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RECLAMAÇÃO 25.537 DISTRITO FEDERAL V O T O O SENHOR MINISTRO EDSON F ACHIN (RELATOR): 1. Conforme relatado, trata-se de reclamação aforada contra ato do Juízo da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (“Operação Métis”). 2. Questões articuladas pelo reclamante O cabimento da reclamação deve ser aferido nos estritos limites das normas de regência que a concebem. Em linhas gerais, a teor do art. 102, “l”, CF, a reclamação destina-se a preservar a competência do Tribunal e a garantir a autoridade de suas decisões. No caso concreto, aponta-se a usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal em razão dos meios de obtenção de prova deferidos pelo Juízo reclamado. Adianto que, aqui, não cabe a realização de juízo de valor quanto aos signos de tipicidade das condutas apuradas, tampouco avaliar a autoria de eventuais infrações penais. O pronunciamento da Corte, em verdade, cinge-se à análise de eventual usurpação de sua competência. Para tanto, duas questões desafiam enfrentamento detido e autônomo. Primeiro , se a determinação de busca e apreensão nas dependências do Senado Federal, por si só, implica a competência do STF . Em segundo lugar, se , no caso concreto, o Juízo singular supervisionou investigação destinada a apurar condutas de parlamentares federais. 3. Competência para apreciar medida de busca e apreensão a ser realizada nas dependências do Senado Federal a. Competência penal originária do STF e normas de direito estrito Como dito, não se está aqui a avaliar a regularidade do ato reclamado por questões que extrapolem o âmbito de cognição da Cópia

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RECLAMAÇÃO 25.537 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): 1. Conforme relatado, trata-se de reclamação aforada contra ato do Juízo da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (“Operação Métis”).

2. Questões articuladas pelo reclamante

O cabimento da reclamação deve ser aferido nos estritos limites das normas de regência que a concebem. Em linhas gerais, a teor do art. 102, “l”, CF, a reclamação destina-se a preservar a competência do Tribunal e a garantir a autoridade de suas decisões.

No caso concreto, aponta-se a usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal em razão dos meios de obtenção de prova deferidos pelo Juízo reclamado. Adianto que, aqui, não cabe a realização de juízo de valor quanto aos signos de tipicidade das condutas apuradas, tampouco avaliar a autoria de eventuais infrações penais. O pronunciamento da Corte, em verdade, cinge-se à análise de eventual usurpação de sua competência.

Para tanto, duas questões desafiam enfrentamento detido e autônomo. Primeiro, se a determinação de busca e apreensão nas dependências do Senado Federal, por si só, implica a competência do STF. Em segundo lugar, se, no caso concreto, o Juízo singular supervisionou investigação destinada a apurar condutas de parlamentares federais.

3. Competência para apreciar medida de busca e apreensão a ser realizada nas dependências do Senado Federal

a. Competência penal originária do STF e normas de direito estrito

Como dito, não se está aqui a avaliar a regularidade do ato reclamado por questões que extrapolem o âmbito de cognição da

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reclamação. Assim, eventuais irregularidades outras que desbordem da cogitada violação da competência deste Tribunal não são objeto de enfrentamento.

Feito esse registro, pondero que o reclamante articula que o Senado Federal é órgão independente, sendo que “apenas ministro desta Corte Suprema tem legitimidade para afastar tal independência, decorrente da Carta Cidadã, pois só outro órgão máximo como este pode fiscalizar e tomar medidas extremas como a invasão daquela Casa, pertencente a poder da União harmônico e independente” (fl. 2).

Com efeito, razão jurídica assiste ao reclamante ao defender a autonomia do Senado Federal, órgão indispensável ao equilíbrio federativo e democrático, bem como à relação independente e harmônica entre os poderes.

Realmente, em tal cenário, a Constituição prestigia que o diálogo institucional entre o Senado Federal e o Poder Judiciário implemente-se, via de regra, por intermédio do Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua função de Corte Constitucional. A esse respeito, por exemplo, bem menciona o reclamante que a Constituição explicita que compete ao STF, por exemplo, processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 102, I, “d”). Trata-se de previsão normativa expressa e que consubstancia decorrência lógica do sistema de freios e contrapesos adotado pelo sistema constitucional brasileiro.

Em relação à competência penal originária do STF, contudo, indispensável observar as regras prescritas pela Constituição:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:(…)b) nas infrações penais comuns, o Presidente da

República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

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c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;”

Consigne-se que a jurisprudência da Corte compreende que o aludido dispositivo constitui norma de direito estrito, não admitindo exegese extensiva:

“COMPETÊNCIA – SUPREMO – ARTIGO 102, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A competência do Supremo é de direito estrito, não cabendo elastecê-la para além do que consignado na Lei Fundamental.” (AO 1820 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 21/02/2017, grifei)

“Agravo regimental em mandado de segurança. Impetração contra Defensor Público-Geral Federal. Ilegitimidade passiva ad causam. Ausência de competência originária do Supremo Tribunal Federal para julgamento do writ. Recurso não provido. 1. A competência originária do Supremo Tribunal Federal submete-se a regime de direito estrito, estando fixada, em numerus clausus, no rol do art. 102, inciso I, da Constituição Federal. 2. Não se admite interpretação extensiva da Constituição Federal para incluir na competência originária dos Tribunais para julgar mandado de segurança autoridades não previstas expressamente no rol constitucional. Precedente. 3. Agravo regimental não provido.” (MS 33984 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 05/04/2016, grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EMPRESA BRASILEIRA DE

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INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA - INFRAERO CONTRA MUNICÍPIO. CONFLITO FEDERATIVO. INEXISTÊNCIA. ART. 102, I, "f", DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REGRA CONSTITUCIONAL DE DIREITO ESTRITO. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O Supremo Tribunal Federal, à luz do art. 102, I, da Constituição da República, regra de direito estrito e a comportar exegese restritiva, não dispõe de competência para o processamento e o julgamento, em sede originária, de ação entre empresa pública federal e Município, ainda que pertinente ao reconhecimento de imunidade tributária recíproca. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ACO 1351 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2015, grifei)

“AÇÃO POPULAR – AJUIZAMENTO CONTRA A PRESIDENTE DA REPÚBLICA – FALTA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – REGIME DE DIREITO ESTRITO A QUE SE SUBMETE A DEFINIÇÃO CONSTITUCIONAL DA COMPETÊNCIA DA CORTE SUPREMA – DOUTRINA – PRECEDENTES – AÇÃO POPULAR NÃO CONHECIDA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – Não compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, ação popular ajuizada contra a Presidente da República. Precedentes. – A ação popular não se qualifica como sucedâneo dos instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade nem viabiliza o exame “in abstracto” de situações jurídicas formadas sob a égide da legislação em vigor.” (Pet 5859 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 25/11/2015, grifei)

Verifico que a Constituição Federal, de forma estrita e literal, não confere foro por prerrogativa por função a todo e qualquer agente público que exerça função pública nas Casas Legislativas. Na realidade, a opção constitucional pela adoção da prerrogativa de foro, sob uma compreensão republicana, volta-se à preservação da independência do exercício dos mandatos parlamentares, objeto cuja proteção não se coloca na hipótese

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de policiais legislativos, eis que inexistentes mandato ou independência a tutelar. Daí a plena possibilidade de que, em tese, agentes públicos legislativos sejam submetidos a investigação supervisionada por Juízes de primeiro grau.

b. Imunidades parlamentares e impossibilidade de extensão a agentes que não exerçam mandato eletivo

A Constituição, ao disciplinar as imunidades e prerrogativas dos parlamentares, não conferiu exclusividade ao Supremo Tribunal Federal quanto à restrição da inviolabilidade das dependências não abertas ao público das casas legislativas.

Com efeito, as imunidades parlamentares almejam conferir condições materiais ao exercício independente de mandatos eletivos. Funcionam, dessa maneira, como instrumento de proteção da autonomia da atuação dos mandatários que representam a sociedade. A finalidade dessa proteção, naturalmente, não se aplica a agentes públicos que não se encontrem investidos dessa condição.

