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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Marjory Fornazari A tributação por meio das contribuições previdenciárias sob o enfoque da semiótica MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO São Paulo 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE

SÃO PAULO

PUC-SP

Marjory Fornazari

A tributação por meio das contribuições previdenciárias sob o enfoque da semiótica

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

São Paulo

2010

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2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE

SÃO PAULO

PUC-SP

Marjory Fornazari

A tributação por meio das contribuições previdenciárias sob o enfoque da semiótica

MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para a obtenção do título de Mestre

em Direito Tributário, sob a orientação do

Prof. Doutor Paulo de Barros Carvalho

São Paulo

2010

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3

Banca Examinadora:

________________________________

________________________________

________________________________

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4

Esse trabalho é dedicado, com muito

amor, aos meus pais, MARLY

BENEDICTO e JOÃO ALBERTO

FORNAZARI; aos meus irmãos,

ALBERTO FORNAZARI e MAYNARA

FORNAZARI; a minha avó, CORINA

BELANGA BENEDICTO; ao meu esposo,

RICARDO ALEXANDRE HIDALGO PACE.

E, à memória de JOSÉ RINALDO

LAZARINI, meu primeiro professor de

Direito Tributário.

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5

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a DEUS por me conceder forças todos os dias da

minha vida e, assim, me tornar apta a realizar um trabalho de tamanha importância.

Ao professor, amigo, “pai” e orientador, PAULO DE BARROS CARVALHO, que

tornou real meu sonho: o ingresso no mundo acadêmico.

Ao meu querido professor, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, por ter me ensinado a

amar Direito Tributário com tamanha simplicidade.

Aos meus três grandes amigos e professores, TÁCIO LACERDA GAMA, ROBSON

MAIA LINS e FABIANA DEL PADRE TOMÉ, que muito me auxiliaram na produção

desse trabalho.

Ao grande tributarista e professor, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, que

também contribuiu na produção desse trabalho e, ainda, por seu apoio e amizade.

Ao professor e amigo PAULO AYRES BARRETO que me inspirou muitas idéias para

esse trabalho.

Ao ilustre professor, WAGNER BALERA, por toda a sua atenção comigo e pelos

ensinamentos valiosos acerca de Direito Previdenciário.

Ao professor, filósofo e amigo, CELSO FERNADES CAMPILONGO, que me abriu os

horizontes, por seu conhecimento brilhante nas questões jurídicas, históricas e

sociológicas.

Ao professor EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI e a toda a equipe do IBET,

responsáveis pelo meu aprofundamento em Direito Tributário e, também, nas

questões filosóficas.

A todos os meus professores de graduação na FMU (1997-2001), responsáveis pela

minha formação jurídica.

E a todos os meus colegas da PUC/SP, USP, IBET e grupo de estudos, pelas

intermináveis discussões, as quais fomentaram as idéias aqui consignadas, em

especial TATHIANE DOS SANTOS PISCITELLI, uma amiga “de ouro”.

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6

“Há, sem dúvida, muitos tipos de vozes no

mundo, nenhum deles, contudo, sem

sentido. Se eu, pois, ignorar a significação

da voz, serei estrangeiro para aquele que

fala; e ele, estrangeiro para mim”. (1 Cor

14, 10-11).

“ Chega de mal-dizer a incerteza e a

insegurança! Vamos construir critérios

para reduzi-las a partir das normas

constitucionais postas, atendendo à

complexidade que resulta do próprio

Direito Positivo”. (Marco Aurélio Greco)

“A Constituição é a lei suprema, sagrada,

superior; a Constituição ordena, manda; é

irresistível. Todo ato praticado contra a

Constituição é inconstitucional, nulo,

inválido, merecedor de sanção e de

perseguição judiciária”. (Geraldo Ataliba)

Page 7: Cp 134822

7

RESUMO

FORNAZARI, Marjory. A tributação por meio das contribuições previdenciárias sob o

enfoque da semiótica. São Paulo: Dissertação apresentada à banca examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a

obtenção do título de Mestre em Direito Tributário, 2010.

O presente trabalho, tomando por base a teoria da linguagem como constitutiva de

realidade e do direito enquanto texto, realiza uma análise semiótica e dialógica das

normas atinentes à tributação das contribuições previdenciárias; isto é, as analisa

sob os três planos da linguagem – sintática, semântica e pragmática – e busca

oferecer um modelo teórico de controle de validade, vigência e eficácia dentro do

sistema jurídico brasileiro com o intuito de realizar um controle mais rígido na

instituição, fiscalização, arrecadação e na gerência do produto da arrecadação das

contribuições previdenciárias.

PALAVRAS-CHAVES: Teoria da linguagem, Dialogismo, Previdência Social,

Solidariedade, Contribuições Previdenciárias.

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8

ABSTRACT

FORNAZARI, Marjory. Tax by the contribution for the social insurance under the

semiotics focus. São Paulo: Dissertation presented to the Examining Board of the

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, as a partial exigency to the

obtainment of the Master’s Degree Certificate in Tax Law, 2010.

The present approach, based in a theory of language as constituted of the reality and

the law as a text, achieves a semiotic and dialogic analysis of the rules related to the

tax by the contribution for the social insurance; that is, analyses them under the three

language’s degrees – syntactic, semantics and pragmatics – and try to offer a theoric

model of validity, legality and efficacy inside the Brazilian law system in order to

accomplish a more strict control in the institution, inspection, tax revenue and

management in the product of the tax revenue of the contribution for the social

insurance.

KEY-WORDS: Language theory, Dialogism, Social insurance, Solidarity, Contribution

for the social insurance.

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9

SUMÁRIO

Introdução 12

Capítulo I Fundamentos para uma análise semiótica do texto e do

discurso

16

1. O homem, a linguagem e o fenômeno comunicacional 16

2. Semiótica 19

2.1. Sintática 20

2.2. Semântica 20

2.3. Pragmática 23

3. Linguagem e realidade 25

4. Fundamentos semióticos do texto e do discurso 28

Capítulo II Análise semiótica do direito e da ciência do direito 34

1. O direito como linguagem 34

2. Análise semiótica do direito positivo 40

2.1. Sintática 40

2.2. Semântica 45

2.3. Pragmática 47

3. Análise semiótica da ciência do direito 52

3.1. Sintática 52

3.2. Semântica 53

3.3. Pragmática 55

4. Recapitulando 57

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10

5. Importância lingüística do Texto Constitucional de 1988:

seu caráter dialógico e polifônico

58

Capítulo III Plurivocidade dos termos “previdência social”,

“contribuições previdenciárias” e “solidariedade social”

67

1. Da plurivocidade 67

2. Da previdência social 68

2.1. Na ciência do direito 68

2.2. No direito positivo 69

3. Contribuições previdenciárias 70

3.1. Na ciência do direito 70

3.2. No direito positivo 71

4. Solidariedade social 73

4.1. Na ciência do direito 73

4.2. No direito positivo 75

5. A plurivocidade dos termos estudados e a importância da

análise semiótica

76

Capítulo IV Análise semiótica da previdência social 79

1. Histórico da proteção social 79

1.1. No mundo 79

1.2. No Brasil 82

2. Análise semiótica da seguridade social e seus princípios

informadores

86

2.1. Sintática 86

2.2. Semântica 91

2.3. Pragmática 102

3. Análise semiótica da previdência social e seus princípios

particulares

106

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11

3.1. Sintática 106

3.2. Semântica 107

3.3. Pragmática 112

Capítulo V Análise semiótica das contribuições previdenciárias 119

1. Do conceito de tributo 119

2. As classificações das espécies tributárias na doutrina

brasileira

125

3. A classificação tributária proposta pelo trabalho 131

4. As contribuições e suas espécies 135

5. Análise sintática das contribuições previdenciárias 139

6. Análise semântica das contribuições previdenciárias 151

7. Análise pragmática das contribuições previdenciárias 171

8. O modelo constitucional teórico 175

8.1. Sintática 176

8.2. Semântica 177

8.3. Pragmática 190

9. Da teoria à prática 198

Conclusões 201

Bibliografia 205

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12

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende analisar semioticamente as contribuições

previdenciárias de forma a construir um modelo teórico de controle de validade,

vigência e eficácia das normas atinentes à atribuição de competência, instituição e

destinação do produto da arrecadação das exações.

Deve-se esclarecer, inicialmente, que as contribuições previdenciárias são as

exações geridas pelo Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS e que se

destinam especificamente ao financiamento da Previdência Social (um dos

elementos da chamada ‘Seguridade Social’).

Dissertar sobre um modelo teórico para tais contribuições significa analisá-las

apuradamente dentro do ordenamento jurídico constitucional como um todo e

verificar suas delimitações de validade, vigência e eficácia.

A análise semiótica consiste no estudo dos enunciados (signos/símbolos)

concernentes às contribuições previdenciárias sob os três níveis da linguagem:

sintática, semântica e pragmática.

A sintática está relacionada com a estrutura interna do enunciado; a

semântica com a relação do enunciado com outros enunciados; já a pragmática,

com a relação entre o enunciado e seus destinatários.

O ponto de partida dessa análise é o Texto Constitucional de 1988, todavia,

há outros comandos que não poderão ser esquecidos, tal como a Lei nº 8.212/91.

A análise semiótica busca alcançar o sentido da tributação por meio das

contribuições previdenciárias para que elas sejam utilizadas conforme os objetivos

da CF/88. Por sentido da tributação entende-se a significação da utilização dos

tributos pelos órgãos do Estado. A utilização das contribuições previdenciárias

conforme os objetivos da CF/88 significa tributar por meio delas observando-se os

valores e princípios estabelecidos pelo poder constituinte no Preâmbulo do Texto

Constitucional, quais sejam, justiça social, fraternidade, liberdade, segurança,

desenvolvimento e igualdade.

A teoria semiótica oferece como subsídio uma análise dos textos (inclusive o

jurídico) segundo três planos diferentes, já apontados acima, os quais tramitam entre

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13

a abstração e a concreção do contexto de um enunciado textual e, assim,

estabelecer uma interpretação muito próxima da que o enunciatário (construtor do

texto) quis transmitir através da mensagem emitida.

DANIEL PULINO1 observa que: “qualquer que seja o uso do modelo semiótico

adotado para o trato das questões jurídicas, seu caráter será meramente

instrumental e analítico, pois a realidade a ser analisada, salvo raras exceções,

apresentar-se-á de modo complexo, a envolver, concomitantemente, as dimensões

sintáticas, semânticas e pragmáticas”.

Para o controle da validade, vigência e eficácia das normas, a análise

semiótica é importante no sentido de que se pode alcançar a interpretação do

enunciatário das normas, então posso descobrir se essa norma é pertinente com o

direito positivo, quando e como ela vai ser aplicada e também se ela vai funcionar

perante seus destinatários. O que até então parecia impossível aos estudiosos de

Direito.

Há carência de estudos que se proponham a criar modelos teóricos de

controle de validade, vigência e eficácia das normas atinentes às contribuições

previdenciárias.

Ademais, há uma confusão entre contribuições previdenciárias e

contribuições sociais. Muitos cientistas as tratam como sinônimas, mas, na verdade,

não são.

Há, ainda, a confusão entre os doutrinadores sobre a natureza jurídica das

contribuições previdenciárias. Autores como WLADIMIR NOVAES MARTINEZ,

MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA, ÉRICA PAULA BARCHA CORREIA,

HAMILTON DIAS DE SOUZA, MARCO AURÉLIO GRECO, BRANDÃO MACHADO,

LUIZ MÉLEGA e VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA acreditam que elas não possuem

natureza tributária, todavia, autores como WAGNER BALERA, MIGUEL HORVATH

JUNIOR, CARLOS PEREIRA DE CASTRO, JOÃO BATISTA LAZZARI, SERGIO

PINTO MARTINS, AMÉRICO MASSET LACOMBE, SACHA CALMON NAVARRO

COELHO, PAULO DE BARROS CARVALHO, FABIANA DEL PADRE TOME,

PAULO AYRES BARRETO, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO, NICOLAU

1 “Diferentes usos da linguagem na interpretação do direito previdenciário: uma análise pragmática” in Linguagem e suas aplicações no Direito. p. 33.

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14

KONKEL JUNIOR e LEANDRO PAULSEN acreditam que elas possuem natureza

tipicamente tributária.

O que justifica também esse trabalho é a falta de observância do Texto

Constitucional como um todo por parte de cientistas e dos órgãos competentes para

aplicar as normas, inclusive dos princípios relativos ao sistema tributário para a

instituição, arrecadação, fiscalização, destinação e administração do produto da

arrecadação das contribuições previdenciárias.

Há que se ressaltar que o tema das contribuições previdenciárias é bastante

importante, posto que se relaciona com direitos e garantias fundamentais sociais

previstas no Texto Constitucional, logo, é tema merecedor de uma análise mais

acurada.

O paradigma a ser utilizado é o da linguagem como constitutiva de realidade

e, portanto, tudo o que é considerado real é texto. Dessa forma, sendo o direito uma

realidade, ele é texto.

Se o direito é texto, deve ser, primeiramente, analisado segundo as regras

gerais de texto; ou seja, deve-se realizar uma interpretação dos enunciados jurídicos

como signos (análise semiótica) e, então, analisá-lo sintática, semântica e

pragmaticamente.

Esse percurso entre o plano da expressão e a finalidade acaba oferecendo

um sentido para o texto que está sendo interpretado, sentido esse que gera uma

significação às palavras, frases, períodos e orações do discurso jurídico.

E isso é bastante oportuno no tema das contribuições previdenciárias, posto

que as normas que as veiculam são formadas por palavras e expressões eivadas de

vícios de linguagem, tais como polissemia e ambigüidade.

Assim, esse trabalho pretende esclarecer qual a natureza jurídica das

contribuições previdenciárias, bem como seu respectivo regime jurídico e, ainda,

verificar suas materialidades e validação constitucionais, além de outros elementos

importantes, sob o plano da semiótica.

O capítulo I tratará dos fundamentos teóricos da teoria semiótica dos textos,

explicando os níveis dos signos que devem ser percorridos para se atingir o sentido

do enunciado textual e, assim, interpretá-lo.

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15

O capítulo II tratará da análise semiótica do direito positivo, bem como da

ciência do direito, esmiuçando-se sintática, semântica e pragmaticamente as normas

jurídicas (relações com validade, vigência e eficácia) e as proposições descritivas

(relações de verdade e falsidade) dos cientistas do direito, de forma a oferecer

subsídios para uma análise específica de um dado tema jurídico.

O capítulo III tratará da polissemia que comporta os termos “previdência

social”, “contribuições previdenciárias” e “solidariedade social” na ciência do direito e

no direito positivo.

O capítulo IV tratará da análise semiótica da previdência social, passando,

logicamente, pela análise semiótica da seguridade social, de maneira a deixar claro

que ambas as expressões estão relacionadas, todavia, não são sinônimas. Referida

análise inclui refletir sobre os princípios gerais da seguridade social, bem como

sobre os específicos da previdência social e, ainda sobre validade, vigência e

eficácia das normas atinentes à previdência social.

E, por fim, o capítulo V tratará da análise semiótica das contribuições

previdenciárias, de maneira a elaborar a regra de competência, bem como das

possíveis regras-matriz de incidência válidas, vigentes e eficazes. Nessa seara,

apresentará também o modelo teórico para tais exações e, assim, apontando sua

natureza jurídica, bem como o regime jurídico aplicável.

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16

CAPÍTULO I

FUNDAMENTOS PARA UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DO TEXTO E D O DISCURSO

1. O homem, a linguagem e o fenômeno comunicacional

Afirmava ARISTÓTELES que o Homem é um “politikon zoon”; isto é, um ser

gregário que vive constantemente em contato com outros homens como fator

imprescindível para sua existência. É uma necessidade vital.

O professor JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO2 pondera que: “as

mencionadas necessidades são evidentemente de ordem não apenas biológica, mas

sobretudo cultural, a começar pela constituição do grupo familiar, que evolui, até

chegar-se ao Estado, mas não necessariamente, pois, enquanto que a nação –

grupo social mais evoluído e organizado – caracteriza-se por vínculos

eminentemente sociológicos, a sociedade política por excelência (Estado)

caracteriza-se pela existência de vínculos políticos e jurídicos”.

Os seres humanos, portanto, permanecem em constante interação, seja ela

de natureza familiar, seja ela de natureza política e jurídica. Essa interação ocorre

por meio de linguagem; ou seja, através de um conjunto de signos, os quais são

repassados para cada uma das pessoas por meio da comunicação (processo de

transmissão de uma mensagem).

Nos dizeres de JUAN E. DÍAZ BORDENAVE3: “A comunicação confunde-se,

assim, com a própria vida. Temos tanta consciência de que comunicamos como de

que respiramos ou andamos. Somente percebemos a sua essencial importância

quando, por um acidente ou uma doença, perdemos a capacidade de nos

comunicar. Pessoas que foram impedidas de se comunicarem durante longos

períodos, enlouqueceram ou ficaram perto da loucura. A comunicação é uma

necessidade básica da pessoa humana, do homem social”.

Cada pessoa, enquanto produtora de linguagem, terá a sua maneira particular

de expressar o seu ato de comunicação. Essa maneira específica de se comunicar é

2 Manual de teoria geral do estado e ciência política. p. 23. 3 O que é comunicação. p. 19.

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17

chamada de atos de fala, enquanto que a materialização desses atos é

simplesmente chamada de fala.

Temos, portanto, o seguinte esquema:

LINGUAGEM > LÍNGUA > ATOS DE FALA > FALA

Os atos de fala são um “modo particular e individualizado pelo qual o utente

exercita a língua. A fala é o exercício material da língua levado a cabo por este ou

aquele indivíduo pertencente a uma comunidade lingüística específica” 4.

Os atos de fala foram denominados por J.L.AUSTIN5, um filósofo britânico,

como “atos ilocucionários”. Tais atos ilocucionários foram definidos por JOHN

SEARLE6 como “a menor unidade completa possível da comunicação lingüística

humana. Sempre que falamos ou escrevemos para outra pessoa, realizamos atos

ilocucionários”.

O ato ilocucionário é um ato de comunicação e todo ato de comunicação é

constituído por remetente, contexto, mensagem, contacto, código e destinatário,

consoante a teoria comunicativa de ROMAN JAKOBSON7; ou seja, para a

ocorrência do fenômeno comunicacional, é imprescindível que haja a pessoa

(remetente) que irá emitir um texto (mensagem), sob a forma verbal, musical, escrita,

gestos, pinturas, gráficos ou números (código) sob determinadas circunstâncias de

tempo, espaço e de pessoas (contexto) e através de um canal, tais como ondas

sonoras, partituras musicais, revistas, jornais, códigos de leis, televisão, cinema,

partes do corpo e quadros (contato) para um grupo determinado ou não de pessoas

(destinatários).

Esse fenômeno de troca de informações entre pessoas chamado de

“comunicação” ocorre por meio da linguagem.

4 Cleverson Leite Bastos e Kleber B.B. Candiotto in Filosofia da linguagem. p. 15. 5 How to do things with words apud John Searle, Mente, linguagem e sociedade. p. 127. 6 Ibid. p. 127. 7 Lingüística e comunicação. p. 123. “cada um desses seis fatores determina uma diferente função da linguagem. Embora distingamos seis aspectos básicos da linguagem, dificilmente lograríamos, contudo, encontrar mensagens verbais que preenchessem uma única função. A diversidade reside não no monopólio de alguma dessas diversas funções, mas numa diferente ordem hierárquica de funções. A estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função predominante”.

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18

Assim, os homens se socializam por meio da utilização da linguagem para a

troca de informações e obtenção de conhecimento. Essa linguagem se manifesta

graças à capacidade comunicativa dos humanos e ocorre por meio de signos

(ícones, índices e símbolos). Assim, percebe-se que a linguagem e a comunicação

estão intimamente ligadas.

Confirmando tal assertiva, CRISTIANO CARVALHO8 afirma que: “A relação

entre linguagem e comunicação não é uma causalidade linear, mas um processo

circular. Ao passo que a comunicação pressupõe linguagem, esta só desenvolve-se

com a interação comunicacional. Em verdade, linguagem e comunicação são duas

dimensões de um mesmo fenômeno, qual seja, a capacidade humana de processar

e conceitualizar abstratamente os dados vindos da realidade”.

Os signos normalmente se manifestam no âmbito de uma língua (código de

signos em um determinado grupo cultural) e se particularizam através do ato de fala

e, conseqüentemente, da fala.

FERDINAND DE SAUSSURE9 ensina que “o exercício da linguagem repousa

numa faculdade que nos é dada pela Natureza, ao passo que a língua constitui algo

adquirido e convencional, que deveria subordinar-se ao instinto natural em vez de

adiantar-se a ele”.

A língua, portanto, é um código artificial instituído por um grupo de pessoas,

tal como a língua dos surdos-mudos e, sempre se refere à linguagem humana, a

qual é inerente à natureza do homem.

Sobre a imanência da linguagem para o Homem, explica ENI PULCINELLI

ORLANDI10 que: “Ao procurar explicar a linguagem, o homem está procurando

explicar algo que lhe é próprio e que é parte necessária de seu mundo e da sua

convivência com outros seres humanos”.

A partir da linguagem, o homem é capaz de refletir e de adquirir conhecimento

sobre o mundo físico que o circunda (dados brutos) e assim os transforma em

realidade ao descrevê-los. Dentre toda a imensidão dos objetos presentes no mundo

físico, o homem escolhe algo que considera relevante e reduz à linguagem, de modo

8 Teoria do sistema jurídico. p. 29. 9 Curso de lingüística geral. p. 17. 10 O que é lingüística. p 07.

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19

a criar realidade. Ele faz o mesmo com os incontáveis eventos sociais que ocorrem:

verte em linguagem somente o que lhe aprouver e, assim, cria os fatos sociais.

LEONIDAS HEGENBERG11 explica que o ser humano quando nasce é

literalmente ‘jogado’ no meio de uma porção de coisas, transformando a

“circunstância em mundo. Dando sentido às coisas que o cercam, interpretando-as,

o ser humano pode viver (ou, no mínimo sobreviver). Quer dizer, o ser humano,

reconhece as coisas, ‘entende-as’, sabe valer-se delas, para seu benefício”.

Em suma, a linguagem é imprescindível para o homem e sua dinâmica ocorre

através da comunicação; ou seja, o processo comunicativo pressupõe ao menos

duas pessoas. Cada pessoa ao se comunicar utiliza um modo particular da

linguagem conforme a língua do espaço em que se encontra e segundo seu ato de

fala (produto do perfil do emissor e da situação em que se encontra ao realizar um

ato de enunciação).

2. Semiótica

Todo esse fenômeno comunicacional composto, segundo ROMAN

JAKOBSON, por remetente, contexto, mensagem, contacto, código e destinatário

que se manifesta através dos atos de fala e da fala para expressar uma linguagem,

que é um conjunto de signos, ao ser analisado, apresentará três instâncias: sintática,

semântica e pragmática. Essas três instâncias, nada mais são do que os “níveis dos

signos”, conforme os ensinamentos de DÉCIO PIGNATARI12 e, mais ainda, são os

planos a serem percorridos pelo intérprete da mensagem para encontrar seu

respectivo sentido (percurso gerador de sentido).

Na busca do sentido de um texto, esses planos praticamente se confundem;

isto é, durante o processo interpretativo esses planos se entrelaçam

constantemente, de forma que o intérprete deve transitar várias vezes por esses três

planos – sintática, semântica e pragmática – até atingir o sentido do texto.

Qualquer um desses planos analisados isoladamente não faz qualquer

sentido: para se analisar a sintática, é necessária a pragmática e para se analisar a

pragmática é necessária a semântica e assim esses planos transitam circularmente

o tempo todo. A percepção do plano sintático, inclusive, está relacionada com a

11 Saber de e saber que: Alicerces da racionalidade. p. 24-25. 12 Informação, linguagem e comunicação. p. 32.

Page 20: Cp 134822

20

posição pragmática do intérprete. É o que defende o professor MARCELO NEVES13

ao afirmar que: “A própria questão sintática da descaracterização do functor deôntico

só pode ser compreendida a partir dessa variável pragmática”.

É impossível, portanto, dissecar esses três planos num processo

interpretativo. Aqui nesse trabalho, os planos serão separados apenas para fins

didáticos.

2.1. Sintática

A sintática ou sintaxe diz respeito à estrutura interna dos signos lingüísticos;

ou seja, à gramática de uma língua e, portanto, diz respeito ao plano da expressão:

as formas geométricas dos objetos (círculo, quadrado, retângulo, triângulo, oval,

cilindro, cone, cubo), partes do corpo, marcas de tinta, figuras, gráficos, números,

ondas sonoras, partituras musicais, imagens televisivas, imagens em películas de

cinema, letras, palavras, frases, orações e períodos.

Essa gramática é explicada por NOAM CHOMSKY14 como “uma descrição da

competência intrínseca do falante-ouvinte ideal”. Para CLEVERSON LEITE BASTOS

e KLEBER B.B. CANDIOTTO15, “a análise lingüística em nível sintático tem por

finalidade a descrição dos sistemas lingüísticos que são encarados como produto de

convenções e valores sociais, de onde derivam as regras que tornam

compreensíveis as intercomunicações ao nível da fala”.

Trata-se, na verdade, da primeira instância do enunciado lingüístico e,

portanto, do nível que norteia o percurso gerador de sentido; isto é, a sintática

funciona como uma “moldura” do processo interpretativo: todos os significados e

significações obtidos pelo trabalho do intérprete devem estar contidos dentro dessa

estrutura sintática, de forma que ela própria acaba sendo o limite da atividade

interpretativa. Quer se dizer com isso que terá um momento em que todos os

significados e significações começarão a transbordar dessa moldura.

2.2. Semântica

Trata-se do plano lingüístico em que há a compreensão do significado do

signo lingüístico.

13 A constitucionalização simbólica. p. 164. 14 Aspectos da teoria da sintaxe. p. 84. 15 Op. cit. p. 19.

Page 21: Cp 134822

21

A semântica, consoante JULIA KRISTEVA16, é “o estudo da função das

palavras enquanto portadoras de sentido”; isto é, é o estudo dos significados das

palavras, das frases e dos textos.

O objetivo da semântica é estar constantemente buscando dentro de uma

palavra (ou texto) todos os elementos que ela comporta, os quais sempre estarão

representados por palavras também. Isso porque com o passar dos tempos e, com a

dinâmica da sociedade, as palavras poderão adquirir novos significados e a

semântica deverá sempre estar acompanhando isso.

Segundo ALAÔR CAFFÉ ALVES17, esse nível do signo é explicado da

seguinte forma: “a dimensão semântica diz respeito ao conteúdo dos conceitos e das

proposições em sua relação com o mundo real ou ideal, isto é, ao que eles

significam, e não apenas em relação a sua forma (sintaxe)”.

Há muitas formas para se encontrar os significados de uma palavra (ou de um

texto), seja através do próprio léxico das palavras – denotação e conotação

(semântica lexical), seja através das formas lógicas (semântica formal), seja através

do contexto (semântica textual) e até através de traços peculiares que buscam

manipular a conclusão do leitor (semântica argumentativa).

Segundo apontamentos de IRVING M. COPI.18 “Compreender um termo é

saber como aplicá-lo corretamente (...)”. Esse autor também esclarece que os signos

poderão ter significados intensivo ou conotativo e extensivo ou denotativo.

ANTONIO VICENTE SERAPHIM PIETROFORTE e IVÃ CARLOS LOPES19

afirmam que “tanto a denotação como a conotação são construções discursivas”

fundando-se na seguinte assertiva: “Se é da linguagem que emana o sentido, é a

partir de mecanismos de linguagem que se constrói efeitos de sentido tanto de

denotação quanto de conotação”.

A denotação refere-se ao significado constante dos dicionários; ou seja, ao

sentido usual; o difundido socialmente. OSWALD DUCROT e TZVETAN

TODOROV20 explicam que “a relação de denotação concerne, por um lado, aos

16 História da linguagem. p. 48. 17 Lógica: pensamento formal e argumentação. p. 59. 18 Introdução à lógica. p. 119. 19 “A semântica lexical” in introdução à lingüística II. p. 125. 20 Dicionário enciclopédico das ciências da linguagem. p. 103.

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22

signos-ocorrências e não aos signos-tipos; e que, por outro lado, ela é muito menos

freqüente do que se acredita: fala-se antes das coisas em sua ausência que em sua

presença; ao mesmo tempo é difícil conceber qual seria o ‘referente’ da maioria dos

signos”.

E a conotação, nos dizeres de RODOLFO ILARI21, “é o efeito de sentido pelo

qual a escolha de uma determinada palavra ou expressão dá informações sobre o

falante, sobre a maneira como ele representa o ouvinte, o assunto e os propósitos

da fala em que ambos estão engajados etc. A conotação opõe-se à denotação, que

é o efeito de sentido pelo qual as palavras falam ‘neutramente’ do mundo”. Ele ainda

acrescenta que: “As conotações relativas ao falante dizem respeito, mais geralmente

à faixa etária, à profissão, às condições sociais e, à procedência geográfica”.

Esse estudioso também esclarece que “Os dois efeitos de sentido da

conotação e denotação estão presentes em diferentes medidas em qualquer ato de

fala e não é fácil dizer onde termina um e onde começa outro”.

É esse nível da linguagem, portanto, o ponto de partida do caráter dialógico

da linguagem, afinal, graças ao diálogo infinito que existe entre as palavras que se

pode sempre extrair significados. Como já dito, a vida em sociedade é dinâmica, os

significados das palavras estão em constante mudança, e palavras sempre deverão

dialogar não somente com outras palavras, mas também com o seu objeto.

O dialogismo é a capacidade que as palavras e os textos possuem de

dialogar uns com os outros e também com o seu próprio objeto; isto é, o dialogismo

tem a ver com o fato das palavras serem sempre referentes a algo.

Assim, é dessa função inter-relacional das palavras que se busca a semântica

ora de uma palavra, ora de uma frase, de uma oração e ora de um texto e de um

discurso.

Portanto, a semântica é a instância lingüística em que o intérprete busca o

significado das formas contidas no plano da expressão, significado esse que

consiste na denominação a ser dada àquelas formas, e que deverá sofrer mutações

no decorrer dos tempos.

21 Introdução à semântica. p. 41-42.

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23

2.3. Pragmática

Já a pragmática é o plano mais dinâmico da linguagem, posto que é o estudo

da relação dos signos com os seus próprios utentes. Para alguns estudiosos, a

pragmática deveria ser definida como a ciência do uso lingüístico em contexto, daí

acreditarem que esse plano deveria ter outra denominação: contêxtica.

Ousa-se, afirmar, inclusive, a contragosto dos positivistas lógicos, que a

pragmática é o nível mais importante para o processo interpretativo. Sem o

“contexto” (situação fática e valorativa em que o texto é proferido), não é possível a

sua percepção sintática e semântica.

Nos dizeres de ALF ROSS22, “a interpretação não tem ponto de partida

lingüístico independente, mas que desde o início é determinada por considerações

pragmáticas sob a forma de senso comum”.

Sem a instância pragmática, o texto tornar-se-ia algo extremamente abstrato,

remoto de qualquer carga psicológica. E isso jamais pode acontecer porque um texto

sempre é uma construção humana e ao elaborar um texto o homem impinge a ele

uma série de valores e ideologias que comprometem seu próprio sentido. Negar a

pragmática é negar o caráter humano do texto.

A pragmática, portanto, está relacionada com as convicções pessoais do

usuário do signo; ou seja, a forma como um signo será utilizado pelos seus

destinatários será determinada pelos seus valores, ideologia e experiências.

Vale dizer que, em termos pragmáticos, o destino do signo é incerto, tudo

depende do livre arbítrio dos destinatários; isto é, seja qual for seu conteúdo

sintático e semântico, sua finalidade sempre dependerá da carga psicológica de

cada um de seus destinatários.

Logo, é graças a esse nível de linguagem que se pode afirmar que a

linguagem jamais tocará a realidade e que o dever-ser jamais se confunde com o

ser, afinal, a dinâmica dos signos depende da livre iniciativa de cada um de seus

destinatários.

22 Direito e justiça. p. 175.

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24

A semiótica, portanto, é o estudo desses signos lingüísticos com o intuito de

encontrar um sentido, uma interpretação para eles. LUCIA SANTAELLA23, adepta da

semiótica peirceana, explica que: “As linguagens estão no mundo e nós estamos na

linguagem. A semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as

linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de

constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de

significação e sentido”.

Essa estudiosa também esclarece que24: “Não apenas a vida é uma espécie

de linguagem, mas também todos os sistemas e formas de linguagem tendem a se

comportar como sistemas vivos, ou seja, eles reproduzem, se readaptam, se

transformam e se regeneram como as coisas vivas”.

Um signo, portanto, segundo CHARLES PEIRCE25 é: “qualquer coisa que

conduz alguma outra coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual ela

mesma se refere (seu objeto), de modo idêntico, transformando-se o interpretante,

por sua vez, em signo, e assim sucessivamente ad infinitum”. Esse autor acrescenta

que: “Um signo é um ícone, um índice ou um símbolo. Um ícone é um signo que

possuiria o caráter que o torna significante, mesmo que seu objeto não existisse, tal

como um risco feito a lápis representando uma linha geométrica. Um índice é um

signo que de repente perderia seu caráter que o torna um signo se seu objeto fosse

removido, mas que não perderia esse caráter se não houvesse interpretante. Tal é,

por exemplo, o caso de um molde com um buraco de bala como signo de um tiro,

pois sem o tiro não teria havido buraco; porém nele existe um buraco, quer tenha

alguém ou não a capacidade de atribuí-lo a um tiro. Um símbolo é um signo que

perderia o caráter que o torna um signo se não houvesse um interpretante. Tal é o

caso de qualquer elocução de discurso que significa aquilo que significa apenas por

força de compreender-se que possui essa significação”.

Um trovão seria um exemplo de índice; uma fotografia, um exemplo de ícone

e, as palavras, de símbolos. Cada um deles guarda uma relação com o objeto: o

índice é o que mantém uma relação de extrema proximidade com o objeto (tal como

o trovão em relação à chuva; a fumaça em relação ao fogo; a febre e a dor em

23 O que é semiótica. p. 13. 24 Ibid. p. 14. 25 Semiótica. p. 74.

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25

relação à doença); o ícone é o que mantém uma relação de similaridade com o

objeto (fotos, filmagem, desenhos, pinturas, gráficos e planilhas); o símbolo é o signo

que não mantém qualquer relação de proximidade ou similaridade com o objeto, ele

apenas representa o objeto por convenção entre seus utentes.

Abaixo, esquematiza-se a relação triádica (triângulo semiótico) estabelecida

por CHARLES PEIRCE e elaborada por OGDEN e RICHARDS para os signos em

geral:

Referência (significado)

Símbolo Referente (objeto)

DECIO PIGNATARI26 explica que: “OGDEN e RICHARDS o estabeleceram

principalmente tendo em vista o problema do significado nos signos verbais: a linha

pontilhada indica que não há ligação direta entre signo e referente, ou melhor, que a

relação é apenas convencional e que só adquire significado em função do

intérprete”.

Os signos, em suma, representam, de uma forma ou de outra, um objeto da

realidade (dado bruto), o qual poderá ser percebido por uma série de interpretantes

e, assim, ser analisado e interpretado sob óticas diversas.

3. Linguagem e realidade

A partir do estudo semiótico é possível perceber que somente através dos

signos apreende-se a realidade; isto é, somente quando o ser humano em contato

com os objetos do mundo empírico (dados brutos) produz um signo através da

linguagem é que se verifica a realidade, de modo que sem linguagem não é possível

haver realidade. Portanto, a linguagem é que constitui a realidade e somente através

dela é que se adquire o conhecimento de dado objeto (seja ele natural, ideal,

26 Informação, linguagem, comunicação. p. 33.

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26

metafísico ou cultural), logo linguagem e conhecimento são redutores de

complexidades e criadores de realidade.

A jurista FABIANA DEL PADRE TOMÉ27, em poucas linhas, explica esse

fenômeno: “As coisas não precedem o discurso, mas nascem com ele, pois é

exatamente o discurso que lhes dá significado”.

Não existe qualquer conhecimento sem a utilização da linguagem. Somente

através dela é que se poderão captar os fenômenos do mundo físico circundante;

isto é, somente o ser humano com suas capacidades sensorial e intelectiva poderá

comunicar a existência de “algo” para os membros da sociedade através da

utilização da linguagem (gestos, desenhos, atos de fala, frases e textos escritos).

DARDO SCAVINO28, nesse sentido, chega a dizer que: “El mundo se vuelve

fabula, el mundo tal cual es, solo es una fábula: fábula significa algo que se cuenta y

que no existe sino en el relato; el mundo es algo que se cuenta, un acontecimiento

contado y por eso mismo una interpretación: la religión, el arte, la historia son otras

tantas variantes de la fábula”.

Conforme MANFREDO ARAÚJO DE OLIVEIRA29 “não existe mundo

totalmente independente da linguagem, ou seja, não existe mundo que não seja

exprimível em linguagem. A linguagem é o espaço de expressividade do mundo, a

instância de articulação de sua inteligibilidade”.

Nesse sentido o professor PAULO DE BARROS CARVALHO ensina que: “O

‘mundo da vida’, com as alterações ocorridas no campo das experiências tangíveis,

é submetido a nossa intuição sensível, naquele ‘caos de sensações’ a que se referiu

Kant. O que sucede neste domínio e não é recolhido pela linguagem social não

ingressa no plano por nós chamado de ‘realidade’, e, ao mesmo tempo, tudo que 30dele faz parte encontra sua forma de expressão nas organizações lingüísticas com

que nos comunicamos; exatamente porque todo o conhecimento é redutor de

dificuldades, reduzir as complexidades do objeto da experiência é uma necessidade

inafastável para se obter o próprio conhecimento.”.

27 A prova no direito tributário. p. 06. 28 La filosofía actual: pensar sin certezas, p. 37. 29 Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. p. 13. 30 Direito tributário, linguagem e método. p. 07.

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27

Já o estudioso VILÉM FLUSSER31 explica a realidade da seguinte forma: “Se

definirmos realidade como ‘conjunto de dados’, podemos dizer que vivemos em

realidade dupla: na realidade das palavras e na realidade dos dados ‘brutos’ ou

‘imediatos’. Como os dados ‘brutos’ alcançam o intelecto propriamente dito em forma

de palavras, podemos ainda dizer que a realidade consiste de palavras e de

palavras ‘in statu nascendi’”.

A importância da linguagem para o homem está consignada em toda nossa

História: todas as conquistas e avanços se deram em razão da linguagem – o

avanço do Império Romano, o crescimento do Cristianismo pelo mundo, a

proclamação da República do Brasil, a abolição dos escravos, o voto feminino, o

movimento “Diretas Já”, a promulgação da Constituição Federal de 1988, a

informática e as descobertas da biogenética. Todavia, somente agora é que se

percebe sua efetiva importância nas relações intersubjetivas em quaisquer dos

sistemas sociais (política, religião, economia, direito, ciência).

Com muito acerto afirmou o professor JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES32 que:

“nada existe onde faltam palavras”.

Como bem assinala o professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR33, “os

homens comunicam-se, quer queiram quer não (é impossível não se comunicar, pois

não se comunicar é comunicar que não se comunica). Essa comunicação admite

várias linguagens (falada, por gestos, pictórica, musical etc.). Em conseqüência, a

descrição da realidade depende da linguagem usada, e em casos como o da música

pode-se até dizer que a linguagem (musical) e a realidade (musical) se confundem”.

Nesse sentido o filósofo LUDWIG WITTGENSTEIN34 traz os seguintes

ensinamentos: “A Lógica enche o mundo; os limites do mundo são também os seus

limites”; “Que o mundo é o meu mundo revela-se no facto de os limites da linguagem

(da linguagem que apenas eu compreendo) significarem os limites do meu mundo”;

“O mundo e a vida são um”; “Eu sou o meu mundo (O microcosmos).”.

Com todas essas assertivas, portanto, não há que se olvidar que a linguagem

reduz as complexidades dos “objetos do mundo da experiência” e constrói

31 Língua e realidade. p. 40. 32 Ciência feliz. p. 123. 33 Introdução ao ensino do direito. p. 36. 34 Tratado lógico-filosófico. p. 115.

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28

realidades para poder alcançar um dado conhecimento, o qual, ressalte-se, somente

tomará corpo com a carga psicológica que o estudioso deverá impregnar no texto.

Sublinhe-se que de acordo com o enfoque que o intérprete fizer do objeto, ele

poderá construir vários tipos de realidade; quer se dizer com isso que a realidade

não é uma só. É possível verificar a existência de tecidos lingüísticos

correspondentes à realidade social, à realidade jurídica, à realidade política, à

realidade econômica, etc.

A realidade, portanto, é um recorte que o intérprete realiza do mundo físico

por meio da linguagem. Assim, a realidade nunca será algo estanque, posto que o

mundo físico está em constante mudança, ela sempre será alterada por meio de

outras linguagens.

Novas descobertas, novos hábitos, costumes, cultura, ideologia são as

principais causas de tantas alterações no mundo físico que deverão refletir nas

novas realidades construídas.

Foi graças a esse dinamismo que GALILEU GALILEI construiu uma nova

realidade: de que a Terra, assim como outros planetas, girava em torno do Sol

(teoria heliocêntrica), fazendo cair por terra a realidade de que era a Terra o centro

de tudo (teoria geocêntrica).

Portanto, quando se fala em linguagem e realidade não se está fazendo

referência a fatos imutáveis, mas, sim, a fatos em constante transformação em

decorrência das complexidades e contingências do mundo físico.

O sociólogo NIKLAS LUHMANN é que defendia que a sociedade é complexa

e contingente. Complexa porque é composta por inúmeros elementos e situações de

coisas e pessoas que nem sempre são apreensíveis pela linguagem, e contingente

porque existe um leque de possibilidades, às vezes, até inimaginadas, que poderão

ocorrer35.

E a linguagem deverá estar constantemente dialogando com essa sociedade

complexa e contingente e, assim, sempre construindo novas realidades.

4. Fundamentos semióticos do texto e do discurso

35 La sociedad de la sociedad. passim.

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29

Se a linguagem está sempre apta a reduzir as complexidades e contingências

do mundo empírico e, assim, construir a realidade para que se torne de

conhecimento de todos, então o texto é um recorte da realidade.

Um texto é um conjunto de signos munidos de sentido. Sentido esse que

somente será conhecido com a análise dos três níveis dos signos: sintática,

semântica e pragmática. De posse desse sentido, segundo ensinamentos do

professor TACIO LACERDA GAMA36, podemos: “i. precisar o sentido de certas

expressões; ii. superar problemas de ambigüidade, evitando com isso, discussões

verbais; iii. evitar falácias de ambigüidade e vaguidade; iv. compreender e manejar

formas de definição dos conceitos; e v. identificar formas de legitimar a definição de

sentido”.

Paralelamente, o professor PAULO DE BARROS CARVALHO37 explica que:

“... o plano das unidades lógicas constitui um sistema comunicacional, com suas

dimensões sintática, semântica e pragmática: uma autêntica linguagem, com a

particularidade de ser formalizada. Os recursos semióticos, por sua vez, permitem a

análise das três dimensões que esta linguagem apresenta, cada qual analisando de

acordo com as respectivas bases: (i) as estruturas frasais e as regras lógico-

gramaticais nela contidas; (ii) os tipos de linguagem; e (iii) as funções da linguagem

no discurso. De um lado, a referida formalização contemplará os vínculos

associativos que ligam os vários signos de um mesmo sistema, expondo à carne

viva o plano sintático daquele conjunto, e, na instância semântica, encontrando-se a

significação que é inerente àquela estrutura formal. De outro, a pragmática da

comunicação humana indicará a trajetória imprescindível para a determinação do

tipo de lógica com que devemos trabalhar.”.

A realidade sempre estará representada por um texto. Esse texto poderá ser

um gesto, uma pintura, uma escultura, um desenho, uma música, uma fotografia,

uma encenação, um gráfico, uma planilha, um programa de televisão, uma

propaganda, uma novela e um documento escrito (cartas, certidões, textos de livros

e revistas, peças jurídicas, decisões jurídicas, atos normativos, entre outros) os

quais estão constantemente sujeitos à interpretação do leitor-destinatário.

36 Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. p. 164. 37 Op. cit p. 66-67.

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30

Nesse sentido, PAUL RICOEUR38 afirma que: “O texto, objectivado e

desistoricizado – torna-se a mediação necessária entre o escritor e o leitor”. Esse

estudioso ainda explica que: “A interpretação no seu último estágio quer igualizar,

tornar contemporâneo, assimilar, no sentido de tornar semelhante. Este objectivo

consegue-se na medida em que a interpretação actualiza a significação do texto

para o leitor presente”.

O filósofo DARDO SCAVINO39 afirma que “interpretar significa crear; el

interprete es un poeta”.

A capacidade interpretativa do ser humano é ilimitada; ou seja, existe um

enorme leque de possibilidades semânticas e pragmáticas no intelecto de cada

pessoa, todavia, empreender uma interpretação segundo as regras gramaticais e

textuais, significa que haverá limitações no corpo do próprio texto a ser interpretado;

ou seja, segundo as construções estruturais de um texto, é possível encontrar a

interpretação adequada a ele.

Nesse sentido, explica a professora LEONOR LOPES FAVERO40 que: “todo e

qualquer texto possui uma multiplicidade de significações, não sendo possível

considerar-se uma única leitura como verdadeira; o interlocutor fará aquela que

estiver mais de acordo com as ‘intenções do texto’ que se fazem presentes através

de marcas lingüísticas que vão funcionar como pistas que permitirão perceber o

sentido global do texto”.

Sobre essas marcas, o professor JOSE LUIZ FIORIN41 explica que o

enunciado é um simulacro do processo de enunciação (de produção de texto), posto

que o enunciado é composto por marcas de espaço, tempo e pessoa que tentam

simular tal processo. Essas marcas são denominadas de “enunciação-enunciada” e

podem ser facilmente identificadas num dado texto (enunciado) e serão elas o ponto

de partida para qualquer processo interpretativo-gerador de sentido.

É oportuno, nesse momento, apontar a diferença entre o texto bruto

elaborado pelo enunciador (enunciado-enunciado) que é denominado de texto e o

38 Teoria da interpretação. p. 103. 39 Op. cit. p. 37. 40 “Paródia e dialogismo” in Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakthin. p. 56. 41 As astúcias da enunciação. p. 41-55.

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31

texto contextualizado segundo as marcas da enunciação que é denominado

discurso.

Enquanto texto (enunciado-enunciado), o enunciador possui infinitos modos

de criação de sua estrutura sintática (sujeitos, tempos verbais, adjetivos, advérbios,

preposições, adjuntos adnominais, frases exclamativas, interrogativas, negativas,

afirmativas, orações coordenadas e orações subordinadas). Enquanto discurso e a

partir da estrutura sintática que produziu, o enunciador promove uma série de

articulações e recursos (funções da linguagem, figuras de linguagem e figuras de

pensamento, metalinguagem, polifonia – ancoragem e desembreagem,

intertextualidade ou intratextualidade, interdiscursividade ou intradiscursividade) para

melhor emitir sua mensagem e, assim, “dar pistas” para o destinatário daquele

discurso sobre a interpretação que deve ser dada àquele.

Isso porque, mesmo sendo a capacidade interpretativa do leitor-destinatário

completamente infinita, o enunciador, ao construir um discurso, certamente não quer

ser “mal interpretado”. Através das construções semânticas e pragmáticas, ele

oferece elementos para o leitor empreender a interpretação coerente com a

mensagem que queria passar.

E o destinatário ao empreender a análise do texto, especialmente do texto

escrito, deverá primeiramente se ater às três instâncias do signo: sintática,

semântica e pragmática. É o que ensina também o professor TÉRCIO SAMPAIO

FERRAZ JÚNIOR42 ao afirmar que: “para interpretar, temos de decodificar os

símbolos no seu uso, e isso significa conhecer-lhes as regras de controle e da

denotação e conotação (regras semânticas), de controle das combinatórias

possíveis (regras sintáticas) e de controle das funções (regras pragmáticas).”.

No que tange às regras pragmáticas do texto e do discurso, não se pode

esquecer o caráter dialógico da linguagem; isto é, a capacidade que a linguagem de

um texto ou discurso possui de dialogar com outros textos ou discursos.

“Dialogar com outros textos ou discursos” significa que um texto ou discurso

ao ser elaborado está se referindo a um outro de forma implícita ou explícita. Um

bom exemplo desse tipo de dialogismo são as paródias (textos que satirizam um

outro texto).

42 Op. cit. p. 261.

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32

Já dialogar com o próprio destinatário-leitor significa que o enunciador se vale

de alguns recursos, segundo um sistema de valores, para manipular o destinatário e,

assim, promover uma determinada interpretação (“fazer-interpretativo”). Essa

manipulação poderá ocorrer sob as formas de: tentação, intimidação, provocação e

sedução.

Segundo a professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS43, “O dialogismo é

a condição de sentido do discurso”.

Mais do que o dialogismo, a polifonia (várias vozes dentro de um mesmo

discurso), a intertextualidade (diálogo entre textos), a interdiscursividade (diálogo

entre discursos), a intratextualidade (diálogo entre frases num mesmo texto) e a

intradiscursividade (diálogo entre frases num mesmo discurso) também auxiliam no

processo gerador de sentido do texto.

Intratextualidade e intertextualidade estão relacionados ao contexto do próprio

texto; ou seja, referem-se à coesão total do texto enquanto tecido uno de linguagem

(semântica). Já a intertextualidade e a interdiscursividade estão relacionadas com a

função do texto enquanto manipulador de valores e ideologias (pragmática).

A professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS44 explica resumidamente

como ocorre esse processo gerativo de sentido: “a) o percurso gerativo do sentido

vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto; b) são estabelecidas

três etapas do percurso, podendo cada uma delas ser descrita e explicada por uma

gramática autônoma, muito embora o sentido do texto dependa da relação entre os

níveis; c) a primeira etapa do percurso, a mais simples e abstrata, recebe o nome de

nível fundamental ou das estruturas fundamentais e nele surge a significação como

uma semântica mínima; d) no segundo patamar, denominado nível narrativo ou das

estruturas narrativas, organiza-se a narrativa, do ponto de vista de um sujeito; e) o

terceiro nível é o do discurso ou das estruturas discursivas em que a narrativa é

assumida pelo sujeito da enunciação”.

