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Da Criação à Consumação Volume 1 «O título em português precisa ser melhorado» «A leitura da Introdução dá uma boa idéia da proposta do autor» Gênesis a 2 Reis Gerard Van Groninge

Criacao e Consumacao 1

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Groningen

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Page 1: Criacao e Consumacao 1

Da Criação à Consumação

Volume 1

«O título em português precisa ser melhorado»

«A leitura da Introdução dá uma boa idéia da proposta do autor»

Gênesis a 2 Reis

Gerard Van Groninge

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Prefácio

Quando adolescente, eu era freqüentemente privilegiado por ouvir as

discussões teológicas de meu pai com seus amigos mais chegados. Muitas destas

discussões se deram nos campos de feno e grãos. Enquanto jogavam o feno e os

grãos nos carroções e eu ajeitava a carga, discutiam assuntos como “criação e

queda”, “graça comum”, “graça soberana”, “aliança”, “reino de Deus”, “o papel do

Messias” e “a possibilidade ou probabilidade da sua volta à terra para um reinado

de mil anos”. Eu não me importava com as discussões, porque quanto mais se

envolviam nelas, menos feno e grãos eram jogados e eu tinha menos trabalho.

Com menos feno a carregar eu podia prestar mais atenção às conversas e

aprender bastante teologia. Aprendi daqueles fazendeiros o que um grande

número de teólogos e pregadores criam e ensinavam. Isto me fazia cada vez mais

pensar no que, de fato, as Escrituras ensinavam a respeito daqueles assuntos.

Durante os últimos cinqüenta anos, desde que deixei a fazenda, tenho sido

desafiado a aprender de forma mais precisa o que as Escrituras ensinam a

respeito das matérias que desafiavam aqueles crentes pensadores.

Quando surgiu a oportunidade de ensinar no seminário, em 1960, eu sabia

ter chegado a hora de devotar minha atenção ao que Deus revelou com respeito a

sua criação, particularmente sua motivação e plano para a mesma. A busca de

respostas levou-me a entender que a criação e a consumação estão

inseparavelmente relacionadas. Uma fala do começo e a outra, do alvo para o

qual houve um começo. Minha atenção foi repetidamente direcionada ao agente

Messiânico da criação e consumação. Questões relativas à revelação do Messias,

sua posição real, sua obra e experiência como mediador do reino e da aliança

constantemente se levantavam perante mim. Meu livro anterior lida com a

revelação do mediador messiânico no Antigo Testamento. Enquanto pesquisava

para este primeiro livro, não pude evitar as implicações escatológicas da presença

e obra messiânicas. Eu me convenci de que deveria trabalhar com criação,

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história e escatologia, e assim expor com clareza o papel do reino e da aliança

nos mesmos.

Este trabalho é o resultado de anos de estudo, pesquisa e ensino em

seminários. Deve ser considerado como uma expansão do material a que me

referi no meu livro anterior, Revelação Messiânica no Velho Testamento

(Campinas: Luz Para o Caminho, 1994). Nesse livro me concentrei nas passagens

do Antigo Testamento que falam implícita ou explicitamente sobre o Messias

prometido. Enquanto escrevia, percebi que o manuscrito seria por demais extenso

se incluísse um estudo bem desenvolvido dos contextos de reino e aliança das

passagens messiânicas. Percebi também que não poderia incluir temas

escatológicos que exigissem prolongadas discussões. Concluí cada seção com

um pequeno resumo intitulado "Implicações Escatológicas". A presente obra,

portanto, deve ser considerada como um estudo mais completo dos contextos de

reino e aliança dentro do conceito messiânico, assim como um desenvolvimento

dos temas escatológicos que estão intimamente relacionados com a revelação do

Messias no Antigo Testamento.

O Antigo Testamento é um longo livro, tão longo, que se alguém desejar

estudar tudo, ou pelo menos quase tudo, do que ele fala a respeito da aliança, do

reino e seus papéis nos planos de Yahweh para conduzi-los à consumação, o

manuscrito seria demasiado grande. Por isso, foi tomada a decisão de publicar o

material em três volumes. O volume I cobre o material de Gênesis 1.1 a 2 Reis

25.30. O volume II, sendo escrito, deverá cobrir todo o material profético. O

volume III deverá cobrir a literatura Poética e de Sabedoria, assim como os

escritos pós-exílicos, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias e Ester.

É minha obrigação e privilégio reconhecer uma dívida com várias

pessoas que me encorajaram, sustentaram e assistiram. Em primeiro lugar, eu

devo referir-me a minha querida esposa, Harriet, que digitou meu manuscrito mais

de uma vez. Ela também tem sido uma fonte constante de felicidade e auxilio em

oração. Ainda me referindo à família, devo reconhecer a assistência de nosso

filho, Dr. Charles Van Groningen, que nos deu algum entendimento sobre o que

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está se desenvolvendo no mundo da computação e também sobre o uso desta

maravilhosa ferramenta. Agradeço aos estudantes do Covenant Theological

Seminary, que cursaram as aulas de Th. M. e D. Min. nas quais o material deste

livro, em forma de manuscrito, foi apresentado, estudado e discutido. Eles me

capacitaram a ganhar uma maior e mais profunda compreensão na revelação do

Antigo Testamento no que se refere à revelação do Reino, Aliança e Mediador nos

seus papéis históricos e escatológicos. Escrevi e falei de Reino, Aliança e

Mediador como um Cordão Dourado de três fios que se apresentam e funcionam

como os elementos de ligação de toda a revelação do Antigo Testamento. Eu

seria muito negligente na minha obrigação se não agradecesse de coração aos

estudantes brasileiros que assistiram às aulas no Centro Presbiteriano de Pós-

Graduação Andrew Jumper, em São Paulo, Brasil. Quando apresentei este

material, eles o acharam tão útil que persuadiram a Casa Editora Presbiteriana a

traduzi-lo para o português.

Sou profundamente grato à Srta. Maria den Boer que editou

cuidadosamente o manuscrito quando este foi preparado, seção por seção. Sua

perícia não perde para a de ninguém; ela tem constantemente me encorajado a

prosseguir no preparo de meus manuscritos. Sou também profundamente grato à

equipe da Dordt Press, especialmente ao Sr. James De Young e ao Dr. Mike

Vanden Bosch pela prontidão em colocar este trabalho à disposição do público.

Finalmente, agradeço ao nosso soberano Senhor da Aliança por nos

dar a revelação do Antigo Testamento que ensina, inspira e enriquece nossa vida

em nossa jornada no seu renovado e consumado Reino. Soli Deo Gloria.