A propósito, a determinação de busca e apreensão nas dependências do Senado Federal, desde que não direcionada a apurar conduta de congressista - matéria que será apreciada adiante - não se relaciona com as imunidades parlamentares, sob pena de que tais prerrogativas sejam, ao fim e ao cabo, estendidas a agentes públicos não detentores de mandato eletivo e que, bem por isso, não se submetem a esse estatuto jurídico específico.

Em suma, ao contrário do que ocorre quanto às imunidades diplomáticas, cujo estatuto jurídico que lhes é próprio impede a atuação jurisdicional do Estado acreditado não só em relação aos Chefes das Missões Diplomáticas, mas também em relação ao corpo auxiliar, à sede da Missão Diplomática, bem como veículos e malas diplomáticas, as prerrogativas e imunidades parlamentares não se estendem aos locais onde os parlamentares exercem suas atividades nem ao corpo auxiliar.

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c. Critérios para determinação da competência por prerrogativa de foro

Como se vê, nas hipóteses do art. 102, I, “b” e “c”, a competência penal originária da Suprema Corte é determinada com a finalidade de assegurar o exercício independente de mandatos eletivos, bem como de outras funções políticas tidas como legitimadoras dessa proteção, como é o caso dos Ministros de Estado.

Há, nessa esteira, correlação evidente entre a prerrogativa de foro e o exercício de dada função pública. Essa circunstância é aqui compreendida não como correspondência às atuações gerais afetas aos Poderes, mas, em verdade, ao feixe de atribuições específicas de certas funções públicas que os integram.

Esse cenário constitucional, portanto, não autoriza que o foro por prerrogativa, conferido constitucionalmente a apenas algumas funções públicas, seja alargado para o fim de alcançar, de modo automático, o ambiente em que as funções gerais dos Poderes são exercitadas.

É bem verdade que a Constituição, em tese, poderia ter determinado a competência do STF também em razão do local do suposto cometimento de crimes, como fez, em relação à Justiça Federal, no que tange aos delitos cometidos a bordo de navios e aeronaves (art. 109, IX). Todavia, as normas constitucionais não explicitaram a competência penal do STF sob a ótica do local do fato, muito menos do endereço objeto de diligências investigatórias. Nesse contexto, o elastecimento pretendido pelo reclamante pela via interpretativa, considerando a natureza das normas em apreço, não encontra respaldo constitucional.

Em outras palavras, a compreensão veiculada pelo reclamante, ao meu sentir, almeja angariar prerrogativa de foro a locais, sendo que a opção constitucional cinge-se à determinação da competência em razão de específicas funções públicas exercidas pelo acusado ou investigado, sempre com o objetivo inafastável de prestigiar a independência da função.

Assim sendo, a competência do Supremo Tribunal Federal deriva,

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em verdade, da presença de congressista como alvo de apuração penal, descabendo potencializar, por si só, o endereço da realização de medidas investigativas.

d. Condicionamento à independente atividade jurisdicional e imprescindibilidade de previsão constitucional

Convém salientar que eventuais condicionamentos à independente atuação do Poder Judiciário, sob a ótica da separação dos poderes, deve decorrer do próprio ordenamento constitucional. Com efeito, a Constituição Federal é a legitimadora dos instrumentos de controle recíproco entre os poderes. Nessa direção, colho farta jurisprudência:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 53, inciso IV, e art. 81, ambos da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Necessidade de prévia autorização da Assembleia Legislativa para o afastamento do governador e do vice-governador do País por qualquer tempo. Princípio da simetria. Princípio da separação dos Poderes. Confirmação da medida cautelar. Procedência. 1. A Carta da República, em seus arts. 49, inciso III, e 83, dispôs ser da competência do Congresso Nacional autorizar o presidente e o vice-presidente da República a se ausentarem do País quando a ausência for por período superior a quinze dias. 2. Afronta os princípios da separação dos Poderes e da simetria disposição da Constituição estadual que exige prévia licença da Assembleia Legislativa para que o governador e o vice-governador se ausentem do País por qualquer prazo. 3. Trata-se de mecanismo do sistema de freios e contrapesos, o qual somente se legitima nos termos já delineados pela própria Lei Maior, sendo vedado aos estados-membros criar novas ingerências de um Poder na órbita de outro que não derivem explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental. Precedentes. 4. Ação direta julgada procedente.” (ADI 775, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/2014, grifei)

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“ I. Ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, a) e representação por inconstitucionalidade estadual (CF, art. 125, § 2º). A eventual reprodução ou imitação, na Constituição do Estado-membro, de princípio ou regras constitucionais federais não impede a argüição imediata perante o Supremo Tribunal da incompatibilidade direta da lei local com a Constituição da República; ao contrário, a propositura aqui da ação direta é que bloqueia o curso simultâneo no Tribunal de Justiça de representação lastreada no desrespeito, pelo mesmo ato normativo, de normas constitucionais locais: precedentes. II. Separação e independência dos Poderes: pesos e contrapesos: imperatividade, no ponto, do modelo federal. 1. Sem embargo de diversidade de modelos concretos, o princípio da divisão dos poderes, no Estado de Direito, tem sido sempre concebido como instrumento da recíproca limitação deles em favor das liberdades clássicas: daí constituir em traço marcante de todas as suas formulações positivas os "pesos e contrapesos" adotados. 2. A fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência que só a Constituição da República pode legitimar. 3. Do relevo primacial dos "pesos e contrapesos" no paradigma de divisão dos poderes, segue-se que à norma infraconstitucional - aí incluída, em relação à Federal, a constituição dos Estados-membros -, não é dado criar novas interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República. 4. O poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é outorgado aos órgãos coletivos de cada câmara do Congresso Nacional, no plano federal, e da Assembléia Legislativa, no dos Estados; nunca, aos seus membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação) de sua Casa ou comissão. III. Interpretação conforme a Constituição: técnica de controle de constitucionalidade que encontra o limite

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de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição.” (ADI 3046, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/2004, grifei)

“É incompatível com o princípio da separação dos poderes a previsão legal que torna obrigatória a comunicação prévia a órgãos da Administração Pública, pelo Poder Executivo, da requisição de força policial para o cumprimento de ordens judiciais de reintegração de posse.” (RE 551248 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 09/08/2016, grifei)

Como reforço, e com repercussão diante do caso em exame, ainda na linha da inviabilidade de imposição de condicionamentos não previstos na Constituição no que toca à realização da atividade jurisdicional, na qual se inclui a determinação de busca e apreensão nas dependências de casas legislativas, colaciono o seguinte precedente do Plenário deste Tribunal:

“PROCESSO PENAL. INQUÉRITO ENVOLVENDO DEPUTADO FEDERAL. DILIGÊNCIA INVESTIGATÓRIA NAS DEPENDÊNCIAS DA CÂMARA SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA MESA DIRETORA. LEGITIMIDADE. 1. Não ofende os princípios da separação e da harmonia entre os Poderes do Estado a decisão do Supremo Tribunal Federal que, em inquérito destinado a apurar ilícitos penais envolvendo deputado federal, determinou, sem prévia autorização da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, a coleta de dados telemáticos nas dependências dessa Casa Legislativa. Além de não haver determinação constitucional nesse sentido, a prévia autorização poderia, no caso, comprometer a eficácia da medida cautelar pela especial circunstância de o Presidente da Câmara, à época, estar ele próprio sendo investigado perante a Suprema Corte. 2. Agravo regimental conhecido e desprovido.” (AC 4005 AgR, Relator(a):

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Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2016, grifei)

Na ocasião, o Tribunal Pleno, por unanimidade, concluiu que a determinação, pelo Poder Judiciário, de busca e apreensão a ser cumprida nas dependências de Casa Legislativa, não configura, por si só, qualquer desrespeito à separação dos poderes.

A relevância do precedente, na minha ótica, decorre do reconhecimento expresso do Plenário de que, na hipótese de busca e apreensão a ser cumprida em Casa Legislativa, não cabe invocar condicionamentos que não estejam contemplados na Constituição da República. Assim, a exigência de que o meio de obtenção de prova submeta-se ao prévio crivo da Corte Constitucional não encontra sustentação constitucional e, portanto, não compromete sua validade.

e. Supervisão da investigação e competência para propositura de eventual ação penal

Também calha anotar que a jurisprudência do Tribunal compreende que a competência penal desta Corte, por decorrência lógica, abrange a fase de investigação, etapa acessória direcionada a lastrear eventual propositura de ação penal. Nessa linha:

“A competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar parlamentar federal alcança a supervisão de investigação criminal. Atos investigatórios praticados sem a supervisão do STF são nulos.” (Inq 3.438, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 11/11/2014, grifei)

“A competência penal originária por prerrogativa de função atrai para o Tribunal respectivo a supervisão judicial do inquérito policial.” (Rcl 555, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 25/04/2002, grifei)

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Como se vê, há necessária vinculação entre a competência da medida cautelar, de caráter acessório, e de eventual ação penal.