Em suma, qualquer objeto cultural suscetível de interpretação será

denominado texto e de discurso quando esse texto for contextualizado e, para tanto,

deverá se ater a todas as regras semióticas de texto e discurso e percorrer todo o

43 “Dialogismo, polifonia e enunciação” in Dialogismo, polifonia, intertextualidade: em torno de Bakhtin. p. 02. 44 Teoria semiótica do texto. p. 09.

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33

processo gerativo de sentido desde a estrutura fundamental até a estrutura

discursiva e, assim, apreender a interpretação mais adequada com o real sentido do

enunciado.

Assim, dada todas essas explicações, verifica-se que o processo gerativo de

sentido de um dado enunciado é complexo. Há muitas articulações com a linguagem

dentro de um enunciado que devem ser identificadas para se atingir a interpretação

adequada àquele dado discurso: os três níveis dos signos devem ser muito bem

explorados para se exaurir o processo gerador de sentido e a adequada

interpretação seja imputada a um dado discurso. Com atenção especial para o nível

pragmático, pouco explorado ainda pelos estudiosos: como foi apontado no início

desse capítulo, cada enunciador possui uma forma particular de se expressar (ato de

fala), conforme seus valores, ideologia, sentimentos e até conforme a situação em

que se encontra, tal fato implica uma enorme complexidade da análise pragmática.

Para esse nível de linguagem todas as marcas deixadas pelo enunciador são

importantes: as marcas de sua própria pessoa, o tempo e o espaço em que enuncia

o texto ou discurso. Aliás, quanto a esse plano MIKHAIL BAKHTIN45 dá uma grande

importância ao afirmar que: “tudo que é ideológico possui um valor semiótico”.

O filósofo MARTIN HEIDEGGER46, de forma sucinta, explica como deve ser o

contato do intérprete diante de um texto: “Fazer uma experiência com a linguagem

significa portanto: deixarmo-nos tocar propriamente pela reivindicação da linguagem,

a ela nos entregando e com ela nos harmonizando. Se é verdade que o homem,

quer o saiba ou não, encontra na linguagem a morada própria de sua presença,

então uma experiência que façamos com a linguagem haverá de nos tocar na

articulação mais intima de nossa presença. Nós, nós que falamos a linguagem,

podemos nos transformar com essas experiências, da noite para o dia ou com o

tempo. Mas talvez fazer uma experiência com a linguagem seja algo grande demais

para nós, homens de hoje, mesmo quando essa experiência só chega ao ponto de

nos tornar por uma primeira vez atentos para a nossa relação com a linguagem e a

partir daí permanecermos compenetrados nessa relação”.

De posse de todas essas ferramentas gramaticais, passa-se a analisar o

direito enquanto texto e discurso.

45 Marxismo e filosofia da linguagem. p. 33. 46 A caminho da linguagem. p. 121.

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34

CAPÍTULO II

ANÁLISE SEMIÓTICA DO DIREITO E DA CIÊNCIA DO DIREIT O

1. O direito como linguagem

Da leitura do primeiro capítulo, é possível inferir que o sistema jurídico

enquanto realidade é constituído pela linguagem. Todavia, não basta ao jurista

afirmar que o Direito é texto, isto é, que ele é constituído pela linguagem, é preciso

saber destrinchar todas as conseqüências dessa afirmação. É preciso rememorar os

ensinamentos gramaticais e de interpretação de textos adquiridos nos bancos

escolares e trazê-los para o mundo do Direito.

Como bem afirma JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES47, “não é possível

proceder à análise de questão jurídica sem considerar a circunstância de que o

ordenamento jurídico é composto por normas jurídicas, cuja organização em sistema

é efetuada pelo jurista, visando a sua compreensão global, a partir de sua coerência

interna de sentido”.

É preciso, antes de apelar para qualquer técnica de interpretação jurídica,

analisar os textos jurídicos sob as regras gramaticais semióticas. Se o Direito é

texto, ele é suscetível de interpretações segundo as regras gramaticais semióticas

de texto ensinadas pelos lingüistas.

Ensina o professor LUIS ALBERTO WARAT48 que “a interpretação da lei é

uma especificação de seu sentido. O legislador ao estabelecer uma norma jurídica,

prescreve uma conduta, fixa pautas para a ação humana. A disposição legal

emanada do órgão competente, desde o ponto de vista semiótico, constitui uma

mensagem com intencionalidade inerente, destinada a diversos protagonistas, dos

quais cada um interpreta sua funcionalidade. Especificar seu sentido implica distinta

significação, segundo seja de que se trate o protagonista”.

Sobre esse aspecto, A.J. GREIMAS49 afirma que:

47 A imunidade tributária do livro, p. 01. 48 Semiotica y derecho. p. 172. 49 Semiótica e ciências sociais. p. 72-73.

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35

“A análise de um texto jurídico particular, (...), pressupõe uma reflexão sobre o

estatuto semiológico do discurso jurídico tomado no seu conjunto. Só de posse de um

certo número de conceitos operacionais, precisando suas propriedades e seu modo de

existência lingüística, é que se poderá determinar um ‘objeto’ ou ‘lugar’ discursivo

específico (...). A própria expressão discurso jurídico já comporta um certo número de

pressupostos que é preciso explicitar:

1. Ela sugere que por discurso jurídico deve-se entender um subconjunto de

textos que fazem parte de um conjunto mais vasto, constituído de todos os textos

manifestados numa língua natural qualquer.

2. Isso indica também que se trata de um discurso, quer dizer, de um lado a

manifestação sintagmática, linear da linguagem e, de outro lado, a forma de sua

organização que é levada em consideração e que compreende, além das unidades

frásicas (lexemas, sintagmas, enunciados), as unidades transfásicas (parágrafos,

capítulos ou, enfim, discursos-ocorrências).

3. A qualificação de um subconjunto de discursos como jurídico implica, por sua

vez, tanto a organização específica das unidades que o constituem, como a existência de

uma conotação particular subentendida a esse tipo de discurso, ou, ainda, as duas coisas

ao mesmo tempo.”.

Nesse mesmo sentido, o professor CARLOS MAXIMILIANO50 explica que: “As

leis positivas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios,

estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a

minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto

abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o

Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o

sentido verdadeiro da regra positiva; e logo depois, o respectivo alcance, a sua

extensão. Em resumo, o executor extraí da norma tudo o que na mesma se contém:

é o que se chama interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das

expressões do Direito”.

A norma jurídica é o discurso (a estrutura textual; uma frase) utilizado pelo

jurista. E esse discurso deverá ser submetido a todas as regras de interpretação de

texto, seguindo todo o caminho do percurso gerador de sentido que se inicia com a

análise sintática das normas e finaliza-se com a análise pragmática do discurso

jurídico.

50 Hermenêutica e aplicação do direito. p. 01.

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36

O precursor dessas idéias no campo jurídico é o professor PAULO DE

BARROS CARVALHO51 ao explicar que: “Seguindo esta construção exegética e

partindo da premissa da unicidade do texto jurídico-positivo que se pode alcançar os

quatro subsistemas pelos quais se locomovem obrigatoriamente todos aqueles que

se dispõem a conhecer o sistema jurídico normativo: a) o conjunto de enunciados,

tomados no plano da expressão; b) o conjunto de conteúdos de significação dos

enunciados prescritivos; c) o domínio articulado de significações normativas; e d) os

vínculos de coordenação e de subordinação que se estabelecem entre as regras

jurídicas”.

Nessa esteira, a professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS52 ensina que:

“A semiótica, (...), procura hoje determinar o que o texto diz, como o diz e para que o

faz. Em outras palavras, analisa os textos da história, da literatura, os discursos

políticos e religiosos, os filmes e as operetas, os quadrinhos e as conversas de todos

os dias, para construir-lhe os sentidos pelo exame acurado de seus procedimentos e

recuperar, no jogo da intertextualidade, a trama ou o enredo da sociedade e da

história”.

Sublinhe-se também que, como já explanado no capítulo anterior, as

realidades sempre devem acompanhar as transformações do mundo físico e, se a

realidade social reflete tais mudanças, o direito enquanto texto que é, deve estar em

constante dialogismo (que é característica da linguagem) com a realidade social; o

que significa dizer que o direito não é somente texto; o direito é uma metalinguagem

que dialoga com sua linguagem objeto: a realidade social. Assim, deverá estar

constantemente digitalizando os novos elementos da realidade social.

Nesse raciocínio, REINALDO PIZOLIO53 aduz que o direito positivo “deve

acompanhar a sociedade e a evolução de seus interesses; deve acompanhar as

transformações e a elevação crescente da complexidade das relações sociais, o que

implica visualizar e compreender o ordenamento jurídico de uma perspectiva

dinâmica, superando o apelo excessivamente normativista, ou, ainda melhor,

levando a regra jurídica ao grau máximo de sua potencialidade normativa”.

51 Op. cit. 183. 52 Teoria semiótica do texto. p. 83. 53 Competência tributária e conceitos constitucionais. p. 47.

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37

É nessa esteira que se afirma que o direito é dialógico, posto que é formado

por um tecido lingüístico que deve estar sempre dialogando com outros tecidos

lingüísticos.

O sistema jurídico é um sistema social parcial formado por uma rede de

comunicações; ou seja, por enunciados lingüísticos adequados com a sua

programação interna (Constituição Federal, leis ordinárias, leis complementares,

decretos, medidas provisórias, portarias, circulares, instruções normativas, decisões

judiciais, contratos, testamentos, entre outros – direito positivo – manuais e cursos

doutrinários, artigos, consultas e pareceres jurídicos – ciência jurídica). A unidade

dessa programação interna é a norma jurídica cuja estrutura transita desde o plano

de expressão (sintática) até a pragmática de seu discurso para adquirir um dado

sentido e, assim, ser aplicada aos fatos social-jurídicos.

Esclarece a professora CLARICE VON OERTZEN DE ARAÚJO54 que: “A

linguagem inclui-se entre as instituições humanas resultantes da vida em sociedade.

O direito é apenas uma das formas sociais institucionais que se manifesta através da

linguagem, a qual possibilita e proporciona a sua existência. A linguagem é o veículo

do qual se utiliza o homem para comunicar-se. O Direito, sendo a disciplina dos

comportamentos sociais intersubjetivos, é suscetível de mudanças sob a pressão

das diferentes necessidades, com vistas a adaptar-se ao modo mais econômico e

racional de satisfazer o bem-estar social. Ou seja, os sistemas jurídicos utilizam a

linguagem natural (língua, vernáculo) como verdadeira substancia de sua

constituição. Para qualquer fenômeno ingressar dentro do sistema normativo ele

deve estar expresso em algum tipo de linguagem.”.

GREGORIO ROBLES MORCHON55 também ressalta que: “sin normas, no

hay Derecho; pero sin acción, no hay normas”.

Numa outra oportunidade, esse mesmo estudioso ensina que56: “A prova

palpável de que o direito é texto está em que todo ordenamento jurídico é suscetível

de ser escrito, isto é, de ser convertido em palavras. (...). O direito é linguagem no

sentido de que sua forma de expressão consubstancial é a linguagem verbalizada

suscetível de ser escrita. Isto aparece no direito moderno, que já nasce escrito. Esta

54 Semiótica do direito. p. 19. 55 Teoria del derecho (fundamentos de teoria comunicacional del derecho). p. 226. 56 O direito como texto. p. 02-03.

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38

afirmação não implica uma tese ontológica forte, mas se limita a apontar o modo

universal de apresentação do direito na comunicação humana, que como tal pode

servir de ponto de partida para um enfoque teórico. Não é incompatível com teses

ontológicas fortes, como aquela que afirma que o direito é o justo, ou a que sustenta

que é fato social. Em qualquer dos casos, o certo é que o direito sempre se

manifesta em linguagem. A linguisticidade é sua forma natural de ser. Como texto, o

direito é suscetível das análises típicas de qualquer outro texto. Por essa razão, a

teoria do direito pode ser caracterizada como uma teoria hermenêutico-analítica, ou,

para empregar uma palavra mais simples, comunicacional. Pragmática, semântica e

sintática são as três operações possíveis do texto jurídico.”.

O discurso jurídico, portanto, seja ele do direito positivo, seja da ciência do

direito, é um discurso composto por signos, mais especificamente de símbolos, os

quais são denominados de enunciados, posto que decorrem de um processo de

enunciação e, assim, está sujeito à análise gramatical baseada nos três níveis dos

signos: sintática, semântica e pragmática.

E, como já explicado no capítulo anterior, a sintática refere-se à forma do

signo (relação do signo com o próprio signo), a semântica, ao significado desse

signo (relação do signo com outros signos) e a pragmática, à relação dos signos

com os seus usuários.

A sintática, sob o ponto de vista jurídico, é explicada pelo professor LUIS

ALBERTO WARAT57 da seguinte forma: “Uma linguagem é formada sintaticamente

a partir de um alfabeto finito, um conjunto de instruções para a construção do léxico

da linguagem; para a construção de linguagens especializadas (sintaxe pura) deve-

se acrescentar um conjunto inicial de palavras chamadas axiomas. Do ponto de vista

jurídico, podemos afirmar que uma expressão está sintaticamente bem formada

quando o enunciado acerca de uma ação encontra-se deonticamente modalizado.”.

Já a semântica está relacionada com os significados das normas jurídicas, os

quais serão apreendidos pelo jurista. Assim, partindo-se da estrutura lógica

(sintática), que é texto, o cientista do Direito iniciará a construção semântica de cada

um dos enunciados normativos.

57 O direito e sua linguagem. p. 40.

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39

Nessa esteira, ALF ROSS58 afirma que: “Toda interpretação do direito

legislado principia com um texto, isto é, uma fórmula lingüística escrita. Se as linhas

e pontos pretos que constituem o aspecto físico do texto da lei são capazes de

influenciar o juiz, assim é porque possuem um significado que nada tem a ver com a

substância física real. Esse significado é conferido ao impresso pela pessoa que por

meio da faculdade da visão experimenta esses caracteres.”.

A pragmática, por sua vez, consiste nos modos de significar em decorrência

dos usos e funções da linguagem pelos indivíduos. Portanto, ela está

intrinsecamente relacionada com a temática da ideologia. Explica o estudioso LUIS

ALBERTO WARAT59 que:

“Quando se utiliza uma expressão em um contexto comunicacional, esse emprego

provoca uma alteração na estrutura conceitual. A teoria dos modos de significar levanta a

questão de um deslocamento significativo em razão do uso concreto de um conceito ou

expressão. (...) existiria uma significação independente dos contextos de uso

(significação de base) que, quando empregada, tem sua significação alterada. Quando

uma palavra é utilizada na comunicação, os destinatários captam um núcleo de

significação no qual o contexto de uso não gravita; no entanto, o contexto provoca

forçosamente um deslocamento significativo dessa compreensão para-contextual. (...) A

pragmática, projetada ao direito, permite compreender que a ideologia é um fator

indissociável da estrutura conceitual explicitada nas normas gerais. A partir da análise

pragmática pode ser levantada a tese no sentido de que um discurso normativo, para que

exista o efeito de uma univocidade”. Significativa, deve haver uma prévia coincidência

ideológica. Por esta razão, a análise pragmática é um bom instrumento para a formação

de juristas críticos, que não realizem leituras ingênuas e epidérmicas das normas, mas

que tentem descobrir as conexões entre as palavras da lei e os fatores políticos e

ideológicos que produzem e determinam suas funções na sociedade. Desta forma,

realizar estudos jurídicos à margem da análise da pragmática constitui uma atitude

‘cientificista’.”.

Somente com a análise dessas três instâncias é que se poderá aferir um

sentido completo para o discurso jurídico.

58 Op. cit. p. 139. 59 O direito e sua linguagem. p. 46-47.

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40

Analisar a semiótica do direito positivo é percorrer em busca do sentido da

norma jurídica (proposição prescritiva de condutas), isto é, encontrar o que ela

potencialmente significa para ter aplicabilidade aos casos concretos. E, analisar a

semiótica da ciência do direito consiste em buscar o sentido da doutrina (proposição

descritiva de condutas) construída pelos juristas.

Como bem pontua ULRICH SCHROTH60, “o texto normativo não é

compreensível se considerado em si mesmo. Assim, os elementos de interpretação

podem contribuir para tornar transparente a necessidade de interpretar um texto”. O

que significa que o Direito enquanto texto, deve ser, indubitavelmente, analisado

segundo regras gramaticais de interpretação para que ele seja, acima de qualquer

coisa, um texto inteligível.

2. Análise semiótica do direito positivo

2.1. Sintática

O sistema do direito positivo é constituído por normas jurídicas (estruturas

lingüísticas). E é através dessas normas que o Direito busca realizar sua função de

promover o equilíbrio e a harmonia na sociedade (já que está inserido dentro dela).

Os seres humanos possuem permanente contato uns com os outros e na

tentativa de estabelecer o equilíbrio entre essas relações inter-humanas é que

surgem as normas jurídicas como comandos.

Assim, a sintática jurídica do direito positivo refere-se à estrutura lógica das

unidades normativas que compõem o ordenamento e que prescrevem condutas

(enunciados prescritivos), ou seja, à Lógica Jurídica.

NORBERTO BOBBIO61 explica que as normas jurídicas são proposições

prescritivas. Entende esse jurista que proposições são: “um conjunto de palavras

que possuem um significado em sua unidade”. E, são prescritivas porque cumprem a

função prescritiva da linguagem, a qual “consiste em dar comandos, conselhos,

recomendações, advertências, influenciar o comportamento alheio e modificá-lo, em

suma no fazer fazer.” 62.

60 “Hermenêutica filosófica e jurídica” in Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. p. 398. 61 Teoria da norma jurídica. p. 72-73. 62 Ibid. p. 78.

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41

O professor PAULO DE BARROS CARVALHO63 as define como “mínimo

irredutível do deôntico” e, ainda acrescenta: “Em simbolismo lógico, teríamos: D [f→

(S´R S´´)], que se interpreta assim: deve-ser que, dado o fato F, então se instale a

relação jurídica R, entre os sujeitos S´e S´´. Seja qual for a ordem advinda dos

enunciados prescritivos, sem esse esquema formal inexistirá possibilidade de

sentido deôntico completo.”.

O professor LOURIVAL VILANOVA64 explica que “A forma lógica obtém-se

desprezando as constantes significativas referentes a fatos ou condutas,

substituindo-as por variáveis lógicas. Como cada inciso é uma proposição, teríamos:

se p, ou q, ou r, então dever-ser s. A estrutura reduzida é uma proposição

condicional: vários antecedentes ou hipóteses para uma só conseqüência ou tese.

Cada uma das proposições antecedentes é condição suficiente para determinar a

proposição conseqüente. Partículas que funcionam como constantes lógicas (com

função fixa de interligar) são: ‘se...então’, ‘ou’ e o functor ‘dever ser’. Se em lugar de

tomarmos as proposições exteriormente, em blocos indivisos, realçando as relações

interproposicionais, exibirmos sua estrutura, desarticulando os elementos de sua

composição interna e as relações no interior de cada proposição, teremos: ‘Se A é B,

ou se C é D, ou se F é G, então S dever-ser P’. As letras, nesse contexto, são

variáveis-de-sujeito e variáveis-de-predicado (variáveis cujos substituintes são

sujeitos-de-direito, condutas e fatos naturais). Antes, p, q, r e s eram letras como

símbolos de variáveis proposicionais (substituíveis por proposições quaisquer, como

seus valores)”.

Assim, a sintática jurídica do direito positivo está baseada na estrutura lógica

dos enunciados prescritivos: no seu sentido deôntico. Estrutura essa também

estudada pelo professor PAULO DE BARROS CARVALHO65: “Em simbolismo

lógico, teríamos: D [f →(S´R S´´)], que se interpreta assim: deve-ser que, dado o fato

F, então se instale a relação jurídica R, entre os sujeitos S´ e S´´. Seja qual for a

ordem advinda dos enunciados prescritivos, sem esse esquema formal inexistirá

possibilidade de sentido deôntico completo.”.

63 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 17-18. 64 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. p. 66-67. 65 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 18.

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42

O professor EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI66, na mesma esteira,

apresenta a norma jurídica completa reduzida à linguagem formal da seguinte forma:

D [ h→R(Sa,Sp)]. “Destacamos no interior desta fórmula a hipótese e a tese. A

hipótese implica a tese. Descritor de possível situação fáctica do mundo natural ou

social, o primeiro; prescritor da relação em que um sujeito As fica em face a outro

sujeito Sp, o segundo. Retomando a fórmula D [h →R (Sa , Sp)] temos: “D” functor-

de-functor indicador da operação deôntica incidente sobre a relação de implicação

interproposicional, é o functor “D” (deve ser o vinculo implicacional) que constitui o

nexo jurídico das proposições jurídicas intranormativas (hipótese e tese); “h”,

hipótese; “→”, conectivo implicacional; e “R (Sa , Sp)”, tese. Nesta “R” é variável

relacional que no universo deôntico triparte-se nos modais obrigatório (O), permitido

(P) e proibido (V); “Sa” e “Sp” são os termos, relato e referente, desta relação.”.

As formas lógicas do direito positivo, portanto, possuem uma estrutural dual:

um antecedente (hipótese ou suposto) e, um conseqüente, ambos compostos por

variáveis e constantes. As constantes são os chamados sincategoremas (variantes

operacionais que articulam internamente a fórmula proposicional ou functores de

inter-relacionamento proposicional). Já as variáveis são os chamados categoremas

(variáveis-de-objetos, de-significados ou de-sujeitos).

Vale ainda lembrar outros ensinamentos do professor LOURIVAL

VILANOVA67 acerca da sintática jurídica: “A sintaxe gramatical lógico-pura, como

temos visto, não envolve em suas operações a validez das expressões. É certo que

a correção sintática da gramática pura é condição sem a qual o segundo estrato da

lógica não alcança o valor-de-verdade. O que não se dá com a sintaxe gramatical

empírica. Um erro em sintaxe de concordância, de regência, de colocação dos

termos, em nada afeta a verdade ou a falsidade lógica e empírica de um enunciado.

Mas um enunciado não pode ser verdadeiro empiricamente sem antes verificar as

condições de verdade lógica, e a verdade lógica não é possível sem antes verificar

as condições sintáticas que estatuem o vitando sem-sentido.”.

Em razão do caráter coativo do sistema jurídico, há que se falar em sanções

pelo descumprimento de uma determinada conduta imposta. Assim, toda conduta

positivada pelo ordenamento vem acompanhada de sua respectiva sanção. Dessa

66 Lançamento Tributário. p. 38-39. 67 “Teoria das formas Sintáticas” in Escritos Jurídicos e Filosóficos. p. 123-124.

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43

forma, embora a estrutura lógica completa de uma norma jurídica seja composta

pela conduta positivada e pela sanção pelo seu descumprimento, a doutrina as

reparte em “normas jurídicas primárias” e “normas jurídicas secundárias”.

Nesse sentido, esclarece HANS KELSEN68 que: “uma ordem social pode – e

é este o caso da ordem jurídica – prescrever uma determinada conduta

precisamente pelo fato de ligar à conduta oposta uma desvantagem, (...), ou seja,

uma pena no sentido mais amplo da palavra. Desta forma, uma determinada

conduta apenas pode ser considerada, no sentido dessa ordem social, como

prescrita – ou seja, na hipótese de uma ordem jurídica, como juridicamente prescrita

-, na medida em que a conduta oposta é pressuposto de uma sanção (no sentido

estrito). Quando uma ordem social, tal como a ordem jurídica, prescreve uma

conduta pelo fato de estatuir como devida (devendo ser) uma sanção para a

hipótese da conduta oposta, podemos descrever esta situação dizendo que, no caso

de se verificar uma determinada conduta, se deve seguir determinada sanção. Com

isto já se afirma que a conduta condicionante da sanção é proibida e a conduta

oposta é prescrita.”.

As normas primárias são denominadas por COSSIO de “endonorma” e, as

secundárias de “perinorma”. O professor PAULO DE BARROS CARVALHO69

também, nesse sentido, esclarece que: “Inexistem regras jurídicas sem as

correspondentes sanções, isto é, normas sancionatórias. A organização interna de

cada qual, porém, será sempre a mesma, o que permite produzir-se um único estudo

lógico para a análise de ambas. Tanto na primária como na secundária a estrutura

formal é uma só [D (p→q)]. Varia tão-somente o lado semântico, porque na norma

secundária o antecedente aponta, necessariamente, para um comportamento

violador de dever previsto na tese de norma primária, ao passo que o conseqüente

prescreve relação jurídica em que o sujeito ativo é o mesmo, mas agora o Estado,

exercitando sua função jurisdicional, passa a ocupar a posição de sujeito passivo.

Por isso o que existe entre ambas é uma relação-de-ordem não simétrica, como

agudamente pondera LOURIVAL VILANOVA. Apresentada em notação simbólica, a

norma secundária apareceria da seguinte forma: D [(p.-q)→S].”.

68 Teoria Pura do Direito. p. 26-27. 69 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 32.

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44

Portanto, a norma jurídica completa possui a seguinte estrutura lógica:

D[(p→q) v (-q→s)].

De posse desses dados, é possível apresentar a estrutura sintática da norma

jurídica da seguinte forma:

ANTECEDENTE = Critério Material (verbo + complemento). Critério Espacial.

Critério Temporal.

NJ - ↓ Dever Ser neutro Dever Ser modalizado (obrigatório, permitido,

proibido)

CONSEQUENTE = Critério Pessoal (Sujeito Ativo + Sujeito Passivo). Critério

Quantitativo.

Observe-se que o caráter deôntico da norma jurídica está relacionado com o

dever-ser que aparece na estrutura normativa de duas maneiras distintas: o

interproposicional que é neutro; ou seja, não está modalizado, ele somente une a

proposição hipótese com a proposição conseqüente e o intraproposicional que por

relacionar dois sujeitos aparece modalizado num dos operadores deônticos –

obrigado, permitido e proibido.

Ressalte-se bem que esse trabalho não defende a teoria imperativista do

direito, apenas analisa as três dimensões do direito e, em termos sintáticos, o direito

positivo está estruturado de forma imperativa. Quer-se dizer: embora em termos

sintáticos o direito positivo pretenda impingir sanção a um comportamento negativo

e, assim, regular condutas, como veremos no item da pragmática esse regramento

não ocorre devido ao livre arbítrio dos destinatários das normas jurídicas.

O modelo da estrutura lógica da norma jurídica apresentado é pertinente para

quaisquer sub-áreas do sistema jurídico, todavia, em cada uma delas receberá um

tratamento distinto. Exemplos: em Direito Penal haverá a norma que estabelece o

fato típico e, em Direito Tributário, as normas se dividirão em: normas de

competência (para instituir um tributo), normas que veiculam a obrigação principal

(regra-matriz de incidência) e normas que veiculam os deveres instrumentais.

Concluindo: a estrutura sintática da norma jurídica está relacionada com a

própria relação de pertinência dela com o ordenamento do direito positivo. Se a

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norma sequer estiver revestida sintaticamente de forma adequada com o direito

positivo, não poderá ser considerada válida no ordenamento, sob pena de se

quebrar toda a coesão interna da estrutura das formas lógicas do direito positivo. A

validade, portanto, está relacionada com a sintática das normas.

Confirmando esse raciocínio, o professor LUIS ALBERTO WARAT70 afirma

que: “A validez é a condição de sentido para as normas que vão ou não constituir o

direito positivo. A validez é, portanto, a condição significativa para a definição do

direito positivo”.

2.2. Semântica

A norma jurídica, enquanto unidade do direito positivo, consubstancia-se

numa proposição prescritiva de comportamentos; isto é, tem por conteúdo a

prescrição de condutas intersubjetivas de caráter obrigatório, permissivo ou proibitivo

dentro de uma atual realidade social. Reitera-se aqui que a semântica do direito

positivo deverá conter os elementos atuais da realidade social; ou seja, o significado

do comando normativo deverá ser construído a partir dos elementos recém-captados

da realidade social.

Consoante a professora FABIANA DEL PADRE TOMÉ71 “a linguagem

prescritiva presta-se à expedição de ordens, comandos dirigidos ao comportamento

humano, intersubjetivo ou intra-subjetivo”.

Para GREGORIO ROBLES72 “O direito é um conjunto de mensagens

prescritivas, e não descritivas, narrativas ou informativas. O direito não trata de

informar, mas de ordenar. No entanto, sempre que ordena informa sobre aquilo que

ordena. A informação, por conseguinte, se encontra no íntimo do direito como

verbalização das instituições ou como sistemas de mensagens; mas tal informação

não constituí a própria essência do fenômeno comunicacional que é o direito, mas

sim parte envolvida em sua função principal, que obviamente é a de organização

prescritiva da sociedade.”.

Esses comandos jurídicos baseiam-se na proteção dos variados interesses do

ser humano na medida em que todos se relacionam entre si de forma complexa e

70 O direito e sua linguagem. p. 51. 71 op. cit. p. 27. 72 O direito como texto. p. 79.

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46

contingente. E dessas intensas relações intersubjetivas tanto poderá haver

convergência como poderá haver colisão de interesses.

Nesse sentido, confira-se o seguinte trecho de KARL ENGISCH73: “a ordem

jurídica é constituída por comandos (imperativos). Estes comandos devem afeiçoar a

vida, ‘a vida agitada cheia de pressões e exigências’. As exigências da vida

chamamos ‘interesses’. Destarte, são ‘interesses’ não só os interesses materiais,

econômicos e sociais, mas também os interesses ideais: há ‘interesses’ culturais,

morais e religiosos. O Direito tem por função apreender os interesses materiais e

ideais dos homens e tutelá-los, na medida em que eles se apresentem como dignos

de proteção ou tutela. O Direito tutela, por exemplo, os interesses no rendimento e

na propriedade, na vida, na saúde, na liberdade e na honra, na valorização e

divulgação dos produtos do espírito, na conservação dos sentimentos morais e

religiosos. Mas a verdade é que os interesses dos homens não se situam

isoladamente uns ao lado dos outros, antes se encontram uns com os outros,

podendo conduzir na mesma direção, mas podendo também colidir entre si. Importa

sobretudo ao Direito a colisão de interesses, o ‘conflito de interesses’. Muito

freqüentemente, talvez sempre, a protecção de um interesse pelo Direito significa a

postergação doutro interesse.”.

Todavia, há que se levar em conta que a norma jurídica até incidir sobre um

caso concreto apresenta um caráter dual; ou seja, sua linguagem abrange duas

dimensões: (i) denotativa e (ii) conotativa.

A norma jurídica denota quando consiste num juízo hipotético-condicional

neutro (sem modalização em obrigatório, permitido e proibido); ou seja, quando

prescreve abstratamente uma conduta de possível ocorrência (um fato jurídico de

possível ocorrência no mundo social). São as chamadas normas jurídicas gerais e

abstratas.

Nos dizeres do professor PAULO DE BARROS CARVALHO74: “A hipótese

guarda com a realidade uma relação semântica de cunho descritivo, mas não

cognoscente, e esta é sua dimensão denotativa ou referencial.”.

73 Introdução ao pensamento jurídico. p. 369. 74 Direito tributário: fundamentos jurídicos da Incidência. p. 27.

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47

A norma jurídica conota quando dispõe da efetiva ocorrência do fato jurídico,

o qual faz nascer o vínculo relacional entre dois ou mais sujeitos de direito em torno

de um comportamento modalizado em proibido, permitido ou obrigatório. São as

chamadas normas jurídicas individuais e concretas.

Um fato jurídico efetivamente ocorre quando no mundo social por meio da

linguagem competente ocorre um fato com as mesmas características do fato

prescrito no juízo hipotético-condicional da norma geral e abstrata; isto é, quando se

dá a chamada subsunção do fato à norma. Portanto, ocorre a subsunção que faz

irromper uma relação jurídica entre dois ou mais sujeitos de direito em torno de um

objeto. Nesse momento, então, é construída a norma individual e concreta

conotando todo esse processo, a qual deverá ser observada pelos sujeitos para que

ocorra a incidência jurídica; ou melhor, para que referida norma realmente surta

efeitos no mundo social.

A todo esse processo que se inicia na norma geral e abstrata para buscar

atingir a conduta intersubjetiva dá-se o nome de “processo de positivação das

normas”.

A semântica do direito positivo, em suma, está relacionada com o fenômeno

da subsunção e com o processo de positivação das normas ao caso concreto; isto é,

com a linguagem prescritiva dos enunciados do direito positivo que ora denotam, ora

conotam uma conduta prescrita como fato jurídico com o intuito de realizar a

incidência jurídica ao caso concreto. Nesse sentido, a norma jurídica

semanticamente estruturada é uma norma vigente; ou seja, uma norma capaz de

propagar efeitos na medida em que prescreve condutas que possivelmente

ocorrerão no mundo social.

Nessa esteira, o professor PAULO DE BARROS CARVALHO75 é bastante

claro: “a norma jurídica se diz vigente quando está apta para qualificar fatos e

determinar o surgimento de efeitos de direito, dentro dos limites que a ordem positiva

estabelece, no que concerne ao espaço e no que consulta ao tempo.”.

2.3. Pragmática

A pragmática é tão importante quanto a sintática e a semântica, embora os

positivistas-lógicos não concordem. Sendo o direito um tecido de linguagem, ou seja,

75 Curso de direito tributário. p. 85.

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composto por signos, deverá ser analisado sob as três instâncias dos signos.

Corroborando com essa assertiva, o professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ

JÚNIOR76 tece as seguintes considerações: “encaramos a norma como fato

lingüístico, incorporando a dimensão lúdica. Ademais, significa também que

acreditamos serem as características pragmáticas da norma fundamentais para o

seu entendimento, no sentido de que uma análise semântica e sintática dificilmente

conseguem descrevê-la a contento, sem tais características.”.

A riqueza do plano pragmático da linguagem jurídica não poderá ser ignorada

pelo intérprete do direito. Trata-se da interação que o discurso possui com o

ambiente (realidade social) em que ele é produzido, afinal, o produtor do texto é

sempre o ser humano e esse poderá visar efeitos diversos com a sua mensagem

textual.

A linguagem, em termos de função, poderá ter roupagens diversas: (i)

descrição de fatos (função descritiva); (ii) prescrição de comportamentos (função

prescritiva); (iii) expressão de situações subjetivas (função expressiva ou poética);

(iv) formulação de perguntas e pedidos (função interrogativa); (v) persuasão de

argumentos (função persuasiva ou conativa); (vi) elocuções que concretizam ações

(função operativa ou performativa); (vii) técnicas para manter ou interromper o canal

de comunicação (função factica); (viii) afasia – técnica utilizada para perturbar a

mensagem emanada de outrem (função afásica); (ix) ficções e hipóteses (função

fabuladora) e, (x) metalingüística – dois níveis de linguagem numa mesma

seqüência textual (função metalingüística).

A metalinguagem do ordenamento jurídico poderá aparecer com quaisquer

dessas funções dependendo do contexto em que ela for proferida.

A pragmática jurídica, embora pouco explorada, é imprescindível para que o

signo jurídico atinja sentido completo. As normas jurídicas devem ser analisadas

conforme o contexto histórico e ideológico em que foi editada e, mais ainda,

consoante as convicções e valores particulares de quem a editou.

O saudoso jurista MIGUEL REALE77 afirmava que: “Estamos, aos poucos,

abrindo as portas a uma nova compreensão humanística do Direito. Que é

76 Teoria da norma jurídica. p. 11-12. 77 Estudos de filosofia e ciência do direito. p. 65.

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compreensão? Eis outro valor fundamental. Viver é compreender; viver é valorar;

viver é por as coisas e os fatos em função de fins ou de valores, de maneira que

compreender uma norma jurídica não é analisar as suas expressões lógico-sintáticas

ou gramaticais, mas é penetrar nos valores que estão no âmago de seu enunciado.

É preciso, pois, ir da sintaxe da regra jurídica para a sua semântica e a sua

pragmática, a fim de que possa haver algo de significativo para a conduta do

homem, o qual não pode ser visto como ente abstrato, mas, antes como ser situado

no mundo, na sua efetiva condição humana, social e histórica.”.

Esses dados pragmáticos parecem estranhos ao sistema jurídico, todavia,

não se pode esquecer que a linguagem é uma aptidão do ser humano e que o direito

manifesta-se através de linguagem. Logo, para se atribuir um sentido ao enunciado

lingüístico é necessário não somente a análise de suas formas sintáticas e, do

significado de suas expressões, mas também a análise do contexto em que o

emissor se encontrava para construir o enunciado, posto que esse dado influi

sensivelmente na interpretação do enunciado lingüístico-jurídico.

Ensina a professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS78 que: “O exame

interno do texto não é suficiente, no entanto, para determinar os valores que o

discurso veicula. Para tanto, é preciso inserir o texto no contexto de uma ou mais

formações ideológicas que lhes atribuem, no fim das contas, o sentido.”.

Portanto, em sendo o sistema do direito um fenômeno lingüístico formado por

normas jurídicas produzidas pelo legislador, deve-se identificar o processo legislativo

como o processo de enunciação, as normas jurídicas são os enunciados emitidos

pelo legislador-enunciador-manipulador (de valores sob as formas de intimidação,

provocação, sedução e tentação), as quais contêm marcas da enunciação referente

à pessoa, espaço e tempo e que, também, estão estruturadas de forma dialógica.

Logo, o jurista deve conhecer do processo gerativo de sentido das regras gerais

semióticas e somente assim conseguirá atingir o verdadeiro sentido da norma

jurídica emitida pelo legislador.

A pragmática das normas jurídicas está relacionada com a carga axiológica e

ideológica que elas representam dentro da sociedade. Como juízos de valor e de

ideologia são inerentes ao ser humano, as normas jurídicas, na verdade, refletem as

78 Teoria semiótica do texto. p. 83.

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50

preferências valorativas e ideológicas de quem as elaborou. Ademais, como valor e

ideologia são atributos personalíssimos, relativos à índole de cada pessoa, cada

destinatário observará a norma jurídica conforme suas convicções valorativas e

ideológicas.

O legislador ao produzir a hipótese normativa (juízo condicional ou

antecedente) escolhe uma determinada conduta intersubjetiva de possível

ocorrência no mundo social; isto é, ele seleciona algumas propriedades do mundo

social para inserir numa proposição jurídica. Esse recorte que o legislador faz tem

caráter puramente axiológico e ideológico: ele seleciona de acordo com suas

convicções os valores que considera importante para uma convivência harmônica e

equilibrada entre os membros da coletividade.

Nessa esteira, explica o professor PAULO DE BARROS CARVALHO79 que:

“Ao escolher, na multiplicidade intensiva e extensiva do real-social, quais os

acontecimentos que serão postos na condição de antecedente de normas tributárias,

o legislador exerce uma preferência: recolhe um, deixando todos os demais. Nesse

instante, sem dúvida, emite um juízo de valor, de tal sorte que a mera presença de

um enunciado sobre condutas humanas em interferência subjetiva, figurando na

hipótese da regra jurídica, já significa o exercício da função axiológica de quem a

legisla.”.

Já os destinatários dessas normas com dúplice aspecto as interpreta também

em consonância com a sua carga valorativa e ideológica; ou seja, recebem a norma

jurídica de acordo com suas convicções pessoais e, assim, determinam o seu “agir”;

isto é, o seu “ser”. Quer se dizer que, em contato com as normas jurídicas, os

destinatários, conforme seus valores e ideologia pessoais, irão cumpri-las ou não.

Um valor é uma qualidade positiva ou negativa (bipolaridade e implicação

recíproca) que uma pessoa atribui a um dado objeto (atributividade e objetividade)

em decorrência do momento histórico e cultural (historicidade) e de suas

preferências sobre ele (preferibilidade e referibilidade), que não se pode medir

(incomensurabilidade), mas que poderá ser colocado de forma escalonada em

relação a um outro valor (tendência à graduação hierárquica) e ainda que poderá

servir para predicar outros objetos (inexauribilidade).

79 Direito tributário, linguagem e método. p. 174.

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51

Para o professor MIGUEL REALE80 um valor é “como um aliquid dotado de

objetividade, mas de objetividade histórica, tal como essa se desenvolve no mundo

da cultura, a qual é entendida como o ‘sistema de bens e valores que o homem

realiza graças à atividade espiritual criadoramente exercida em sintonia com as leis

da natureza.’”.

Já a ideologia, conforme define NICOLA ABBAGNANO81, é “toda crença

usada para o controle dos comportamentos coletivos, entendendo-se o termo crença

em seu significado mais amplo, como noção de compromisso da conduta, que pode

ter ou não validade objetiva”. Para o professor LUIZ ALBERTO WARAT82, “é uma

mensagem de dominação”; ou seja, é um discurso dotado de articulações para

manipular o destinatário a ponto de determinar comportamentos e opiniões.

Portanto, o legislador ao elaborar as normas jurídicas, principalmente os

juízos hipotéticos condicionais (normas gerais e abstratas), escolhe os valores que

considera importantes para se efetivar na coletividade, tais como os previstos no

Preâmbulo do Texto Constitucional (liberdade, segurança, bem-estar,

desenvolvimento, igualdade e justiça), para tanto, utiliza-se de sua ideologia para

manipular o comportamento dos destinatários das normas jurídicas. Isso tudo para

que a função do direito em promover harmonia e equilíbrio entre as relações sociais

seja cumprida.

Paralelamente, os destinatários das normas jurídicas deverão observá-las

segundo sua ideologia e, assim, impingem determinados valores a elas. E a partir

desse juízo que realiza decorre um comportamento do destinatário, o qual poderá

ser positivo ou negativo diante do comando normativo.

Segundo a professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS83, “a manipulação

só será bem-sucedida quando o sistema de valores em que ela está assentada for

compartilhado pelo manipulador e pelo manipulado, quando houver uma certa

cumplicidade entre eles.”.

É em decorrência dessa riqueza pragmática, imanente à mente humana, que

não se pode garantir que uma determinada norma jurídica terá o condão de

80 Teoria tridimensional do direito. p. 153-154. 81 Dicionário de filosofia. p. 533. 82 O direito e sua linguagem. p. 72. 83 Teoria semiótica do texto. p. 33.

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proporcionar o valor que o legislador quis e, por conseqüência, não se pode garantir

que o direito efetivamente irá regular condutas.

MAX WEBER84 já afirmava que: “O agente não orienta sua ação pelo

comportamento de outros, mas, a observação desse comportamento permitiu-lhe

conhecer determinadas probabilidades objetivas, e é por estas que orienta sua

ação”.

Portanto, afirma-se que a pragmática de uma norma é que irá determinar sua

eficácia, seja ela técnica, jurídica ou social. Sem a observância da norma jurídica,

isto é, se o comportamento dos destinatários das normas jurídicas forem

incompatíveis com ela (ineficácia social), não é possível que ela possa dar

juridicidade ao fato (ineficácia jurídica) e, também, poderá haver obstáculos

materiais que impeçam essa juridicidade (ineficácia técnica).

A eficácia de uma norma jurídica é definida por CARLOS PELÁ85 da seguinte

forma: “é a qualidade de produzir efeitos mediatos e imediatos advindos da

incidência.”.

3. Análise semiótica da ciência do direito

3.1. Sintática

A sintática da ciência do direito refere-se aos enunciados estruturados em

proposições descritivas; ou seja, frases que descrevem atributos (adjetivos) sobre o

seu objeto, no caso, sobre a linguagem do direito positivo.

É oportuno, desde já, ressaltar que a ciência do direito também funciona

como uma autêntica metalinguagem. Esse fenômeno lingüístico é bem explicado por

SAMIRA CHALHUB86 da seguinte forma:

A = B

Linguagem a = linguagem b

84 Economia e sociedade, v. 1, p. 14. 85 A validade e a eficácia das normas jurídicas. p. 100. 86 A Metalinguagem. p. 07.

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“O sinal de equação, sublinhe-se bem, significa uma relação de pertinência: quer

dizer que a linguagem b refere-se, em sua própria linguagem, à linguagem a. Ou, por

outra, a linguagem-objeto (linguagem a) é falada pela linguagem b, cujos signos são

constituídos da linguagem a. Em termos gerais, a isso denominamos metalinguagem.”.

A ciência do direito é uma metalinguagem porque se utiliza de uma outra

camada de linguagem para ser objeto da descrição: a linguagem do direito positivo

(que é uma linguagem-objeto em relação à ciência do direito). Ela, portanto, é uma

camada de linguagem de hierarquia superior a sua respectiva linguagem-objeto.

Linguagem do Direito Positivo = Linguagem da Ciência do Direito

Como discurso descritivo, a Ciência do Direito é formada por frases

informativas, declarativas e denotativas acerca das normas do direito positivo.

Frases essas compostas por uma infinidade de adjetivos87, os quais compõem o

vasto vocabulário de nossa Gramática, que irão definir o sistema do direito positivo

como tal; ou seja, o jurista ao realizar seu texto descritivo atribui características

negativas e positivas relevantes ao sistema do direito positivo, de maneira que o

resultado será um discurso construtor do sentido das normas jurídicas.

3.2. Semântica

Para LUIS ALBERTO WARAT88, “o problema central da semântica é, assim, o

da verdade. Uma expressão lingüística, bem formulada sintaticamente, é

semanticamente verdadeira se pode ser empregada para subministrar uma

informação verificável sobre o mundo, ou seja, se tem correspondência com os

fatos, se sua situação significada é aceita como existente”.

KARL OTTO APEL89 explica que: “tudo que se fixa a priori em um sistema

semântico, quanto as regras de significação ou de verdade, depende mais da

metalinguagem em que as próprias regras são introduzidas, do que um sistema

87 “Adjetivo é toda e qualquer palavra que, junto de um substantivo, indica qualidade, defeito, estado ou condição. Ex: homem bom , moço perverso , casa suja , moça feliz , velho amigo, nova remarcação”. in Nossa Gramática, Luiz Antonio Sacconi, p. 155. 88 O direito e sua linguagem. p.40. 89 Transformação da filosofia I. p. 172-173.

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puramente sintático dependeria. Contudo, a metalinguagem última em toda

hierarquia lingüística lógico-matemática, como se disse, é linguagem corrente. É

dela que o pensador dedicado à semântica lógica vai depreender o ponto de vista

especulativo (o “significado”!) de sua construção reguladora, o qual se garante pelo

fato de que as regras de significação permitem uma determinada interpretação

objetiva do sistema, ou seja, uma determinada tradução por meio de conceitos da

linguagem corrente.”.

Como já esclarecido no item anterior, o cientista do direito constrói um

discurso metalingüístico, na medida em que se utiliza da linguagem das normas do

direito posto para elaborar seu texto descritivo. Dessa forma, é o jurista quem

confere sentido às normas jurídicas, na medida em que predica todos os seus

aspectos, seja de forma positiva ou negativa.

Assim, é o cientista do direito quem ficará com o encargo da interpretação das

normas jurídicas positivas e lhes conferirá o respectivo alcance; ou seja, seu sentido.

É ele quem deverá ater-se às técnicas de interpretação de discurso jurídico,

oferecidas pela semiótica, na medida em que observa as diferenças entre denotação

e conotação, relações de sinonímia e antonímia90 entre as palavras, uso de palavras

homônimas e parônimas91, figuras de linguagem (figuras de palavras e figuras de

pensamento)92, intratextualidade, intradiscursividade, intertextualidade e

interdiscursividade (polifonia e dialogismo), dessa forma, estará apto a abolir

quaisquer vícios de linguagem, tais como contradição, ambigüidade e obscuridade.

A ambigüidade está relacionada com o caráter polissêmico das palavras; isto

é, elas podem assumir uma série de significados. A contradição refere-se a

paradoxos que podem ocorrer num dado enunciado, fato esse que poderá

comprometer o significado de todo o discurso textual. Já a obscuridade refere-se à

90 Relação de Sinonímia: relativo aos sinônimos das palavras; ou seja, de outras palavras com sentido semelhante que tem por condão descrever as mesmas coisas e as mesmas situações, tal como nas palavras ‘obrigado’ e ‘compelido’. Relação de Antonímia: relativo ao antônimo das palavras; ou seja, palavras com sentidos opostos, tal como ‘bem’ e ‘mal’. 91 Palavras homônimas são aquelas que possuem grafia ou pronúncia igual, tal como cassar (anular) e caçar (apanhar animais). Palavras parônimas são aquelas que possuem grafia ou pronúncia parecidas, tal como eminente (notável, célebre) e iminente (próximo, prestes a acontecer). 92 Figuras de linguagem são utilizações da linguagem fora das normas gerais; ou seja, é a utilização de uma linguagem figurada. Compreendem as figuras de palavras (tais como metáfora, metonímia, pleonasmo, elipse e hipérbato ou inversão) e as figuras de pensamento (tais como hipérbole, eufemismo e ironia).

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vagueza do significado; ou seja, construções textuais que não atingem um

significado, dada a vagueza das palavras usadas.

É contra esses vícios na linguagem jurídica (e outros mais como barbarismo e

cacofonia93) que o jurista deve atuar para que a semântica jurídica não seja

comprometida.

As proposições prescritivas da ciência do direito, portanto, deverão vir

despidas de quaisquer vícios de linguagem e sem (=ou praticamente sem) a

utilização de figuras de linguagem, de maneira que o discurso fique perfeito, coeso;

ou seja, sem margem para duplas ou triplas interpretações.

O objetivo do jurista é transmitir o conhecimento das normas do direito

positivo para todos os outros estudiosos da área na medida em que informa, declara

ou denota todos os aspectos objetivos e subjetivos dessas normas que poderão

incidir sobre as relações do mundo social.

Dessa forma, a semântica da ciência do direito está baseada na informação

científica que o jurista deve descrever para seus respectivos receptores acerca do

significado das normas jurídicas; isto é, declarar se elas são válidas, inválidas,

constitucionais, inconstitucionais, vigentes ou não vigentes, eficientes ou

ineficientes; sobre suas características e natureza, bem como sobre os regimes de

aplicação aos casos concretos; sobre a ideologia de que a norma esteja investida,

bem como os princípios e valores que a circunda.

3.3. Pragmática

Os enunciados descritivos da ciência do direito fundam-se nos sistemas

ideológicos e valorativos do jurista; ou seja, o jurista, ao resolver elaborar um

discurso descritivo, parte de crenças e idéias próprias, as quais refletem em todo seu

trabalho e que devem influenciar os respectivos destinatários em sua compreensão;

ou seja, os receptores do discurso científico do jurista somente se convencerão de

sua veracidade se aceitarem o ponto de vista do jurista.

