros

    dimetro de uma estrela 109 metros

    distncia Terra-Sol (= 1 unidade astronmica) 1,5 x 1011 metros

    dimetro da nossa Galxia (~ 1011 estrelas) ~ 1021 metros

    dimetro dos aglomerados de galxias ~ 1023 metros

    dimetro dos superaglomerados de galxias ~ 1024 metros

    dimetro da parte visvel do universo (raio de Hubble ~ 1011 galxias) ~ 5 x 1026 metros

    1 megaparsec = 106 parsecs = 3,3 x 106 anos-luz 3,1 x 1022 metros

    Como os diversos proCessos fsiCos dominam a histria do Universo

    Na tabela abaixo mostramos os vrios processos fsicos que dominam pocas determinadas da evoluo trmica do universo. Esses processos fsicos esto intimamente associados a fatores tais como a energia existente na poca considerada.

    idade (segundos)

    temperatura (Kelvin) energia

    principal processo fsico

    10-44 1032 1019 GeV gravitao quntica

    10-30 1028 1015 GeV

    processos de partculas10-12 1016 103 GeV

    10-4 1012 102 GeV

  • 310 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    1 1010 1 MeVprocessos nucleares

    102 109 0,1 MeV

    1012 4 x 103 0,4 MeV processos atmicos

    1012-16 - - processos gravitacionais

    8 x 1017 2,7 3 x 10-4 eV

    domnio da radiao

    tempo (segundos)

    densidade (Kg/m3)

    temperatura (Kelvin)

    ERA PLANCK de t = (?) a t = 10-43 segundosde infinito a

    1095de infinito a 1032

    ERA GUT de t = 10-43 segundos a t = 10-35 segundos de 1095 a 1075 de 1032 a 1027

    ERA HDRON de t = 10-35 segundos a t = 10-4 segundos de 1075 a 1016 de 1027 a 1012

    ERA LPTON de t = 10-4 segundos a t = 102 segundos de 1016 a 104 de 1012 a 109

    ERA NUCLEARde t = 102 segundos a t = 3 x 1010 segundos

    (1000 anos)de 104 a 10-13 de 109 a 6 x 104

    A primeira coluna da tabela mostra a idade do Universo. A segunda coluna mostra a temperatura T correspondente a essa idade, ou seja, a temperatura da radiao Tr. A terceira coluna nos d a energia E= kT que corresponde a essa temperatura. A ltima coluna nos informa o principal processo fsico que ocorre em cada uma dessas pocas e determinado pela escala de energia naquele instante.

    era de radiao e era de matria

    Durante os primeiros estgios da expanso do universo a energia de ra-diao era maior do que a energia da matria. Hoje a densidade de radiao menor do que 1/1000 da densidade de matria do universo.

    Quando, entretanto, a temperatura do universo era aproximadamente igual a 4000 K e a idade do universo era 500000 anos, a densidade de radiao tornou-se igual densidade de matria. Antes daquela poca a radiao domi-nava a matria. Este estgio inicial do universo chamado de era de radiao enquanto que o estgio subsequente a era de matria.

    Logo depois do comeo da era de matria, quando a idade do universo era de 700000 anos, um outro evento significante ocorreu: a criao de tomos a partir de ncleos e eltrons. A temperatura do universo, neste estgio, era de 3000 K. A temperaturas maiores os tomos estavam ionizados por causa das contnuas colises entre partculas e ftons. medida que a temperatura caiu abaixo de 3000 K os ftons no tiveram mais energia suficiente para ionizar a matria inteiramente de modo que tomos neutros podiam ser formados. A maioria dos eltrons tomaram parte na formao de tomos neutros de forma que somente alguns poucos eltrons livres foram deixados para trs e a intera-o entre ftons e eltrons cessou.

    Ao mesmo tempo o caminho livre mdio dos ftons, devido ao espa-lhamento por tomos neutros, se tornou to grande quanto o tamanho do horizonte. Por conseguinte, os ftons se tornaram desacoplados da matria e ficaram livres para se mover atravs de todo o espao. Hoje esses ftons cons-tituem a chamada radiao de fundo de microonda.

    Mostramos abaixo as diversas subdivises que caracterizam tanto a era de domnio de radiao como a era de domnio de matria.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 311

    domnio da matria

    tempo (segundos)

    densidade (Kg/m3)

    temperatura (Kelvin)

    ERA ATMICAde t = 3 x 1010 segundos a

    t = 3 x 1013 segundosde 10-13 a 10-19 de 6 x 104 a 103

    FASE GALCTICAde t = 3 x 1013 segundos a t = 3 x 1016 segundos

    de 10-19 a 3 x 10-25 de 103 a 10

    FASE ESTELAR

    de t = 3 x 1016 segundos at hoje (> 1010 anos

    aproximadamente 3 x 1017 segundos

    de 3 x 10-25 a 10-26 de 10 a 3

    fases tempo (segundos)temperatura

    (Kelvin) energia (ev)

    ERA PLANCK Gravitao Quntica

    (Supergravidade? Dimenses extras? Supersimetria? Superstrings?)

    do Big Bang at 10-43 segundos

    10? 10? GeV

    incio da ERA GUT 10-43 segundos 1032 1019 GeV

    Transio de fase da GUT: inflao, de-feitos topolgicos; Incio da ERA QUARK

    10-35 segundos 1027 1014-16 GeV

    Transio Eletrofraca Incio da ERA HDRON

    10-10 segundos 1015 300 GeV

    Transio Quark-Hdron: quebra de simetrial chiral e confinamento de cor

    (formao de brions e msons)10-5 segundos -- 100-300 MeV

    Incio da ERA LPTON -- 1013 10

    Desacoplamento do neutrino Incio da ERA FTON-PLASMA

    1 segundo 1010 10-3

    Aniquilao eltron-psitron 4 segundos -- 5 x 10-4

    NUCLEOSSNTESE do Big Bang: ori-gem do He4, He3, Deutrio e Ltio (fsica

    nuclear)

    10-2 segundos a 102 segundos

    -- 10 a 0,1 MeV

    Igualdade matria-radiao Incio da ERA DE MATRIA

    5 x 1011 segundos 105 10-9

    Recombinao do Hidrognio (ons e eltrons se combinam para formar to-

    mos: fsica atmica)Desacoplamento entre matria e radia-

    o (fton)

    1013 segundos 3000 3 x 10-10

    Formao de estruturas no lineares 1017 segundos 3 6 x 10-13

  • 312 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    idade do universo temperatura

    matria no universo comentrios

    ~ 2 x 1010 anos ( ~ 6 x 1017 segun-

    dos)3 K (~ 2,6 x 10-4 eV)

    0,4 ftons por mm3

    0,1 - 1 nucleon por m3

    razo n/p ~ 1/8 (em mdia)

    razo e/p ~ 1 (em mdia)

    alguns poucos neutrinos por mm3

    + matria escura?

    ftons desacoplam das ou-tras formas de matria; os

    tomos existem

    109 ftons/mm

    ~ 6 x 105 anos ~ 3000 K

    ftons em equilbrio com plasma de ncleos e

    eltrons

    nutrons ligados em ncleos formao de

    energia

    a matria conhecida

    principalmente leptnica mas

    h evidncia da existncia de

    matria escura

    os trs primeiros minutos

    ~ 3 minutos (= 180 segundos) ~ 0,1 MeV

    prtons e nutrons for-mam gs

    no existem pares el-tron-psitron

    ~ 15 segundos ~ 0,3 MeV

    pares eltron-psitron em equilbrio com ftons

    e prtons

    os neutrinos desacoplam de outras formas de

    matria

    ~ 1 segundo ~ 1 MeV

    neutrinos em equilbrio com a matria

    no existem hdrons ex-ceto prtons e nutrons

    ~ 10-3 segundo ~ 30 MeV hdrons instveis

    LIMITE DA FSICA CONVENCIONAL

    ~ 5 x 10-5 segundo ~ 150 MeV os hdrons formam gs

    transio de fase hadrnica (grande diminuio de energia e densidade de entropia)

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 313

    ~ 2 x 10-5 segundo ~ 250 MeV

    matria hadrnica coalesceu em plasma de quark-gluon

    matria conhecida

    principalmente hadrnica

    natureza da matria escura?

