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Os Cretenses A civilização minóica nome pelo qual também costumamos chamar o povo cretense nos primeiros séculos de existência desenvolveu-se de uma forma organizada em cidades por volta de 3000 a.C. na ilha assinalada no mapa abaixo, às portas do Mar Egeu e com posição destacada no Mar Mediterrâneo. Mas arqueólogos já acharam diversos indícios que a ilha era habitada por povos neolíticos desde 6000 a.C.. As primeiras peças de cerâmica encontradas em escavações na ilha datam de 5700 a 5600 a.C. Os primeiros habitantes, provavelmente povos oriundos das cercanias do Mediterrâneo e do Egeu, tinham na agricultura o principal sustento. Cultivavam principalmente oliveiras, vinhas e cereais como trigo e lentilhas, além de criar bois e cabras, tanto nas planícies da ilha como em volta dos primeiros assentamentos populacionais, que mais tarde tornaram-se as primeiras cidades cretenses. Os cretenses também desenvolveram um forte artesanato e, por volta de 3000 a.C. portanto, já na Idade do Bronze aprenderam a manusear metais e passaram a fabricar utensílios que eram vendidos em diversos pontos do Mediterrâneo. Comercializavam muito com os egípcios e com os povos das ilhas do Mar Egeu, além das regiões da Palestina e da Síria. Aproximadamente no ano de 1750 a.C. Creta passou por um sério problema que desestruturou toda a organização social da ilha. Não se sabe ao certo se foi um grande terremoto que destruiu muito do que existia, ou uma invasão de povos vindos

Cretenses

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Page 1: Cretenses

Os Cretenses A civilização minóica – nome pelo qual também costumamos chamar o povo

cretense nos primeiros séculos de existência – desenvolveu-se de uma forma

organizada em cidades por volta de 3000 a.C. na ilha assinalada no mapa abaixo, às

portas do Mar Egeu e com posição destacada no Mar Mediterrâneo. Mas arqueólogos

já acharam diversos indícios que a ilha era habitada por povos neolíticos desde 6000

a.C.. As primeiras peças de cerâmica encontradas em escavações na ilha datam de

5700 a 5600 a.C.

Os primeiros habitantes, provavelmente povos oriundos das cercanias do

Mediterrâneo e do Egeu, tinham na agricultura o principal sustento. Cultivavam

principalmente oliveiras, vinhas e cereais como trigo e lentilhas, além de criar bois e

cabras, tanto nas planícies da ilha como em volta dos primeiros assentamentos

populacionais, que mais tarde tornaram-se as primeiras cidades cretenses.

Os cretenses também desenvolveram um forte artesanato e, por volta de

3000 a.C. – portanto, já na Idade do Bronze – aprenderam a manusear metais e

passaram a fabricar utensílios que eram vendidos em diversos pontos do

Mediterrâneo. Comercializavam muito com os egípcios e com os povos das ilhas do

Mar Egeu, além das regiões da Palestina e da Síria.

Aproximadamente no ano de 1750 a.C. Creta passou por um sério problema

que desestruturou toda a organização social da ilha. Não se sabe ao certo se foi um

grande terremoto que destruiu muito do que existia, ou uma invasão de povos vindos

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de outros pontos do Mediterrâneo que “desfigurou” a sociedade cretense. O que se

sabe é que realmente houve um grande evento que abalou a sociedade minóica.

Por volta de 1700 a.C., já no reinado do rei Cnossos, Creta voltou a se

organizar de forma mais consistente. Os cretenses instalaram vários portos ao longo

do Egeu e do Mediterrâneo, o que garantiu o ressurgimento da economia marítima da

ilha. Cnossos também ficou conhecido por construir um palácio belíssimo, e grande

parte de suas ruínas estão de pé até hoje!

No século XV a.C. o povo aqueu, originário do Mar Egeu, invadiu lentamente

a ilha de Creta. Apesar da “invasão”, a fusão das duas culturas criou a sociedade

micênica, que no futuro seria a base de formação da cultura grega. É bom citar que

nesta época cidades cretenses influenciavam cidades gregas, que chegavam a pagar

tributos à Creta. No século XII a.C. invasões mais rápidas e violentas acabaram com a

sociedade micênica. A chegada dos eólios, os jônios e principalmente os dórios –

vindos da região do Peloponeso – promoveram uma invasão realmente violenta.

Grande parte da cultura da ilha foi assimilada ou simplesmente sumiu por volta de

1380 a.C..

Alguns historiadores sustentam a tese de que a erupção de um vulcão por

volta de 1470 a.C. na ilha de Santorini, bem próximo a Creta e que causou um

Ruínas do Palácio de Cnossos. Em volta do palácio funcionavam mercados, casas de banho, oficinas e

armazéns. Cnossos pode ser considerado uma cidade. E muitas obras de arte ainda estão intactas nas

paredes das ruínas, entre outras que foram encontradas por arqueólogos e levadas para museus.

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maremoto – tsunami? – destruiu muitos dos grandes portos cretenses e que esta

destruição abalou os moradores da ilha que, sem muito o que fazer e sem muitas

motivações para reconstruir tudo que foi destruído, teriam sucumbido aos dórios sem

muita luta.

Segundo Vinicius, historiador, os dois fatores – a invasão e o maremoto –

foram fundamentais já que os cretenses, na época, deveriam ser bem mais

desenvolvidos que os dórios, até mesmo na parte militar. Mas vamos falar mais sobre

alguns aspectos da sociedade cretense.

ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DOS CRETENSES

Creta foi uma talassocracia formada por cidades que eram parecidas com as

cidades-estado gregas, governadas pelas elites locais mas, diferente da Grécia, as

cidades estavam ligadas e eram dependentes de uma capital – neste caso, a capital

era a cidade de Cnossos. Também diferente da Grécia, as cidades cretenses não

lutavam entre si, o que dá uma noção de que havia uma unidade, uma idéia de povo

comum entre os habitantes da ilha.

O palácio de Minos, onde estaria o famoso labirinto na verdade é o palácio de

Cnossos. Os gregos é que acharam o palácio um verdadeiro labirinto e criaram a

lenda.

Aliás, “lenda” e “Grécia” são duas palavras que geralmente andam juntas na

Antiguidade…

O rei Minos – aquele da

lenda do Minotauro – nunca teria

existido na verdade. Pelo menos é

o que concluem os arqueólogos e

historiadores que se debruçam

sobre o passado cretense. A

conclusão vem do fato de que até

hoje não foi encontrada em Creta

qualquer vestígio de que realmente

tivesse existido qualquer rei com

este nome.

Page 4: Cretenses

RELIGIÃO E MITOLOGIA CRETENSE

Deusa-Mãe cretense

Neste ponto os cretenses eram diferentes de todos os povos antigos: eles

adoravam exclusivamente divindades femininas, ou seja, tinham uma religião

matriarcal.

Homens participavam dos cultos na posição de sacerdotes, mas as

divindades cultuadas eram todas femininas. Eles não valorizavam só o Sagrado

Feminino, mas as mulheres também ocupavam posições de destaque na organização

pública.

Enfim, e mulher era venerada pela sociedade cretense como deveria ser.

Também veneravam o touro, animal encontrado em diversas gravuras juntamente com

outros elementos religiosos para os cretenses, como o martelo de dois gumes –

também conhecido como labrys.

Quanto à mitologia cretense os gregos – conforme comentado mais acima no

texto – é que criaram toda uma mitologia usando a ilha como pano de fundo. Platão,

ao falar sobre Atlântida, descreve a grande cidade como uma ilha desenvolvida e

próspera que teria sido engolida pelo mar e sua população desapareceu. Ao ver fotos

das ruínas do palácio de Cnossos e saber que Creta alcançou um certo

desenvolvimento social e econômico considerável para a época, de quem vocês

imaginam que Platão poderia estar falando?

Page 5: Cretenses

- A lenda do Minotauro: Além da associação com Atlântida, Cnossos

abrigou a lenda do Minotauro. O rei Minos teria pedido a Poseidon que mandasse um

touro branco como reconhecimento de seu reinado. Só que Poseidon queria que o rei

Minos sacrificasse o animal, o que não foi atendido – Minos acabou sacrificando outro

animal no lugar deste.

Afrodite então fez com que a mulher de Minos, Parsifae, se apaixonasse pelo

touro. Parsifae então pediu para que o artesão Dédalo construísse uma vaca de

madeira para que ela, uma vez escondida dentro da vaca, pudesse “se entregar” ao

animal. O resultado desta união é o Minotauro.

Parsifae cuidou da criança, mas à medida que ela crescia ficava cada vez

mais furiosa. A única coisa que aplacava a fome do Minotauro era a carne humana, e

Minos mandou construir um grande labirinto para abrigar a criatura.

Nesta época a cidade de Atenas era governada pelo rei Egeu. Uma versão da

lenda diz que Androgeu, filho de Minos, teria sido morto por atenienses e que seu pai

declarou guerra a Atenas e venceu, obrigando Egeu a enviar anualmente 14 jovens,

sendo 7 homens e 7 mulheres, para servir de alimento para o Minotauro.

No terceiro ano que teria que enviar os jovens, o filho de Egeu, Teseu, se

ofereceu para matar o Minotauro e seguiu junto com os outros jovens para Creta.

Mesmo contrário à idéia, Egeu aceitou que o filho fosse até Creta mas pediu que, caso

Teseu voltassecom vida, levantasse velas brancas no barco. Chegando à ilha, a filha

de Minos, Ariadne, apaixonou-se por Teseu e deu a ele um novelo, no qual ele poderia

se guiar no caminho de volta – uma versão diz que a própria Adriadne guiou Teseu até

onde estava o Minotauro.

Teseu então lutou bravamente contra o monstro até matá-lo. Liderando outros

atenienses na fuga, conseguiu ainda destituir Minos do trono só que, ao voltar para

casa, esqueceu de hastear velas brancas no barco e Egeu, seu pai, ao ver velas

pretas no horizonte, entrou em desespero – acreditando que o filho estava morto – e

se jogou no mar, que acabou ganhando seu nome.

Page 6: Cretenses

ARTE CRETENSE

Como a civilização foi uma das “bases” para a cultura grega, existem

semelhanças entre a arte dos dois povos, mesmo em épocas de desenvolvimento

distintas. Segue abaixo algumas obras famosas dos cretenses:

Afresco “As Damas de Azul”.

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Vaso retratando um polvo, animal

encontrado em diversas cerâmicas.

Máscara cretense feita em ouro.

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Afresco das “Mulheres Pugilistas” em Akrotiri.

Quem já conheceu Creta sabe – e sempre comenta – que a ilha guarda

diversas obras de arte de seu passado. Pesquisando para colocar as imagens aqui no

texto eu pude constatar que além das obras de arte a ilha tem suas belezas naturais,

além da sua importância histórica. O certo é que Creta é passagem obrigatória para

todos que querem conhecer um pouco mais sobre a civilização grega.

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SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO CRETENSE

Creta esteve habitada desde o Neolítico. No começo da Idade do Bronze, os

cretenses criaram no 3° milénio a.C. uma grande civilização insular (cultura minóica).

Aquela civilização construiu palácios em Cnossos, em Festos, em Maliá e em Santa

Trindade – palácios cujas ruínas ainda são vistas.

A partir da primeira metade do 2º milénio a.C. Creta chegou a ser o centro

cultural e comercial (graças ao domínio que lhe dava a sua frota e às riquezas

acumuladas pelo comércio de produtos como o vinho, o azeite, as cerâmicas, os

tecidos e a joalharia impôs-se no Mar Mediterrâneo quer nos territórios vizinhos quer

em locais mais afastados, como a Sicília) nas regiões da Idade do Bronze no

Mediterrâneo Oriental (cultura do Egeu). O seu predomínio terminou c. 1400 a.C.,

quando a ilha foi ocupada militarmente pelos aqueus.

No século IV a.C. as cidades da ilha guerrearam entre si. No ano 67 a.C.,

depois de entrarem em conflito com os romanos, estes conquistam a ilha comandados

por Quinto Cecílio Metelo. Quando o Império Romano se dividiu em 395, Creta

assumiu um papel importantíssimo pelo lugar central que ocupava e por estar incluída

no Império Romano do Oriente, tendo sido um importante posto bizantino.

Entre 823–961 a ilha foi ocupada pelos árabes, tendo sido conquistada por

Veneza no decurso da Quarta Cruzada. Estes teriam que defender a ilha das

investidas dos turcos otomanos durante o século XV. Instalam-se na ilha em 1645 e

acabam por conquistá-la totalmente em 1715, introduzindo o islamismo.

Tornou-se um estado autónomo em 20 de março de 1898 e independente em

6 de outubro de 1908. A 30 de maio de 1913 ficou a pertencer definitivamente à

Grécia.

Árvore genealógica das tribos dos helenos e seus ancestrais, baseada em

Pseudo-Apolodoro:

Page 10: Cretenses

OS JOGOS OLÍMPICOS

O que hoje é um espetáculo esportivo com transmissão completa do evento

pelos principais canais de comunicação do mundo, e ocorre de 4 em 4 anos em uma

cidade de um país diferente a cada edição, com atletas do mundo inteiro, um dia foi

apenas um evento esportivo e religioso dos gregos antigos.

Como começaram os Jogos Olímpicos?

CITIUS, ALTIUS, FORTIUS.

Com este acordo firmado entre os monarcas, vários atletas do chamado

“mundo grego” – Grécia continental e suas colônias espalhadas pelo Mediterrâneo –

passaram a participar do torneio, que também exigia uma “Trégua Sagrada” caso

uma ou mais cidades-estado estivesse em guerra. A “Trégua Sagrada” era o período

em que era proibido travar qualquer batalha contra qualquer inimigo, e as guerras já

em curso deveriam parar enquanto os jogos estivessem acontecendo. Este medida

visava a segurança dos atletas e dos espectadores nas estradas que levavam aos

jogos.

Inicialmente os atletas disputavam as seguintes modalidades – que não

começaram todas exatamente em 776. Algumas passaram a ser disputadas depois,

mas de um modo geral podemos considerar estas como as primeiras: a corrida

equestre, a corrida pedestre, três tipos de lutas diferentes – luta, pugilato e

pancrácio – e o pentatlo, que consistia no lançamento de disco, lançamento de dardo,

salto em comprimento, corrida no estádio e luta.

Segundo a lenda grega, os jogos foram criados por

Hércules, que teria plantado a oliveira de onde saíam

as folhas para confecção das coroas dadas aos

vencedores. Como os gregos já faziam festas e

celebrações em homenagem a Zeus desde antes de

2500 a.C., os historiadores acreditam que esta é a

época aproximada em que começaram os jogos, que

também aconteciam em honra a Zeus. Mas apenas a

partir do ano 776 a.C. é que o nome dos vencedores

começou a ser registrado. Assim, considera-se que

este é o ano do primeiro torneio olímpico “oficial” da Grécia Antiga. Inclusive o nome

do torneio deve-se ao acordo feito entre Ifitos, rei de Ilia, Licurgo, rei de Esparta e

Clístenes, rei da Pissa. Este acordo foi selado no templo de Hera, no santuário de

Olímpia, por isso o nome Olimpíada.