Como bem explica a professora DIANA LUZ PESSOA DE BARROS94,

93 Barbarismo: é qualquer tipo de desvio relativo à palavra, tais como compania, juniores, seniores, os cidadões, bem como o uso desnecessário de palavras estrangeiras, tais como show (ao invés de espetéculo) e menu (ao invés de cardápio). Cacofonia é uma seqüência de silabas que provoca um som desagradável, tais como ‘nosso hino’ e ‘por cada uma das pessoas’. 94 Teoria do discurso. p. 94.

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“o enunciador propõe um contrato, que estipula como o enunciatário deve

interpretar a verdade do discurso; em segundo lugar, que o reconhecimento do dizer-

verdadeiro liga-se a uma série de contratos de veridicção anteriores, próprios de uma

cultura, de uma formação ideológica e da concepção, por exemplo, dentro de um sistema

de valores, de discurso e de seus tipos. O contrato de veridicção determina as condições

para o discurso ser considerado verdadeiro, falso, mentiroso ou secreto, ou seja,

estabelece os parâmetros, a partir dos quais o enunciatário pode reconhecer as marcas

da veridicção que, como um dispositivo veridictório, permeiam o discurso. A interpretação

depende, assim, da aceitação do contrato fiduciário e, sem dúvida, da persuasão do

enunciador, para que o enunciatário encontre as marcas de veridicção do discurso e as

compare com seus conhecimentos e convicções, decorrentes de outros contratos de

veridicção, e creia, isto é, assuma as posições cognitivas formuladas pelo enunciador.”.

Essas convicções pessoais do jurista se materializam na escolha de seu

paradigma (um pressuposto filosófico, uma teoria baseada em métodos e valores),

de seu sistema de referência e de suas premissas, os quais são imprescindíveis

para a elaboração de um discurso científico.

THOMAS S. KUHN95 ensina que: “as regras derivam de paradigmas” e,

também que “a aquisição de um paradigma e do tipo de pesquisa mais esotérico que

ele permite é um sinal de maturidade no desenvolvimento de qualquer campo

científico que se queira considerar.”.

O professor PAULO DE BARROS CARVALHO96 sobre esse assunto afirma

que “Quando se afirma algo como verdadeiro, portanto, faz-se mister que

indiquemos o modelo dentro do qual a proposição se aloja, visto que será diferente a

resposta dada, em função das premissas que desencadeiam o raciocínio”.

Portanto, a pragmática dos discursos descritivos elaborados pelos cientistas

do Direito é importantíssima para definir não somente a veracidade ou falsidade do

discurso, mas, também, para definir a linha de raciocínio científico que o jurista

pretende adotar.

95 A estrutura das revoluções científicas. p. 31 e 66. 96 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 03.

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Nesse sentido, afirma KARL ENGISCH97 que: “A lógica do jurista é uma lógica

material que, com fundamento na lógica formal e dentro dos quadros desta, por um

lado, e em combinação com a metodologia jurídica especial, por outro lado, deve

mostrar como é que nos assuntos jurídicos se alcançam juízos ‘verdadeiros’, ou

‘justos’ (correctos), ou pelo menos ‘defensáveis’”.

De qualquer maneira, vale lembrar que para se detectar o valor de veracidade

ou falsidade do discurso científico, deverá haver uma outra linguagem ou afirmando

que os fatos descritos pelo jurista ocorreram ou negando a ocorrência dos fatos

descritos; ou seja, serão verificados através de uma nova metalinguagem (e assim

sucessivamente, posto que na teoria a metalinguagem é infinita)98.

4. Recapitulando

Portanto, o direito positivo é uma metalinguagem em relação à linguagem que

constitui a realidade social, que é sua linguagem-objeto, afinal deverá estar sempre

dialogando com as vicissitudes da sociedade moderna para que suas normas

possam incidir de forma adequada aos casos concretos.

A ciência do direito também é uma metalinguagem em relação ao direito

positivo, que funciona como sua linguagem-objeto.

Dessa concatenação de linguagens (que normalmente é infinita), depreende-

se três tipos de realidade: realidade social > realidade jurídica > realidade cientifica.

Nesse sentido, ENRIQUE R. AFTALIÓN, JOSÉ VILANOVA e JULIO

RAFFO99:

“Normalmente hablamos del mundo y los entes que lo pueblan (incluyendo

sentimientos y actos de consciencia) aunque éstos no se encuentren en el mundo como

las cosas y los acontecimientos. Pero no hablamos de palabras ni de enunciados. De

éstos hablan los lingüistas y – en una medida que requerirá aclaración – los lógicos. Para

dar cuenta de estas dos formas muy distintas de emplear los enunciados y las palabras,

se habla de un lenguaje objeto (de primer nível) y de un metalenguaje (lenguaje de

segundo nível). Esta distinción es, no obstante, relativa. Si hablamos de la lingüística ya

estamos empleando un lenguaje de tercer nível. También puede haber lenguajes de

cuarto nível (cuando hablamos acerca del lenguaje que habla de la lingüística), de quinto

97 Introdução ao pensamento jurídico. p. 08. 98 Cf. Ricardo A. Guibourg; Alejandro M. Ghigliani; Ricardo V. Guarinoni in Introducción al conocimiento cientifico. p. 27. 99 Introducción al derecho. p. 98.

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nível, etcétera. Esto constituye una verdadera ‘escalera hacia el vacío’ que nos aleja de

nuestro interés primário que es el conocimiento del mundo.”.

5. Importância lingüística do Texto Constitucional de 1988: seu caráter dialógico e

polifônico

A partir de agora, passa-se a analisar o Texto Constitucional sob a Teoria

Lingüística da Norma proposta por esse trabalho para, assim, se alcançar uma

conclusão a respeito do sistema constitucional de tributação e, mais

especificamente, da tributação por meio das contribuições previdenciárias.

Ao empreender uma análise da Carta Constitucional de 1988 sob a Teoria

Lingüística da Norma, deve-se tomar como ponto de partida sua estrutura sintática.

A Constituição Federal de 1988 possui um Preâmbulo e 250 (duzentos e

cinqüenta) artigos, sistematizados em 09 (nove) títulos: A) Título I - Dos Princípios

Fundamentais (art. 1º ao 4º); B) Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais

(arts. 5º a 17º); C) Título III – Da Organização do Estado (arts. 18 a 43); D) Título IV

– Da organização dos Poderes (arts. 44 a 135); E) Título V – Da Defesa do Estado e

das Instituições Democráticas (arts. 136 a 144); F) Título VI – Da Tributação e do

Orçamento (arts. 145 a 169); G) Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira

(arts. 170 a 192); H) Título VIII – Da Ordem Social (arts. 193 a 232); I) Título IX –

Das Disposições Constitucionais Gerais (art. 233 a 250).

Há ainda que se considerar o Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias (ADCT) com 95 (noventa e cinco) artigos e as Emendas Constitucionais

somadas em 62, sendo que 56 (cinqüenta e seis) são as Emendas Constitucionais e

06 (seis) são Emendas Constitucionais de Revisão.

No Preâmbulo, há o seguinte texto:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para

instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a

liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores

supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e

comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,

promulgamos sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.

Afora as discussões acerca desse Preâmbulo fazer parte ou não do

ordenamento das normas constitucionais, em termos sintáticos, ele faz parte do

texto positivado em 05 de Outubro de 1988, afinal, precede os artigos e, ainda,

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menciona a promulgação da “seguinte Constituição da República Federativa do

Brasil”.

O professor PAULO DE BARROS CARVALHO100 aponta também para a

importância do Preâmbulo ao dizer que: “o preâmbulo da Constituição faz parte da

Lei Fundamental? A resposta é: faz, enquanto plexo de enunciados cujas

significações revelam valores, tendências e objetivos devidamente aprovados no

mesmo documento de teor prescritivo da Lei Constitucional. Nele, preâmbulo,

poderemos recolher importantes enunciados de fundo axiológico, que haverão de

penetrar as regras do sistema, no trabalho de construção do sentido das normas do

direito posto”.

É oportuno também destacar que, entre o texto do Preâmbulo e todos os

artigos do Texto Constitucional, incluindo o ADCT e as Emendas Constitucionais,

existe um verdadeiro dialogismo; ou seja, há uma intratextualidade e

intradiscursividade entre todos os dispositivos constitucionais, o que significa dizer

que estão todos entrelaçados, subordinados e coordenados uns aos outros,

formando um único tecido normativo constitucional, de forma que nenhum dos

dispositivos poderá ser interpretado isoladamente sob pena de afrontar a coesão do

Texto Constitucional: todos os princípios fundamentais, direitos e garantias

individuais explícitos e implícitos devem estar em perfeita consonância com a

organização dos poderes, do Estado, defesa do Estado e Instituições Democráticas,

tributação e orçamento, ordem econômica e financeira e ordem social e vice-versa.

E todos devem também estar em plena consonância com o Preâmbulo, o qual

dialoga com todos os dispositivos da Constituição Federal.

É nesse sentido de uniformidade do Texto Constitucional no qual todas as

normas estão subordinadas e coordenadas é que se fala em intratextualidade e

intradiscursividade101.

100 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. p. 23. 101 Cf. o professor PAULO DE BARROS CARVALHO em sua obra Direito tributário, linguagem e método: “dois pontos que suportam o trabalho interpretativo, como axiomas da interpretação: intertextualidade e inesgotabilidade. Como disse, a intertextualidade é formada pelo intenso diálogo que os textos mantém entre si, sejam eles passados, presentes ou futuros, pouco importando as relações de dependência estabelecidas entre eles. Assim que inseridos no sistema, iniciam a conversação com outros conteúdos, intra-sistêmicos e extra-sistêmicos, num denso intercâmbio de informações”.

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Seguindo para o aspecto semântico do Texto Constitucional, tem-se que o

seu significado global está relacionado com o Estado Democrático de Direito Social,

o qual está muito bem definido no texto preambular (daí a importância da

intratextualidade e interdiscursividade já mencionada).

O preâmbulo descreve um Estado Democrático de Direito Social, o qual deve

ser perseguido na aplicação dos comandos constitucionais, sejam eles concernentes

ao sistema tributário, à ordem econômica e social ou sejam eles concernentes aos

princípios fundamentais e direitos e garantias fundamentais. Quer-se dizer que, não

importa a norma constitucional a ser aplicada, a idéia do Estado Democrático

descrito no Preâmbulo deverá se interpenetrar em todas elas. Essa foi a intenção

dos constituintes ao elaborar a Carta Magna de 1988 (“nós, representantes do povo

brasileiro”).

Corroborando, ORLANDO LEITE JÚNIOR e MARLI QUADROS LEITE102

explicam que: “No Preâmbulo, o discurso não é prescritivo, mas persuasivo, tanto é

que há, logo no início, uma debreagem, que é a projeção da enunciação no

enunciado, o que cria o efeito de sentido de subjetividade, ficando marcada a

presença do povo que participou do processo constituinte, ao apresentar sugestões

à nova Carta. Além disso, se o povo se sente mais próximo do texto promulgado, há

outro efeito de sentido instalado, a aproximação.”.

A maior contribuição desse Texto Constitucional de 1988 reside em seu

caráter pragmático; ou seja, ao analisar em que contexto histórico e social esse

Texto fora elaborado, é possível alcançar uma série de conclusões.

Como bem explica KONRAD HESSE103: “A Constituição jurídica está

condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade

concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser

realizada se se levar em conta essa realidade. A Constituição jurídica não configura

apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela

ordena e conforma a realidade política e social”.

Em toda História do Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi a única que

possuiu uma vasta participação popular. Em resposta a um período de ditadura e

102 “Uma aplicação da análise do discurso ao texto legal” in Linguagem e sua aplicações no Direito. p. 13. 103 A força normativa da Constituição. p. 24.

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autoritarismo, os brasileiros foram às ruas pedindo “Diretas Já” e pleiteando uma

série de valores que até então tinham sido esmagados pelos governos militares.

Ademais, uma série de sugestões foi enviada ao Congresso Nacional para ser

submetida à análise pela Comissão de Sistematização (comissão formada pelo

presidente José Sarney para elaborar o Texto Constitucional de 1988).

Nesse sentido, portanto, podemos dizer que há a presença de muitas vozes

no Texto Constitucional (a voz do povo brasileiro, a voz dos legisladores

constitucionais, a voz do Presidente da República), o que o torna polifônico. É essa

polifonia que demonstra claramente o caráter social da Constituição Federal de

1988, caráter esse bem definido no Preâmbulo: “instituir um Estado Democrático,

destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a

segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores

supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na

harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução

pacífica das controvérsias...”.

Portanto, é esse fenômeno discursivo da polifonia que consagra o “Estado de

Bem Estar Social” – Welfare State: um Estado em que todas as pessoas estão

comprometidas na persecução de valores como igualdade, justiça, liberdade e

segurança; ou seja, toda a sociedade é solidária - “solidariedade social”.

Há que se memorar, nessa esteira, um trecho de um discurso proferido pelo

senhor Deputado ULISSES GUIMARÃES sobre essa Constituição Federal em 27 de

Julho de 1987:

“Senhores constituintes,

A Constituição, com as correções que faremos, será a guardiã da governabilidade.

A governabilidade está no social. A fome, a miséria, a ignorância, a doença

inassistida são ingovernáveis.

A injustiça social é a negação do governo e a condenação do governo.

A boca do constituinte de 1987-1988 soprou o hálito oxigenado da governabilidade

pela transferência e distribuição de recursos viáveis para os municípios, os securitários, o

ensino, os aposentados.

Repito: esta será a Constituição cidadã. Porque recuperará como cidadãos milhões

de brasileiros... Esta Constituição, o povo brasileiro me autoriza a proclamá-la, não ficará

como bela estátua inacabada, mutilada ou profanada.

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O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo.

Viva a Constituição de 1988.

Viva a vida que ela vai defender e semear.”.

O discurso do Texto Constitucional de 1988 dialoga também com o discurso

transcrito acima do Deputado ULISSES GUIMARÃES e com ele mantém uma

interdiscursividade, a qual também redunda no caráter social e solidário da referida

Carta Magna.

Interdiscursividade essa que deve ocorrer sempre com os demais atos

normativos infraconstitucionais, afinal, eles derivam da Carta Maior; o que significa

dizer que o ordenamento infraconstitucional (leis complementares e ordinárias,

decretos, medidas provisórias, regulamentos, circulares, portarias, instruções

normativas) deve ser elaborado em consonância com o discurso do Texto

Constitucional, buscando também perseguir os valores nele consagrados para o

Estado Democrático de Direito Social.

Esse raciocínio serve também para os Tratados Internacionais que o Brasil

ratifica; ou seja, quando o Brasil adere ao Tratado, ele também dialoga com o Texto

Constitucional e ambos devem ser aplicados de forma uniforme.

É oportuno ressaltar também que, já que o Texto Constitucional de 1988

consagra valores sociais, não é demasiado afirmar que também dialoga com a

Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de

1789 (França), a qual serve de modelo para todos os países do mundo no que tange

aos direitos do Homem (os chamados direitos naturais).

Ademais, a Carta Magna de 1988 consagra os valores sociais conjugados

com os direitos civis, políticos, econômicos e culturais e dessa forma consagra a

correspondência entre a conjugação desses direitos com a dignidade e a integridade

da pessoa humana.

O professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR104, nessa linha, explica

que: “A lei constitucional chama-se lei apenas por metáfora, ela não é igual às outras

leis. A Constituição tem que ser entendida como a instauração do Estado e da

comunidade. Então ela não deve se submeter àquele puro formalismo sob a pena de

104 “Notas sobre contribuições sociais e solidariedade no contexto do estado democrático de direito” in Solidariedade social e tributação. p. 215.

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63

fazermos o inverso, isto é, tiranizarmos um grupo contra outro e impedirmos a

realização do Estado Social”.

A jurista CAROLINA ZANCANER ZOCKUN105 também defende o Estado

Social e afirma, corroborando com a idéia do trabalho, que: “Desde o Preâmbulo até

o último artigo da Constituição Federal verifica-se, ao longo de todo o texto

constitucional, a preocupação em se construir um Estado Social, garantidor dos

direitos sociais e prestador de atividades positivas que visam a reduzir as

desigualdades sociais e regionais existentes”. Ela também sublinha que tal fato é tão

importante que o art. 85, III, da CF prevê como crime de responsabilidade os atos do

Presidente da República que atentem contra o exercício de direitos sociais.

Se todo o discurso do Texto Constitucional de 1988 persegue os valores

atinentes ao Estado de Direito Social apontados no Preâmbulo, o sistema tributário

também deve operar dessa forma. Aliás, cabe aqui dizer que a tributação não possui

um fim em si mesma, ela, na verdade, é uma forma de angariar recursos para a

promoção de tais valores.

Aliás, o professor MIGUEL REALE106 afirma que o sentido ideológico do Texto

Constitucional de 1988 baseia-se na díade: livre iniciativa e interesses coletivos.

Não se pode esquecer que o Texto Constitucional é uma metalinguagem que

utiliza a realidade social como linguagem objeto, logo, não se pode esquecer do

dialogismo necessário que deverá haver constantemente entre todos esses valores

e princípios presentes no Diploma Constitucional e a linguagem da realidade social,

adequando todos esses conceitos constitucionais às necessidades da sociedade

moderna.

O sistema constitucional tributário, que será abordado no próximo capítulo, é

apenas parte do discurso constitucional; o que significa dizer que deve manter a

intradiscursividade com todos os outros dispositivos do Texto Constitucional e a

interdiscursividade com outros textos relacionados com a aplicação de suas normas

(tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os Tratados

Internacionais) observando os princípios fundamentais, direitos e garantias

105 Da intervenção do estado no domínio social. p. 42. 106 O estado democrático de direito e o conflito das ideologias. p. 45.

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64

fundamentais individuais e sociais, organização do Estado e dos Poderes, Ordem

Econômica e Financeira e Ordem Social, dentre outros princípios.

O professor italiano CLAUDIO SACCHETTO107, ao falar sobre a constituição

republicana italiana e imposição tributária, explica que: “A soberania pertence ao

povo, o que acentua ainda mais a idéia de ‘Estado-Coletividade’ e não de ‘Estado-

soberano’. A imposição torna-se, então, um dever solidário, no sentido de contribuir

para objetivos comuns.”.

Acredita-se que é bem essa a idéia da Constituição Federal Brasileira de

1988. Ela foi elaborada pelo povo e para o povo (como bem analisado se analisou

através dos três níveis de linguagem do Texto Constitucional).

A jurista BERENICE ROJAS COUTO108, nesse sentido, lembra que: “Pela

primeira vez um texto constitucional é afirmativo no sentido de apontar a

responsabilidade do Estado na cobertura de necessidades sociais da população e,

na sua enunciação, reafirma que essa população tem acesso a esses direitos na

condição de cidadão.”.

O professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR109 ensina que: “deve fazer

da Constituição uma prática e não somente um texto ao cuidado dos juristas; a

participação, não apenas do Legislativo, do Executivo, do Judiciário, mas também do

cidadão em geral, na concretização e na efetivação dos direitos, uma peça

primordial do seu contexto democrático-social legítimo”.

Há um clima de “solidariedade” nessa Carta Magna que não pode ser

ignorado, nem mesmo para os fins de tributação. Aliás, ousa-se afirmar que a mola

propulsora desse Estado Solidário é a tributação: pagar tributos é um dever

constitucional que deve ser respeitado em nome do dever de “solidariedade fiscal”.

Cada tributo terá uma forma diferente de manifestação de solidariedade. Por

exemplo, na forma de imposto, é o instrumento que efetiva a redistribuição dos

rendimentos, posto que cada um pagará, segundo sua capacidade contributiva,

pelas despesas públicas. Já nas contribuições previdenciárias essa solidariedade se

107 “O dever de solidariedade no direito tributário: O ordenamento Italiano” in Solidariedade social e tributação. p. 15. 108 O direito social e a assistência social na sociedade brasileira: uma equação possível? p. 161. 109 “Notas sobre contribuições sociais e solidariedade no contexto do estado democrático de direito” in Solidariedade social e tributação. p. 221.

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65

manifestará de maneira diversa, nesse caso, como se verá mais adiante, a

solidariedade é voltada para um grupo específico, mesmo que o contribuinte seja

alguém de fora desse grupo.

JOSÉ CASALTA NABAIS110 ensina que: “cada contribuinte tem

simultaneamente um dever, o dever de contribuir para a comunidade que integra, e

um direito, o direito de exigir que todos os outros membros da comunidade também

contribuam para a mesma comunidade.”.

É nesse sentido, portanto, que se diz que os tributos não são neutros, pois

devem financiar todas as despesas da coletividade. JOSÉ MARQUES DOMINGUES

DE OLIVEIRA111, ao tocar nesse assunto, diz que a destinação pública caracteriza o

tributo como gênero e explica que: “parece-nos que o princípio jurídico da

proporcionalidade condiciona, sim, o momento jus-político de elaboração da lei

tributária e é ele que permite verificar a sua adequação aos interesses e fins

constitucionalmente legítimos e suscetíveis de serem considerados no momento da

criação do tributo, meio que é financiamento da despesa pública.”.

Reforçando essa idéia o jurista RICARDO LOBO TORRES112 afirma que: “o

tributo é um dever fundamental. Sim, o tributo se define como o dever fundamental

estabelecido pela Constituição no espaço aberto pela reserva da liberdade e pela

declaração dos direitos fundamentais. Transcende o conceito de mera obrigação

prevista em lei, posto que assume dimensão constitucional.”. E MARCO AURÉLIO

GRECO113 acrescenta que “cabe falar em resgate da capacidade contributiva pelo

constituinte de 1988 que reintroduziu no sistema constitucional brasileiro esse

princípio, hoje retratado no § 1º do artigo 145. Isto significa – a partir de uma

perspectiva do Estado Social – que não podemos ver a tributação apenas como

técnica arrecadatória ou de proteção ao patrimônio; devemos vê-la também da

perspectiva da viabilização social do ser humano.”.

110 “Solidariedade social, cidadania e direito fiscal” in Solidariedade social e tributação. p. 135. 111 Contribuições Sociais, Desvio de Finalidade e a Dita Reforma da Previdência Social Brasileira. p. 128 in Revista Dialética de Direito Tributário nº 108. Nesse artigo, o professor José Marcos Domingues de Oliveira cita o jurista A.D.GIANINNI que afirmava a atividade financeira do Estado como um instrumento e não um fim em si mesma. E que: “os tributos têm três características: devidos a um ente público; fundamentados no poder de império do Estado; têm a finalidade de prestar os meios para facilitar as necessidades financeiras do mesmo” – essa última refere-se ao princípio da destinação pública do tributo. 112 “Solidariedade e justiça fiscal” in Estudos de direito tributário em homenagem à memória de Gilberto Ulhoa Canto. p. 301. 113 “Solidariedade social e tributação” in Solidariedade social e tributação. p. 179.

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J. M. OTHON SIDOU114, defendendo a tese de que “o tributo é um

sustentáculo do Estado” alega que “É o tributo, assim, um adiantamento na

transação que a sociedade faz com o Estado para garantia da paz coletiva, mercê

da paz e do bem estar dos indivíduos.”.

Portanto, deve-se perseguir ao longo desse trabalho análises que se

coadunem com os princípios e valores consagrados no Preâmbulo acerca do Estado

Social de Direito.

Assim, será sob o caráter dialógico e polifônico do Texto Constitucional que

se iniciará o estudo da Previdência Social e especificamente de suas respectivas

contribuições dentro do sistema tributário nacional. As relações de coordenação e

subordinação entre os comandos constitucionais (intratextualidade e

intradiscursividade), bem como a relação de tais comandos com os textos e

discursos externos (intertextualidade e interdiscursividade) serão tomados como

ponto de partida na análise semiótica do regime geral de previdência social, o qual

inicia-se com a análise da Seguridade Social.

114 A natureza social do tributo. p. 02-12.

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CAPÍTULO III

PLURIVOCIDADE DOS TERMOS “PREVIDÊNCIA SOCIAL”, “CON TRIBUIÇÕES

PREVIDENCIÁRIAS” E “SOLIDARIEDADE SOCIAL”

1. Da plurivocidade

Antes de adentrarmos especificamente na análise semiótica dos signos

“previdência” social”, “contribuição previdenciária” e “solidariedade social” é preciso

destacar a polissemia que ronda essas expressões.

Tais expressões são os vocábulos principais no estudo da tributação (ou não)

dentro do sistema previdenciário. Logo, seus respectivos significados deverão estar

bem delimitados para se poderem formular conclusões.

O enfoque lingüístico dentro desse tema é oportuno, posto que a “chave” de

tantas divergências no sistema previdenciário consiste na vaguidade e ambigüidade

desses termos. Ousa-se dizer que a falta de consenso na doutrina quanto a

natureza jurídica e o regime jurídico das contribuições previdenciárias tem origem

nesses vícios da linguagem (vaguidade e ambigüidade).

DANIEL PULINO115, citando CARRIÓ, lembra que certas palavras possuem

uma enorme carga emotiva para grande parte das pessoas, o que acaba

comprometendo sua significação e esse é bem o caso desses três vocábulos.

O ilustre professor e ministro EROS ROBERTO GRAU116, também, ao

apontar a linguagem como um “conjunto de vocábulos convencionais” afirma que a

linguagem jurídica vive em zona de penumbra e tem por característica a

ambigüidade e a imprecisão.

Cada um desses três termos carrega uma carga subjetiva muito grande e,

para um estudo científico, é necessário o estudo semiótico para delimitar cada um

desses termos. Como bem destaca a professora e jurista CRISTIANE

115 Op. cit. p. 43. 116 Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. p. 216-217.

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68

MENDONÇA117, essa plurivocidade é inaceitável no patamar de uma linguagem

científica.

Porém, segundo ensinamento de REINALDO PIZOLIO118, “por mais vaga ou

ambígua que possa ser a palavra, por mais que dependa do contexto em que é

utilizada para se apurar o seu significado, nem por isso ela deixa de possuir um

significado intrínseco, uma carga mínima de significação que não lhe pode ser

separada.”.

2. Da previdência social

2.1. Na ciência do direito

A evolução da proteção social no ordenamento constitucional, do seguro

social ao Estado assistencialista de segurança social, provocou e ainda provoca uma

série de divergências nos conceitos de previdência social e seguridade social.

Alguns tributaristas ao dissertar sobre “contribuições sociais” não se

pronunciam acerca dessa diferença, é o caso dos autores JOSÉ EDUARDO

SOARES DE MELO119, FABIANA DEL PADRE TOME120, SACHA CALMON

NAVARRO COELHO121, PAULO AYRES BARRETO122 e JUNIA ROBERTA

GOUVEIA SAMPAIO123.

Já o jurista MARCOS OSAKI124 trata o termo Previdência Social como

sinônimo de Seguridade Social.

Por outro lado, o jurista NICOLAU KONKEL JUNIOR125 afirma que:

“Previdência social é um modelo de ‘seguro social’ e indica ‘... o conjunto de

medidas destinadas a proteger os indivíduos contra os riscos dos infortúnios, tendo

como objetivo final a proteção social ou seguridade social’. Portanto, previdência

social e seguridade social não se confundem.”.

117 Competência tributária. p. 38. 118 Op. cit. p. 196. 119 Contribuições sociais no sistema tributário. passim 120 Contribuições para a seguridade social à luz da Constituição Federal. passim 121 Contribuições: seus problemas e soluções. passim 122 Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. passim. 123 O financiamento da seguridade social.passim. 124 Substituição tributária na seguridade social.pasim. 125 Contribuições sociais: Doutrina e jurisprudência. p. 27.

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E acrescenta o jurista JEDIAEL GALVÃO MIRANDA126 que o termo

previdência social é um “sistema de proteção social, de caráter contributivo e em

regra de filiação obrigatória, constituído por um conjunto de normas principiológicas,

regras, instituições e medidas destinadas à cobertura de contingências ou riscos

sociais previstos em lei, proporcionando ao segurado e aos seus dependentes

benefícios e serviços que lhes garantam subsistência e bem-estar.”.

Já MARLY CARDONE127 a define como “um meio de cobertura das

conseqüências oriundas da realização dos riscos normais da existência ou de

eventos que acarretem um aumento de despesas.”.

Há variações nas definições propostas por cada um dos doutrinadores,

todavia, há um denominador comum em cada uma delas (ser um seguro social), o

qual deverá auxiliar na análise que será realizada neste trabalho.

2.2. No direito positivo

Falar sobre Previdência Social no direito positivo é remeter-se ao art. 201 do

Texto Constitucional que se refere a um “regime geral de caráter contributivo e de

filiação obrigatória” e que atenderá eventos de doença, invalidez, morte, idade

avançada, maternidade, desemprego involuntário, dependentes de segurado de

baixa renda e dependentes de segurado preso.

Há que se sublinhar, dada a inovação na redação do Texto Constitucional de

1988 do termo Seguridade Social, o termo Previdência Social adquiriu uma nova

significação dentro da Ordem Social, figurando como um dos elementos de um

Estado assistencialista, juntamente com a saúde e a assistência social.

O regime previdenciário, portanto, funciona segundo a Lei nº 8.212/91, que

trata do custeio da Previdência Social, e a Lei nº 8.213/91, que trata dos benefícios

previdenciários.

Portanto, resta claro, pela redação do Texto Constitucional/1988, que se trata

de um seguro social, no qual deve-se inscrever (filiação) para se tornar seu

segurado e ser coberto nos casos previstos no mesmo Diploma. Conseqüentemente,

não se confunde com o termo seguridade social, que é um atributo da ordem social

126 Direito da seguridade social. p. 137. 127 Dicionário de direito previdencial. p. 141.

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70

no que tange a saúde, assistência social e previdência social, conforme apregoa o

art. 194, também do Texto Constitucional.

Assim, pela redação do Texto Constitucional, verifica-se que o termo

“previdência social” é abrangido pelo termo “seguridade social”, estando, portanto,

sua acepção relacionada com a “seguridade social”. Tal fato significa que para se

atingir a significação do termo “previdência social” é imprescindível analisar a

“seguridade social”.

3. Contribuições previdenciárias

3.1. Na ciência do direito

O termo “contribuição previdenciária” sempre provocou muitas discussões

doutrinárias, principalmente em decorrência de sua evolução legislativa. Para

alguns doutrinadores trata-se de tributo e, os que afirmam não ser tributo, a

denominam de “prêmio de seguro”, de “salário”, contribuição parafiscal, de “salário

diferido” e exação sui generis (MARCO AURÉLIO GRECO). WAGNER BALERA,

LEANDRO PAULSEN, SÉRGIO PINTO MARTINS e ARTHUR BRAGANÇA

VASCONCELOS WEINTRAUB, por exemplo, defendem a natureza tributária de tais

contribuições, enquanto que WLADIMIR NOVAES MARTINEZ, MARCUS ORIONE

GONÇALVES CORREIA e ÉRICA PAULA BARCHA CORREIA defendem

veementemente que as contribuições previdenciárias não podem possuir natureza

tributária e que são apenas “salário diferido”.

Mesmo dentre os juristas que defendem a natureza tributária das

contribuições previdenciárias, há a discussão acerca delas serem espécie tributária

autônoma ou se elas podem assumir a feição ora de impostos, ora de taxas.

PAULO DE BARROS CARVALHO, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, HERON

ARZUA, REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, RUY BARBOSA NOGUEIRA,

ESTEVÃO HORVATH e AMÉRICO MASSET LACOMBE afirmam que as

contribuições são tributos que podem se apresentar ora como impostos, ora como

taxas. Já MÁRCIO SEVERO MARQUES, TÁCIO LACERDA GAMA, FABIANA DEL

PADRE TOMÉ, PAULO AYRES BARRETO, ZELIA LUIZA PIERDONÁ128 e IONAS

DEDA GONÇALVES acreditam que se tratam de espécies tributárias autônomas.

128 “a destinação da receita é preceito que torna as contribuições sociais espécie tributária autônoma. Enfim, como é norma que atribui a competência tributária, não há como argumentar que está fora do campo do Direito Tributário” in Contribuições para a seguridade social. p. 36.

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Afora essas duas discussões doutrinárias, há ainda que se destacar o

problema da delimitação do termo “contribuição previdenciária”. MARCOS OSAKI,

ARTHUR MARIA FERREIRA NETO, OMAR CHAMON e AUGUSTO MASSAYUKI

TSUTIYA, por exemplo, englobam tais contribuições junto com as outras previstas

no art. 195 da CF/88 e as denomina contribuições sociais destinadas ao

financiamento da seguridade social ou contribuições securitárias.

Já FABIO FANUCCHI129 diferencia as contribuições previdenciárias das de

intervenção no domínio econômico e das de interesse de classes profissionais ou

econômicas, e as justifica pela “manutenção do serviço estatal de assistência,

seguro e participação sociais dos trabalhadores” , isto é, ele utiliza o vocábulo como

sinônimo de contribuições sociais, assim como LEANDRO PAULSEN130.

O jurista IONAS DEDA GONÇALVES131 explica que “dentre as contribuições

de Seguridade Social, há aquelas que se diferenciam pela destinação específica ao

custeio da Previdência Social. São as contribuições previdenciárias, cuja matriz

constitucional é obtida a partir da combinação dos arts. 167, XI e 195, I, a e II.”.

Tantas variações doutrinárias demonstra claramente tamanha subjetividade

que ronda o termo “contribuições previdenciárias” e é exatamente esse vício de

linguagem que esse trabalho pretende sanar a partir dos próximos capítulos.

3.2. No direito positivo

Falar sobre o significado das contribuições previdenciárias no direito positivo

implica fazer uma incursão por sua evolução legislativa, posto que, se existe

confusões acerca do significado delas, isso se deve aos inúmeros atos normativos

expedidos e, principalmente, à mudança brusca que ocorreu no panorama

constitucional da Constituição Federal de 1967 (Com a Emenda Constitucional n.°

01 de 1969) para a Constituição Federal de 1988.

Com a edição do Decreto-Lei nº 27/1966, as contribuições previdenciárias

foram acrescentadas no Código Tributário Nacional (art. 217), logo era indubitável

sua natureza tributária e a Emenda Constitucional nº 01 de 1969 consagrou essa

129 Curso de direito tributário brasileiro. p. 271. 130 “Só se terá uma contribuição social de seguridade social – art. 149 c/c o art. 195 da Constituição – quando voltada ao custeio de ações na área da saúde, da previdência social ou da assistência social...” in Contribuições: Custeio da seguridade social. p. 35. 131 Direito previdenciário. p. 76.

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72

natureza quando conferiu à União competência tributária para instituí-las (art. 21, §

2º).

Contudo, com o advento da Emenda Constitucional nº 08 de 1977, essa

natureza tributária passou a ser questionada, posto que referidas contribuições

ficaram fora do sistema tributário (que só previa como tributos impostos, taxas e

contribuições de melhoria) e passaram a ser de incumbência do Congresso

Nacional, com sanção do Presidente da República (art. 43, X). Tanto que o próprio

Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de excluir as contribuições

previdenciárias do sistema tributário; ou seja, afirmando que durante o período de

1966 a 1977, elas possuíam caráter tributário e, a partir da EC nº 08/77, elas

deixaram de possuir tal natureza.

Porém, o Texto Constitucional de 1988 introduziu as contribuições

previdenciárias no sistema tributário – art. 149 – e nesse dispositivo faz remissão à

observância de princípios tributários. Com esse tipo de previsão, é difícil não afirmar

que as contribuições previdenciárias possuem natureza tributária. Tanto é que o

próprio Supremo Tribunal Federal mudou seu posicionamento no julgamento do RE

146.733 e ainda sumulou esse entendimento ao elaborar a Súmula Vinculante n.º 08

que estabelece 5 anos de prazo prescricional e decadencial para as contribuições

previdenciárias (prazo previsto para os tributos no Código Tributário Nacional).

É bastante oportuno sublinhar, também, que as contribuições previdenciárias

estão embutidas na expressão “contribuições sociais” prevista no art. 149 da CF e

somente nos arts. 167, XI e 195, I “a” e II é que elas são especificamente tratadas,

respectivamente, acerca de sua destinação e materialidades.

O inciso XI do art. 167 aduz que elas são destinadas ao pagamento de

benefícios do regime geral de previdência social do art. 201. Já os incisos I “a” e II

descrevem suas materialidades: (i) folha de salário e demais rendimentos da pessoa

física pelo empregador; e, (ii) remuneração de trabalhadores e demais segurados.

Portanto, embora esse trabalho pretenda se aprofundar melhor nessa

problemática, adianta-se que com esse desenho normativo a acepção da

contribuição previdenciária como “tributo destinado a custear o regime geral da

Previdência Social” é bastante certa.

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73

4. Solidariedade social

4.1. Na ciência do direito

Para demonstrar a intensa polissemia em torno do vocábulo “solidariedade

social” consigna-se o seguinte trecho de MARCIANO SEABRA DE GODOI132: “O

termo solidariedade, apesar de ser plurívoco, aponta sempre para a idéia de união,

de ligação entre partes de um todo. Etimologicamente, solidariedade remonta a

termos latinos que indicam a condição de sólido, inteiro, pleno. A solidariedade une

ou integra duas ou mais pessoas no seio de uma mesma obrigação jurídica (donde

devedores ou credores solidários), no seio de uma mesma condição ou grupo social

(por exemplo, a solidariedade entre os trabalhadores, entre os empresários, entre os

acometidos pela mesma enfermidade), ou no seio de um mesmo sentimento ou

estado anímico (por exemplo, o indivíduo que se solidariza com o semelhante que

sofre).”.

Verifica-se, dessa maneira, que o termo apesar de ter um núcleo comum em

suas várias ocorrências, pode aparecer com acepções extremamente objetivas, tal

como a solidariedade entre credores e devedores, como em acepções puramente

emotivas, como a solidariedade de um indivíduo em relação a outrem que padece de

algum sofrimento.

A “Solidariedade social” é um termo bastante difundido entre os juristas –

tributaristas e previdencialistas – e cada um deles trata o vocábulo de forma distinta.

Em linhas gerais, enquanto os previdencialistas conferem uma acepção ampla e

ilimitada à “solidariedade social”, os tributaristas impõem algumas restrições.

O professor SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO133, tributarista, critica a

“solidariedade social” nos seguintes termos: “Nesses tempos confusos,

conspurcando a axiologia jurídica, fala-se em solidariedade, justamente para ofender

a liberdade e a isonomia, em prol da injustiça fiscal e do autoritarismo, a pretexto de

se estar fazendo justiça social. A jurisprudência e a doutrina, ainda que minoritárias,

arrazoam em nome da solidariedade quando abordam as contribuições.”.

Em contrapartida, OMAR CHAMON134 explica que: “a natureza humana é

comum a todos nós, o que nos faz solidários, não aceitando em uma sociedade que 132 “Tributo e solidariedade fiscal” in Solidariedade social e tributação. p. 142. 133 Contribuições no direito tributário: Seus problemas e soluções. p. 10. 134 Introdução ao direito previdenciário. p. 39-40.

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74

cada qual cuide exclusivamente de seus interesses. Existe um preceito de ordem

jurídica, e porque não dizer, também de ordem moral e para muitos religiosa, que

nos obriga a cotizar, entre os mais abastados, para distribuir àqueles que, em

determinado momento histórico, mais necessitam. (...). Fruto da solidariedade, é

possível, por exemplo, manter todos os benefícios, as prestações e as ações

assistenciais.”.

Nesse mesmo sentido MATTIA PERSIANI135 afirma que: “nel sistema della

previdenza sociale trovi attuazione un principio diverso e di più vasta portata che non

quello mutualistico. Attraverso tale sistema si realizza la solidarietà di quanti sono in

grado di lavorare e di quanti dall´altrui lavoro traggono un´utilità, nei confronti dei

lavoratori divenuti incapaci di trarre dal próprio lavoro i mezzi di sostentamento e di

chi, comunque, si trovi in condizioni di bisogno. Um pouco mais adiante em sua obra,

a autora italiana também afirma que: “quella solidarietà che lo Stato realizza ogni

volta che, attraverso l´imposizione fiscale, opera, in definitiva, una redistribuzione del

reddito.”.

Verifica-se que enquanto o primeiro professor critica a solidariedade, os dois

últimos a tratam como uma forma de redistribuição de renda aos mais necessitados.

Todos eles certamente estão certos, porque cada um deles utiliza o vocábulo sob

acepções distintas.

A solidariedade pode ser identificada sob diversas perspectivas. O professor

MIGUEL HORVATH136, por exemplo, abre um leque de possibilidades para os tipos

de solidariedade: direta (quando se trata de um grupo determinado), indireta

(quando se trata de um número indeterminável de pessoas), interpessoal (quando se

dá entre duas ou mais pessoas individualmente consideradas), intergrupal (quando

se dá entre grupos), ética ou moral (a imposta pelos preceitos éticos e morais);

jurídica (a imposta pela norma jurídica); total (quando engloba todos os valores das

partes vinculadas); e parcial (quando só tem valores concretos e determinados).

Dentro desse leque proposto pelo respeitado professor, é preciso saber

identificar qual ou quais os tipos de solidariedade que são relevantes para a ciência

do direito. FABIANA DEL PADRE TOMÉ e LEANDRO PAULSEN mencionam os

princípios constitucionais tributários como óbices a essa solidariedade.

135 Diritto della previdenza sociale. p. 45-46. 136 Direito previdenciário. p. 67-68.

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75

Corroborando, o professor HUMBERTO ÁVILA137 defende que: “O Estado não pode

justificar a tributação com base direta e exclusiva no princípio da solidariedade

social. Isso porque o poder de tributar, na Constituição brasileira, foi delimitado, de

um lado, por meio de regras que descrevem os aspectos materiais das hipóteses de

incidência e, de outro, por meio da técnica da divisão de competências em ordinárias

e residuais (...) É que a tributação com base na solidariedade social contraria, entre

outras normas, as regras de competência e o sobreprincípio da segurança jurídica e

seus sub-elementos da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade.”.

Assim, transitando entre tantas lições adversas, é preciso identificar uma

acepção para o termo “solidariedade social” coerente com o sistema jurídico e que

harmonize os princípios basilares do sistema constitucional de tributação com os

princípios constitucionais atinentes à proteção social. Afinal, como apregoa o próprio

professor WAGNER BALERA138, “sem solidariedade não há seguridade.

Solidariedade nas relações entre os indivíduos e o Estado e vice-versa; entre os

indivíduos e a sociedade e, finalmente, entre sociedade e Estado.”.

4.2. No direito positivo

A primeira idéia de “solidariedade social” no ordenamento do direito positivo

encontra-se no texto do Preâmbulo do Texto Constitucional: “sociedade fraterna,

pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na

ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.”.

Posteriormente, no artigo 3º da CF/88, dentre os objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil, está no inciso I “construir uma sociedade livre, justa

e solidária” e no III “ erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais.”.

No artigo 4º do mesmo Diploma, consagra-se a cooperação entre os povos

para o progresso da humanidade como princípio das relações internacionais.

Dentro do Título VIII – Da Ordem Social, o constituinte dispõe que a

seguridade social compreende ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da

sociedade (art. 194) e também que essa seguridade será financiada por toda a

137 “Limites à tributação com base na solidariedade social” in Solidariedade social e tributação. p. 69-71. 138 A Seguridade social na Constituição de 1988. p. 33.

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76

sociedade de forma direta e indireta (art. 195). A Lei n.º 8.212/91 em seus artigos 1.º

e 10 reafirma esses dizeres.

Já a Lei n.º 8.213/91 em seu art. 2.º, inciso VIII dispõe como princípio e

objetivo da Previdência Social: “o caráter democrático e descentralizado da gestão

administrativa, com a participação do governo e da comunidade, em especial de

trabalhadores em atividade, empregadores e aposentados.”.

Até aqui, pode-se afirmar que o direito positivo brasileiro consagra o princípio

da solidariedade de forma absoluta e ilimitada.

Todavia, como esse trabalho identifica o direito como um tecido único de

linguagem, no qual todas as suas estruturas encontram-se completamente

entrelaçadas, deve-se lembrar que não somente de regras solidárias vive o

ordenamento jurídico, tem-se as regras atinentes ao sistema financeiro e econômico,

ao sistema tributário e os direitos e garantias individuais.

Seguindo a estrutura lingüística do Texto Constitucional, verifica-se que há

um clima de solidariedade muito forte por todos os seus enunciados, mas em

contrapartida, a Constituição Federal também consagra uma série de princípios que

devem ser respeitados pelos cidadãos e, também, pelos órgãos do Poder Público,

tais como direito de igualdade e propriedade, a iniciativa privada, o princípio do não-

confisco e capacidade contributiva (todos previstos expressamente).

Dessa forma, parece mais coerente pensar que a solidariedade dentro do

direito positivo encontra uma roupagem diferente, sendo toda torneada pelos outros

princípios presentes expressa e implicitamente no Texto Constitucional. De qualquer

forma, essa afirmação será melhor analisada no tópico sobre “Solidariedade Social”.

5. A plurivocidade dos termos estudados e a importância da análise semiótica

Afirmar que o direito é texto e que as normas são frases, períodos ou orações

significa que ele poderá ser objeto de interpretação pelas regras gerais da

lingüística; isto é, que se poderá trabalhar com o discurso jurídico sob todas as

regras gramaticais de sintática, semântica e pragmática. E somente pela

interpretação através das regras gramaticais é que se poderá suprir o vício de

linguagem atinente à polissemia dos termos explicitados anteriormente.

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77

Parece simples, óbvio e até repetitivo dizer que a interpretação ocorrerá

segundo as regras dos três níveis da linguagem, todavia, trata-se de uma análise

bastante fértil que certamente atingirá o sentido que o emissor quis dar aos termos

polissêmicos.

No plano da sintática, depara-se, primeiramente, com as regras da análise

morfológica: artigos definidos e indefinidos, substantivos, verbos, adjetivos,

advérbios, pronomes pessoais, oblíquos e de tratamento, numerais, frases

afirmativas, exclamativas, negativas e interrogativas. E posteriormente com as

regras da sintaxe: sujeitos, verbos de ligação ou verbos de ação, objetos diretos e

indiretos, adjuntos adnominais ou adverbiais, orações coordenadas ou

subordinadas, períodos simples e períodos compostos.

No plano da semântica as regras são ínfimas e incluem as relações de

sinonímia e antonímia, linguagem referencial (denotação) e linguagem figurada ou

figuras de linguagem – figuras de palavra e figuras de pensamento (conotação),

homônimos e parônimos, discursos diretos, indiretos e indireto-livre, diferenças entre

as funções da linguagem (referencial, emotiva, conativa, poética, metalingüística e

fática) e os vícios de linguagem (paradoxos, ambigüidades, vaguezas, pleonasmo,

cacófato e hipérbole).

Já no plano da pragmática deverá se detectar os valores, convicções, ideais e

princípios que o emissor impingiu aos termos que formulou.

O professor LÊNIO LUIZ STRECK139, ao se referir ao estudo da semiótica e

mais especificamente sobre a pragmática, afirma que é uma abertura de caminho

para uma hermenêutica jurídica crítica; ou seja, para uma hermenêutica que

“problematiza as recíprocas implicações entre discurso e realidade” e, ainda que

“somente pela linguagem (...) é possível ter acesso ao mundo (do Direito e da

vida).”.

Para que haja uma perfeita aplicação do Direito, como tem-se defendido

desde o início deste trabalho, deve haver um intenso diálogo entre a linguagem

jurídica e a linguagem social; ou seja, o intérprete do Direito deve ser capaz de

captar o maior número de elementos possíveis da realidade social para que o texto

jurídico combine com o texto da realidade social.

139 Hermenêutica jurídica e(m) crise. p. 182-183.

Page 78: Cp 134822

78

Isso tudo é bastante importante, principalmente quando se trata de direitos

sociais e, mais especificamente, do direito à previdência social. Se a pragmática se

trata da instância que estuda a relação dos signos com os seus usuários (os

membros da sociedade) de acordo com suas convicções, valores e ideologia, então

somente estudando essa relação é que se pode verificar qual a acepção que está

sendo utilizada para os termos ‘previdência social’, ‘contribuições previdenciárias’ e

‘solidariedade social’.

Portanto, o uso que a sociedade confere aos termos auxilia no processo de

elucidação de cada termo dentro do ordenamento do direito positivo e também

auxilia na criação de um modelo constitucional teórico de eficácia de normas

jurídicas.

Page 79: Cp 134822

79

CAPÍTULO IV

ANÁLISE SEMIÓTICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Passa-se a partir de agora a analisar o signo “Previdência Social” para que

posteriormente se possa analisar o signo “contribuição previdenciária”, posto que se

antecipa em afirmar que não é possível dissociar as relações de custeio das

relações de benefício do sistema previdenciário; ou seja, não é possível realizar um

estudo de contribuições previdenciárias sem entender como funciona o sistema da

Previdência Social, aliás, como funcionava, como funciona e como funcionará no

futuro, até para entendermos a complexidade e contingência desse sistema.

Daí a importância de se estudar o histórico da proteção social, não somente

no Brasil, como pelo mundo todo.

A proteção social, segundo CELSO BARROSO LEITE140 “é o conjunto das

medidas que, tendo a frente a previdência social, permitem à Sociedade atender a

certas necessidades essenciais dos indivíduos que a compõem – isto é, de cada um

de nós.”.

1. Histórico da proteção social

1.1 No Mundo

O Homem preocupa-se com o seu bem-estar desde os tempos primórdios,

desde a Pré-História toma medidas necessárias para a sobrevivência das pessoas

pertencentes ao grupo. Certamente, tal fato foi o ponto de partida para o

desenvolvimento da proteção social.

A Bíblia Sagrada, o Código de Hamurabi e o Código de Manu foram os

primeiros documentos a contemplar medidas de proteção social. O Talmud (livro de

doutrina e jurisprudência da lei mosaica) tem registro de proteção em casos de

acidentes do trabalho.

Já em Roma, as famílias, por meio do pater familias, tinha a obrigação de

prestar assistência aos servos e clientes mediante contribuição de seus membros

através de uma associação de forma a auxiliar os mais necessitados. E os soldados

140 A proteção social no Brasil. p. 21.

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80

de Roma, ao se aposentarem, recebiam suas economias (duas partes de cada sete

do salário) juntamente com um pedaço de terra.