Todavia, em hipóteses como a dos autos, o cumprimento de busca e apreensão no Senado Federal não atrai, por si só, a competência do STF para processamento e julgamento de possível ação penal fruto dessa diligência.

Nesse contexto, a interpretação do reclamante acarretaria a ausência de correspondência entre a competência para a supervisão da investigação e aquela atinente ao processamento e julgamento de eventual ação penal, conclusão que contraria a compreensão do Tribunal, firmada no sentido da necessidade de concentração dessas atribuições jurisdicionais.

Em suma, compreender que cabe ao Supremo apreciar pedido de busca e apreensão, medida cautelar preparatória ou incidental dotada de acessoriedade, sem que se verifique competência da Corte para processamento e julgamento de eventual ação penal, não encontra respaldo constitucional e contraria a jurisprudência do STF.

f. Conclusão quanto a esse tópico

Nessa direção, concluo que o fato do endereço de cumprimento da medida coincidir com as dependências de Casa Legislativa não atrai, de modo automático e necessário, a competência do Supremo Tribunal Federal, pois, não havendo interesse legislativo que poderia chancelar a atração da competência originária do Supremo, revela-se indispensável a aferição, no caso concreto, se a investigação tinha congressista como alvo.

4. Usurpação da competência do STF quanto à supervisão de investigação de conduta atribuída a membro do Congresso Nacional

a. Quadro processual

Para fins de apreciação desse tema, reputo conveniente a exposição

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do desenrolar das investigações, o que passo, em resumo, a fazer. De saída, cumpre rememorar que o eminente e saudoso Min. Teori

Zavascki deferiu a tutela de urgência para o fim de determinar a suspensão das investigações e remessa integral dos respectivos autos de inquérito, e conexos, ao STF. Por decorrência dessa determinação, foram instaurados, no âmbito desta Corte, os autos Inq. 4.335/DF, Pet. 6.353/DF e AC. 4.285/DF, todos oriundos do Juízo da 10ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.

Aponto que a investigação teve início mediante notícia crime formulada pelo policial legislativo Paulo Igor Bosco Silva. Na ocasião, foram narrados os seguintes fatos (fls. 1-10 - Inq. 4.335/DF):

- Fato 01: Em 14 de julho de 2014, Pedro Ricardo Araujo Carvalho, Diretor da Polícia Legislativa do Senado Federal, teria determinado que servidores da Polícia Legislativa realizassem varreduras físicas e eletrônicas na residência particular do Senador da República Lobão Filho. Em agosto de 2014, servidores teriam sido deslocados até o Estado do Maranhão a fim de realizar referidas ações, que teriam ocorrido tanto na residência particular quanto no escritório político do parlamentar. Objetivava-se, segundo o noticiante, identificar escutas ambientais e/ou interceptações telefônicas, sendo as diligências realizadas pelos policiais legislativos Antônio Tavares dos Santos Neto, Geraldo César de Deus de Oliveira e Everton Elias Taborda.

- Fato 02: Em 06 de julho de 2015, Pedro Ricardo Araujo Carvalho, Diretor da Polícia Legislativa do Senado Federal, teria determinado que servidores da Polícia Legislativa realizassem varreduras físicas e eletrônicas no escritório particular do ex-Senador da República José Sarney. Tal proceder também teria como objetivo frustrar investigações associadas à Operação Lava Jato, e teria sido implementado pelos policiais legislativos Antônio Tavares dos Santos Neto, Geraldo César de Deus de Oliveira e Everton Elias Taborda.

- Fato 03: Em 14 de julho de 2015, em cumprimento à determinação do Supremo Tribunal Federal, o Departamento de Polícia Federal realizou

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buscas domiciliares na residência funcional do Senador da República Fernando Collor de Melo e na chamada “Casa da Dinda”. Nessa ocasião, Pedro Ricardo Araujo Carvalho, Diretor da Polícia Legislativa do Senado Federal, teria enviado policiais legislativos aos endereços das diligências a fim de obstar o cumprimento das determinações exaradas por esta Corte. Após o implemento das medidas judicialmente deferidas, o Diretor da Polícia Legislativa teria ordenado que policiais legislativos empreendessem varreduras físicas e eletrônicas em tais locais, objetivando frustrar a efetividade de eventuais meios de obtenção de prova instalados e embaraçar a persecução penal. As medidas teriam sido novamente cumpridas pelos policiais Antônio Tavares dos Santos Neto, Geraldo César de Deus de Oliveira e Everton Elias Taborda.

Em seguida, o noticiante formulou aditamento (fls. 180-184 – Apenso 1 do Inq. 4.335/DF), ocasião em que se narrou o seguinte:

- Fato 04: Em 23 de junho de 2016, em cumprimento de determinação judicial, o Departamento de Polícia Federal realizou buscas domiciliares na residência funcional da Senadora da República Gleisi Hoffmann. Em 05 de julho de 2016, Pedro Ricardo Araujo Carvalho, Diretor da Polícia Legislativa do Senado Federal, teria enviado policiais legislativos a endereços particulares da parlamentar com o intuito de empreender medidas de contrainteligência e identificar eventuais escutas ambientais. A equipe seria compostas pelos servidores Everaldo Bosco Rosa Moreira, Antônio Tavares dos Santos Neto, Geraldo César de Deus de Oliveira e Daniel Aguiar dos Santos.

O Departamento de Polícia Federal, por sua vez, explicitou que a Polícia Legislativa do Senado Federal detém atribuições de inteligência, razão pela qual a realização de ações de contrainteligência, isoladamente, não indicaria prática ilícita. Contudo, referidas atribuições seriam limitadas às dependências da respectiva casa parlamentar. Nesse sentido, concluiu (Inq. 4.335/DF, Apenso 1 – fls. 61/125):

“(...)

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16 – Entre os segmentos principais de contrainteligência, temos a Segurança Ativa, nela se inserindo os procedimentos de varreduras de equipamentos discretos.

17 – Dito isto, o signatário não vislumbra existir, por si, alguma irregularidade na realização de medidas de Segurança Ativa dentro das dependências do Senado.

18 – Todavia, valendo-se de qualquer modo de interpretação, nenhum deles nos leva, como resultado, à possibilidade de a atividade de contrainteligência contemplar ações fora das dependências do Senado Federal.

19 – Assim, entendeu-se por excluir do escopo investigativo as varreduras realizadas no interior da Casa Legislativa, concentrando-se nas notícias de fato envolvendo demais localidades.”

Reitero que não se está aqui a fazer juízo de valor acerca do injusto. De tal modo, não cabe, nesta ambiência, a avaliação acerca dos limites das atribuições da Polícia Legislativa, tampouco eventuais reflexos para fins de configuração de possíveis delitos. Entretanto, o ponto é relevante para, a partir da linha investigativa traçada pelo Departamento de Polícia Federal, reconhecer as balizas da apuração, circunstância importante para aferir eventual usurpação da competência desta Corte.

Nesse sentido, impende enfatizar que a investigação cinge-se aos acontecimentos descritos na mencionada notícia crime e posterior aditamento (vale dizer, os fatos 1 a 4 já esmiuçados). Assim, medidas de contrainteligência porventura implementadas nas dependências do Senado Federal não correspondem ao objeto de investigação e, nesse particular, desbordam da possível usurpação da competência do Supremo.

De tal modo, os diversos pedidos de Senadores da República, juntados aos autos da investigação (Inq. 4.335/DF, fls. 32-44) e voltados à realização de varreduras nas dependências da respectiva Casa Legislativa, não constituem objeto de investigação.