    1036 partculas por mm3 = 1 partcula

    por fm3 proporcional

    a T3

    ~ 10-8 segundo ~ 10 GeV (= 104

    MeV)

    as interaes eletromagntica, fraca e forte

    so independentes; ftons

    transio de fase eletrofraca

    ~ 10-12 segundo ~ 103 GeV

    as interaes eletromagntica e fraca se

    misturam

    os ftons esto misturados com Zo sem massa e W sem

    massa

    ??????????

    outro tipo de expanso? criao de matria e entropia a partir de energia

    de campo coerente?

    ~ 10-32 segundo ~ 1013 GeV interaes eletrofraca e nuclear separadas; gluons

    transio de fase eletronuclear (origem da assimetria de brions?, monopolos? strings?)

    ~ 10-36 segundo ~ 1015 GeV

    interaes eletrofraca e nuclear se misturam

    gluons misturados com outras partculas

    ????????????????

    ~ 10-42 segundo ~ 1018 GeV ????????????

    GRAVITAO QUNTICA ???

    ~ 0 (por defini-o)

    ~ 1019 GeV

    (energia de Planck)

    os trs primeiros minUtos

    A temperatura de 1011 K A essa temperatura corresponde uma idade do universo t= 0,01 segundo. Existe equilbrio trmico entre ftons e partculas. Eltrons, neutrinos e

    suas antipartculas (psitrons e antineutrinos) esto sendo criados em abun-dncia. A criao de hdrons cessou, uma vez que estes exigem temperaturas muito mais altas.

    Os prtons e nutrons esto sendo continuamente convertidos uns nos outros. Deste modo, eles se apresentam em propores mais ou menos iguais, 50% de prtons e 50% de nutrons.

    Nenhum elemento qumico complexo pode ser formado, pois quaisquer concentraes de prtons e nutrons so imediatamente dispersadas.

  • 314 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    A temperatura de 1010 K A essa temperatura corresponde uma idade do universo de t= 1,1 segundos. As interaes fracas saem do equilbrio trmico. Consequentemente, neu-

    trinos e antineutrinos no esto mais em equilbrio trmico com as outras partculas. Ao invs disso, eles se movem livremente no espao. A energia de-les se reduz continuamente devido expanso csmica.

    De acordo com as previses tericas, se pudssemos observar estes neutri-nos cosmolgicos que preenchem o espao uniformemente, eles deveriam ter hoje uma temperatura de 2 K. Atualmente no existe uma maneira conhecida de observar esta radiao, porque o neutrino interage muito fracamente com a matria. Para parar um neutrino precisamos, em mdia, de uma parede de chumbo com vrios anos-luz de espessura.

    Entretanto, como o nmero desses neutrinos enorme (estima-se que a energia total deles de pelo menos 45% da energia total dos ftons) no est fora de questo que um dia essa radiao de neutrino ser detectada. Tal des-coberta ser um dos mais importantes avanos da cosmologia.

    A uma temperatura de 1010 K existem mais prtons do que nutrons, cerca de 76% de prtons e 24% de nutrons. Isso devido ao fato de que a massa do nutron ligeiramente maior do que a massa do prton e as duas espcies so mantidas em equilbrio pelas interaes fracas. As reaes que produzem os prtons so assim favorecidas em relao s reaes reversas que produzem os nutrons.

    Quando as interaes fracas saem do equilbrio, a razo de prtons para nutrons congela no valor alcanado naquela temperatura.

    A temperatura de 109 K A essa temperatura corresponde uma idade do universo t= 3 minutos. Esta temperatura est bem abaixo do valor mnimo exigido para a criao

    de pares eltron-psitron. Os ftons, consequentemente, cessaram de formar estes pares e a maior parte dos eltrons e psitrons j formados se aniquilam mutuamente. Somente alguns eltrons foram deixados para trs, aproxima-damente igual em nmero de prtons, de modo que a carga total do universo zero ou quase zero.

    Neste estgio os elementos leves so formados em grandes quantidades, principalmente deutrio D (ou hidrognio pesado 2H) e hlio (2He4). As coli-ses entre prtons e nutrons, que so agora na proporo 86% prtons para 14% nutrons, formam ncleos de deutrio. Posteriormente o deutrio colide com prtons e nutrons e forma o hlio.

    Todo o deutrio e o hlio formado em um intervalo de tempo muito cur-to. No final desse estgio a temperatura T= 0,9 x 109 K e a idade do universo t= 3 minutos e 45 segundos. Um pouco mais tarde, praticamente todos os nutrons foram incorporados em hlio 2He4 e outros elementos, de modo que no so deixados mais nutrons para que a nucleossntese continue. Somen-te muito mais tarde os elementos mais pesados so formados nos interiores estelares.

    A nucleossntese cosmolgica dura aproximadamente 4 minutos, de t= 10 segundos a t= 3 minutos e 45 segundos. Este estgio, muito importante da evoluo csmica, foi primeiramente descrito por George Gamow e seus cola-boradores no ano de 1948.

    Entre o final da nucleossntese, t= 4 minutos, at a poca da formao dos tomos, trec = 700000 anos, nada importante aconteceu. Depois da poca de recombinao, o evento mais importante no universo foi a formao de gal-xias e estrelas, como veremos mais tarde.

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 315

    O intervalo de formao de energia de 10 segundos < t < 24 horas ~ 0,9 x 105 segundos

    de t ~ 10 segundos em diante, prtons e nutrons estavam em equil-brio cintico com os ftons, mas no em equilbrio nuclear-qumico porque a formao de ncleos lenta demais.

    se o equilbrio completo prevalece, a maior parte de p e n estaria pri-meiro em 4 He (0,3 MeV > T > 0,2 MeV) e ento em 56 Fe (T < 0,2 MeV).

    ento a energia criada at 7,7 MeV/nucleon.

    energia = quantidade mxima de trabalho mecnico que pode ser extrada de um sistema fsico at que o equilbrio seja alcanado

    isso ocorreu at t ~ 24 horas ~ 0,9 x 105 segundos, quando T ~ 3 keV

    em t ~ 2 x 1013 segundos uma energia de 10 eV/nucleon foi perdida devido formao de tomos.

    a energia restante a base da produo de energia nuclear por estrelas (e tambm da vida?)

    outra fonte de energia: estrelas colapsantes

    a radiao de fUndo

    A primeira concluso que podemos tirar da radiao de fundo csmica que o universo primordial deve ter sido muito quente. O universo se expande e isso nos diz que a temperatura da radiao no universo est sempre caindo. Portanto, quanto mais primitivo for o instante csmico considerado, mais alta deve ter sido sua temperatura.