O primeiro registro da preocupação do Homem com o infortúnio data de 1344,

no qual ocorre a celebração do primeiro contrato de seguro marítimo. Posteriormente

surgem contratos de cobertura de riscos contra incêndios.

Nas associações com fins religiosos denominadas confrarias, os associados

pagavam uma taxa anual para formar um fundo que cobrisse velhice, doença e

pobreza.

No ano de 1601, a Inglaterra criou a Poor Relief Act (lei de amparo aos

pobres), a qual dispunha sobre a obrigatoriedade do pagamento de contribuição

para fins sociais, de maneira a chancelar outras leis sobre assistência pública. Essa

lei consistia na possibilidade dos juízes da Comarca poderem lançar um imposto de

caridade a ser pago por todos os ocupantes e usuários de terras e, ainda, nomear

inspetores para cada paróquia com a finalidade de receber e aplicar o imposto

arrecadado. Isso tudo para que o indigente fosse amparado pela paróquia.

No fim do século XIX, a preocupação com as questões sociais tornou-se mais

acirrada em decorrência do idealismo dos socialistas utópicos (MARX e ENGELS).

Tinha-se uma grande preocupação com os chamados “acidentes do trabalho” em

virtude do manuseio pelos trabalhadores das máquinas industriais e, nessa época,

como inexistia contrato de trabalho, não havia forma de responsabilizar o

empregador. O empregado que se via acidentado no trabalho era obrigado a provar

na justiça a culpa do patrão pelo acidente sofrido para poder obter uma indenização.

Um pouco depois, em resposta a essas aflições, o direito criou a figura da

responsabilidade objetiva pelo simples risco profissional e, em vista dessa situação,

os empregadores começaram a contratar seguros para os livrarem dos prejuízos em

decorrência das indenizações pelos acidentes de trabalho. Como bem ensina

ARMANDO DE OLIVEIRA ASSIS141, “Chegados a esse ponto, bastava um pequeno

passo a mais para tornar esse seguro obrigatório, objetivando a consecução daquilo

que era a preocupação maior dos homens de Estado: oferecer aos trabalhadores

uma garantia diante dos imprevistos da vida profissional.”.

141 Compendio de seguro social. p. 49-50.

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81

Com o auxilio dos movimentos sociais e dos ideais de OTTO VON

BISMARCK, em 15/06/1884, na Alemanha, foi promulgada uma lei que criava o

seguro obrigatório contra doenças e, em 06/11/1884, foi aprovada a lei que instituía

o seguro obrigatório contra acidentes do trabalho. Portanto, fora criado o seguro

doença, o de acidentes de trabalho e o de invalidez e velhice em 1889, os quais

reunidos formaram o “Código de Seguros Sociais” (1911). Esse modelo alemão foi

disseminado ao mundo inteiro: Noruega, Luxemburgo, Áustria, México (1917), Chile

(1925) e, em 1923, no Brasil com a famosa Lei Eloy Chaves.

Assim, o mundo foi tomado por um sistema de seguridade social, com uma

nova geração de direitos para o Homem (direitos sociais e econômicos; de 2ª

geração), os quais foram inseridos em todas as Constituições do pós-guerra. Essa

internacionalização também se deve à criação da Organização Internacional do

Trabalho (OIT), derivada do Tratado de Versalhes.

Nos EUA, Franklin Roosevelt instituiu a política do New Deal com a doutrina

do Welfare State (do Estado de bem-estar social) que consistia na criação de novos

empregos e uma rede de previdência e saúde públicas. Em 14/08/1935, o

Congresso norte-americano instituiu o “Social Security Act” que criou o auxílio-

desemprego para os trabalhadores que ficassem provisoriamente desempregados e

que também tinha por finalidade auxiliar os idosos.

Na Nova Zelândia, em 1938, instituiu-se a lei de proteção para toda a

população, de forma a implantar um seguro social.

E, a Carta do Atlântico, em 14/08/1941, previa a previdência social como um

modo de viver livre do temor e da miséria.

Em 1941, na Inglaterra, através dos estudos de LORD BEVERIDGE, criou-se

o Plano Beveridge como um programa de prosperidade política e social que garantia

ao indivíduo determinados ingressos suficientes para ficar acobertado das

contingências sociais, tais como indigência e desemprego. Esse Plano tinha por

objetivos: 1) unificar os seguros sociais existentes; 2) estabelecer o princípio da

universalidade para que a proteção se estendesse a todos os cidadãos; 3) igualdade

de proteção; 4) tríplice forma de custeio, com predominância do custeio estatal. Esse

plano tinha por princípios fundamentais a horizontabilidade das taxas de benefícios

de subsistência, horizontabilidade das taxas de contribuição, unificação da

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82

responsabilidade administrativa, adequação dos benefícios, racionalização e

classificação. Graças a esse plano, o governo inglês, em 1946, implantou uma

reforma em seu sistema de proteção social.

Em 1944 foi aprovada a Declaração da Filadélfia que recomendava a todas as

nações a adoção de programas específicos para a seguridade social. E, em 1948, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 22, estabelecia que:

“toda pessoa, enquanto membro da sociedade, tem direito à seguridade social,

fundada em obter a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais

indispensáveis a sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade,

graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, levando em conta a

organização e os recursos de cada país.”.

Em 26 de junho de 1952, sob as influências da Declaração, surgiu a

Convenção n.º 102 da OIT relativa às normas mínimas de seguridade social, a qual

ficou conhecida como Norma Mínima e que cuidava das prestações de assistência

médica, proteção aos desempregados, contra os riscos de doença, velhice,

invalidez, morte, acidentes do trabalho e doenças profissionais, prestações de

família e maternidade. Além de outras Convenções que a OIT criou.

Na maior parte dos países do mundo foram criados programas de seguridade

social.

1.2 No Brasil

O primeiro registro que se tem notícia no Brasil sobre seguridade social é de

1795 com o “Plano de Beneficência dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha”.

Logo após teve o Decreto 1/10/1821 de Dom Pedro de Alcântara, o qual

assegurava aposentadoria aos mestres e professores após 30 anos de serviço e,

também, abono de ¼ dos ganhos aos que se mantivesse em atividade.

Posteriormente, na Constituição Imperial de 1824, no artigo 179, XXI, havia a

garantia de socorros públicos, todavia, para esse dispositivo faltava o requisito da

exigibilidade.

A primeira entidade privada que funcionou num sistema típico de mutualismo

foi o Montepio Geral dos Servidores do Estado (Mongeral) em 22 de junho de 1835.

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83

Em 1850, o Código Comercial previa no artigo 79 que “os acidentes

imprevistos e inculpados que impedirem aos prepostos o exercício de suas funções

não interromperão o vencimento de seu salário, contanto que a inabilitação não

exceda três meses contínuos.”.

E o Regulamento nº 737 de 1850 assegurava aos empregados acidentados

no trabalho os salários por, no máximo, três meses. Já o Decreto nº 2.711/1860

regulamentou o financiamento de montepios e sociedades de socorros mútuos. E,

também os Decretos 9.912/1888 (que concedia aposentadoria aos empregados dos

Correios) e 3.397/1888 (que criou a Caixa de Socorro para os trabalhadores das

estradas de ferro do Estado).

Há, ainda, que se apontar outros documentos importantes como o Decreto

9.212/1889 (que estatuiu o montepio obrigatório para os empregados dos Correios);

o Decreto 10.269/1889 (que estabeleceu um fundo especial de pensões para os

trabalhadores das Oficinas de Imprensa Régia); o Decreto 221/1890 (que

estabeleceu aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do

Brasil); e o Decreto 565/1890 (que estendeu o benefício da aposentadoria para

todos os empregados das estradas de ferro gerais da República).

A Constituição de 1891 foi a primeira a mencionar a aposentadoria para os

funcionários públicos em caso de invalidez. A Lei nº 217/1892 previa a

aposentadoria por invalidez e a pensão por morte dos operários do Arsenal da

Marinha do Rio de Janeiro.

Até então tais benefícios eram financiados pelo Estado sem qualquer

pagamento de contribuição por parte do beneficiário.

O primeiro comando normativo que instituiu o sistema da previdência social

no Brasil é a Lei Eloy Chaves (Decreto nº 4.682/1923), a qual instituiu as Caixas de

Aposentadorias e Pensões (Caps) para os ferroviários e os benefícios de

aposentadoria por invalidez, ordinária (equivalente à aposentadoria por tempo de

serviço), pensão por morte e assistência médica. Contudo, em 1930, o sistema

previdenciário deixou de ser estruturado por empresa, passando a compor

categorias profissionais e, assim, surgiram os IAPs (Institutos de Aposentadorias e

Pensões): cada categoria profissional passava a ter um fundo próprio. Nesse

contexto surge a tríplice contribuição: do empregado (incidia sobre folha de

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84

pagamentos), do empregador e do Estado (por meio de taxa cobrada dos artigos

importados). Deve-se ressaltar que além dos benefícios de aposentadorias e

pensões, os institutos prestavam serviços de saúde, internação hospitalar e

atendimento ambulatorial.

Na data de 29/06/1933, criou-se o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos

Marítimos (IAPM), o qual serviu de modelo para a criação de outros institutos

estruturados, também, por categorias profissionais.

A Constituição Federal de 1934 tornou obrigatória a contribuição social, tendo

ela forma tríplice de custeio: Estado, empregado e empregador. É o primeiro

Diploma Constitucional que menciona a expressão “previdência”, todavia, sem

qualificá-la como “social”.

Já a Constituição de 1937 foi um retrocesso em matéria de previdência. Mas,

a Constituição de 1946 traz a idéia de “previdência social” e seu artigo 157, XVI,

consagrou a “previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do

empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da

velhice, da invalidez e da morte”. E, no inciso XVII, “a obrigatoriedade da instituição

de seguro pelo empregador contra os acidentes do trabalho”.

Os IAPs atendiam os trabalhadores urbanos e o IPASE, os funcionários

públicos. E o Decreto 32.667/53 facultou a filiação de profissionais liberais como

segurados autônomos.

Em 1940 ocorreu a uniformização e unificação das políticas legislativas sobre

previdência social com a expedição do Regulamento Geral dos Institutos de

Aposentadorias e Pensões. A Lei Orgânica de Previdência Social (LOPS) – Lei n.º

3.807/60 – padronizou o sistema assistencial e ampliou os benefícios, tais como

auxílio-natalidade, auxílio-funeral e auxílio-reclusão e ainda estendeu a área de

assistência social a outras categorias profissionais. Foi a LOPS que concedeu

unidade ao sistema de previdência social, de forma a estabelecer um único plano de

benefícios, bem como elevar o teto de salário-de-contribuição de três para cinco

salários mínimos.

Instituiu-se a contagem recíproca para efeitos de aposentadoria (Lei n.º

3.841/60), o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – Funrural (Lei n.º

4.214/63), o salário-família (Lei n.º 4.266/63), o abono anual (Lei n.º 4.281/63), a

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85

regra da contrapartida (Emenda Constitucional n.º 11/65) e o Fundacentro (Lei n.º

5.161/66).

Com o Decreto-lei n.º 72/66, os institutos de aposentadorias e pensões foram

unificados, centralizando-se a organização previdenciária no Instituto Nacional de

Previdência Social (INPS), o qual foi implantado em 02/01/67.

A Constituição de 1967 não inova nada em relação à anterior em matéria

previdenciária, nem mesmo a Emenda Constitucional 1/69.

Contudo, é com o Decreto n.º 77.077/76 que se unificou definitivamente a

legislação previdenciária com a edição da “Consolidação das Leis Previdenciárias”.

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, expediu-se uma

série de comandos normativos que instituía benefícios, o Ministério da Previdência e

Assistência Social (Lei n.º 6.025/74) e o SIMPAS (Lei n.º 6.439/77) que é o Sistema

Nacional de Previdência Social, cujo objetivo era a reorganização da previdência

social, de forma que tinha por função integrar as atividades da previdência social,

assistência médica, assistência social e gestão administrativa, financeira e

patrimonial entre as entidades ligadas ao Ministério da Previdência e Assistência

Social.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, ficou consagrada a

diversidade da base de financiamento sobre a receita do sistema de seguridade

social, de forma que se fala num modelo tripartite de custeio: empregadores,

trabalhadores e Poder Público. Os trabalhadores mantiveram a tradicional

contribuição sobre seus ganhos e os empregadores passaram a contribuir com base

em três grandezas: folha de salário, faturamento e lucro. O Poder Público custeia de

forma indireta, posto que financia toda a seguridade social através dos recursos

advindos da tributação.

Dessa forma fica bastante nítida a diferença entre os termos seguridade

social e previdência social: a seguridade social é mais abrangente e é composta por

saúde, assistência social e previdência social. Já a previdência social é um sistema

de seguro social dos trabalhadores filiados e inscritos para a cobertura de riscos e

contingências como invalidez, morte, doença, reclusão, maternidade e velhice.

Nesse contexto, surgiu o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) para os

trabalhadores sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho e os órgãos

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86

públicos para os servidores públicos, tal como o IPESP (Instituto de Previdência do

Estado de São Paulo).

Nesse sistema de Seguridade Social da Constituição Federal de 1988,

unificou-se a Previdência Social Urbana e Previdência Social Rural (PRO-RURAL),

de modo que o PRO-RURAL fora extinto, por conseqüência, extinguiu-se a

contribuição ao INCRA de natureza previdenciária que a ele era devida.

Os benefícios previdenciários que atualmente podem ser gozados pelos

trabalhadores filiados e inscritos no RGPS encontram-se regulados pela Lei n.º

8.212/1991.

CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI142

explicam que: “A Lei que regula o Regime Geral de Previdência Social é composta

por normas de direito público, que estabelecem direitos e obrigações entre os

indivíduos potencialmente beneficiários do regime e o Estado, gestor da Previdência

Social. Dessa maneira, impõe-se discriminar exaustivamente as obrigações que o

ente previdenciário tem para com os segurados e seus dependentes. A estas

obrigações, de dar ou de fazer, conseqüentemente, correspondem prestações, a

que chamamos prestações previdenciárias.”.

2. Análise semiótica da seguridade social e seus princípios informadores

A análise do signo seguridade social se faz necessária num trabalho sobre

previdência social, posto que é preciso esclarecer a relação existente entre eles,

inclusive, para que não mais sejam tratados como palavras com relação de

sinonímia; isto é, para que não sejam utilizadas como sinônimos. Aliás, até para

dirimir a ambigüidade que vicia ambos os termos.

Como se verá a seguir, o signo seguridade social é gênero do qual

previdência social é espécie, logo tudo o que se refere ao signo seguridade social

aplica-se, também à previdência social.

2.1. Sintática

A sintática da Seguridade Social inicia-se com o Texto Constitucional de

1988, partindo do Preâmbulo, perpassando pelos direitos e garantias fundamentais

individuais, direitos sociais, sistema tributário, especialmente seus princípios e,

142 Manual de direito previdenciário. p. 453.

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87

enfim, atingir os artigos 194 e 195 constantes do Título VIII “Da Ordem Social” e no

Capítulo II – “Da Seguridade Social”, abaixo transcritos:

“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa

dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à

saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade

social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão

quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e

do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de

1998).”

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e

indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes

sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer

título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído

pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo

contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência

social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

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88

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

(Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

§ 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à

seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da

União.

§ 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada

pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em

vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada

a cada área a gestão de seus recursos.

§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como

estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber

benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão

da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou

estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após

decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou

modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".

§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de

assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem

como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia

familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a

aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus

aos benefícios nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de

1998)

§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter

alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da

utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do

mercado de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

§ 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de

saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de

recursos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

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89

§ 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que

tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em

lei complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições

incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

§ 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou

parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou

o faturamento.”

Da análise sintática desses dois artigos, é possível extrair que a seguridade

social é composta por três elementos: saúde (art. 196), assistência social (art. 203) e

previdência social (art. 201) e que deverá ser promovida pela Administração Pública

juntamente com todas as pessoas da coletividade de forma direta ou indireta através

do repasse de verbas do orçamento geral das entidades políticas (União, Estados e

Municípios) e da tributação por meio de contribuições sociais, as quais possuem

suas respectivas modalidades previstas no art. 195.

Dito de outra forma, além do repasse exigido das entidades políticas, o

produto da arrecadação das contribuições sociais é destinado ao financiamento da

seguridade social, isto é, tais contribuições somente são instituídas com uma única

finalidade: custear a seguridade social.

A Seguridade Social deverá “funcionar” visando 07 (sete) metas: I)

universalidade da cobertura e do atendimento; II) uniformidade e equivalência dos

benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III) seletividade e

distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV) irredutibilidade do valor

dos benefícios; V) eqüidade na forma de participação no custeio; VI) diversidade da

base de financiamento; VII) caráter democrático e descentralizado da administração,

mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos

empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

O professor ANNIBAL FERNANDES143 explica que: “Na Constituição de 1988

a Seguridade Social tem a seguinte estrutura: (...) cria um sistema denominado

seguridade social, composto das seguintes partes: Previdência Social, reformulada e

143 Guia dos aflitos da nova previdência. p. 59.

Page 90: Cp 134822

90

ampliada; assistência social (para inválidos, indigentes etc); saúde (a assistência

médica preventiva e reparadora será absolutamente gratuita)”.

Assim, seus 03 (três) pilares são:

- Saúde:

“Art. 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao

acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação.”

- Assistência Social:

“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente

de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de

sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de

deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria

manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”.

- Previdência Social:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter

contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio

financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

Page 91: Cp 134822

91

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e

dependentes.”.

Se a sintática da Seguridade Social é definida a partir desses dispositivos, as

regras infraconstitucionais para serem consideradas válidas devem conter vínculo de

subordinação com tais dispositivos.

2.2. Semântica

A seguridade social está atrelada com o conceito de Estado de bem-estar

social (Welfare State), o qual significa que o Estado deverá ser gerido na busca do

bem-comum de toda coletividade, tal como disposto no Preâmbulo do Texto

Constitucional de 1988.

Isso significa que a seguridade social denota muito mais do que se pode

imaginar, principalmente nos dias atuais em que se preza mais elementos para o

conforto da coletividade.

A definição apresentada pelos professores MARCUS ORIONE GONÇALVES

CORREIA e ÉRICA PAULA BARCHA CORREIA144, demonstra essa afirmação. Para

eles: “em face da sociedade atual, destarte, pode-se, hoje, afirmar que o conceito de

seguridade social equivalente à Previdência Social (destinada, apenas, à prestação

dos chamados seguros sociais) está ultrapassado, cedendo lugar a uma noção

assistencial, que supera todas as deficiências contidas na estrutura da Previdência

Social, inclusive o mecanismo clássico do seguro privado”. Portanto, segundo JOSE

MANUEL ALMANSA PASTOR145, a seguridade social passa a ser concebida “como

instrumento protector, que garantiza el bienestar material, moral y espiritual de todos

los indivíduos de la población, aboliendo todo estado de necesidad social en que

éstos puedan encontrarse. O bien como sistema estatal normativo, orgânico e

institucional, que permite a todos los ciudadanos mantenerse establemente libres de

toda necesidad.”.

144 Curso de direito da seguridade social. p. 16. 145 Derecho de la seguridad social p. 60.

Page 92: Cp 134822

92

Também não se pode perder de vista as definições clássicas de seguridade

social, as quais muito auxiliam numa construção moderna do significado de

“seguridade social”.

WILLIAM BEVERIDGE146 a definiu como “el conjunto de medidas adoptadas

por el Estado para proteger a los ciudadanos contra aquellos riesgos de concreción

individual que jamás dejarán de presentarse, por óptima que sea la situación de

conjunto de la sociedad en que vivan.”.

MANUEL ALONSO OLEA e JOSE LUIS TORTUERO147 definem a seguridade

social como: “conjunto integrado de medidas públicas de ordenación de un sistema

de solidaridad para la prevención y remédio de riesgos personales mediante

prestaciones individualizadas y economicamente evaluables, agregando la idea de

que tendencialmente tales medidas se encaminan hacia la protección general de

todos los residentes contra las situaciones de necesidad, garantizando un nível

mínimo de rentas.”.

De forma mais clara, JOSE MANUEL ALMANSA PASTOR148 explica que: “em

esta encrucijada de ataques y defensas en que se halla la naturaleza humana se

situa la seguridad social, cuya finalidad última consiste en la satisfacción de las

necesidades sociales.”. Esse mesmo autor ainda esclarece que: “por necesidad se

entiende, en un primer sentido vulgar e impreciso, la falta de las cosas que son

menester para la conservación de la vida. En un sentido más preciso y técnico, los

economistas suelen considerarla como carencia o escasez de un bien unida al

deseo de su satisfacción”. E, também que: “el calificativo social, de otra parte,

completa la expresión indicando que la carencia o escasez de los bienes puede

incidir en un doble sentido: sobre el individuo, en tanto que miembro del cuerpo

social, y sobre la totalidad o parte de la colectividad social.”.

E, ainda MIGUEL HORVATH JÚNIOR149, apontando o modelo puro de

seguridade social idealizado por BEVERIDGE, constrói o seguinte conceito: “A

Seguridade Social é um sistema em que o Estado garante a ‘libertação da

necessidade’. O Estado fica obrigado a garantir que nenhum de seus cidadãos fique

146 Full employment in a free society, Londres, 1944, p. 11 apud Manuel Alonso Olea e José Luis Tortuero Plaza in Instituciones de Seguridad Social. p. 19. 147 Ibid., p. 38. 148 Ibid., p. 30. 149 Previdência social em face da globalização. p. 44-45.

Page 93: Cp 134822

93

sem ter satisfeitas suas necessidades mínimas. Não se trata apenas da necessidade

do Estado fornecer prestações econômicas aos cidadãos, mas também, do

fornecimento de meios para que o indivíduo consiga suplantar as adversidades, quer

seja prestando assistência social ou por meio da prestação de assistência sanitária.

Tudo isso independente da contribuição do beneficiário. Todas as receitas do

sistema sairão do orçamento geral do Estado, ou seja, são direitos garantidos pelo

simples exercício da cidadania.”.

Com os dizeres de todos esses doutrinadores, pode-se concluir que a

seguridade social denota uma atividade interventiva do Estado na proteção da

‘Ordem Social’ no sentido de proporcionar as necessidades básicas para toda a

coletividade, tais como saúde, educação, lazer e previdência social, para que todos,

independentemente de idade, raça, sexo ou deficiências genéticas, tenham uma

vida digna.

O professor WAGNER BALERA150 é bastante pontual:

“Na ordem social, o trabalho humano – revestido desse valor que lhe é ínsito – não

pode ficar sujeito a nenhuma forma de exploração. Considerando, pois, essa posição

primacial do trabalho, o Código Supremo de nossa pátria coloca como objetivo da Ordem

Social o bem-estar e a justiça. Como participe do esforço nacional, espera o trabalhador

alcançar satisfação e bem-estar para si e para os seus. E, consociada com o bem-estar,

encontra-se esse valor superior a que todos aspiram: a justiça social. Só o bem-estar e a

justiça sociais traduzem, na vida do homem, essas condições de dignidade a que se

refere o texto da Declaração Universal, que nosso País subscreveu. Num tal contexto

irrompe a seguridade social como a entidade que possui a severa responsabilidade de

garantir a todos quantos exercem com dignidade o trabalho que lhes incumbe um mínimo

de bem-estar, nas situações que geram necessidades.”.

A seguridade social, portanto, conota um conjunto de ações em prol da

coletividade, ações essas divididas em torno de três aspectos elementares: (i)

saúde; (ii) assistência social; e, (iii) previdência social.

A saúde, conforme ensinamentos de FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM151, “é

garantida mediante políticas sociais e econômicas, visando à redução do risco de

150 A seguridade social na Constituição de 1988. p. 32. 151 Curso de direito previdenciário. p. 07.

Page 94: Cp 134822

94

doença e de outros agravos, com o acesso universal e igualitário às ações e aos

serviços necessários para sua promoção, proteção e recuperação. As condições

para a implantação de tais ações da saúde, além de sua organização e seu

funcionamento, são objeto de regulamentação pela Lei n.º 8.080/90.”.

Já a assistência social, conforme esse mesmo autor152, “tem por objetivos a

proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo

às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de

trabalho; a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a

promoção de sua integração à vida comunitária e a garantia de 1 (um) salário

mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que

comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida

por sua família (art. 2º da Lei nº 8.742/93)”. Para CELSO BARROSO LEITE153,

“Assistência social traduz sobretudo prestações em natureza, por vezes desligadas

da idéia de contribuição ou pelo menos de uma correlação precisa entre a

contribuição e o direito à assistência.”.

A saúde está relacionada com as providências atinentes ao saneamento

básico da população sadia (tais como limpeza de bueiros e ruas e as medidas contra

o mosquito da dengue) e também aos atendimentos médicos das pessoas que

sofrem de algum mal (esses atendimentos devem abarcar serviços de médicos

profissionais e de laboratórios).

Assistência social é um termo que pode representar um leque de

possibilidades; ou seja, se protege família, mães, crianças, adolescentes, deficientes

e velhos, deve abarcar lazer, educação, cultura, programas de inclusão social, de

incentivo à terceira idade, de apoio à mulheres grávidas, programas de combate à

fome e à miséria e campanha do agasalho.

Já a previdência social é um seguro coletivo que visa assegurar aos seus

filiados (obrigatórios e facultativos) o mínimo vital consagrado pela Constituição

Federal nos riscos e contingências sociais referentes à doença, velhice, acidente do

trabalho, invalidez, desemprego, reclusão e maternidade.

152 Ibid., . p. 11. 153 Op. cit. p. 18.

Page 95: Cp 134822

95

Dentro do contexto semântico da seguridade social como um conjunto de

ações do Estado na busca do bem-estar geral de todas as pessoas

independentemente de sexo, cor, raça, padrão social e doença, atinentes a

atendimento hospitalar e laboratorial, ações preventivas de doenças, políticas

educativas e culturais e programas sociais, é oportuno analisar os princípios que

norteiam todas essas atividades quando de suas respectivas realizações:

- Universalidade da Cobertura e do Atendimento: consiste na proteção de todos os

indivíduos integrantes da sociedade, desde que atendidos os requisitos legais,

diante de uma situação de necessidade social decorrente de risco ou contingência

social. O sistema de seguridade social deverá atender a todos indistintamente e o

sistema de previdência social deverá tentar abarcar ao máximo o número de

segurados.

- Uniformidade e Equivalência dos Benefícios e Serviços às Populações Urbanas e

Rurais: consiste numa política de proteção social indistinta entre os trabalhadores

urbanos e rurais. Conforme lições do professor WAGNER BALERA154, “A

uniformidade significa identidade. Existirão prestações idênticas para toda a

população, independentemente do local onde residam ou trabalhem as pessoas.

Equivalente quer dizer ‘de igual valor’. Significa, pois, que os benefícios não serão

distintos entre as populações protegidas.”.

- Seletividade e Distributividade na Prestação dos Benefícios e Serviços: A

seletividade consiste na escolha e seleção pelo legislador de riscos e contingências

sociais a serem protegidos e, são eles: doença, velhice, invalidez, morte,

desemprego, maternidade, acidente do trabalho, reclusão e baixa-renda. Já a

distributividade consiste na criação de requisitos legais para ter acesso aos

benefícios sociais e, assim, cada vez mais atingir um número maior de pessoas a

serem seguradas.

- Irredutibilidade do valor dos Benefícios: Essa irredutibilidade possui um aspecto

dual: a irredutibilidade nominal e, a irredutibilidade real do valor do benefício. A

irredutibilidade nominal refere-se tanto à concessão do benefício, como ao seu

respectivo reajustamento. E consiste na obrigatoriedade de incorporação dos

ganhos habituais do trabalhador no cálculo do benefício previdenciário, bem como

154 A seguridade social na Constituição de 1988. p. 37.

Page 96: Cp 134822

96

na regra do artigo 201, § 2º, da CF que dispõe que nenhum benefício terá valor

inferior ao salário mínimo. Já a irredutibilidade real consiste em manter o poder real

de compra do segurado, de maneira a proteger o benefício dos efeitos da inflação.

- Equidade na forma de participação do custeio: consiste na aplicação dos valores

de justiça e igualdade para todos os contribuintes de contribuições sociais,

consoante o princípio tributário da capacidade contributiva expresso no artigo 145, §

1.º, da CF.

- Diversidade da Base de Financiamento: consiste em diversas bases para o

financiamento do sistema securitário, segundo disposição do artigo 145, caput, e

incisos I, II, III e IV da CF: por toda a sociedade de forma direta e indireta, mediante

os recursos das pessoas políticas e, com o produto das contribuições sociais pagas

pelos empregadores, trabalhadores e demais segurados da previdência social,

importador de bens ou serviços e das receitas de concursos prognósticos. E, ainda,

há que se ressaltar a possibilidade da utilização de um mecanismo de emergência

para manutenção e expansão da seguridade social disposta no artigo 195, § 4.º, da

CF.

- Caráter Democrático e Descentralizado da Gestão do Sistema: A democracia na

gestão consiste, segundo MIGUEL HORVATH JÚNIOR155, “na efetiva participação

dos trabalhadores, empregadores, aposentados e também do Governo na

administração dos assuntos relativos à seguridade social, de maneira equivalente,

ou seja, a composição dos órgãos deve se dar de forma igual entre todos os

membros”. E, a descentralização da gestão, segundo esse mesmo autor, significa:

“proporcionar o atendimento das necessidades básicas dos indivíduos relacionadas

com a saúde, previdência social e assistência social.”.

Regra da Contrapartida: Há que se ressaltar, também, além dos princípios da

seguridade social, uma importante regra: o artigo 195, § 5º da CF: “Nenhum

benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido

sem a correspondente fonte de custeio total”. Essa regra foi denominada pelo

professor WAGNER BALERA156 como “regra da contrapartida”. Esse professor

acrescenta que: “essa norma limita o agir do legislador ordinário, vedando a

imposição de ainda maiores ônus ao sistema mediante criação, majoração ou

155 Direito previdenciário. p. 85-86. 156 Sistema de seguridade social. p. 40.

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97

extensão de benefícios ou serviços. Só com a concomitante previsão da fonte de

custeio é que se pode cogitar de novas prestações.”.

Solidariedade: Esse é o princípio mais importante da seguridade social e deve ser

analisado de forma mais detalhada, inclusive em decorrência do intenso dialogismo

que comporta em diversos ramos da sociedade; isto é, em cada um dos ramos

(moral, religião, política, economia e direito, por exemplo) a solidariedade será

abordada de maneiras diversas, ocorrendo muitas acepções que se relacionam

entre si.

Em linhas gerais, consiste na ajuda mútua entre todos os membros da

coletividade. NICOLA ABBAGNANO157 define “solidariedade” como um “termo de

origem jurídica que, na linguagem comum e filosófica, significa: 1º inter-relação ou

interdependência ; 2º assistência recíproca entre os membros de um mesmo grupo.”.

O professor MICHAEL A. LIVINGSTON158 menciona que: “‘solidariedade’ na

Europa (França, solidarietè; Itália, solidarietà) diz respeito à tributação progressiva

ou ‘segundo a capacidade contributiva’ como um dentre os deveres que os

indivíduos têm uns em relação aos outros em sociedade e, portanto, como parte vital

da estrutura social como um todo mais do que uma regra tributária isolada” e na

América do Norte os estudiosos também têm encontrado argumentos para relacionar

a solidariedade com a progressividade (posto que tradicionalmente, os norte-

americanos relacionam a solidariedade com o socialismo).

MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO159 explica que: “Na sociedade

existe a necessidade da cooperação e apoio mútuo. Nela, como o esforço de todos

beneficia a cada um, todos devem auxiliar-se ou socorrer-se uns aos outros. Tal

auxílio ou socorro é evidentemente tão mais imperativo quanto mais grave a

necessidade por que passa o semelhante. Poder-se-ia dizer que esse fundamento é,

numa palavra, a solidariedade entre os homens.”.

Como bem assevera o professor RICARDO LOBO TORRES160, “a

solidariedade não traz conteúdos materiais específicos, podendo ser visualizada ao

mesmo tempo como valor ético e jurídico, absolutamente abstrato, e como princípio

157 Dicionário de filosofia. p. 918. 158 “Progressividade e Solidarietà: uma perspectiva Norte-americana” in Solidariedade social e tributação, p. 190. 159 Direitos humanos fundamentais. p. 51. 160 “Existe um princípio estrutural da solidariedade?” in Solidariedade social e tributação. p. 198-199.

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98

positivado ou não nas Constituições. É sobretudo uma obrigação moral ou um dever

jurídico.”.

Esse professor aponta a solidariedade como um valor constante da

sociedade. Tal afirmação é ratificada por CLAUDIO SACCHETO161 no seguinte

trecho: “A solidariedade antes de ser um dever/direito é um valor (...)”. E, não há

dúvidas que se trata de um valor, o qual foi perseguido durante a Idade Média, mais

precisamente na Revolução Francesa. LEON BOURGEOIS, um dos filósofos

expoentes dessa época, em sua obra “Solidaritè”, explica a solidariedade como

sinônimo de fraternidade e elabora a teoria da solidariedade natural dos seres.

Para esse filósofo162, a solidariedade se consubstancia com a coordenação

de esforços individuais (ações individuais) e é condição de desenvolvimento

indispensável à vida como um meio de libertação. E, ainda163, que a solidariedade

conduz a uma teoria de direitos e deveres do Homem dentro da sociedade.

ANDRÉ-JEAN ARNAUD compara a solidariedade social com os quase-

contratos previstos no Código Civil Francês164 e explica que165: “devemos pensar a

solidariedade social como uma combinação de quase-contratos, quer a entendamos

como uma comunidade indivisível, quer como gestão do negócio de todos por uns

poucos, ou como recepção inconsciente de coisa indevida (dívida social).

LÉON DUGUIT166 explica que “a solidariedade social é que constitui os liames

que mantém os homens unidos”. Esse estudioso também explica que167:

“O homem vive em sociedade e só pode assim viver, a sociedade mantém-se

apenas pela solidariedade que une seus indivíduos. Assim uma regra de conduta impõe-

se ao homem social pelas próprias contingências contextuais, e esta regra pode formular-

se do seguinte modo: não praticar nada que possa atentar contra a solidariedade social

sob qualquer das suas formas e, a par com isso, realizar toda atividade propícia e

desenvolvê-la organicamente. (...) A regra de direito é social pelo seu fundamento, no

sentido de que só existe porque os homens vivem em sociedade. (...) O homem em

sociedade tem direitos ; mas esses direitos não são prerrogativas pela sua qualidade de

161 “O dever de solidariedade no Direito Tributário: o Ordenamento Italiano” in Solidariedade social e tributação. p. 12. 162 Solidaritè. p. 63. 163 Ibid., . p. 131. 164 Art. 1371: “Os quase-contrato são os fatos puramente voluntários do homem, dos quais resulta um compromisso qualquer com terceiros,e, algumas vezes, um compromisso recíproco de duas partes”. 165 O direito traído pela filosofia. p. 59. 166 Fundamentos do direito. p. 22. 167 Ibid.,. p. 25-27.

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99

homem; são poderes que lhe pertencem porque, sendo homem social, tem obrigações a

cumprir e precisa ter o poder de cumpri-las. (...) existe uma regra de direito que obriga

cada homem a desempenhar determinado papel social, é que cada homem goza de

direitos – direitos que têm assim, por princípio e limites, o desempenho a que estão

sujeitos.”.

Corroborando com tais raciocínios, o grande sociólogo, ÉMILE DURKHEIM168

explica que: “a solidariedade social, porém, é um fenômeno totalmente moral, que,

por si, não se presta à observação exata, nem, sobretudo, à medida.”.

E, ainda MOACYR VELLOSO CARDOSO DE OLIVEIRA169 que traz um

conceito cristão para a solidariedade: “é a determinação firme e perseverante de se

empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos

nós somos verdadeiramente responsáveis por todos.”.

De todos esses trechos verifica-se que o termo “solidariedade” é amplo

demais, posto que sua idéia principal é uma ajuda ampla e irrestrita dos homens em

relação aos outros. Dessa forma, é preciso delimitar o que realmente significa a

solidariedade dentro do ordenamento jurídico, portanto, é necessário falar numa

solidariedade jurídica.

MIGUEL HORVATH170 separa, de acordo com o fundamento ou fonte, a

solidariedade ética ou moral da solidariedade jurídica e, ainda, diz que essa última é

estabelecida pela norma jurídica com aplicação compulsória.

A “solidariedade social jurídica” é uma norma constitucional que estabelece o

dever jurídico (compulsório) de todas as pessoas integrantes da sociedade de

prestar assistência uns aos outros e, ao mesmo tempo, o direito subjetivo de todas

as pessoas receberem assistência de outrem, respeitados os demais dispositivos

constitucionais.

Essa solidariedade jurídica acaba sendo compulsória mesmo, ora pelo

pagamento de impostos e contribuições sociais gerais, ora pelo pagamento de

contribuições previdenciárias.

Como bem assevera o professor WAGNER BALERA171, “As prestações de

previdência social dependem de contribuições (art. 201, caput, da Constituição);

168 Da divisão do trabalho social. p. 31. 169 A doutrina social ao alcance de todos. p. 87. 170 Direito previdenciário. p. 67.

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100

enquanto que as prestações de saúde e de assistência social serão devidas a quem

delas necessitar”.

Vale destacar, nesse momento, que a solidariedade social jurídica subdivide-

se em: (i) solidariedade dos impostos; (ii) solidariedade das contribuições sociais

genéricas (COFINS, CSLL, PIS, PASEP); e, (iii) solidariedade das contribuições

previdenciárias.

A solidariedade dos impostos, segundo a classificação do professor MIGUEL

HORVATH JUNIOR172, é a indireta (com grupo indeterminado de pessoas),

interpessoal (se dá entre pessoas individualmente consideradas) e total (quando

engloba todos os valores das partes vinculadas).

Já a solidariedade das contribuições sociais genéricas é indireta (grupo

indeterminado de pessoas), intergrupal (se dá entre grupos) e parcial (quando

abarca apenas valores concretos e determinados).

E a solidariedade das contribuições previdenciárias é uma autêntica

solidariedade de grupo: direta (quando as partes sabem quem participa do grupo);

intergrupal (se dá entre grupos) e parcial (quando abarca valores concretos e

determinados).

Nesse sentido, o professor SACHA CALMON NAVARRO COELHO173 diz que:

“A solidariedade, frise-se, expressa-se na capacidade contributiva, na pessoalidade,

na progressividade e até na proporcionalidade. São as bases éticas (axiologia

jurídica) que informam o sistema dos impostos. (...) “As contribuições verdadeiras, as

sinalagmáticas, são referidas ao valor retributividade.”.

A leitura do Texto Constitucional, em diversas passagens, traz a idéia de

solidariedade social dentro do sistema do Direito. Pode-se verificar em seu

Preâmbulo, inclusive, a menção a uma “sociedade fraterna” (fraternidade, na

acepção bíblica, é sinônimo de solidariedade social). O artigo 3º, I da CF coloca

como um dos principais objetivos fundamentais da RFB a construção de uma

“sociedade livre, justa e solidária” e também há que se mencionar o caput do art. 195

que consagra a solidariedade social ao dispor que toda a sociedade, direta ou

indiretamente, deverá financiar a seguridade social. 171 Noções preliminares de direito previdenciário. p. 119. 172 Ibid., . p. 35-36. 173 Contribuições no direito brasileiro: seus problemas e soluções. p. 33

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101

Em termos efetivos e operativos, a solidariedade está expressa no caput do

art. 195 da CF quando este prescreve que a seguridade social será financiada por

toda a sociedade de forma direta e indireta mediante orçamento da União, Estados,

Distrito Federal, Municípios e exigência de contribuições sociais e também no art. 11

da Lei 8.212/91 (Emenda Constitucional nº 20/1998). Assim, a seguridade social é

custeada pelo orçamento do Estado (impostos), pelas contribuições sociais cobradas

de todas as pessoas da sociedade e ainda poderá haver instituição de outras fontes

(contribuições sociais residuais), se necessário.

A demarcação precisa dessa solidariedade social baseia-se em seus limites,

ou seja, nos comandos constitucionais concernentes aos princípios fundamentais,

direitos e garantias fundamentais, demarcação das competências tributárias, bem

como nas limitações ao poder de tributar.

Portanto, o princípio da solidariedade que deve ser obedecido quando do

financiamento da seguridade social, não é o da solidariedade como valor bíblico,

mas, sim, de uma solidariedade jurídica que observa os limites constitucionais

impostos, tais como direito de propriedade, segurança, liberdade, princípio da

capacidade contributiva, da livre iniciativa, do não-confisco e as normas de

competência dos entes federados.

Assim, tais princípios estão atrelados com o significado da seguridade social,

posto que eles denotam o alcance das ações sociais; isto é, prescrevem como,

quando e quanto de seguridade social deve haver na Ordem Social de forma a

buscar a equalização entre direitos e garantias fundamentais individuais e direitos e

garantias fundamentais sociais. Portanto, eles procuram nortear a realização de

ações sociais de forma que sempre haja um espaço entre o âmbito individual e o

âmbito social.

Dessa forma, tem-se com esses princípios o instrumental que realiza a

medida de intervenção do Estado na Ordem Social. Essa intervenção, como já dito,

se manifesta através de ações em prol da sociedade quanto à saúde, assistência

social e previdência social; ou seja, através da seguridade social.

Portanto, a noção de seguridade social nos dias de hoje é muito mais ampla

do que se imagina, posto que pode abarcar todas as necessidades sociais

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102

decorrentes de saúde, alimentação, educação, cultura, moradia, vestuário, lazer e

inclusão social.

Nesse mesmo raciocínio, MOZART VICTOR RUSSOMANO174 afirma que: “A

seguridade social tem uma área de incidência muito mais ampla e muito mais

profunda que aquela tradicionalmente reservada à Previdência Social (...) A

Seguridade Social vai além: visa proteger todos os cidadãos que, por suas

condições econômicas ou físicas, careçam de proteção e amparo”.

Corroborando, CELSO BARROSO LEITE175: “a seguridade social deve ser

entendida e conceituada como o conjunto das medidas com as quais o Estado,

agente da sociedade, procura atender à necessidade que o ser humano tem de

segurança na adversidade, de tranqüilidade quanto ao dia de amanhã.”.

Logo, as normas de seguridade social infraconstitucionais irão viger quando

essa intervenção estatal subsumir-se à idéia de ação social em prol de toda a

coletividade de forma a não interferir em direitos e garantias constitucionais

individuais.

2.3. Pragmática

Conclui-se, então, que a seguridade social busca o Estado Social de Direito,

ou seja, todas as iniciativas em prol da sociedade servem para operacionalizar os

objetivos do Estado Social de Direito estampados no texto do Preâmbulo constante

da Carta Magna: a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a

igualdade e a justiça.

Esse Estado Social de Direito está consagrado pelo Texto Constitucional de

1988 e significa uma mudança do papel do Estado nas demandas sociais. A Carta

Magna propõe um Estado que intervém na ordem social, buscando ações e

mecanismos que possibilitem o surgimento de uma sociedade mais solidária e justa.

Como bem explica o professor MARCO AURÉLIO GRECO176, “(...) enquanto no

século XVIII era um Estado espectador, passou, no século XX a ser um Estado

preocupado com as demandas sociais”.

Esse professor ainda acrescenta que:

174 Curso de previdência social. p. 55. 175 “Conceito de seguridade social” in Curso de Direito Previdenciário: Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. p. 17. 176 Contribuições: uma figura sui generis . p. 36-37.

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103

“(...) a relação entre indivíduo e Estado também mudou, na medida em que ela (na

minha maneira de ver), não é mais uma relação de pura proteção contra o Estado. A

relação é, fundamentalmente, de participação, de atuação positiva de cada um na

construção do Direito e no exercício do poder. Não somos meros espectadores como se

fossemos distanciados de algo que ocorre em plano distinto daquele em que nos

encontramos. Entre indivíduo e Estado não há um “nós” e “eles”, mas sim um “todos”,

pois o Estado nada mais é do que uma criação do próprio Homem, que atua mediante

condutas humanas por agentes em cuja escolha e de cujo controle todos participamos,

direta ou indiretamente. As palavras-chave do mundo atual são “participação no” e

“controle sobre” o exercício do poder e não mais uma atitude de busca de “proteção

contra”, como se existissem lados opostos (sustentar a existência de lados opostos é

retornar à idéia de opostos! E à lógica bivalente!). Se, no plano prático, por vezes podem

ocorrer momentos em que há um distanciamento e uma oposição, creio que devemos

trabalhar para que o contexto de oposição seja superado por um contexto de convívio e

participação”.

Quando as normas de seguridade social incidem na busca dos objetivos do

Estado Social, ela será considerada eficiente. Todavia, quando seu destinatário usá-

la de forma a desvirtuar esses fins, elas serão logicamente ineficazes.

Deve-se ressaltar neste trabalho, que não se pretende fugir da realidade dos

fatos no sistema securitário brasileiro, principalmente em termos pragmáticos; isto é,

as normas de seguridade social ainda estão muito presas no papel, o que significa

que em termos sintáticos e semânticos foram realizados muitos estudos, todavia, até

hoje muito pouco se aplicou de todos esses estudos.

Ainda não há eficiência o suficiente nas normas de seguridade social, posto

que suas respectivas aplicações estão subordinadas à interpretação de cada um dos

seus destinatários; ou seja, as normas de seguridade social estão a mercê dos

ideais e valores de cada um dos membros da sociedade, seja do destinatário

cidadão que pode obedecer ou não o enunciado prescritivo, seja do destinatário

julgador que deve aplicar a norma para as partes litigantes e seja do destinatário

político que deve proporcionar programas para atingir os fins das normas de

seguridade social.

É exatamente neste ponto que identificamos um problema sério com a

linguagem jurídica: a sociedade se tornou mais complexa e contingente, tanto que

demanda muito mais proteção do que os direitos sociais podem proporcionar. Isso

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104

significa que, em termos pragmáticos, o direito é um texto estanque que continua

dialogando com a sociedade que promulgou a Constituição Federal há 21 (vinte e

um) anos atrás e não atualizou seus institutos para a sociedade que existe hoje.

Nesse sentido, EDUARDO NOVOA MONREAL177 defende que:

“a lei permanente, classe a que pertence, como explicamos, a imensa maioria das

leis, é expedida como norma obrigatória que perdurará enquanto o mesmo legislador, por

novo ato de vontade, não na derrogue ou modifique. Mas, com isso, o mandato

imperativo que nela se contém, originado pelos fatos e circunstâncias que o legislador

conhece e pondera no momento da elaboração da lei, isto é, quando a vai promulgar, se

prolonga indefinidamente no tempo, de um modo inalterável. Publicada a lei, seu

conteúdo obrigatório fica como que cristalizado ou fixado, sem qualquer alteração para

um futuro sem termo, salvo o que provier de outra declaração legislativa. Poderíamos

dizer que se assemelha a uma flecha que fere retilineamente o espaço temporal, sem

desvio em sua direção (direção a representar seu conteúdo), malgrado o transcurso do

tempo. Se a vida social fosse imutável, nada teríamos que objetar.”.

Demonstrando as sensíveis mudanças no panorama social, as quais ensejam

proteção, o professor MIGUEL HORVATH JÚNIOR178 explica que: “Mundialmente a

Seguridade Social, especificamente o ramo da previdência social, passa por

reformas de replanejamento, em decorrência de uma série de fatores, como: falta de

recursos, ineficiência administrativa e ingerência política, o que muitas vezes

inviabiliza qualquer tipo de estrutura. Aliada a esta conjuntura soma-se a

configuração econômica global que, forçosamente implica em mudança na produção

de bens e capital, acarretando instabilidade de emprego, baixos salários, além do

aspecto específico referente à seguridade social, como o aumento da expectativa de

vida, diminuição da taxa de mortalidade infantil e diminuição da taxa de natalidade.

Porém, as alterações econômicas refletem-se na esfera jurídica atingindo os

cidadãos de todos os Estados-parte do bloco econômico, posto que afetará a

circulação de bens, pessoas que provocaram a necessidade de adaptação das

ordens jurídicas em face das normas comunitárias”.

É por causa dessa defasagem na linguagem jurídica em relação à moderna

realidade social que estudiosos como ALESSANDRA GOTTI BONTEMPO179

177 O direito como obstáculo à transformação social. p. 28. 178 Previdência social em face da globalização. p. 51. 179 Direitos sociais:. Eficácia e Acionabilidade à luz da Constituição Federal de 1988. p. 192-193.

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105

preocupam-se com a eficácia das normas constitucionais atinentes aos direitos

sociais.

As normas atinentes ao sistema securitário somente terão aplicabilidade

segundo seus princípios já explicitados; ou seja, serão eficientes, quando a

linguagem jurídica começar a transportar as necessidades atuais da sociedade para

dentro de si e, urge que isso aconteça, posto que os direitos sociais são direitos

fundamentais.

A seguridade social é imprescindível para o desenvolvimento de uma

sociedade. Como a sociedade é extremamente heterogênea, cada um de seus

membros possui uma necessidade diferente e é justamente para suprir essas

necessidades que existe a seguridade social. Ela surge, portanto, para atender as

necessidades de toda a coletividade e, assim, tornar digna a existência de cada uma

das pessoas, isto é, para defender o mínimo existencial protegido pelo direito

constitucional positivo.

Tais assertivas são chanceladas por PIERRE MOREAU180 ao dizer que: “O

escopo primordial da Seguridade Social é dar às pessoas e às famílias a

tranqüilidade de saber que o nível e a qualidade de suas vidas não sofrerão, dentro

do possível, redução significativa por força de alguma contingência social ou

econômica. Isso não pressupõe apenas atender às necessidades que surjam, mas

também prevenir riscos e ajudar as pessoas e as famílias a se adaptarem da melhor

maneira possível quando tiverem de enfrentar incapacidades ou dificuldades não

prevenidas a tempo.”.

Em suma, a seguridade social é extremamente importante para a

coletividade, todavia, sua eficácia está atrelada a um direito positivo que ainda

dialoga com a sociedade de 1988!

Essa problemática estende-se para todos os elementos da seguridade social

– saúde, assistência social e previdência social.