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Obra de arte grega retratando o pancrácio, uma das lutas disputadas nos jogos antigos.

As mulheres, os escravos e os “estrangeiros” – chamados de bárbaros pelos

gregos – não podiam participar dos jogos, que eram exclusividade dos considerados

cidadãos gregos e eram disputados com os participantes completamente nus,

peladões mesmo. As únicas mulheres que podiam assistir aos jogos eram as

sacerdotisas de Dêmetra – a deusa da fertilidade da terra. As outras mulheres

disputavam a Heraea, em homenagem à Hera, mulher de Zeus, em uma data

diferente dos jogos olímpicos.

É interessante citar que durante os jogos antigos não aconteciam apenas as

competições atléticas e as celebrações religiosas, mas os espectadores e atletas eram

convidados a participar de palestras de filósofos e historiadores. Por motivações

políticas, principalmente as geradas pela Guerra do Peloponeso, os jogos antigos

tiveram seu declínio por volta do século V a.C. Eles aconteceriam até o ano de 393,

mas sem a mesma força dos dois séculos iniciais, quando então o imperador romano

Teodósio proibiu os jogos, pois os considerou uma manifestação pagã.

Page 12: Cretenses

OS JOGOS OLÍMPICOS DA ERA MODERNA.

para muitas pessoas movimentando centenas de milhões de dólares a cada edição, e

com audiência mundial estipulada em 2,5 bilhão de pessoas.

Hoje em dia o esporte é um negócio muito rentável. Já vai o tempo em que os

ideais do Colbertin, de união dos povos e paz entre as nações é levado

exclusivamente em conta durante os jogos. O importante é competir… desde que você

ganhe. Ainda existe o tal do “espírito olímpico” em muitos atletas, mas ele está cada

dia mais apagado.

Usain Bolt: nascido para correr, moldado pelo treinador para humilhar os adversários.

Idealizados pelo barão Pierre de Coubertin,

os Jogos da Era Moderna aconteceram pela primeira

vez em Atenas, no ano de 1896 e, assim como na

Grécia Antiga, tem ocorrido de 4 em 4 anos, só

parando nos períodos da 1ª e 2ª Guerras. Ou seja:

antigamente, existia a trégua na guerra para a prática

do esporte, hoje o esporte é que dá uma trégua pois

uma guerra está em andamento.

Tempos modernos…

Mas voltando ao assunto do texto, como eu

disse no início, os jogos hoje são uma grande

celebração do esporte, e uma grande fonte de renda

Page 13: Cretenses

MITOLOGIA GREGA

È o estudo dos conjuntos de narrativas relacionadas aos mitos dos gregos

antigos, de seus significados e da relação entre eles e os povos — consideradas, com

o advento do cristianismo, como meras ficções alegóricas. Para muitos estudiosos

modernos, contudo, entender os mitos gregos é o mesmo que lançar luz sobre a

compreensão da sociedade grega antiga e seu comportamento, bem como suas

práticas ritualísticas. O mito grego explica as origens do mundo e os pormenores das

vidas e aventuras de uma ampla variedade de deuses, deusas, heróis, heroínas e

outras criaturas mitológicas.

Ao longo dos tempos, esses mitos foram expressos através de uma extensa

coleção de narrativas que constituem a literatura grega e também na representação de

outras artes, como a pintura da Grécia Antiga e a pintura vermelha em cerâmica

grega.[3][4] Inicialmente divulgados em tradição oral-poética,[5] hoje esses mitos são

tratados apenas como parte da literatura grega.[6] Essa literatura abrange as mais

conhecidas fontes literárias da Grécia Antiga: os poemas épicos Ilíada e Odisseia

(ambos atribuídos a Homero e que focam sobre os acontecimentos em torno da

Guerra de Troia, destacando a influência de deuses e de outros seres), e também a

Teogonia e Os Trabalhos e os Dias, ambos produzidos por Hesíodo.[7] Os mitos

também estão preservados nos Hinos homéricos, em fragmentos de poemas do Ciclo

Épico, na poesia lírica, no âmbito dos trabalhos das tragédias do século V a.C., nos

escritos de poetas e eruditos do Período Helenístico e em outros documentos de

poetas do Império Romano, como Plutarco e Pausânias.[7] A principal fonte para a

pesquisa de detalhes sobre a mitologia grega são as evidências arqueológicas que

descobrem e descobriram decorações e outros artefatos, como desenhos geométricos

em cerâmica, datados do século VIII a.C., que retratam cenas do ciclo troiano e das

aventuras de Hércules.[7] Sucedendo os períodos Arcaico, Clássico e Helenístico,

Homero e várias outras personalidades aparecem para completar as provas dessas

existências literárias.[7]

A mitologia grega tem exercido uma grande influência na cultura, nas artes e

na literatura da civilização ocidental e permanece como parte da herança e da

linguagem do Ocidente.[8] Poetas e artistas desde os tempos antigos até o presente

têm se inspirado na mitologia grega e descoberto que os temas mitológicos lhes legam

significado e relevância em seu contemporâneo.[9] Seu patrimônio também influi na

ciência, como no caso dos nomes dados aos planetas do Sistema Solar e em estudos

teóricos, acadêmicos, psicanalíticos, antropológicos e muitos outros,[10][11][12][13] além de

nos dias de hoje tradições neopagãs como a Wicca serem influenciadas por ela e

Page 14: Cretenses

outras como o dianismo, a Stregheria e principalmente o dodecateísmo (ou

neopaganismo helênico) tenham tentado resgatar suas crenças.

TERMO E COMPREENSÃO

Num contexto acadêmico, a palavra "mito" significa basicamente qualquer

narrativa sacra e tradicional, seja verdadeira ou falsa. O sufixo "-logia", derivado do

radical grego "logo", representa um campo de estudo sobre um assunto em particular.

Com a junção de ambos os termos, "mitologia grega" seria, basicamente, o estudo dos

mitos gregos, ou seja, os que fazem parte da cultura da Grécia. Sendo assim, o termo

não só alude ao estudo dos mitos como também aos próprios mitos. Como escreve o

professor e escritor português Carlos Ceia, "termo de dupla significação, indica, por

um lado, o conjunto dos mitos ou narrativas míticas relativas a seres sobrenaturais,

fantásticos ou de valor super humano e, por outro lado, o estudo ou interpretação dos

mitos."

É um termo crítico moderno e, portanto, os próprios gregos e romanos antigos

não se referiam a suas crenças como "mitos" ou "mitologia", mas como religião (ver

capítulo Interpretação), o que ainda hoje em dia ocorre com os neopaganistas

helênicos, embora estes vivam um acontecimento moderno diferente de resgate e

preservação e mesmo certos grupos de adeptos entendam o papel dos mitos como

arquétipos ou símbolos (ver seção Neopaganismo e resgate).

Para mais informações sobre o histórico de interpretação dos mitos gregos,

dirija-se até as sub-seções: Concepções greco-romanas e Interpretações modernas. É

importante ressaltar que, nesse artigo, as palavras "mitologia" e "mito" são usadas

para as narrativas tradicionais e sagradas das culturas clássicas, sem qualquer

implicação de que esta ou aquela seja verdadeira ou falsa.

MITO E RELIGIÃO

As dafnefórias (1876), oléo sobre tela de Frederic Leighton: a dafnefória era

um festival dedicado a Apolo celebrado pelos gregos a cada nove anos, em Tebas,

Beócia.

A mitologia grega era assunto principal nas aprendizagens das crianças da

Grécia Antiga, como meio de orientá-las no entendimento de fenômenos naturais e em

outros acontecimentos que ocorriam sem o intermédio dos homens. Os gregos antigos

atribuíam a cada fenômeno natural uma criatura ou um deus diferente. Certos

estudiosos modernos dizem que, quando passaram a inventar meios de calcular o

tempo e quando criaram mecanismos de datação como o calendário, seus mitos

Page 15: Cretenses

declinaram (ver seção Declínio logo abaixo). Os poetas atribuíam esses estados

térmicos, como também as relações e as características humanas, aos deuses e a

outras histórias lendárias, e elas serviram durante um bom tempo como cultos

ritualísticos na sociedade da Grécia antiga.

Além das crianças serem educadas através dos mitos, as famílias

aristocráticas da Grécia, assim como os reis, e também profissionais, como os

médicos, possuíam a tradição de se ligarem genealogicamente a antepassados

míticos, geralmente divinos, ou até mesmo heróicos. Os comerciantes também

cultuavam deuses, como Hermes, sempre em tentativa de deixá-lo satisfeito e assim

conseguir bons resultados em suas vendas.[22] Além de serem habituados aos

sacrifícios de animais e às orações, os gregos antigos adotavam um deus particular ou

um grupo deles para sua cidade, e os cidadãos construíam templos e o(s)

venerava(m). Essas cidades não possuíam qualquer organização religiosa oficial, mas

honravam os deuses em lugares determinados, como Apolo exclusivamente em

Delfos.

Muitos festivais religiosos eram realizados na Grécia antiga. Alguns eram

especificadamente dedicados a uma deidade particular ou cidade-estado. A

Lupercalia, por exemplo, era comemorada na Arcádia e dedicada à pastoral Pã.

Existiam também os jogos que eram realizados anualmente em locais diferentes, e

que culminaram nos Jogos Olímpicos da Antiguidade, realizados a quatro anos e

dedicados a Zeus. Os gregos, frequentemente, encontravam desígnios dos deuses em

muitas características da natureza. Os adivinhos, por exemplo, acreditavam haver

mensagens divinas contidas no vôo das aves e nos sonhos. Nas cidades, os oráculos

— locais sagrados — eram usados por um sacerdote que, tomado por êxtase ou

loucura divina, servia de intermédio entre o diálogo de um fiel e seu deus de adoração.

Nas primeiras eras em que a recente filosofia vivia ao lado da tradicional

mitologia, para o povo grego a sabedoria plena e completa pertencia aos deuses, mas

os homens poderiam desejá-la e amá-la, tornando-se filósofos (philo= amizade, amor

fraterno, respeito; sophia= sabedoria).

Mulher ajoelhada diante de um altar. Pintura vermelha em cerâmica, ca. 510-500 a.C. Antigo Museu Ágora de Atenas

Page 16: Cretenses

MITO E RELIGIÃO

Cena de sacrifício grego em pintura vermelha em cerâmica do século V a.C..

Museu Arqueológico de Espanha.

É preciso haver um esclarecimento acerca da diferença entre mito e religião.

Hoje, todas as mitologias de todos os povos são entendidas como um conjunto de

crenças enraizadas em relatos modernamente tidos como fictícios e imaginados pelos

poetas, enquanto a religião propõe-se a criar rituais ou práticas com a finalidade de

estabelecer vínculos com a espiritualidade. "Mitologia" é um termo indiscutivelmente

técnico e moderno e nunca utilizado pelos próprios gregos ou romanos. Seus cultos

compreendiam uma religião politeísta da qual os especialistas de hoje agrupam no que

se chama "mitologia grega", analisando as narrativas poéticas como legados da

literatura antiga, ao passo que os próprios gregos, sobretudo antes da fama da

filosofia, acreditavam serem reais. Pode-se dizer que "mito" é todo o conjunto que nós

compreendemos hoje o que em suas épocas os gregos chamavam "religião".

Para ficar mais claro, podemos dizer que os textos sacros dos gregos são o

que chamamos agora de mitologia ou literatura da Grécia antiga. A Teogonia e Os

Trabalhos e os Dias de Hesíodo, a Ilíada e a Odisseia de Homero e as Odes de

Píndaro estão entre as obras que os gregos consideravam sacros. Estes são os

principais textos que foram considerados inspirados pelos deuses e geralmente

incluem no prólogo uma invocação às Musas para que elas auxiliem o trabalho do

poeta.

Os gregos faziam cultos os deuses do Olimpo, realizados em templos comuns

ou em altares e, também, culto aos heróis históricos, realizados em suas respectivas

tumbas. Dedicados a um deus ou a um herói, os templos, decorados com esculturas

(de deuses ou heróis) em relevo entre o teto e o topo das colunas, eram constituídos

de pedras nobres como o mármore, usadas no alto da acrópole. Os antigos teatros

Concepção de um templo grego, onde se

reverenciavam os deuses: muitas dessas obras

arquitetônicas da Grécia ainda estão preservadas

no território do país.

Page 17: Cretenses

gregos, também, eram construídos para determinada figura mitológica, deuses ou

heróis, como o teatro de Dioniso no Santuário de Apolo em Delfos.

Além da religião ter sido praticada através de festivais, nela se acreditava que

os deuses interferiam diretamente nos assuntos humanos e que era necessário

acalmá-los por meio de sacrifícios.[24] Estes rituais de sacrifício desempenharam um

papel importante na formação da relação entre o homem e o divino. Um dos conceitos

mais importantes quanto à moral para os gregos era o medo de cometer húbris

(arrogância), o que constitui muitas coisas, do estupro à profanação de um cadáver.

Classificação

A gama de personagens, seres e ambientes que formam a mitologia grega

podem ser separados em três partes, sendo a última um apêndice para a literatura

mitológica, de onde conseguimos grande parte das informações sobre os mitos:

1. Raças, divindades, criaturas; personagens em geral, que abrange os ventos,

centauros, ctónicos, ciclopes, dragões, erínias, gigantes, górgonas,

hecatônquiros, harpia, musas, moiras, mortais, ninfas, deuses olímpicos,

deuses primordiais, sátiros e titãs.

1 a. Aqui também são incluídos os heróis Héracles, Aquiles, Odisseu,

Jasão, Argonautas, Perseu, Édipo, Teseu e Triptolemos.

2. Lugares, que abrange os ambientes em que essas figuras, na imaginação

dos gregos, viveram suas aventuras, que são Delfos, Delos, Olímpia, Hades

(reino), Atlântida, Olimpo, Troia, e Temiscira.

3. Literatura mitológica clássica, inclui o estudo da literatura antiga grega, que

contou com nomes como Homero, que incluía em sua narrativa a crença de

deuses.

FONTES

A mitologia grega é conhecida nos dias de hoje através da literatura grega e

de expressões artísticas visuais como a cerâmica grega que datam do Período

Geométrico em diante. O objetivo deste capítulo é entender como nós,

contemporâneos, tivemos a oportunidade de arrecadar hoje em dia informações tão

antigas quanto são os mitos gregos.