Dr. Gerard Van Gronigen

1/8/95

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INTRODUÇÃO

Este é um estudo bíblico teológico exegético1 que concentra-se na criação,

história e escatologia. Ele desenvolve os conceitos bíblicos de reino e aliança (e

também de mediador) como os elos de ligação entre criação, história e

consumação. Estou consciente das várias obras bíblico-teológicas publicadas

durante o século XX. Outras obras continuam a ser publicadas.2

Este trabalho deve ser considerado como uma indicação e um repúdio. Sou

conhecedor do que muitos estudiosos estão tentando fazer em áreas intimamente

relacionadas com os temas principais desta obra. Estar consciente disso, no

entanto, não me faz considerar necessário tratar cada um dos assuntos

prolongadamente, de forma acadêmica e formal, em separado; antes, no decorrer

do meu estudo e discussões dos temas centrais, esta consciência, minhas

preferências e avaliações, se farão evidentes.

O leitor pode estar interessado em saber quais são os assuntos que

considero inseparavel e integralmente relacionados ao que tratarei neste livro.

Relaciono abaixo os mais importantes:

Primeiro, que o Antigo Testamento é a revelação do Deus Triuno e

soberano. Eu deliberadamente emprego o termo "'é" e evito o temo "contém"

porque é parte de minha convicção que todo o Antigo Testamento é o registro

inspirado, infalível, inerrante e cheio de autoridade da revelação de Deus à 1 Métodos de exegese variam grandemente. Uma leitura atenta de uma variedade de

comentários irão confirmar esta declaração. O método que proponho usar não vai diferenciar muito do teológico-histórico-gramatical, com certas adaptações de outros métodos, aos quais me referirei nos próximos parágrafos. Cuidado será tomado para estar ciente das falácias como as que Donald A. Carson descreveu no seu livro A Exegese e suas Falácias (Pegar dados em da tradução).

2 Minha intenção não é simplesmente ser somado ao número de teologias bíblicas publicadas. Minha meta é colocar o plano escatológico de Deus na perspectiva criacionista, histórica, pactual e do reino. Deveria também mencionar que estou ciente das diferentes abordagens à teologia bíblica. Ver Gerhard Hasel, Teologia do Antigo Testamento: Questões Fundamentais no Debate Atual (Rio de Janeiro: JUERP, 1987) [Este livro já se encontra na sua quarta edição em inglês (1991), revisada e expandida – N.T]. Estou ciente, também, do que tem sido considerado a crise da teologia bíblica. Brevard S. Childs tem tentado demonstrar isto no seu livro Biblical Theology in Crisis. (Philadelphia: Westminster, 1974). Minha visão é de que estudiosos com orientação liberal têm sido a principal fonte dessa crise. É bom lembrar, no entanto, que abordagens e métodos de estudo da teologia bíblica variam bastante até entre estudiosos conservadores.

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humanidade antes de Cristo ser concebido e nascido. Envolvida nestas

declarações que faço a respeito do Antigo Testamento como revelação, está a

negação de que o Antigo Testamento seja basicamente um registro do

desenvolvimento e crescimento da consciência religiosa por parte de certas

personalidades do Antigo Testamento ou de Israel como comunidade. As

Escrituras do Antigo Testamento dão indicações do caráter religioso, consciência

e respostas do povo a quem a revelação foi dada. Estas foram incluídas no

registro da revelação progressiva de Deus. É meu ponto de vista que qualquer

pensamento humano relatado nas Escrituras do Antigo Testamento foi precedido

e, em um sentido real, iniciado pela revelação anterior de Deus. Ainda mais, creio

que a realidade da revelação divina é um pré-requisito fundamental para o

entendimento de toda a história, a qual é, por sua vez, um aspecto fundamental

para o estudo da escatologia.3

Segundo, que a hermenêutica é uma matéria importante e vital. Muito se

escreveu e continua a ser escrito nesta área. Está se tornando muito difícil

discernir as linhas de demarcação entre o número crescente de "escolas

hermenêuticas" ou "perspectivas". Novas abordagens das Escrituras estão em

desenvolvimento; antigas abordagens estão sendo sustentadas, revisadas ou

rejeitadas.4 Qualquer um que planeje um estudo extenso do Antigo Testamento 3 Este fato da revelação anterior de Deus tem sido, repetidamente, incutido em mim pela

leitura de vários trabalhos que lidam com este assunto. Um desses trabalhos é o de John Frame The doctrine of the Knowledge of God (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1987). Outra obra foi o ensaio de Louis J. Voskuil, "History as Process: Meaning in Change", que apareceu em duas edições de Pro Rege 16/3-4, no qual ele escreveu: "Seu (de Deus) Espírito e revelação são, todavia, decisivos como uma estrutura para se entender a formação da cultura humana " (p.22).

4 ? Os escritores recentes que tenho lido e que discutem hermenêutica são Donald A. Carson e seus colegas escritores em Biblical Interpretation and the Church: The Problem of Contextualization (Nashville: Nelson, 1984). As visões de Frame (ibid.) são seguidas e desenvolvidas por Vern Poythress em Symphonic Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1987). Poythress tem escrito, especificamente, com relação ao perspectivalismo, i.e., várias perspectivas podem ser usadas quando se considera um passagem bíblica específica. John Goldingay escreveu uma pesquisa intitulada Approaches to Old Testament Interpretation (Downer Grove: IVP, 1981). Veja, também, seu recente ensaio intitulado "Hosea 1-3, Genesis 1-4, and Masculist Interpretation" em Horizons in Biblical Theology, vol17, No. 1 (1995): 37-44. Goldingay escreveu que uma interpretação "máscula" da Escritura pode não estar ainda nascendo como uma escola de interpretação reconhecível, mas deve ser vista como um "parasita da interpretação feminista"; ela, entretanto, "por definição, pós-feminista". É também interessante notar que um grupo de estudiosos da Drew University estão tentando ressuscitar o criticismo histórico introduzindo um novo periódico chamado The Journal of Higher Criticism". Enquanto isso, uma maior atenção tem sido dada, nas décadas recentes, ao interesse

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inevitavelmente adota, desenvolve e demonstra uma hermenêutica pessoal. Ou

seja, qualquer um que leia e estude as obras de estudiosos bíblicos vai conhecer

quais os pressupostos adotados com relação às Escrituras, qual o método

exegético empregado, e como o material bíblico é interpretado e aplicado.

Terceiro, que o texto das Escrituras do Antigo Testamento é um fator

importante na discussão da criação-consumação. O texto em mãos é confiável? É

verdadeiramente canônico, tendo a autoridade que o conceito de cânon possui?