Prossigo. Em 15.07.2016, o Juiz Federal Substituto da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal indeferiu pedido de interceptação

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telefônica formulado pela autoridade policial. Na ocasião, consignou que os fatos imputados aos policiais legislativos poderiam ter sido engendrados por parlamentares, o que atrairia a competência desta Suprema Corte (fls. 37-44 da AC 4.285/DF). Todavia, apreciando pedido de reconsideração, o mesmo Juiz Federal autorizou, em 21.07.2016 (fls. 49-50 – da AC 4.285/DF), a interceptação telefônica, ponderando a inexistência de indícios mínimos de ato ilícito atribuível a parlamentares.

Em seguida, em 30.08.2016, o Juiz Federal Titular da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal indeferiu pedido de prorrogação da interceptação telefônica e, porém, deferiu a quebra do sigilo referente aos extratos telefônicos atinentes às ligações captadas durante o período de interceptação (fls. 96-97 da AC 4.285/DF).

Já no Inquérito n. 10/2016-DICINT/DIP/DPF, autuado nesta Corte sob n. 4.335/DF, a autoridade policial, em 19.10.2016, representou, entre outras diligências, pela prisão temporária de policiais legislativos, suspensão da função pública e busca e apreensão (fls. 61-125 – Apenso 01 do Inq. 4.335/DF), pleito deferido, em 20.10.2016, pelo Juiz Federal Titular da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal (fls. 206-213 – Apenso 01 do Inq. 4.335/DF). Essa, aliás, é a decisão impugnada nesta reclamação, sendo que a prisão temporária e a suspensão da função pública foram afastadas, em sede liminar, por decisão de lavra do saudoso Min. Teori Zavascki.

O Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal prestou suas informações (fls. 95-101- Inq. 4.335/DF).

b. Premissas cognitivas no contexto da via reclamatória

Conforme depreende-se da leitura dos autos e das informações colhidas, não há notícia de que parlamentar tenha figurado formalmente como investigado nos feitos questionados pelo reclamante. Da mesma forma, não há indicação de que parlamentar tenha sido destinatário das medidas de busca e apreensão, interceptação telefônica ou quebra de sigilo deferidas.

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Impende enfatizar, ainda, que a busca e apreensão cumprida no Senado Federal limitou-se às dependências da Polícia Legislativa, sem alcançar gabinetes de Senadores da República ou a sede da Presidência da respectiva Casa Legislativa. Assim, num primeiro olhar, não se nota usurpação da competência do STF.

Essa circunstância, embora relevante, não afasta a possibilidade de que as autoridades responsáveis pela persecução penal, mesmo à luz de indicação concreta de participação de parlamentar, tenham mantido a competência para a supervisão da apuração. Cumpre avaliar, portanto, se, ao menos de fato, os parlamentares foram alvo das investigações.

Nesse ambiente, cabe observar que a via reclamatória não se conforma com a realização de dilação probatória, tampouco com a valoração aprofundada de fatos e provas. Nessa dimensão, a alegação de condução artificial das investigações pressupõe prova pré-constituída e que demonstre, de modo seguro e irrefutável, a usurpação da competência da Corte. Acerca dos limites da reclamação, cito precedentes:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. ADC 16. ART. 71, § 1º, DA LEI 8.666/93. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1. É improcedente a reclamação quando o ato reclamado não contraria a decisão proferida na ADC 16. 2. Não é cabível o manejo de reclamação para se obter o reexame do conjunto fático-probatório dos autos. 3. Agravo regimental, interposto em 15.08.2016, a que se nega provimento.” (Rcl 24708 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 12/05/2017, grifei)

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ENTE PÚBLICO. DEVERES DE FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE AFRONTA À DECISÃO PROFERIDA NA ADC 16. PRECEDENTES. 1. O registro da omissão da Administração Pública quanto ao poder-dever de

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fiscalizar o adimplemento, pela contratada, das obrigações legais que lhe incumbiam - a caracterizar a culpa in vigilando-, ou da falta de prova acerca do cumprimento dos deveres de fiscalização - de observância obrigatória-, não caracteriza afronta à ADC 16. 2. Inviável o uso da reclamação para reexame de conjunto probatório. Precedentes. Agravo regimental conhecido e não provido.” (Rcl 23458 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 16/12/2016, grifei)

Em razão dos limites de cognição da via reclamatória, portanto, anoto que se revela imprópria a aprofundada revaloração do conjunto fático-probatório para o fim de depreender eventuais objetivos escusos da linha investigativa traçada, de modo que, na minha ótica, tal reconhecimento reclama demonstração flagrante.

c. Insuficiência de simples possibilidade do envolvimento de parlamentar para fins de atração da competência da Corte

Para fins de atração da competência, a jurisprudência do Tribunal exige a existência de indícios relevantes do envolvimento de detentor de prerrogativa de foro. Nessa linha, não basta a mera menção ao nome de parlamentar, tampouco a possibilidade genérica de sua participação no evento sujeito à apuração. Desafia-se, em verdade, factibilidade de que a apuração poderá alcançar a autoridade, descabendo potencializar, nesse ambiente, conjecturas sem respaldo probatório suficiente.

Nessa dimensão, compreende a jurisprudência que “para que haja a atração da causa para o foro competente, é imprescindível a constatação da existência de indícios da participação ativa e concreta do titular da prerrogativa em ilícitos penais.” (RHC 135683, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 25/10/2016, grifei). E ainda:

“Reclamação. Negativa de seguimento. Agravo regimental. Art. 102, I, b da Constituição Federal. Foro

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privilegiado. A simples menção de nomes de parlamentares, por pessoas que estão sendo investigadas em inquérito policial, não tem o condão de ensejar a competência do Supremo Tribunal Federal para o processamento do inquérito, à revelia dos pressupostos necessários para tanto dispostos no art. 102, I, b da Constituição. Agravo regimental improvido. (Rcl 2101 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/2002, grifei)”

O fato de que as diligências teriam se inserido na ambiência de atuação de parlamentares também não autoriza, isoladamente, o reconhecimento da articulada usurpação. Nesse sentido, já decidiu a Corte até mesmo que a “simples circunstância de o parlamentar ser sócio da empresa investigada não é suficiente para firmar a competência desta Suprema Corte” (Inq 4183 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 21/03/2017, grifei).

Reitere-se que, além da já explicitada inexistência de prerrogativa de foro conferida às Casas Legislativas, o local da apuração não acarreta, automaticamente, a investigação de congressista.

Da mesma forma, a subordinação hierárquica da Polícia Legislativa à Diretoria-Geral, que se submete, por sua vez, à Comissão Diretora, que é composta por membros da Mesa Diretora do Senado, não implica necessária investigação de parlamentar, já que a responsabilidade penal é sempre pessoal e reclama juízo de culpabilidade.

No mesmo sentido, o fato de parlamentar figurar como potencial beneficiário do ato supostamente delitivo não é suficiente a depreender que o congressista é alvo da investigação.

Fixadas essas premissas, passo a avaliar a existência de indícios concretos do envolvimento de parlamentares.

d. Parlamentares como destinatários de fato da apuração penal

Cumpre assinalar, de início, que o ex-Senador da República José Sarney, ao tempo dos fatos (06.07.2015) e das investigações impugnadas,

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não exercia qualquer cargo ou função pública que legitimasse prerrogativa de foro. Assim, a possível usurpação da competência da Corte cinge-se aos fatos associados aos Senadores da República Fernando Collor de Mello, Gleisi Hoffmann e Lobão Filho.

A esse respeito, adianto que os elementos probatórios a seguir sopesados demonstram que, ainda que esse não fosse o propósito das autoridades, a elucidação de fatos potencialmente ilícitos imputáveis a parlamentares constituía aparente consequência da confirmação da hipótese investigativa traçada. Ao lado disso, tais nuanças, desde o início, integravam os autos, afastando alegações afetas à Teoria do Juízo Aparente.

Com efeito, a notícia crime formulada, em 31.05.2016, pelo policial legislativo Paulo Igor Bosco Silva (Inq. 4.335/DF – fls. 1-10), continha os seguintes anexos:

1- Memorando 136/2014-SPSF (Inq. 4.335/DF – fl. 12): Pedro Ricardo Araújo Carvalho, Diretor da Polícia Legislativa, informa ao próprio Senador da República Lobão Filho a data de realização das varreduras físicas, a serem implementadas na residência do congressista em Brasília/DF. Menciona-se no expediente que tal providência é fruto de solicitação do parlamentar.