Page 18: Cretenses

FONTES LITERÁRIAS

A narração mítica desempenhou um papel importante em quase todos os

gêneros da literatura grega. No entanto, o único manual mitográfico que sobreviveu da

Grécia Antiga foi a famosa Biblioteca Mitológica, do escritor denominado Pseudo-

Apolodoro, que tenta conciliar os contos contraditórios dos poetas e fornece um

resumo da mitologia grega e suas lendas históricas. O verdadeiro Apolodoro viveu

entre c. 180-120 a.C., escreveu sobre muitos destes temas e seus escritos podem ter

formado a base para a coleção dessa obra, porém a Biblioteca aborda eventos que

ocorreram muito tempo após sua morte, daí o nome Pseudo-Apolodoro.

Entre as fontes literárias da primeira era, destacam-se os dois poemas épicos

de Homero–Ilíada e Odisseia. Completando esse ciclo épico, temos escritas de poetas

cujos documentos foram perdidos ao longo do tempo. Apesar da sua denominação

tradicional, os Hinos homéricos, hinos em coral da primeira fase da então-denominada

poesia lírica, não possuem relação alguma com Homero. Hesíodo, possível

contemporâneo de Homero, produziu Teogonia, o documento mais recente sobre

mitos gregos, que elabora uma genealogia dos deuses e explica a origem dos Titãs e

dos Gigantes. Os Trabalhos e os Dias, também de Hesíodo, é um poema didático

sobre a vida da agricultura que apresenta os mitos de Pandora e da Era dos Homens.

O poeta dá conselhos sobre a melhor maneira de ter sucesso em um mundo perigoso

tornado ainda mais arriscado por esses deuses. Os Trabalhos e os Dias também

apresenta o mito de Prometeu, que, mais tarde, constituiu na base de uma trilogia de

tragédias, possivelmente iniciada por Ésquilo, que são: Prometeu Acorrentado,

Prometeu Desacorrentado e Prometeu, o Condutor do Fogo.

Os poetas líricos direcionaram por vezes seus temas aos mitos, todavia esse

tratamento ficou cada vez menor, enquanto que sua alusões à narrativa cresceu. Os

poetas líricos gregos, como Píndaro e Simónides de Ceos, e os poetas bucólicos,

incluindo Teócrito, forneceram incidentes mitológicos individuais. Além disso, o mito foi

tema central no drama Ateniense: os dramaturgos trágicos Eurípides, Sófocles e

Ésquilo produziram seus enredos envolvendo a Era dos Heróis e a Guerra de Troia.

Muitas das grandes históricas trágicas (ou seja, Agamemnon e seus filhos, Édipo,

Jasão e Medeia, etc.) trouxeram em sua forma clássica estas peças trágicas.

Os historiadores Heródoto e Diodoro Sículo, e os geógrafos Pausânias e

Estrabão, que viajaram ao redor do mundo grego e anotaram as histórias que ouviram,

forneceram numerosos mitos locais, apresentando diversas vezes versões alternativas

pouco conhecidas dos mitos. Heródoto, especialmente, procurou as várias tradições

Page 19: Cretenses

apresentando e encontrando as raízes históricas ou mitológicas no conflito entre a

Grécia e o Oriente. Heródoto procurou conciliar as origens e a mistura de diferentes

conceitos culturais.

A poesia das eras Helenística e Romana, que embora tenha sido composta

mais como literatura do que um exercício de culto aos mitos, contém muitos detalhes

importantes que de outra forma seriam perdidos. Essa categoria inclui:

1. Os poetas romanos Ovídio, Sêneca e Virgílio.

2. Os poetas gregos da Antiguidade tardia: Antonino Liberal e Quinto

de Esmirna.

3. Os poetas gregos do Período Helenístico: Apolónio de Rodes,

Calímaco, Eratóstenes e Partênio.

4. Antigos romances de gregos e romanos, como Apuleio, Petrônio e

Heliodoro.

Em contrapartida com o gênero lírico, a Fabulae e a Astronomica do escritor

romano Higino são duas composições não-poéticas importantes sobre o mito. As

obras Imagens e Descrições, de Filóstrato e Calístrato (respectivamente), são dois

trabalhos literários úteis para o estudo dos mitos gregos.

Finalmente, o apologético cristão Arnóbio, citando práticas religiosas para

desacreditá-las, e vários outros escritores bizantinos proporcionam detalhes

importantes dos mitos, alguns deles procedentes de obras gregas perdidas durante os

anos. Entre estes, inclui-se os léxicos de Hesíquio, a Suda, e os tratados de João

Tzetzes e de Eustácio de Salônica. O ponto de vista moralizador cristão a respeito dos

mitos gregos se resume no dito ἐν παντὶ μύθῳ καὶ τὸ Δαιδάλου μύσος (en panti muthōi

kai to Daidalou musos, "em todo mito está a profanação de Dédalo"), sobre o que

disse a Suda que alude o papel de Dédalo ao satisfazer a "luxúria antinatural" de

Pasífae pelo trono de Posídon: "Desde que a origem e a culpa desses males se

atribuíram a Dédalo e foi odiado por eles, se converteu no objeto do provérbio."

Page 20: Cretenses

FONTES ARQUEOLÓGICAS

Aquiles mata um prisioneiro de Troia diante de Caronte, numa pintura-

vermelha etrusca, realizada no fim do século IV e início do século III a.C..

A descoberta da civilização micênica pelo arqueólogo amador alemão

Heinrich Schliemann no século XIX, e a descoberta da civilização minóica em Creta

pelo arqueólogo britânico Sir Arthur Evans no século XX, ajudaram a esclarecer muitas

dúvidas a respeito dos épicos de Homero e outras questões da mitologia, como as

crenças em deuses e em heróis. A evidência sobre os mitos e os rituais nos sítios

arqueológicos das civilizações micênica e minóica é inteiramente monumental, uma

vez que a linear B (método de escrita antigo, encontrado em Creta e na Grécia

continental) era usada principalmente para o registro de inventários, embora os nomes

de deuses e de heróis tenham sido dificilmente revelados. Schliemann começou seu

trabalho em 1870, com o intuito de averiguar se as histórias que ouvia de seu pai

quando criança, a respeito dos épicos homéricos, eram verdadeiras; numa

madrugada, juntamente com sua esposa, conseguiu encontrar dois diademas de ouro,

4.066 plaquetas, 16 estatuetas, 24 colares de ouro, anéis, agulhas, pérolas (total de

8.700 artefatos) e pesquisas posteriores deixaram certezas que a mítica cidade de

Troia existiu no local há milênios.

Existem desenhos geométricos em cerâmica datados do século VIII a.C. que

retratam o Ciclo de Troia, como também as aventuras de Hércules. Por dois motivos,

essas representações visuais dos mitos possuem enorme importância: em primeiro

lugar, muitos mitos gregos foram comprovados em desenhos de vaso antes do que na

literatura escrita–das doze elaborações sobre Hércules, por exemplo, somente a

aventura de Cérbero é apresentada pela primeira vez em um texto literário–e, em

segundo lugar, as fontes visuais muitas vezes fornecem cenas míticas que não são

apresentadas em quaisquer fontes literárias existentes. Em alguns casos, a primeira

representação conhecida de um mito na arte geométrica antecede, em questão de

muitos anos e séculos, a sua primeira aparição conhecida na poesia arcaica. Nos

períodos Arcaico (750–c. 500 a.C), Clássico ( 480–323 a.C), e Helenístico, Homero e

várias outras personalidades surgem para completar as evidências literárias da

existência da mitologia grega.

Page 21: Cretenses

HISTÓRIA

Descrição topográfica da Península Balcânica.

A origem dos mitos da Grécia não deriva puramente da civilização grega, mas

de uma mistura entre a cultura dos indo-europeus, pré-gregos, e até mesmo dos

asiáticos, egípcios e outros povos com as quais os gregos estabeleceram contato

Um dos fatores de evolução da mitologia grega foi a grande transformação

que ela experimentou através dos tempos, e tal transformação serviu para enriquecer

sua própria cultura. Os primeiros habitantes da Península Balcânica, em grande parte

agricultores, atribuíam a cada aspecto da natureza um espírito. Finalmente, estes

espíritos vagos assumiram a forma humana e entraram na mitologia local como

deuses e deusas.[43] Quando as tribos do norte invadiram a Península Balcânica,

trouxeram consigo um novo panteão de deuses e crenças, voltadas à conquista, à

força e à valentia, à batalha e ao heroísmo violento. Outras divindades mais antigas

que povoavam a mente dos habitantes agrícolas se fundiram com aquelas dos

invasores mais poderosos, ou então desvaneceram-se na insignificância.

A mais alta montanha da Grécia, o Monte

Olimpo, em foto de 2005, onde os gregos

antigos acreditavam ser a morada dos Doze

Deuses.

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A mais alta montanha da Grécia, o Monte Olimpo, em foto de 2005, onde os

gregos antigos acreditavam ser a morada dos Doze Deuses.

Após a metade do período arcaico, que possuía mitos sobre as relações entre

homens e deuses masculinos, os heróis tornaram-se cada vez mais aclamados,

indicando o desenvolvimento paralelo da pederastia pedagógica, que pensa-se ter

sido introduzido por volta de 630 a.C. Nos finais do século V a.C, os poetas haviam

atribuído pelo menos um eromenos a todos os deuses importantes, exceto Ares e

outras figuras lendárias. Outros mitos anteriormente existentes, como o de Aquiles e o

de Pátroclo, foram reinterpretadas como mitologia homossexual.

O sentido da poesia épica foi criar ciclos históricos, e resultar num

desenvolvimento de um senso da cronologia mitológica; assim, a mitologia grega

desdobra-se como uma etapa no desenvolvimento do mundo e do homem. As auto-

contradições nas histórias fazem com que seja impossível montar um cronograma

absoluto a respeito da Mitologia grega, mas podemos elaborar uma cronologia

concordável. A história mitológica do mundo pode ser dividida em 3 ou 4 grandes

períodos:

1. Mito da origem ou da era dos deuses: é a teogonia, o nascimento

dos deuses, os mitos sobre a origem do planeta, dos deuses e da raça

humana.

2. Era em que os homens e os deuses se mesclam livremente:

histórias das primeiras interações entre deuses, semi-deuses e mortais juntos.

3. Era dos heróis (era heróica), onde a atividade divina ficou mais

limitada. As últimas e maiores lendas heróicas são da Guerra de Troia e suas

consequências (consideradas por alguns investigadores como um quarto

período separado).

Embora a Era dos deuses tem sido frequentemente alvo de interesse pelos

alunos contemporâneos da mitologia grega, os autores arcaicos e clássicos possuíam

uma clara preferência pela Era dos heróis. As heróicas Ilíada e Odisseia, por exemplo,

estavam e ainda se encontram atualmente sobre maior destaque que a Teogonia e

que os hinos homéricos – e prevaleceram em popularidade e continuidade. Sob a

influência de Homero, o culto heróico conduziu uma reestruturação na vida espiritual,

expresso na separação entre o reino dos deuses do reino dos mortos (heróis), e dos

deuses olímpicos dos ctónicos. No O Trabalho e Os Dias, Hesíodo monta um

esquema de quatro Era dos homens (ou Raças): de Ouro, de Prata, de Bronze e de

Ferro. Estas raças ou eras são criações separadas dos mitos dos deuses,

correspondendo à Era Dourada ao reino de Cronos e sendo as seguintes raças

criações de Zeus. Hesíodo intercalou a Era (ou Raça) dos heróis pouco depois da

Page 23: Cretenses

Idade do Bronze. A ultima idade foi a Idade do Ferro. Em Metamorfoses, Ovídio segue

o conceito de Hesíodo e apresenta essas quatro idades.

Era dos deuses

Cosmogonia e cosmologia

Ver artigo principal: Deuses primordiais e Genealogia dos deuses gregos

“ Ἤτοι μὲν

πρώτιστα Χάος

γένετ'· αὐτὰρ

ἔπειτα Γαῖ'

εὐρύστερος,

πάντων ἕδος

ἀσφαλὲς αἰεὶ.

Pois bem, no

princípio nasceu

Caos; depois,

Gaia de amplo

seio, a eterna

base de tudo

—Hesíodo, Teogonia,

116-7.[51]

."Mitos de origem" ou "mitos de criação", na mitologia grega, são termos

alusivos à intenção de fazer com que o universo torne-se compreensível e com que a

origem do mundo seja explicada. Além de ser o mais famoso, o relato mais coerente e

mais bem estruturado sobre o começo das coisas, a Teogonia de Hesíodo também é

visto como didático, onde tudo se inicia com o Caos: o vazio primitivo e escuro que

precede toda a existência. Dele, surge Gaia (a Terra), e outros seres divinos

primordiais: Eros (atração amorosa), Tártaro (escuridão primeva) e Érebo. Sem

intermédio masculino, Gaia deu à luz Urano, que então a fertilizou. Dessa união entre

Gaia e Urano, nasceram primeiramente os Titãs: seis homens e seis mulheres

(Oceano, Céos, Créos, Hiperião, Jápeto, Teia e Reia, Têmis, Mnemosine, Febe, Tétis

O Amor Conquista Tudo, representação do

deus Eros, pelo pintor do barroco Caravaggio

Page 24: Cretenses

e Cronos); e logo os Ciclopes de um só olho e os Hecatônquiros (ou Centimanos).

Contudo, Urano, embora tenha gerado estas divindades poderosas, não as permitiu de

sair do interior de Gaia e elas permaneceram obedientes ao pai. Somente Cronos, "o

mais jovem, de pensamentos tortuosos e o mais terrível dos filhos", castrou o seu pai–

com uma foice produzida das entranhas da mãe Gaia–e lançou seus genitais no mar,

libertando, assim, todos os irmãos presos no interior da mãe. A situação final foi que

Urano não procriou novamente, mas o esperma que caiu de seus genitais cortados

produziu a deusa Afrodite, saída de uma espuma da água, ao mesmo tempo que o

sangue de sua ferida gerou as Ninfas Melíades, as Erínias e os Gigantes, quando

atingiu a terra. Sem a interferência do pai, Cronos tornou-se o rei dos titãs com sua

irmã e esposa Reia como cônjuge e os outros Titãs como sua corte.

O pensamento antigo grego considerava a teogonia–que engloba a

cosmogonia e a cosmologia, temas desssa subseção–como o protótipo do gênero

poético e lhe atribuía poderes quase mágicos. Por exemplo: Orfeu, o poeta e músico

da mitologia grega, proclamava e cantava as teogonias com o intuito de acalmar

ondas e tormentas–como consta no poema épico Os Argonautas, de Apolónio de

Rodes–e também para acalmar os corações frios dos deuses do mundo inferior,

quando descia à Hades. A importância da teogonia encontra-se também no Hino

Homérico à Hermes, quando Hermes inventa a lira e a primeira coisa que faz com o

instrumento em mãos é cantar o nascimento dos deuses.

