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Costa avança com reforma florestal que privilegia sobreiros e outras espécies Pinhal de Leiria. Continuará a chamar- se pinhal, mas grande parte dos 250 milhões de árvores plantadas na mata nacional podem ser sobreiros PAULA SOFIA LUZ António Costa não estará capara ver o grande porte que atingirá o so- breiro que ontem plantou em Viei- ra de Leiria, ao lado do pequeno To- más, aluno do Agrupamento de Es- colas da Vieira de Leiria. Mas o primeiro-ministro acredita que, simbolicamente, esse é o legado de segurança e reflorestação a deixar às gerações futuras. "Ao mesmo tempo que planta- mos, temos de saber plantar me- lhor, ter a coragem de cortar o que tem de ser cortado para termos um território mais seguro", disse Costa ao final do dia, quando assistia à apresentação da estratégia de recu- peração do pinhal do rei, na Mari- nha Grande, concelho que viu de- saparecer nove dos onze hectares da mata nacional de Leiria nos in- cêndios de 15 de outubro último. Horas antes, no talhão 9 junto à Escola Secundária de Vieira de Lei- ria, o primeiro-ministro plantou também ele um pequeno sobreiro, acompanhado do ministro da Agri- cultura, Capoulas Santos, dos se- cretários de Estado e uma vasta co- mitiva de responsáveis do Estado. E foi nessa viagem - que fez de au- tocarro, com apenas uma paragem para assistir ao corte de algumas ár- vores, aumentando as faixas de proteção - que o líder do governo pôde comprovar "a resistência ao fogo" por parte dessa espécie. En- quanto os pinheiros arderam a toda a velocidade naquele que a Prote- ção Civil considerou "o pior dia do ano de 2017", os sobreiros fizeram de escudo às chamas. O governo não avança, pelo me- nos para já, com valores inerentes ao investimento que começa a ser feito na floresta nacional, mas há al- guns números que Costa tem para apresentar, quando recorda o apoio de emergência que o Estado deu: 46 milhões de euros aos agriculto- res e 26 milhões aos empresários, na tentativa de minorar os imensos prejuízos causados pelo fogo; ainda a reconstrução das primeiras habitações e as indemnizações "às perdas irreparáveis das vítimas mortais". De resto, tanto o ministro Ca- poulas Santos como o primeiro- -ministro deixaram na Marinha Grande a determinação de avançar coma reforma da floresta nacional, a exemplo do que acontecerá no pi- nhal de Leiria, forçosamente. "Que- remos que o novo pinhal do rei seja melhor do que aquele que tínha- mos", sublinhou Costa, lembrando que a tragédia de outubro - como a de junho, no interior -"não foi obra do acaso, mas antes por causa das profundas transformações que o território sofreu nas últimas déca- das, do desordenamento da flores- ta e do impacto profundo das alte- rações climáticas". E por isso insis- te na importância da reforma florestal, um trabalho que demora-

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Costa avança comreforma florestal queprivilegia sobreirose outras espéciesPinhal de Leiria. Continuará a chamar- se pinhal, mas grande parte dos250 milhões de árvores plantadas na mata nacional podem ser sobreiros

PAULA SOFIA LUZ

António Costa já não estará caparaver o grande porte que atingirá o so-breiro que ontem plantou em Viei-ra de Leiria, ao lado do pequeno To-más, aluno do Agrupamento de Es-colas da Vieira de Leiria. Mas o

primeiro-ministro acredita que,simbolicamente, esse é o legado de

segurança e reflorestação a deixaràs gerações futuras.

"Ao mesmo tempo que planta-mos, temos de saber plantar me-lhor, ter a coragem de cortar o quetem de ser cortado para termos umterritório mais seguro", disse Costaao final do dia, quando assistia àapresentação da estratégia de recu-peração do pinhal do rei, na Mari-nha Grande, concelho que viu de-saparecer nove dos onze hectaresda mata nacional de Leiria nos in-cêndios de 15 de outubro último.