Portanto, como a partir do próximo tópico passar-se-á a analisar somente a

previdência social, era necessário analisar anteriormente a seguridade social como

um todo para que o leitor se contextualize bem com todo esse panorama para

melhor entender a previdência social, bem como perceber que não se tratam de

180 O financiamento da seguridade social na União Européia e no Brasil. p. 231.

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106

palavras sinônimas; ou seja, seguridade social e previdência social não significam a

mesma coisa. São termos bem delimitados, mas que apresentam uma autêntica

interdiscursividade.

Essa diferença entre seguridade social e previdência social parece mero

detalhe, todavia, o professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR181 aponta para o

seguinte problema: se a Constituição prevê que todos contribuam e a universalidade

de cobertura, como fica a noção de grupo? E finaliza dizendo que mesmo que um

grupo seja diretamente beneficiado, o sentido desse benefício é erga omnes.

Se se entende a seguridade social como o conjunto de ações de todos

indistintamente (órgãos públicos e sociedade) atinentes à saúde, assistência e

previdência social, então a seguridade social promove um benefício erga omnes,

agora se a previdência é apenas uma das vertentes dessa seguridade e, adianta-se,

trata-se de um sistema de seguro social no qual os seus segurados (inscritos e

dependentes) pagam contribuições para receber um benefício específico de volta,

então os benefícios serão apenas concedidos ao grupo de segurados. Logo, há

benefícios erga omnes no sistema da Seguridade Social e benefícios para um grupo

na Previdência Social.

Deve-se esclarecer, também, que se a previdência social é um dos elementos

da seguridade social, que se trata de um conjunto maior, todos os princípios acima

explicitados devem ser aplicados também à previdência social, por motivos lógicos.

Logo, da estrutura semiótica da Seguridade Social se depreende a estrutura

semiótica da previdência social.

3. Análise semiótica da previdência social e seus princípios particulares

3.1. Sintática

A sintática da previdência social depreende-se, portanto, do dialogismo entre

todos os seus princípios do Texto Constitucional de 1988 expressos e implícitos

constantes desde o Preâmbulo, passando pela Seguridade Social e alcançando os

artigos mais específicos, tal como o art. 201:

181 “Constituição Federal: contribuição ou contribuições?” in Direito Constitucional: Liberdade de fumar. Privacidade. Estado. Direitos Humanos e outros temas. p. 306-307.

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107

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter

contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio

financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e

dependentes.”

Há também as normas prescritivas das Leis n.ºs 8.212/91 e 8.213/91. A Lei

n.º 8.212/91 trata do plano de custeio da previdência social, já a Lei nº 8.213/91 trata

do plano de benefícios da previdência social.

Existem outros atos normativos concernentes à previdência social, todavia, os

já mencionados são os mais importantes, posto que prescrevem sobre os

segurados, filiação obrigatória e facultativa, benefícios, bem como sua forma de

financiamento (contribuições previdenciárias).

O art. 201 do Texto Constitucional de 1988 dita basicamente todos os

fundamentos do sistema previdenciário, e todas as regras infraconstitucionais que

defluem desse tema devem ser condizentes com o referido dispositivo, bem como

com todos os outros comandos constitucionais para serem consideradas válidas.

3.2. Semântica

A previdência social significa um seguro coletivo gerido por um determinado

órgão para um grupo determinado de pessoas, as quais contribuem mensalmente

para que em caso de incapacidade para o trabalho, desemprego involuntário,

velhice, doença, tempo de serviço, encargos familiares, prisão e morte, receba um

benefício para continuar a viver mantendo o mínimo existencial.

Essa previdência social poderá ser gerida pelo INSS, nesse caso reúne o

grupo dos trabalhadores empregados sob o regime da CLT e autônomos, além dos

facultativos. Ou poderá ser gerida por um órgão público, nesse caso reunirá os

servidores públicos estatutários, civis e militares. Desse fato já é possível inferir uma

das principais características da previdência social: apesar de ser um dever do

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108

Estado Social, é administrada por um órgão paraestatal, daí se falar em

parafiscalidade.

Parafiscalidade é a delegação da capacidade tributária ativa a órgão

paraestatal. Quanto a essa parafiscalidade ALIOMAR BALEEIRO182 afirma que: “as

instituições que delas se beneficiem estão sujeitas ao controle do Tribunal de

Contas, porque ou são pessoas de direito público por sua natureza, funções e

origens, (...), ou são ‘responsáveis por dinheiros e outros bens públicos’, para

aplicação específica a fins públicos, e só estes.”.

Esclarece FÁBIO LOPES VILELA BERBEL183 que: “Essa espécie de seguro

pode se apresentar de vários modos. A forma social está adstrita aos elementos

presentes na relação jurídica, pois a caracterização desse tipo de previdência

encontra-se vinculada à existência, no corpo da relação, da obrigatoriedade,

tripartição de custeio, gestão pública e delimitação prévia dos sujeitos jurídicos

abstratos”.

Esse sistema de seguro coletivo consiste em concessão de prestações

previdenciárias, as quais se subdividem em benefícios (“obrigação de dar”) de

aposentadoria por tempo de serviço, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por

idade, aposentadoria especial, auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-reclusão,

salário-família, salário-maternidade e pensão por morte e, em serviços (“obrigação

de fazer”) de habilitação e reabilitação profissional e, também, de serviço social,

tendo em vista a arrecadação das contribuições previdenciárias.

Por ser gerida por um órgão paraestatal, a previdência social possui

orçamento separado da União consoante art. 2º, § 1º, da Lei n.° 11.457/07 (Lei da

Super-Receita). Aliás, o principal motivo pelo qual a previdência deve ter seu

orçamento separado dos demais é o fato das contribuições previdenciárias (que

serão melhor tratadas no próximo capítulo) estarem especialmente destinadas para

custear as prestações que o sistema previdenciário deve custear. Portanto, não faria

qualquer sentido que o produto da arrecadação dessas contribuições ficassem

diluídos no orçamento da União (a maior responsável pelas tredestinações).

182 Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 590. 183 Teoria geral da previdência social. p. 130.

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109

Nesse sentido, afirma o professor HAMILTON DIAS DE SOUZA184 que: “O

contribuinte tem o direito de só contribuir na medida em que a exação pretendida

esteja em conformidade com o desenho normativo traçado pela Constituição. Se a

cobrança não é efetuada pelo órgão próprio da seguridade social, mas pela União,

distorce-se o conceito da exação, mesmo porque perde-se a certeza de que os

recursos serão inteiramente alocados à atividade em causa.”.

De qualquer forma, mesmo sendo gerida por um órgão paraestatal com

orçamento próprio, não se pode perder de vista que a previdência social é uma das

características do Estado Social previsto no Preâmbulo da CF/88 e, portanto, uma

das vertentes da seguridade social, isso significa que todos os princípios constantes

do Diploma Constitucional (gerais e específicos da seguridade social) devem ser

observados pelo órgão parafiscal quando da gerência do orçamento da previdência

social.

Nesse sentido, o professor MARCO AURÉLIO GRECO185 explica que a figura

parafiscal deve ser controlada com a sua submissão obrigatória a certas restrições;

isto é, de forma a manter “o reconhecimento e prestigio à qualificação das

finalidades, mas impondo um controle normativo, disciplinando sua edição.

Controlou-se mediante submissão a um conjunto normativo que fosse considerado

politicamente suficiente e adequado para tanto.”.

Deve-se também atentar especificamente para os seguintes princípios:

Princípio da Obrigatoriedade da Filiação: consiste na necessidade de filiação ao

seguro social dos indivíduos que desenvolvem relação de trabalho. Trata-se de

cálculo atuarial e do caráter cogente da relação jurídica previdenciária.

Princípio da Unicidade: consiste ao direito do segurado em apenas um benefício que

substitua sua remuneração, afinal, a relação jurídica tem caráter intuitu personae.

Mesmo que haja atividades concomitantes num mesmo regime de previdência, o

benefício sempre será único, não podendo haver cumulação, salvo em casos de

direito adquirido.

184 “Contribuições para a seguridade social” in Caderno de Pesquisas Tributárias, Resenha Tributária v. 17. p. 131. 185 Contribuições (uma figura “sui generis”). p. 61.

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110

Princípio da Compreensibilidade: consiste na proteção plena de todas as situações

de necessidade social e não apenas aquelas situações tipificadas. Seus limites

encontram-se na capacidade econômica do Estado.

Princípio da Automaticidade das Prestações: consiste na obrigatoriedade da

concessão do benefício a todos os segurados trabalhadores, bem como a seus

dependentes quando cumpridos todos os requisitos, mesmo que não haja a

comprovação do pagamento das contribuições mensais. O sentido para tal princípio

é apontado por MIGUEL HORVATH JÚNIOR186: “O direito subjetivo do segurado

empregado e trabalhador avulso não pode ser obstado em virtude de falta de

cumprimento da obrigação principal de custeio (pagamento das contribuições

previdenciárias) do empregador ou do responsável pelo recolhimento das

contribuições previdenciárias.”.

Princípio da Imprescritibilidade do Direito ao Benefício: consiste no direito ao

benefício previdenciário, mesmo que ele não seja exercitado; isto é, após o

cumprimento de todos os requisitos legais para a concessão de um dado benefício

previdenciário, o seu não exercício não extingue o direito à percepção de prestação

previdenciária pelo segurado.

Princípio da Expansividade Social: consiste no dever do sistema previdenciário em

garantir o acesso do maior número possível de pessoas como segurados, quer como

obrigatórios, quer como facultativos. É um corolário do princípio da universalidade na

cobertura e no atendimento e é de sensível importância para o sistema geral da

previdência social, posto que ele viabiliza a proteção social dos trabalhadores

informais.

Princípio in dubio pro operario: Tal princípio nem sempre será aplicado, posto que

sua aplicação por vezes poderá afetar a fonte de custeio ou receita do sistema de

previdência social, na medida em que pode gerar prejuízos expressivos. Além de

violar sensivelmente o princípio da solidariedade. Portanto, referido princípio deverá

ser bastante ponderado ao ser aplicado.

Princípio da Solidariedade do Grupo: somente as pessoas pertencentes ao regime

geral da Previdência Social são solidárias umas com as outras, quer dizer, o

pagamento de contribuições previdenciárias pelo inscrito no RGPS facultativa ou

186 Direito previdenciário. p. 69.

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111

obrigatoriamente poderá ser utilizado por ele se incidir em algum dos infortúnios

previstos na Lei n.° 8.213/91 ou, se ele nem chegar receber de volta pelo que pagou,

suas contribuições serão revertidas em favor de um outro contribuinte, o qual poderá

não ter pago o mesmo número de contribuições que ele (caso da pensão por morte,

em que o cônjuge supérstite recebe a pensão somente pelo fato do falecido ter sido

inscrito no RGPS).

O professor SACHA CALMON NAVARRO COELHO187, a respeito da

solidariedade de grupo, ensina que: “Certos fins dizem respeito a grupamentos

sociais e somente a eles, podendo o grupo ser imenso, como o dos aposentados e

pensionistas, ou restrito, como o dos corretores de imóveis, exportadores de café,

etc. Nesses casos, surge a figura da “contribuição” que certos grupos devem pagar

para que o Estado ou entes paraestatais realizem, com espeque no princípio da

retributividade, em prol deles, determinadas tarefas (atuações estatais) que

satisfaçam as suas necessidades, ocasionando maiores despesas...”.

Portanto, o princípio da solidariedade que informa o sistema previdenciário é

o princípio da solidariedade jurídica do grupo; ou seja, da ajuda mútua que os

membros de um grupo estão sujeitos uns em relação aos outros sem afrontar outros

princípios constitucionais que consagram direitos e garantias individuais, tais como

propriedade, livre iniciativa e capacidade contributiva.

A semântica da previdência social, portanto, baseia-se num seguro coletivo

com número determinável de pessoas filiadas, as quais estão sujeitas a uma

solidariedade em relação ao grupo para, na ocorrência de infortúnios de

necessidade social, tais como doença, prisão, velhice e invalidez, receber um

benefício ou um serviço para poder sobreviver dignamente.

Nessa esteira, MOACYR VELLOSO CARDOSO DE OLIVEIRA188 conceitua

previdência social da seguinte forma: “a organização criada pelo Estado, destinada a

prover as necessidades vitais de todos os que exercem atividade remunerada e de

seus dependentes, e, em alguns casos, de toda a população, nos eventos

previsíveis de suas vidas, por meio de um sistema de seguro obrigatório, de cuja

administração e custeio participam, em maior ou menor escala, o próprio Estado, os

segurados e as empresas.”.

187 Op. cit. p. 33-34. 188 Previdência social. p. 10.

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112

As situações de necessidade social devem se subsumir à hipótese de

incidência previdenciária (regra-matriz de incidência do benefício ou serviço) para

que ocorra efetivamente a concessão de uma prestação pelo regime geral de

previdência social. Para tanto, a situação do trabalhador deve se subsumir à

hipótese de incidência tributária (regra-matriz de incidência das contribuições

previdenciárias) para financiar o sistema previdenciário através do pagamento de

contribuições previdenciárias.

Corroborando, os professores IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e IVES

GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO189 apregoam que: “O exame, portanto, das

contribuições sociais de natureza previdenciária tem dupla vertente: os encargos que

elas visam a cobrir, denominados benefícios, e o valor e forma de recolhimento das

contribuições, denominadas fontes de custeio.”.

Portanto, o sentido da Previdência Social consubstancia-se na vigência de 02

(duas) normas jurídicas: a hipótese de incidência previdenciária e a hipótese de

incidência tributária. Sendo certo, então, o caráter retributivo desse sistema, isto é,

contribuir para receber uma prestação.

3.3. Pragmática

A pragmática da Previdência Social baseia-se principalmente no direito ao

mínimo existencial do trabalhador consagrado no art. 7º, IV, da CF/88, já que, como

já explicado, há uma intensa interdiscursividade entre todos os princípios

constitucionais expressos e implícitos da Carta Magna de 1988:

“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à

melhoria de sua condição social:

(...)

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas

necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação,

saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos

que lhe preservem o poder aquisitivo.

(...)”

189 Manual de contribuições especiais. p. 80.

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113

A finalidade do regime previdenciário é socorrer o trabalhador (empregado ou

autônomo) de infortúnios que possam prejudicar sua produtividade e,

conseqüentemente, o seu mínimo existencial e também de seus dependentes; isto

é, como o inscrito na previdência social é um trabalhador, depende do fruto de seu

trabalho para financiar suas necessidades vitais básicas e também a de seus

dependentes (filhos, esposa, pai, mãe, etc).

Há, portanto, uma relação sinalagmática entre o trabalhador e o regime da

Previdência Social, ou seja, o trabalhador paga uma quantia para esse seguro

coletivo para receber em troca uma prestação num caso de doença, invalidez,

acidente de trabalho, velhice, prisão ou morte. Isso tudo para que, no caso ocorrer

um desses infortúnios que fatalmente irão prejudicar suas atividades laborativas,

haja o mínimo para seu sustento próprio e de sua família.

O professor RICARDO LOBO TORRES190 ensina que: “Sem o mínimo

necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e

desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as

condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do

qual nem os prisioneiros, doentes mentais e os indigentes podem ser privados.”.

Esse professor ainda explica191, quanto a esse assunto, que: “O mínimo

existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na idéia de

liberdade, nos princípios constitucionais da dignidade humana, da igualdade, do

devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e

nas imunidades e privilégios do cidadão. Só os direitos da pessoa humana, referidos

a sua existência em condições dignas, compõem o mínimo existencial.”.

A Previdência Social, portanto, funciona como um seguro social que protege o

trabalhador de um risco, ou seja, de um perigo potencial futuro e incerto. Isso quer

dizer que não é certeza que o trabalhador receberá de volta tudo o que contribuiu,

as situações eleitas a ensejar o benefício poderão não ocorrer com ele, todavia,

poderão ocorrer com outro trabalhador inscrito, o qual poderá aproveitar o produto

das contribuições pagas por aquele outro que não irá se beneficiar. É exatamente

esse o sentido da solidariedade do grupo inscrito na Previdência Social.

190 O direito ao mínimo existencial. p. 36. 191 Ibid., . p. 36.

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114

Nos dizeres de ARMANDO DE OLIVEIRA ASSIS192 “é como um método de

economia coletiva” que deve conter os seguintes requisitos para produzir o resultado

almejado: “a) contar, obviamente, com a participação financeira de cada um e de

todos os interessados; b) pressupor a concordância, por parte de todos os

participantes, em sofrerem restrições ao seu livre arbítrio no que concerne à

utilização e movimentação do fundo comum realizado; c) eleger as causas

justificadoras das retiradas do fundo comum; e d) restringir sua função a indenizar ou

compensar os danos sofridos ou as necessidades experimentadas pelas pessoas

surpreendidas pelo infortúnio.”.

Percebe-se, então, que a Previdência Social possui um caráter puramente

social; afinal, todas as suas finalidades são voltadas para as necessidades sociais. É

um sistema que está integralmente afinado com os valores consagrados na

Constituição Federal de 1988.

Foi dito no início desse trabalho que o Texto Constitucional de 1988 foi

elaborado com bases sociais, consagrando valores como fraternidade, justiça,

igualdade, segurança, liberdade, desenvolvimento e bem-estar. O regime da

Previdência Social é a prova efetiva desse caráter da Constituição Federal, todavia,

como defendido até então, esse regime não consegue atender a todas as

necessidades da sociedade moderna.

É nesse ponto que se passa a afirmar que as normas infraconstitucionais da

Previdência Social não estão atingindo seus objetivos; isto é, não são eficazes e

eficientes, posto que o sentido de sua finalidade acabou sendo distorcido.

Atualmente, é possível observar feições tipicamente arrecadatórias nos

órgãos parafiscais. Esse caráter puramente arrecadatório se consubstancia na

cobrança de contribuições previdenciárias dos servidores inativos (art. 4º, parágrafo

único, I, da EC n.° 41/2003) e na possibilidade do INSS recorrer na Justiça do

Trabalho de acordos firmados entre empregado e empregador para haver o

recolhimento de contribuição previdenciária sobre verbas indenizatórias (art. 831,

parágrafo único, da CLT).

192 Compêndio de seguro social. p. 14.

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115

As contribuições previdenciárias cobradas dos servidores inativos, inclusive

declarada constitucional pelo STF193, como o próprio nome já diz, consiste em

compelir o servidor que não trabalha mais a pagar contribuição ao INSS. É

inconstitucional tal cobrança porque, antes de tudo, viola o princípio da

universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, parágrafo único, I, da CF) e

também a regra da contrapartida (art. 195, § 5.º, da CF), porque os inativos

contribuem sem ter nada em troca. Isso é imposto, travestido de “contribuição”!

A faculdade do INSS recorrer na Justiça do Trabalho para recolher

contribuição previdenciária sobre acordos firmados entre empregado e empregador

acerca de verbas indenizatórias também é outra distorção da pragmática da

Previdência Social, posto que o INSS simplesmente requer o recolhimento de uma

contribuição sobre a verba que ele entende ser de natureza salarial, todavia, não

houve reconhecimento do vínculo empregatício, logo esse valor que ele pretende

recolher não aproveitará ao trabalhador no futuro caso ele se encontre numa das

situações de risco protegidas pelo sistema da Previdência Social. Da forma como

tramitam esses recursos na Justiça do Trabalho, não há qualquer defesa ao tempo

de contribuição do trabalhador, somente há uma autêntica sanha arrecadatória do

INSS. Se o empregador for compelido a pagar essa contribuição, estará pagando

por um imposto também!194.

O principal argumento utilizado para continuar essa distorção pragmática é a

observância ao princípio da solidariedade. Faz-se mister, então, reiterar a explicação

de que o sistema previdenciário funciona como um contrato de seguro: paga-se para

no futuro, no caso ocorrer uma das situações elencadas, receber de volta em forma

de benefício ou serviço. Se não ocorrer a situação com determinado inscrito, poderá

ocorrer com outro, daí se alocar o que foi pago por um para cobrir a prestação de

outrem. Quer se dizer com isso que a solidariedade não é a causa do sistema

previdenciário, posto que ninguém se inscreve para contribuir para prestação de

outro inscrito – a relação entre o inscrito e a Previdência é sinalagmática – ambos

possuem direitos e deveres correlatos – logo, não se pode cogitar de solidariedade

num primeiro momento. 193 ADI n.°s 3.105 e 3.128 – O STF declarou constituci onal a cobrança da contribuição previdenciária e inconstitucional a faixa diferenciada para servidores da União, de 60%, enquanto que os servidores dos Estados, Municípios e Distrito Federal é de 50%, por violar o princípio da igualdade. 194 CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI apresentam posicionamento idêntico quanto a esse tema in Manual de direito previdenciário, p. 733.

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116

A solidariedade é uma conseqüência dentro do sistema previdenciário. Ela

decorre da incerteza e da contingência da vida dos inscritos; ou seja, as situações

que podem ocorrer com um, podem não ocorrer com o outro e daí ocorrer a

solidariedade para socorrer ao inscrito que se encontra numa situação de

necessidade. Portanto, o inscrito contribui para a previdência social para obter

prestação para si, em caso de necessidade; se não houver essa situação de

necessidade ele concorda em alocar o produto de suas contribuições para outro que

precisa.

Nesse sentido, o professor SACHA CALMON NAVARRO COELHO195 dispõe

que: “Inútil argumentar com viés atuarial que o segurado não paga para si, mas para

a geração mais antiga e que será beneficiado pelas pagas das gerações mais novas

(sistema de repartição simples ou pacto de gerações). Isto é verdadeiro pelo ângulo

sociológico, não, porém, pelo ângulo jurídico. A contraprova é simples. Se o

segurado nada pagar, direito algum terá perante o INSS, pouco lhe adiantando o tal

“pacto de gerações”. Para fruir as atuações do Estado, em seu prol terá que

contribuir obrigatoriamente, ou seja, terá que pagar um tributo ao Estado ou a

instrumentalidade sua, dele.”.

Em suma, não pode o INSS intentar uma série de arrecadações pura e

simplesmente em nome da solidariedade. O fundamento do sistema não é esse! A

previdência social baseia-se na universalidade de cobertura e atendimento em

situações de risco social que poderão ocorrer com o trabalhador e não na

solidariedade.

Por outro giro e até para perceber o paradoxo desse sistema, nota-se que não

há compatibilidade com o quanto se contribui e o quanto se percebe a título de

prestação. A prova disso é que muitos aposentados e pensionistas são obrigados a

continuar trabalhando para ter uma renda compatível com o mínimo necessário. Isso

realmente não deveria ocorrer por se tratar, repita-se, de uma relação sinalagmática

entre o inscrito e o sistema previdenciário: as prestações deveriam ser proporcionais

com o valor pago a título de contribuição previdenciária.

Todos esses problemas, inclusive a distorção do princípio da solidariedade,

na verdade, traz um trágico pano de fundo: a atual situação que o país enfrenta no

195 Op. cit. p. 53-54.

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117

tocante ao sistema previdenciário – cresce cada vez mais o fluxo de pagamento dos

benefícios previdenciários e diminuem os pagamentos de contribuições à

Previdência Social devido ao aumento da população idosa e dos riscos a que as

pessoas devem se sujeitar em suas atividades laborativas, crescimento da taxa de

desemprego e da informalidade, além, é claro, das sonegações de pagamento de

contribuições previdenciárias por parte dos empregadores.

PIERRE MOREAU196, nesse raciocínio, argumenta que: “As novas realidades,

os novos riscos oriundos destas transições econômicas, não encontram respaldo no

sistema de proteção social, que há tempos não está conseguindo suprir, de forma

plena, os problemas antigos, muito menos os novos desafios sociais. As inúmeras

discussões e críticas acerca da Seguridade Social, giram em torno, principalmente,

da forma de seu financiamento e sobre os prejuízos sociais e econômicos gerados

por seu elevado custo à sociedade.”.

Verifica-se, portanto, que, em termos pragmáticos, as normas constitucionais

e infraconstitucionais da Previdência Social não estão sendo eficazes o suficiente

para concretizar as finalidades do sistema.

Como se está argumentando por esse trabalho, a linguagem jurídica do direito

positivo há tempos não consegue acompanhar as necessidades modernas da

sociedade, todos esses problemas citados acima não estão em diálogo com a

linguagem do direito positivo. Daí a falta de eficiência que tanto se reclama do

sistema previdenciário.

O sistema constitucional previdenciário cultiva os termos plurissignificativos,

os quais foram reclamados por uma sociedade oprimida pelo governo militar no

passado e esquece-se que os tempos são outros e deixa cada vez mais estagnado

o ordenamento em relação a sua realidade social. E o que é pior, em nome de

termos vagos, é capaz de criar mecanismos inusitados que oneram mais seus

segurados, como é o caso da contribuição sobre os inativos.

A análise pragmática da Previdência Social permitiu verificar que a

significação desse sistema está completamente fora de sua moldura sintática.

196 Op. cit. p. 233.

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118

Voltando para as lições de J.M. OTHON SIDOU197 acerca da natureza social

do tributo, uma das premissas deste trabalho, “Para fixar a natureza social do tributo,

é mister apreciar, antes do mais, as tendências e os anseios da coletividade

humana.”.

A Previdência Social é custeada pelas contribuições previdenciárias e por

percentual do orçamento geral derivado de outros tributos, conseqüentemente, para

que esse sistema funcione adequadamente, os tributos deverão sempre estar

cumprindo sua função social que significa dialogar sempre com as necessidades

atuais da coletividade.

Nunca se poderá perder de vista que os tributos não são figuras neutras, mas

sim, sustentáculos das atividades do Estado para promoção do bem-estar geral de

todos os membros da coletividade, de maneira que qualquer mudança a ser feita

para melhorar o sistema previdenciário é imprescindível que seja feita uma pesquisa

sobre as reais e atuais tendências da sociedade.

O sistema previdenciário clama por mudanças e há muito a ser feito para que

haja uma equalização adequada entre o princípio da universalidade de cobertura no

atendimento e o equilíbrio financeiro e atuarial sem criar aberrações jurídicas. E as

propostas de soluções serão apresentadas no tópico do modelo constitucional

teórico.

197 Op. cit. p. 02.

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119

CAPÍTULO V

ANÁLISE SEMIÓTICA DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

Antes de adentrar no estudo semiótico das contribuições previdenciárias, é

preciso fazer algumas considerações acerca do conceito de tributo, bem como de

suas classificações dentro do sistema constitucional tributário.

Somente com essa digressão é que se poderá saber se as contribuições

previdenciárias tratam-se ou não de espécies tributárias autônomas e, assim,

estabelecer seu regime jurídico adequado, bem como suas características; ou seja,

de elaborar um modelo teórico de controle de validade, vigência e eficácia de suas

normas.

1. Do conceito de tributo

A Constituição Federal Brasileira promulgada em 1988, no que tange ao

Sistema Constitucional Tributário, prevê no artigo 145 a existência de 03 (três)

espécies tributárias que as entidades políticas competentes poderão instituir:

impostos, taxas e contribuições de melhoria. Todavia, veicula mais dois dispositivos

que prevêem outras espécies tributárias: os empréstimos compulsórios (artigo 148) e

as contribuições – sociais, corporativas e interventivas (artigo 149). Referidas

disposições provocam uma séria discussão doutrinária a respeito das classificações

das espécies tributárias.

Ressalte-se que a maior dificuldade para se realizar tais classificações está

relacionada, principalmente, com a elaboração de um conceito constitucional para o

vocábulo “tributo”.

O professor PAULO DE BARROS CARVALHO·, ao apontar 06 (seis)

significações utilizadas nos textos de direito positivo, lições de doutrina e

jurisprudência para o vocábulo “tributo”, demonstra como esse vocábulo pode ter

tantas acepções, que são: “(a) ‘tributo’ como quantia em dinheiro; (b) ‘tributo’ como

prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; (c) ‘tributo’ como

direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; (d) ‘tributo’ como sinônimo de relação

jurídica tributária; (e) ‘tributo’ como norma jurídica tributária; (f) ‘tributo’ como norma,

fato e relação jurídica.”. No sistema jurídico, partindo-se do código lícito/ilícito, a

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120

acepção norma jurídica é a mais adequada para o conceito de tributo. Nesse

sentido, GERALDO ATALIBA198 afirma que: “O conceito de tributo para o direito é

um conceito jurídico privativo, que se não pode confundir com o conceito financeiro,

ou econômico de outro objeto, de outros setores científicos, como é o tributo

ontologicamente considerado. Tributo, para o direito, é coisa diversa de tributo como

conceito de outras ciências.”.

C.M. GIULIANI FONROUGE199 conceitua tributo como uma “coerção por parte

do estado, já que é criado pela sua vontade soberana – com prescindência da

vontade individual – (...). Os tributos são prestações obrigatórias e não voluntárias.”.

Foi o doutrinador AMÉRICO MASSET LACOMBE200 quem encontrou uma

definição para tributo, baseando-se na estrutura dual da norma já exposta

anteriormente: “Tributo é norma jurídica geral, não autônoma, que estabelece uma

prestação pecuniária ao Estado, como resultante da ocorrência de um fato lícito,

concretizada por uma norma individual plenamente vinculada às previsões da norma

geral, da qual extrai o seu fundamento de validade.”.

A comprovação dessa definição é a existência do artigo 3º do Código

Tributário Nacional (uma norma jurídica): “tributo é toda prestação pecuniária

compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua

sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa

plenamente vinculada.”.

Esse conceito é perfeitamente aplicável às espécies tributárias contempladas

pelo Texto Constitucional, contudo a problemática inicia-se com a previsão do artigo

4º do CTN:

“A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva

obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;

II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.”.

198 Hipótese de incidência tributária. p. 23. 199 Conceitos de direito tributário. p. 20-21. 200 Contribuições profissionais. p. 19.

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121

Sobre a denominação, explica o professor VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA201

que:

“Melhor que o nome do instituto corresponda ao seu significado, de modo que se

tenha termo com significado de cuja convenção léxica ou estipulada todos os

endereçados participem imediatamente. Se ao nome não corresponde o instituto como

localizado no sistema jurídico, o regime jurídico que se lhe aplicará não será outro que

não o que lhe seja intrínseco, afastando-se o que lhe imporia se se deixasse levar

apenas por aspecto exterior. Nesse sentido, diz o CTN (art. 4º, I) que a denominação

adotada pela lei é irrelevante para qualificar a natureza jurídica específica do tributo;

trata-se de mais um exemplo de norma geral que tem a utilidade própria e limitada das

revelações didáticas. Mais amplamente, a denominação é irrelevante para qualificar a

natureza jurídica de qualquer instituto jurídico; enquanto desvinculada de significado dado

e aceito pelo ordenamento jurídico é simples palavra (sem sentido); ou com sentido que

resultará de uma definição estipulativa que lhe dará o aplicador ou o intérprete”.

Seguindo o raciocínio desse professor sobre a irrelevância da denominação e

das formas externas do tributo, é acertada a redação dada ao inciso I do art. 4º, não

havendo, portanto, qualquer divergência sobre esse aspecto do tributo. Contudo,

dispõe o inciso II sobre a irrelevância da destinação legal do produto da

arrecadação, disposição essa que contraria completamente a relação de

interdiscursividade das normas constitucionais, posto que, como já explicado, o

tributo não é uma figura neutra (afinal sempre terá uma destinação, sendo específica

ou não) e ainda há que se levar em conta as previsões constitucionais expressas do

artigo 149 sobre as destinações específicas.

Nessa esteira, o professor PAULO AYRES BARRETO202 ensina que: “é

preciso enfatizar a relevante alteração surgida em relação à possibilidade de se

determinar a natureza jurídica específica do tributo. Não há mais espaço para se

predicar a irrelevância da destinação legal do produto da arrecadação. Ao revés, a

vinculação do montante arrecadado a órgão, fundo ou despesa, em alguns casos,

passa a determinar a espécie tributária (...). Assim, o artigo 4º II, do Código

Tributário Nacional não foi recepcionado pela Constituição Federal em vigor.”.

201 Determinação do montante do tributo:Quantificação, Fixação e Avaliação. p. 89-91. 202 Op. Cit. p. 40-41.

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122

Nesse mesmo raciocínio, PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA203 explica que:

“o disposto no art. 4º, II do CTN não se aplica às contribuições especiais, valendo

tão-somente para os tributos validados através da técnica causal, mormente porque

a norma geral de direito tributário desconhece a técnica finalista, partindo, desse

modo, de outro modelo. À época da elaboração da Lei 5.172/66 partiu-se de um

pressuposto: que a natureza jurídica dos tributos era definida pelo fato gerador,

sendo irrelevante o elemento finalidade. O mencionado dispositivo, portanto, não

vale para as contribuições especiais, aplicando-se apenas em relação às exações

previstas pelo CTN em seu art. 5º.”.

Esse professor se vale dos sábios ensinamentos de MARCO AURÉLIO

GRECO204 que difere os tributos com validação causal (impostos, taxas e

contribuições de melhoria) dos com validação finalística (imposto extraordinário de

guerra, empréstimos compulsórios, contribuições sociais, corporativas e

interventivas). Diz ele expressamente que: “(...) não se pode negar a existência do

dado jurídico positivo que são as previsões constitucionais explicitas, nas quais o

modelo finalista está previsto.”.

Para LUCIANO AMARO205 a destinação também não pode ser ignorada e,

afirma categoricamente que: “Se a destinação integra o regime jurídico da exação,

não se pode circunscrever a análise de sua natureza jurídica ao iter que se inicia

com a ocorrência do fato previsto na lei e termina com o pagamento do tributo (ou

com outra causa extintiva da obrigação), até porque isso levaria o direito tributário a

ensimesmar-se a tal ponto que negaria sua própria condição de ramo do direito que

supõe a integração sistemática ao ordenamento jurídico total.”.

O Texto Constitucional, como já explicado, é um corpo único de linguagem de

maneira que todos os seus dispositivos se entrelaçam e possuem entre si uma

relação de intratextualidade, ou melhor, intradiscursividade. Relação essa que deve

ser levada em conta no processo de interpretação de cada um dos dispositivos. O

tributo, mencionado expressamente somente a partir do artigo 145 – quando se

iniciam as prescrições do Sistema Constitucional Tributário – deve ser conjugado

com o Preâmbulo, com os princípios fundamentais e com os direitos e garantias

203 Contribuições de intervenção no domínio econômico. p. 18. 204 Contribuições (uma figura “sui generis”). p. 130. 205 Direito tributário brasileiro. p. 76.

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123

fundamentais (individuais e sociais). É dessa forma que se pode apreender o

verdadeiro sentido do processo de tributação. O tributo não é uma quantia paga ao

Estado unilateralmente, pelo contrário, serve para garantir os ideais expressos no

próprio Preâmbulo da Constituição Federal e, por conseguinte, consagrar um Estado

Democrático. São os tributos, portanto, os instrumentos garantidores dos valores

consagrados no Texto Constitucional: “exercício dos direitos sociais e individuais, a

liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”.

É diante de todo esse contexto que se afirma, logicamente, que os tributos

não são figuras neutras, eles são instituídos para atender finalidades, sejam elas

genéricas e indivisíveis (como no caso dos impostos), concretas e divisíveis (como

no caso das taxas, contribuições de melhoria, contribuições corporativas, CIDE e

contribuições previdenciárias) específicas indivisíveis (como no caso das

contribuições sociais genéricas e dos empréstimos compulsórios).

Nesse sentido, GERALDO ATALIBA206 define o tributo como um “instrumento

jurídico de abastecimento dos cofres públicos” e, explica que: “a finalidade última

almejada pela lei, no caso, é a transferência de dinheiro das pessoas privadas,

submetidas ao poder do estado, para os cofres públicos.”.

Esse autor sublinha bem a importância desses “dinheiros públicos” 207: “O

controle dos dinheiros públicos – seja na fase de arrecadação, de gestão ou de

dispêndio – é minuciosamente disciplinado seja pela Constituição, seja pela

legislação. São previstos atos controladores prévios, concomitantes e posteriores,

além de cabal prestação de contas, seja episódica, seja periódica, conforme as

circunstâncias do caso”.

No mesmo raciocínio, ARTHUR MARIA FERREIRA NETO208 explica que o

traço nuclear constitucional do tributo é “receita pública derivada” e explica que: “A

referência à receita pública derivada na estruturação do conceito constitucional de

tributo é necessária por dois motivos. Primeiro, por indicar que os valores recolhidos

mediante a cobrança das prestações tributárias deverão efetivamente representar

um ingresso nos cofres públicos. São, pois, receitas públicas em sentido lato.

Segundo por possibilitar a diferenciação dos ingressos de natureza tributária das

206 Hipótese de incidência tributária. p. 29. 207 República e Constituição. p. 79. 208 Natureza Jurídica das contribuições na constituição de 1988, p. 42-43.

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124

receitas públicas originárias, cujos valores são extraídos exclusivamente da

exploração econômica do patrimônio da entidade estatal”.

Assim, se jaz na essência última dos tributos a finalidade de custear as

atividades do Estado, os elementos “destinação” e “restitutibilidade” são

extremamente relevantes para a construção das espécies tributárias.

Nessa esteira, quando a Constituição Federal refere-se à destinação das

contribuições e à restituibilidade dos empréstimos compulsórios, ela está delimitando

características peculiares dessas espécies tributárias atinentes à essência da

tributação: financiamento da atividade estatal. São essas características peculiares

que proporcionarão uma estrutura lingüística diferenciada para cada uma das

espécies tributárias.

Para consagrar esses elementos é que os estudiosos EURICO MARCOS

DINIZ DE SANTI e VANESSA RAHAL CANADO209 readaptaram o artigo 3º do CTN

e formularam o seguinte conceito para tributo: “Tributo é toda prestação pecuniária

compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua

sanção de ato ilícito, instituída em lei, cobrada e destinada mediante atividade

administrativa plenamente vinculada.”.

De qualquer forma, o conceito de tributo tem suas origens no texto da

Constituição Federal e toma como ponto de partida os ideais e princípios

consignados no referido texto. Dessa forma é possível afirmar que o tributo é um

instrumento utilizado pelo poder constituinte para a efetivação do Estado Social

Democrático; isto é, para a concretização dos valores apontados no Preâmbulo da

CF e, assim, para o financiamento dos princípios fundamentais e dos direitos e

garantias individuais e sociais.

Conseqüentemente, o Sistema Constitucional Tributário é entendido como um

conjunto harmônico de normas interdependentes presentes no Texto Constitucional,

as quais dispõem sobre as relações entre os entes tributantes e seus respectivos

contribuintes atinentes ao exercício da competência tributária, bem como dos direitos

e garantias individuais fundamentais (gerais e tributárias) dos contribuintes. É bem

essa a idéia que o mestre GERALDO ATALIBA210 expressa no seguinte trecho: “É,

209 “Direito Tributário e Direito Financeiro: Reconstruindo o conceito de tributo e resgatando o controle da destinação” in Contribuições para a seguridade social. p. 314. 210 Sistema constitucional tributário brasileiro. p. 10-11.

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125

pois universal e necessária a presença de disposições que cuidem da matéria

tributária nas constituições modernas. O conjunto delas, harmonizado com certos

outros princípios constitucionais mais genéricos, forma o que se designa por

‘sistema constitucional tributário’, oferecendo quadro geral informador das atividades

tributárias, ao mesmo tempo que a colocação essencial das posições, demarcações

e limites dentro dos quais e segundo os quais se desenvolve a trama tributária.”.

Também nesse sentido, e, até para finalizar esse raciocínio acerca da

importância do estudo constitucional para o sistema da tributação, o professor JOSÉ

ARTUR LIMA GONÇALVES211 ensina que: “Princípios e normas constitucionais

informam substancialmente a matéria e devem nortear sua intelecção. É que só

assim estarão sendo prestigiados os princípios; e repita-se, o sentido, conteúdo e

alcance dos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade, da anterioridade,

da capacidade contributiva, da indelegabilidade de funções, da segurança jurídica

etc. só podem, evidentemente, ser perquiridos a partir das normas constitucionais,

sistematicamente consideradas. Seria absurdo – não se pode admitir – que a

pesquisa do sentido e alcance dos princípios constitucionais pudesse ficar sujeita a

prescrições da legislação ordinária ou de atos administrativos. Tais princípios

fundamentais devem ser compreendidos a partir de sistema de normas igualmente

fundamentais, da Constituição Federal.”.

2. As classificações das espécies tributárias na doutrina brasileira

Sobre a classificação dos tributos, expressa muito bem sua importância o

professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA212 ao dizer que: “No Brasil, pelo contrário,

é imperioso classificá-lo corretamente, até para constatarmos se não houve uma

invasão de competência, por parte da entidade tributante. É que, não raro, a pessoa

política que invade campo tributário alheio rotula o “tributo” assim criado com nomes

exóticos (preço, sobrepreço, tarifa, adicional, encargo financeiro etc). Daí a

importância de termos critérios científicos, que nos permitam verificar, com

acentuado grau de certeza, se estamos realmente diante de um tributo e de que tipo,

e se a pessoa política que o criou invadiu, ou não, esfera que a Constituição

reservou a outra entidade tributante.”.

211 Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. p. 172-173. 212 Curso de direito constitucional tributário. p. 488 (nota de rodapé).

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126

O professor ESTEVÃO HORVATH213 ensina que: “Uma classificação, em

qualquer ciência, significa a redução de algo a grupos que tenham as mesmas

características. A divisão será mais útil quando servir para explicar didaticamente, da

melhor maneira, o objeto daquela ciência. Qualquer classificação que se pretenda

jurídica há de tomar por base o direito positivo.”. E, corroborando os seus dizeres, o

professor JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO214, sabiamente, explica que “As

classificações das normas tributárias devem tomar como ponto de partida a própria

Constituição Federal, mediante plena compatibilização vertical com os demais

preceitos espalhados no ordenamento jurídico.”.

Classificar é um ato decorrente da inteligência humana e consiste numa

operação lógica que divide em classes um dado número de objetos, consoante

critérios preestabelecidos. JOHN HOSPERS215, nesse sentido explica que: “(...)

classes are man-made in the sense that the act of classifying is the work of human

beings, depending on their interests and needs. We could quite validly have made

classifications quite different from those we did make by selecting from the infinite

reservoir of nature different groups of common characteristics (as bases for

classification) from those we did select.”.

Nessa esteira, o professor VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA216 afirma que:

“Tanto quanto as definições, as classificações são instrumentos da metodização da

atividade jurídica. Com as classificações, que operam mediante divisões, apontam-

se características que permitem melhor distinguir os objetos com o escopo de

melhor identificá-los. (...) As classificações devem ser procedidas diante de um

critério eleito, segundo possa apresentar utilidade, com isso, não se incide no erro

metodológico de se ‘classificar’ objetos como quem simplesmente amontoa.”.

Dessa maneira, cada doutrinador escolhe o critério (ou critérios) que melhor

lhe aprouver para realizar sua classificação tributária e, assim, identificar duas, três,

quatro, cinco ou “n” espécies de tributos É o que aponta o professor LUCIANO

AMARO217 no seguinte trecho:

213 Lançamento tributário e autolançamento. p. 46. 214 Curso de direito tributário. p. 46. 215 An introduction to philosophical analysis. p. 21. 216 Op. cit. p. 35. 217 Op. cit. p. 66-67.

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127

“O grande divisor de águas das classificações doutrinárias está em que alguns

autores escolhem uma única variável como elemento distintivo, enquanto outros optam

por utilizar mais de uma variável. É obvio que, adotada uma só variável (por exemplo, a

característica x), os tributos só poderão receber uma classificação bipartida, dado que a

pergunta sobre a existência de x em dado tributo só admite duas respostas: sim ou não.

Se a variável eleita for a característica y (diversa de x), cada conjunto terá um rol

diferente de figuras. Só haverá coincidência em relação às figuras que, cumulativamente,

apresentem as características x e y. (...). Os autores que se utilizam de mais de uma

variável para classificar os tributos (fato gerador, destinação, restituibilidade, etc), irão

logicamente, identificar três, quatro, n conjuntos conforme a maior ou menor

especificidade dos critérios analíticos que sejam eleitos. (...). A questão que deve ser

colocada está em saber se o critério eleito é suficiente para que se apreendam os

diferentes regimes jurídicos a que cada grupo de figuras está submetido pelo

ordenamento jurídico”.

ALFREDO AUGUSTO BECKER foi o representante da classificação bipartida

dos tributos, posto que reduziu todas as exigências tributárias em impostos ou taxas.

GERALDO ATALIBA, PAULO DE BARROS CARVALHO e ROQUE ANTONIO

CARRAZZA são representantes da classificação tripartida dos tributos, partindo-se

da classificação elaborada por GERALDO ATALIBA dos tributos em vinculados e

não vinculados a uma atuação estatal. Assim, encontraram-se os impostos (tributos

não vinculados a uma atuação estatal); as taxas (tributos vinculados a uma atividade

estatal) e as contribuições de melhoria (tributos vinculados a uma atuação estatal).

Eles analisam a consistência da hipótese de incidência e, desconsideram a

destinação específica para a sua verificabilidade, de maneira que as contribuições e

os empréstimos compulsórios, ao terem suas hipóteses normativas analisadas,

serão reduzidas a impostos ou taxas.

O professor PAULO DE BARROS CARVALHO considera, ainda, que a

hipótese normativa deve ser conjugada com a base de cálculo do tributo para

determinar sua espécie. E, portanto, essa corrente tripartida das espécies tributárias

consagra o que JOHN HOSPERS218 denominou de “classificação intrínseca”

(“classes are in nature in the sense that the common characteristics can be found in

nature, waiting (as it were) to be made the basis for a classification”), afinal, ela

somente leva em conta os aspectos internos da regra-matriz de incidência tributária

(h.i. e BC) e, por conseqüente, chancela os ditames do art. 4.º do CTN.

218 Op. cit. p. 21.

Page 128: Cp 134822

128

Dentre os adeptos da teoria tripartida, há os que acreditam que as

contribuições são espécies tributárias autônomas, como GERALDO ATALIBA,

AIRES BARRETO, RUBENS GOMES DE SOUSA e SUSY GOMES HOFFMANN e

outros que acreditam que as únicas contribuições verdadeiras são as de melhoria e

as demais poderão ser reduzidas a impostos ou taxas, como ROQUE ANTONIO

CARRAZZA, PAULO DE BARROS CARVALHO e AMÉRICO MASSET LACOMBE.

Há juristas como JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, FÁBIO FANUCCHI,

LUCIANO AMARO e BERNARDO RIBEIRO DE MORAIS que encontram quatro

espécies tributárias, cada qual com uma divisão diferente. LUCIANO AMARO219, por

exemplo, apregoa que as quatro espécies tributárias são: impostos, taxas (de

serviço, de polícia, de utilização de via pública e de melhoria), contribuições (sociais,

econômicas e corporativas) e empréstimos compulsórios.

MARCIO SEVERO MARQUES220, tomando por base três critérios

diferenciadores: (a) previsão legal de vinculação entre a hipótese de incidência e a

atividade estatal; (b) previsão legal de destinação específica do produto da

arrecadação; e, (c) previsão legal de restituição do montante arrecadado ao

contribuinte, ao cabo de determinado período, elaborou a seguinte classificação

abaixo transcrita:

Tributos

Identificados

1º Critério : exigência

constitucional de

previsão legal de

vinculação entre a

materialidade do

antecedente

normativo e uma

atividade estatal

referida ao

contribuinte

2º Critério : exigência

constitucional de

previsão legal de

destinação específica

para o produto da

arrecadação

3º Critério : exigência

constitucional de

previsão legal de

restituição do

montante arrecadado

ao contribuinte, ao

cabo de determinado

período

Impostos Não Não Não

Taxas Sim Sim Não

Contribuições de

Melhoria

Sim Não Não

219 Op. cit. p. 80. 220 Classificação Constitucional dos Tributos. p. 225.

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129

Contribuições Não Sim Não

Empréstimos

Compulsórios

Não Sim Sim

Essa classificação quinquipartida dos tributos foi encampada pelos

doutrinadores JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELLO, CLÁUDIO SANTOS, HUGO

DE BRITO MACHADO e TÁCIO LACERDA GAMA.

Outros jovens doutrinadores, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI e FABIANA

DEL PADRE TOMÉ formularam uma classificação extrínseca das espécies

tributárias, posto que ambos observaram que a classificação intrínseca não seria

suficiente para esgotar todas as possibilidades previstas no Sistema Constitucional

Tributário. Afirma o professor EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI221 que: “a

classificação intrínseca não esgota o repertório de variáveis do sistema

constitucional tributário vigente. Nele foram instaladas as seguintes peculiaridades:

(i) é vedada a vinculação de receita de impostos (art. 167, IV da CF/88); (ii) as

contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de

categorias profissionais ou econômicas, têm sua destinação vinculada aos órgãos

atuantes nas respectivas áreas (arts. 149, 195, 212, § 5º, etc) e (iii) os empréstimos

compulsórios, sobre serem vinculados aos motivos que justificam sua edição, hão de

ser, obrigatoriamente, restituídos ao contribuinte”. Assim, o esquema da

classificação dos dois professores é o seguinte222:

Taxa

Vinculado

Contribuição de

Melhoria

Imposto em sentido

estrito

Contribuição

Tributo

Não Vinculado

Imposto

Empréstimo

Compulsório

221 As classificações no sistema tributário brasileiro. p.12. 222 Cf. Fabiana Del Padre Tomé, Contribuições para a seguridade social à luz da Constituição Federal. p. 83.

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130

Há que se consignar a coerência lógica na classificação elaborada pelo

professor PAULO AYRES BARRETO. Explica esse ilustre tributarista que223: “O

tema da classificação dos tributos subordina-se – como de resto aconteceria em

todo esforço classificatório – aos princípios, conceitos e limites da teoria das classes.

Ao pretender-se dividir tributos em diferentes classes, tem-se, necessariamente,

que: (i) eleger um único fundamento para divisão, em cada etapa do processo

classificatório; (ii) as classes identificadas em cada etapa desse processo devem

esgotar a classe superior; e (iii) as sucessivas operações de divisão devem ser feitas

por etapa, de forma gradual.”.