Se é canônico, como, neste caso, se tornou canônico? Dois escritores, B.S. Childs

e Roger Beckwith, que discutiram o cânon exaustivamente, tem tomado como

ponto de partida o período pré-cristão. Eles têm buscado determinar qual era o

status canônico dos livros do Antigo Testamento entre a comunidade judaica antes

da era cristã. Ambos sofrem de um problema sério quando ensinam que a

autoridade canônica das Escrituras do Antigo Testamento deve ser discernida do

processo histórico de formação ao invés das evidências internas (auto-atestação).

centenário pela retórica e suas conexões com a religião (textos religiosos) É difícil de se definir, precisamente, criticismo retórico por causa da grande variedade de definições e usos ainda existentes. Veja o ensaio de Whilhelm Muellner "Rhetorical Criticism in Biblical Studies", Jin Dao, Journal of Bible and Theology, Issue 4 (1995): 73-96. Interpretação Narrativa ou Teologia Narrativa tem, também, recebido uma crescente atenção nas décadas recentes. Ela enfatiza o "caráter da narrativa", especialmente do material histórico das Escrituras e, também, em um certo grau, da literatura profética e das epístolas. Poderia ser demonstrado que a ênfase hermenêutica da Exegese Desconstrucionista, que alega que nenhuma leitura de qualquer material pode ser final porque todo texto é aberto a uma leitura contraditória, tem surgido por causa dos métodos hermenêuticos diferenciados e seus respectivos métodos exegéticos que, freqüentemente, contradizem um ao outro ou são apresentados como sucessores e/ou substitutos dos antigos.

David E. Klemm produziu uma pesquisa útil. Ele coletou ensaios escritos por estudiosos em edições fundamentais envolvidas nos modernos debates hermenêuticos. Veja Hermeneutical Enquire vols. 1-2 (Atlanta: Scholars, 1986). No vol. 1, Klemm inclui uma introdução em que ele traça o desenvolvimento das discussões dos estudiosos com relação ao "entendimento" nas eras pré-moderna, moderna e pós-moderna. Ele sugere que o que está acontecendo na nossa era pós-moderna tem sua base na abordagem hermenêutica da era moderna, como uma "teoria da interpretação" através da qual "significados auto-evidentes dados na tradição religiosa" foram desalojados e novas condições fizeram com que o texto autorizado, como o texto da Bíblia, perdesse seus significados auto-evidentes. (pp. 34-35). Fizeram o texto bíblico negar o que disse e dizer, nas novas condições, o que não disse. Em toda a extensão das discussões hermenêuticas modernas e pós-modernas, nas quais o conceito de "entendimento" é fator principal, é dado ao "Eu" existencial sob quaisquer circunstâncias, um papel básico, fundamental e determinante. Alguém poderia acrescentar dizendo que muito, na hermenêutica moderna, tem se tornado orientado pela "subjetividade" ao invés da "objetividade". Eu poderia me referir ao livro de William J. Larkin Culture and Biblical Hermeneutics (Grand Rapids: Baker, 1988). O subtítulo é uma declaração que expressa o assunto específico do livro: "Interpretando e Aplicando a Palavra Autoritativa Numa Era Relativística". Larkin aceita a autoridade da Palavra e demonstra que o relativismo do pensamento e vida contemporâneos é incompatível com aquela Palavra autoritativa revelada.

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Deveria ser dada atenção ao recente trabalho de Robert Vasholz em que é

apresentado o testemunho do Antigo Testamento com relação ao cânon.5

Quarto, que o ensino bíblico com relação à criação ocupa um papel

essencial e central em toda a Escritura. Foi na criação que a revelação foi

primeiramente dada; naquele instante, a aliança e o reino cósmico foram

estabelecidos; o papel mediador, inicialmente do primeiro Adão e, então, do

segundo Adão, foi determinado. O processo histórico começou quando Deus criou

o universo. O estudo da criação, como apresentado do começo ao fim das

Escrituras, é freqüentemente desafiado por cientistas que apresentam suas

próprias visões das origens. Novas explicações continuam a ser consideradas. Há

poucos anos, a questão discutida era: Foi o “Big Bang" provocado por Deus

quando Ele começou suas atividades criadoras?6 Como esta discussão

desenvolveu-se muito recentemente, nenhuma referência ao Big Bang está

incluída no Volume I, mas sim nos Volumes II e III.

Quinto, que a história desempenha um importante papel no estudo

da escotologia.7 A história trabalha com pessoas e datas coordenadas com

eventos, causas e conseqüências que são reveladas no processo do tempo.

Estudantes têm achado útil aprender e lembrar que cinco fatores devem ser

guardados na memória no estudo da história: continuidade, integração,

individualização, diferenciação e realidade. É importante lembrar-se de todos

estes fatores no estudo da revelação de Deus, do que transpirou a partir do

primeiro momento - "No começo" (Gn 1.1) - até à resposta do Pai ao Filho - "Bom

trabalho Filho fiel" - quando ele coloca todas as coisas, e a si próprio, sob a

sujeição do Pai (1 Co 15.28). Além disso, é importante também manter uma

5 Brevard S. Childs, Introduction to the Old Testament as Scripture (Philadelphia: Fortress, 1979), e Roger Beckwith, The Old Testament Canon of the New Testament Church (Grand Rapids: Eerdmans, 1985). Robert Vasholz, The Old Testament Canon in the Old Testament Church (manuscrito revisado, não publicado, St. Louis: Covenant Theological Seminary, 1995) [Este manuscrito foi traduzido para o português por Mauro Meister, porém ainda não publicado (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper) N.T].

6 Michal Welker escreveu um ensaio intitulado "Creation: Big Bang or The Work of Seven Days" em Theology Today 52:2 (Julho 1995): 173-189. Welker interage com Stephen Hawkins em A Brief History of Time: From the Big Bang to Black Holes (New York: Bantam, 1988).

7 Ver os ensaios de L. Voskull. Ver, também, Anthony Hoekema, A Bíblia e o Futuro (pegar dados da tradução), especialmente o capítulo sobre "O Significado da História".

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distinção clara entre os vários "tipos de história" que podem ser discernidos no

estudo do Antigo Testamento. Existe a história do cosmos, que é o processo mais

abrangente. Dentro dele, as Escrituras se referem à história das nações e,

particularmente, à história de Israel como uma nação. Existe também a distinção

entre a história da revelação e a história da redenção. Finalmente, pode ser

discernida a história do povo quanto à percepção da revelação e a apropriação da

redenção.

Estas distinções, embora devam ser mantidas em mente, não serão

enfatizadas de forma repetitiva. No entanto, deveria ser adicionado que a história

da revelação receberá a atenção adequada que as Escrituras do Antigo

Testamento demandam.