    A temperatura da radiao inversamente proporcional ao fator de escala do universo ou seja

    Tr proporcional 1/R

    Veja que quando R muito pequeno, isto , no universo primordial, Tr pode ser muito alta.

    Deve ser enfatizado que Tr somente a temperatura da componente de radiao. Ento, um Tr alto no equivalente alta temperatura do universo inteiro.

    Clculos nos mostram que quando a temperatura da radiao era mais alta do que 300 K, o universo estava preenchido principalmente com radiao, com partculas salpicadas aqui e ali. Este perodo chamado de era radiativa do universo.

    Durante essa fase radiativa no existiam estrelas. Essas foram formadas quando as partculas se gruparam por meio de atrao gravitacional mtua. A ao da radiao soprar estas aglomeraes de matria, impedindo que elas se formem. Durante a era de radiao o seu vento era muito mais forte do que a gravitao entre as partculas e, dessa maneira, ela conseguia impedir qualquer acumulao de matria.

    Desse modo, na poca quando Tr > 300 K, as vrias partculas materiais do universo estavam quase que uniformemente distribudas no espao, sem acumulaes, ou aglomeraes e sem formar de modo algum estruturas complicadas.

  • 316 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    Tambm em um meio ambiente mais quente do que 3000 K a maioria dos tomos estaria ionizada. Deste modo, o perodo de radiao no era feito de um estado de ftons mais tomos. Ela era um tipo de plasma uniformemente distribudo e esse plasma era composto de uma mistura de eltrons, prtons, ncleos atmicos e ftons.

    Alguns perodos selecionados na histria trmica do universo

    Era Planck

    Era de Grande Unifi cao

    Era Infl acionria

    Era Hadrnica

    Era Leptnica

    Era de Nucleossntese

    Era de Recombinao

    A formao de estrelas e galxias

    o inCio do Universo: as eras

    era planCK

    Como a fsica consegue explicar o comeo do universo? Na verdade, a fsica que conhecemos hoje no consegue. Quando voltamos no tempo, na direo daquilo que teria sido o chamado Big Bang, deparamos com uma barreira ao nosso conhecimento, at agora intransponvel, e que chamamos de era Planck. O mais importante que essa barreira no ser superada apenas aprofundan-do o que j sabemos de fsica. Na verdade, precisamos de uma nova teoria fsica para descrever o que deve ter acontecido nesses primeiros momentos do universo.

    Ocorre que, medida que vamos para dimenses muito pequenas, o dom-nio da fsica quntica fi ca estabelecido. Os conceitos de tempo e de espao no tm mais os signifi cados normais que nos so dados pela fsica clssica. Nessas condies, a Teoria Relativstica da Gravitao no pode ser usada: ela perten-ce ao domnio da fsica clssica, ou seja, ela no descreve os processos qunti-cos. Precisamos de uma teoria que descreva os fenmenos gravitacionais que ocorrem dentro do domnio quntico. Precisamos de uma Teoria Quntica da Gravitao e esta ainda no conhecida. Vrias tentativas tm sido feitas para desenvolver uma teoria desse tipo, mas os princpios envolvidos so bastante complexos.

    H ainda um outro problema: para descrever esses momentos iniciais do universo necessrio que as interaes fundamentais que conhecemos este-jam unifi cadas em uma nica teoria. Por interaes fundamentais queremos dizer as foras que atuam na natureza, no nosso dia-a-dia, e so as respons-veis pelos diversos fenmenos que ocorrem ao nosso redor. Para descrever os fenmenos eletromagnticos temos a eletrodinmica quntica. Os processos que ocorrem no interior da matria, no ncleo dos tomos, so descritos pela cromodinmica quntica, enquanto que os processos de emisso radioativa, responsveis pela transmutao de alguns elementos qumicos, so produ-zidos pela chamada interao fraca. A unifi cao das teorias eletromagn-tica e fraca deu origem chamada teoria eletrofraca ou teoria de Glashow - Weinberg - Salam. Procura-se hoje, e at agora no foi achada, uma teoria

    47 o incio do universo: as eras

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 317

    que englobe os processos descritos pela teoria eletrofraca e pela cromodi-nmica quntica, a chamada teoria de grande unificao ou, simplesmente GUT, abreviao do termo ingls Grand Unified Theory. Essa teoria dever ser unificada com a teoria da gravitao, dando origem a uma nica teoria capaz de descrever todos os processos que ocorrem no universo. A essa teoria, que unifica todas as interaes fundamentais da natureza, damos o nome de supergravidade.

    A menos de alguma surpresa, e a histria da fsica est cheia de exemplos deste tipo, somente uma teoria de supergravidade que teria condies de explicar os primeiros momentos do universo. Vemos, portanto, que para des-crevermos o que aconteceu nos instantes iniciais do nosso universo possivel-mente ainda precisamos inventar duas novas teorias!

    Teorias da Gravitao com mais de 4 dimenses Um dos grandes nomes da fsica no incio do sculo XX foi Oskar Klein,

    nascido em Mrby, Sucia. Em 1924, Klein desenvolveu um importante tra-balho de fsica terica enquanto tentava estabelecer a unificao da teoria ele-tromagntica e a gravitao. Ele tentou resolver esse problema aumentando as dimenses do espao-tempo que agora teria cinco dimenses. Ao que parece, ele no tinha conhecimento do trabalho feito em 1919 pelo fsico Theodor Ka-luza usando o mesmo artifcio. Kaluza havia enviado esse trabalho, no qual propunha uma unificao da gravitao com a teoria eletromagntica, para a apreciao de Albert Einstein, que no se interessou por ele. Mais tarde, Eins-tein reviu sua posio e, ao ver a originalidade das idias ali contidas, incenti-vou Kaluza a public-lo. O prprio Einstein apresentou o artigo de Kaluza no dia 8 de dezembro de 1921.

    Tendo agora conhecimento das ideias de Kaluza, Klein adaptou-as fazen-do algumas importantes modificaes. Klein sugeriu que a dimenso extra, a quinta, estava enrolada como uma bola que era da ordem do comprimento de Planck ou seja, 10-33. importante notar que essa dimenso extra, embora estivesse enrolada, ainda tinha natureza euclidiana. Basicamente, a quinta coordenada no era observvel mas era uma quantidade fsica que estava con-jugada carga eltrica. A esse enrolamento de uma (ou vrias) dimenses espaciais damos o nome de compactif icao.

    Klein sups que a quinta dimenso era peridica. A dimenso era da ordem do comprimento de onda de Planck. Esse resultado de Klein despertou grande interesse nos fsicos. A teoria passou a ser chamada de teoria Kaluza-Klein.

    Klein ainda faria outra grande descoberta para a fsica. A ele e ao fsico Walter Gordon devemos a descoberta da primeira equao de onda relativsti-ca, a chamada equao de Klein-Gordon.

    Descrevendo a formao do Universo em mais de 4 dimenses

    Tentativas alternativas tambm tm sido feitas para descrever os instan-tes iniciais do universo usando um nmero maior de dimenses. Embora a Teoria Relativstica da Gravitao nos fornea uma descrio do espao-tempo em quatro dimenses, outras teorias propem que na era Planck o espao poderia possuir um nmero bem maior de dimenses espaciais. Por exemplo, as teorias de supergravidade propem 11 dimenses para o espao-tempo. E onde estariam estas dimenses suplementares? Segundo essas teo-rias elas teriam sido compactificadas, suprimidas de tal modo que a partir da era Planck somente quatro dimenses do nosso universo que sofreriam expanso. Esta seria a razo pela qual somente percebemos 4 dimenses em nosso universo.