2 – Ofício não numerado expedido pelo Gabinete do Senador Lobão Filho (Inq. 4.335/DF – fl. 14): Ewandro de Carvalho Sobrinho, na condição de Chefe de Gabinete do Senador da República Lobão Filho, informa ao Diretor da Polícia Legislativa os endereços (residência e escritório) do parlamentar, no Estado do Maranhão, nos quais também deveriam ser realizadas as varreduras.

Nesse mesmo contexto, consta dos autos depoimento do policial legislativo Carlos André Ferreira Alfama (Inq. 4.335/DF – fls. 48-50), colhido em 08.06.2016:

“(...) QUE essas varreduras se intensificaram após notícia de investigações da Polícia Federal em face de Senadores; QUE chegou a comentar, por vezes, sua inquietude acerca da possibilidade de a Polícia do Senado atuar no sentido de

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embaraçar investigações da Polícia Federal, sempre realçando a importância do órgão que faz parte; QUE uma dessas varreduras ocorreu a pedido do Senador LOBÃO FILHO há (sic) época em que foi noticiada uma busca pela Polícia Federal no avião em que ele estava à época de campanha eleitoral; QUE como Chefe de Serviço, o depoente seria um dos integrantes da varredura, porém não apenas negou integrar a equipe, como alertou os demais que isto seria um ato com infração funcional; (…)

Com base em tais informações, o Juiz Federal Substituto da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, em 15.07.2016, ao inicialmente indeferir pedido de interceptação telefônica (decisão posteriormente reconsiderada), ponderou (AC 4.285/DF – fls. 37-44, grifei):

“O inquérito a que está vinculado esta cautelar tem nítida conexão com os crimes investigados e que se encontram sob jurisdição da Suprema Corte. Deve-se então seguir a regra do Código de Processo Penal que determina a conexão dos feitos, incumbindo assim que o Supremo Tribunal Federal se manifeste sobre o ocorrido, já que, em tese, o óbice seria o cumprimento de suas ordens. Além disto, a meu sentir, há indícios de que o comportamento adotado pelo chefe da Polícia Legislativa decorra de pedido dos próprios parlamentares, o que, em tese, atrairia a competência do Pretório Excelso.”

Percebe-se, então, que o eventual envolvimento de parlamentar não constituía fato imprevisível. Ao contrário, já havia decisão judicial reconhecendo indiciariamente essa realidade.

O aditamento à notícia crime, por sua vez, efetuado, em 16.09.2016, pelo policial legislativo Paulo Igor Bosco Silva (Inq. 4.335/DF – Apenso 1 - fls. 180-184), exibia os seguintes elementos:

1 – Extrato do SIGAD, sistema interno do Senado (Inq. 4.335/DF – Apenso 1 – fl. 186): menciona-se a expedição do Ofício 00100.102356/2016-

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24, emitido pelo Gabinete da Senadora da República Gleisi Hoffmann. Não é possível, a partir do extrato, identificar o subscritor ou objeto desse expediente.

2- Fazendo referência ao citado ofício, consta o Memorando 085/2016-SPSF (Inq. 4.335/DF – Apenso 1 – fl. 188), expedido pelo Diretor da Polícia Legislativa, que tinha como objetivo a liberação de diárias e passagens a fim de atender à solicitação do Gabinete da Senadora da República Gleisi Hoffmann.

3 – Relatório de Viagem não numerado (Inq. 4.335/DF – Apenso 1 – fl. 194): emitido no interesse do ofício expedido pelo Gabinete da Senadora da República Gleisi Hoffmann. Informa-se a participação de policiais legislativos na diligência, realizada em Curitiba/PR, que teria como objetivo “ações de proteção à Autoridade solicitante”. Concluiu-se ainda que “a autoridade se encontra livre de ameaças”.

Registro que, ao deferir medidas cautelares requeridas pela autoridade policial, o Juízo reclamado explicitou que o Diretor da Polícia Legislativa do Senado Federal, embora exercesse, em tese, função de proeminência no contexto tido como criminoso, teria cedido a pedido ou influência de terceiro, não indicado na decisão:

“1) PEDRO RICARDO ARAÚJO CARVALHO, Diretor da Polícia do Senado Federal, é o principal responsável pelas condutas e autor das ordens aos demais membros. Conquanto não pratique pessoalmente atos de execução, com domínio pleno dos fatos, exerce a liderança da associação criminosa. Ordenou diligências nos anos de 2014 e 2015, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem, inclusive de quem não mais exercia mandato de Senador; determinou ações em 2015 e 2016, a fim de embaraçar conscientemente notória Operação conduzida no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Incurso, pois, nos injustos penais previstos no art. 317, § 2°, do CPB (duas vezes); art. 2°, §1°, da Lei 12.850/2013 (uma vez); e art. 288, parágrafo único, do CPB.”

Mesmo diante desse cenário, pontuou a autoridade policial (Inq.

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4.335/DF – Apenso 1 – fls. 362-365):

“(...) Como já aduzido pelo Ministério Público Federal nos autos do inquérito 10/2016-DICINT, ‘a investigação ainda não logrou êxito em elucidar se as condutas desenvolvidas pelo Diretor da Polícia do Senado foram iniciadas sponte própria’.

2. Não é só isso. Eventual pedido feito por um parlamentar, por si só, de um serviço da Polícia do Senado, sem elementos relacionados ao aspecto cognoscitivo e volitivo da conduta, não se revelava justa causa para o deslocamento da competência.”

Todo esse cenário processual, ao meu sentir, permite o reconhecimento da usurpação da competência do STF.

Enfatizo, mais uma vez, que não se está aqui a fazer juízo acerca dos fatos narrados. Limito-me a consignar que o contexto descrito, ao sinalizar possível envolvimento de membro do Congresso Nacional, não autoriza o imediato afastamento da responsabilidade dos parlamentares, circunstância a reclamar atuação do Tribunal.

Com efeito, no caso concreto, a hipótese investigativa parte do suposto caráter delituoso das ações imputadas aos policiais legislativos. Não se trata, como se vê, de simples “pedido feito por um parlamentar (…) de um serviço da Polícia do Senado”. Calha enfatizar que, em acontecimentos dessa natureza, é possível, em tese, se preenchidos os requisitos, a configuração da responsabilidade penal do autor da ordem.

Não bastasse isso, os indícios coligidos não levaram a conclusão segura de que os policiais legislativos teriam agido por iniciativa própria.

É que os expedientes jungidos aos autos indicavam, em relação à realização de uma das varreduras, que a ordem teria partido do Senador da República Lobão Filho. Isso pode ser depreendido, em cognição sumária, do: a) memorando dirigido diretamente ao Senador da República Lobão Filho, no qual o Diretor da Polícia Legislativa informa a data de realização das varreduras, mencionando que tal providência constitui atendimento à solicitação do parlamentar; b) posterior ofício em

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que o Chefe de Gabinete do Senador da República Lobão Filho indica ao Diretor da Polícia Legislativa outros endereços que deveriam ser alvo de diligência; c) depoimento do policial legislativo Carlos André Ferreira Alfama em que se declara que uma das varreduras teria sido solicitada pelo próprio parlamentar.

Da mesma forma, em relação à Senadora da República Gleisi Hoffmann, a ordem teria partido de ofício oriundo de seu Gabinete. É óbvio que não se pode atribuir ao parlamentar automática responsabilidade por fato executado por subordinado. Contudo, causaria espécie que diligências dessa natureza fossem implementadas em endereços particulares de congressista sem seu conhecimento e consentimento, de modo que tais atos seriam merecedores de elucidação em sede própria.

Ao apreciar outros pedidos cautelares, o Juiz Titular da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal ponderou que o Diretor da Polícia Legislativa, embora, na sua visão, atuasse com posição de comando em relação aos atos materiais executados pelos demais policiais legislativos, teria agido “cedendo a pedido ou influência de outrem.” Conquanto não seja identificado, com precisão, o possível responsável pelo suposto pedido ou influência, o contexto processual evidencia a factibilidade de que sejam os Senadores da República que titularizam os espaços que foram alvo das diligências, o que se amolda aos elementos já sopesados.