Sexto, que dois conceitos aos quais as Escrituras do Antigo

Testamento se referem repetidamente, e têm um papel fundamental para qualquer

pessoa no entendimento do plano revelado de Deus, são a Aliança8 e o Reino de

Deus. A frase "Reino de Deus" raramente aparece no texto do Antigo Testamento,

mas a realidade do reino de Deus é penetrantemente presente.9 A falta de 8 Escritores aos quais eu tenho, recentemente, dado uma atenção particular, são John Bright,

Covenant and Promise (Philadelphia: Westminster, 1976); Rodney Campbell, Israel and the New Covenant (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1954); William J. Dumbrell, Covenant and Creation (Nashville: Nelson, 1984); C. Graafland, Het Vaste Verbond (Amsterdam: Ton Bolland, 1978); Jacob Joez, The Covenant (Grand Rapids: Eerdmans, 1968); Thomas E. McComiskey, The Covenants of Promise (Grand Rapids: Baker, 1985); O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos (Campinas: Luz para o Caminho, 1997). Para um exemplo de diferentes concepções de pacto entre os estudiosos Reformados/Presbiterianos, veja John Stek, "Covenant Overload in Reformed Theology" Calvin Theological Journal, 29 (1994): 12-41. Craig G. Bartholomew escreveu uma crítica da visão de Stek e enfatizou a visão histórica sustentada no passado, "Covenant and Creation: Covenant Overload or Covenantal Desconstruction" Calvin Theological Journal, 30 (1995): 11-33.Bartholomew se refere a um trabalho de Gordon P. Hugenberger, Covenant as Marriage: A Study of Biblical Law and Ethics Governing Marriage, Developed from the Perspective of Malachi (D. Phil. Thesis, Cheltenham and Gloucester College of Higher Education, 1991) no qual, a visão reformada histórica de pacto como casamento é sustentada e, conseqüentemente, pacto é um relacionamento (contrário à negação de Stek). Eu dei, em anos passados, muita atenção a trabalhos de escritores como George Mendenhall, Ronald Clements, Meredith M. Kline e Gerhardus Vos.

9 Livros sobre o reino de Deus são numerosos, como uma consulta nos arquivos de biblioteca de qualquer seminário poder verificar. Trabalhos que tenho consultado frequentemente são John Bright, The Kingdom of God (Nashville, Abingdon, 1953). Jaap Helberg, "Openbaringsgeschiedenis Van Die Ou Testament", pts. 1-2 da apostila não publicada, Universidade da África do Sul, (1975); Meredith Kline "Kingdom Prologue", apostila, ICS, Toronto, (1983); Fred Klooster "Kingdom and Church", manuscrito não publicado, Calvin Seminary, (1978); Gerhardus Vos, The Teaching of Jesus Concerning the Kingdom and the Church (Grand Rapids: Eerdmans, 1951), e Raymond Zorn, Church and Kingdom (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1962).

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compreensão ou o mal entendimento do reino de Deus são obstáculos básicos

para se alcançar um acordo entre os estudiosos bíblicos e os cristãos sobre o

plano escatológico de Deus e suas metas.

Tenho desenvolvido o conceito do "Cordão Dourado". Os três fios

desse cordão dourado são o reino, o pacto e o mediador. O reino, estabelecido na

criação, é o cenário; a aliança é o meio administrativo; e o mediador é (são) o

agente da aliança servindo aos propósitos do reino.

Desenvolvi o conceito do pacto da criação (não pacto das obras, que

é um pequeno aspecto deste) o qual, quebrado em parte pela humanidade, é

redimido e restaurado pelo pacto gracioso/redentivo/restaurador. Logo, o pacto

redentivo funciona dentro do pacto da criação, capacitando a humanidade

restaurada e redimida a executar suas tarefas pactuais da criação que são

agrupadas em três mandados. Estes são o espiritual, enfatizando o

relacionamento com Deus Yahweh; o social, enfatizando o relacionamento com a

humanidade (casamento, família, lar, comunidade); e o cultural, enfatizando o

relacionamento da humanidade com todos os aspectos do cosmos criado.

A partir dessa perspectiva criadora/redentiva/restauradora, todas as

atividades do reino podem ser vistas como mais mutuamente interrelacionadas e

correlacionadas.

Isto tem realçado, imensamente, meu mundo e visão da vida. Tem me

dado, também, compreensão, por exemplo, que nossa tarefa educacional cristã

está profundamente arraigada no pacto da criação, como um aspecto de nosso

mandato cultural. Portanto, basicamente, a educação cristã está arraigada na

criação e não no pacto da graça, o qual tem uma influência definitiva na educação

cristã mas não supre o alicerce básico para ela. Outra compreensão dos nossos

privilégios sociais e culturais, responsabilidades e tarefas, tem sido realçada para

mim. Enfatizo estes alicerces e dou implicações sugestivas. Se eu fosse

desenvolvê-los, isto é, educação cristã, trabalho, política, meu trabalho seria

prolongado demais.

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Também ganhei maior compreensão do que nunca, ao fazer meus

estudos sobre a inimizade que Deus Yahweh estabeleceu (Gn 3.15,16) com o

reino parasita de Satanás e todas as suas impregnadas antíteses, com as quais,

nós, agentes mediadores da aliança (refletindo e servindo sob Cristo e seu reino),

devemos ajustar contas diariamente.

Sétimo, que o caráter e interpretação da profecia são dois assuntos

que requerem atenção cuidadosa no estudo da escatologia. Nenhum estudo

separado será feito nestes assuntos. Uma breve declaração a respeito de profecia

como tal está incluída em meu livro sobre messianismo no Antigo Testamento.

Minha abordagem desses assuntos será, inevitavelmente, demonstrada através

das minhas discussões, particularmente do material profético. É verdade, sem

sombra de dúvida, que tenho sido ajudado por um vasto número de estudiosos no

entendimento de profecia.10

Oitavo, que o papel de Israel como uma nação no tempo do Antigo

Testamento é um fator importante na consideração da revelação de Deus quanto

ao seu plano para o futuro. Que Israel tem um papel na história e na profecia do

Antigo Testamento está acima de qualquer discussão. O que nos chama para uma

cuidadosa consideração é a conexão do antigo Israel do Antigo Testamento e o

Israel de hoje. É bem sabido que existem agudas diferenças de opinião sobre se a

moderna nação de Israel é o cumprimento das profecias do Antigo Testamento e

se terá um importante e crescente papel entre as nações no futuro.11

Finalmente, que uma matéria muito importante para este estudo é a

consideração das várias visões escatológicas. Robert Clouse editou um livro no

1 0 Vários livros de hermenêutica de autores tais como L. Berkhof, A. Berkeley Michelsen e Milton Terry, têm sido trabalhos úteis. Tenho sido auxiliado por Philip E. Hughes, Interpreting Prophecy (Grand Rapids: Eerdmans, 1980); Hans K. LaRondelle, The Israel of God in Prophecy (Berrien Springs: Andrews, 1983); e uma releitura de Marten J. Wyngaarden, The Future of the Kingdom in Prophecy and Fulfillment (Grand Rapids: Baker, 1955). Trabalhos sobre escatologia têm sido também muito úteis (ver nota 11).

1 1 Alguns escritores que representam um ponto de vista escatológico específico, têm considerado o moderno Israel como uma base para o futuro reino milenar. Não milenistas têm escrito, comparativamente, muito menos sobre isto. Escritores seculares se referem, ocasionalmente, ao presente e ao futuro status de Israel. Lance Morrow, "Israel at 40: The Dream Confronts Palestinian Fury and a Crisis of Identity". Time, 4 de abril, 1988, 36-50.