Horas antes, no talhão 9 junto àEscola Secundária de Vieira de Lei-ria, o primeiro-ministro plantou

também ele um pequeno sobreiro,acompanhado do ministro da Agri-cultura, Capoulas Santos, dos se-cretários de Estado e uma vasta co-mitiva de responsáveis do Estado.E foi nessa viagem - que fez de au-tocarro, com apenas uma paragempara assistir ao corte de algumas ár-vores, aumentando as faixas deproteção - que o líder do governopôde comprovar "a resistência aofogo" por parte dessa espécie. En-quanto os pinheiros arderam a todaa velocidade naquele que a Prote-ção Civil considerou "o pior dia doano de 2017", os sobreiros fizeramde escudo às chamas.

O governo não avança, pelo me-nos para já, com valores inerentesao investimento que começa a serfeito na floresta nacional, mas há al-

guns números que Costa tem paraapresentar, quando recorda o apoiode emergência que o Estado já deu:46 milhões de euros aos agriculto-res e 26 milhões aos empresários,

na tentativa de minorar os imensosprejuízos causados pelo fogo; háainda a reconstrução das primeirashabitações e as indemnizações "às

perdas irreparáveis das vítimasmortais".

De resto, tanto o ministro Ca-poulas Santos como o primeiro--ministro deixaram na MarinhaGrande a determinação de avançarcoma reforma da floresta nacional,a exemplo do que acontecerá no pi-nhal de Leiria, forçosamente. "Que-remos que o novo pinhal do rei sejamelhor do que aquele que tínha-mos", sublinhou Costa, lembrandoque a tragédia de outubro - como ade junho, no interior -"não foi obrado acaso, mas antes por causa das

profundas transformações que oterritório sofreu nas últimas déca-das, do desordenamento da flores-ta e do impacto profundo das alte-rações climáticas". E por isso insis-te na importância da reformaflorestal, um trabalho que demora-

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rá pelo menos uma década. "Sabe-mos bem a resistência que vamoster. Não é por acaso que o cadastro

parou a sul do Tejo há mais de umséculo, mas temos de o fazer", con-cluiu, depois de assistir à assinatu-ra do acordo de cooperação para acriação da Comissão Científica do

Programa de Recuperação das Ma-tas Nacionais.

Na prática, o novo organismoreúne os responsáveis do Institutode Conservação da Natureza e dasFloresta (ICNF), do Instituto Supe-rior de Agronomia eVeterinária e desete universidades e politécnicos detodo o país. Na mesma ocasião foiconstituído o Observatório Localdo Pinhal do Rei, que integra 23 per-sonalidades e instituições da Mari-nha Grande, desde autarcas à so-ciedade civil, que vão acompanharde perto a recuperação.

Madeira ardida rende milhõesÀ margem da assinatura dos acor-dos e da apresentação da estratégianacional, o presidente do ICNF, Ro-

gério Rodrigues, disse aos jornalis-tas que só em março próximo sabe-rá a que corresponde o reforço demeios humanos e técnicos que o

governo lhe prometeu."O que temos pela frente são al-

guns milhares de hectares que vãoter de ser arborizados, porque a re-generação natural não terá efeitos.E da que vingar teremos processosmais longos. Por isso é preciso di-versificar as espécies. Dar outraspotencialidades à mata, comoáreas de recreio e usufruto por par-te da comunidade." Aquele respon-sável- a quem coube a apresenta-ção do plano - estima que este nãoseja um processo "para um anonem sequer para uma década. Nos

primeiros cinco a dez anos vai ter omaior impacto de investimento,mas vai durar sete décadas, o tem-po que demora a sucessão dos po-voamentos florestais". Até lá, é pre-ciso que haja "uma gestão florestal

que obriga a investimentos ativos,duradouros e persistentes. Todo o

património não vai regenerar e ge-rir-se por si. É preciso muito inves-timento - florestal, mas também noreforço do ICN e dos seus meios".