Assim, a sua classificação dos tributos esquematiza-se da seguinte forma:

Tributos Vinculados Tributos Não Vinculados

Destinados Não Destinados Destinados Não Destinados

Restituíveis Não

Restituíveis

Restituíveis Não

Restituíveis

Restituíveis Não

Restituíveis

Restituíveis Não

Restituíveis

Portanto, o professor PAULO AYRES BARRETO224 conclui pelas seguintes

possibilidades:

“1) se o tributo for vinculado, destinado e restituível, teremos um empréstimo

compulsório, cuja materialidade pode ser de uma taxa ou de uma contribuição de

melhoria;

2) se o tributo for vinculado, destinado e não restituível, estaremos diante de uma

taxa ou de uma contribuição de melhoria, a depender do critério material eleito;

3) em face das premissas adotadas, não haveria a possibilidade lógica de um

tributo ser vinculado, não destinado e restituível; o tributo vinculado tem o produto de sua

arrecadação destinado a uma finalidade constitucionalmente determinada;

4) o mesmo raciocínio desenvolvido para o item anterior aplica-se à hipótese de

tributo vinculado, não destinado e não restituível;

223 Op. cit. p. 74. 224 Op. cit. p. 78.

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131

5) se o tributo for não vinculado, destinado e restituível estaremos diante de um

empréstimo compulsório;

6) se o tributo for não vinculado, destinado e não restituível, teremos,

necessariamente, uma contribuição que não a de melhoria;

7) não há previsão, em nosso sistema tributário, de tributo não vinculado, não

destinado e restituível;

8) se o tributo for não vinculado, não destinado e não restituível, estaremos diante

de um imposto”.

3. A classificação tributária proposta pelo trabalho

Ao se tomar como sistema de referência o fenômeno da linguagem e dessa

forma considerar o Texto Constitucional como um corpo lingüístico que deve ser

interpretado segundo as técnicas da sintática, semântica e pragmática, a

classificação das espécies tributárias deve percorrer todo o processo gerador de

sentido (sintática, semântica e pragmática) da tributação e de cada uma das

espécies de tributos previstas. Quer se dizer com isso que a classificação a ser

construída deve distinguir as normas constitucionais sob três planos: sintático,

semântico e pragmático.

Sob o plano sintático do sistema constitucional tributário, pode-se vislumbrar

03 (três) regras-matrizes de incidência tributária: (1) O tributo que tem por hipótese

de incidência um fato que representa um signo presuntivo de riqueza e que, em

decorrência disso, não está vinculado a qualquer atividade estatal específica

(impostos); (2) O tributo que tem por hipótese de incidência uma atividade estatal

relativa ao exercício de poder de polícia e à execução de serviços públicos e,

portanto, vinculado a uma atividade estatal específica (taxas); (3) O tributo que tem

por hipótese de incidência uma valorização imobiliária decorrente da realização de

obra pública e, portanto, vinculado indiretamente a uma atividade estatal específica

(contribuições de melhoria). Todavia, também sob o prisma sintático, há que se

adicionar 02 (dois) enunciados prescritivos: (i) destinação do produto da arrecadação

do tributo; e, (ii) restituição do valor pago a título de tributo.

Ao se atrelar esses enunciados prescritivos às três hipóteses de incidência,

surgem 02 (duas) novas espécies tributárias: (1) quando se combina a regra-matriz

dos impostos com o enunciado prescritivo de restituibilidade do valor pago, tem-se

um empréstimo compulsório-imposto; (2) quando se combina a regra-matriz das

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132

taxas com o enunciado prescritivo de restituibilidade, tem-se, também um

empréstimo compulsório-taxa e, (3) quando se combina a regra-matriz dos impostos

com o enunciado prescritivo de destinação, tem-se uma contribuição.

Sob o plano semântico, já se pode afirmar, seguramente, que existem 05

(cinco) espécies tributárias distintas: impostos, taxas, contribuições de melhoria,

empréstimos compulsórios e contribuições, posto que cada uma dessas espécies

possuem significados completamente distintos: (i) os impostos são tributos

completamente desvinculados de uma atuação estatal e se fundam em uma situação

de fato ou de direito em que o contribuinte se encontra; (ii) as taxas são tributos

vinculados a uma atividade estatal referente a serviços públicos ou atividade

decorrente do poder de polícia; (iii) as contribuições de melhoria são tributos

vinculados indiretamente a uma atividade estatal relativa à realização de obra

pública que ocasione valorização imobiliária; (iv) os empréstimos compulsórios são

tributos que podem ou não ser vinculados a uma atuação estatal excepcional

decorrente de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência ou, ainda, uma

atividade estatal relativa a investimento público de caráter urgente e de relevante

interesse social; e, (v) as contribuições são tributos não vinculados a uma atuação

estatal, todavia, o produto de sua arrecadação está atrelado a uma atividade estatal

relativa à intervenção do Estado no Domínio Econômico, no Domínio Social e no

Domínio do Trabalho - quando essa atuação for no domínio econômico, são

denominadas de contribuições de intervenção no domínio econômico; quando essa

atuação for no domínio do trabalho são denominadas contribuições corporativas, e,

quando essa atuação for no domínio social, serão denominadas contribuições

sociais 225.

E, sob o plano pragmático também se verifica seguramente 05 (cinco)

espécies tributárias distintas: (i) os impostos que financiam os cofres públicos e, por

conseqüente, as atividades estatais genéricas e indivisíveis; (ii) as taxas que

financiam especificamente as atividades estatais concernentes a serviços públicos –

taxas de serviços públicos - e o exercício de poder de polícia – taxas de poder de

polícia; (iii) as contribuições de melhoria que financiam as obras públicas que geram

valorização imobiliária; (iv) os empréstimos compulsórios que financiam despesas

225 Por todas as premissas adotadas, as contribuições do art. 149-A não são consideradas nesse trabalho, posto que, pelo sistema de referência adotado, tal figura sequer se enquadra na qualidade de contribuição.

Page 133: Cp 134822

133

extraordinárias decorrentes de calamidade pública, guerra externa (ou sua

iminência) ou alguma outra situação de caráter urgente e de relevante interesse

social; (v) as contribuições que financiam atividades estatais de intervenção no

Domínio Econômico – contribuições de intervenção no domínio econômico – no

Domínio do Trabalho – contribuições corporativas – e no Domínio Social –

contribuições sociais ou contribuições para a seguridade social. Essas últimas se

subdividem em: contribuições sociais genéricas quando financiam o orçamento da

seguridade social de forma genérica (FGTS, Salário-Educação, PIS, PASEP,

COFINS, CSLL), e em contribuições sociais previdenciárias quando financiam

especificamente o orçamento da Previdência Social.

Assim, da análise dos três planos de linguagem do Texto Constitucional no

que concerne ao Sistema Tributário, é possível esquematizar as espécies tributárias

da seguinte forma:

Sintática Semântica Pragmática

F→ot Impostos Financiar cofres

públicos para

atividades

universais,

genéricas e

indivisíveis.

Ae→ot Taxas decorrentes do

exercício do poder de

polícia

Taxas de serviços públicos Financiar

atividade estatal

relacionada ao

exercício de

poder de polícia

ou realização de

serviços

públicos.

Ae+fs →ot Contribuições de Melhoria Financiar

atividade estatal

relacionada à

realização de

obra pública que

promova

valorização

imobiliária

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134

Contribuições Sociais F+dl→ot Contribuições

Corporativas

Contribuições

Interventivas-

CIDE Genéricas Previdenciárias

Financiar fundo

ou órgão

responsável

pelas

corporações

profissionais,

setores

econômicos e

seguridade

social de forma

genérica ou,

especificamente,

para a

Previdência

Social

ae+dl+r→ot

f +dl+r→ot

Empréstimos Compulsórios

Taxas

Empréstimos Compulsórios

Impostos

Financiar

despesas

extraordinárias

decorrentes de

guerra externa

ou sua iminência

ou calamidade

pública; financiar

investimento

público de

caráter urgente

e de relevante

interesse

nacional.

Legenda:

f = fato jurídico signo presuntivo de riqueza

ot = obrigação tributária

ae = atuação estatal

fs = fato jurídico superveniente

dl = destinação legal

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135

r = restituibilidade

Conseqüentemente, com base nas assertivas formuladas acima, é possível

concluir que as contribuições são espécies tributárias distintas das demais sintática,

semântica e pragmaticamente.

É sintaticamente diferente porque possui uma estrutura lógica atrelada a uma

destinação específica, tal como se verá mais adiante.

É semanticamente distinta porque se trata de uma espécie tributária com

destinação específica (=ordem social, ordem econômica e ordem do trabalho).

E, é pragmaticamente distinta porque é utilizada como instrumento extrafiscal

pelo Estado para o custeio de atividades realizadas pelo Estado ou de quem lhe faça

às vezes (caso das contribuições corporativas e previdenciárias) na ordem social, na

ordem econômica e na ordem do trabalho.

Em suma, graças à estrutura lingüística das normas constitucionais é possível

identificar as espécies tributárias, bem como suas subespécies. Dessa maneira,

inclusive, se diferenciam completamente os impostos das contribuições, afinal, eles

possuem estruturas sintáticas, semânticas e pragmáticas distintas.

4. As contribuições e suas espécies

A palavra contribuição deriva do latim contributione e, conforme as definições

propostas pelo Dicionário Michaelis, pode apresentar as seguintes acepções: (i) Ato

de contribuir; (ii) Quantia com que cada um entra para uma despesa comum; (iii)

Imposto, tributo; (iv) Subsídio de caráter moral, social, literário ou científico, para

alguma obra útil.

O termo contribuição foi muito difundido no direito português, embora

traduzindo uma noção de imposto. Exemplos de antigas contribuições portuguesas

são: a contribuição criada para a jornada d’El-Rei pela Provisão de 13 de dezembro

de 1612; a contribuição destinada a compor o dote da rainha da Grã-Bretanha,

instituída pelo Alvará de 12 de julho de 1966; a contribuição sobre a carne e o vinho,

criada pela Carta Régia de 29 de novembro de 1674; a contribuição do tabaco,

instituída pela Provisão de 13 de novembro de 1680; a contribuição para o

casamento de D. Isabel, estabelecida pela Provisão de 15 de março de 1681;

Page 136: Cp 134822

136

contribuição para a construção de estradas do Alto Douro, criada pelo Alvará de 23

de março de 1802.

No direito espanhol o termo contribuição também significava imposto, tal

como nos exemplos “contribución general sobre la renta” e “contribución territorial

urbana.”.

Era no antigo sistema francês que as “contribution” denotavam pagamento

voluntário.

No Brasil, o termo “contribuição” foi utilizado pela primeira vez na Constituição

Imperial de 1824 como sinônimo de imposto. Em 1836, foram instituídas a

contribuição sobre o couro para consumo e a contribuição para o montepio (Lei n.º

70/1836) e, em 1843, a contribuição extraordinária incidente sobre os vencimentos

recebidos dos cofres públicos (Lei n.º 317/1843 – primeira lei brasileira sobre

imposto de renda). Portanto, todas elas tinham conotação de imposto.

Com o Texto Constitucional de 1967, mais especificamente com a Emenda

Constitucional n.º 1/1969, as contribuições começaram a apresentar nova

conotação, primeiro porque o art. 21, § 2.º, da EC dispôs sobre a competência

tributária da União para instituir contribuições para custeio dos encargos da

previdência social e, segundo, porque foi acrescentado no Código Tributário

Nacional o artigo 217 que previa a exigibilidade de contribuições outras diversas das

contribuições de melhoria; isto é, começava a despontar sua natureza tributária.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 8/1977, iniciou-se uma árdua

discussão na doutrina quanto a sua natureza tributária, posto que com referido

Diploma, as contribuições passaram a ser de responsabilidade do Congresso

Nacional e foram excluídas do sistema tributário.

Contudo, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as

contribuições foram inseridas no Capítulo atinente ao sistema tributário

constitucional, em artigo apartado das espécies tradicionais (impostos, taxas e

contribuições de melhoria – art. 145), porém com determinação expressa para se

submeter a princípios típicos do sistema tributário, bem como às normas gerais em

matéria de legislação tributária, além da estrita observância de sua específica

destinação, dessa forma, com conotação completamente diversa de imposto, taxa e

contribuição de melhoria.

Page 137: Cp 134822

137

Fato esse que nos faz consagrar a natureza tributária das contribuições, bem

como que são espécies tributárias autônomas. Corrobora esse raciocínio a

professora FABIANA DEL PADRE TOMÉ226 ao afirmar que: “A Constituição Federal

brasileira, porém, não fez uso do vocábulo ‘contribuição’ como sinônimo de ‘tributo’.

Evoluiu no sentido de utilizar essa nomenclatura para indicar espécie tributária

autônoma, não coincidente com impostos e taxas.”.

Nessa mesma esteira, ARTHUR MARIA FERREIRA NETO227 afirma que: “a

leitura sistemática do texto da Constituição deixa pouco espaço para dúvidas acerca

da qualificação tributária das contribuições. O fato do art. 145 referir apenas os

impostos, as taxas e as contribuições de melhoria não pode levar à conclusão de

que seriam somente esses os tributos existentes no Sistema Tributário Nacional em

vigor. Sabe-se que esse dispositivo apenas elenca os tributos de instituição comum

às três esferas da Federação, já que, logo em seguida no texto constitucional, os

arts. 148 e 149 estabelecem outras duas exações (empréstimos compulsórios e

contribuições) que caberiam exclusivamente à União. Ora, a leitura isolada do art.

145 até poderia levar à conclusão de que somente existem as três espécies

tributárias ali apontadas, mas uma leitura integrada dos dispositivos estabelecidos

sob o Capítulo do Sistema Tributário Nacional impede tal raciocínio.”.

E, também com a seguinte explanação da professora MIZABEL ABREU

MACHADO DERZI228: “Custou algum tempo para que o regime tributário específico

fosse estendido às taxas. Foi necessária uma outra longa caminhada, uma outra

longa luta para que as contribuições, de forma indiscriminada, para que os

empréstimos compulsórios tivessem reconhecido o seu caráter tributário. Não vamos

retroceder agora, não vamos permitir nenhum retrocesso histórico. Vamos, ao

contrário, tornar efetiva, concreta e real a atuação do princípio da legalidade.

Tenhamos a consciência de que quando ele se abala dentro do Direito Tributário se

abala a República e se abala a democracia. Na verdade não podemos permitir que

através dessa porta se crie um outro vício, que é um retrocesso gravíssimo, somente

existente e explicável à época do fascismo e do corporativismo exacerbado.”.

226 Contribuições para a seguridade social à luz da Constituição Federal. p. 95. 227 Op. cit. p. 62-63. 228 “Contribuições” in Revista de Direito Tributário nº 48/1989, p. 232.

Page 138: Cp 134822

138

As contribuições, então, são espécies tributárias autônomas e se subdividem

em corporativas (as que custeiam entidades que fiscalizam e regulam o exercício de

atividades profissionais ou econômica, tal como as contribuições destinadas à

Ordem dos Advogados do Brasil), interventivas (as que custeiam a intervenção do

Estado no domínio econômico, tal como a CIDE-Combustível) e sociais (as que

custeiam a Seguridade Social).

As contribuições destinadas à Seguridade Social, estudada no capítulo

anterior, também se subdividem segundo mostra a tabela abaixo:

Contribuições Sociais

Genéricas Previdenciárias

São as contribuições sociais que compõem o

orçamento da União para a Seguridade Social,

tais como Salário-Educação, FGTS, PIS,

COFINS, PASEP, CSLL, PIS/PASEP e COFINS

importação e a contribuição sobre receita de

concursos prognósticos.

São as contribuições sociais que compõem o

orçamento da previdência social gerido pelo

INSS, se o trabalhador estiver sob o regime da

CLT ou por outro órgão paraestatal, se o

trabalhador for servidor público. É a contribuição

do empregador sobre a folha de salário dos

segurados obrigatórios e a contribuição dos

trabalhadores e demais segurados (segurados

facultativos).

Em sendo as contribuições espécies tributárias autônomas, distintas das

demais, verifica-se que as contribuições previdenciárias são uma subespécie das

contribuições sociais e dessa assertiva pode-se concluir que: (i) as contribuições

previdenciárias possuem natureza tributária; (ii) as contribuições previdenciárias são

espécies tributárias autônomas; e, (iii) contribuições previdenciárias não são

sinônimos de contribuições sociais. Tratam-se respectivamente de espécie e gênero.

É oportuno dizer nesse momento quão importante é diferenciar seguridade

social e previdência social, posto que cada uma delas tem sua forma de custeio; ou

seja, enquanto a seguridade social é custeada pelas contribuições sociais genéricas,

posto que, como já dito no capítulo anterior, deve englobar todas as necessidades

da coletividade, inclusive a educação, a previdência social, por se tratar de um

sistema de seguro social entre seus inscritos, é custeada pelas contribuições

previdenciárias e por parcela do orçamento geral da União.

Page 139: Cp 134822

139

São as contribuições previdenciárias o foco deste trabalho e, portanto, são

exclusivamente delas que trataremos daqui por diante.

5. Análise sintática das contribuições previdenciárias

Se até então, todas as conclusões inferidas partiram do caráter dialógico do

Texto Constitucional e da interdiscursividade e intertextualidade entre os comandos

normativos, nesse momento de análise das contribuições previdenciárias tal caráter

será até melhor explorado, tendo em vista que, como já apontado linhas acima, tais

contribuições são qualificadas pela sua destinação constitucional específica.

Essa qualificação se infere do diálogo entre os arts. 149, 195 e 201 do Texto

Constitucional.

Assim, em termos sintáticos, o primeiro aspecto a ser levado em conta é essa

norma que impõe a destinação do produto da arrecadação das contribuições

previdenciárias para as prestações do sistema geral de Previdência Social.

Nesse sentido, o professor PAULO AYRES BARRETO229 afirma que: “Nas

contribuições, além de apreciação de mesma natureza – cabível nas hipóteses em

que há referência à materialidade na Constituição, como, verbi gratia, nas

contribuições destinadas à seguridade social (artigo 195) – impõe-se a análise dos

dispositivos que informam a finalidade de sua instituição. Nos termos do artigo 149

da Constituição Federal, a outorga de competência para a instituição de

contribuições subordina-se à efetiva atuação da União em determinada finalidade.

Os recursos advindos de contribuições devem, obrigatoriamente, ser aplicados na

finalidade que motivou a instituição do tributo, sempre como instrumento de atuação

da União.”.

MARCIANO SEABRA DE GODOI230 explica que: “Do ponto de vista da

formulação e da execução da política tributária/orçamentária do governo federal, o

texto constitucional de 1998 não poderia ter sido mais claro: os recursos dos

impostos federais destinam-se a financiar os gastos/despesas/investimentos gerais

do governo central (infra-estrutura, segurança pública, encargos da dívida pública,

vencimento dos servidores dos três poderes, etc.), ao passo que as contribuições

229 Op. cit. p. 156. 230 “Contribuições Sociais e de Intervenção no Domínio Econômico: a paulatina desconstrução de sua identidade constitucional” in Revista de Direito Tributário da APET Ano IV-Edição 15/2007. p. 84.

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140

sociais e as Cides têm sua arrecadação voltada especificamente para determinadas

áreas.”.

Ademais, deve-se acrescentar que a contribuição é identificada a partir da

especificidade de sua destinação, como bem demonstra o Ministro ILMAR GALVÃO

em seu voto no RE 146.733, referido anteriormente:

“A especificidade da destinação do produto da arrecadação do tributo em causa é que,

obviamente lhe confere o caráter de contribuição. Eventual desvio de finalidade que se

possa verificar na administração dos recursos por ela produzidos não pode ter o efeito de

transmudar-lhe a natureza jurídica.”.

Essa destinação específica que qualifica as contribuições é veiculada pela

Constituição Federal e o Min. MOREIRA ALVES, no voto desse mesmo Recurso

Extraordinário citado acima, do qual foi Relator, confirma tal assertiva:

“Assim é da essência do regime jurídico específico da contribuição para a seguridade

social a sua destinação constitucional. Não a destinação legal do produto de sua

arrecadação, mas a destinação constitucional, vale dizer o vínculo estabelecido pela

própria Constituição entre a contribuição e o sistema de seguridade social, como

instrumento de seu financiamento direto pela sociedade, vale dizer pelos contribuintes.”.

A regra da finalidade ou da destinação, portanto, subordina o exercício da

competência das regras-matrizes das contribuições previdenciárias, afinal, o

legislador infraconstitucional ao instituir a contribuição deve, necessariamente,

especificar qual a destinação a ser dada ao produto da arrecadação da contribuição

que ele está instituindo.

Corroborando esse raciocínio, a professora ZELIA LUIZA PIERDONÁ231

explica que: “Ora, se a União somente pode instituir as contribuições se destinar os

recursos delas à seguridade, a destinação prevista constitucionalmente faz parte da

norma de estrutura que atribui competência a União; portanto o legislador somente

poderá criar a hipótese de incidência – norma de comportamento – se os recursos

forem destinados à seguridade. E, se somente pode instituir a contribuição se

destinar os produtos à seguridade, a destinação da receita é preceito que torna as

contribuições sociais espécie tributária autônoma”.

231 Op. cit. p. 36.

Page 141: Cp 134822

141

E, também o professor TÁCIO LACERDA GAMA232: “o sujeito ativo da norma

de competência tributária deverá, além de instituir os critérios da regra matriz

segundo os limites autorizados, prescrever destinação específica para aquilo que se

arrecada com esses tributos. Sem tal destinação a uma finalidade específica, seja

para atender fundo, órgão ou despesa, o exercício da competência não será

legitimo”. E, mais adiante apresenta a seguinte estrutura sintática para as normas de

competência das contribuições233:

An = Sc.Cp.Ce.Ct

NCT ↓ DSn ↔

DSm

Cn = Rj [Sc.Sp.Obj (RMITP.FIM)]

NCT = Norma de Competência Tributária.

An = Antecedente Normativo.

Sc = Sujeito competente para editar o tributo.

Ce = critério espacial (indica as condições de espaço em que a norma deve ser

produzida).

Ct = critério temporal (indica as condições de tempo, fazendo referência ao preciso

instante em que a norma passa a ingressar no sistema do direito positivo.

Cp = critério procedimental, relacionados ao procedimento necessário à elaboração

da lei que veicula o tributo.

DSn = é o dever ser não modalizado que, por meio da imputação deôntica, relaciona

o antecedente ao conseqüente normativo.

Cn = Conseqüente normativo.

Rj = é a relação jurídica.

Sc = é o sujeito competente para edição da norma jurídica

232 Contribuição de intervenção no domínio econômico.. p. 85. 233 Ibid. p. 86-88.

Page 142: Cp 134822

142

Sp = é o sujeito passivo

Obj = é o objeto da relação jurídica (permissão para editar tributos delimitada pelo

conjunto de imunidades, princípios e dispositivos constitucionais e complementares

que condicionam a validade material de um tributo).

RMITP= é a regra-matriz de incidência tributária possível.

FIM = é a finalidade prescrita para o produto da arrecadação da contribuição.

Assim, as normas de competência das contribuições previdenciárias previstas

no Texto Constitucional possuirão a seguinte estrutura:

NCT

An = União. Lei 8.213/91.Território Nacional. 24 de Julho de 1991.

↓ Então deve ser ↓

Cn = INSS. Empregador/Trabalhador. RMIP das contribuições do empregado com

vínculo empregatício, RMIP das contribuições trabalhador sem vínculo empregatício,

RMIP das contribuições dos trabalhadores segurados facultativos. Prestações

Previdenciárias (aposentadoria por tempo de serviço, aposentadoria por idade,

aposentadoria por invalidez, aposentadoria especial, auxílio-doença, salário-família,

salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-reclusão, auxílio-reclusão, auxílio-

acidente, serviços sociais, habilitação e reabilitação profissional).

Logo, têm-se sintaticamente as seguintes estruturas:

1) Rs + iRGPS + NcCP → OtCP

2) Rr + iRGPS + NcCP → OtCP

3) Rr + iRGPS + NcCP → OtCP

Onde:

Rs = receber salário

Rr = receber remuneração

iRGPS = inscrição no Regime Geral de Previdência Social

NcCP = norma de competência das contribuições previdenciárias

OtCP = obrigação tributária de contribuição previdenciárias

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143

Em suma, a norma que outorga à União competência para criar as

contribuições previdenciárias prevê também que o exercício dessa competência

somente será legitimado com a instituição da finalidade. Portanto, é nesse momento

que tais tributos se diferem dos impostos.

A sintática das contribuições previdenciárias consiste em seus arquétipos

constitucionais definidos pela Constituição Federal de 1988 – art. 195, I, “a” e II.

E baseia-se fundamentalmente na delimitação das competências tributárias,

as quais, indubitavelmente, possuem natureza de direito constitucional, posto que

decorrem dos princípios constitucionais republicano, federativo, da autonomia dos

municípios e da legalidade.

Daí a razão de se sacar a sintática constitucional das normas, justamente

porque o Texto Constitucional oferece todas as balizas para o sistema jurídico,

especialmente ao Tributário. Portanto, o controle de validade somente poderá

ocorrer por meio da análise da Constituição Federal; ou seja, a validação das

contribuições, especialmente as previdenciárias, é constitucional e está relacionada

com a sua estrutura sintática.

Dentro da análise sintática das contribuições previdenciárias, há que se

considerar também sobre a necessidade de se instituí-las por lei complementar.

Primeiramente, é oportuno registrar as lições do ilustre professor HELENO

TAVEIRA TORRES234: “Por determinação constitucional, no Brasil, o Congresso

Nacional exerce três funções legislativas (competências) distintas: é i) constituinte

derivado, ao discutir e votar Emendas à Constituição, e é o legislador ordinário da

União, sob duas modalidades: ii) legislador federal, ao exercer as competências

típicas da União, na qualidade de pessoa de direito público interno, plenamente

autônoma; e iii) legislador nacional, ao dispor sobre normas gerais aplicáveis às

quatro pessoas políticas, nas matérias previstas no art. 24, da CF, e em outras

previstas no corpo da Constituição.”.

A divergência quanto à necessidade de edição de lei complementar pelo

Congresso Nacional na qualidade de legislador nacional para a produção de normas

234 Funções das leis complementares no sistema tributário nacional – hierarquia de normas – papel do CTN no ordenamento. p. 05.

Page 144: Cp 134822

144

gerais em matéria de contribuições inicia-se da própria redação do caput do art. 149

do Texto Constitucional, quando esse faz alusão à observância do artigo 146, III do

mesmo Diploma Normativo:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção

no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como

instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts.

146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às

contribuições a que alude o dispositivo”. (grifos nossos).

O art. 146 possui a seguinte redação:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos

discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e

contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades

cooperativas;

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as

empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do

imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e

da contribuição a que se refere o art. 239”.

A combinação literal desses dois dispositivos leva a conclusão de que as

contribuições, previamente as suas respectivas instituições, devem ter seus fatos

geradores, bases de cálculo, contribuintes, obrigação, lançamento, crédito, prazos

decadenciais e prescricionais, bem como tratamentos específicos para cooperativas,

microempresas e empresas de pequeno porte descritos numa lei complementar.

Será isso mesmo necessário?

Para começar a responder essa questão, é oportuno analisar atentamente o

texto do art. 146 e posicionar-se quanto à função da lei complementar.

Page 145: Cp 134822

145

O professor TÁCIO LACERDA GAMA235 consigna pontualmente a divergência

doutrinária quanto a esse tema:

“Embora o artigo 146 da Constituição, transcrito acima, faça referência aos critérios

da competência que devem ser regulados por lei complementar, o tema é controverso. A

indagação sobre os tipos de enunciados que podem ser veiculados por lei complementar

tem várias respostas. Não há consenso na Doutrina sobre o papel das normas

complementares no direito tributário brasileiro. De um lado, entende-se que a lei tributária

só poderia dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária, entre os entes

que compõem a Federação, ou regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.

Segundo esse entendimento, somente os dois primeiros incisos do artigo 146 poderiam

ser plenamente tratados por lei complementar. Noutra posição alinharam-se aqueles que

opinaram pela aplicação integral do artigo 146 da Constituição. Haveria não duas, mas

sim três matérias a serem reguladas por lei complementar: i. conflitos de competência; ii.

limitações constitucionais ao poder de tributar e iii. normas gerais de direito tributário, em

especial sobre a regra matriz possível e as formas de constituição e extinção da

obrigação tributária. Há clara divergência entre a primeira e a segunda corrente.

Posicionar-se segundo uma ou outra, significa posicionar-se sobre a própria função

desempenhada pelos enunciados complementares na norma de competência.”.

A primeira corrente referida por esse professor é a chamada “corrente

dicotômica” e, a segunda, “corrente tricotômica”. Para se posicionar quanto a uma

dessas correntes, deve-se atentar exclusivamente para os enunciados prescritivos

do Texto Constitucional, já que são os atos normativos de maior hierarquia.

Nesse raciocínio, o professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA236 afirma que:

“lei complementar não possui o apanágio de buscar nela própria seu fundamento de

validade. Muito pelo contrário: ela só poderá irradiar efeitos se e enquanto estiver

contida na “pirâmide jurídica”, em cuja cúspide encontram-se as normas

constitucionais, verdadeiras matrizes de todas as manifestações normativas do

Estado, já que representam “o nível mais alto dentro do Direito Nacional”, como

observou, com propriedade, Hans Kelsen”.

Em paralelo com esse raciocínio da lei complementar como ato normativo que

deve estrita obediência à Carta Magna, tem-se a questão da segurança jurídica

(princípio constitucional implícito) levantada pelo professor TÉRCIO SAMPAIO

FERRAZ JÚNIOR237 em sede de instituição de normas gerais em matéria tributária:

235 Contribuição de intervenção no domínio econômico. p. 189-190. 236 Op. cit. p. 858. 237 Segurança jurídica e normas gerais tributárias. p. 53-54.

Page 146: Cp 134822

146

“a interpretação de que há um conteúdo próprio para a expressão constitucional

‘normas gerais de Direito Tributário’, reforça a segurança tendo em vista a função-

certeza. O que se percebe, neste sentido, é a importância do argumento segundo o

qual as normas gerais podem só assim, completar a eficácia de preceitos expressos

e de princípios decorrentes da Constituição, mormente quando a realidade brasileira,

com sua multiplicidade de municípios e Estados-membros exige uma formulação

global, garantidora de unidade e racionalidade.”.

Esse autor mescla as duas vertentes da segurança jurídica – função-certeza e

função-igualdade – e conclui pelo seguinte238: “a função-certeza da exigência de

segurança passa a depender da função-igualdade , posto que a segurança repousa,

primariamente, na generalidade enquanto isonomia no tratamento dos endereçados.

Ou seja, desde que as ações-tipo estejam corretamente discriminadas em leis

ordinárias (função-certeza), às normas gerais (leis complementares) caberá a

resolução prévia de conflitos de competência, resultando do sistema assim

instaurado a segurança que há de ser o produto da competência sistematicamente

discriminada. Por isso, para esta concepção as normas gerais (em termos de leis

nacionais) têm muito mais a natureza de normas secundárias, donde se segue a

ênfase posta na correta discriminação, e solução de conflitos de competência entre a

União, Estados e Municípios, insistindo-se sobremaneira na autonomia dos dois

últimos.”.

Corroborando com os dizeres desse professor e estudioso, ROQUE

ANTONIO CARRAZZA239 menciona que: “a Constituição não conferiu ao legislador

complementar um “cheque em branco” para, por meio de edição deste ato

normativo, traçar as competências tributárias, com suas limitações, da União, dos

Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.”.

Em suma, da análise desses autores e levando-se em conta que o ponto de

partida desse trabalho é o Texto Constitucional, tratado como um tecido lingüístico

uno e coeso que prima pelo caráter dialógico da linguagem e pelas três instâncias

de interpretação de seus dispositivos (sintática, semântica e pragmática), conclui-se

que a adoção da chamada “corrente tricotômica” seria uma violação a vários

princípios constitucionais expressos e implícitos, principalmente, o federativo e da

238 Segurança jurídica e normas gerais tributárias. p. 54. 239 Op. cit. p. 860.

Page 147: Cp 134822

147

autonomia dos Estados-membros, Municípios e Distrito Federal (demarcação das

competências tributárias) e da segurança jurídica. Referida corrente comprometeria

todo o caráter intradiscursivo do Texto Constitucional explicado no capítulo anterior.

Repetindo, oportunamente, o professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA, seria

conferir um ‘cheque em branco’ para o legislador em matéria de lei complementar.

Para harmonizar o Texto Constitucional, adota-se a “corrente dicotômica”; isto

é, a lei complementar deve instituir normas gerais em matéria tributária para (i)

dirimir conflitos de competência e (ii) regular as limitações constitucionais ao poder

de tributar. Portanto, somente aclarar o que já está impregnado na Carta Magna. Por

exemplo, o caso da lei referida no art. 195, § 7.º, da CF, a qual deve ser editada para

estabelecer as exigências para as entidades beneficentes serem imunes às

contribuições sociais. Esse é um típico caso de lei complementar instituindo normas

gerais em matéria tributária para regular as limitações constitucionais ao poder de

tributar.

Também nesse sentido, o professor ROQUE ANTONIO CARRAZZA240 afirma

que: “... as leis complementares devem ‘colorir’, de novos e mais intensos matizes,

as linhas, por vezes tênues, que a Carta das Cartas traça ao impor ‘limitações ao

poder de tributar’ e ao distribuir competências tributárias, privativas e indelegáveis

entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal. Tais linhas divisórias

(intransponíveis) já existem: foram traçadas pelas mãos cuidadosas do constituinte.

A lei complementar referida no art. 146 em pauta, só pode torná-las mais nítidas.”.

Portanto, em se tratando das contribuições previstas no art. 149 da CF,

inclusive as previdenciárias, quando se diz que a elas deve ser aplicado o art. 146,

III, do mesmo Diploma, quer-se dizer que em caso de conflito de competência ou

regulação de limitação constitucional ao poder de tributar, pode-se expedir lei

complementar veiculando normas gerais em matéria tributária.

A prova da assertiva veiculada acima são dois dispositivos constitucionais: o

parágrafo único do art. 22 e o parágrafo único do art. 23, abaixo consignados:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

240 Op. cit. p. 875.

Page 148: Cp 134822

148

Parágrafo Único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões

específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios:

(...)

Parágrafo Único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e

os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do

desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.”.

Todavia, há uma outra discussão em sede de leis complementares: a

necessidade de o Congresso Nacional editar uma lei complementar para instituir um

tributo federal; ou seja, do Congresso Nacional legislar na qualidade de legislador

federal para instituir um tributo de competência da União. Como as contribuições

previdenciárias são de competência exclusiva da União, será que elas poderiam ser

instituídas por uma lei complementar?

Novamente se valerá dos ensinamentos do professor HELENO TAVEIRA

TORRES241: “As leis complementares são figuras do ordenamento que se

diferenciam dos demais atos legislativos tanto pela matéria (competência), quanto

pelo processo de formação (quorum qualificado de maioria absoluta, art. 69, da CF).

(...) Dito de outro modo, as leis complementares encontram no sistema constitucional

o respectivo campo material predefinido (competência), sob a forma de matérias

sujeitas ao princípio de reserva de lei complementar (pressuposto material) e são

aprovadas por maioria absoluta (pressuposto formal, art. 69, CF). Eis o quanto as

diferem das leis ordinárias.”.

Dessa forma, somente quando a Carta Política expressamente prever é que

haverá a instituição de um tributo federal por meio de lei complementar. É o caso

dos impostos residuais de competência da União (art. 154, I da CF); dos

empréstimos compulsórios (art. 148 da CF); e das contribuições sociais residuais

(art. 195, § 4º da CF; ex: LC n.° 84/96 que institu iu uma nova contribuição

previdenciária). Em outros casos, somente por lei ordinária federal.

Nesse sentido, WERTHER BOTELHO SPAGNOL242 afirma que o veículo

formal para a instituição das contribuições é a lei ordinária, devendo haver

241 Op. cit. p. 05-06. 242 As contribuições sociais no direito brasileiro. p. 117.

Page 149: Cp 134822

149

observância da legislação complementar referente à matéria prevista no art. 146, “b”

e “c” da CF.

Devem-se relembrar as leis complementares que instituíram contribuições

sociais, tal como a LC n.° 70/91 – que instituiu a COFINS – e a LC n.° 7/70 – que

instituiu o PIS. No caso da LC n.° 70/91, o Suprem o Tribunal Federal entendeu

serem materialmente lei ordinária federal e formalmente lei complementar, de forma

que poderiam ser revogadas por uma simples lei ordinária federal.

Em suma, entende-se que, em regra, não há caso de hierarquia entre lei

complementar e lei ordinária federal. O fato da lei complementar possuir um

processo legislativo diferenciado, com quorum qualificado, não significa que ela seja

superior a lei ordinária federal. Cada uma delas possui demarcações distintas quanto

à competência e matéria; isto é, cada uma delas possui o seu respectivo âmbito de

validade. Há jurisprudência nos Tribunais Brasileiros nesse sentido também:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO

DE INSTRUMENTO. COFINS. LC 70/91. CONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO

IMPROVIDO. I - Esta Corte, no julgamento da ADC 01/DF, declarou a constitucionalidade

da COFINS, instituída pela LC 70/91. II - Agravo regimental improvido.”

(AgR 655.207; SÃO PAULO; Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI; Órgão

Julgador: Primeira Turma; Julgamento: 27/11/2007; DJ 19/12/2007).

“E M E N T A: AGRAVO DE INSTRUMENTO - SOCIEDADE CIVIL DE PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS PROFISSIONAIS RELATIVOS AO EXERCÍCIO DE PROFISSÃO

LEGALMENTE REGULAMENTADA - COFINS - MODALIDADE DE CONTRIBUIÇÃO

SOCIAL - OUTORGA DE ISENÇÃO POR LEI COMPLEMENTAR (LC Nº 70/91) -

MATÉRIA NÃO SUBMETIDA À RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI

COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTE POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE LEI

ORDINÁRIA (LEI Nº 9.430/96) PARA REVOGAR, DE MODO VÁLIDO, A ISENÇÃO

ANTERIORMENTE CONCEDIDA PELA LC Nº 70/91 - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO

CONSTITUCIONAL - A QUESTÃO CONCERNENTE ÀS RELAÇÕES ENTRE A LEI

COMPLEMENTAR E A LEI ORDINÁRIA - INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO HIERÁRQUICO-

NORMATIVO ENTRE A LEI COMPLEMENTAR E A LEI ORDINÁRIA - ESPÉCIES

LEGISLATIVAS QUE POSSUEM CAMPOS DE ATUAÇÃO MATERIALMENTE

DISTINTOS - DOUTRINA - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO

IMPROVIDO.”

Page 150: Cp 134822

150

(AI-AgR 637.299; RIO DE JANEIRO; Relator(a): Min. CELSO DE MELLO; Órgão

Julgador: Segunda Turma; Julgamento: 18/09/2007; DJ 05/10/2007).

“EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 1.°, 2.°, 9.°

(EM PARTE), 10 E 13 (EM PARTE) DA LEI COMPLEMENTAR N.° 70, DE 30.12.91.

COFINS. - A DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE

CONSTITUCIONALIDADE NÃO SE ADSTRINGE AOS LIMITES DO OBJETO FIXADO

PELO AUTOR, MAS ESTES ESTÃO SUJEITOS AOS LINDES DA CONTROVÉRSIA

JUDICIAL QUE O AUTOR TEM QUE DEMONSTRAR. - IMPROCEDÊNCIA DAS

ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

INSTITUÍDA PELA LEI COMPLEMENTAR N.° 70/91 (COFINS) . AÇÃO QUE SE

CONHECE EM PARTE, E NELA SE JULGA PROCEDENTE, PARA DECLARAR-SE,

COM OS EFEITOS PREVISTOS NO PARÁGRAFO 2.° DO ARTIGO 102 DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.° 3, DE

1993, A CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 1.°, 2.° E 10, BEM COMO DAS

EXPRESSÕES "A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O FATURAMENTO DE QUE

TRATA ESTA LEI NÃO EXTINGUE AS ATUAIS FONTES DE CUSTEIO DA

SEGURIDADE SOCIAL” CONTIDAS NO ARTIGO 9.°, E DAS EX PRESSÕES "ESTA LEI

COMPLEMENTAR ENTRA EM VIGOR NA DATA DE SUA PUBLICAÇÃO,

PRODUZINDO EFEITOS A PARTIR DO PRIMEIRO DIA DO MES SEGUINTE NOS

NOVENTA DIAS POSTERIORES, AQUELA PUBLICAÇÃO,...” CONSTANTES DO

ARTIGO 13, TODOS DA LEI COMPLEMENTAR N.° 70, DE 30 DE DEZEMBRO DE

1991.”

(ADC 1; Distrito Federal; Relator(a): Min. MOREIRA ALVES; Órgão Julgador: TRIBUNAL

PLENO; Julgamento: 01/12/1993; DJ 16/06/1995). (grifos nossos)

Todavia, consoante lição de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES243, poderá

haver a supremacia da lei complementar quando essa versar sobre normas gerais

em matéria tributária: “A lei complementar de normas gerais prevalece não só sobre

as normas de direito estadual e municipal, mas também de direito federal. Há

portanto uma relação sintática hierárquica que se resolve pela aplicação da regra:

“direito nacional corta direito federal, estadual e municipal”. Mas essa regra é

excepcional no direito positivo brasileiro. É o quanto basta entretanto para concluir-

se que a lei complementar nem sempre é superior à lei ordinária federal. Os mesmos

fundamentos justificam a proposição conversa: nem sempre a lei ordinária é inferior

243 Hierarquia e sintaxe constitucional da lei complementar tributária. p. 70.

Page 151: Cp 134822

151

à lei complementar. Nunca porém a lei ordinária é superior à lei complementar. As

relações sintáticas materiais entre uma e outra implicam essas ponderações.”.

É com os ensinamentos desse ilustre professor que finalizamos esse tópico,

concluindo que somente haverá hierarquia entre lei complementar e lei ordinária

federal quando a primeira tratar de normas gerais de direito tributário, as quais são

válidas para toda a legislação nacional. A lei complementar para instituição de

contribuições previdenciárias somente será necessária para os casos expressos no

Texto Constitucional: para os demais, basta a lei ordinária federal (assim como

ocorreu com a CSLL). Ademais, as suas respectivas materialidades já estão

previstas no Texto Constitucional.

Portanto, quando a contribuição previdenciária for instituída obedecendo

todas essas estruturas sintáticas previstas no ordenamento do direito positivo, ela

será considerada válida.

6. Análise semântica das contribuições previdenciárias

O conteúdo semântico das contribuições previdenciárias também deverá ser

bem delimitado para que haja uma perfeita subsunção de sua norma com os fatos

sociais para que surja o fato jurídico tributário que irrompa a obrigação jurídica de

pagamento de contribuições previdenciárias. Portanto, a semântica das

contribuições previdenciárias estão relacionadas com a sua vigência.

A semântica das contribuições previdenciárias também está contida no Texto

Constitucional e dele não deve destoar.

Nesse sentido, o professor JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES244 afirma que:

“Admitindo-se que é a Constituição que confere ao legislador infraconstitucional as

competências tributárias impositivas, o âmbito semântico dos veículos lingüísticos

por ela adotados para traduzir o conteúdo dessas regras de competência não pode

ficar à disposição de quem recebe a outorga de competência.”.

A contribuição previdenciária é um tributo (i) não vinculado a uma atuação

estatal (ii), destinado à Previdência Social (iii) e não restituível (iv).

- (i) sobre a natureza tributária das contribuições previdenciárias:

244 Imposto sobre a renda: Pressupostos Constitucionais. p. 171.

Page 152: Cp 134822

152

Muito já se discutiu acerca da natureza jurídico-tributária das contribuições

previdenciárias, todavia, com base nas premissas adotadas por esse trabalho acerca

das contribuições previdenciárias serem subespécies de contribuições sociais, posto

que a Previdência Social é um dos elementos da Seguridade Social, que é um

conjunto de ações típicas do Estado, essa natureza tributária passa a ser uma

conseqüência.

O professor RUBENS GOMES DE SOUZA245 afirma que: “o enquadramento

da previdência social no sistema tributário é decorrência lógica, senão necessária,

da sua conceituação como atividade própria do Estado.”.

É pacífica a natureza tributária das contribuições sociais, consoante

entendimento do STF no julgamento do RE 146.733246. O voto do Ministro Relator

MOREIRA ALVES não deixa dúvidas:

“Perante a Constituição de 1988, não tenho dúvida em manifestar-me afirmativamente.

De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições

de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-

los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a

duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o

empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no

domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.”.

Mesmo com o entendimento pacificado do STF, há doutrinadores que

entendem que as contribuições previdenciárias não possuem natureza tributária,

como é o caso dos professores MARCO AURÉLIO GRECO, MARCUS ORIONE

GONÇALVES CORREIA, ÉRICA PAULA BARCHA CORREIA, HAMILTON DIAS DE

SOUZA, VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA, LUIZ MÉLEGA, BRANDÃO MACHADO e

WLADIMIR NOVAES MARTINEZ. Esses doutrinadores acreditam que as

contribuições previdenciárias não são tributos porque são devidas à Previdência

Social, uma instituição sem fins fiscais que gere o produto dessas contribuições de

modo a conceder benefícios a contribuintes em situação de necessidade social

(desemprego, velhice, doença, reclusão, invalidez, etc).

Com todo o respeito a esses doutrinadores, as contribuições previdenciárias,

especialmente as que devem ser recolhidas pelas empresas pelo fenômeno da

245 A Contribuição de previdência social e os municípios. p. 59. 246 Recurso Extraordinário n.° 146.733/SP, Tribunal Pl eno, Rel. Min. Moreira Alves, publicado no DJ de 06.11.1992.

Page 153: Cp 134822

153

substituição tributária, subsumem-se perfeitamente à definição disposta no artigo 3º

do CTN:

“Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se

possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada

mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

A contribuição previdenciária é uma prestação pecuniária compulsória, posto

que a partir do momento em que o trabalhador torna-se segurado do Regime Geral

de Previdência Social, fica ele obrigado a efetuar o pagamento das contribuições. É

paga em nossa moeda corrente (Real).

Não constitui sanção por ato ilícito, posto que é paga somente para financiar

um possível benefício em caso de situação de necessidade social. Foi instituída pela

Lei Federal n.º 8.212, de 24 de Julho de 1991.

E, é cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, posto

que o seu não pagamento enseja o lançamento do agente fiscal da União ou, no

caso dos segurados facultativos, a não concessão de qualquer benefício, mesmo

que o segurado se encontre em situação de necessidade social.

Portanto, se referido dispositivo traduz o que denota a palavra “tributo” e as

contribuições previdenciárias se encaixam perfeitamente nessa denotação, logo elas

são uma conotação da palavra “tributo” e, portanto, são definitivamente espécies

tributárias.

Nesse raciocínio, o jurista JOSÉ DOS REIS FEIJÓ COIMBRA247 aduz que:

“cremos indubitável que a contribuição previdenciária tem indisfarçável caráter de

tributo, até pela sua inteira acomodação ao conceito fornecido pelo art. 3º da Lei nº

5.172, de 25/10/66 (Código Tributário Nacional). É uma prestação pecuniária

compulsória, que só a lei pode instituir, não constituindo pena por ilícito, e exigível

por ação administrativa estritamente vinculada.”.

O professor SÉRGIO PINTO MARTINS248 aduz que: “A relação obrigacional

da contribuição previdenciária é uma relação tributária. O sujeito ativo é a União,

embora esta delegue a arrecadação e a fiscalização ao INSS, o que encontra

amparo legal no art. 7º do CTN. Os sujeitos passivos são o empregador e o

247 Direito previdenciário brasileiro. p. 274. 248 Direito da seguridade social. p. 76.

Page 154: Cp 134822

154

trabalhador. O fato gerador é o pagamento de remuneração ao trabalhador. A base

de cálculo é a remuneração.”.

Ademais, há que se consignar um trecho sabiamente elaborado pelo

professor WAGNER BALERA249 sobre esse assunto:

“Quase nos atreveríamos a dizer que, ao querer contrariar a natureza específica das

contribuições sociais, procurando retirá-las do terreno tributário, o legislador acabaria por

provocar o retrocesso na marcha histórica da evolução do fenômeno protetivo. Nos

lugares onde a moderna seguridade social já admite financiamento exclusivo pelo

orçamento fiscal, não há lugar para discussões desse tipo. Ao reverso, onde se pretende

retirar do campo tributário a base direta de financiamento do seguro social, volta-se ao

passado mutualístico e, nos extremos, pode-se confundir as contribuições dos

trabalhadores e dos empregadores com os prêmios do seguro privado...”.

Confirma esse raciocínio, também, o professor PAULO ROBERTO LYRIO

PIMENTA250 ao afirmar que as contribuições estão de acordo com o artigo 3º do

CTN e que sua natureza tributária é inquestionável. Além do que esse jurista conclui

que as contribuições são espécies autônomas, que não podem ser confundidas nem

com taxas e nem com impostos.

A importância em se saber realmente se tais contribuições possuem natureza

jurídico-tributário consiste em descobrir seu regime aplicável. Nesse sentido, explica

o professor VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA251 que: “Vê-se que com a determinação

da natureza jurídica busca-se dar a um instituto uma localização genérica dentro do

sistema jurídico que ajude na compreensão do regime jurídico a que se ache

submetido e – o que as vezes é mais importante – a que não se submete. Daí

porque – só para exemplificar – é relevante apontar-se a natureza jurídica de

institutos como tributo, imposto, taxa, contribuição de melhoria, serviços etc., até

para que não deixe levar por aspectos meramente exteriores, como o nome que se

lhes dê, a natureza jurídica resulta do que é intrínseco ao instituto como posto no

sistema de direito positivo.”.

Dessa forma, se as contribuições previdenciárias, como se explicou acima,

são espécies tributárias, então seu regime aplicável também é o tributário.

249 Noções Preliminares de Direito Previdenciário. p. 141-142. 250 Op. cit. p. 16-23. 251 Op. cit. p. 88.

Page 155: Cp 134822

155

Nesse sentido, a professora FABIANA DEL PADRE TOMÉ252 em sua obra, ao

adotar, tal qual esse trabalho a premissa de que é a linguagem que constitui a

realidade, explica que: “as coisas não apresentam uma natureza em si; é a

linguagem que cria os objetos integrantes da realidade do ser cognoscente, bem

como sua natureza. Quando nos referimos a natureza de algo, não fazemos alusão

à essência a ele inerente. Essa essência não existe; é construção da linguagem. E,

no âmbito jurídico, referida essência (natureza) é construída pela linguagem do

direito positivo que, por meio de enunciados prescritivos, disciplina-a. Não há,

portanto, como analisar de forma separada a natureza e o regime jurídico, sendo

descabido o argumento no sentido de que, apesar de haver a aplicação do regime

jurídico tributário às contribuições, estas não apresentariam natureza tributária”.