Cronos Mutilando Urano, por Giorgio Vasari e Gherardi Christofano (século

XVI). Palazzo Vecchio, Florença.

Contudo, a Teogonia não é somente o único e mais completo tratado da

mitologia grega que se conservou até nossos dias, mas também o relato mais

completo no que diz respeito a função arcaica dos poetas, com sua larga invocação

preliminar das Musas. Foi também tema de muitos poemas perdidos, incluindo os

atribuídos à Orfeu, Museu, Epimênides, Ábaris e outros profetas legendários, cujos

versos costumavam ser usados em rituais privados de purificação e em religião de

mistérios. Inclusive, há indícios de que Platão se familirizou com alguma versão da

teogonia órfica. Poucos fragmentos dessas obras sobreviveram em citações de

filósofos neoplatonistas e em fragmentos recentemente desenterrados, escritos em

papiro. Um desses documentos, o papiro de Derveni, demonstra atualmente que pelo

menos no século V a. C. existiu um poema teogônico-cosmogônico de Orfeu. Este

poema tentou superar a Teogonia de Hesíodo e a genealogia dos deuses se ampliou

com o surgimento de Nix (a Noite), marcando um começo definitivo que havia surgido

antes dos seres Urano, Cronos e Zeus.

Page 25: Cretenses

Deuses gregos

Ver artigo principal: Deuses olímpicos e Monte Olimpo

“ ἐμοὶ δὲ

θαυμάσαι θεῶν

τελεσάντων οὐδέν

ποτε φαίνεται ἔμμεν

ἄπιστον.

Para mim, quando os

deuses realizam

maravilhas, nada

parece inacreditável. ”

—Píndaro, Pi, P. 10.48-

50.[59]

Os Doze Deuses Gregos (Zeus no trono), por Nicolas-André Monsiau (1754-

1837), finais do século XVIII.

Quando Cronos tomou o lugar de Urano, tornou-se tão perverso quanto o pai.

Com sua irmã Reia, procriou os primeiros deuses olímpicos (Héstia, Deméter, Hera,

Hades, Posêidon e Zeus), mas logo os devorou enquanto nasciam, pelo medo de que

um deles o destronasse. Mas Zeus, o filho mais novo, com a ajuda da mãe, conseguiu

escapar do destino. A mãe, pegou uma pedra, enrolou-a em um tecido e deu a

Cronos, que comeu-a, pensando que fosse Zeus. O filho travou uma guerra contra seu

progenitor, cujo vencedor ganharia o trono dos deuses. Ao final, com a força dos

Cíclopes–a quem libertou do Tártaro–Zeus venceu e condenou Cronos e os outros

Titãs na prisão do Tártaro, depois de obrigar o pai a vomitar seus irmãos. Para a

Page 26: Cretenses

mitologia clássica, depois dessa destituição dos Titãs, um novo panteão de deuses e

deusas surgiu. Entre os principais deuses gregos estavam os olímpicos- cuja limitação

de seu número para doze parece ter sido uma ideia moderna, e não antiga - que

residiam no Olimpo abaixo dos olhos de Zeus. Nesta fase, os olímpicos não eram os

únicos deuses que os gregos adoravam: existiam uma variedade de divindades

rupestres, como o deus-bode Pã, o deus da natureza e florestas, as ninfas— Náiades

(que moravam nas nascentes), Dríades (espíritos das árvores) e as Nereidas (que

habitavam o mar) —, deuses de rios, Sátiros, meio homem, meio bode, e outras

divindades que residiam em florestas, bosques e mares. Além dessas criaturas,

existiam no imaginário grego seres como as Erínias (ou Fúrias) (que habitavam o

submundo), cuja função era perseguir os culpados de homicídio, má conduta familiar,

heresia ou perjúrio.

Para honrar o antigo panteão grego, compôs-se os famosos hinos homéricos

(conjunto de 33 canções). Alguns estudiosos, como Gregory Nagy, consideram que os

hinos homéricos são simples prelúdios, se comparado com a Teogonia, onde cada

hino invoca um deus. No entanto, os deuses gregos, embora poderosos e dignos de

homenagens como as presentes nestes hinos, eram essencialmente humanos

(praticavam violência, possuíam ciúme, coléra, ódio e inveja, tinham grandezas e

fraquezas humanas), embora fossem donos de corpos físicos ideais. De acordo com o

estudioso Walter Burkert, a definição para essa característica do antropomorfismo

grego é que "os deuses da Grécia são pessoas, e não abstrações, ideias ou

conceitos".[64] Independentemente de suas formas humanas, os deuses gregos tinham

muitas habilidades fantásticas, sendo as mais importantes: ter a condição de ser

imúne a doenças, feridas e ao tempo; ter a capacidade de se tornar invisível; viajar

longas distâncias instantaneamente e falar através de seres humanos sem estes

saberem. Os gregos consideravam a imortalidade — que era assegurada pela

alimentação constante de ambrosia e pela ingestão de néctar — como a característica

distintiva dos deuses.

Cada deus descende de uma genealogia própria, prossegue interesses

próprios, tem uma certa área de especialização, e é regido por uma personalidade

singular; no entanto, essas descrições surgem a partir de uma infinidade de locais

arcaicos variantes, que não coincidem sempre com elas. Quando esses deuses eram

aludidos na poesia, na oração ou em cultos, essas práticas eram realizadas mediante

uma combinação de seus nomes e epítetos, que os identificavam por essas distinções

do resto de suas próprias manifestações (e.x. Apolo Musageta era "Apolo, [como]

chefe das Musas").

Page 27: Cretenses

A maioria dos deuses foram associados a aspectos específicos de suas

vidas: Afrodite, por exemplo, era deusa do amor e da beleza, Ares era deus da guerra,

Hades o deus da morte e do inferno, e Atena a deusa da sabedoria, guerra e da

coragem.[66] Certos deuses, como Apolo (deus do sol) e Dioníso (deus da festa e do

vinho), apresentam personalidades complexas e mais de uma função, enquanto

outros, como Héstia e Hélios, revelam pequenas personificações. Os templos gregos

mais impressionantes tendiam a estar dedicados a um número limitado de deuses,

que foram o centro de grandes cultos panhelênicos.[66] De maneira interessante,

muitas regiões dedicavam seus cultos a deuses menos conhecidos e muitas cidades

também honravam os deuses mais conhecidos com ritos locais característicos e lhes

associavam mitos desconhecidos em outros lugares.[66] Durante a era heróica — que

veremos na próxima sub-seção — o culto dos heróis (ou semi-deuses) complementou

a dos deuses e ambas as criaturas se fundiram no imaginário da Grécia.

Era dos deuses e dos mortais

Ver artigo principal: Eras do homem

Unindo a idade em que os deuses viviam sós e a idade em que a interferência

divina nos assuntos humanos era limitada, havia uma era de transição em que os

deuses e os homens (mortais) se misturaram livremente. Estes foram os primeiros

dias do mundo, quando os grupos se misturavam com mais liberdade do que fizeram

depois. A maior parte das crenças dessas histórias foram reveladas posteriormente na

obra Metamorfoses de Ovídio, e frequentemente são divididas em dois grupos

temáticos: histórias de amor e histórias de castigo.[67] Ambas histórias tratam do

envolvimento dos deuses com os humanos, seja de uma forma ou de outra:

Os contos de amor muitas vezes envolvem incesto, sedução ou violação de

uma mulher mortal por parte de um deus, resultando em uma descendência

histórica. Essas histórias sugerem geralmente que as relações entre deuses e

mortais precisam ser evitadas, sendo que raramente esses envolvimentos possuem

finais felizes.[68] Em poucos casos, uma divindade feminina procura um homem

Afrodite e Anquises, por Annibale Carracci: o

relacionamento entre a deusa da beleza e um

homem mortal, demonstra como ficou frequente as

relações entre deuses e humanos no imaginário

grego.

Page 28: Cretenses

mortal e vive com ele, como no Hino Homérico à Afrodite, onde a deusa se

relaciona com o príncipe Anchises e acaba concebendo o chefe troiano Eneias

O Casamento de Peleu e Tétis, por Hans Rottenhammer.

Os contos de castigo envolvem a apropriação ou invenção de algum artefato

cultural importante, como quando Prometeu roubou o fogo dos deuses e quando ele

ou Licaão inventou o sacríficio, quando Tântalo roubou o néctar e a ambrósia da

mesa de Zeus e de seus súditos, revelando-lhes o segredo dos deuses, ou quando

Deméter ensinou agricultura e os Mistérios de Elêusis a Triptolemos, ou quando

Mársias inventou os aulos e, com ela, ingressou num concurso musical ao lado de

Apolo. As aventuras de Prometeu marcam um ponto entre a história dos deuses e a

dos homens Um fragmento de papiro anônimado, datado do século III a.C., retrata

vividamente o castido que Dionísio aplicou à Lucurgo, rei de Trácia, cujo

reconhecimento de novos deuses chegou demasiado tarde, ocasionando horrivéis

penalidades que se estenderam por toda vida A história da chegada de Dionísio

para estabelecer seu culto em Trácia foi também o tema de uma trilogia de peças

dramáticas do poeta antigo Ésquilo: como em As Bacantes, onde o rei de Tébas,

Penteu, é castigo por Dionísio por ter sido desrespeitoso com as Ménades, suas

adoradoras.

Ainda no assunto de relação entre deuses e mortais, há um conto antigo

baseado em um tema folclórico, onde Deméter está procurando por sua filha

Perséfone, depois de ter tomado a forma de uma anciã chamada Doso e recebido

hospitalidade de Celéu, o rei de Elêusis em Ática. Por causa de sua hospitalidade,

Deméter planejou fazer imortal seu filho Demofonte, como um ato de agradecimento,

mas não pôde completar o ritual porque a mãe de Demofonte, Metanira, entrou e viu

seu filho rodeado de fogo, visão essa que lhe provocou, instantâneamente, um grito

agudo, que enfureceu Deméter, cuja lamentação veio depois, ao refletir o fato de que

os "estúpidos mortais não entendem práticas divinas"

Page 29: Cretenses

Era heróica

“ “O fato de entre os homens e os deuses existir ainda uma terceira

classe especial de heróis, que são denominados também "semi-deuses", é uma

particularidade da mitologia e da religião gregas para a qual quase não existem

paralelos” ”

—Walter Burkert, 1993.[76]

A idade em que os heróis viveram na mitologia grega é conhecida como Era

(ou Idade) Heróica. A Era Heróica surgiu no Período Arcaico, quando os gregos

imaginavam "heróis" (gr. ἥρωες; sg. ἥρως) como certos personagens de lendas

épicas. Embora sujeitos à mortalidade, os heróis/semi-deuses se diferenciavam dos

humanos pelo fato de serem capazes de façanhas impossíveis, talvez pelo fato de

serem frutos de uma relação entre um mortal e um deus.

Após a ascensão do culto heróico, os deuses e os heróis constituíram a

esfera sagrada e são invocados juntos nos juramentos e nas orações que são dirigidas

a eles. Em contraste com a era dos deuses, durante a heróica a lista de heróis nunca

é fixa e definitiva; já não nascem grandes deuses, mas sempre podem surgir novos

heróis do exército dos mortos. Outra importante diferença entre o culto dos deuses e o

dos heróis é que o segundo dos dois se torna o centro da identidade do grupo local.

Os eventos monumentais de Hércules são considerados o começo da era dos

heróis. Também se anexam a eles três grandes sucessos militares: a expedição

argonáutica e a Guerra de Troia, como também a Guerra de Tebas.

Hércules e os Heráclidas

Certos estudiosos acreditam que, por de trás das complexas histórias que

envolvem o mito de Hércules (ou Herácles), existiu um homem verdadeiro, talvez um

senhor de vassalos em Argos.[81] Outros sugerem que o mito de Hércules é uma

alegoria da passagem anual do sol pelas doze constelações do zodíaco.[81] Existe um

terceiro grupo que acredita que o mito deriva de outras culturas, revelando que a

história de Hércules é uma adaptação regional de mitos heróicos já estabelecidos

anteriormente. Embora a existência de todas essas e muitas outras especulações, a

tradição afirma que Hércules foi filho de Zeus com a mortal Alcmena, neta de Perseu.

Suas fantásticas façanhas, que envolvem diversos temas folclóricos, proporcionaram

muito material às lendas populares. É retratado como um sacrificador, um guerreiro

dotado de imenso vigor físico, com força e proezas maravilhosas, protegido por

Page 30: Cretenses

armaduras e itens das quais utilizava com destreza, demonstrando superioridade às

habilidades do homem mortal comum. Quanto à iconografia, nas artes visuais — pelo

menos no período arcaico — Hércules sempre fora apresentado com barba, pele de

leão e clava nas mãos, com grandes músculos expostos nas pernas e nos braços. Já

no século IV, a popularidade do herói decresceu e, talvez um pouco por isso, suas

características humanas foram reforçadas mais do que as heróicas, e passou a ser

representado sem barba e frequentemente sem armas de combate.

Na literatura, Eurípedes escreveu a peça trágica Hércules (ou Hércules

Enlouquecido, Hércules Furioso), onde explora o mito do herói, revelando sua

conturbada existência, e sua vontade de cometer suicídio, mas que logo é encorajado

a viver pelo amigo e rei de Atenas, Teseu. Na peça As Traquinianas, Hércules aparece

aqui através da escrita de Sófocles. Esses dois textos da Grécia antiga, resguardados

até os dias atuais, nos conferiram detalhes preciosos acerca dos mitos sobre o herói

mais popular e interessante da mitologia grega

Hércules atingiu o mais alto prestígio social através de sua nomeação como

ancestro oficial dos reis dóricos. Isto serviu provavelmente como legitimação para as

invasões dóricas no Peloponeso. Um exemplo disto é o herói mitológico Hilo, epônimo

de uma tribo dórica, que se converteu em Heráclida (nome que recebiam os

numerosos descendentes de Hércules, especialmente os descendentes de Hilo —

outros Heráclidas existentes são Macária, Lamos, Manto, Tlepólemo e Télefo). Estes

Heráclidas conquistaram os reinos peloponesos de Micenas, Esparta e Argos,

alegando, segundo o mito, o direito de governá-los devido sua ascendência. A

ascensão dos Heráclidas é muitas vezes denominada "Invasão Dórica" (ver artigo).

Um fato interessante é que os reis lídios e, posteriormente, os reis macedôniso —

como governantes de um mesmo reino — também passaram a ser Heráclidas.

Embora Hércules tenha morrido, como é destino de todo mortal, por conta de

seu lado humano (derivado da mãe Alcmena), alguns gregos — especialmente

Píndaro, que o chamava de "herói-deus"] — acreditavam que, por conta de seu lado

divino (advindo da descendência de Zeus), ele subiu ao Olimpo e tornou-se um deus.