Nos próximos seis meses a comis-são científica vai debruçar-se sobreesse plano, "e só nessa altura have-rá um valor do investimento". Mashá pelo menos uma certeza: a

quantidade de madeira que ficoudo incêndio e que vai ser alienada apartir de sete grandes matas - des-de a mata nacional de Leiria até àmata do Urso, passando pela Fi-gueira da Foz, desde Quiaios até Va-

gos. No conjunto, têm para vender1,7 milhões de metros cúbicos demadeira (a maioria de serração euma parte de trituração) , dos quais530 mil metros cúbicos estão no pi-nhal de Leiria. Caberá ao InstitutoSuperior de Agronomia e à Univer-

sidade de Trás-os-Montes e AltoDouro apurar os valores efetivos,que irão ser alienados em praça pú-blica a partir deste mês. Rogério Ro-drigues não avança com númerosdefinitivos, mas arrisca um valor:cerca de 35 milhões de euros.

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António Costaplantou ontem umsobreiro em Vieirade Leiria, no processode reflorestação dopinhal que ardeu emoutubro. Carlos Césarandou em Penacovaa inteirar-se dos

estragos dos incêndios

GRUPO DE TRABALHO

Bombeiros unem-sea comandantes> Os bombeiros estão a or-ganizar todas as suas estru-turas representativas paralutar "pela valorização pro-fissional" e "apresentar pro-postas ao governo para a le-gislação do setor". A reu-nião para criar um grupo detrabalho esteve marcadapara ontem, em Lisboa, masfoi adiada para a semanapor "imprevisto familiar deum comandante". A inicia-tiva é inédita e procura jun-tar dirigentes da FederaçãoNacional de BombeirosPortugueses, da Associaçãode Comandantes dosBombeiros de Portugal,da Associação Nacional deBombeiros Profissionais eda Associação Portuguesados Bombeiros Voluntários."É a primeira vez que os re-presentantes dos bombei-ros portugueses e coman-dantes se juntam à mesmamesa para debater soluçõespara os problemas dosetor", referem estes opera-cionais em comunicado.

ENTREVISTA

"Gestão do Estadodeve ser exemplar"

HELENA FREITASPROFESSORA E

INVESTIGADORA|

DAUNIVERSIDADE

DE COIMBRA

Qual é a importância do pinhalde Leiria?Tem uma simbologia muitoforte, desde logo do ponto devista da história, porque é resul-tado do primeiro ato político de

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ordenamento do território peloD. Dinis. Foi um rei muito espe-cial, com uma importância ex-cecional na forma como olhoupara o território, e na nossa iden-tidade coletiva ficou essa marca,da mata do rei. Além disso, é umamata nacional, o que implicauma responsabilidade do Estadona sua gestão, que tem de serexemplar. Por isso é importan-te a decisão agora tomada defazer da recuperação do pinhalde Leiria um projeto exemplar.E do ponto de vista ecológico?A sua primeira função foi a defixar as areias. No final do sécu-lo XIX, princípios do XX, já de-pois de ter sido importante paraa construção de navios duranteos Descobrimentos, houve umaorientação para a produção demadeira e resinagem. A MarinhaGrande viveu um expoente coma resinagem. Vale a pena lem-brar que este pinhal foi durantemuito tempo, até há três ou qua-tro décadas, um exemplo deboas práticas silvícolas. Mas as

instituições perderam recursoshumanos, como sapadores e

guardas-fiorestais, o que impli-cou perda de conhecimento téc-nico-científico. Houve um certodesmazelo associado à gestãodesta mata, que passou de boma mau exemplo de gestão.O que tem de ser feito para re-gressar a uma boa gestão?Penso que o ICNF está a fazerum grande esforço para tornareste momento uma oportuni-dade para recuperar o pinhalde Leiria, para ser viável a longoprazo. É muito complexo, por-que ardeu na quase totalidade,mas o ICNF está a fazer uma in-

tervenção ativa, removendo o

que pode representar um risco,como madeiras queimadas, e

ampliando a margem de segu-rança junto às estradas. E há a

colaboração com as universi-dades, que vão elaborar nospróximos seis meses a propos-ta do modelo de silvicultura quedeve orientar a sua gestão eco-

lógica.FILOMENA NAVES

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Ver as feridas e embusca de soluçõespara a desertificação

reportagem PS "não precisa de novos aliados", mas o PSDpode tornar-se um "interlocutor válido", diz Carlos César