Portanto, às contribuições previdenciárias devem ser aplicadas as regras

constitucionais atinentes ao sistema tributário, bem como as regras atinentes ao

Código Tributário Nacional; isto é, devem ser aplicados (além dos princípios

constitucionais gerais – princípio republicano, do pacto federativo, da autonomia dos

municípios, direitos e garantias individuais, direitos sociais e da livre iniciativa) os

princípios constitucionais da estrita legalidade, da tipicidade tributária, da

anterioridade nonagesimal, capacidade contributiva, irretroatividade tributária, não-

confisco e as hipóteses de imunidade tributária, bem como todas as regras previstas

no Código Tributário Nacional acerca, principalmente, de suspensão, extinção e

exclusão do débito tributário, bem como dos prazos de decadência e prescrição.

A mais moderna demonstração dessas assertivas é a edição em 12/09/2008

da Súmula Vinculante nº 8 do STF: “São inconstitucionais o parágrafo único do art.

5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991 que

tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.

Essa Súmula consagra a natureza jurídico-tributária das contribuições

previdenciárias, bem como a aplicação do regime jurídico tributário a essas espécies

tributárias, mais especificamente, que para os prazos de prescrição e decadência

das contribuições previdenciárias devem ser aplicados os artigos 150, § 4º, 173 e

174, todos do CTN.

252 Contribuições para a Seguridade Social à luz da Constituição Federal. p. 88.

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156

- (ii) a não vinculação das contribuições previdenciárias:

Embora a doutrina tradicional persista na vinculação das contribuições

(principalmente quando se trata das contribuições previdenciárias recolhidas pelo

trabalhador) por entender que existe uma atuação estatal para conceder algum

benefício a um dado grupo de pessoas ou a toda coletividade em algum momento

futuro, é importante ater-se à acepção dada ao vocábulo “vinculação” quando se

tratar da classificação doutrinária das espécies tributárias formulada pelo mestre

GERALDO ATALIBA.

Nesse sentido, é oportuno consignar suas lições253: “A materialidade do fato

descrito pela h.i. (aspecto material da h.i.) de todo e qualquer tributo ou é uma (1)

atividade estatal ou (2) outra coisa qualquer. Se for uma atividade estatal o tributo

será (1) vinculado. Se um fato qualquer, o tributo será (2) não vinculado.”.

E, também as lições do professor RUBENS GOMES DE SOUSA254 que

afirmou o seguinte em parecer: “Nesta linha de pensamento enquadra-se a opinião,

que adoto, de Geraldo Ataliba (RDP 9/43), de que os tributos podem ser “vinculados”

ou “não vinculados” em função da natureza do seu fato gerador, nome que se dá à

situação material ou jurídica definida em lei como necessária e suficiente para gerar

a obrigação de pagá-los.”.

Assim, vislumbra-se que essa vinculação a uma atividade estatal está

relacionada com a materialidade do tributo; isto é, a hipótese de incidência do tributo

deve estar relacionada, mesmo que indiretamente, a uma atividade estatal.

Sobre essa atividade estatal indiretamente relacionada com a hipótese de

incidência, esclarece o professor AIRES BARRETO255 que: “A hipótese de incidência

das contribuições é o somatório de atuação estatal e circunstância intermediária que

é o dado de conexão com o obrigado. O liame entre atuação estatal e obrigado só

se dá com o engaste, com o elo da circunstância que entre eles se interpõe.”.

Vale aqui uma explicação a respeito da vinculação indireta do tributo a uma

atuação estatal: Antigamente, mesmo se especulando a respeito de outras espécies

de contribuições, a única contribuição que os juristas realmente tinham

conhecimento era a de melhoria, cujo fato gerador é a valorização imobiliária em 253 Hipótese de Incidência Tributária. p. 131. 254 “Natureza tributária da contribuição para o FGTS” in Revista de Direito Público 17/1971. p. 309. 255 Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. p. 104.

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157

decorrência de realização de obra pública. Para essa contribuição, o fenômeno da

vinculação indireta se enquadra perfeitamente – há atuação estatal (realização de

obra pública), um fator superveniente que ensejará a cobrança da exação

(valorização imobiliária) e referibilidade. Dessa forma, utilizaram o esquema dessa

exação para outras espécies de contribuições. Por isso que autores respeitados

como RUBENS GOMES DE SOUZA, GERALDO ATALIBA, AMÉRICO MASSET

LACOMBE, HAMILTON DIAS DE SOUZA e YLVES JOSÉ DE MIRANDA

GUIMARÃES afirmam que as contribuições em geral são tributos vinculados a uma

atuação estatal.

Só posteriormente à promulgação da Constituição Federal de 1988, que prevê

expressamente a tributação por meio de contribuições sociais, que se começa a

vivenciar a sistemática das contribuições sociais, que em nada se assemelha com as

contribuições de melhoria.

Mesmo que se analise especificamente as contribuições previdenciárias,

independentemente de serem pagas pelo trabalhador ou empregador, não se

vislumbra qualquer atuação estatal de forma indireta em sua hipótese de incidência.

SYLVIO SANTOS FARIA256, ao analisar o fenômeno da parafiscalidade, faz a

seguinte observação a esse respeito: “Efetivamente, não há uma contra-prestação

capaz de justificar uma participação do contribuinte no serviço público custeado com

aquela contribuição parafiscal (...) o característico da parafiscalidade não é o

benefício direto a ser recebido obrigatoriamente pelo contribuinte, o que muito a

aproximaria da taxa, mas a incidência de um tributo sobre indivíduos ligados por um

vínculo social ou econômico, e o emprego das arrecadações em benefício deles.”.

Nas contribuições previdenciárias, como já verificado, as materialidades

possíveis são: receber salário e ser inscrito no RGPS e receber remuneração e ser

inscrito no RGPS. Logo, não há qualquer atividade estatal na materialidade, nem

mesmo de forma indireta, o que significa afirmar não se tratar de um tributo

vinculado.

Essa hipótese de incidência referida pelo professor AIRES BARRETO é

somente a hipótese de incidência das contribuições de melhoria, as quais são as

autênticas contribuições com vinculação indireta.

256 Aspectos da parafiscalidade. p. 43.

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158

“Pagar para ter um benefício em troca” não significa a vinculação do tributo a

uma atividade estatal. Se assim o fosse, todos os tributos seriam vinculados, posto

que todos são pagos esperando um retorno do Estado, inclusive os impostos (que

têm por finalidade o financiamento de atividades genéricas e indivisíveis, tais como

segurança, saneamento básico, saúde, conservação de ruas e iluminação pública).

É nesse sentido que se pronunciou BRANDÃO MACHADO257: “Nessa

classificação dicotômica dos tributos em não-vinculados e vinculados não há, no

entanto, lugar para as contribuições. O fato gerador da obrigação de pagá-las não

consiste numa atuação, direta ou indireta, do Estado ou de entidade que faz as suas

vezes; consiste num fato imputável ao contribuinte, desvinculado de qualquer

atividade estatal, embora a receita das contribuições se destine a financiar a

atividade que tenha motivado a sua instituição”. Para ele, o que caracteriza a

contribuição é a “vinculação com o motivo da sua criação”. Posteriormente, esse

mesmo jurista explica que258: “A contribuição de previdência social devida pelo

empregado decorre do fato da percepção de salário, que pressupõe uma relação de

emprego e a automática estipulação do seguro social. A contribuição do empregador

tem como pressuposto a despesa do salário de todos os seus empregados. Não há,

nessas duas hipóteses qualquer relação entre perceber salário e pagar salários, de

um lado, e prestar assistência médica, pagar aposentadorias e pensões, como faz,

de outro lado, a entidade destinatária da receita.”.

O risco da tredestinação é próprio dos tributos não vinculados e é bem esse o

risco do produto da arrecadação dos impostos e das contribuições (ambos não

vinculados). O dinheiro arrecadado desses tributos é revertido respectivamente para

compor “cofres públicos” e “fundos e órgãos” para que, quando necessário, financie

uma possível atividade estatal.

Ao passo que nos tributos vinculados (taxas e contribuições de melhoria), o

sujeito passivo paga especificamente para aquela atividade estatal que já ocorreu.

Não há mais risco para tredestinar: houve pagamento pela atividade estatal ocorrida.

Mesmo nas contribuições previdenciárias, que pressupõem uma relação

sinalagmática entre o contribuinte e o INSS, ao se realizar o recolhimento do mês, o

257 São tributos as contribuições sociais? p. 1.839-1.841. 258 Ibid., p. 1.852.

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159

sujeito passivo o faz para compor o seguro social – Previdência Social – e não como

forma de pagamento por uma atividade previdenciária ocorrida.

Reafirmando tais assertivas, os professores MARCELO ALEXANDRINO e

VICENTE PAULO259 explicam o problema sob outra abordagem: “O critério de

distinção de tributos em vinculados e não-vinculados, baseado no fato de suas

hipóteses de incidência descreverem, ou não, atividades estatais especificamente

relacionadas ao contribuinte, não é válido para a identificação de uma dessas

contribuições (esse critério funciona perfeitamente para a identificação da natureza

específica de um tributo quando se adota a classificação tripartida, prevista no art. 5º

do CTN). Observamos que tanto podem as contribuições ter por fato gerador

atividades estatais específicas (e.g., o exercício de poder de polícia), como podem, o

que é mais comum, suas hipóteses de incidência ser fatos econômicos relativos ao

contribuinte, desvinculadas de qualquer atuação do Estado (e.g., o faturamento das

empresas, fato gerador da COFINS). Da mesma forma, o STF já pacificou a

possibilidade de possuírem as contribuições base de cálculo idêntica à de impostos

(RE 228.321). O que realmente as diferencia é a vinculação do produto de sua

arrecadação a determinados fundos, órgãos, despesas ou finalidades específicas”.

(sic!)

Nesse sentido, salienta o professor PAULO AYRES BARRETO260 que: “As

materialidades das contribuições – auferir lucro, obter receita, pagar folha de salários

etc. – não consistem, necessariamente, em atuação estatal mediata ou

indiretamente referida ao obrigado. A conjugação dos dois fatores acima descritos (a

atividade do Estado e o efeito causado por essa atividade a um determinado círculo

de pessoas) ocorre na contribuição de melhoria. Em outros casos, as contribuições

apresentam materialidades típicas de impostos. O antecedente da regra-matriz de

incidência descreve um fato que, em sua essência, independe de qualquer atuação

estatal relativa ao contribuinte. Do mero cotejo critério material/base de cálculo não

se pode afirmar se estamos diante de imposto, contribuição ou mesmo empréstimo

compulsório.”.

259 Direito tributário na Constituição e no STF. p. 60-61. 260 Op. cit. p. 70.

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160

É nesse sentido que discordamos, com toda vênia, da professora SUSY

GOMES HOFFMANN261 quando ela afirma que: “a criação das contribuições exige a

conjugação de dois fatos: a) a atividade estatal realizada para o cumprimento de

uma finalidade constitucionalmente prevista; b) que essa atividade enseje um efeito

a um determinado grupo de pessoas.”.

Como bem ressalta o professor PAULO AYRES BARRETO, a conjugação

desses dois fatores funciona muito bem para as contribuições de melhoria, as quais,

realmente possuem em sua materialidade ambos os fatores, todavia, as

contribuições sequer possuem em sua materialidade uma atuação estatal. Quem

dirá as contribuições previdenciárias que têm por materialidades situações do

trabalhador – “receber salário”; “receber remuneração”.

Embora traçadas essas assertivas, para não retirar por completo a razão dos

doutrinadores que acreditam serem as contribuições tributos vinculados,

especialmente a contribuição dos trabalhadores, é possível perceber que existe, sim,

uma “vinculação” do produto da arrecadação das contribuições com uma atividade

estatal.

Aqui, não há um paradoxo, mas, sim, a comprovação das premissas

lingüísticas adotadas. O termo “vinculação” pode aparecer em diversos contextos,

com significações diferentes. É o que se pode verificar nas seguintes frases dadas

como exemplos: “Minha conta bancária é vinculada com a conta de meu pai”

(vinculação com sentido de atrelamento); “Há uma interessante vinculação entre

mães e filhos” (vinculação no sentido de união); “O contrato vincula as partes”

(vinculação no sentido de obrigação).

O termo “vinculação”, embora sempre pressuponha a relação entre duas ou

mais pessoas ou objetos, poderá, portanto, apresentar-se em contextos distintos,

com significações diferentes, aliás, esse termo pode relacionar “n” pessoas e objetos

diversos e em cada situação essa relação ter uma significação própria.

É a polissemia da palavra “vinculação” que torna a doutrina confusa em

relação à classificação constitucional proposta por GERALDO ATALIBA. Enquanto o

mestre refere-se à relação entre fato gerador de tributo e atividade estatal (relação

261 As contribuições no sistema constitucional tributário: Significado e Regra Matriz de Incidência. p. 96.

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161

“a”), os doutrinadores referem-se à vinculação do produto da arrecadação das

contribuições a uma atividade estatal (relação “b”).

Percebe-se aqui nitidamente que se trata de duas vinculações diferentes. Há

duas relações distintas: a relação “a” que se refere à vinculação do fato gerador do

tributo com uma atividade estatal (nesse caso, a palavra ‘vinculação’ significa

coincidência; isto é, coincidência de fato gerador com atividade estatal); e a relação

“b” que se refere à vinculação do produto da arrecadação das contribuições com

uma atividade estatal (nesse caso a palavra ‘vinculação’ significa atrelamento; isto é,

o produto arrecadado pelas contribuições está atrelado com uma atividade estatal).

Portanto, para que não ocorram mais confusões, esse trabalho adotará a

nomenclatura “tributos vinculados” para designar os tributos que possuem fato

gerador coincidente com uma atividade estatal, e a nomenclatura “tributos afetados”

para designar os tributos que possuem o produto de sua arrecadação atrelado a

uma atividade estatal.

Dentro desse contexto, elaboraram-se as seguintes tabelas:

Tributos Não Vinculados Tributos Vinculados

Impostos

Contribuições corporativas, interventivas e

sociais (genéricas e previdenciárias).

Empréstimos Compulsórios - Impostos

Taxas (de poder de polícia e de serviços

públicos),

Contribuições de Melhoria, Empréstimos

Compulsórios – Taxas

Tributos Não Afetados Tributos Afetados

Impostos

Taxas (de poder de polícia e de serviços

públicos), Contribuições de Melhoria,

Empréstimos Compulsórios (impostos e taxas)

e as Contribuições (corporativas, interventivas e

sociais – genéricas e previdenciárias).

Page 162: Cp 134822

162

Isso significa que as contribuições previdenciárias são tributos não vinculados

a uma atuação estatal, porém são afetadas à ocorrência de possíveis atividades

estatais atinentes à concessão de prestações previdenciárias.

- (iii) destinação à Previdência Social:

A contribuição previdenciária, como subespécie de contribuição, é espécie

tributária qualificada por sua destinação, como já verificado anteriormente.

A União Federal, valendo-se do exercício de sua competência, por intermédio

da Lei n.° 8.213/91, previu que tais contribuições fossem destinadas ao

financiamento da Previdência Social; isto é, o produto de sua arrecadação deve ser

revertido para o fundo previdenciário responsável pela concessão de prestações

previdenciárias: benefícios (aposentadoria por tempo de serviço, aposentadoria por

idade, aposentadoria especial, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-

acidente, auxílio-reclusão, salário-família, salário-maternidade e pensão por morte) e

serviços (serviço social, habilitação e reabilitação profissional).

As contribuições previdenciárias, portanto, são destinadas a custear as

prestações previdenciárias que devem ser concedidas aos seus segurados quando

esses se encontrarem em situação de risco social (doença, velhice, morte, invalidez

para o trabalho, maternidade, reclusão, entre outros).

Nesse sentido GERALDO ATALIBA262: “Insere-se a ‘contribuição’

previdenciária na parafiscalidade, exatamente porque a lei erigiu autarquias –

pessoas distintas do estado – como organismos previdenciários para a específica

finalidade de desempenhar as atividades concretas tendentes a favorecer à

maternidade e ocorrer às conseqüências da invalidez, doença, velhice e morte. Às

autarquias previdenciárias foi conferida pela lei a sujeição ativa deste tributo.

Deferido a elas o encargo de desempenhar a atividade chamada de previdência

social, o produto deste tributo reverte em seu proveito.”.

É nesse momento que se consigna que, graças à destinação específica das

contribuições previdenciárias para a Previdência Social, há, como não poderia deixar

de ser, um orçamento próprio para a Previdência Social que não se confunde com o

orçamento geral da União por força do art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei n.º 11.457/07, e nem

mesmo com o orçamento da Seguridade Social.

262 Sistema constitucional tributário brasileiro. p. 192.

Page 163: Cp 134822

163

E esse orçamento da Previdência Social é gerido pelo Instituto Nacional de

Seguridade Social, autarquia federal, que recebeu da União, ente político com

competência tributária, a capacidade para gerir o orçamento particular da

Previdência Social. Passaram a ser arrecadadas pela Receita Federal do Brasil.

É em decorrência dessa parafiscalidade que referidas contribuições são

também denominadas parafiscais e, consoante ensinamentos do professor JOSÉ

SOUTO MAIOR BORGES263, trata-se somente de uma “técnica descentralizada de

arrecadação” e tal “nomenclatura não muda a estrutura jurídica do tributo.”.

Nos dizeres da professora MIZABEL ABREU MACHADO DERZI264: “Do ponto

de vista estritamente jurídico-tributário, a parafiscalidade é apenas o fenômeno

segundo o qual a lei da pessoa competente atribui ‘a titularidade de tributo a

pessoas diversas do Estado, que as arrecadam em benefício das próprias

finalidades. É o caso de autarquias dotadas de capacidade tributária ativa (IAPAS,

DNER, OAB,CONFEA, CEF) ou de entidades paraestatais, pessoas de direito

privado chamadas pela lei a colaborar com a administração pública.”.

A parafiscalidade necessária é uma conseqüência da destinação específica

das contribuições previdenciárias, afinal se elas somente devem financiar prestações

previdenciárias, não poderá o produto da arrecadação dessas espécies tributárias

estar diluído no orçamento geral da União.

O professor HAMILTON DIAS DE SOUZA265 explica que: “A descentralização

da gestão administrativa da seguridade é uma exigência do sistema. O que se

pretende é que a seguridade seja destacada do Estado de sorte que possa atingir

seus objetivos, sem que as dificuldades do poder central as contaminem. O

contribuinte tem o direito de só contribuir na medida em que a exação pretendida

esteja em conformidade com o desenho normativo traçado pela Constituição. Se a

cobrança não é efetuada pelo próprio órgão da seguridade social, mas pela União,

distorce-se o conceito da exação, mesmo porque perde-se a certeza de que os

recursos serão inteiramente alocados à atividade em causa.”.

Esse professor fala em descentralização da gestão da seguridade social em

geral, todavia, se a previdência social é um dos seus elementos, então, por razões

263 “Contribuições: caráter tributário” in Revista de Direito Tributário n.º 34/85, p. 34. 264 “Contribuição para o Finsocial” in Revista de Direito Tributário n.º 55/91. 265 “Contribuições para a Seguridade Social” in Caderno de Pesquisas Tributárias, v. 17, p. 131.

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164

lógicas, a previdência também deve necessariamente estar descentralizada e pelas

mesmas razões apontadas por esse professor.

É oportuno mencionar que o orçamento da Previdência Social não é somente

composto pelas contribuições previdenciárias pagas pelos seus segurados, há,

também, parcela do orçamento da Seguridade Social que é destinada ao fundo

previdenciário, consoante previsão expressa do art. 2º, caput, e § 1º, da Lei n.º

11.457/07 (Lei da Super-Receita) e art. 68, § 1º, da Lei Complementar n.º 101/00

(Lei de Responsabilidade Fiscal).

De qualquer forma, as contribuições previdenciárias não possuem nenhum

outro objetivo: elas somente servem para custear prováveis prestações

previdenciárias que serão devidas a seus segurados num momento de necessidade

social. Daí decorrer a parafiscalidade necessária.

Nesse raciocínio, considera-se completamente inconstitucional a Emenda

Constitucional nº 27/00 (que foi prorrogada até 2007 pela Emenda Constitucional n.º

42/03) que instituiu a DRU – Desvinculação das Receitas da União de fundos,

órgãos e despesas em 20% de contribuições sociais de competência da União.

As contribuições previdenciárias são subespécies de contribuições sociais de

competência da União, e se essa emenda fosse aplicada a elas, 20% do seu

produto fatalmente seria tredestinado, o que é uma patente inconstitucionalidade, já

que a validade constitucional de tais espécies tributárias se dá pela destinação

específica.

Não se acredita que a falta de vinculação desses 20% (vinte por cento) da

receita seria forma de flexibilização do orçamento e que, de qualquer forma, haveria

aplicação de percentagem na Previdência Social, por exemplo, como afirma

FERNANDO FACURY SCAFF266.

Ademais, há que se consignar nesse momento que a contribuição

previdenciária se não for utilizada em sua destinação específica, ou seja, se houver

tredestinação do produto de sua arrecadação, deverá ser declarada inconstitucional

e, conseqüentemente, ensejará ação repetitória de seus respectivos segurados.

266 “o que pretende o Governo Federal com a DRU é dar maior flexibilidade orçamentária, o que não quer dizer que, pontualmente, parcela dos valores apartados não seja utilizada nas finalidades constitucionalmente determinadas”. Direitos Humanos e a Desvinculação das Receitas da União-DRU in Tributos e Direitos Fundamentais. p. 75.

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165

Também poderá haver a responsabilização da autoridade competente nos termos

dos arts. 84 da CF; 54 e 58 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n.° 101/00) e art.

10 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.249/92).

O professor JOSÉ MARQUES DOMINGUES DE OLIVEIRA267 afirma, nesse

sentido, que “Então a finalidade é relevante, sim, para a análise da

constitucionalidade do tributo. E se o desvio de finalidade pode ensejar a nulidade

do imposto (porque a afetação deste é constitucionalmente proibida), deve-se

entender, pela mesma razão, que o desvio de finalidade das contribuições, cuja

afetação é determinada na Constituição, torna-os ilegítimos desde a sua instituição.

Isto pode explicar também pela natureza justificadora que a destinação específica

(finalidade) exerce sobre os fatos geradores desses tributos.”.

Nesse mesmo sentido, ALIOMAR BALEEIRO268 explica que: “A destinação

passou a fundar o exercício da competência da União. Sem afetar o tributo às

despesas expressamente previstas na Constituição, falece competência à União

para criar contribuições. (...). Assim, a destinação assume relevância não só

tributária como constitucional e legitimadora do exercício da competência federal. O

contribuinte pode opor-se à cobrança de contribuição que não esteja afetada aos

fins, constitucionalmente admitidos; igualmente poderá reclamar a repetição do

tributo pago, se, apesar da lei, houver desvio quanto à aplicação dos recursos

arrecadados.”.

Corroborando essa idéia, o jurista WERTHER BOTELHO SPAGNOL269 afirma

que: “Existindo desvio de finalidade ou tredestinação, verifica-se o exercício irregular

da competência impositiva, viciando-se inapelavelmente a norma tributária. É que o

mandamento de uma norma tributária veiculadora de contribuição social não

explicita apenas o comando ‘entregar dinheiro aos cofres públicos’, mas, em razão

de possuir aspecto finalístico expresso, explicita o comando ‘entregar dinheiro aos

cofres públicos para a consecução de determinada finalidade.”. Dessa forma, esse

jurista conclui que é incontestável o direito do contribuinte opor-se ao pagamento do

tributo ou de repeti-lo.

267 “Contribuições sociais, desvio de finalidade e a dita reforma da previdência social brasileira” in Revista Dialética de Direito Tributário n.º 108. p. 129. 268 Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7ª ed. p. 598. 269 Op. cit. p. 97-98.

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166

E também a jurista JÚNIA ROBERTA GOUVEIA SAMPAIO270: “A partir do

momento em que se verifica que as contribuições para a seguridade social não são

destinadas a custear benefício algum, cai por terra a legitimidade constitucional para

a cobrança desse tributo, uma vez que o sistema só permite a oneração adicional

por meio das contribuições para a seguridade social se comprovada a criação de

novo benefício. Atinge-se, assim, o direito individual do contribuinte de só ser

afetado desde que a finalidade esteja resguardada.”.

Um bom exemplo legislativo que ilustra a importância da destinação das

contribuições previdenciárias é o art. 197 da IN/INSS/PRES n.º 20/07, que dispõe

sobre devolução de valores ao INSS:

“Art. 197. Os valores indevidamente recebidos deverão ser devolvidos ao INSS, na

forma dos artigos 154 e 365 do RPS”.

Parece evidente tal conclusão quanto à inconstitucionalidade da contribuição

previdenciária e conseqüente ação de repetição do indébito, todavia não o é, há

muitos segurados que contribuem inutilmente para o Regime Geral de Previdência

Social; isto é, o órgão parafiscal por meio de suas Instruções Normativas cria

situações extremamente utópicas para a concessão de benefícios, de modo que se

elas não ocorrerem nem o segurado e nem seus dependentes receberão o

benefício.

Em consulta ao site do INSS, encontra-se a seguinte explicação a respeito da

concessão da pensão por morte:

“Benefício pago à família do trabalhador quando ele morre. Para concessão de pensão

por morte, não há tempo mínimo de contribuição, mas é necessário que o óbito tenha

ocorrido enquanto o trabalhador tinha qualidade de segurado. Se o óbito ocorrer após a

perda da qualidade de segurado, os dependentes terão direito a pensão desde que o

trabalhador tenha cumprido, até o dia da morte, os requisitos para obtenção de

aposentadoria, concedida pela Previdência Social”.

Essa citação constante do site do INSS é somente uma ilustração das muitas

situações utópicas criadas para obstar que a contribuição previdenciária paga

durante muitos anos não cumpra sua destinação. Dessa forma, esse trabalho

defende a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária e o cabimento de

ação de repetição de indébito tributário.

270 Op. cit. p. 218.

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167

Como já defendido linhas atrás, o segurado não paga contribuição

previdenciária para conceder prestações previdenciárias a outrem, ele paga para ele

ou seus dependentes receberem a prestação. A solidariedade não é a causa do

sistema previdenciário, mas sua conseqüência: se o segurado morre e não tem

dependentes, aí sim deve ser a solidariedade.

Em suma, a destinação específica das contribuições previdenciárias deve ser

respeitada, afinal, ela está inserida na própria norma constitucional de competência

tributária, aliás, ela é identificada através da especificidade de sua destinação, como

bem demonstra o Min. ILMAR GALVÃO em seu voto no RE n.° 146.733, referido

anteriormente:

“A especificidade da destinação do produto da arrecadação do tributo em causa é que,

obviamente lhe confere o caráter de contribuição. Eventual desvio de finalidade que se

possa verificar na administração dos recursos por ela produzidos não pode ter o efeito de

transmudar-lhe a natureza jurídica”.

Nessa esteira, a professora ZÉLIA LUÍZA PIERDONÁ271 conclui que: “As

disposições constitucionais aplicáveis aos tributos nos permite concluir que a

diferença entre as contribuições para a seguridade social e as demais espécies

tributárias se encontra na norma de estrutura que atribui competência a União para

instituir as referidas contribuições. O principal preceito diferenciador é a destinação

da receita das contribuições para a seguridade social. Tal destinação revela uma

finalidade constitucionalmente qualificada.”.

Dada a importância da especificidade da destinação nas contribuições, cabe

nesse tópico ainda um posicionamento acerca de sua validação, se é causal ou

finalística.

O professor MARCO AURÉLIO GRECO272 explica que há duas técnicas de

validação das normas hierarquicamente subordinadas: a validação causal ou

condicional e a validação finalística.

A validação causal ou condicional consiste em normas que prevêem

situações aptas a gerar efeitos (se-então), enquanto que a validação finalística

consiste na própria previsão de efeitos, mais especificamente, na previsão de

271 Op. cit. p. 107. 272 Contribuições (uma figura “sui generis”). p. 118.

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168

finalidades. Segundo explicações do professor273: “enquanto o primeiro modelo é um

modelo protetivo da realidade, o segundo é um modelo modificador da realidade

pois, na medida em que se edita uma norma jurídica para obter um resultado, é

porque este resultado ainda não existe. Se o resultado ainda não existe, a diretriz do

ordenamento, nestes casos, é de construção de uma realidade nova, de busca de

um contexto inexistente, no momento da própria edição da norma.”.

Já foi dito neste trabalho que as contribuições são espécies tributárias

autônomas principalmente pelo fato de possuírem uma norma de competência

diferenciada sintaticamente das demais espécies tributárias; ou seja, as

contribuições se qualificam como tal em decorrência de sua norma de competência

prever uma finalidade.

Ao se construir a regra-matriz de incidência das contribuições, baseada na

norma de competência já instituída, tem-se exatamente a mesma técnica dos

demais tributos: a prescrição de uma situação que deverá gerar efeitos; ou seja, há

uma validação causal.

Dentro dessa discussão é oportuno diferenciar dois momentos

completamente distintos: (i) o momento em que a autoridade legislativa prevê uma

finalidade em abstrato na norma que prescreve o exercício da competência tributária

para instituir contribuição – que é o momento relevante para diferenciar a norma

jurídica atinentes às contribuições das demais; (ii) o momento em que ocorre a

efetiva destinação do produto da arrecadação – que é o momento em que o

administrador, realizando o orçamento, destina as verbas do produto da arrecadação

das contribuições à determinada finalidade.

O professor JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO274, corrobora essa idéia:

“Trata-se de situações distintas, inconfundíveis no âmbito jurídico e cronológico, pois

concernem, respectivamente, a anterior exercício da atividade do Legislativo

(estipulando o destino do tributo) e posterior atuação do Executivo (aplicando os

recursos).”.

273 Contribuições (uma figura “sui generis”). p. 119. 274 Op. cit. p. 35.

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169

REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA275, com o mesmo raciocínio, conclui que:

“a finalidade é o objetivo almejado pelo legislador constituinte, enquanto a

destinação é o direcionamento dado à receita das contribuições pela lei instituidora

da exação, pela lei orçamentária e pelo administrador para alcançar o fim

constitucional.”.

Com essa distinção de finalidade em abstrato e efetiva destinação quer se

dizer que para qualificar a contribuição basta a finalidade em abstrato que

condiciona o exercício da competência tributária e não a efetiva destinação.

A validade de uma norma jurídica dentro do ordenamento é verificada quando

guardar pertinência sintática e semântica com as demais normas já existentes de

hierarquia superior. Se ela é válida, ela passa a ter vigência e daí passará a gerar

efeitos, positivos ou negativos, de forma que não é possível falar em validade de

acordo com os efeitos, como propõe os estudiosos que defendem a validade

finalística.

Portanto, não é possível se falar em validação finalística no direito positivo,

nem mesmo para as contribuições: a validação será sempre causal. Nas

contribuições previdenciárias a validade ocorrerá se as normas de sua regra-matriz

estiverem em consonância com as normas constitucionais atinentes ao sistema

previdenciário e elas se qualificam como tal porque sua respectiva norma de

competência prevê a Previdência Social como finalidade.

- (iv) sobre a não restituição das contribuições previdenciárias:

Parece estranho querer sublinhar o caráter da não restituibilidade das

contribuições previdenciárias, porém, poder-se-ia inferir que elas são restituíveis na

forma de prestações previdenciárias.

A contribuição previdenciária não é restituível pelos seguintes motivos: (i) a

prestação previdenciária somente é concedida ao segurado ou dependente se

houver situação de necessidade social; e, (ii) se houver a concessão da prestação

previdenciária ela não é correspondente com o valor pago a título de contribuição

previdenciária.

275 “Contribuições sociais e desvio de finalidade” in Direito Tributário: Homenagem a Paulo de Barros Carvalho p. 549.

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170

(i) A prestação previdenciária somente é concedida ao segurado ou dependente se

houver situação de necessidade social: trata-se de um contrato de seguro, no qual

pagam-se as parcelas (contribuições previdenciárias) para que haja cobertura numa

situação de necessidade social. Portanto, se paga para se obter uma prestação

previdenciária se ocorrer uma situação de necessidade social.

(ii) Se houver a concessão da prestação previdenciária ela não é correspondente

com o valor pago a título de contribuição previdenciária: O segurado ou dependente

não recebe benefício em valor correspondente com o que pagou a título de

contribuição previdenciária; ou seja, o valor da prestação previdenciária (salvo

salário-família e salário-maternidade) não coincide com o valor das contribuições

previdenciárias. Conforme arts. 28 e 29 da Lei n.º 8.213/91, a base de cálculo das

prestações é o chamado salário-de-benefício, o qual é calculado conforme tabela

abaixo:

Aposentadoria por idade

Aposentadoria por tempo de contribuição –

art. 29, I, da Lei 8.213/91

Aposentadoria por invalidez

Aposentadoria especial

Auxílio-doença

Auxílio-acidente – art. 29, II, da Lei 8.213/91

Média aritmética simples dos maiores salários-

de-contribuição correspondentes a 80% (oitenta

por cento) de todo o período contributivo,

multiplicada pelo fator previdenciário276.

Média aritmética simples dos maiores salários-

de-contribuição correspondentes a 80% (oitenta

por cento) de todo o período contributivo.

Nesse sentido, JOSÉ DOS REIS FEIJÓ COIMBRA277 afirma que: “Não há

correspondência entre a obrigação de custeio e a de amparo; na primeira, o Estado

figura como sujeito ativo, sujeito passivo sendo a pessoa amparada ou alguém por

ela. A obrigação de recolher contribuições não é, na maior parte dos casos, nem

mesmo condição para o exercício do direito à prestação. Decorrentemente, a relação

276 O fator previdenciário, conforme dispõe o art. 77 da IN/INSS/PRES n.º 20/07, é calculado com base na idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado ao se aposentar. Sua fórmula é a seguinte: f = Tc.a . [ 1+ {Id + Tc.a} ] Es 100 onde: f = fator previdenciário; Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria; Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria; Id = idade no momento da aposentadoria; a = alíquota de contribuição correspondente a 0,31. 277 Op. cit. p. 268-269.

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171

de custeio é autônoma, forma-se e extingue por modos e em ocasiões diversas das

que regulam as demais relações jurídicas de Direito Previdenciário.”.

Corroborando, JOÃO ANTONIO G. PEREIRA LEITE278 afirma que “no seguro

social, por seus fins, não existe proporcionalidade entre o valor das contribuições

dos beneficiários e a quantia das prestações.”.

Portanto, após essa análise, conclui-se que efetivamente as contribuições

previdenciárias são tributos não vinculados e não restituíveis que passam a viger

quando da coincidência semântica entre a norma e o fato social (subsunção do fato

à norma).

7. Análise pragmática das contribuições previdenciárias

Pela análise pragmática, poder-se-á verificar quão eficiente são as normas de

custeio da Previdência Social.

As contribuições previdenciárias distinguem-se das demais contribuições

principalmente pela sua pragmática; isto é, elas possuem uma finalidade bem

definida que é custear a Previdência Social, o que significa financiar todas as

prestações previdenciárias concedidas aos segurados.

Prestações essas que se dividem em benefícios e serviços, conforme a tabela

abaixo:

Benefícios Serviços

Aposentadoria por invalidez

Aposentadoria por idade

Aposentadoria por tempo de contribuição

Aposentadoria especial

Auxílio-doença

Salário-família

Salário-maternidade

Auxílio-acidente

Pensão por morte

Auxílio-reclusão

Serviço Social

Habilitação Social

Reabilitação Social

278 Curso elementar de direito previdenciário. p. 169.

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172

Cada uma dessas prestações serve para situações de necessidade social

diversas, consistentes em doença, velhice, incapacidade para o trabalho, morte,

reclusão, acidente de trabalho, maternidade, deficiência física e psíquica.

As contribuições previdenciárias, portanto, custeiam a cobertura para todas

essas situações de risco para os segurados. São chamadas de “situações de risco”

porque consistem em situações de futuro incerto ou indeterminado e todos,

indistintamente, poderão se encontrar nesse tipo de situação.

MOACYR VELLOSO CARDOSO DE OLIVEIRA279 explica que: “Há um anseio

universal pela ‘segurança’ do presente e, sobretudo, do futuro. Os problemas do

sustento na velhice, na invalidez, no desemprego, do tratamento e da subsistência

na doença; do amparo do grupo familiar, pela morte do que o tem sob sua

dependência; do aumento dos encargos no nascimento e na criação dos filhos;

assumiram na sociedade moderna – em virtude das crescentes dificuldades da vida

humana e mesmo rural que a caracterizam – proporções tais que a pessoa isolada

ou o próprio grupo familiar não pode, pó si só, enfrentá-los e dar-lhe solução

adequada no momento oportuno. Daí o apelo cada vez maior ao Estado –

responsável pelo bem comum – para que propicie, por meio de contribuições sociais

específicas, os meios para garantir essa ‘segurança’ para todos e para cada um.”.

Assim, mais do que cobrir as situações de risco, as contribuições

previdenciárias primam pelo princípio da dignidade humana e do mínimo existencial;

ou seja, elas complementam a renda de uma família em um caso de necessidade

social para que seus membros tenham ao menos um mínimo para uma existência

digna.

Explicando dessa forma, é possível se pensar que as contribuições

previdenciárias são infinitamente pragmáticas, no sentido de que uma prestação

previdenciária poderia ser a única fonte de renda de várias famílias. Todavia, isso

não é verdade e jamais poderia ser sob o risco de tornar completamente deficitária a

Previdência Social.

Deve-se esclarecer que a previdência social é um sistema de seguro social,

logo somente custeia um risco social que se efetiva. Que tem por função a cobertura

279 Op. cit. p. 10.

Page 173: Cp 134822

173

de situações de necessidade social, vale dizer “de situações que possam inviabilizar

a obtenção de coisas imprescindíveis para a vida no meio social” – é nesse sentido

que se fala em mínimo existencial e princípio da dignidade humana.

Ademais, há que se rememorar que esse mínimo existencial está consignado

no Texto Constitucional, no art. 7º, inciso IV:

“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à

melhoria de sua condição social:

(...)

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas

necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação,

saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos

que lhe preservem o poder aquisitivo (...)”.

CAROLINA ZOKUN280 alega que: “o mínimo existencial deve ser garantido

pelo valor das prestações, que, quando substitutivas do rendimento do trabalhador,

devem ser capazes de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua

família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,

transporte e previdência social. Isto quer dizer que o Estado tem o dever de – nos

termos do art. 7º, IV, do Texto Maior – garantir o recebimento de um salário mínimo

mensal ao beneficiário (segurado ou dependente) do sistema da previdência social.”.

Portanto, é de salutar importância sublinhar, nesse momento, que a

Previdência Social, logo as contribuições previdenciárias, somente financiam o

mínimo existencial, jamais padrão de vida. A Previdência Social, então, não pode ser

considerada fonte de renda, mas sim como uma complementação na renda da

família do segurado que se encontra numa situação de necessidade social. Os

segurados que pretendam mais do que o mínimo existencial devem procurar outras

fontes de renda.

A pragmática das contribuições previdenciárias acabam resultando em

normas jurídicas ineficientes justamente por causa desse engano em tratar a

prestação previdenciária como única fonte de renda, posto que, efetivamente, quem

precisa fica sem e, quem não precisaria tanto, usa a prestação como única ou

principal fonte de renda.

280 Ob. cit. p. 99.

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174

O equilíbrio atuarial da Previdência Social depende muito mais de bom senso

e vedação de abusos, do que de instituição de outras contribuições previdenciárias

flagrantemente inconstitucionais, tais como a contribuição dos inativos, ou, ainda, da

utilização do fator previdenciário para calcular o benefício281.

Mesmo com as atuais mudanças (que tem sido boas, ao menos

pragmaticamente) de concessão de benefício em meia hora e término de fator

previdenciário, há ainda muito a se evoluir em termos pragmáticos para que

efetivamente a Previdência Social atinja seus reais objetivos de manter dignamente

o cidadão que pagou durante toda a sua vida contribuições ao INSS e que agora

está, por exemplo, aposentado.

Se as normas relativas à Previdência Social dialogam com a realidade social,

então quem as interpreta não deve somente pensar no equilíbrio atuarial do sistema

previdenciário, mas também em como satisfazer plenamente as necessidades

básicas de seus segurados e, para tanto, deverá levar em conta quão alto é o

padrão de vida do brasileiro atualmente.

O Professor MARCUS ORIONE GONÇALVES CORREIA282 a esse respeito

afirma que: “Não se pode permitir que a busca de um pretenso equilíbrio financeiro

se dê com o incremento de uma política de exclusão social.”.

A Previdência Social, em termos pragmáticos, deveria servir para

efetivamente custear as necessidades vitais dos cidadãos quando esses se tornam

seus beneficiários, de forma que não precisassem mais trabalhar para obter o

necessário para sua sobrevivência.

É nesse sentido que se afirma que as contribuições previdenciárias, como

todas as contribuições sociais, também são financiadoras de atividade interventiva

do Estado na Ordem Social; isto é, as contribuições previdenciárias financiam a

intervenção social do Estado através da concessão de benefícios previdenciários em

razão da efetiva ocorrência de uma situação de risco com o segurado que

281 WLADIMIR NOVAES MARTINEZ ensina que “o fator previdenciário é um número, em cada caso, menor ou maior do que um, podendo ser, coincidentemente, igual à unidade, apurado em função de dados pessoais e profissionais do trabalhador, que define o quantum do salário-de-benefício que se presta para o cálculo da renda mensal inicial de pelo menos uma prestação” in Comentários à lei básica da previdência social. p. 213. 282 “Digressões a respeito da inconstitucionalidade do fator previdenciário” in Revista do Advogado n.º 60. p. 61.

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175

prejudique sua capacidade laborativa e, conseqüentemente, de obter por si próprio o

mínimo vital para sua sobrevivência e de seus dependentes.

Corroborando com essa assertiva, CARLOS ALBERTO PEREIRA DE

CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI283 afirmam que: “o seguro social, imposto por

normas jurídicas emanadas do poder estatal, caracteriza-se uma intervenção do

Estado na economia e na relação entre os particulares. E não é outra a função do

poder estatal, senão a de assegurar o bem comum da sociedade a que serve.”.

E também JOSÉ DOS REIS FEIJÓ COIMBRA284: “o Estado passou a intervir

corrigindo excessos e distorções que valiam, afinal, por evidentes contradições com

os postulados fundamentais da Revolução de 1789: Liberdade, Igualdade,

Fraternidade. Receptiva tornava-se a consciência da coletividade à idéia de que o

bem comum é o fim do Estado, cabendo a este disciplinar os interesses individuais,

conciliando-os com os da sociedade. A ação dos governos já não se limitaria,

portanto, à garantia dos direitos civis e políticos, à ordem interna e à defesa do País,

na esfera internacional, devendo voltar-se para a proteção de outros direitos,

denominados então de sociais e econômicos.”.

Assim, resta claro que o Estado Brasileiro, emprestando as idéias de

solidariedade e justiça social da Revolução Francesa, instituiu com o Texto

Constitucional de 1988 um instrumento que viabilizasse sua intervenção na Ordem

Social, de forma a manter o bem-comum; ou melhor a seguridade social: esse

instrumento são as contribuições sociais, as quais compreendem as genéricas e as

previdenciárias.

Portanto, resta claro que as contribuições previdenciárias são instrumentos

que financiam a atividade interventiva do Estado no sistema da Previdência Social;

isto é, o Estado intervém para prover uma subsistência digna aos trabalhadores que

estão provisória ou definitivamente incapacitados para exercer atividade produtiva.

8. O modelo constitucional teórico

Pensar num modelo teórico para o controle de validade, vigência e eficácia

das contribuições previdenciárias é bastante oportuno nesse trabalho que levantou

283 Op. cit. p. 49. 284 Op. cit. p. 08-09.

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176

sérios problemas dentro do sistema previdenciário quando da análise de sua

pragmática.

8.1. Sintática

A estrutura sintática válida das contribuições sociais previdenciárias é a

seguinte:

NCTCP: Ant = U. Art. 195 da CF. TN → Cons = U. E/T. RMTIP. PS

RMICP: Ant = U. (Rr/Rs + iRGPS + NCTCP). TN. m → Cons = INSS. Er/Eo. (SC. A)

Onde:

NCTCP = norma de competência tributária das contribuições previdenciárias

Ant = antecedente

Cons = conseqüente

U = União

TN = Território Nacional

E/T = empregador ou trabalhador

RMTIP = regra-matriz tributária de incidência possível

PS = Previdência Social

RMICP = regra-matriz de incidência das contribuições previdenciárias

Rr/Rs = receber remuneração ou receber salário

iRGPS = inscrição no Regime Geral de Previdência Social

m = mês

INSS = Instituto Nacional de Previdência Social

Er/Eo = empregador ou empregado

SC = salário-de-contribuição

A = alíquota

Dessa estrutura, portanto, extraiu-se que a regra da finalidade constitucional

prevista para as contribuições previdenciárias está inserida em sua norma de

competência, condicionando o exercício da competência do ente tributante. E, mais

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177

do que isso, essa norma de competência qualificada é que deverá legitimar a

instituição da referida exação, tanto que está presente no aspecto material da regra-

matriz de incidência tributária.

Dessa forma, percebe-se que a validade das contribuições, especificamente

as previdenciárias, ocorre no âmbito da sintática da Constituição Federal; ou seja, a

norma da contribuição previdenciária deverá guardar relação de pertinência com

todas as outras normas constitucionais.

8.2. Semântica

Já a estrutura semântica das contribuições previdenciárias está relacionada

com a sua própria natureza jurídica:

São exações de natureza tributária, não vinculadas a uma atuação estatal, todavia,

com o produto de sua arrecadação afetado ao sistema da Previdência Social,

arrecadadas por órgão parafiscal, e não restituíveis.

Possuem natureza tributária, posto que se encaixam perfeitamente no

conceito do artigo 3º do Código Tributário Nacional, mesmo porque estão inseridas

no Texto Constitucional no Capítulo do sistema tributário, com menção expressa de

observância a princípios tipicamente tributários.

Dessa maneira, é conseqüência lógica que se apliquem os princípios

constitucionais tributários as referidas exações. Além dos demais princípios

constitucionais presentes no Texto.

Salienta muito bem acerca desse assunto REGIS FERNANDES DE

OLIVEIRA e ESTEVÃO HORVATH285: “Importa salientar que, juridicamente,

qualquer que seja a finalidade pretendida pelo legislador ao instituir um tributo

(fiscal, extra ou parafiscal), esta instituição deverá seguir os parâmetros

constitucionais para tanto, ou seja, obedecer ao regime jurídico-tributário, já que sua

natureza será sempre a de um tributo.”.

Corroborando com tais assertivas, os professores IVES GANDRA DA SILVA

MARTINS e IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO286 ensinam que:

285 Manual de direito financeiro. p. 51-52. 286 Op. cit. p. 35-36.

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178

“Se as contribuições têm natureza fiscal, é de se perguntar se todos os princípios

tributários lhes são aplicáveis. Entendemos que sim. São eles 10 princípios, a saber:

capacidade contributiva, da redistribuição de riquezas, legalidade, tipicidade, igualdade,

desigualdade seletiva, inter-relação especial, imposição equalitária, tríplice função

integrativa e superior interesse nacional. A estes se agregam os sub-princípios da

irretroatividade tributária (§ 3º), universalidade da jurisdição (§ 4º), assecuratórios do

direito à propriedade (§ 22), liberdade de trabalho (§ 23), assecuratórios do direito de

representação e petição (§ 30), assecuratórios do direito à expedição de certidões (§ 35),

anterioridade do exercício financeiro para cobrança (§ 29) ou, ainda, os implícitos

(vinculabilidade de tributação, territorialidade tributária) ou explícitos, como uniformidade

de tributação (art. 20, I), imunidade recíproca (art. 19, III, “a”), transferência do exercício

de competência (arts. 18, § 5º, e 21, § 5º).”.

Apesar desses professores estarem fazendo remissão à antiga Constituição

Brasileira, eles enumeram muitos dos princípios presentes na Carta Magna atual,

sendo eles gerais, específicos do sistema tributários, explícitos e implícitos.

Se se partiu da premissa que o ordenamento do direito positivo é um tecido

único de linguagem em que há uma intensa interligação entre todos os enunciados

normativos, então, deve-se concluir que as normas atinentes às contribuições

previdenciárias devem estar em perfeita consonância com todas as outras normas,

principalmente com as normas constitucionais que prevêem princípios.

Portanto, as contribuições previdenciárias possuem natureza tributária,

estruturam-se segundo o regime tributário e, portanto, além de deverem observar a

todos os dispositivos da Constituição Federal, inclusive o Preâmbulo, devem

observar aos seguintes princípios do sistema constitucional tributário:

- Estrita Legalidade Tributária: Corolário do princípio da legalidade consagrado no

art. 5.º, II, da CF, a estrita legalidade tributária está prevista no art. 150, I, também

do Texto Constitucional, e consiste na vedação de exigência ou aumento de tributo

sem lei prévia que o estabeleça.

- Tipicidade Tributária: Princípio inferido a partir da estrita legalidade e da

demarcação das competências tributárias, refere-se aos tipos tributários já descritos

no Texto Constitucional que são fechados, tais como no Direito Penal; ou seja, os

arquétipos de cada tributo estão predefinidos na Constituição Federal, sendo vedada

qualquer interpretação analógica para legitimar exigência estranha ao que está

prescrito nos dispositivos constitucionais.

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179

- Isonomia Tributária: Esse princípio decorre do princípio da igualdade previsto no

caput do art. 5º da CF (“tratamento igual para os iguais e desigual aos desiguais, na

medida em que se desigualarem”) e consiste em tributar todas as pessoas

indistintamente na medida de suas possibilidades. A medida de possibilidade de

cada pessoa é denominada pela Carta Constitucional de capacidade tributária.

Nos dizeres do professor CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO287, “o

princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e

desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações

quando nelas não se encontram fatores desiguais.”.