Sua figura lendária, portanto, permeou durante algum tempo uma simbologia voltada à

terra, aos heróis, ao homem mortal, mas também atencionada ao céu, aos deuses, ao

divino, ao perfeito, ao ideal. Essa figura mista que Hércules apresenta, em que o lado

mortal e o lado divino se confundem, era muito reforçada em diversos cultos e

sacrifícios realizados em Creta, onde os gregos ofereciam-lhe sacrifícios duplos,

primeiramente como herói e, somente depois, como um ser divino.

Além das façanhas heróicas de Hércules, outros membros dessa primeira

geração de heróis, como Perseu, Teseu, Deucalião e Belerofonte, realizaram feitos

Page 31: Cretenses

muito semelhantes a ele, sempre realizando-os solitariamente, sem nenhuma outra

ajuda, o que aconteceu quando enfrentaram monstros como Quimera e Medusa em

mitos que beiram à contos de fadas (esses combates solitários só apresentam ainda

mais a capacidade sobrehumana dessas personagens). Enviar um herói a uma morte

presumida é um tema frequente nesta primeira tradição heróica, como acontece nas

lendas de Perseu e de Belerofonte.

Argonautas

Único épico helenístico conservado até os dias atuais, Argonautica, de

Apolônio de Rodes, narra o mito da jornada de Jasão e os Argonautas para

recuperarem o Velo de Ouro da mítica terra de Cólquida. Em Argonautica, Jasão é

impelido à sua busca pelo rei Pélias, que havia recebido uma profecia onde um

homem de sandálias se tornaria seu nêmesis. Jasão perde uma sandália em um rio da

região, chegando na corte de Pélias e iniciando, assim, a epopeia. Quase todos os

membros da seguinte geração de heróis, assim como Hércules, partiram com Jasão

ao Argo para buscar o velo de ouro. Essa geração de heróis também inclui: o mito de

Teseu, que partiu à Creta para enfrentar o Minotauro; Atalanta, a heroína feminina,

Meleagro, que por sua vez tinha um ciclo épico que rivalizava com a Ilíada e a

Odisseia, Idas, que lutou contra Apolo por Marpessa, os filhos de Boreas: Zeto e

Calais, que desempenharam um importante papel na ilha de Fineu e na luta contra os

Cinocéfalos, Laerte, pai de Ulisses e também Peleu, pai de Aquiles.

Píndaro, Apolônio e Apolodoro se esforçaram em dar listas detalhadas sobre

os Argonautas.

Embora Apolônio tenha escrito seu poema no século III a.C, a composição da

história dos argonautas é anterior à Odisseia, que demonstra familiaridades com os

enredos de Jasão. Em épocas antigas, a expedição mítica era considerada como um

fato histórico, um incidente na abertura do Mar Negro ao comércio e à colonização

grega.[92] Também tornou-se muito popular, cuja função vai desde a criação de novas

lendas locais à inspiração de diversas tragédias gregas.[

Page 32: Cretenses

Casa de Atreu e Ciclo Tebano

Entre o Argo (capítulo anterior) e a Guerra de Troia (capítulo seguinte), houve

uma geração conhecida por seus crimes. Isto inclui os feitos de Atreu e Tiestes em

Argos. Atrás do mito da casa de Atreu (uma das principais dinastias heróicas

juntamente com a Casa de Lábdaco), está o problema da devolução do poder e a

forma de ascensão do trono. Os gêmeos Atreu e Tiéstes com seus descendentes

desempenharam o papel de protagonistas na tragédia acerca da devolução de poder

em Micenas.

Cadmo Semeando Dentes do Dragão, por Maxfield Parrish, 1908.

O Ciclo Tebano trata dos sucessos associados especialmente à Cadmo, o

fundador da cidade de Tebas, e, posteriormente, com os feitos de Laio e Édipo na

mesma região; uma série de histórias que levaram ao saqueio final da cidade a mando

dos Epigonis e d'Os Sete Contra Tebas (não se sabe se estes figuraram no épico

original). Acerca de Édipo, os antigos relatos épicos têm seguido um padrão diferente

(no qual ele continuou governando Tebas depois da revelação de que Jocasta era sua

mãe e também posteriormente ao seu casamento com uma mulher que se converteu

em mãe de seus filhos) do que conhecemos graças às tragédias — especialmente a

mais famosa do assunto, Édipo Rei, de Sófocles — e aos relatos mitológicos

posteriores a este texto antigo.]

Page 33: Cretenses

Guerra de Troia e consequências

Em A Fúria de Aquiles , de Tiepolo (1757, afresco, Villa Valmarana, Vicenza),

Aquiles está enfurecido pela ameaça de Agamemnon tirar seu despojo da guerra,

Briseis, e desembainha sua espada para acertá-lo. A súbita aparição de Minerva, que

no afresco segura os cabelos de Aquiles, evita o assassinato.

A mitologia grega culmina na Guerra de Troia, a famosa luta entre os gregos

e os troianos, incluindo suas causas e consequências. Nos trabalhos homéricos, as

principais histórias já haviam tomado forma e substância, e os temas individuais foram

elaborados mais tarde, especialmente dentro dos enredos dos dramas gregos. A

Guerra de Troia adquiriu também um grande interesse para a cultura romana por

conta das histórias de Enéas, herói troiano, cuja jornada à Troia levou a fundação da

cidade que um dia se converteria em Roma, e é recontada por Vírgilio em Eneida (cujo

Livro II contém o relato mais famoso do saqueio de Troia).

O Ciclo da Guerra de Troia, uma coleção de poemas épicos, começa com os

sucessos que levaram a guerra: Éris e a maçã de ouro, o julgamento de Páris, o rapto

de Helena, e o sacríficio de Ifigénia em Aulis. Para resgatar Helena, os gregos

organizaram uma grande expedição abaixo do mando do irmão de Menelau,

Agamemnon, rei de Argos ou de Micenas, mas os troianos não quiseram libertá-la. A

Ilíada, que se desenrola no décimo ano da guerra, narra em uma de suas páginas o

combate entre Agamemnon com Aquiles, que era até então o melhor guerreiro da

Grécia, e também narra as consequências da morte de Pátroclo (amigo de Aquiles) e

de Heitor, filho mais velho de Príamo. Antes da morte, se uniram aos troianos dois

exóticos aliados: Pentesileia e Memnon.

Escultura atribuída a Agesandro, Polidoro e Atenodoro

representando o Grupo de Laocoonte (Museu do Vaticano,

Roma), personagens mortos por serpentes marinhas num

espisódio da Guerra de Troia, retratado na Ilíada e na

Eneida.

Page 34: Cretenses

Aquiles matou ambos, até Páris atingir seu calcanhar mortalmente com uma

flecha (daí a expressão Calcanhar de Aquiles; para mais informações, veja o artigo do

guerreiro). Antes de tomar Troia, os gregos tiveram que roubar da cidadela a imagem

de madeira de Palas Atenas. Finalmente, com a ajuda de Atenas, eles construíram o

Cavalo de Troia. Apesar das advertências de Cassandra (filha de Príamo), os gregos

foram convencidos por Sinon — grego que, fingindo sua argumentação, conseguiu

levar o gigantesco cavalo para dentro das muralhas de Atenas. O sacerdote

Laocoonte tentou destruir o cavalo, mas acabou sendo impedido por serpentes

marinhas que, com suas forças, o mataram. Ao anoitecer, a frota grega regressou e os

guerreiros do cavalo abriram as portas da cidade.

O Ciclo Troiano proporcionou uma variedade de temas e se converteu em

fonte principal de inspiração para os antigos artistas gregos (por exemplo, as métopas

de Partenon representando o saqueio de Troia). Essa preferência artística pelos temas

procedentes do ciclo troiano nos indica sua importância para a antiga civilização

grega.[97] O mesmo ciclo mitológico, posteriormente, também inspirou uma série de

obras literárias da Europa. Os escritores europeus medievais troianos,

desconhecedores da obra de Homero, encontraram na lenda de Troia uma rica fonte

de histórias heróicas e românticas e um marco que encorajou seus próprios ideais

cortesãos e cavalarescos. Alguns autores do século XII, como Benoît de Sainte-Maure

(em seu Poema de Troia) e José Iscano (em seu De bello troiano), descrevem a

guerra simplesmente reescrevendo a versão padrão que encontraram em Dictis e

Dares, seguindo o conselho de Horácio e o exemplo de Virgílio: reescrever um poema

de Troia com veracidade, em lugar de contar algo completamente novo

DECLÍNIO

A mitologia estava no coração da vida quotidiana na Grécia Antiga.[ Os

gregos consideravam toda a gama de enredos e personagens que hoje denominamos

"mitologia grega" parte de sua história. Usavam o mito para explicar fenômenos

naturais, variações de cultura, inimizades e amizades. Além disso, a mitologia serviu

como fonte de orgulho para se traçar ascendência de grandes líderes e heróis

mitológicos ou até mesmo deuses. Poucos eram os gregos que não criam nos relatos

acerca da Guerra de Troia, da Ilíada e da Odisseia. De acordo com estudiosos como

Victor Davis Hanson e John Heath, o conhecimento profundo da obra homérica era

considerada pelos gregos a base de sua aculturação. Homero era a "educação da

Grécia" (Ἑλλάδος παίδευσις) e sua poesia, "O Livro". Nas seções a seguir, veremos

como gregos e romanos começaram a dar novas interpretações acerca das coisas, e

Page 35: Cretenses

como começaram a desacreditar dos poetas e dos dramaturgos. A figura do poeta era,

sobretudo nos primeiros anos da era alfabetizada, a autoridade máxima, embora já

nos tempos clássicos a sua posição tivesse mudado:

"Não acredito que os deuses se induljam em relações profanas; e para

pôr vínculos nas mãos, eu nunca pensei ser digno de crença, nem serei agora

tão persuadido, não mais acreditarei que um só deus seja dono e senhor de

outro. Para a divindade, se realmente ela é uma divindade, não há desejos;

isso não passa de miseráveis contos escritos por poetas." (Hércules para

Teseu. Eurípides, Héracles 1340).

Concepção de um trirreme da Grécia Antiga: as explorações marítimas dos

gregos, uma das primeiras do homem antigo, contribuíram para a decadência do mito.

Embora o primeiro exemplo acima tenha sido dito por um personagem

sobrehumano, Hércules, ao tentar aprofundar sua compreensão sobre os mitos gregos

o próprio cidadão da Grécia antiga encontrou certas limitações e contradições nessas

histórias, o que desencadeou em uma série de processos filosóficos. A filosofia surge

justamente para compreender a verdade, mas de uma outra forma. Para a intelectual

brasileira Marilena Chaui uma dessas contradições foi o fato de que os gregos

começaram a realizar certas viagens marítimas e explorar algumas regiões das quais

acreditavam serem habitadas por deuses, sendo que, quando a visitaram, puderam

constatar que era povoada por outros seres humanos.

Outros estudiosos acreditam que os gregos, ao inventarem o calendário,

conseguiram calcular o tempo como forma de prever e entender os estados térmicos e

também o Sol, a chuva e outros fatores climáticos (vistos, anteriormente, como feitos

divinos e incompreensíveis) e, assim, proporcionaram uma grande mudança na crença

dos mitos. De forma semelhante, a invenção da moeda como forma de trocas

abstratas e a escrita alfabética como forma de materialização de textos outrora

propagados somente pela oratória, além da invenção da política para a exposição das

opiniões sociais, seriam marcos da sociedade grega que, com o início dessa vida

urbana e um tanto mais moderna, começou a tecer bases para o artesanato, o

comércio e outras criações que começaram a desprezar os mitos.

Com essas mudanças, o homem veria em si mesmo uma necessidade de

entendê-las e de desenvolvê-las, no que se criou a filosofia para suprir essa

incompreensão. Pierre Grimal compartilha dessa ideia escrevendo:

Page 36: Cretenses

"O mito se opõe ao logos como a fantasia à razão, como a palavra que

narra à palavra que demonstra. Logos e mito são as duas metades da

linguagem, duas funções igualmente fundamentais da vida do espírito. O logos

sendo uma argumentação, pretende convencer. O logos é verdadeiro, no caso

de ser justo e conforme à 'lógica'; é falso quando dissimula alguma burla

secreta (sofisma). Mas o mito tem por finalidade apenas a si mesmo. Acredita-

se ou não nele, conforme a própria vontade, mediante um ato de fé, caso

pareça 'belo' ou verossímil, ou simplesmente porque se quer acreditar. O mito,

assim, atrai em torno de si toda a parcela do irracional existente no

pensamento humano; por sua própria natureza, é aparentado à arte, em todas

as suas criações."

Há boa parcela de estudiosos modernos que crêem, portanto, que as

habilidades poderosas de mudança saíram das mãos dos deuses imaginários e foram

assumidas pelos homens antigos (e se estendem até nossos dias atuais, onde, por

exemplo, acreditamos que uma administração política adequada — realizada e levada

em frente pelos homens e não pelos deuses — pode resultar numa influência positiva

nas sociedades, assim como uma administração inadequada resulta em influências

negativas). Outros pensadores também atribuem à vinda do cristianismo o declínio do

mito grego. Antonio Salatino escreveu:

"O cristianismo também representou o fim da mitologia, um processo

que conduziu ao desenvolvimento do pensamento racional, favorecendo assim

o desenvolvimento da ciência. Por seu turno, as conquistas científicas dos

séculos 17 e 18 reforçaram a confiança na superioridade do ser humano e

fortaleceram o suposto direito do homem, baseado em fundamentos religiosos,

de domínio sobre a natureza. A sobrevalorização dos conhecimentos derivados

da ciência e do mundo civilizado e a negação dos valores dos povos selvagens

conquistados levaram à extinção das tradições e línguas de muitas nações

nativas."

A astrologia, que, após a morte de Alexandre, o Grande, foi introduzida pela

Mesopotâmia e pelo Egito antigo no mundo grego, chegou a um período de ouro na

Roma imperial e contribuiu para a preservação dos mitos durante a Idade Média.

Contudo, na própria Grécia clássica, o surgimento e a popularidade do racionalismo e

da filosofia criaram até mesmo um debate entre a ideia de que os corpos celestes

eram mesmo divindades em oposição à ideia de que eram meras pedras vagando pelo

céu:

Page 37: Cretenses

"A posição no presente é, como eu já disse, exatamente o oposto

daquilo que foi quando aqueles que examinavam esses objetos os

consideravam sem alma. Entretanto, mesmo então constituíam objetos de

admiração, e a convicção que é agora realmente sustentada já era motivo de

suspeita de todos que os estudavam acuradamente, a saber, que se fossem

sem alma, e por conseguinte destituídos de intelecto, jamais obedeceriam a

cálculos de precisão tão maravilhosos. E até naquela época havia quem

ousava arriscar-se a afirmar que a razão é a ordenadora de tudo que está no

céu. Mas os mesmos pensadores, num equívoco quanto à natureza da alma e

concebendo-a como posterior e não anterior ao corpo, transtornaram, por

assim dizer, todo o universo e, acima de tudo, eles próprios." (Platão. Leis 967b

et seq.).