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qual as quatro principais visões são definidas, descritas e avaliadas.12 Estas

visões serão avaliadas neste estudo. Este não será um assunto simples ou fácil. A

revelação do Antigo Testamento não define ou descreve qualquer "visão

sistemática" de uma maneira definida ou em uma passagem específica.

Adicionado a isto, está o fato de que o material do Novo Testamento sobre o

futuro tem sido organizado e colocado, por vários escatologistas, como uma grade

sobre o Antigo Testamento. Dificuldades adicionais surgem do debate sobre em

que grau os intérpretes devem seguir as interpretações literais ou espiritualizadas.

E então, somadas a estas dificuldades, está o fato de que existem variações entre

os seguidores de cada visão.

Seguidores da visão amilenista têm sido considerados divididos em,

pelo menos, três grupos: os amilenistas históricos13, os "milenistas liberais da

escatologia realizada"14, e os "milenistas sem preferência da teologia da

libertação"15. Os seguidores da visão pré-milenista histórica têm suas diferenças16.

Os seguidores da visão pós-milenista não são unidos na exposição de sua visão.

Lorraine Boettner é freqüentemente considerado um porta-voz útil17.

Possivelmente, as variações mais recentes que têm sido desenvolvidas estão

entre aqueles que sustentam o sistema dispensacionalista de escatologia. Três

variações óbvias são representadas pela Antiga Bíblia Scofield, que apresenta o

1 2 Robert G. Clouse, The Meaning of the Millennium (Downers Grove: IVP, 1977). John F. Walvoord também discute as quatro visões a partir de uma forte posição dispensacionalista em The Millennial Kingdom (Grand Rapids: Zondervan, 1959).

1 3 Ver Wyngaarden, Future.1 4 A visão escatológica concebida nos estudos do Antigo Testamento, não tem sido exposta em

um trabalho específico, mas vários trabalhos de teologia bíblica têm se referido a ela. Referências serão feitas a isto em lugares relevantes no corpo do texto.

1 5 É difícil cunhar uma sentença para se referir ao que Gustavo Gutierrez disse quando indicou que os teólogos da libertação não têm preferência por um sistema escatológico rígido por causa da visão do reino de Deus como presente entre o já e o ainda não; ele está aqui, agora, em processo. Veja a discussão de Emilio Nunez sobre "The Church in the Liberation Theology of Gutierrez" no simpósio de D. A. Carson Biblical Interpretation and the Church, 166-94.

1 16 Veja J. Barton Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy (New York: Harper & Row, 1973); e The Theology of the Older Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1962) para uma apresentação dessa visão.

1 7 Lorraine Boettner, The Millennium (Grand Rapids: Baker, 1958). Rousas Rushdoony e Greg L. Bahnsen, em vários escritos, têm tecido suas visões teonômicas em um sistema pós-milenista. David Chiltern desenvolveu sua posição em Paradise Restored: An Eschatology of Dominion (Tyler: Reconstruction, 1985).

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Dispensacionalismo Clássico; a Nova Bíblia Scofield, que apresenta o

Dispensacionalismo Revisado; e o recente Dispensacionalismo Pactual18, cujos

seguidores preferem chamar de Dispensacionalismo Progressivo. É interessante

notar que vários escritores, representando diferentes visões, têm buscado apoio

nos escritores da igreja antiga. Os escritores antigos não desenvolveram seus

"sistemas escatológicos" em detalhes, embora alguns tenham dado evidências

suficientes de qual era sua visão geral.19

Resumindo, este trabalho teológico-bíblico-exegético traça a

revelação de Deus dada progressivamente através de agentes da revelação

escolhidos especificamente no curso da história registrada no Antigo Testamento;

irá se concentrar no propósito, plano e estratégia de Deus para a criação, desde o

seu começo até a sua consumação. Este trabalho bíblico teológico irá se

concentrar na escatologia; ao fazer isso, os vários sistemas e visões, sustentados

no presente, serão considerados e avaliados. Uma tentativa concentrada e

honesta será feita no sentido de deixar as Escrituras do Antigo Testamento

explicarem seus próprios argumentos sobre escatologia. Estou ciente de que, nas

décadas passadas, outros escritores começaram a discursar sobre o mesmo

assunto20. O escopo do meu trabalho será mais amplo e o resultado mais definitivo

do que o que tem sido escrito até hoje.

1 8 Defensores dessas diferentes visões serão mencionados no curso deste e de outros livros em projeto.

1 9 Geralmente se condorda que Irineu e Tertuliano, do terceiro século A.D., deram evidências para sustentar alguns dogmas do pré-milenismo moderno, enquanto Agostinho, do quarto século A.D., foi definitivo em apoiar uma visão amilenista. Joaquim, do séc. XII A.D., desenvolveu uma posição considerada pós-milenista em seu caráter. Harold O. J. Brown menciona um paralelo entre Marcião (90-160 A.D.) e o dispensacionalismo do séc. XII em alguns pontos quando discutiu a escatologia de Marcião em Heresies: The Image of Christ in the Mirror of Heresy and Orthodoxy from the Apostles to the Present (New York: Doubleday, 1984). Veja Charles Caldwell Ryrie, Dispensationalism Today (Chicago: Moody, 1965) como um porta voz dos estudiosos do dispensacionalismo revisado e Craig A. Blausing e Darrell B. Bock, Progressive Dispensationalism (Wheaton: Victor Books, 1993) para uma apresentação do seu pensamento progressivo.

2 0 W. J. Dumbrell, The End of the Beginning (Grand Rapids: Baker, 1985); Meredith M. Kline "Kingdom Prologue", e Images of the Spirit (Grand Rapids: Baker, 1980); Willem Van Gemeren, The Progress of Redemption (Grand Rapids: Zondervan, 1988).

Page 14: Criacao e Consumacao 1

I A CRIAÇÃO

Page 15: Criacao e Consumacao 1

1 DEUS, O CRIADOR

I. A Revelação Inicial na CriaçãoII. A Motivação para a CriaçãoIII. O Escaton na CriaçãoIV. A Indicação da Pluralidade das Pessoas Envolvidas na Criação

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1 DEUS, O CRIADOR

A declaração de abertura das Escrituras do Antigo Testamento é

majestosa e abrangente na sua extensão: "No princípio, Deus criou os céus e a

terra" (Gn 1.1).1 Deveria ser notado imediatamente que essa declaração não inclui

ou menciona a mensagem bíblica da redenção. Ela cria um palco abrangente para

a revelação e a realização da redenção. É uma declaração de revelação a respeito

do Criador e sua criação. Esta declaração imediatamente traz à mente a questão

do seu propósito e função. Ela serve como uma introdução de conhecimento geral

para a revelação da redenção? Ou manifesta verdades principais e fundamentais

que são progressivamente reveladas no curso do tempo a respeito de Deus e sua

criação? Uma outra forma de se abordar o problema levantado é perguntar como,

à luz de Gênesis 1.1, as Escrituras do Antigo Testamento devem ser vistas. São

elas a revelação da divindade e do cosmos em sua mais ampla extensão possível

na qual a revelação da redenção tem um importante papel? Ou Gênesis 1.1 é,

meramente, uma introdução ao contexto dentro do qual redenção, que é a

mensagem central, acontece? Estas questões não deveriam ser respondidas a

priori ou baseadas em pressupostos. Uma resposta não pode ser dada no início,

nem alguém deveria tentar oferecê-la. Exige-se um estudo sério do texto do Antigo

Testamento.