    Oskar Klein (1894 - 1977) e Theodor Kalusa (1885 - 1954).

  • 318 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    Em resumo: A era Planck cobre o intervalo de tempo que vai de 10-43 a 10-35 segundos

    depois do Big Bang. estimado que a temperatura durante esta poca diminui de 1032 K a 1027

    K.

    10-43 segundosNeste instante a fora da gravidade se separou das outras trs foras, coletivamente conhecidas como a fora eletronuclear. Uma teoria completa de gravitao quntica tal como a teoria dos superstrings necessria para compreendermos estes eventos muito primordiais. Entretanto, a atual compreenso da cosmologia na teoria de cordas muito limitada. O dimetro do universo atualmente observvel teorizado como 10-35 metros, o que conhecido como comprimento de Planck. Um inter-valo de 10-43 segundos conhecido como tempo de Planck.

    10-36 segundosNeste instante a fora forte se separa da fora eletronuclear deixando duas foras: foras eletromagntica e eletrofraca.

    Os limites da Gravitao Quntica Em princpio, medida que R tende para zero a temperatura T tende para

    infi nito. Chegamos ento a um ponto no qual continuar raciocinando em termos de fsica clssica se torna impossvel. incorreto estender a soluo clssica para R= 0 e concluir que o universo comeou em uma singularidade de densidade infi nita. Uma questo comum sobre o Big Bang o que aconte-ceu em t menor que 0? Na verdade no mesmo possvel chegar ao instante zero sem adicionar novas leis da fsica. A singularidade inicial no indica algum defeito fatal na idia completa de Big Bang. Ao invs disso, devemos nos tranquilizar de que o modelo do Big Bang nos d bons resultados em todos os lugares exceto em um deles onde sabemos por antecedncia que ele ser invlido.

    O comprimento de onda Compton de uma partcula dado por:

    Onde: h a constante de Planck, m a massa da partcula, c a velocidade da luz.

    Igualando a defi nio (Raio de Schwarzschild) com o seu res-pectivo comprimento de onda, obtemos uma massa caracterstica para a gra-vidade quntica, conhecida como massa de Planck.

  • Cosmologia - Da origem ao fi m do universo 319

    Temos tambm que o comprimento de planck

    e tambm que o tempo de planck pode ser escrito

    A massa caracterstica para a gravitao quntica, mp, e o correspondente comprimento de onda do proton

    A massa caracterstica para a gravitao quntica, m e tempo de planck

    , e o correspondente formam o

    chamado sistema de unidades de Planck que, como vimos acima, pode ser construdo a partir de G, e c.

    A pequenez dessas escalas faz com que as observaes em laboratrios se-jam impossveis serem realizadas no momento e isso uma das caractersticas fundamentais de qualquer anlise da gravitao quntica.

    O tempo de Planck, por conseguinte, estabelece a origem do tempo para a fase clssica do chamado Big Bang.

    era de Grande UnifiCao

    No perodo que vai de 10-43 segundos at 10-33 segundos temos o domnio da chamada Teoria de Grande Unifi cao ou simplesmente GUT (do ingls Grand Unifi ed Th eory). Nessa fase, impressionantes fenmenos iro ocorrer. nela que se d a origem da assimetria entre matria e antimatria, ao mesmo tempo em que surgem os chamados monoplos. Tambm nessa fase que ocorre o importante fenmeno da infl ao csmica, um processo que, pela sua extraordinria dinmica, fez com que o universo sofresse uma inacreditvel expanso em um pequenssimo intervalo de tempo.

    O modelo infl acionrio foi primeiramente proposto por Guth em 1981. Se-gundo ele, aproximadamente na poca de quebra de simetria da grande unifi -cao, cerca de 10-35 aps o Big Bang, o universo teria passado por uma rpida e enorme expanso.

    Durante esse processo, o raio de curvatura do universo aumentou por um fator de 1043, o que fez com que sua geometria, inicialmente curva, se tornasse quase que exatamente plana. Essa enorme expanso provocou um extraordi-nrio decrscimo na temperatura do universo, que agora se aproxima de zero.

    No entanto, a energia liberada nessa transio, que chamamos de tran-sio do vcuo, foi transformada em energia trmica. Essa energia trmica, transferida para as partculas que esto no universo, ir reaquec-las at que elas estejam aproximadamente mesma temperatura que teriam se no tivesse acontecido a infl ao.

    O que provoca esta infl ao? Novas ideias, tais como vcuo e quebra de sime-tria, sero necessrias para esclarecer o que est ocorrendo. Para a fsica o vcuo no vazio. Ele est completamente preenchido de energia e, segundo a fsi-ca de partculas elementares, pares partcula-antipartcula so continuamente criados e aniquilados nele. Nas altssimas temperaturas que caracterizam a fase GUT do universo o vcuo o estado de energia mais baixa e, portanto, estvel.

    medida que o universo se expande ele esfria e quando a temperatura atinge o valor crtico de 1014 GeV o vcuo simtrico se torna instvel. Para este valor de temperatura a energia do vcuo simtrico mais alta do que aquela do vcuo de quebra de simetria. Isso obriga o universo a fazer uma transio

    Modelo infl acionrio do Universo proposto por Guth (1981).

    Alan Guth (1947 - 1981).

  • 320 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    de fase indo do estado de maior energia para o estado de energia mais baixa. Esta seria a origem da inflao que faz com que o universo se expanda de uma maneira exponencial.

    A inflao tambm poderia ajudar as teorias de dimenses mais altas sobre as quais falamos anteriormente. Pode ser que o nosso universo seja realmente descrito por uma teoria com um nmero maior de dimenses do que as qua-tro a que estamos acostumados. Neste caso teramos a iluso de viver em um universo com 3 dimenses simplesmente porque trs das dimenses espaciais teriam sido inflacionadas, enquanto que as dimenses restantes seriam, at hoje, pequenas demais para serem observadas.

    No final dessa era, quando o universo esfriou para 1026 K, houve uma que-bra espontnea de simetria e as interaes fundamentais, antes unificadas em uma nica teoria que chamamos de GUT, foram separadas em dois tipos de interaes: a interao forte e a interao eletrofraca. Iniciou-se uma nova fase para o universo. Essa quebra de simetria que ocorreu durante a GUT, por no ser a mesma em todas as regies do universo, deu origem aos chamados de-feitos topolgicos, entre eles os chamados monoplos magnticos, as cordas e as paredes csmicas.

    Era InflacIonrIa

    A Inflao do Vcuo: o conceito moderno de vcuo O que o vcuo? Os cientistas em pocas diferentes tm mudado bastante

    a sua compreenso sobre o vcuo. Na poca do predomnio da mecnica clssica o vcuo era simplesmente o

    espao vazio. Com o avano do eletromagnetismo clssico, apresentado pelo fsico escocs James Clerk Maxwell, o vcuo passou a ser encarado como um ter, um meio rarefeito que preenchia todo o espao.

    Na fsica moderna o vcuo um estado fundamental, o ponto de partida de vrias excitaes ou perturbaes.

    Embora essas compreenses sobre o vcuo fossem diferentes, elas implici-tamente concordavam que o vcuo era nico e que existia somente um bem determinado estado de vcuo.

    Para os cientistas da poca, parecia que o estado de vcuo era o ponto de partida e a base que fornecia medies para todos os movimentos. Ao mesmo tempo ele mesmo era livre de qualquer efeito dos movimentos da matria. A relao entre esses dois conceitos seria unilateral ou seja

    Essa relao unidirecional no se ajusta bem na estrutura atual da fsica, onde o efeito entre sistemas tem sempre um carter mtuo.