Concepções greco-romanas

FILOSOFIA E MITO

A filosofia nasce através do mito, mas a ele acaba se opondo.] Ela surge no

inicío do século - VI em Mileto, e estudiosos escrevem que vários fatores favoreceram

este nascimento: "efervescência comercial, prosperidade material, contato com outras

culturas avançadas, sistema de governo democrático e, finalmente, cidadãos com

tempo livre para o estudo e a reflexão." De fato, ao passo que a filosofia nascia, a

preocupação de seus primeiros homens (Tales, Anaximandro e Anaxímenes, os

filósofos pré-socráticos), além daquelas de ordem astronômica, era descobrir ou

meramente indagar qual seria o elemento primordial do universo e da natureza, aquele

que deu origem ao mundo—célebre exemplo de quanto as concepções cosmológicas

da mitologia grega estavam sendo postas de lado para serem substituídas por novos

estudos acerca do assunto, dessa vez racionais. Nos finais do século V a.C., depois

do auge da filosofia, da oratória, e da prosa, o destino e a veracidade dos mitos se

tornaram incertos e as genealogias mitológicas deram lugar a uma nova concepção da

origem das coisas, sendo que essa concepção tinha como prioridade a exclusão do

supernatural (isto se mostra claro nas histórias tacidianas). Enquanto os poetas e

dramaturgos elaboravam os mitos, os historiadores e os filósofos por vezes

desprezavam-os e criticavam-os.

Page 38: Cretenses

Certos filósofos radicais, como Xenófanes, começaram no século VI a. C. a

rotular os textos dos poetas como blasfêmias. Queixava-se de que Homero e Hesíodo

atribuiam aos deuses "tudo o que é vergonhoso e escandaloso entre os homens, pois

os deuses roubam, matam, cometem adultério, e enganam uns aos outros".[110] Essa

linha de pensamento encontrou sua expressão mais dramática em A República

(acerca da justiça, do universo e dos diversos tipos de governo) e em Leis (que trata

da lei divina e natural, da educação e da relação entre filosofia, política e religião) de

Platão. Platão criou os seus próprios mitos alegóricos (como o mito da caverna e o

mito de Er em A República), atacando os contos tradicionais dos trucos, e tratando os

furtos e os adultérios como imorais, opondo-se ao papel central que vinham tomando

na literatura grega. A crítica de Platão - que rotulava os mitos de "palavrões antigos" -

foi o primeiro exercício e desafio sério à tradição mitológica homérica. Aristóteles, por

sua vez, criticou o enfoque filosófico pré-socrático quase-mitológico e destacou que

"Hesíodo e os escritores telógicos estavam preocupados unicamente com o que lhes

parecia plausível e não tinham respeito pelos outros [...] Mas não merece a pena

tomar a sério os escritores que alardeiam o estilo mitológico; aqueles que procedem a

demonstrar suas afirmações devem ser re-examinados". Mesmo no início do império

da Roma, o livro Metamorfoses, do romano Ovídio, possui nos finais do poema um

pseudo-discurso do filósofo e matemático grego Pitágoras que, reivindicando a vida

após a morte, o vegetarianismo e a esperança, diz Porque temeis o Estige, as trevas e

os nomes inexistentes, matéria para poetas [...],embora o discurso de Pitágoras escrito

por Ovídio seja permeado por alusões a criaturas e deuses romanos como Juno,

Lúcifer, Palante, Febo, Tíndaro, entre outros.

As explicações filosóficas gregas que pretendiam revisar as mitológicas

criaram consequências drásticas para os seus autores: Anaxágoras, por exemplo,

partiu para um auto-exílio fora de Atenas, por duvidar que a lua fosse uma deusa

O Platão de Rafael em A Escola de Atenas

(provavelmente à semelhança de Leonardo da Vinci). O

filósofo expulsou o estudo de Homero, das tragédias e

das tradições relacionados aos mitos gregos de sua

utópica A República.

Page 39: Cretenses

(explicação mitológica) e afirmar que, pelo contrário, vislumbrava em sua superfície

mares e montanhas. Aristóteles, que não aceitava a explicação de que o titã Atlas

carregava a terra e o céu nas costas (afirmação que rotulou de "ignorância e

superstição do povo grego"), exilou-se por temer que terminasse como Sócrates, que

obteve acusação de impiedade e morreu. Sócrates foi condenado com 71 anos,

acusado, entre outras coisas, de ateísmo e de corromper os jovens gregos com seus

ensinamentos Meleto, poeta e um de seus acusadores, havia argumentado que

"[...]Sócrates é culpado do crime de não reconhecer os deuses reconhecidos pelo

Estado e de introduzir divindades novas; ele é ainda culpado de corromper a

juventude. Castigo pedido: a morte".[117] Sócrates, após ficar preso a ferros durante 30

dias, morreu num método de auto-envenenamento da prisão da época, ingerindo

cicuta mas, antes de falecer, segundo Platão, incutiu uma dúvida a seus acusadores:

"E agora chegou a hora de nós irmos, eu para morrer, vós para viver; quem de nós fica

com a melhor parte ninguém sabe, exceto o Deus."[116]

Essas perseguições se estenderam épocas depois, atingindo seu auge na

Idade média (onde o cristianismo substituiu a filosofia) e declinando durante o

Renascimento e principalmente no Iluminismo (onde a filosofia grega começava a ser

retomada e revisada). Todavia, Platão não cuidou de separar si mesmo e sua

sociedade da influência dos mitos: os estudiosos notam que sua própria

caracterização de Sócrates baseia-se nos patronos tradicionais trágicos e homéricos,

usados pelo filósofo para louvar o curso de vida e morte do seu mestre. Em Apologia

de Sócrates, Platão prescreve o discurso dado supostamente por Sócrates em seu

julgamento:

“ Mas talvez pudesse alguém dizer: "Não te envergonhas, Sócrates, de

te aplicardes a tais ocupações, pelas quais agora está arriscado a morrer?" A

isso, porei justo raciocínio, e é o seguinte: "não estás falando bem, meu caro,

se acreditas que um homem, de qualquer utilidade, por menor que seja, deve

fazer caso dos riscos de viver ou morrer, e, ao contrário, só deve considerar

uma coisa: quando fizer o que quer que seja, deve considerar se faz coisa

justa ou injusta, se está agindo como homem virtuoso ou desonesto.

Porquanto, segundo a tua opinião, seriam desprezíveis todos aqueles semi-

deuses que morreram em Troia. E, com eles, o filho de Tétis, o qual, para não

sobreviver à vergonha, desprezou de tal modo o perigo que, desejoso de

matar Heitor, não deu ouvido à predição de sua mãe, que era uma deusa, e a

qual lhe deve ter dito mais ou menos isto:

Page 40: Cretenses

“Filho, se vingares a morte de teu amigo Pátroclo e matares Heitor, tu

mesmo morrerás, porque, imediatamente depois de Heitor, o teu

destino estará terminado" (Hom. Il. 18.96) [...]

Victor Davis Hanson e John Heath estimam que a rejeição de Platão acerca

da tradição homérica não obteve boa recepção pela base da civilização grega. Nesta

etapa, os mitos mais antigos se mantiveram em cultos locais e seguiram influenciando

a poesia e constituindo o tema principal da pintura da Grécia antiga e da escultura da

Grécia antiga. No teatro, de forma mais esportiva, Eurípedes elaborava

intertextualidades com as antigas tradições e, embora suas personagens zombassem

dos mitos tradicionais e duvidassem de boa parte deles, o foco dessas peças são

completamente voltados aos mitos. A obra deste dramaturgo impugna principalmente

os mitos sobre os deuses e inicia sua crítica à mitologia com um argumento similiar ao

previamente expresso por Xenófanes: "os deuses, como são tradicionalmente

representados, são grosseiramente antropomórficos"

RACIONALISMO HELENÍSTICO E ROMANO

No Helenismo, a mitologia adquire o prestígio do conhecimento da elite que

encontrava nos feitos de seus possessores algo pertencente a determinada classe. Ao

mesmo tempo, o giro cético da idade clássica tornou-se ainda mais defendida e

pronunciada. O mitógrafo grego Evêmero, por exemplo, estabeleceu uma tradição cuja

prioridade era buscar uma base histórica real para seres e eventos míticos. Embora

sua obra original (Sagradas Escrituras) esteja perdida, muito do que ele escreveu

sobre o assunto foi preservado por Diodoro Sículo e Lactâncio.

Page 41: Cretenses

Cícero via-se como o defensor da ordem estabelecida, apesar de seu

ceticismo em relação aos mitos e sua inclinação de fazer concepções mais filosóficas

sobre as divindades.

O racionalismo hermenêutico (relativo à Hermes) acerca do mito tornou-se

ainda mais popular sob o Império Romano, graças às teorias fisicalistas do estoicismo

e graças à filosofia espicurista. Os estoicos apresentavam explicações dos deuses e

dos heróis como fenômenos físicos, enquanto que os evêmeristas compreendiam-os

como figuras históricas. Contudo, os estoicos — assim como os neoplatonistas —

promoviam os significados morais da tradição mitológica, frequentemente basendo-se

nas etimologias gregas. Mediante sua mensagem epicuriana, Lucrécio buscava

expulsar os temores supersticiosos das mentes de seus vizinhos e cidadãos. Lívio,

igualmente, é cético acerca da tradição mitológica e clama que não tinha como

intenção ajuizar tais lendas. O desafio dos romanos com um forte sentido apologético

da tradição religiosa era defender essa tradição enquanto concediam que isto era

frequentemente um terreno fértil para a superstição. O antiquário Varrão — que

considerava a religião uma instituição romana de grande importância para a

preservação do bem social — dedicou rigorosos anos de sua vida a estudar as origens

dos cultos religiosos. Em sua Antiquitates Rerum Divinarum (que não sobreviveu aos

nossos dias, embora De Civitate Dei, de Agostinho, conserva seu foco geral), Varrão

argumenta que, enquanto o homem supersticioso teme os deuses, a autêntica

persona religiosa os venera como parentes de uma mesma família.

Em sua obra, existiam três tipos de deuses:

1. Os deuses da natureza: personificações de fenômenos como a

chuva e o fogo;

2. Os deuses dos poetas: inventados pelos bardos sem escrúpulos

para incitar as paixões;

3. Os deuses da cidade: inventados pelos sábios legisladores para

iluminar e acalmar a população.

Cotta, um acadêmico romano, ridicularizou tanto a acepção literal dos mitos

como a alegórica, declarando rotundamente que ambas não teriam lugar na filosofia.

Cícero, por sua vez, desprezava os mitos, mas, como Varrão, era enfático em seu

apoio para a religião e suas consecutivas instituições estatais. É difícil saber quão

baixo se estendia esse racionalismo na escala social. Cícero afirma que ninguém (nem

mesmo velhos, mulheres ou crianças, ou qualquer outro tipo de coisa) é tolo a ponto

de crer nos terrores de Hades ou na existência de Cila, de centauros e de outras

Page 42: Cretenses

criaturas compósitas,] todavia o orador queixa-se constantemente do caráter

supersticioso e crédulo das pessoas. De natura deorum é o resumo mais exaustivo

dessa linha de pensamento fixada por ele.

TENDÊNCIAS SINCRONATÓRIAS

Na religião romana, o culto do deus grego Apolo (na imagem estátua romana

de um original grego, no Musei Capitolini, Roma) foi sincronizado com o culto de Sol

Invicto. A adoração do sol como protetor do império permanceu como principal culto

imperial até ser substiuído pelo Cristianismo.

Durante a época do auge romano, apareceu uma tendência popular de

sincronizar os múltiplos deuses gregos e estrangeiros em novos cultos estranhos e

quase irreconhecíveis. A sincronização ocorreu principalmente pelo fato dos romanos

terem um conjunto/panteão de mitos muito precário, fazendo com que a tradição de

mitos gregos fossem misturadas com os principais deuses romanos (interligando

equivalentes das duas tradições). Os deuses Zeus e Júpiter são exemplos desse

envolvimento mitológico. Ainda nessa etapa de combinação entre duas tradições

mitológicas, tudo indica que a associação dos romanos com a religião oriental resultou

em mais sincronizações. Um exemplo é o culto do sol, introduzido em Roma depois

das campanhas de Aureliano na Síria. As divindades Mitra e Baal, ambas asiáticas,

foram sincronizadas com o deus grego Apolo e com Hélio numa só figura, o Deus Sol

Invicto — que possuía (segundo a crença dos povos) atributos somados e, nas

práticas de cultos, ritos conglomerados. Apolo podia ser cada vez mais identificado na

religião com Hélios ou incluso com Dionísio, mas os textos que recapitulavam seus

mitos raramente refletiam essas metamorfoses. A literatura mitológica tradicional

estava cada vez mais disassociada das práticas religiosas reais.

A coleção de Hinos Órficos e da Saturnália de Macróbio, conservadas desde

o século II, também estão influídas pelas teorias racionalistas e pelas tendências

sincronatórias. Os hinos órficos são um conjunto de composições poéticas pré-

Page 43: Cretenses

clássicas, atribuídas à Orfeu. Na realidade, estes poemas foram provavelmente

compostos por vários poetas, e contém um rico conjunto de pistas sobre a mitologia

pré-históricas da Europa. O objetivo da Saturnália é a de transmitir a cultura helênica

que havia obtido de suas leituras, apesar de seu tratamento dos deuses ser

contaminado pela mitologia e pela teologia egípcia e norte-africana (que também

acabam afetando as interpretações de Virgílio). Na Saturnália, reaparecem os

comentários mitográficos influídos pelos evemeristas, estoicos e pelos neoplatônicos.

INTERPRETAÇÕES MODERNAS

O alemão Johann Joachim Winckelmann, através dos trabalhos de estudiosos

como Gesner e Heyne, estabeleceu as primeiras distinções entre arte grega, greco-

romana e romana.

A gênesis da moderna compreensão da mitologia grega é considerada por

certos escolares como uma dupla reação dos finais do século XVIII contra "a

tradicional atitude da animosidade do cristianismo", onde a reinterpretação cristiana

dos mitos como uma "mentira" ou "fábula" havia se conservado. Na Alemanha, em

cerca de 1795, houve um crescente interesse por Homero e pela mitologia grega. Em

Gotinha, Johann Matthias Gesner começou a dar alma aos estudos gregos, enquanto

seu sucessor, Christian Gottlob Heyne, trabalhou com Johann Joachim Winckelmann,

e desenvolveu as bases para a pesquisa e investigação mitológica tanto na Alemanha

como em outros lugares. Heyne abordou o mito como filólogo e moldou os alemães

educados na concepção da antiguidade ao longo de quase meio século, durante o

qual a Grécia antiga exerceu uma intensa influência na vida intelectual da Alemanha.