Este estudo deveria, também, suprir esclarecedoras luzes dentro da

revelação de Deus com relação à escatologia. Questões com relação à extensão

da escatologia deveriam ser particularmente estudadas. As Escrituras do Antigo

Testamento sustentam, diante de nós, uma escatologia cósmica? Ou uma

escatologia nacional? Ou uma escatologia pessoal? Ou uma combinação das

duas ou três? Ou? Precisamos, primeiro, voltar nossa atenção para Gênesis 1.1-

1 Todas as citações do português foram tiradas da 2 ª Edição Revista e Atualizada de João Ferreira de Almeida, exceto quando indicado de outra maneira. O texto hebraico usado é Biblia Hebraica, editada por Rudolph Kittel, revisada em 1968.

Page 17: Criacao e Consumacao 1

2.25.2

2 Questões sobra a autoria, estrutura e estilo destes dois capítulos têm sido exaustivamente discutidas. Todos os principais comentários discutem alguns ou a maioria dos problemas relacionados a estes assuntos. Não irei dedicar muito tempo ou espaço a eles neste livro. Minha visão com relação à origem e interpretação de Gênesis parte do livro Interpreting God's Word Today, ed. por Simon Kistemaker (Grand Rapids: Baker, 1970), cap. 1, 11-50. Minhas visões não têm mudado de nenhum modo fundamental, embora eu esteja ciente do que evangélicos têm tido como digno de consideração em várias abordagens críticas. Um trabalho que atualiza uma descrição e avaliação evangélicas é o de Gordon J. Wenham, Genesis 1-15: Word Biblical Commentary, série, vol. 1 (Waco: Word, 1987). Sua extensiva bibliografia não inclui um número suficiente de escritores evangélicos nos Estados Unidos. Os autores europeus, conservadores e liberais, estão bem representados.

Page 18: Criacao e Consumacao 1

A REVELAÇÃO INICIAL NA CRIAÇÃO

Gênesis 1.1 é majestoso e abrangente. É majestoso por várias

razões. Na sua referência ao tempo - "no princípio"3 - é dada ao leitor uma

formidável visão do antes do tempo, do começo do tempo, e do que marcou o

começo do tempo. É insinuado que antes do tempo, Deus era; ele era ativo no

começo do tempo. Foi, então, que Deus trouxe à existência o cosmos, ao qual, de

acordo com o Apocalipse de João, será dada a sua mais completa e mais perfeita

forma quando o tempo terminar, na consumação. Deste modo, Gênesis 1.1 abre,

diante de nós, uma tremenda extensão de tempo em uma formidável e majestosa

cena.

A declaração de abertura é majestosa por uma segunda perspectiva.

A frase, "os céus e a terra", sustenta, diante de nós, a vastidão e abrangência do

cosmos. Tudo que existe, em qualquer forma que possamos pensar, se em

potencial, embrionária, parcial ou totalmente desenvolvida, é disposto em uma

formidável e gloriosa cena. Somado a esta cena majestosa está a atividade de

Deus: Ele criou. Esta atividade está acima do alcance total da compreensão

humana. Aspectos dela são mencionados no curso de Gênesis 1.3-2.25. Alguém

pode dizer que dão apenas limitadas olhadelas na atividade de Deus quando Ele

falou e criou o cosmos. A majestade característica da declaração de abertura é

mais aguçadamente apresentada pelo fator central, a saber, Deus.

Deus não é descrito em Gênesis 1.1. Ele é colocado, diante do leitor,

como o Criador. Como tal, ele foi o iniciador de acordo com o seu plano. Ele,

soberana e sabiamente, trouxe à existência o que não estava presente ou o que

não existia antes dele falar ou agir.

A majestade da declaração de abertura é alicerçada pelo seu caráter

abrangente. A declaração coloca Deus no ponto focal; sua soberana atividade

3 A estrutura de Gênesis 1.1 e particularmente a forma de B$r@Av'T tem sido largamente discutida. Wenham tem dado uma visão concisa (ibid., 11-13). A frase "no princípio" deveria ser lida como entendida tradicionalmente, a saber, o primeiro ato da criação. Será escrito mais com relação a isso no cap. 2.

Page 19: Criacao e Consumacao 1

criadora é indicada. O cosmos—incluindo tempo, espaço e todos os outros

aspectos que o compreendem—é colocado, ante o leitor, no mais profundo e

extensivo, todavia simples, modo.

O primeiro versículo de Gênesis é uma declaração majestosa e

abrangente da revelação. Serve como uma introdução ao que se segue nos

capítulos 1 e 2. Esta primeira declaração é exposta, e a auto-revelação de Deus,

que veio por ambas, palavra e obra, é explicada em alguns detalhes. Em Gênesis

1.3, a primeira referência à forma do trabalho criador de Deus é introduzida por

w^yy{Am#r (ele disse). A palavra falada foi o fator inicial. O resultado da fala foi

que o que foi dito veio a existir. Deste modo, pela palavra falada e a atividade que

se seguiu e, a partir daquela palavra, Deus criou o que Ele quis. Isto é confirmado

pelas duas frases que se referem ao que veio à existência: w~y$h' (e assim se

fez) (1.7, 9, 11, 15, 24, 30) e K'-ToB (que [isso era] bom) (1.3, 10, 12, 18, 21, 25,

31). A segunda declaração é classificada pelo advérbio m$A{D (muito). Isto foi

adicionado para indicar que tudo o que Deus disse e fez foi precisamente o que

ele queria que fosse. Todos os aspectos da sua criação estão no nível de seu

padrão.

O falar e o fazer, pelos quais o cosmos criado veio a existir, foram a

forma de Deus revelar-se. Ele não se apresentou de nenhuma forma, não referiu-

se a si mesmo ou se identificou como ele fez quando falou a Abraão (Gn 17.1) ou

quando iniciou a libertação de Israel do Egito (Ex 3.6). Antes, como nada existia

ou ninguém a quem Deus pudesse se dirigir, exceto a Deidade, Deus criou o

cosmos e, fazendo isso, fez-se conhecido. Ele levantou, de formal parcial, o véu

que escondia sua pura espiritualidade e outras características de sua infinita

personalidade. Deus se revelou no que disse e fez quando trouxe o cosmos à

existência, e o cosmos carrega a marca do seu Criador. Do começo ao fim das

Escrituras, referências são feitas ao caráter de Deus, por meio de discursos, em

termos de alguns aspectos do que ele fez. Meredith Kline, notando este fato,

escreve do cosmos criado como feito à imagem de Deus.4 A revelação de Deus, 4 Meredith M. Kline, Images of the Spirit (Grand Rapids: Baker, 1980), esp. 26-34. John Frame

concorda com Kline. Veja The Doctrine of the Knowledge of God (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1987), 36.