    Na teoria moderna da fsica de partculas estamos comeando a reconhe-cer que h de fato o tipo de relao mtua que esperamos entre o vcuo e o movimento da matria, ou seja,

    A principal concluso tirada disto que, acima de tudo, o estado de vcuo no certamente nico e que existem muitos possveis estados de vcuo.

    O que queremos dizer por vrios diferentes estados de vcuo? Vamos tomar o exemplo mais simples. Suponha que existe um campo na Natureza e

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 321

    sua intensidade ser representada por . Em geral, espao vazio deve corres-ponder a = 0, pois no estado de vcuo a intensidade de campo deve ser zero. Do ponto de vista da teoria de partculas elementares, o vcuo que correspon-de a = 0 devido apenas a = 0 ser o estado de energia mais baixo. Todos os estados 0 tm energias mais altas.

    A figura ao lado mostra a variao da energia do campo com a intensidade do campo. Note que o ponto = 0 o valor mnimo que a curva pode assumir e, portanto, corresponde ao estado fundamental ou estado de vcuo.

    No entanto, um fato curioso pode acontecer. De acordo com a interpreta-o acima, o vcuo no necessariamente corresponde a nenhum campo- ou ao campo em = 0. Se a energia do campo- da forma mostrada na figura ao lado, ento haver dois estados de vcuo

    = +o

    = -o

    Para esta curva de energia, embora = 0 seja um valor extremo, ele um mximo de modo que o estado = 0 instvel.

    A chamada Teoria de Grande Unificao acredita que existe na Natureza os chamados campos de Higgs para os quais a curva de energia tem de fato a forma mostrada na figura ao lado (Figura 2). No estado de vcuo o campo de Higgs no zero.

    Olhando de novo para a curva de energia da figura ao lado (Figura 2), ve-mos que o estado = 0 comparativamente simtrico, enquanto que para os estados = +o e = -o a simetria quebrada. Um ponto de vista bsico da Teoria de Grande Unificao este: o motivo pelo qual a Natureza no pode ser mantida em um estado de simetria perfeita o fato de que o estado de vcuo completamente simtrico instvel

    As transies de fase do vcuo O conceito de transio de fase no estranho para ns. Por exemplo,

    quando a gua resfriada a 0o ocorrer uma mudana de fase que a far passar da fase lquida para a fase slida. Antes e depois dessa mudana de fase, a gua ter a mesma composio qumica. O que muda nela a simetria do seu estado. Fenmenos desse tipo podem ocorrer com diversos materiais, alguns deles tendo suas propriedades alteradas aps uma transio de fase.

    O aspecto caracterstico da mudana de fase que ocorre no vcuo tam-bm uma mudana em suas propriedades de simetria. Olhemos de novo para o campo- mostrado ao lado. Estritamente falando, a curva mostrada na figu-ra refere-se matria mantida a uma temperatura T= 0. Quando T diferente de zero a curva passa a ser aquela mostrada na figura abaixo, que nos diz que as curvas na energia do campo so dependentes da temperatura. Nesse novo caso, as caractersticas das curvas so as seguintes:

    Quando T < Tc, ocorre um mnimo em diferente de 0

    Quando T > Tc, ocorre um mnimo em = 0

    Neste caso, Tc representa a temperatura crtica. Quando a temperatura da matria mais alta do que a temperatura crtica, o vcuo est seguramente localizado no estado simtrico = 0. Quando a temperatura cai abaixo dessa temperatura crtica, a simetria do vcuo perdida.

    A histria trmica do universo segue o decrscimo de temperatura. Dai, durante a evoluo csmica, certamente ocorreu uma srie de mudanas de

    Variao da energia do campo com a intensidade do campo. (figura 1)

    Curva de energia que mostra o comportamento dos campos de Higgs. (figura 2)

    Curva de energia que mostra o comportamento dos campos de Higgs para T diferente de zero.

    (figura 3)

  • 322 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    fase no vcuo. Mais ainda, essas mudanas sempre ocorreram de estados si-mtricos para menos simtricos. Muitas assimetrias que vemos no universo atual evoluram de mudanas de fase no vcuo.

    A mais notvel assimetria que vemos no universo de hoje a existncia de quatro interaes fundamentais de intensidades amplamente diferentes: as interaes forte, eletromagntica, fraca e gravitacional. Isso concorda com o ponto de vista de que todas as coisas foram formadas durante a evoluo do universo.

    Durante os estgios mais primordiais do universo, quando existia o mais alto grau de simetria, essas quatro interaes eram indistinguveis. S havia uma nica variedade e ela podia ser descrita usando-se a chamada teoria da superunificao.

    medida que o universo esfriou, ocorreram sucessivas mudanas de fase no vcuo, que corresponderam supergravidade, Grande Unificao e unificao eletrofraca. Cada mudana de fase causou um abaixamento da si-metria existente e a diferenciao de uma interao fundamental particular. Veja que as quatro interaes fundamentais que conhecemos hoje na natureza no existiram desse modo desde o incio do universo, tendo sido geradas em estgios de acordo com as mudanas de fase que o universo sofreu.

    A poca na qual ocorre uma mudana de fase determinada pela tem-peratura crtica do universo. A teoria eletrofraca unificada bem conhecida. Sua temperatura crtica de kTc ~ 100 GeV. A Teoria da Grande Unificao tambm tem tido algum sucesso e sua temperatura crtica de kTc ~ 1015 GeV. Ainda precisamos de uma teoria de superunificao que possa ser confirma-da pelas observaes. Um valor que podemos usar, como uma medida tem-porria, kTc ~ 1019 GeV. Assim, de acordo com a tabela cronolgica dada anteriormente, a mudana de fase eletrofraca ocorreu na idade csmica t ~ 10-12 segundos, a mudana de fase da Grande Unificao ocorreu a t ~ 10-36 segundos, e a superunificao se deu possivelmente a t ~ 10-44 segundos.

    Era HadrnIca

    O perodo antes de 7 x 10-5 segundos chamado de era hadrnica.J vimos que os hdrons so partculas pesadas e alm das interaes fraca

    e eletromagntica eles interagem por meio da interao forte.Os hdrons mais familiares so os ncleons, como chamamos coletivamen-

    te os prtons e nutrons. No entanto, existe tambm nos ncleos dos tomos partculas chamadas pion que so hdrons com massas 270 vezes superiores massa do eltron. Os pions saltam de um lado para outro entre os ncleons e mantm o ncleo atmico junto apesar da repulso eltrica existente entre os prtons.

    Na era dos hdrons o universo estava inundado deles, porque a temperatu-ra era suficientemente alta para a criao de pions, ncleons e antinucleons, e outros hadrons, assim como de suas antipartculas. Os lptons tambm exis-tem, mas o universo agora dominado pela presena de um mar denso de hdrons.

    medida que olhamos para estgios ainda mais primordiais do univer-so, vemos que a temperatura aumenta muito. Com temperaturas to altas no universo, temos um novo estado da matria, o plasma quark-gluon tambm chamado de matria de quark.

    A matria hadrnica tem sua constituio determinada pela cromodin-mica quntica, uma importante parte da teoria quntica dos campos.