Cabe reiterar o inicial indeferimento de interceptação telefônica por parte do Juiz Substituto da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal. Como já esmiuçado, ponderou-se na ocasião, de forma expressa, a existência de indícios de que as varreduras teriam sido executadas por ordem de parlamentares.

Nesse contexto, na minha ótica, com a devida vênia, revela-se impróprio que a instância de primeiro grau avalie intrincada matéria atinente à ausência de elemento subjetivo quanto aos parlamentares que teriam ordenado os atos tidos como delituosos.

Cumpre salientar que essa análise não toma por base exclusivamente os elementos probatórios disponíveis ao Juiz da causa antes do

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cumprimento das medidas questionadas pelo reclamante. Vale dizer, a probabilidade de colheita de provas potencialmente implicadoras de parlamentares não decorre do resultado da busca e apreensão, mas a antecedem. Daí a impossibilidade de reconhecimento, no feito em exame, de caso fortuito ou de aplicação da Teoria do Juízo Aparente.

Também na linha do reconhecimento da usurpação da competência desta Corte, transcrevo trecho da decisão monocrática proferida nestes autos pelo eminente e saudoso Min. Teori Zavascki, ocasião em que a tutela de urgência restou acolhida (grifei):

“2. A concessão de medida liminar pressupõe, também no âmbito da reclamação (arts. 158 do RISTF e 989, II, do Código de Processo Civil), além da comprovação da urgência da medida, a demonstração da relevância do direito invocado, assim considerada a probabilidade de êxito da pretensão deduzida na demanda. Tais requisitos estão presentes neste caso.

3. Com efeito, na representação da autoridade policial que deu ensejo à decisão reclamada, há extensa narrativa sobre ordens e pedidos que teriam partido de parlamentares integrantes do Senado Federal, ali nominados, detentores, como se sabe, da prerrogativa de foro prevista no art. 102, I, b, da Constituição da República. Tais referências, aliás, foram reiteradamente reproduzidas em testemunhos, relatórios policiais e documentos, tais como: (a) Memorando 136/2014-SPSF, por meio do qual o Diretor de Polícia do Senado determina, a pedido, realização de varredura na residência oficial do Senador Lobão Filho em Brasília; (b) correspondência interna, de 8.8.2014, do chefe de gabinete do Senador Lobão Filho, comunicando ao Diretor de Polícia Legislativa os endereços onde seriam feitas as varreduras na cidade de São Luís/MA; (c) Ordem de Missão – SPSF, de 6.7.2015, para realização de “procedimentos de contramedidas de vigilância técnica” no escritório particular do ex-Senador José Sarney, entre outros. Ao narrar as condutas de cada um dos investigados, o próprio juízo reclamado, acolhendo o encaminhamento da

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autoridade policial, afirma terem eles agido “com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem, inclusive de quem não mais exercia mandato de Senador”.

Anote-se, no ponto, que a Polícia Legislativa do Senado Federal é regulada pela Resolução 59/2002 (arts. 1º e 2º), estando subordinada à Comissão Diretora (art. 98, II, do Regimento Interno do Senado Federal), que é composta pelos titulares da própria Mesa Diretora daquela Casa Legislativa (art. 77 do Regimento Interno), o que indica desde o primeiro momento a inafastável participação de parlamentares nos atos investigados.

4. Nessa linha, o exame dos autos na origem revela, em cognição sumária, que, embora a decisão judicial ora questionada não faça referência explícita sobre possível participação de parlamentar nos fatos apurados no juízo de primeiro grau, volta-se claramente a essa realidade. Aliás, os documentos trazidos pelo reclamante reforçam o que a própria representação da autoridade policial denuncia para justificar as medidas cautelares deferidas, ou seja, ordens ou solicitações que partiram de Senadores.”

Além dessas considerações, por existirem indícios mínimos de que os atos objeto de apuração teriam sido realizados por determinação de parlamentares, reconheço a usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, porque as investigações deveriam estar sob a supervisão da Corte.

5. Consequências jurídicas da usurpação da competência do STF

Nos termos do art. 573, §2°, do CPP, o “juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende”, o que passo a examinar.

a. Validade dos elementos probatórios no que toca aos agentes não detentores de foro por prerrogativa

De início, observo que, embora não seja simples reconhecer a

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possibilidade de duplo juízo de validade de uma mesma prova, a jurisprudência da Corte compreende que eventual nulidade decorrente da inobservância da prerrogativa de foro não se estende aos agentes que não se enquadrem nessa condição:

“Consoante entendimento da Corte, a declaração de imprestabilidade dos elementos de prova angariados em eventual usurpação da competência criminal do Supremo Tribunal Federal não alcançaria aqueles destituídos de foro por prerrogativa de função, como no caso. Precedentes.” (Rcl 25497 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 14/02/2017, grifei)

“A usurpação da competência do Tribunal Regional Eleitoral para supervisionar as investigações constitui vício que contamina de nulidade a investigação realizada em relação ao detentor de prerrogativa de foro, por violação do princípio do juiz natural (art. 5º, LIII, CF). Precedentes.” (AP 933 QO, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/10/2015, grifei)

“A usurpação da competência do STF traz como consequência a inviabilidade de tais elementos operarem sobre a esfera penal do denunciado. Precedentes desta Corte. Conclusão que não alcança os acusados destituídos de foro por prerrogativa de função.” (Inq 2842, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 02/05/2013, grifei)

Nesse sentido, no caso concreto, a usurpação da competência do STF não contamina os elementos probatórios colhidos no que se refere aos policiais legislativos, tampouco ao ex-Senador José Sarney, destituídos de foro por prerrogativa de função.

b. Elementos probatórios cuja produção prescinde de autorização

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judicial

A Lei 8.038/90 (art. 2°), ao disciplinar o rito das ações penais originárias processadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, prescreve que o “relator, escolhido na forma regimental, será o juiz da instrução”, bem como que “o relator terá as atribuições que a legislação processual confere aos juízes singulares”.

Se há expressa correspondência entre as atribuições do Relator e as conferidas aos juízes singulares, o distanciamento da atuação investigatória é marca comum entre ambos. Com efeito, o Poder Judiciário, independentemente do grau de jurisdição, não recebeu da Constituição poderes de condução direta de investigações penais, providência que, inclusive, não se compatibilizaria com a inércia e a imparcialidade que caracterizam a atividade jurisdicional.

A esse respeito, cito trecho do voto do eminente Ministro Luís Roberto Barroso, proferido na ADI 5.104 MC, Tribunal Pleno, julgada em 21.05.2014. Na ocasião, debatia-se acerca da constitucionalidade de norma que condicionava a deflagração de investigação penal à prévia autorização judicial. Nesse contexto, afirmou Sua Excelência (grifei):

“(…) o sistema acusatório segrega as fases de investigação, acusação e julgamento, não sendo admissível que a autoridade judicial determine o rumo das investigações, em prejuízo de sua própria neutralidade.

26. Com maior razão ainda, há forte consistência na impugnação ao art. 8°, da Resolução, segundo o qual “o inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante“. Esse dispositivo condiciona as investigações a uma autorização do juiz eleitoral, instituindo uma modalidade de controle judicial inexistente na Constituição e claramente incompatível com o princípio acusatório. A titularidade da ação penal de iniciativa pública é do Ministério Público, o que pressupõe a prerrogativa de orientar a condução das investigações e formular um juízo próprio acerca da existência

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de justa causa para o oferecimento de denúncia. A independência da Instituição ficaria significativamente esvaziada caso o desenvolvimento das apurações dependesse de uma anuência judicial.

27. Pelos mesmos motivos, também se verifica plausibilidade na impugnação ao art. 11, que exige uma nova autorização judicial para a retomada de investigações que hajam sido arquivadas por falta de prova. Na linha do que se acaba de expor, não é válido que se condicione o exercício das funções institucionais da Polícia e do Ministério Público a uma autorização judicial prévia. Isso vale tanto para a instauração originária de inquérito quanto para eventuais atos adicionais de averiguação.”

Assim, as diligências investigativas devem ser potencialmente controladas, mas não impulsionadas pelo Juiz. Nessa linha, a Constituição, apenas em hipóteses excepcionais e expressas, optou pela submissão de diligências naturalmente invasivas (interceptação telefônica, busca e apreensão, quebra de sigilo, etc) à cláusula da reserva jurisdicional, casos em que o controle judicial prévio funciona como elemento de legitimação da produção do elemento probatório.