Page 20: Criacao e Consumacao 1

por meio da sua atividade criadora e resultados, não inclui declarações de

identidade ou descrições pessoais. Gênesis 1 e 2 não inclui declarações do tipo

"Eu sou". Todavia, a revelação de Deus é dada, ainda que indiretamente. Deus se

revelou como uma agente ativo, uma pessoa. Tanto em relação ao tempo quanto

ao espaço, ele é Criador e Governador deles; não sendo, portanto, limitado por

eles. A declaração inicial pode, conseqüentemente, ser considerada como

indicativa das características onipresentes e eternas de Deus e produz o palco

para a subseqüente e mais completa revelação desses aspectos. No seu trabalho

criador e seus resultados, Deus também deu evidências do seu poder soberano e

autoridade, de sua sabedoria, bondade e santidade. Existem evidências para se

falar de Deus como uma divindade que mantém comunhão. Estas características

não são descritas em detalhes, mas são sugeridas. Como a revelação de Deus

continua progressivamente através do tempo e da história, elas são repetidamente

citadas, definidas ou descritas.

A esta altura, será útil citar um número de passagens que se referem

a Deus como Criador; à auto-revelação de Deus na criação; e a Deus, o Criador e

Revelador, como o Consumador.

Moisés e o povo de Israel, depois que viram a destruição do exército

de Faraó, cantaram o poder majestoso do Senhor e a grandiosidade de sua

majestade (Ex 15.6-7); cantaram sobre a majestade, santidade e tremenda glória

do Senhor (15.11). Cantaram sobre a sua destra estendida com a qual ele

controlou os elementos e forças da natureza (as águas amontoadas, a terra que

traga) como também a jactância do poder militar do Egito. O cântico que deu

expressão a várias características sugeridas em Gênesis 1.1-2.25, foi concluído

com uma declaração doxológica que teve uma extensão tão abrangente e

majestosa quanto Gênesis 1.1: Y$Hw> y'ml)K l$A)l`m w`A#D (Yahweh reinará

para sempre e sempre). A declaração resumida de louvor expressava o senhorio

soberano de Deus, para sempre, sobre todos os aspectos da criação.

Moisés fez referências a Deus como o Criador quando fez seu

discurso de despedida aos filhos de Israel. Ele apelou aos céus e à terra como

Page 21: Criacao e Consumacao 1

testemunhas do seu Criador e falou do dia em que Deus criou o homem sobre a

terra (Dt 4.26,32). Ele falou de Deus como o único Senhor, porque só Ele possuía

poder soberano e era fiel à sua palavra de poder pela qual poderia salvar ou

destruir o que tinha feito (Dt 4.35). Conceitos similares são expressos no último

cântico de Moisés (Dt 32.1,6).

O Rei Salomão, quando construiu o templo, estava ciente de que seu

Deus, de qualquer perspectiva que fosse considerado, celestial ou terrena, era

incomparável. Na verdade, Salomão estava ciente de que seu infinito Deus não

poderia ser contido no céu finito, mesmo quando considerado na sua maior

extensão. Ele entendeu que Deus era o Criador e, conseqüentemente, não

poderia ser comparado à sua criação, à qual, no entanto, revelou sua

grandiosidade, santidade e majestade (1 Re 8.23-27).

As virtudes de Deus, o Criador e o Senhor, foram temas expressos

pelos salmistas. Eles o cantaram como o Criador (Sl 33.6), o Governador (Sl 93.1;

97.1; 99.1), o grande Rei acima de todos os outros deuses, em cuja mão estavam

as alturas e as profundidades da terra (Sl 94.3-4). Cantaram sobre o seu trono no

céu e o seu reino governando sobre tudo (Sl 103.19); todos os aspectos da

criação estão a seu serviço (Sl 104.1-4) como também sob seu cuidado (Sl

104.10-14).

Os profetas, com Isaías como porta voz específico para eles,

exaltaram a Deus, o Criador. A soberania, onipotência e sabedoria de Deus, o

Criador, Senhor do cosmos, foram particularmente bem expressas quando Isaías

proclamou não somente a possibilidade mas a certeza da libertação de povo de

Deus do controle de nações poderosas como a Babilônia e a Pérsia (Is 40-45). Os

escritores do Novo Testamento, do mesmo modo, referiram-se a Deus, o Criador

(At 17.24; Rm 1.20,25). Jesus falou, com convicção, do Criador formando o

homem e a mulher (Mt 19.4).

O testemunho das Escrituras é definitivo: Deus é o Criador. As

Escrituras assumem que Deus falou e, assim, céus e terra foram feitos. E as

Escrituras testificam o que Gênesis 1.1-2.25 indica: Deus se revelou quando criou

Page 22: Criacao e Consumacao 1

e continua a revelar-se pelo que foi feito. Moisés falou com essa confiança. Davi

falou da criação de Deus dando expressão à auto revelação do Criador (Sl 19.1-7

- hebraico). Paulo falou de Deus revelando a si mesmo, fazendo conhecidos o seu

eterno poder e a sua natureza divina, pelo que, todas as pessoas seriam

consideradas indesculpáveis (Rm 1.20-23).

A apresentação escriturística das verdades que Deus é o Criador que

tem se revelado e que continua a fazê-lo no cosmos criado e através dele está

enfatizada acima por uma série de razões. Primeira, é sempre bom ser informado

ou relembrado do que as Escrituras dizem a respeito de Deus como o Criador e

sua auto-revelação na criação e através dela. Segunda, é necessário enfatizar o

que as Escrituras dizem sobre o envolvimento efetivo de Deus nos atos da

criação. Deus estava direta e pessoalmente envolvido quando falou, criou e, desse

modo, se revelou. O que é dito ter acontecido, de fato aconteceu. O “caráter

histórico do acontecimento” que Gênesis 1.1-2.25 registra não é sempre entendido

ou sustentado.5 Terceira e mais importante para este estudo, as Escrituras

testificam que Deus, que iniciou e sustenta a criação, também terminará e

aperfeiçoará o que Ele criou. Se o caráter histórico do acontecimento do começo

fosse incerto, seria quase impossível sustentar, com convicção, a crença de que a

consumação irá, de fato, acontecer. Em outras palavras, quando discutimos

escatologia, discutiremos que o que Deus, de fato, tem dito, ele irá cumprir no seu

próprio tempo estabelecido. Então, neste estudo, estaremos enfatizando que

Deus, que de fato falou e criou o cosmos, também o conduzirá, de fato, a eventos

discerníveis aos espectadores humanos daquele tempo,6 até à consumação

completa. Isto, no entanto, não significa que o que é registrado como criação e

acontecimentos da consumação podem ser pronta e facilmente entendidos.