    Todos os sistemas hadrnicos possuem a propriedade de confinamento: os sistemas hadrnicos no vcuo no revelam a propriedade que chamamos

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 323

    de cor. Eles se apresentam sem cor. Embora os trs quarks que formam os brions ou os pares quark-antiquark que formam os msons no apresentem a propriedade de cor como um todo, seus quarks esto o tempo todo envolvi-dos por um mar de pares quark-antiquark e gluons.

    Em baixas densidades a matria hadrnica forma o que chamamos de gs hadrnico. Matria hadrnica muito densa deve existir quando a matria nuclear altamente comprimida, como ocorre nos objetos estelares densos, e tambm em altas temperaturas. Neste ltimo caso a alta densidade dos h-drons criada pela chamada agitao trmica e isso que ocorre no universo primordial.

    Os hdrons devem ser agregados em um fluido contnuo e denso formado de quarks, antiquarks e gluons chamado de plasma quark-gluon.

    Podemos obter plasma quark-gluon de duas maneiras:

    Comprimindo a matria nuclear por um fator 20, teremos uma densi-dade de quark de ~ 20 x 3 x 0,17 fm-3 ~ 10 fm-3

    Aquecendo matria a T ~ 500 MeV ~6 x 1012 K

    Um gs de pion ideal teria ~ 6 pions/fm3 ou seja, uma densidade quark-an-tiquark de ~ 12 fm-3.

    Sob tais condies a existncia do plasma quark-gluon seria inevitvel.

    Era lEptnIca

    Imediatamente precedendo a era de radiao, existe o que frequentemen-te chamado de era leptnica. Este o perodo situado entre 7 x 10-5 segundos, quando a temperatura era de cerca de 1,6 x 1012 K, e 5 segundos, quando a temperatura era de 6 x 109 K.

    Podemos ento dizer que a era leptnica comea quando o universo tem 1/10.000 de segundo de idade, quando a temperatura de 1 trilho de graus e possui uma densidade de 1.000 toneladas para um volume semelhante a um dedal. Este perodo dura at o comeo da era de radiao, quando o universo tem 1 segundo de idade e uma temperatura de 10 bilhes de graus.

    Na era leptnica a temperatura bastante alta para permitir a produo de pares eltron - psitron. Esses pares so continuamente criados e aniquilados e h uma crescente troca de energia entre ftons, pares de eltrons e neutrinos. Tudo est em equilbrio trmico e existem aproximadamente nmeros iguais de ftons, eltrons, psitrons e neutrinos.

    Enterrados nesse denso meio formado por ftons e lptons ferventes esto os ncleons - nome coletivo que damos aos prtons e nutrons - e para cada ncleon existe aproximadamente um bilho de ftons, um bilho de eltrons e um bilho de neutrinos.

    Cada ncleon colide continuamente com os lptons. Quando o ncleon um nutron ele captura um psitron e se torna um prton. Quando o ncleon um prton ele captura um eltron e se torna um nutron. Em qualquer mo-mento, aproximadamente metade dos ncleons so nutrons e a outra metade so prtons.

    Um nutron aproximadamente 0,14% mais pesado do que um prton. Deste modo ele capaz, quando em estado livre, de decair em um prton e um eltron. Por conseguinte, um pouco mais de energia necessria para criar um nutron do que necessria para criar um prton, e por causa desta pequena diferena de energia cada ncleon na era leptnica tende a ser um

    m: uma unidade de comprimento equivalente a

    10-15 metros. uma homenagem ao fsico italiano Enrico

    Fermi.

  • 324 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    prton ligeiramente mais duradouro do que um nutron. Por esse motivo, existem ligeiramente mais prtons do que nutrons.

    Atravs da maior parte da era leptnica o nmero de prtons supera o de nutrons mas apenas muito ligeiramente. No final da era leptnica, entretan-to, a temperatura caiu suficientemente para a diferena nas massas do nutron e do prton se tornarem importantes. Muitos eltrons agora no tm energia suficiente para converter prtons em nutrons, enquanto que a converso de nutrons em prtons por bombardeamento de psitrons muito mais fcil. Como resultado disso, no comeo da era de radiao existem somente 2 nu-trons para cada 10 prtons.

    Era dE nuclEossntEsE

    A nucleossntese primordial O problema da abundncia do elemento qumico hlio no universo s

    solucionado na cosmologia.De acordo com a tabela cronolgica da histria trmica do universo que

    vimos anteriormente, o intervalo entre as idades csmicas de 1 segundo e 100 segundos aquele no qual a escala de energia coincide com aquela do pro-cesso nuclear. Este outro meio ambiente adequado para a nucleossntese. A nucleossntese que ocorre durante estes dois ou trs minutos chamada de nucleossntese primordial.

    De acordo com os trs critrios dados anteriormente, quando a idade cs-mica t ~ 1 segundo, a temperatura csmica T ~ 1010 K, a energia kT ~ 1 MeV, o universo tem grandes quantidades de eltrons e psitrons, porque a massa de repouso deles mec2 ~ 0,5 MeV. Nesse instante no pode haver muitos nu-trons (n) ou prtons (p) porque a massa de repouso deles mpc2 aproximada-mente igual 1 GeV. Em um meio ambiente desse tipo, nenhum ncleo atmico poderia tambm existir porque a temperatura to alta que todos os ncleos seriam separados em nutrons e prtons, do mesmo modo como uma alta temperatura ionizar todos os tomos em eltrons e ncleos.

    Embora nutrons e prtons sejam poucos em nmero e colises diretas entre eles no ocorram facilmente, os seguintes processos acontecem frequen-temente por causa do grande nmero de eltrons e psitrons. O efeito desses processos faz o nmero de nutrons e prtons alcanarem equilbrio trmico.

    Depois que o universo se expandir ainda mais e a temperatura cair abaixo de 1010 K, os eltrons e os psitrons no existiro mais em grandes quanti-dades. Os psitrons sero aniquilados. Ento, os processos acima no mais ocorrero com facilidade e os nutrons e prtons cessaro de estar em equi-lbrio. A razo entre as densidades de nmeros deles no variar mais com a temperatura e, ao invs disso, se manter congelada no valor alcanado para o estado ~ 1010 K.

    Quando a temperatura cai ainda mais, de modo que T aproximadamente igual a 109 K, os nutrons e os prtons comeam a se fundir em outros ncleos. O primeiro processo de fuso a formao de deutrio (2H ou D).

    Como a energia de ligao do deutrio somente 0,26 MeV, ele somente pode existir depois que a temperatura caiu para 109 K. Quando T > 109 K e kT > 0,26 MeV, qualquer deutrio ser separado em um nutron e um prton sob a ao de ftons. Esta a razo pela qual a nucleossntese somente pode comear quando T for menor ou igual 109 K.

    Uma vez que o deutrio existe, nutrons e prtons rapidamente se sinteti-zaro em hlio, 4He, pois a cadeia de processos que seguiro so muito rpidos.

    Estes processos no cessam at que todos os nutrons tenham sido incor-porados em um ncleo de hlio. Os prtons remanescentes no encontraro

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 325

    mais quaisquer nutrons para se fundirem e desse modo se tornaro hidrog-nio, encontrado na natureza.

    Teoricamente, a abundncia de hlio produzida na nucleossntese do uni-verso primordial Y ~ 0,33 (Calculada), um resultado muito prximo ao re-sultado Y ~ 0,25 (Observado)(*).

    Melhorando esse resultado No clculo acima desprezamos o importante fato de que os nutrons livres

    so instveis. O tempo de vida desse decaimento de cerca de 10 minutos. Quando nutrons e prtons cessam de estar em equilbrio trmico, isto ,

    quando T < 1010 K, os prtons no podem mais mudar para nutrons. Assim, o processo acima se torna irreversvel. O decaimento de nutrons em prtons se torna cada vez menor medida que T < 1010 K.