Tal realidade, contudo, não se estende a todo e qualquer ato de investigação. Ao contrário, na medida em que a regra é a dispensa de prévia autorização judicial, resguardando-se, em qualquer hipótese, o controle posterior (art. 5°, XXXV, CF).

Nesse universo, menciono que o art. 563 do Código de Processo Penal, consubstanciando o postulado pas de nullité sans grief, prescreve que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.” De tal modo, embora não se ignore a relevância do Juiz Natural para fins de legitimação da persecução penal, sua eventual inobservância não acarreta a nulidade da prova colhida na hipótese em que não atuar como fator decisivo à sua produção.

Nessa perspectiva, eventual irregularidade não gera automática invalidade, incumbindo, sob a ótica da instrumentalidade das formas, a aferição do gravame suportado pelo interessado. Referida análise não se

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traduz, simplesmente, a partir de eventual resultado probatório desfavorável. É imperioso que o interessado evidencie certo nexo causal entre o ato tido como irregular e a consequência jurídica que almeja combater, bem como que aponte, ao menos de forma indiciária, a possibilidade efetiva de reversão do resultado processual se ausente a irregularidade ventilada. Na mesma linha:

“Ademais, o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à defesa técnica. Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado. Sem isso, estar-se-ia diante de um exercício de formalismo exagerado, que certamente comprometeria o objetivo maior da atividade jurisdicional.” (HC 119372, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, grifei)

Feito esse registro, considero que deve ser diferenciado o impacto da usurpação da competência do Tribunal entre elementos probatórios que exigem e os que dispensam prévia intervenção do Poder Judiciário.

Dito de outra forma, a inobservância do Juiz Natural não atua como causa de invalidade de elementos probatórios cuja produção não desafie prévia autorização judicial, na medida em que, em tais hipóteses, não há necessária relação de causalidade entre a irregularidade e a prova. Em tais casos, como aludido, a intervenção judicial ex ante não atua como vetor legitimante da formação do ato persecutório.

Na mesma direção, colho o seguinte precedente:

“Embargos de declaração em inquérito. 2. Inquérito instaurado contra autoridade com prerrogativa de foro, sem observância da competente supervisão judicial. Salvo casos em que haja fundadas razões em desvio de finalidade, não são ilícitas as provas que independem de autorização judicial para produção. 3. Embargos de declaração rejeitados.” (Inq 2952 ED, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 10/03/2015, grifei)

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Nesse precedente, colho elucidativo trecho do voto condutor do eminente Min. Gilmar Mendes. Na oportunidade, asseverou Sua Excelência:

“De igual forma, a jurisprudência do STF afirma a ilicitude das provas colhidas por inquérito policial supervisionado por juízo incompetente:

(…)No entanto, o precedente cuidava de interceptações

telefônicas determinadas por juiz de primeira instância que, por via reflexa, produziram, de forma sistemática, prova contra autoridade com prerrogativa de foro.

Esse entendimento não pode ser projetado para provas que podem ser produzidas independentemente de autorização judicial. Provas dessa ordem são pouco agressivas à intimidade do investigado. (…)

(…)Além disso, a produção de provas em fase de inquérito

busca subsidiar a acusação. As provas podem ser refeitas ou submetidas à contraprova durante a ação penal.

Salvo casos em que haja fundadas razões para crer que a produção de provas teve como finalidade afastar, por via transversa, a supervisão judicial da investigação, não há sentido em exigir a repetição da produção da prova.

(...)A falta da adequada supervisão do inquérito pela Corte

competente não desconstitui atos de investigação que não dependem de intervenção judicial, como a tomada de depoimentos.

Dessa forma, o que se tem, a princípio, é simples irregularidade, sem aptidão para contaminar provas ulteriores.”

Consigno, ainda, a tradicional compreensão da Corte no sentido de que o inquérito constitui peça informativa cuja irregularidade, em regra,

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revela-se inapta à invalidação de eventual ação penal: RHC 126.885, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 15.12.2015; HC 111.094, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26.06.2012; ARE 654.192 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 22.11.2011; HC 99.936, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24.11.2009 e RHC 90.632, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 05.06.2007.

Diante do exposto, as declarações colhidas, os documentos apresentados pelo noticiante e os demais elementos probatórios que prescindem de autorização judicial cingem-se ao campo da irregularidade e, bem por isso, não reclamam proclamação de nulidade, inclusive no que toca a eventuais agentes detentores de prerrogativa de foro.

c. Interceptações telefônicas

A interceptação telefônica, por sua vez, constitui medida sujeita à cláusula da reserva de jurisdição (art. 5°, XII, CF), de modo que a violação ao Princípio do Juiz Natural quanto à apreciação do deferimento do referido meio de obtenção de prova alcança seu ciclo de produção e constitui causa de nulidade em relação aos agentes detentores de foro por prerrogativa.

Importante ressaltar que essas provas colhidas não admitem convalidação, pois a eficácia prospectiva da apreciação judicial e a própria natureza desses elementos também impedem a aplicação da Teoria da Descoberta Inevitável. Enfatizo que conclusão diversa poderia, por exemplo, ser encampada na hipótese de quebra de sigilo, porque, nesse caso, a ordem judicial superveniente, proferida pelo órgão competente, alcançaria idêntico resultado probatório.

Isso não se aplica, entretanto, à hipótese de interceptação telefônica, na medida em que, à míngua de monitoramento válido ao tempo em que captados, o conteúdo dos diálogos não guarda registro e sujeita-se a imediato perecimento.

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Os diálogos captados, portanto, devem ser descartados mediante destruição dos respectivos registros, anotando-se que não foram empregados como fundamento do deferimento da busca e apreensão, deixando de exibir nexo de causalidade em relação à aludida diligência.

d. Quebra de sigilo telefônico

O Juízo reclamado autorizou a exibição de extratos telefônicos dos policiais legislativos investigados (fls. 95-96 da AC 4.285/DF), diligência sujeita ao prévio crivo do Estado-Juiz. Nessa ambiência, essa prova também é ilícita em relação aos agentes detentores de prerrogativa de foro.

e. Busca e Apreensão Domiciliar

e.1. Irregularidade processual e preservação da colheita probatória

Como é sabido, salvo as hipóteses de flagrante delito ou para prestar socorro em desastre, o ingresso no domicílio sem o consentimento do morador desafia ordem judicial (art. 5°, XI, CF). O Código Penal (art. 150, §4°), por sua vez, prescreve que “a expressão casa compreende compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”.

Esse cenário sinalizaria, em relação aos agentes detentores de foro por prerrogativa, a nulidade do resultado da diligência.

No entanto, ao disciplinar as nulidades, o Código de Processo Penal (art. 573) prescreve que os “atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores, serão renovados ou retificados.” Nota-se, nessa esteira, que a legislação volta-se, na medida do possível, à preservação das provas colhidas, desde que a renovação ou retificação revele-se apta a suplantar o vício anteriormente verificado.

Em linha semelhante, em sintonia com a Teoria da Descoberta Inevitável, construída pela Suprema Corte americana no caso Nix v. Willians (1984), o art. 157, CPP, preceitua a higidez probatória na hipótese

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em que exista fonte que, “seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.”

Indevida, aqui, sanção de invalidade ou supressão de eficácia na medida leva a efeito.

e.2. Pedido de apreensão formulado pelo Procurador-Geral da República

Rememoro, neste momento, que o Procurador-Geral da República ajuizou a Ação Cautelar 4.297/DF (cujo julgamento conjunto se desenrola aqui), por meio da qual requer a apreensão dos elementos probatórios arrecadados pela via da ordem judicial impugnada nesta reclamação. Ponderou o Ministério Público:

“Vale enfatizar que o pleito não se contrapõe às manifestações anteriores do Ministério Público Federal no sentido da competência aparente do juízo de primeiro grau. Aqui, pretende-se apenas que a eventual confirmação da liminar não seja seguida, incontinenti, pela possível perda do material probatório decorrente da devolução do que se apreendeu.