Quanto à observância da capacidade contributiva para as contribuições

previdenciárias explica a professora REGINA HELENA COSTA288 que: “O princípio

da capacidade contributiva aplica-se somente aos tributos não vinculados a uma

atuação estatal, vale dizer aos impostos, e assim também às contribuições sociais

e aos empréstimos compulsórios, quando a materialidade de suas hipóteses de

incidência assumir a feição daqueles tributos”. (grifos nossos).

A professora FABIANA DEL PADRE TOMÉ289 também acredita que o

princípio da capacidade contributiva deva ser aplicado às contribuições sociais.

- Anterioridade Nonagesimal: Deriva da segurança jurídica e consiste na vedação de

cobrança de contribuição previdenciária antes de passados 90 (noventa) dias de sua

instituição ou majoração.

- Irretroatividade Tributária: Esse princípio consiste na vedação de cobrança de

contribuição previdenciária a fatos tributários ocorridos antes de sua instituição ou

majoração, salvo se for para beneficiar contribuinte infrator.

- Não-Confisco: Esse princípio consiste em vedar a cobrança de contribuições

previdenciárias de forma confiscatória.

- Uniformidade Geográfica: Esse princípio consiste numa tributação uniforme por

todo o território nacional, exceto para fins de incentivo fiscal em determinada região.

287 O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. p. 35. 288 Princípio da capacidade contributiva. p. 108. 289 Contribuições para a seguridade social à luz da Constituição Federal. p. 140.

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180

- Imunidades Tributárias:

Quanto às imunidades vale a pena destacar que as previstas no art. 150, VI,

da Carta Magna não são aplicáveis às contribuições previdenciárias, mas somente

aos impostos. Todavia, há imunidades previstas para tais exações, tal como a

prevista no art. 195, § 7.º, da CF:

“São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de

assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”.

Apesar da redação constar o adjetivo “isentas”, aqui se trata de uma

imunidade tributária, ou melhor, norma de incompetência tributária. É cediço que as

competências tributárias só constitucionalmente são disciplinadas, e a “isenção” a

que se referiu erroneamente o constituinte deve ser lida como imunidade tributária.

O jurista JEDIAEL GALVÃO MIRANDA290 também aponta como casos de

imunidade as aposentadorias e pensões concedidas pelo regime geral de

previdência social (art. 195, II, 2ª parte, da CF), bem como as receitas decorrentes

de exportação (art. 149, § 2º, I, da CF).

O princípio da não-cumulatividade previsto no art. 195, § 12, não será

aplicado nas contribuições previdenciárias, posto que não se tratam de tributos que

possuem incidência em cadeia, tais como IPI e ICMS. As contribuições

previdenciárias incidem de forma única para empregados, empregadores e

trabalhadores.

Há que se sublinhar, também, que às contribuições previdenciárias também

se aplicam as regras constantes do Código Tributário Nacional, tais como prazos

prescricionais e decadenciais e formas de extinção e suspensão da obrigação

tributária.

Sem prejuízo, os princípios atinentes à Seguridade Social e os específicos da

Previdência Social também deverão ser observados: universalidade da cobertura e

atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações

urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e

serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade na forma de participação

do custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e

descentralizado da gestão do sistema; regra da contrapartida; obrigatoriedade da

290 Direito da seguridade social. p. 40.

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181

filiação; unicidade; compreensibilidade; automaticidade das prestações;

imprescritibilidade do direito ao benefício; expansividade social; in dubio pro

operario; e, solidariedade de grupo.

Portanto, em termos semânticos não se pode perder de vista que há um juízo

de ponderação a ser feito: as contribuições previdenciárias apesar de serem

destinadas ao custeio da Previdência Social, que é um sistema de seguro social em

que todos os seus inscritos estão sujeitos a uma solidariedade social compulsória

em favor dos mais necessitados na busca do bem-comum de toda a coletividade

indistintamente, possuem natureza tributária, conseqüentemente, estão sujeitas a

todos os princípios e regras atinentes ao sistema tributário previsto tanto no Texto

Constitucional como no Código Tributário Nacional. Há dois extremos que devem ser

conciliados.

Nesse mesmo raciocínio, DANIEL PULINO291 afirma que: “nas normas

relativas às contribuições destinadas ao custeio da seguridade social que, embora

devam ser pagas por toda a sociedade (art. 195, caput) de forma eqüitativa (art. 194,

V), não deixam de ser tributos (consoante previsão do art. 149), sujeitos, portanto, a

fortes restrições impostas à atividade do Estado, como forma de legítima

preservação da esfera de autonomia dos indivíduos (...), é preciso observar que a

disposição constitucional dada à matéria autoriza, com absoluta clareza, que

também se invoquem, na aplicação das disposições sobre o custeio, todos os

valores de justiça e bem-estar sociais para combiná-los, num juízo de ponderação,

mas não de conflito, com os cânones que compõem o chamado estatuto do

contribuinte.”.

Com posicionamento semelhante, o professor MARCO AURÉLIO GRECO292

também afirma que: “o momento atual não é nem de nenhuma primazia míope (nem

da liberdade, nem da solidariedade), mas de prestigiar ambos e conjugá-los num

produto final equilibrado.”.

Nessa esteira, portanto, afirma-se que às contribuições previdenciárias se

aplica o regime jurídico dos tributos, contudo, elas não podem deixar de observar os

princípios atinentes ao sistema securitário, especialmente os pertencentes ao

sistema da Previdência Social.

291 Op. cit. p. 48. 292 “Solidariedade social e tributação” in Solidariedade social e tributação. p. 169.

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As contribuições previdenciárias também são tributos não vinculados a uma

atuação estatal, porém o produto de sua arrecadação é destinado à Previdência

Social.

Isso porque as materialidades previstas para referidas contribuições não se

relacionam, nem mesmo indiretamente, com uma atividade estatal. Como já visto, a

materialidade das contribuições previdenciárias para o empregado consiste em

“receber salário ou remuneração e ser inscrito no Regime Geral de Previdência

Social”. Tal materialidade nada mais é do que uma situação em que o contribuinte se

encontra (de forma que até chega a assemelhar-se com os impostos), não se

relacionando de forma alguma com qualquer atividade estatal, logo, não há qualquer

vinculação.

Os contribuintes de contribuições previdenciárias, estando na situação de

perceber salário (ser empregado) ou remuneração e terem sido inscritos no regime

geral da Previdência Social, pagam-na para que num futuro incerto possam

porventura receber algum tipo de benefício. Dessa maneira, verifica-se que tais

exações são realmente não vinculadas com uma atividade estatal, porém o produto

de sua arrecadação é destinado a um órgão previdenciário, o qual o administra na

medida em que concede benefícios a todos que necessitar. Daí dizer que o produto

de sua arrecadação é afetado.

São tributos arrecadados por órgão parafiscal; ou seja, nelas ocorrem o

fenômeno da parafiscalidade necessária na qual o produto da arrecadação é gerido

pelo Instituto Nacional de Previdência Social justamente para que efetivamente

ocorra a destinação prevista constitucionalmente e não haja risco de tredestinações.

Para que esse fenômeno seja possível a União Federal, titular da

competência tributária para a instituição de contribuições previdenciárias, delega sua

capacidade tributária ativa para o órgão previdenciário.

São também tributos não restituíveis, posto que o sistema previdenciário se

trata de um sistema de seguro, no qual os contribuintes pagam contribuições para

que num futuro indeterminado, se eventualmente ocorrer uma das situações

elencadas na lei como de risco social, recebam algum tipo de benefício. Fato esse

que significa que é possível que os pagamentos efetuados a titulo de contribuição

nem retornem na forma de benefícios e sejam, inclusive, estornados em favor de

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183

outrem e, mais, o valor dos benefícios não correspondem fielmente aos valores

pagos via contribuição.

Ainda dentro da semântica, é preciso ainda destacar, pela leitura do Texto

Constitucional, especialmente no art. 195, a possibilidade de se apreender as

seguintes hipóteses de incidência para as contribuições previdenciárias, nas quais

certamente os fatos sociais devem se subsumir para justificar o pagamento de

contribuições previdenciárias:

Regra-Matriz de

Incidência

Contribuição do

empregado -segurado

obrigatório (com

vínculo empregatício)

Contribuição do

trabalhador- segurado

obrigatório (sem

vínculo empregatício)

Contribuição do

trabalhador

(contribuinte

individual) e demais

segurados –

segurados

facultativos

Critério Material Receber salário e ser

inscrito no RGPS

Receber remuneração

e ser inscrito no RGPS

Receber remuneração

e ser inscrito no RGPS

Critério Espacial Território Nacional Território Nacional Território Nacional

Critério Temporal O mês trabalhado O mês trabalhado O mês trabalhado

Sujeito Ativo União Federal – INSS

(parafiscalidade)

União Federal – INSS

(parafiscalidade)

União Federal – INSS

(parafiscalidade)

Sujeito Passivo O empregado,

observando-se o dever

instrumental do

empregador na

retenção.

O trabalhador,

observando-se o dever

instrumental do

empregador na

retenção.

O próprio trabalhador

de forma autônoma.

Critério Quantitativo BC: folha de salário X

Alíquota: vide tabela

abaixo

BC: Demais

rendimentos do

trabalho pago ou

creditado X Alíquota:

vide tabela abaixo

BC: Salário de

contribuição X alíquota:

20% ou 11%

Fundamento Legal Art. 195, I, “a” e art.

201, § 3º, da CF

Art. 195, I, “a”, e art.

201, § 3º, da CF

Art. 195, II, e art. 201, §

3º, da CF

Page 184: Cp 134822

184

Observe-se que estas são as hipóteses de incidência possíveis, segundo o

texto constitucional, que devem custear a Previdência Social, sem prejuízo de outras

contribuições sociais que são revertidas parcialmente para esse sistema.

Quanto às hipóteses de incidência da contribuição do empregado e do

trabalhador como segurados obrigatórios, fazem-se as seguintes observações:

1º) da norma que estatui o dever instrumental do empregador em fazer a retenção

da folha de salários do empregado e pagar a contribuição previdenciária em favor de

seu empregado ou de qualquer outro trabalhador sem vínculo.

Não passa de dever instrumental a retenção que o empregador deverá

realizar da folha de salário de seus empregados ou prestadores de serviços, posto

que não é ele quem suporta a obrigação tributária; ou seja, o sujeito passivo é o

empregado ou o trabalhador-prestador de serviço, dos quais são descontados

percentuais para que o empregador recolha a respectiva contribuição previdenciária.

Se ele não efetuar o pagamento das contribuições previdenciárias em favor

de seus funcionários ele poderá responder criminalmente por “apropriação indébita”

nos termos do artigo 168-A do Código Penal (norma introduzida pela Lei n.º

9.983/00) e, ainda, ser chamado pelo Fisco para efetuar o pagamento como forma

de sanção.

A redação do art. 33, § 5.º, da Lei n.º 8.212/91 é prova dessas assertivas: “O

desconto de contribuição e de consignação legalmente autorizadas sempre se

presume feito oportuna e regularmente pela empresa a isso obrigada, não lhe sendo

lícito alegar omissão para se eximir do recolhimento, ficando diretamente

responsável pela importância que deixou de receber ou arrecadou em desacordo

com o disposto nesta lei.”.

Corroborando com essas assertivas, ANDRÉ STUDART293 diz que: “o

retentor de tributo devido por terceiro age como simples agente de arrecadação, não

figurando, pois, como partícipe da relação jurídico-tributária. A sua responsabilidade

patrimonial é eventual e depende do inadimplemento de sua obrigação acessória de

reter o tributo.”.

293 Arrecadação e recolhimento das contribuições previdenciárias. p. 23.

Page 185: Cp 134822

185

E também RENATO LOPES BECHO294: “O empregador, fazendo o trabalho

como se fosse cada uma das pessoas físicas, presta-lhes um serviço, é verdade.

Substitui-as, no sentido vulgar, coloquial, naquela tarefa de apurar o imposto,

declará-lo e recolhê-lo, é certo. Entretanto, em nenhum momento, o faz

juridicamente em conta própria. Ou seja, em nenhum momento passa a ser detentor

de direito subjetivo como se empregado fosse.”.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n.º

393.946/MG, ao se pronunciar sobre a constitucionalidade da retenção de 11% dos

prestadores de serviço, assentou que a retenção é simples técnica de arrecadação

destinada à elevação da arrecadação; ou seja, é uma obrigação acessória e não um

novo tributo.

É oportuno, nesse contexto, e dada a posição do STF sobre o assunto,

destacar que essa regra administrativa de retenção vale, inclusive, para o tomador

de serviço mediante cessão de mão-de-obra (art. 31 da Lei n.º 8.212/91 alterado

pela Lei n.º 9.711/98) que deve reter os 11% (onze por cento) sobre o valor da nota

fiscal ou fatura da prestação do serviço. O papel do tomador de serviço nessa

situação é simplesmente reter essa porcentagem da remuneração que deve efetuar

em favor do prestador e efetuar o pagamento da contribuição previdenciária em

favor do prestador, tanto é assim que quando o prestador for efetuar o valor da sua

contribuição previdenciária, esses 11% deverão ser descontados (§ 1º).

Nesse sentido, EDUARDO ROCHA DIAS295: “A retenção, com posterior

recolhimento ao INSS, a cargo do contratante, de 11% do valor bruto da nota fiscal

ou fatura, constitui antecipação do pagamento da contribuição devida pelo

contratado, cedente da mão-de-obra, incidente sobre a remuneração dos segurados

a seu serviço colocados à disposição do contratante, nas suas dependências ou nas

de terceiros.”.

Portanto, a situação em que o empregador se encontra não é de sujeição

passiva direta, nem de indireta (por substituição e por transferência), posto que não

figura como sujeito passivo da obrigação tributária de pagar contribuição

previdenciária, afinal, não é ele que suporta o pagamento do tributo. Também não se 294 Sujeição passiva e responsabilidade tributária. p. 123. 295 “Empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra e a retenção de percentual do valor da fatura pela Lei 9.711/98: aspectos controvertidos” in Contribuição Previdenciária: retenção sobre remuneração relativa a cessão de mão-de-obra. p. 29.

Page 186: Cp 134822

186

trata de responsabilidade tributária, posto que, como o empregador não suporta o

encargo da contribuição tributária, também não tem direito de ser ressarcido. O

empregador somente será o titular de uma obrigação acessória, a qual não passa de

uma técnica de recolhimento diferenciada para facilitar a arrecadação das

contribuições previdenciárias. Suas normas são as seguintes:

Regra-Matriz de Incidência

da Retenção de

contribuição

previdenciária

Contribuição do empregado -

segurado obrigatório (com

vínculo empregatício)

Contribuição do trabalhador

–segurado obrigatório (sem

vínculo empregatício)

Critério Material Pagar salário Pagar remuneração por

serviços prestados

Critério Espacial Território Nacional Território Nacional

Critério Temporal O mês trabalhado O mês trabalhado

Sujeito Ativo União Federal – INSS

(parafiscalidade)

União Federal – INSS

(parafiscalidade)

Sujeito Passivo O empregador A empresa tomadora de

serviços

Critério Quantitativo BC: folha de salário X

Alíquota: vide tabela abaixo

BC: Demais rendimentos do

trabalho pago ou creditado X

alíquota: vide tabela abaixo

2º) A folha de salário, prevista como base de cálculo de tais contribuições, pode ser

definida como o conjunto dos ganhos habituais do empregado, ou seja, equivale ao

holerite do empregado que discrimina todas as suas verbas salariais.

LEANDRO PAULSEN296 explica que: “A expressão ‘folha de salários’

pressupõe ‘salário’, ou seja, remuneração paga a empregado, como contraprestação

pelo trabalho que desenvolve em caráter não-eventual e sob a dependência do

empregador.”.

296 Contribuições: Custeio da seguridade social. p. 93.

Page 187: Cp 134822

187

Portanto, a contribuição previdenciária sobre folha de salários pressupõe

vínculo empregatício, dessa forma, o percentual a ser retido pelo empregador incide

sobre a totalidade dos ganhos do empregado.

Ressalte-se que essa hipótese de incidência de contribuição dos empregados

cuja base de cálculo está definida pelo Texto Constitucional como a folha de salários

também abrange a contribuição dos empregados domésticos que é, nos termos do

art. 1º da Lei n.º 5.859/72, “aquele que presta serviços de natureza contínua e de

finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial”. Nesses casos,

sua folha de salário consiste no valor registrado em sua Carteira de Trabalho e

Previdência Social. São exemplos de empregados domésticos a faxineira, o

motorista e os caseiros de sítios/chácaras/fazendas.

3º) Demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados significam os ganhos do

trabalhador avulso, pessoa física, que presta serviços à empresa sem qualquer

vinculo empregatício.

Nesse caso, tem-se a figura da empresa tomadora de serviço e do

trabalhador prestador de serviço. Não há vínculo empregatício. A contribuição

previdenciária deverá incidir sobre quaisquer valores creditados em favor de um

prestador de serviço.

4º) Tanto os empregados, como os trabalhadores sem vínculo, possuem o que se

denomina de salário-de-contribuição que é definido pelos incisos I e II do artigo 28

da Lei n.º 8.212/91:

- para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais

empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou

creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho,

qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a

forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos

serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou

tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou

acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.

- para o empregado doméstico: a remuneração registrada na Carteira de Trabalho e

Previdência Social, observadas as normas a serem estabelecidas em regulamento

para comprovação do vínculo empregatício e do valor da remuneração.

Page 188: Cp 134822

188

5º) Para as alíquotas, que também fazem parte do critério quantitativo, tanto para os

empregados, incluindo os domésticos, e para trabalhadores avulsos, tem-se a

seguinte tabela:

Salário-de-contribuição (R$) Alíquota para fins de recolhimento ao INSS

Até 840,55 7,65%

De 840,56 até 1.050,00 8,65%

De 1.050 até 1.400,91 9,00%

De 1.400,92 até 2.801,82 11,00%

Já quanto às contribuições previdenciárias dos demais trabalhadores e

segurados facultativos cabem as seguintes observações:

1º) Tratam-se de tributos, posto que a partir do momento em que o contribuinte

individual e os segurados facultativos se inscrevem, eles são obrigados a pagar a

contribuição.

2º) salário de contribuição, previsto como base de cálculo para a contribuição

previdenciária dos demais trabalhadores e segurados facultativos, é definido pela Lei

nº 8.212/91 em seu artigo 28 nos incisos III e IV.

JOÃO ERNESTO ARAGONÉS VIANNA297 fala que a contribuição

previdenciária “é calculada mediante a aplicação de uma alíquota sobre o seu

salário-de-contribuição, o qual é definido pelo art. 28 da Lei n. 8.212/91. Veja-se que

o salário-de-contribuição é um conceito próprio do Direito Previdenciário, sem

relação com o Direito do Trabalho ou com outros ramos do Direito. Por isso, é

possível atribuir um salário-de-contribuição para os contribuintes individuais e

avulsos, os quais não recebem salários, sob o ponto de vista do Direito Laboral, pois

sua remuneração não decorre de uma relação de emprego. Mesmo os segurados

facultativos, que sequer precisam auferir alguma remuneração, têm, no Direito

Previdenciário, salário-de-contribuição.”.

O salário-de-contribuição desses demais trabalhadores e segurados

facultativos é conceituado da seguinte forma pela referida lei:

297 Curso de direito previdenciário. p. 101.

Page 189: Cp 134822

189

- para o contribuinte individual: a remuneração auferida em uma ou mais empresas

ou pelo exercício de sua atividade por conta própria, durante o mês, observado o

limite máximo estipulado;

- para o segurado facultativo: o valor por ele declarado, observado o limite máximo

estipulado.

3º) A alíquota dos segurados contribuintes individuais e facultativos será de 20%

(vinte por cento) sobre o salário-de-contribuição, nos termos do artigo 21 da Lei n.º

8.212/91, ou de 11% (onze por cento) sobre o mínimo de salário de contribuição,

quando o segurado contribuinte individual e facultativo optarem pela exclusão do

direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, nos termos do § 2.º

do artigo 21 da Lei n.º 8.212/91.

Há que se destacar também que existem as denominadas ‘contribuições

previdenciárias patronais’, isto é, as contribuições pagas pelas empresas com as

seguintes alíquotas:

- 20% (vinte por cento) sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas

a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores

avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que

seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de

utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços

efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador

de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo

coletivo de trabalho ou sentença normativa.

- Em razão de incidência de capacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais

de trabalho, mais 1% (risco leve); 2% (risco médio); 3% (risco grave) sobre o total

das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês.

- 12% (doze por cento) sobre o salário-de-contribuição do empregado doméstico.

- 2% (dois por cento) da receita bruta proveniente da comercialização da sua

produção e 0,1% (um décimo por cento) da receita bruta proveniente da

comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente

do trabalho para empregadores rurais.

Page 190: Cp 134822

190

São, portanto, outras espécies de contribuições destinadas à Previdência

Social, fundadas no artigo 195, caput do Texto Constitucional das quais se infere a

seguinte regra-matriz:

Regra-Matriz de Incidência

da Contribuição

Previdenciária Patronal

Critério Material Pagar folha-de-salário

Critério Espacial Território Nacional

Critério Temporal mensalmente

Sujeito Ativo União Federal – INSS

(parafiscalidade)

Sujeito Passivo O empregador (empresa,

empregador doméstico e

empregador rural)

Critério Quantitativo BC: folha de salário X

Alíquota: 20%; 1%,2% ou 3%;

12%, 2% e 0,1%.

8.3. Pragmática

Por derradeiro, a estrutura pragmática das contribuições previdenciárias

consiste em:

Financiar o sistema previdenciário, isto é, custear todas as situações de risco social

dos necessitados no que tange a doença, velhice, incapacidade para o trabalho,

morte, reclusão, acidente de trabalho, maternidade, deficiência física e psíquica por

meio de benefícios e serviços, equacionando tais necessidades com a observância

dos princípios do sistema tributário, de maneira a estar sempre acompanhando a

evolução das necessidades sociais.

Para que isso ocorra, as entradas de verbas na Previdência Social

(contribuições previdenciárias + percentual do orçamento da União – art. 68, § 1.º,

da Lei Complementar n.º 101/00) devem estar equalizadas com os pagamentos de

benefícios atuais. Isso tudo para que haja uma boa estrutura financeira que possa

suportar os benefícios vindouros.

Page 191: Cp 134822

191

As contribuições previdenciárias, da forma como a Constituição Federal criou,

devem ser pagas por empregadores e trabalhadores para benefício deles próprios,

para suas próprias seguranças, para que nunca lhes falte o mínimo vital para uma

sobrevivência digna. Tal fato deve estimular empregadores e trabalhadores a

sempre contribuir para a Previdência Social, independentemente de estarem ou não

na formalidade.

Paralelamente, há o percentual repassado pela União do orçamento geral

para a Previdência Social. ARTHUR BRAGANÇA VASCONCELLOS WEINTRAUB298

afirma que: “A contribuição da União é constituída de recursos adicionais do

Orçamento Fiscal, sendo de responsabilidade da União a cobertura de eventuais

insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando decorrentes do pagamento

de benefícios de prestação continuada da Previdência Social, tudo na forma da Lei

Orçamentária Anual. Assim, quando os recursos arrecadados não são suficientes

para pagar todos os benefícios do INSS, o Tesouro Nacional pode subvencionar os

recursos faltantes (financiamento indireto por toda a sociedade).”.

Ocorre que não há qualquer previsão expressa nas leis orçamentárias do

quantum desse percentual, de forma que a União repassa uma parte do que está

inserido em sua “reserva do possível”.

A reserva do possível é definida pela jurista TATIANA ARAÚJO ALVIM299 da

seguinte forma: “Segundo a teoria da reserva do possível, a possibilidade de se

exigir do Estado prestação material estaria condicionada ao limite fáctico da

disponibilidade de recursos financeiros. O Estado somente estaria obrigado a atuar

para a satisfação das necessidades públicas dentro da reserva do possível, fora

desse âmbito não haveria como coagi-lo em virtude da impossibilidade material de

realização de direito.”.

Reforça PAULO CALIENDO300 que: “A ‘reserva do possível’ é entendida como

limite ao poder do Estado de concretizar efetivamente direitos fundamentais a

prestações (...). A chamada reserva do possível pode ser de ordem fática (falta de

recursos) ou jurídica (orçamentária). A ausência total de recursos necessários para o

298 Manual de previdência social. p. 37. 299 Contribuições sociais: Desvio de finalidade e seus reflexos no direito financeiro e no direito tributário. p. 98. 300 “Reserva do possível, direitos fundamentais e tributação” in Direitos Fundamentais. Orçamento e “reserva do possível”. p. 200-201.

Page 192: Cp 134822

192

atendimento de um direito a prestações impede faticamente o cumprimento da

demanda social, pouco restando para questionamento. Cabe esclarecer que essa

insuficiência de recursos deve ser provada e não apenas alegada, sob pena de

responsabilidade do administrador.”.

Verifica-se, então, que os recursos que o Estado arrecada são finitos, logo,

elaborar a peça orçamentária e estabelecer prioridades e metas é extremamente

importante para a saúde econômica, financeira e social de um país.

O sistema jurídico brasileiro carece de uma lei que prescreva expressamente

os percentuais que devem ser repassados para a seguridade social e é devido a

isso que fica extremamente complicado realizar qualquer controle sobre as efetivas

destinações das verbas.

Entende-se que esse percentual que deve ser obrigatoriamente repassado

para a Previdência Social deve ser previamente definido na lei orçamentária, de

forma expressa, até para que seja possível o controle e também para se reduzir a

possibilidade de tredestinação.

Observações, como a abaixo transcrita do professor IVES GANDRA DA

SILVA MARTINS301, seriam evitadas se houvesse uma melhor política orçamentária

com as verbas do orçamento geral, principalmente para custear as insuficiências do

sistema previdenciário:

“Desde que a tríplice contribuição foi criada, a União, “caloteira” inveterada em todas as áreas de seu

endividamento, revelou sua faceta, nunca tendo contribuído ao ponto de se ter que alterar a

imposição, exigindo-a apenas dos empregados e trabalhadores. Aquele descompasso inicial tornou

sempre a Previdência um organismo falido, visto que jamais recuperou seu poder de administrar

poupanças alheias para garantir aposentados futuros, sendo obrigada, repetidas vezes, a alterar

fundamentalmente os critérios de benefícios e manipular índices para cumprir, de forma insuficiente,

sua função. Basta dizer que durante muitos anos parcela substancial dos trabalhadores pagou

contribuições correspondentes a sua receita futura de 20 salários, que foram reduzidos para um

benefício máximo de 10 salários e mesmo assim menores por serem salários de referência. Ocorre

que o sistema previdenciário brasileiro torna hoje, em face da aposentadoria por tempo de serviço e

não só por idade, o sistema ainda mais insustentável, fazendo com que um número menor de

pessoas sustente um número maior de aposentados, com as burras oficiais, por desperdício e

incapacidade administrativa que vem de governos anteriores e não equacionados no atual, estando

em estado pré-falimentar.”.

301 “O artigo 195 da constituição federal e seus incisos” in A Previdência Social Hoje. p. 129-130.

Page 193: Cp 134822

193

Com um percentual de aplicação na Previdência Social expresso na lei de

diretrizes orçamentárias o controle via judicial será mais fácil. Nos dizeres de

MARCO AURÉLIO GRECO302, “Trata-se de reconhecer a possibilidade de o Poder

Judiciário examinar a constitucionalidade da norma orçamentária e a legalidade de

seus atos de aplicação.”.

Isso tudo porque, como bem afirma o professor WAGNER BALERA303: “os

planos de seguridade dependem de prévia definição sobre o regime financeiro de

todo o arcabouço de proteção; de fixação precedente das contribuições por meio

das quais o segurado e a empresa a ele aderem e, finalmente, de disciplina de

aplicação de reservas a serem auferidas em cada exercício.”.

E o controle judicial a ser realizado poderá ser tanto concentrado (via ADI),

como difuso. E, para que pudesse haver controle difuso, a peça orçamentária

deveria respeitar o princípio da publicidade previsto no art. 37 da CF/88; ou seja, o

orçamento aprovado anualmente deveria ser público para que todos pudessem

auxiliar no controle da aplicação das verbas orçamentárias, principalmente as

destinadas a custear a Seguridade Social, mais especificamente a Previdência

Social.

E para aferir a não-aplicação das verbas orçamentárias no sistema

previdenciário, o próprio professor MARCO AURÉLIO GRECO304 aponta como

critérios objetivos e subjetivos: (i) o aspecto temporal – a verba deve ser aplicada

somente no exercício financeiro em que ocorreu a arrecadação ou no próximo e, em

caso de Plano Plurianual, que tem por meta objetivos condizentes com a Seguridade

Social e também com a Previdência Social a aplicação das verbas deverá ocorrer

enquanto durar o Plano; e, (ii) a razoabilidade, excesso e manifesta não-aplicação.

Reforçando essa idéia JOÃO ARAGONÉS VIANNA305 defende que: “Havendo

déficit na seguridade social, decorrente do pagamento de benefícios de prestação

continuada da previdência social, a União deve assumir sua responsabilidade, nos

termos da lei orçamentária anual. Para pagamento dos encargos previdenciários da

União, poderão contribuir os recursos da seguridade social arrecadados das

302 “Em busca do controle sobre as CIDEs” in Revista do Advogado n.º 94. p. 107. 303 “A organização e o custeio da seguridade social” in Curso de Direito Previdenciário: Homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira. p. 41. 304 Ibid.,. p. 116-117. 305 Op. cit. p. 68.

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194

empresas, incidentes sobre o faturamento e o lucro, na forma da lei orçamentária

anual, assegurada a destinação de recursos para as ações de saúde e assistência

social.”.

Em suma, em sendo pública a peça orçamentária, ela poderá ser objeto de

controle tanto via ADI, como via difusa, na qual a sociedade deverá exigir a

aplicação das verbas orçamentárias pertinentes ao sistema securitário, afinal,

referidas verbas nada mais são do que o produto da arrecadação de impostos e

outras contribuições também pagas pela sociedade.

O professor PAULO AYRES BARRETO306 levanta um outro aspecto

importante a ser levado em conta – o princípio do equilíbrio orçamentário; ou seja “a

busca pela compatibilidade entre receitas e despesas, a subordinação da despesa à

previsão da receita e a existência de uma fonte de custeio como condição para o

gasto público” e elenca algumas prescrições constitucionais que visam esse

equilíbrio:

(a) vedação ao inicio de programa ou projeto não incluído da lei orçamentária anual

(art. 167, I);

(b) proibição da realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que

excedam créditos orçamentários ou adicionais (art. 167, II);

(c) vedação da abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização

legislativa e sem recursos correspondentes (art. 167, V);

(d) não concessão ou utilização de créditos ilimitados (art. 167, VII);

(e) vedação à utilização de recursos da seguridade social e do orçamento fiscal para

cobrir déficit de empresas, fundações ou fundos (art. 167, VIII);

(f) proibição de instituição de fundos, sem prévia autorização legislativa (art. 167, X);

(g) impossibilidade de utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais

de que trata o art. 195, I, a e II para realização de outras despesas que não o

pagamento de benefício do regime geral de previdência social (art. 201);

(h) vedação ao início de investimento cuja execução ultrapasse o exercício

financeiro, sem a prévia inclusão no plano plurianual ou autorização legal (art. 167, §

1º); 306 Op. cit. p. 190-191.

Page 195: Cp 134822

195

(i) vinculação da abertura de crédito extraordinário a situações extremas, tais como

guerra, comoção interna ou calamidade pública (art. 167, § 3º);

(j) proibição de concessão de benefício ou prestação de serviço de seguridade

social, sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º);

(k) organização da previdência social sob critérios que observem o equilíbrio atuarial

e financeiro (art. 201).

A obediência a essas prescrições constitucionais está intimamente ligada com

a possibilidade da peça orçamentária ser objeto de controle pelo Judiciário. E ainda

há, em caso do administrador não observar nenhuma das prescrições, a

possibilidade do contribuinte intentar ação de repetição do indébito para reaver os

valores pagos a título de contribuição previdenciária, bem como da autoridade

competente ser processada nos termos do art. 84 da CF c/c os arts. 54 e 58 da Lei

de Responsabilidade Fiscal e com o art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa.

Os tempos são outros, as necessidades dos membros da sociedade se

alteraram, é cada vez maior o número de pessoas que dependem do sistema

previdenciário e o direito positivo enquanto pragmática precisa acompanhar tudo

isso.

Se o direito positivo é texto, então ele é dialógico e possui uma instância

pragmática, de forma que deverá estar sempre dialogando com a linguagem da

realidade social para estar sempre atualizado com os novos elementos sociais e,

assim, suas normas terem completa efetividade sobre os casos concretos.

Assim, as normas do direito positivo atinentes à Previdência Social deverão

estar constantemente acompanhando as mudanças da realidade social,

especialmente quando se tratar de taxas de natalidade, mortalidade, desemprego,

longevidade dos indivíduos e relações de trabalho.

Nesse contexto, o Estado deverá assumir uma nova feição conciliando a

efetiva observância das normas do direito positivo com o seu objetivo principal –

busca do bem comum.

Nesse sentido, EDUARDO NOVOA MONREAL307: “O Estado há-de assumir

funções novas de grande importância. Além de regular as atividades sociais,

307 Op. cit. p. 187.

Page 196: Cp 134822

196

especialmente as econômicas, a fim de que se adequem às exigências do bem-

comum, pode restringi-las e, em casos extremos, tomar alguma delas a seu encargo,

afastando, assim, aos empresários privados. Mas, para isso, deve sujeitar-se ao

princípio da subsidiariedade. O Estado é o supremo conciliador e árbitro das pugnas

e contradições que surgem entre classes sociais ou entre grupos sociais importantes

dentro da vida social. É também, o encarregado de atuar como protetor dos fracos e

indefesos. A mais acariciada meta dos que sustentam essa atitude é trazer à vida

social um equilíbrio interno, erigido em bases éticas, que seria a verdadeira justiça

social; redistribuir a riqueza para evitar as fundas desigualdades que existem em sua

repartição atual, e limar as contradições sociais.”.

RUY BARBOSA NOGUEIRA308, ao se questionar acerca do objetivo da

atividade financeira do Estado, apresentou a seguinte resposta: “consiste em toda

ação que o Estado desenvolve para obter, gerir e aplicar os meios necessários para

satisfazer às necessidades da coletividade e realizar seus fins. Essas necessidades

são imensas e para atendê-las o Estado precisa de bens imóveis, móveis, serviços,

pois necessita de terras, casas, estradas, ruas, pontes, navios, precisa manter a

ordem, a defesa interna e externa, promover a justiça e demais atribuições, e tudo

isto representa um mundo de bens e serviços. Com a ampliação do Estado

intervencionista crescem essas necessidades e ainda aí se incluem a assistência, a

previdência e a seguridade sociais, o desenvolvimento econômico, enfim a

promoção do bem comum. Em última análise, dentro da economia monetária, isto

significa necessitar de dinheiro e o Estado tem de obter receita, despender, orçar,

fazer empréstimos e gerir toda essa atividade de economia pública ou finanças.”.

E, também MOZART VICTOR RUSSOMANO309: “nos regimes de Seguridade

Social, a intervenção e a responsabilidade do Estado são cada vez mais ostensivas,

tanto na criação de órgãos gestores quanto na instituição e distribuição dos

benefícios e serviços, bem como quanto ao custeio ou financiamento do programa

desenvolvido.”.

Dessa forma, para que haja eficiência nas normas relativas às contribuições

sociais e elas possam efetivamente custear todo o sistema previdenciário, de modo

que todos os que dele realmente necessitarem sejam atendidos, é imprescindível

308 Curso de direito tributário. p. 03. 309 Curso de previdência social. p. 56.

Page 197: Cp 134822

197

que haja publicidade das verbas do orçamento do Estado, previsão expressa do

quantum a ser aplicado na Previdência Social, equilíbrio entre despesas e receitas

públicas e, mais importante, participação popular no controle da aplicação do

percentual no sistema previdenciário, para que possa ser levado à análise do

Judiciário, eventualmente, levando-se em conta, inclusive, os princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade.

Essa participação popular é muito importante para compelir o Estado a

despender, orçar e gerir as verbas públicas especificamente em favor de toda a

coletividade.

Por outro viés, será importante também uma conscientização dos segurados

da Previdência Social, no sentido de efetuar mensalmente o pagamento das

contribuições previdenciárias ou exigir que este seja feito por quem de direito, sem

conluios e fraudes, afinal trata-se de um seguro social que envolve um grande

número de pessoas. Baseando-se nisso é que se defende também a criação de um

órgão dentro do sistema previdenciário que certifique anualmente que todas as

receitas oriundas das contribuições previdenciárias e do repasse da União foram

realmente destinadas à Previdência Social, de forma a realizar um autêntico relatório

discriminando as receitas e as prestações concedidas durante o ano e, ainda, que

tudo isso seja público.

YOSHIAKI ICHIHARA310defende a implementação de uma política

previdenciária, “um modelo que resolva os problemas de caixa ou de déficits da

previdência, que seja bom para os contribuintes e para os beneficiários, através da

adoção de regras objetivas, um sistema atuarial real, evitando a evasão de receitas

e as fraudes, seja na hora de contribuir ou no pagamento dos benefícios.”.

Embora no texto das normas jurídicas o termo solidariedade encontre limites,

de maneira a considerarmos uma solidariedade jurídica, em termos pragmáticos,

tanto os segurados como todos os demais membros da sociedade devem ter em

mente sempre a solidariedade no seu sentido mais nobre e amplo.

CELSO BARROSO LEITE311 aduz que:

310 A previdência social hoje. p. 237. 311 A crise da previdência social. p. 125.

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198

“deveremos avançar para a alta e lúcida meta de assegurar um mínimo a cada

pessoa necessitada, para que ninguém deixe de dispor pelo menos do essencial à

subsistência. Assim, apagaremos também a triste mancha da mendicância e até mesmo

da pobreza. Nada disso é fácil e bem sei que essas metas encerram, ao lado de

perspectivas concretas de viabilidade, um estimulante teor de ideal, para não dizer de

utopia. Daí a necessidade de uma conjugação de esforços para a busca das soluções. A

responsabilidade direta cabe aos parlamentares, às autoridades, aos especialistas. Mas

não só a eles; parodiando o pensamento famoso, eu diria que a previdência social e

outros programas dessa natureza são importantes demais para ficarem a cargo apenas

dos responsáveis diretos. Todos devemos ajudar e, na modéstia das minhas

possibilidades, é o que estou procurando fazer. Nada importa mais que a pessoa humana

em si, e é para ela que tem de orientar-se o nosso esforço por satisfatórias condições de

vida, no presente, e pela garantia do futuro. Isso só é possível, pelo menos no nosso

mundo de hoje, através da adequada mobilização dos recursos que a sociedade precisa

dispor para esses fins e da sua justa distribuição, dentro do princípio de que antes pouco

para muitos do que muito para os poucos. Em última análise, aí está o que se deve

entender como imperativo do sentido social.”.

Resumindo, o sistema da Previdência Social somente conseguirá atingir suas

metas quando houver uma mudança cultural dentro da sociedade.

9. Da teoria à prática

Procurando demonstrar a aplicabilidade da teoria até aqui desenvolvida,

analisar-se-á as contribuições dos inativos prevista no artigo 40, § 18, do Texto

Constitucional, o qual foi introduzido pela Emenda Constitucional n.º 41/03:

“§ 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas

pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os

benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual

igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.”

Em termos sintáticos, tem-se:

NCTCP: Se a União institui através da Emenda Constitucional n.º 41 de 19 de

Dezembro de 2003 no Território Nacional o § 18 no art. 40 na CF, então poderá

exigir contribuição dos aposentados e pensionistas do serviço público.

RMICP: Se a União pode exigir no Território Nacional contribuição previdenciária

para aposentados e pensionistas do serviço público mensalmente, então

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199

aposentados e pensionistas deverão pagar ao INSS 11% (onze por cento) sobre o

valor de sua aposentadoria ou pensão.

Pela estrutura sintática, já é possível verificar patente invalidade dessa

contribuição, posto que em sua norma de competência não há a prescrição da

finalidade a que se destina.

Em termos semânticos, trata-se de um tributo não vinculado a qualquer

atuação estatal, arrecadado por órgão parafiscal dos servidores, não restituível e

com provável destinação à previdência social dos servidores públicos.

A contribuição dos inativos viola a regra da contrapartida prevista no art. 195,

§ 5º, do Texto Constitucional que consiste na vedação de criação, majoração ou

extensão de benefício sem a correspondente fonte de custeio. Isso porque ela não

foi criada sem qualquer previsão de destinação; ou seja, quando de sua instituição,

não houve a especificidade do produto de sua arrecadação.

A falta de observância dessa regra ocasiona a violação de outros princípios,

como o da vedação ao confisco e da tipicidade tributária e, ainda, todo o sentido do

sistema previdenciário que tem por característica principal a contributividade dos

seus segurados para receber benefícios em contraprestação.

O professor SÉRGIO PINTO MARTINS312, nesse sentido apregoa que: “O

aposentado já pagou a contribuição para fazer jus ao benefício. Isso mostra o

princípio da contrapartida. Não há retribuição com a nova contribuição. A exigência é

um tributo sem causa jurídica. Não há relação causal com o fato gerador da

obrigação tributária. Nenhuma contraprestação é devida ao segurado com a

exigência da contribuição do inativo. A contribuição previdenciária é um tributo

vinculado a uma espécie de prestação: o benefício.”.

O professor AUGUSTO MASSAYUKI TSUTIYA313 ressalva que essa

voracidade do Poder Público sobre as aposentadorias e pensões decorre da pouca

resistência que os próprios aposentados podem oferecer.

Essa contribuição também viola o princípio da isonomia tributária, posto que,

se só por suposição essa contribuição fosse devida, ela deveria então ser suportada

por todos os aposentados e pensionistas, tanto os estatutários (servidores públicos),

312 Reforma previdenciária. p. 147. 313 Curso de direito da seguridade social. p. 64.

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200

como os celetistas (trabalhadores/empregados inscritos no INSS) e não somente

pelos servidores públicos.

Ademais, referida contribuição infringe muitos outros princípios constitucionais

genéricos, tais como segurança jurídica, direito adquirido e propriedade.

Portanto, em termos semânticos essa contribuição sequer deveria viger, posto

que sequer se subsume aos arquétipos constitucionais.

E, em termos pragmáticos, a contribuição dos inativos se mostra

completamente ineficiente, posto que não tem destinação, sequer se sabe onde seu

produto está sendo aplicado.

Assim, com base no modelo teórico apresentado, a contribuição dos inativos

é inválida, não se subsume as hipóteses constitucionais e é completamente ineficaz,

posto que sua norma de competência não especifica a finalidade a que ela se

destina, sua regra-matriz viola uma série de princípios constitucionais genéricos,

tributários e previdenciários e também porque o produto de sua arrecadação tem

destino desconhecido.

Conclui-se esse estudo semiótico sobre contribuições previdenciárias, com

ênfase na análise pragmática, com o seguinte trecho do professor e jurista TÉRCIO

SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR314:

“O direito é um dos fenômenos mais notáveis na vida humana. Compreendê-lo é

compreender uma parte de nós mesmos. É saber em parte por que obedecemos, por que

mandamos, por que nos indignamos, por que aspiramos a mudar em nome de ideais, por

que em nome de ideais conservamos as coisas como estão. Ser livre é estar no direito e,

no entanto, o direito também nos oprime e tira-nos a liberdade. Por isso, compreender o

direito não é um empreendimento que se reduz facilmente a conceituações lógicas e

racionalmente sistematizadas. O encontro com o direito é diversificado, às vezes

conflitivo e incoerente, às vezes linear e conseqüente. Estudar o direito é, assim, uma

atividade difícil, que exige não só acuidade, inteligência, preparo, mas também

encantamento, intuição, espontaneidade. Para compreendê-lo, é preciso, pois, saber e

amar. Só o homem que sabe pode ter-lhe o domínio. Mas só quem o ama é capaz de

dominá-lo, rendendo-se a ele. Por tudo isso, o direito é um mistério, o mistério do

princípio e do fim da sociabilidade humana.”.

314 Introdução ao estudo do direito. p. 21.

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201

CONCLUSÕES

Tomando-se como paradigma a idéia da linguagem como elemento

constitutivo da realidade e que o sistema jurídico faz parte dessa realidade, atinge-

se a assertiva de que o direito é linguagem e, portanto, é texto.

O Direito Positivo é um texto composto por comandos normativos, os quais

estão organizados de forma coordenada ou subordinada formando uma autêntica

intratextualidade e interdiscursividade, elevando o Direito ao status de discurso

lingüístico único; ou seja, é um corpo de texto único composto por unidades

normativas organizadas entre si.

É essa organização entre as unidades normativas que confere coerência

interna ao sistema do direito positivo e, portanto, lhes dá o que se chama de

‘sentido’. Dessa forma, está sujeito a uma série de interpretações, todavia, antes de

se empreender em quaisquer das análises jurídicas, deve-se, primeiramente, buscar

o sentido dessas unidades normativas segundo as regras gerais de texto, mais

precisamente, conforme a semiótica.

O percurso gerador de sentido que o estudioso da semiótica deve percorrer

consiste em transitar por três níveis de linguagem: sintática, semântica e pragmática.

Desbravar-se nesse percurso não é tarefa fácil, posto que, embora distintos em tese,

esses planos se confundem constantemente e faz com que o interprete vá e volte

em cada um deles para a construção de sentido de um texto.

Não bastasse isso, há que se ressaltar que a pragmática, nível mais

importante para a interpretação, posto que todas as escolhas do intérprete decorrem

dela, possui uma carga de subjetividade muito mais profunda do que se imagina,

porque abarca uma série de instâncias interpretativas que podem dificultar a busca

pelo sentido exato do texto.

A pragmática como relação do signo com o seu utente abrange não somente

a finalidade que o intérprete pretende conferir ao texto, ela vai mais longe, abarca

também toda a carga axiológica e subjetiva que leva o intérprete a escolher a

finalidade do texto. Ademais, não se trata somente de axiologia e subjetividade do

intérprete cientista, mas também dos intérpretes destinatários do texto.

Page 202: Cp 134822

202

Foi com base nesses estudos semióticos que esse trabalho buscou uma

interpretação para uma parte do Direito bastante árida de estudos - as contribuições

previdenciárias.

As contribuições previdenciárias, segundo a classificação tributária proposta

por esse trabalho, possui sim natureza tributária e deve seguir o regime jurídico dos

tributos; isto é, devem observar as regras atinentes ao sistema constitucional

tributário e, também, as regras previstas no Código Tributário Nacional.

A demonstração cabal dessa afirmação foi a elaboração da Súmula nº 8 do

STF que estabelece que as contribuições previdenciárias devem obeceder aos

prazos decadenciais e prescricionais estabelecidos no Código Tributário Nacional.

Oportunamente não se pode olvidar que a presença de todas as

contribuições, como espécie tributária autônoma, no direito positivo é uma marca do

“Estado Social de Direito”; ou seja, realizar tributação por meio delas é uma tentativa

de buscar um “Estado de coordenação e colaboração, amortecer a luta de classes e

promover, entre os homens, a justiça social, a paz econômica”, consoante

ensinamentos do professor PAULO BONAVIDES315.

Elas representam, ao menos, a preocupação do Poder Constituinte na

realização concreta dos direitos e garantias sociais consagrados no Texto

Constitucional de 1988.

Fato esse que torna nobre a criação dessa espécie tributária, tão pouco

compreendida entre os doutrinadores. As contribuições nada mais são do que

instrumentos da União para operacionalizar os preceitos contidos na Constituição

Federal. Sua finalidade, portanto, é completamente extrafiscal, logo, sua validação

constitucional se dá pela sua destinação específica.

É nesse contexto que se torna valioso o estudo acerca das contribuições,

especialmente das contribuições previdenciárias que possuem a especial finalidade

de socorrer os segurados da Previdência Social que se encontrem em situação de

risco social que comprometa sua capacidade laborativa.

A análise semiótica das contribuições previdenciárias permitiu verificar a

validade, vigência e eficácia de suas normas e descobrir que, embora tenha havido

315 Do estado liberal ao estado social. p. 187.

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203

alguns avanços, há ainda muito a ser feito em termos de Previdência Social,

inclusive readaptar essas normas para as transformações atuais da realidade social

(outro tecido lingüístico).

A validade constitucional das contribuições previdenciárias está relacionada

com sua sintática, portanto com suas respectivas normas de competência que

inclusive estão qualificadas pela previsão de destinação específica.

A vigência constitucional das contribuições previdenciárias está relacionada

com sua semântica, portanto, com os todos os princípios consagrados no Texto

Constitucional desde o Preâmbulo até os princípios específicos da tributação,

seguridade social e previdência social.

E a eficácia constitucional das contribuições previdenciárias com sua

pragmática, portanto, com o ideal de proporcionar de forma adequada aos

segurados da Previdência Social o mínimo existencial em situações de expressiva

necessidade social, tais como doença, morte e velhice.

Feita a análise partindo-se das formas sintáticas para se atingir a pragmática

do sistema previdenciário, bem como de suas contribuições, ou seja, uma análise

que se inicia com a estática e termina na dinâmica do sistema da Previdência Social,

é possível verificar que suas formas sintáticas e sua construção semântica estão

completamente desconectadas de sua efetiva utilidade (pragmática).

Daí a importância da proposição de um modelo teórico de validade, vigência e

eficácia como tentativa para solucionar esse descompasso.

A tributação por meio das contribuições previdenciárias é um instrumento

utilizado pelo legislador constitucional para financiar e conseqüentemente viabilizar a

realização de prestações no sistema de previdência social (benefícios e serviços).

Se estiver ocorrendo um enorme desvio entre a forma constitucional sintática e sua

pragmática, então as prestações previdenciárias não estão sendo realizadas da

forma que o Texto Constitucional previu e o produto da arrecadação das

contribuições previdenciárias está sendo mal gerido.

O modelo teórico apresentado oferece algumas ferramentas para tentar sanar

tanto a má gestão do produto da arrecadação das contribuições previdenciárias,

como para melhorar a qualidade dos benefícios e serviços do sistema da

Previdência Social. Além, é claro, de provocar novas reflexões doutrinárias.

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204

O referido modelo, em suma, busca sincronizar as estruturas lógico-sintáticas

constitucionais das contribuições previdenciárias com sua construção semântica e,

ainda, com sua respectiva pragmática.

Page 205: Cp 134822

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