    Entre o cessamento do equilbrio trmico em T ~ 1010 e o comeo da nucleossntese em T ~ 109 K, se passaram 100 segundos de tempo csmico. Este intervalo de tempo de cerca de 2 minutos no inteiramente desprezvel comparado com o tempo de vida de 10 minutos. Isto , uma pequena poro de nutrons ter se tornado prtons fazendo com que a abundncia do hlio seja dada por Y ~ 0,25, um notvel acordo com o resultado de abundncia observado.

    Note algo muito importante no resultado acima. Nesse clculo houve uma combinao um tanto feliz de duas circunstncias. Uma o tempo de vida de 10 minutos para o nutron e a outra o intervalo de tempo de 2 minutos entre T = 1010 K e T = 109 K. Se esses valores fossem um pouco diferentes ento o re-sultado seria irreconhecvel. Os 10 minutos determinado pelo decaimento nuclear.

    Os 2 minutos est fortemente conectado com a temperatura da radiao de fundo. Por exemplo, se a temperatura atual no fosse 3 K, mas ligeiramente maior, ento T ~ 1010 K no corresponderia idade csmica de 1 segundo mas a um instante mais tarde. Uma vez que a expanso csmica est desaceleran-do, o intervalo de tempo levado por T para cair de 1010 K para 109 K seria maior do que 2 minutos e isso faria Y cair.

    Pode, por conseguinte, ser visto que a temperatura de radiao de fundo de 3 K e a abundncia de hlio de Y ~ 0,25 so mutuamente dependentes: se uma muda a outra tambm deve mudar.

    George Gamow notou esta interdependncia j no final dos anos de 1940, bem antes da descoberta da radiao de fundo csmica. Ele e outros cientistas usaram o valor Y ~ 0,25 para fazer a previso de que deveria existir uma ra-diao de fundo csmica de cerca de 10 K.

    O Deutrio A abundncia natural do deutrio na natureza muito pequena embora ela

    tenha importante significado cosmolgico. O deutrio vigoroso por natureza. Ele participa facilmente em reaes

    nucleares. Como resultado, nenhum deutrio poderia ter permanecido nas es-trelas. Qualquer deutrio que existisse no interior das estrelas teria sido quei-mado. Por conseguinte, impossvel para a teoria da nucleossntese estelar explicar porque h algum deutrio na natureza, uma vez que sua abundncia sempre muito pequena.

    Felizmente, a nucleossntese primordial pode explicar a existncia do deu-trio. A figura ao lado mostra a variao da abundncia do hlio e do deutrio na nucleossntese primordial. Ela mostra que uma pequena quantidade de deutrio pode de fato ser deixada para trs nesse processo.

    *NOTA: Medir a abundncia de Hlio muito

    importante, uma vez que ele constitui 25% do Universo.

  • 326 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    Na gua do mar a razo numrica entre o hidrognio e o deutrio de 6600 para 1, que muito diferente da razo na crosta da Terra. Nenhum desses valores pode ser olhado como a abundncia mdia do deutrio.

    Para o Sistema Solar as descobertas feitas durante a srie de vos tripu-lados Apollo so importantes. O pouso lunar da Apollo trouxe uma folha de alumnio com ons do vento solar capturados na Lua. A partir do hlio-3 (3He) coletado, podemos estimar a abundncia do deutrio. De acordo com a nossa crena, a maior parte do deutrio na nebulosa solar primitiva se tornou 3He. A razo hidrognio/deutrio da formao do Sistema Solar obtida desse modo 40000/1. Tambm o resultado desta observao de Jpiter 48000/1.

    O deutrio no gs intergalctico pode ser medido por mtodos de radioas-tronomia, pois ele tem uma linha espectral caracterstica com um comprimento de onda de 92 centmetros. Essa linha foi de fato observada em 1972 na direo do centro da nossa galxia e a razo estimada est entre 3000/1 e 50000/1.

    A medio mais precisa foi feita pelo satlite Copernicus. Este satlite pode observar linhas espectrais na parte ultravioleta do espectro. Em particular usando linhas ultravioleta, podemos distinguir entre cianeto de hidrognio e cianeto de deutrio, os dois diferem somente na substituio de um tomo de hidrognio por um tomo de deutrio. A razo medida deste modo est entre 5000/1 e 500000/1.

    Fazendo uma mdia dos diferentes valores mostrados acima, o valor acei-tvel hoje para a abundncia do deutrio de 50000/1 . A densidade de massa de brion deduzida a partir desse valor G ~ 6 x 10-31 g/cm3 , um resultado em acordo com vrios outros obtidos de medies diretas.

    Isso mostra que a teoria da nucleossntese primordial, que nos fala sobre a origem dos elementos leves, muito bem sucedida.

    Matria e antimatria Quando discutimos a nucleossntese admitimos como certo que os f-

    tons superavam muitssimo, em termos numricos, os brions existentes no universo.

    Uma vez que os brions e antibrions se aniquilaro em baixas temperatu-ras, essa suposio parece razovel. Mas fica a pergunta: porque ento ainda existem tantos brions?

    Um tema que sempre intrigou os astrofsicos diz respeito ao que aconteceu com as partculas de antimatria que existiam no universo. Poderamos ima-ginar que muitos objetos que vemos no universo, tais como estrelas e galxias, fossem formados de antimatria mas as observaes mostram que isso falso. A densidade diferente de zero que medimos para o gs intergalctico que co-necta todos esses objetos nos mostra que essa ideia no verdadeira.

    A concluso inevitvel que o universo comeou com uma pequena assi-metria entre matria e antimatria. Em altas temperaturas deveria haver um pouquinho mais de prtons para cada antiprton. Como as leis da fsica exigem que o nmero barinico seja conservado, esse desequilbrio no pode ser alte-rado, uma vez que tenha sido estabelecido pelas condies iniciais do universo.

    Vemos tambm que o universo assimtrico na quantidade de lptons ob-servada. Se no tivesse havido uma assimetria e-e+ primordial, o universo teria uma carga residual devido ao seu contedo de prtons.

    Era dE rEcombInao

    medida que o universo se expandiu, o comprimento de onda dos ftons tambm se expandiu mesma taxa que a distncia entre as galxias. A frequn- cia dos ftons, por conseguinte, se reduziu, assim como a sua energia. A tem-

  • Cosmologia - Da origem ao fi m do universo 327

    peratura que correspondia a esta energia do fton tambm se reduziu mesma taxa e a temperatura hoje aproximadamente 3Kelvin, correspondendo a um comprimento de onda de fton de alguns poucos centmetros ou milmetros. Podemos dizer, em razo disso, que a radiao de micro ondas se evidenciou na poca da formao dos tomos. Este tempo chamado de tempo de re-combinao, trec = 700.000 anos.

    a formao dE GalXIas E dos aGlomErados dE GalXIas

    Ao olharmos para o espao sideral vemos hoje enormes estruturas de ma-tria que nos surpreendem pela variedade de tamanhos e contedo. Essas so as galxias que, como j vimos, participam de estruturas gravitacionalmente ligadas, ainda maiores, e que chamamos de grupos e aglomerados de galxias.

    Como a astrofsica entende o surgimento dessas imponentes estruturas csmicas?

    O mais importante evento depois da formao dos tomos no universo primordial foi o da formao das galxias, de seus aglomerados e superaglo-merados, assim como a formao das primeiras estrelas.