RUI MARQUES SIMÕES

Anabela continua com a casa emruínas, Antero quase só tem cinzas

para cultivar e António está a reer-guer a empresa praticamente sozi-nho. As feridas dos incêndios do anopassado - e, em última análise, dadesertificação que afeta parte doterritório nacional - tardam a sararno concelho de Penacova (distritode Coimbra) . Foi para conhecê-las

que os deputados se fizeram à estra-da ontem no arranque das JornadasParlamentares do PS, subordinadasao tema "Proximidade, transparên-cia e descentralização". Para hojefica a discussão de eventuais solu-ções, sem precisar de "novos alia-dos", mas com a expectativa de queo PSD, sob a liderança recém-eleitade Rui Rio, se torne um "interlocu-tor válido" nesse debate - como re-conheceu o líder parlamentar dossocialistas, Carlos César.

Com o grupo parlamentar dividi-do em visitas a 12 dos concelhosmais afetados pelos fogos de junhoe de outubro (nos distritos de Coim-bra, Leiria eViseu) ,

coube ao líder dabancada socialista encabeçar a co-mitiva que percorreu as paisagensainda enegrecidas de Penacova eouvir as histórias do que as chamaslevaram. "Pensei que não saía daquiviva", contou em Travanca do Mon-dego Anabela Santos, à espera de

que o projeto de reconstrução dasua casa e do marido, António Dias-uma das 56 danificadas no conce-lho - seja desbloqueado.

"Máquinas e alfaias... tudo o quetinha para serviço ardeu", lamen-tou-se, quilómetros adiante, em Ri-beira, Antero Mendes, agricultor desubsistência ("uns cereais para ascabras e as ovelhitas, umas couves,umas batatas..."), a quem já nãocompensa coletar-se nas Finançaspara pedir compensações pelos 30mil euros perdidos. "Temos deavançar. Há muita gente à espera dereceber [indemnizações] para só

depois fazer obras, mas eu nãoquis", explicou, em Outeiro Longo,António Almeida, que não esperoupela candidatura a apoios para co-meçar a reerguer a fábrica de reci-clagem na qual terá sofrido um pre-juízo de 300 mil euros ("ainda nãotive tempo para tratar disso") .

Foi à porta do pavilhão recons-truído da empresa que Carlos Césarfez o balanço da jornada. "Esta nãoé uma visita para fazer propagandado governo, mas também não é

para estimular desesperanças. Édestinada a - tomando conheci-mento daquilo que carece de umasolução -procurar melhorar as con-dições para que o governo tome adecisão adequada", afirmou. Esse é

o trabalho de curto prazo. Alongoprazo "há outras medidas de natu-reza mais estrutural e reformista [de

descentralização e combate à de-sertificação do interior do país] , queimplicarão um debate mais apro-fundado e conclusivo no âmbitoparlamentar". E esse será um dos te-

mas em discussão hoje em Coim-bra, no segundo e último dia das Jor-nadas Parlamentares do PS - o ou-tro será a transparência

Com essas reformas em cima damesa, o líder parlamentar (e presi-dente) do PS estende a mão ao PSD,mesmo admitindo não necessitar denovos parceiros. "Não precisamos deter novos aliados, mas precisamos detodos os interlocutores", referiu, jádepois de ter mostrado expectativade que o maiorpartido da oposiçãosetorne"uminterlocutorválido"."Noplano partidário temos uma situaçãode transição num partido políticoque é relevante para a democraciaportuguesa e para todos os acordose consensos que são sempre neces-sários. Desejamos que, resolvidoeste período em que o PSD se tor-nou um pouco terra-de-ninguém,estejam criadas as condições parauma interlocução mais sólida", dis-se, sem querer alimentar polémicasquanto a algum mal- estar no BE e

no PCP devido à eventual aproxi-mação PS/PSD. "É muito importan-te manter a atenção naquilo quenos trouxe até aqui", frisou - eram asferidas de desertificação.

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