A mitologia comparativa é a comparação dos mitos de diferentes culturas que

possui a intenção de identificar os temas e as características compartilhadas. A

mitologia comparativa tem servido de uma variedade de fins acadêmicos. Por

exemplo: os estudiosos têm utilizado as relações entre os diversos mitos para rastrear

a evolução das religiões e das culturas, para propor origens comuns de diferentes

culturas, e para apoiar várias teorias psicológicas. Falando em psicologia, as

modernas interpretações do mito grego abriu espaço para uma abrangente

compreensão psicológica acerca deles. Alguns estudiosos propõem que mitos de

diferentes culturas revelam a mesma, ou semelhante, força psicológica no trabalho

dessas culturas. Assim, alguns pensadores freudianos têm identificado histórias

semelhantes à história grega de Édipo em culturas diferentes. Eles argumentam que

estas histórias refletem as diferentes expressões do Complexo de Édipo nessas

culturas. De mesmo modo, pensadores junguianos têm identificado imagens, temas e

Page 44: Cretenses

padrões que aparecem, do mesmo modo, nos mitos de muitas culturas diferentes.

Eles acreditam que essas semelhanças são resultados de arquétipos presentes no

inconsciente coletivo dos níveis mentais de cada pessoa.

Enfoques comparativos e psicanalíticos

O desenrolar da filologia comparativa no século XIX — junto com os

descobrimentos etnológicos do século XX — fundou a "ciência da mitologia". Desde o

Romantismo, todo o estudo dos mitos era comparativo: Wilhelm Mannhardt, James

Frazer e Stith Thompson ampliaram o foco comparativo para recoletar e classificar os

temas do folclore e da mitologia. Em 1871, Edward Burnett Tylor publicou seu Primitive

Culture, onde aplicou o método comparativo com a intenção de explicar a origem e a

evolução da religião. O procedimento de Taylor de agrupar o material mítico,

ritualístico e cultural de culturas ampliamente separadas influenciou tanto Carl Gustav

Jung como Joseph Campbell. Max Müller aplicou a nova ciência da mitologia

comparativa ao estudo dos mitos, no qual se detectou os restos distorcionados do

culto à natureza ariana. Bronisław Malinowski enfatizou as formas nas quais os mitos

cumpriam funções sociais comuns. Claude Lévi-Strauss e outros estruturalistas

compararam as relações formais e paternas em mitos de todo o mundo.

Max Müller é considerado um dos fundadores da

mitologia comparativa. Em seuMitologia Comparativa

(1867), Müller analisa a "perturbadora" similaridade entre

as mitologias de "raças selvagens" com as das primeiras

europeias.

Page 45: Cretenses

Károly Kerényi foi um dos maiores estudiosos de

mitologia e línguas clássicas do século XX.

Sigmund Freud, com a psicanálise, introduziu uma concepção transhistórica e

biológica do homem a uma visão do mito como expressão de ideias reprimidas.

Através de mitos como o de Édipo, Freud estabeleceu concepções inovadoras a

respeito da mente humana, criando teorias diferentes de tudo o que se tinha pensado

até então, como o Complexo de Édipo e, fundamentalmente, a ideia de inconsciente.

Essa sugestão encontraria um importante ponto de acercamento entre as visões

estruturalistas e psicoanalísticas dos mitos no pensamento de Freud. Carl Gustav

Jung estendeu o enfoque transhistórico e psicológico com sua teoria do inconsciente

coletivo e os arquétipos (patronos arcaicos herdados), às vezes codificiados nos mitos,

que são derivados da mesma. Segundo Jung, "os elementos estruturais que formam

os mitos devem ser apresentados na psique inconsciente". Comparando a

metodologia de Jung com a teoria de Joseph Campbell, Robert A. Segal conclui que

"para interpretar um mito, Campbell simplesmente identifica os arquétipos nele. Uma

interpretação de A Odisseia, p. ex., mostraria como a vida de Odisseu se ajusta a um

patrono heróico. Jung, pelo contrário, considera a identificação de arquétipos

meramente no primeiro passo da interpretação de um mito". Károly Kerényi, um dos

fundadores dos estudos modernos do mito grego, e um dos maiores estudiosos de tal

folclore, abandonou seus primeiros pontos de vista sobre os mitos para aplicar as

teorias de arquétipos de Jung à mitologia grega. Segundo Kerényi, a mitologia grega é

"um conjunto de contos sobre deuses, deusas, batalhas heróicas e jornadas ao mundo

subterrâneo, sendo contos famosos, mas já não tão propícios a possíveis

reformulações.

Page 46: Cretenses

TEORIAS DA ORIGEM

Júpiter e Tétis (1811), quadro do francês neoclássico Dominique Ingres.

Existem diversas teorias sobre a origem da mitologia grega. De acordo com a

Teoria Escritural, todas as lendas mitológicas procedem de relatos dos textos

sagrados, no qual os feitos reais foram disfarçados e, posteriormente, alterados. A

Teoria Histórica, por sua vez, defende a tese de que todas as personas mencionadas

na mitologia foram uma vez seres humanos reais, e as lendas sobre elas são meras

adições de épocas posteriores (assim, supõem-se que a história de Éolo surgiu do fato

de que este era governante de algumas ilhas do Mar Tirreno). Já a Teoria Alegórica

supõe que todos os mitos antigos eram alegóricos e simbólicos, embora tivessem em

seu contexto determinada verdade moral, religiosa ou filosófica ou um fato histórico

que, com o passar do tempo, passaram a ser aceitas como verdade. Finalmente, a

Teoria Física se adere à ideia de que os elementos como ar, fogo e água foram

originalmente objetos de adoração religiosa, sendo que as principais deidades

passaram a ser personificações desses poderes da natureza. Max Müller tentou

compreender uma forma religiosa indo-europeia determinando sua manifestação

"original": em 1891, ele afirmou que "o descobrimento mais importante que se tem feito

no século XIX a respeito da história antiga da humanidade [...] foi essa simples

equação: Dyeus-pitar sânscrito = Zeus grego = Júpiter latino = Tyr nórdico." Em outros

casos, perto dos paralelos o cárater e a função sugerem uma herança comum, mas a

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ausência de evidências linguísticas faz com que seja difícil prová-la, como na

comparação entre Urano e o Varuna sânscrito, ou entre as Moiras e as Nornas.

A arqueologia e a mitografia, numa outra consideração, tem revelado que os

gregos foram inspirados por algumas civilizações da Ásia Menor e do Oriente Próximo.

Adônis parece ser o equivalente grego — mais claramente nos cultos do que em suas

histórias míticas — de um "deus moribundo" do Oriente Próximo. Tudo indica que

Cíbele, por sua vez, tem suas raízes na cultura anatólica, enquanto grande parte da

iconografia de Afrodite surge das deusas semíticas. Existem possíveis paralelismos

entre as gerações divinas mais antigas (Caos e seus filhos) e Tiamat em Enuma Elish.

Segundo o estudioso Meyer Reinhold, "os conceitos teogônicos do Oriente Próximo,

incluindo a sucessão divina mediante a violência e os conflitos gerados pelo poder,

encontraram seu caminho [...] na mitologia grega." Seguindo as origens indo-

europeias e do Oriente Próximo, alguns investigadores especulam sobre as

obrigações da mitologia grega com as sociedades pré-helênicas: Creta, Micenas,

Pilos, Tebas e Orcómeno. Os historiadores da religião estavam fascinados por várias

configurações de mitos aparentemente antigos relacionados com Creta (o deus como

toro, Zeus e Europa, Pasífae que produz toro e dá a luz ao Minotauro; etc.). O

professor Martin P. Nilsson concluiu que todos os grandes mitos da Grécia antiga

estavam atados aos centros micênicos e âncorados em épocas pré-históricas.[154]

Todavia, de acordo com Walter Burkert, a iconografia do período do palácio cretentese

praticamente não tem dado confirmação alguma sobre a veracidade de todas estas

teorias.

Legado e importância

Localizada na juntura da Europa, Ásia e África, a Grécia é o berço de

nascimento da democracia, da filosofia ocidental, dos Jogos Olímpicos, da Literatura

ocidental e da historiografia, bem como da Ciência política, dos mais importantes

princípios matemáticos, e também o berço de nascimento do teatro ocidental, incluindo

os gêneros do drama, tragédia e o da comédia. Apaixonados pelo debate e pela

controvérsia,[159] os gregos criaram os primeiros ordenamentos políticos com cunho

democrático, onde compartilhavam e defendiam argumentações. Esses princípios

fundamentais definiram o curso do mundo ocidental, e também divulgaram a mitologia

grega, que ainda se torna eficiente, segundo muitos autores, para a educação

acadêmica nas escolas de ensino fundamental e superior, como também para um

entendimento mais profundo e filosófico do ser humano, como veremos a seguir:

Page 48: Cretenses

Educação e literatura

Em Como e por que ler os clássicos universais desde cedo (2002), livro que

dá dicas de como impor de forma criativa e prazerosa os grandes clássicos da cultura

ocidental para as crianças, Ana Maria Machado considera a cultura grega antiga como

um tesouro da humanidade que desperta entusiasmo a muitos leitores de diferentes

épocas.[161] Machado ainda complementa: "[a cultura grega antiga] são uma fonte

inesgotável, onde sempre podemos beber. Para muita gente, eles são os mais

fascinantes de todos os clássicos. Provavelmente são os que mais marcaram toda a

cultura ocidental."

Hoje em dia, a preocupação escolar acerca da criação de um "aluno leitor"

bem formado, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil, busca

caminhos na literatura grega que aproximem esse aluno das histórias míticas

enraizadas em temas como amor, ódio, felicidade e morte, para que esses alunos

sintam-se seduzidos pelo bom livro, a fim de se interessarem por literatura. Para o

estudioso Roland Barthes,[164] se todas as disciplinas desaparecessem dos currículos

universitários, bastaria que permanecesse a literatura porque essa contém todas as

outras. A literatura grega, segundo Barthes, contribuiria para a formação de leitores

críticos e sensíveis com sua realidade, porque "[são] um logro magnífico que permite

ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da

linguagem."

Para alguns estudiosos e pesquisadores em educação, restou aos cargos da

pedagogia compartilhar e criar interesse na leitura de uma bibliografia competente e

agradável ao aluno. Se, por um lado, a utilização da mitologia grega nas salas das

faculdades ou das escolas pode parecer uma atividade sem originalidade, a

professora Kênia Maria de Almeida Pereira, em um ensaio da Universidade Federal de

Uberlândia, defende que estudá-la seria "[...] uma atividade complexa e atual, rica em

detalhes, prazerosa e surpreendente." Ela cita Julia Kristeva, que afirmava que todo

texto se converte num mosaico de citações, de absorção e transformação de outros

textos, e também cita Umberto Eco, para quem os livros sempre falam de outros livros

e qualquer história conta uma história já contada, além de dizer: "[...]todo texto devora

outro, numa espécie de antropofagia infinita, em que o artista digere as linhas alheias

para recompor seu próprio texto: eis aí uma das facetas da originalidade."

A professora sugere que os pedagogos trabalhem com textos gregos

clássicos que tratem da mitologia, e com textos prosaicos ou poéticos da literatura

brasileira (e outras) que façam intertextualidade com esses primeiros. Tal método

estaria estabelecendo uma maior aproximação da literatura nacional e os temas que

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ela aborda, como também aguçando a leitura dos alunos para observarem casos em

que o poeta cita outros.[169] Kênia encerra seu ensaio citando o livro Pedagogia da

Autonomia, de Paulo Freire, em que ele diz que "o educador é aquele profissional que

desencadeia o exercício da curiosidade, da intuição e da imaginação em seus

educandos." O professor cumpriria seu papel ao destacar a curiosidade no estudante,

que seria capaz de conjecturar, comparar, e provocar, e essas inquietações iriam ser a

base para a formação de seu espírito crítico, que também pesquisa e devota a leitura,

numa forma de usá-la como ferramenta auxiliadora de segurança, competência e

generosidade em seu caminho acadêmico e profissional posterior ao universitário.

Cultura: língua e atividade

Profissionais envolvidos com filosofia, história, letras, teatro e religião são

frequentemente solicitados a conhecerem a língua grega uma vez que esse

conhecimento possibilita a leitura dos textos de referência na forma original. Conhecer

a língua grega implica ter a possibilidade de ler os mitos gregos com a riqueza de

detalhes em que foram originalmente escritos. Seguindo esse pensamento,

profissionais envolvidos com psicologia e psicanálise, ou com a sociologia, se

beneficiariam na atividade da leitura original, uma vez que Sigmund Freud abriu uma

série de estudos acerca do mito de Édipo, enquanto que Marx se debruçou sobre

Prometeu. O domínio do grego clássico propicia uma vantagem prática na elaboração

de textos em língua portuguesa, uma vez que esta tenha em sua estrutura palavras

derivadas de equivalentes gregos, e o aprendizado de sua etimologia auxiliaria na

deducação e dissecação de muitos significados de palavras e expressões em outras

línguas. Através do domínio de sua linguagem, a cultura grega se aproxima de tal

forma que é possível desvendar as origens de muitas características da própria origem

de quem a estuda, além do estudioso ser capaz de fazer contrastes necessários entre

as duas, como também investigar sua visão e sua ação no mundo, uma vez que a

cultura e a língua andam juntas.

Por meio de todo esse aspecto cultural e línguistico, os mitos aparecem como

sendo uma alternativa ou um caminho de conhecimento do mundo e dos seres

humanos, talvez um modo de conhecer as questões fundamentais da existência

humana, como veremos na próxima subseção.

Page 50: Cretenses

Preservação, humanismo, psicologia, antropologia

Através dos mitos, e de outros aspectos de sua cultura, aos gregos antigos

são creditadas muitas contribuições ao mundo Ocidental de hoje, dentre as quais:

• o desenvolvimento harmonioso do corpo e da mente humana;

• a cidade autônoma;

• a concepção da arte;

• a especulação filosófica.