Ante o exposto, o Procurador-Geral da República requer, se confirmada a liminar da Reclamação em epígrafe, a apreensão dos documentos e equipamentos (nesse caso, das mídias contendo o espelhamento, se realizado) já apreendidos por ordem do juízo de primeiro grau e mantidos à disposição do Supremo Tribunal Federal.”

No caso concreto, verifico que a apreensão postulada pelo Procurador-Geral da República insere-se na linha de trâmite ordinário da investigação criminal e revela-se apta à preservação da colheita probatória.

Enfatize-se, a esse respeito, que a adequação do reconhecimento da higidez da apreensão é robustecida, especialmente no que toca aos

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documentos e equipamentos arrecadados nas dependências da Polícia Legislativa do Senado Federal, na medida em que se qualificam como elementos submetidos a regime jurídico administrativo e, bem por isso, sujeitos a estatuto de indisponibilidade.

É certo que, no caso concreto, a restituição do material poderia ensejar pedido autônomo e superveniente de busca e apreensão, medida que, na minha ótica, seria merecedora de deferimento.

Nada obstante, imperioso que o juízo de renovação da colheita probatória seja efetuado em momento anterior à devolução do material arrecadado. Primeiro, pelo fato de que o investigado não detém direito subjetivo à oportunidade de dissipação da prova. Segundo, em razão de que diversos elementos probatórios encontram-se submetidos a regime de indisponibilidade, de modo que não caberia ao agente público comportamento que contrarie essa direção.

De tal forma, não se revelaria minimamente razoável a restituição dos elementos apreendidos na pendência de análise de novo pedido de apreensão, medida que, à obviedade, além de revelar-se contraproducente, poderia contribuir para o perecimento da prova que não deve se submeter ao poder de disposição de agentes públicos. Tratar-se-ia de resultado probatório certamente indesejado pela tutela cautelar.

e.3. Fundamentos do acolhimento do pleito ministerial formulado na AC 4.297/DF

Em relação ao pedido formulado pelo Ministério Público (AC 4.297/DF – fls. 2-24), aponto os seguintes fundamentos de maior relevo.

Conforme exposto na AC 4.297/DF, os elementos probatórios jungidos aos autos indiciam a participação dos policiais legislativos Antônio Tavares dos Santos Neto, Geraldo César de Deus de Oliveira, Everton Elias Taborda e Pedro Ricardo Araujo Carvalho nas cogitadas varreduras cuja ilicitude é apurada pelo Procurador-Geral da República.

Ao ser inquirido em âmbito policial, o policial legislativo PAULO IGOR BOSCO DA SILVA NEWTON SOUZA RODRIGUES (Inq. 4.335/DF

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– fls. 27-28) confirmou os termos da notitia criminis formulada. Acrescentou que as ordens de missão policial são sempre numeradas. No entanto, no caso concreto, a ordem contida nos autos (Inq. 4.335/DF – fl. 18) teria fugido desse padrão. Apontou, outrossim, que os locais de diligência desbordavam do ambiente dos trabalhos legislativos, alcançando residências particulares de parlamentares e até mesmo escritório de ex-parlamentar, que, à obviedade, não fazia jus às medidas de contrainteligências porventura encetadas por agentes públicos.

O policial legislativo NEWTON SOUZA RODRIGUES (Inq. 4.335/DF – fls. 45-46), por sua vez, afirmou que as varreduras foram intensificadas com o desenrolar das investigações desencadeadas no bojo da cognominada Operação “Lava Jato”.

CARLOS ANDRÉ FERREIRA ALFAMA (Inq. 4.335/DF – fls. 48-50), também policial legislativo, confirmou a realização das varreduras em locais particulares. Afirmou ainda que sempre manifestou-se explicitamente pelo não cumprimento dessas missões, já que poderiam lograr identificar captação ambiental implementada por ordem judicial, circunstância que poderia embaraçar ilegitimamente a persecução penal. Acrescentou que há nos autos ordem de missão (Inq. 4.335/DF – fl. 16) sem indicação do local de cumprimento da diligência, o que contraria as demais. Além disso, a transferência de atribuição de cumprimento dessas missões (do Serviço de Inteligência da Polícia do Senado para a Coordenação de Polícia de Investigação) teria sido motivada pelo fato de que o Chefe do Serviço de Inteligência não teria “perfil profissional” para cumprir ordens de varredura não contempladas nas atribuições da Polícia Legislativa. Revelou que teria tido ciência de ordem do Diretor da Polícia Legislativa no sentido de que sempre fossem realizadas varreduras dessa natureza após o cumprimento de buscas pela Polícia Federal.

A comprovação de realização das varreduras encontra aparente respaldo documental (memorandos, solicitações de diárias e passagens, relatórios de viagem), conforme minuciosamente descrito pelo PGR e ao longo desta decisão.

Os elementos probatórios indiciam ainda que tal proceder

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intensificou-se após o desenrolar de investigações, bem como que tais contramedidas teriam sido realizadas mediante expedientes que sugerem contrariedade em relação às diligências em geral.

Plausível, portanto, ao menos em tese e em sede embrionária, cogitar-se da prática do delito previsto no art. 2°, §1°, da Lei 12.850/13.

Nessa linha, revela-se adequada a apreensão de documentos e equipamentos associados à Polícia do Senado Federal e aos policiais legislativos alvo de investigação, na medida em que tais elementos podem contribuir para a formação da convicção do titular da ação penal. Ganha especial relevo, nesse cenário, a apreensão de equipamentos supostamente utilizados na cogitada empreitada e que poderiam demonstrar eventual registro da realização das contramedidas de inteligência atribuídas aos agentes legislativos.

Feitas essas considerações, a pretensão formulada pelo Ministério Público é merecedora de acolhimento, recomendando-se a manutenção da apreensão efetuada, com o natural e necessário prosseguimento das diligências.

6. Síntese:

Diante do exposto, em resumo, firmo as seguintes conclusões:

a. O Supremo Tribunal Federal não detém competência exclusiva para apreciação de pedido de busca e apreensão a ser cumprida em Casa Legislativa, forte na impropriedade de extensão a locais públicos da prerrogativa de foro conferida a membros do Congresso Nacional. Necessário, portanto, perquirir se, no caso concreto, parlamentar figurou formalmente, ou ao menos de fato, como destinatário da apuração penal.

b. Na hipótese, a linha investigativa traçada permite reconhecer, desde o início, a existência de indícios de que parlamentar fosse o autor das ordens cumpridas, as quais, na visão da acusação, seriam potencialmente delituosas.

c. A prévia presença desses indícios impede a aplicação da Teoria do

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Juízo Aparente, de modo que a investigação é irregular. d. Segundo a jurisprudência do STF, essa irregularidade, ainda que

ensejasse nulidade, não alcança agentes não detentores de foro por prerrogativa.

e. Também não restam contaminados os elementos probatórios cuja produção prescindem de prévia autorização judicial, em razão da inexistência de nexo causal entre a irregularidade e a produção probatória. Nessa linha, nota-se a ausência de prejuízo, já que o controle jurisdicional posterior, a tempo e modo, permanece assegurado.

f. As interceptações telefônicas são ilícitas e não admitem renovação ou retificação, ilicitude que alcança quebra de sigilo que lhe é consequente.

g. A apreensão dos materiais mencionados às fls. 227-229, 237, 247, 263-264 e 293-294 (Inq. 4.335/DF – Apenso 1), não deve ser desconstituída antes da apreciação do pedido formulado pelo Procurador-Geral da República, sob pena de atuação jurisdicional contraproducente e com possível fomento à dissipação de provas.

h. Os requisitos da busca e apreensão, no caso concreto, encontram-se presentes, de modo que as provas já arrecadadas devem ser submetidas à avaliação apuratória.

7. Dispositivo

Portanto, reconheço a usurpação da competência do STF e confirmo a liminar no que toca à tramitação, no âmbito desta Corte, dos procedimentos: Inq. 4.335/DF, Pet. 6.353/DF e AC 4.285/DF.

Declaro a licitude das provas cuja produção dispensam prévia autorização judicial e da busca e apreensão realizada, acolhendo-se, outrossim, o pedido ministerial formulado na AC 4.297/DF.

Declaro, em relação aos detentores de prerrogativa de foro, a ilicitude das interceptações telefônicas e quebra de sigilo de dados telefônicos.

É como voto.

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