    Para os astrofsicos a formao das galxias e dos aglomerados de galxias consiste de dois estgios:

    A partir de pequenas fl utuaes de densidade de matria nos estgios iniciais da expanso do universo houve a formao de muitas concen-traes iniciais de densidade de matria, a que chamamos de protoga-lxias e protoaglomerados.

    Estas protogalxias colapsaram formando as galxias que observamos hoje.

    Os cientistas acham que a primeira fase, citada acima, comeou muito an-tes da poca na qual os tomos se formaram, trec=700.000 anos, e talvez at mesmo durante a poca Planck, tp = 10-43 segundos,

    A formao de galxias foi essencialmente completada quando a idade do universo era de t = 109 anos ou ainda mais cedo. No h certeza sobre isso e valores como esse dependem da teoria de formao de galxias que conside-ramos correta.

    Por outro lado, o colapso que levou s formas atuais das galxias foi relati-vamente rpido levando cerca de 3 x 108 anos. Durante este colapso as galxias foram fragmentadas em estrelas. De fato, as estrelas mais velhas das galxias, que chamamos de estrelas de populao II, foram formadas durante o co-lapso das galxias. Subsequentemente, quando uma densa camada de meio interestelar foi acumulada no plano de simetria das galxias espirais, e parti-cularmente quando os braos espirais foram formados, concentraes locais de matria formaram as chamadas estrelas de populao I tais como o nosso Sol. Estrelas desse ltimo tipo esto sendo continuamente criadas nas galxias espirais e em muitas galxias irregulares.

    Os astrofsicos tambm acreditam que existe um outro tipo de populao de estrelas, chamada de populao III, que foi formado antes das galxias, isto durante o estgio de protogalxias. Acredita-se que esta populao possa ser a responsvel pela explicao da presena de uma pequena percentagem de metais mesmo nas estrelas mais velhas de populao II.

    Vrios mecanismos foram sugeridos para a formao inicial de galxias e aglomerados de galxias. Vejamos alguns.

    48 a formao de galxias e dos

    aglomerados de galxias

  • 328 Mdulo 7 A histria trmica do Universo

    instabilidade GravitaCional

    Considere que o universo inteiro est preenchido uniformemente com gs. Uma pequena perturbao local, seja ela qual for, na densidade desse gs tan-to pode ser ampliada ou amortecida. De fato, um excesso de densidade local provoca um campo gravitacional mais forte, o qual tende a atrair ainda mais matria e, deste modo, aumentar seu tamanho.

    Por outro lado, a presso do gs tender a dispersar qualquer aumento de densidade e tentar restaurar a homogeneidade inicial.

    Este problema foi estudado pelo astrnomo ingls James Jeans em 1902, chegando concluso que perturbaes de pequena escala so rapidamente dispersadas, enquanto que perturbaes de grande escala tendem a ser cada vez maiores. Neste segundo caso, a densidade na perturbao aumenta conti-nuamente com o tempo e isso ficou sendo conhecido como instabilidade de Jeans ou instabilidade gravitacional.

    Esta instabilidade finalmente cria uma concentrao de matria que pode evoluir para formar uma estrela, uma galxia, ou at mesmo um aglomerado de galxias. A quantidade de matria condensada deste modo vai depender da densidade inicial do gs e da velocidade do som no local, que a velocidade na qual as perturbaes de densidade se propagam.

    A massa mnima exigida para ter incio a instabilidade gravitacional cha-mada de massa de Jeans, MJ, e seu raio conhecido como raio de Jeans, J (no confundir com a constante cosmolgica ).

    Em uma esfera de raio maior do que J, a gravidade supera a presso do gs e causa uma concentrao de matria. O contrrio ocorre para uma esfera com raio menor do que J. Neste ltimo caso a presso do gs supera a gravidade e a perturbao amortecida.

    Antes da era de recombinao, t < trec, o raio de Jeans era muito grande porque a velocidade do som naquela poca se aproximava da velocidade da luz, uma vez que naquela poca matria e radiao estavam fortemente aco-pladas. A massa de Jeans aumentou um pouco antes da recombinao, quando ela era aproximadamente 1017 Msol, isto , muito maior do que a massa de um aglomerado de galxias.

    Depois da recombinao, trec = 700.000 anos, matria e radiao foram desacopladas e a radiao cessou de contribuir para a presso. Por esse mo-tivo, a velocidade do som subitamente caiu a alguns poucos quilmetros por segundo. A correspondente massa de Jeans tambm caiu para 105 Msol, o que comparvel massa de um aglomerado globular.

    teorias de formao de Galxias a partir do Colapso de protoGalxias

    A formao de protogalxias que discutimos acima foi somente o primeiro estgio na formao de galxias. Na verdade, as protogalxias eram bolhas amorfas de matria muito maiores do que as galxias atuais e o problema ago-ra explicar como as galxias, tais como as vemos hoje, se formaram a partir dessas bolhas de gs e matria. Isso particularmente importante para expli-car os vrios tipos morfolgicos de galxias que mencionamos nos mdulos anteriores, explicando porque algumas galxias so elpticas, outras espirais, e outras irregulares.

    A explicao mais simples para a formao de galxias a partir de protoga-lxias est baseada no colapso das protogalxias. Isto , a matria nas protoga-lxias, seja ela estrelas ou gs, se move rapidamente na direo do centro sem quaisquer foras de oposio. O chamado tempo de colapso igual ao cha-

    James Hopwood Jeans (1877 - 1946).

  • Cosmologia - Da origem ao fim do universo 329

    mado tempo de queda livre para a matria nas galxias. Estima-se que esse tempo de aproximadamente 300.000.000 anos para uma galxia ordinria. Esta escala de tempo poderia ser maior se as protogalxias fossem significan-temente maiores em tamanho.

    Existem dois cenrios que descrevem o colapso de protogalxias para a for-mao de galxias. No primeiro as protogalxias so basicamente feitas de gs enquanto que no segundo elas consistem principalmente de estrelas. Veremos o primeiro caso.

    Colapso de protogalxias gasosas Nesta teoria o fsico Larson considerou uma protogalxia formada por gs

    que colapsa. O gs consiste de nuvens que colidem inelasticamente ou seja, que perdem energia durante cada coliso. Durante essas colises de nuvens foram formadas concentraes particularmente densas de matria que sub-sequentemente evoluram para estrelas. Temos assim uma formao estelar continua durante o colapso. A taxa de formao de estrelas depende da densi-dade inicial e dos movimentos aleatrios que existem dentro da protogalxia. Quanto mais alta a densidade e os movimentos aleatrios, mais estrelas so formadas. As galxias que formam estrelas rapidamente se transformam em elpticas na classificao de Hubble. Depois do colapso destas galxias muito pouco gs deixado para trs, o que visto nas observaes.

    Protogalxias que no eram muito densas colapsaram mais lentamente. Parte do gs no teve tempo suficiente para formar estrelas durante o estgio de colapso e se acumulou no plano perpendicular ao eixo de rotao da gal-xia, o plano de simetria. Deste modo foi formada uma camada relativamente fina de gs, o chamado disco da galxia. As estrelas no disco foram formadas muito mais tarde e a uma taxa mais lenta. Essas seriam as estrelas de popula-o I que so relativamente jovens. Por outro lado as estrelas que se formaram durante o colapso so as mais velhas da galxia e so chamadas de estrelas de populao II. Este seria o processo de formao das galxias espirais.