A mitologia grega foi retomada e revista nas artes e nos campos intelectuais

dos séculos posteriores àqueles em que tinha se originado, e a preservação de seus

mitos contribuiu fundamentalmente na compreensão do ser humano enquanto figura

do humanismo. Em Linguagem e Mito, o filósofo Ernst Cassirer afirma que "[...]a

mitologia irrompeu com mais força nos tempos mais antigos da história do

pensamento humano, mas nunca desapareceu por inteiro". Sendo assim, os mitos

gregos influíram, indiscutivelmente, na filosofia, na parapsicologia, e nas consciências

educacionais, ecológicas e sobre nós mesmos. Na psicologia, especificamente, os

simbolismos da mitologia grega representam um papel fundamental: os psicólogos

associam a borboleta a uma estreita relação entre a mente do homem e a sua

natureza espiritual, bem como a transformação, alma, libertação, sorte, sensualidade,

e psiquê (cuja origem vem do grego psyché) Muito antes, contudo, os gregos

representavam a alma humana como uma borboleta, como meio de dar-lhe o

significado simbólico de transformação, e da passagem da vida corpórea para a vida

espiritual Portanto, muitos dos conceitos atuais se apoiaram em heranças que a

mitologia da Grécia nos legou. Para Mircea Eliade, "os mitos gregos, efetivamente,

narram não apenas a origem do Mundo, dos animais, das plantas e do homem, mas

também de todos os acontecimentos primordiais em consequência dos quais o homem

se converteu no que é hoje um ser mortal, sexuado, organizado em sociedade,

obrigado a trabalhar para viver, e trabalhando de acordo com determinadas regras."

Maria Lucia Gili Massi, chefe da área de desenvolvimento de recursos

humanos, apontou numa entrevista de maio de 2005, que os "mitos ajudam a entender

relações humanas." Para o professor de Literatura e História da Arte Fábio Brazil,

conhecer os mitos, "sejam eles polinésios, tupinambás, maias, sumérios ou gregos

não é o estudo de um fenômeno local e temporal, é o estudo e conhecimento da

resposta simbólica do homem diante da natureza interna e externa à sua psique [...]",

e reforça que os mitos gregos "[são] para nós um ato de autoconhecimento." Segundo

Brazil, através dessa convenção olhar o mito pela face da religião fará com que

olhemos também seus desdobramentos na história e na arte; se olharmos o mito pela

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face da arte, olharemos, inevitavelmente, seus desdobramentos na religião e na

história e, por último, se o olharmos através da história, inevitavelmente seremos

obrigados a olhá-lo também na arte e na religião. Para o francês Lévi-Strauss,

fundador da antropologia estruturalista, as narrativas míticas, com seu poder de

fascinar por meio de heróis audaciosos, ainda são fontes de vigor, resistência, e de

referência para os ocidentais. No livro O Cru e o Cozido (2004), Strauss afirma que os

mitos gregos são vantajosos por serem capazes de configurarem-se em "analogias

universais que, independentes da língua materna de cada um, podem ser familiares a

todos nós."

INFLUÊNCIA

Artes

Europa e América do Norte

A ampla adoção do Cristianismo no Ocidente não freou a popularidade dos

mitos greco-romanos. Com o redescobrimento da antiguidade clássico no

Renascimento, a poesia de Ovídio se converteu em uma influência importante para a

imaginação dos poetas, dramaturgos, músicos e artistas ocidentais. Desde os

primeiros anos do Renascimento, personalidades como Leonardo da Vinci,

Michelângelo e Rafael retrataram os temas pagãs da mitologia grega adicionando

temas cristianos mais convencionais. Mediante o latim e as obras de Ovídio, os mitos

gregos influenciaram poetas medievais e renascentistas como Petrarca, Boccaccio e

Dante, na Itália.

Goethe nutria um imenso interesse pela atitude dos deuses olímpicos, em

detrimento de motivos mais humanos.

No Norte da Europa, a mitologia grega nunca alcançou a mesma importância

nas artes visuais, mas sua influência na literatura foi colossal. Os mitos gregos

produziram efeitos na imaginação inglesa de nomes como Chaucer e John Milton e

seguiu em destaque de Shakespeare à Robert Bridges, no século XX. Racine da

França e Goethe da Alemanha reviveram os dramas do teatro grego antigo, re-

interpretando os mitos mais antigos. Embora o Iluminismo tenha estendido por toda a

O Nascimento de Vênus, de Botticelli (c. 1485–1486,

Uffizi, Florença) é uma Venus Pudica revivida para

um novo ponto de vista da antiguidade pagã: muitos

a compreendem como o resumo do espírito

renascentista.

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Europa uma reação contra os mitos gregos, estes continuaram sendo uma importante

fonte de material para os dramaturgos, incluindo os autores de libretos de muitas

óperas, como Händel e Mozart. Em finais do século XVIII, o Romantismo proporcionou

um aumento no entusiasmo da cultura grega, incluindo a mitologia. Na Grã-Bretanha,

novas traduções em cima das tragédias gregas e das obras de Homero inspiraram

poetas (como Alfred Tennyson, Keats, Byron e Shelley) e pintores contemporâneos

(como Lord Leighton e Lawrence Alma-Tadema). Em épocas mais recentes, os temas

clássicos foram re-interpretados pelos dramaturgos Jean Anouilh, Jean Cocteau e

Jean Giraudoux na França, Eugene O'Neill nos Estados Unidos e T.S. Eliot na Grã-

Bretanha, e por novelistas como James Joyce e André Gide.

Brasil e Portugal

Em Camões, a mitologia serve como "oficina de imagens; corpo poético para

a revelação de forças hostis ou benéficas da natureza, das relações sociais e do

coração humano; e veículo da fé do poeta num Deus único, eterno e superior aos

homens".

A mitologia grega foi utilizada pelos lusófonos de forma expressiva e ampla,

sendo aproveitada em campos como a música, a literatura e notavelmente o teatro,

refletindo as características de seus mitos com os aspectos sociais condizentes com

seu tempo. Em sua magnum opus Os Lusíadas, Luís de Camões modelou sua

linguagem adotando a mitologia grega com o intuito de ordenar e enfatizar seu poema.

Camões acreditava que poetizar a mitologia era dar "uma unidade de ação e um

enredo dinâmico ao seu poema e usufruir do sentido autônomo de beleza que as

imagens possuem". Sua obra é vista como uma tentativa de converter os mitos em

termos de realidade histórica, servindo-se do estilo clássico para elevar os ideais do

Cristianismo. Certos críticos observam que Camões atribui a Vênus características

harmoniosas e de organização para representar o espírito do Ocidente, enquanto que

Baco é a corporização do espírito do Oriente, com características vaidosas e

desorganizadas. Seu estilo é visto como uma espécie sem definições definitivas.

A obra de Lobato introduz uma ampla variedade

de deuses, semideuses, heróis e outras criaturas

mitológicas engendradas em linguagens apropriadas para

sua literatura infanto-juvenil.

Page 53: Cretenses

Monteiro Lobato — apaixonado pela influência que a cultura grega sobrepôs

na língua portuguesa — explorou a tradição da mitologia grega cumprindo seus

projetos ligados a um público infanto-juvenil (dessa forma, a obra de Lobato foi

norteada através de sua compreensão de que o mito grego era o alimento do espírito,

algo que ele especifica no mito nacional do Saci). Lobato, cuja intertextualidade dá-se

por meio de uma linguagem simples (às vezes incluindo definições de vocábulos),

retomou temas mitológicos em obras como O Minotauro e Os Doze Trabalhos de

Hércules, adotando uma linguagem infantil em ambas as obras. Suas intenções eram

transmitir mensagens sobre família, educação e imaginação, ao mesmo tempo que

mostrava "o maravilhoso [do mundo mitológico]" como a "pueril mágica do cotidiano".

Antes de Lobato, a intertexualidade já se dava por meio do Padre Antonio Vieira, que

escrevia seus sermões em território brasileiro, utilizando muitas vezes as figuras de

Narciso, de Midas e das Parcas para referir-se à vaidade, a avareza e a morte,

explicando: "Só uma coisa há que não pode passar, porque o que nunca foi, não pode

deixar de ser, e tais parece que foram as fábulas que neste mesmo tempo se

inventaram e fingiram." Inspirado pelas Metamorfoses de Ovídio, Cruz e Silva produziu

doze metamorfoses, inteiramente influenciado pelo mito grego.

No século XVIII, Gonzaga incorporou a mitologia clássica em Marília de

Dirceu, utilizando da tradição arcadista de retomar a cultura grega em obras literárias.

Na poesia, destacam-se: Prosopoéia, de Bento Teixeira (poeta fascinado por

Camões), cuja estrofe XV faz referência à Proteu; Marília de Dirceu, escrito por Tomás

Antônio Gonzaga no século XVIII, época em que o Arcadismo retomava o costume de

citar textos da Grécia clássica,[206] onde Gonzaga diz, "[...] O terno corpo despido/ E de

Amor, ou de Cupido…"; Vozes D'África, poema do baiano Castro Alves, em que ele

cita Prometeu, incluindo hipérboles e comparações ao seu estilo romântico; o poema

Helena, de Luiz Delfino, onde há alusões a Helena de Troia, Paros e à Grécia antiga;

Augusto dos Anjos, adepto do Simbolismo e com seu pessimismo típico, evoca a

figura da Quimera no poema Versos Íntimos, onde há uma espécie de angústia

perante o século novo e a ameaça da Primeira Guerra Mundial; o poema do

Modernismo Bacanal, de Manuel Bandeira, onde Bandeira cita o nascimento do vinho

e do teatro, com a figura de Dionísio, além de saudar: "Evoé Baco!", e — finalmente —

Carlos Drummond de Andrade com o poema Rapto, onde o evoca a cena bizarra de

Ganimedes sendo raptado pelo Deus Júpiter na porta de uma boate carioca.

Page 54: Cretenses

Em Vinicius, a mitologia aparece como um meio de dizer sobre amor, paixão

e música.

Vinicius de Moraes escreveu Orfeu da Conceição originalmente em 1942,

reescreveu seu texto em 1955, e a peça só foi montada em 1956 no Rio de Janeiro. A

peça baseia-se no mito de Orfeu, que descia até Hades com Eurídice cantando

docemente para que os mortos deixassem os dois passarem. Aproveitando os dotes

musicais que os gregos antigos atribuíam a Orfeu, cantor e instrumentista da lira,

Moraes fez de seu Orfeu um condutor de bonde e sambista que mora num morro do

Rio de Janeiro. A obra de Vinicius, que é vista como uma tentativa de unir o drama

com a poesia lírica, rendeu o álbum musical Orfeu da Conceição com as músicas da

peça, uma adaptação ítalo-franco-brasileira famosa e premiada para o cinema

intitulada Orfeu Negro, sob a direção de Marcel Camus, e também um de seus

grandes sucessos com Tom Jobim: a canção "Se Todos Fossem Iguais a Você". Aliás,

a peça marcou o início da amizade e da produção artística dos dois, endo esse

acontecimento, para Vinicius, o ponto principal dos resultados obtidos por ele em sua

composição da obra.

A obra de Saramago, como a de Chico, adota a mitologia para falar de

política e situações da contemporaneidade.

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Oduvaldo Viana Filho adaptou para a televisão brasileira o texto de Medéia,

do grego Eurípedes, e, a partir dessa produção, Chico Buarque de Holanda e Paulo

Pontes recuperaram o mito de Medéia ao escreverem um musical intitulado Gota

d'água (1975), retratando o abandono que Joana, a personagem principal, sofre pelo

marido, e as consequências trágicas que a levam a assassinar os próprios filhos numa

favela do Rio de Janeiro, à semelhança de Medéia, que os assassinou após ser

deixada por Jasão.[216] Ambientada numa área urbana do Rio de Janeiro, a tragédia

incorporava em seu texto mais de quatro mil versos, e sua primeira encenação teve

Bibi Ferreira no papel principal. Gota d'água, de Buarque e Pontes, é vista como um

drama que tenta focalizar a realidade brasileira da década de 1970 e sua desigualdade

social, a resistência de sua democracia durante sua ditadura militar, e sua política

autoritarista, bem como os temas mais universais como a traição, moralidade e o amor

(presentes no original grego). José Saramago, em território português, publicou O

Homem Duplicado em 2002, revestindo o mito de Anfitrião a um estilo pós-morderno

ao narrar as consequências que o personagem Tertuliano vem a sofrer por ter perdido

sua individualidade após se envolver com uma cultura alienante e massificadora.

Através desse enredo, Saramago propõe uma reflexão sobre política e cidadania e

estabelece uma intertextualidade moderna e criativa da mitologia grega.

NEOPAGANISMO E RESGATE

Neopaganistas helênicos do Supremo Conselho dos Gentios Helenos no festival anual

Prometheia, junho de 2006, Grécia.

Com o advento do Neopaganismo, surgiram grupos de homens da Grécia

moderna interessados em resgatar os mitos gregos e adorá-los como religião e

verdade. De fato, esse grupo neopagão não os vê como mitos e não veneram o que

hoje conhece-se como "mitologia grega", e sim são resgatadores da religião da Grécia

Antiga. O Dodecateísmo (também chamado de Neopaganismo Helênico) desde a

década de 1990 tenta reviver as práticas religiosas da Grécia antiga. Este movimento,

por vezes englobado dentro de um mais amplo chamado Reconstrucionismo

politeístico helênico, prega o politeísmo, a ortopraxia, e reconhece os doze deuses

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olímpicos (Zeus, Hera, Poseídon, Apolo, Ártemis, Afrodite, Ares, Hefesto, Atena,

Hermes, Deméter, Héstia e Dionísio), embora dentro do Dodecateísmo tenham

surgido grupos e/ou organizações menores que preferem focar seus rituais em um

deus ou deuses específicos. O Supremo Conselho dos Gentios Helenos (em grego,

Ύπατο Συμβούλιο των Ελλήνων Εθνικών ou YSEE) se estabeleceu em 1997 e está

rapidamente se tornando a organização preeminente que representa a religião em

todo o mundo helênico. Não se sabe ao certo quantos adeptos existem dentro do

Neopaganismo Helênico, contudo sabe-se que há uma comunidade significativa nos

Estados Unidos da América e que cerca de 2.500 pessoas participaram do festival

anual chamado Prometheia de 2005, promovido pelo YSEE. Mesmo tradições que não

sofram influência direta do mundo grego se interessam pela mitologia grega. É o caso

da Wicca que, embora foque na religião celta e no Culto Bruxo, possui adeptos

ecléticos que simpatizam com antigos conceitos de mente, corpo e espírito legado da

filosofia grega. Com a primeira evidência de uma prática pagã de bruxaria nos anos 30

(o que hoje é reconhecido como Wicca), na Inglaterra, diversos grupos pelo país, em

Norfolk, Cheshire e outros, estavam abertos a influências de diversas outras fontes

como o Romantismo, as religiões asiáticas e também a mitologia grega.

Page 57: Cretenses

BIBLIOGRAFIA

Sem Nome Literatura Grega em Brasil Escola;

O Mitos Gregos e sua Influência na cultura Ocidental.Vol Educaçaõ;

Homero,lliad,8.Poema Épicio sobre a Guerra de Tróia;

Anjos,Augusto dos.Poesia completa Rio de Janeiro.Nova Aguilar 1080;

Apolodoro.Biblioteca Mitologica.trad J.G Moreno.Madrid:Alianza.1993.