Estudos sérios devem ser feitos do que está registrado com relação ao passado

(criação) e ao futuro (consumação).

5 Outras discussões sobre este fenômeno serão incluídas nos caps. 2-4. 6 Não podemos falar de eventos percebidos por espectadores humanos no tempo da criação.

Eles não foram criados até o próprio fim da atividade criadora.

Page 23: Criacao e Consumacao 1

MOTIVAÇÃO PARA A CRIAÇÃO

Por que Deus criou o cosmos? O que motivou o Deus Triúno a criá-

lo? Deus tinha que fazer isso? Ele foi compelido por algum constrangimento nesse

sentido? E, a motivação para a criação é a mesma para a consumação? As

Escrituras não descrevem através de capítulo ou versículo, em uma maneira

projetada e didática, a resposta à questão da motivação; mas sugestões são,

certamente, incluídas nos registros da revelação de Deus no Antigo Testamento. A

tentação de ler nas passagens ou de tirar das Escrituras o que realmente não está

lá deve ser evitada, pois o desafio diante de nós é de aprender das Escrituras o

que é apresentado por declarações diretas ou indiretas, por intimação ou

implicação. Além disso, devemos estar cientes de que antropomorfismos e

antropopatismos são usados e devem ser entendidos por aquilo que são: formas

humanas finitas de falar da Deidade infinita Triúna.

Primeiramente, deve-se fazer uma referência à auto-revelação de

Deus. Não é declarado diretamente em Gênesis 1.1-2.25, porque Deus decidiu

criar e, desse modo, fazer-se conhecido a outros além da própria Trindade. Em

Gênesis 1, no entanto, a repetida declaração "e Deus disse" indica seu desejo de

falar, de expressar-se, e de fazer-se conhecido. Deus fez o que Ele quis fazer.

Quando chegou a hora de criar os seres humanos, Deus se aconselhou consigo

mesmo, dizendo, "Façamos". Isso implica não somente um desejo, mas um plano

para auto-expressão ao criar macho e fêmea humanos à sua própria imagem e

semelhança. Em nenhum lugar das Escrituras é indicado ou mesmo sugerido que

Deus tenha sido, de uma forma ou de outra, compelido a criar à sua imagem, seja

o cosmos seja macho e fêmea; ou a se revelar e, desse modo, fazer-se conhecido

a outros que não a si mesmo. Deus criou, se revelou e se fez conhecido porque foi

seu desejo fazer assim. Sem qualquer obrigação de dentro de si próprio, ele,

livremente, escolheu falar e agir. Essa foi sua prerrogativa. Em nenhum sentido,

poderia se pensar nisso como contrariedade da parte de Deus, caso ele não

tivesse optado por prosseguir nessa direção.

O desejo divino de criar e se revelar tem uma série de correlativos

intimamente relacionados. Respondendo à questão do motivo do desejo, tem sido

Page 24: Criacao e Consumacao 1

dito que foi a graça de Deus que o motivou a prosseguir em seu desejo de criar.7 A

graça moveu o desejo para a intenção, e a interação conduziu ao falar e agir (i.e.,

criando o cosmos). A idéia de que a graça conduziu é de que Deus não tinha que

criar. Deus criou sem mérito algum estar envolvido em nenhum sentido. Deve-se

questionar seriamente, no entanto, se o conceito de graça pode ser usado antes

da queda. O termo j$n (graça) aparece pela primeira vez no relato de Noé, no

contexto de pecado e juízo. Deus referiu-se a si mesmo como "gracioso" em

Êxodo 22.27, no contexto de alguém sofrendo por causa do pecado de roubo.

Graça, assim como misericórdia, fala do amor de Deus por aqueles que são

imerecedores e miseráveis por causa do pecado e da culpa. Os termos deveriam

ser usados, portanto, somente quando citando a demonstração de amor nesse

contexto. Desde que o pecado não estava presente quando Deus desejou e, de

fato, criou o cosmos, não é correto falar de Deus motivado pela graça para criar e

se revelar.

A objeção à idéia de que a graça motivou a Deus, não deveria ser

entendida como uma negação de que Deus era livre para criar. De fato, Deus era

livre para criar e, humanamente falando, "livre para não criar". Ele não tinha que

criar, mas desejou criar; ele era livre para satisfazer seus desejos. Ele exercitou

essa liberdade.

Um termo que dá uma indicação da motivação de Deus em Gênesis

1.1-2.25 é o adjetivo "bom". Deus viu tudo que tinha feito e tudo era bom. Todos

os aspectos criados estavam de acordo com o padrão da vontade ou intenção de

Deus. Tudo o que Deus criou foi fiel ao seu propósito. Deus sabia o que era a

bondade. Ele revelou bondade porque ele é bom. Isto é o mesmo que dizer que

Deus foi fiel a si mesmo. Deus criou o cosmos e se revelou porque, desse modo,

ele expressou uma característica básica e profunda da personalidade divina. Em

face do que o Novo Testamento declara, que "Deus é amor" (1 Jo 4.8), pode-se

7 L. Robert Ingram, "The Grace of Creation", Westminster Theological Journal 37/2 (1975): 206-17. Thomas F. Torrance escreveu da livre graça de Deus através da qual a criação veio a existir. Ele se referiu a esta graça quando explicou o que entendia pelos termos "contigente" e "contingência", a saber, que toda a criação depende de Deus para sua origem, existência contínua e ordem. Veja Divine and Contigent Order (Oxford:Oxford University Press, 1981), vii, viii.

Page 25: Criacao e Consumacao 1

inferir que Deus foi verdadeiro para consigo mesmo como um Deus de amor. No

ato de criar Deus fez o que ele poderia amar e iria amar, como de fato amou (ver

Jo 3.16 -- Porque Deus amou o cosmos). É parte da essência do amor mover-se

para fora de si, dar, compartilhar. Deus, exercitando o amor, estava se revelando

como bom.

Deus, movido por bondade/amor, foi também motivado a relacionar-

se com outros além da Deidade. Deus queria comunhão -- um relacionamento

íntimo, bom e amoroso. Isso tornou-se possível, particularmente, pela criação de

macho e fêmea à sua imagem e semelhança. Este desejo de comunhão é refletido

quando as Escrituras falam de Deus andando no jardim, tendo comunhão com

Adão e Eva (Gn 3.8,9). O andar de Enoque com Deus (Gn 5.24) o levou a ser

tomado por Deus para uma comunhão completa e sem fim entre Deus e homem.

Abraão foi chamado a andar diante ou com Deus e ser perfeito (Gn 17.1). A

obediência da parte de Abraão satisfaria o desejo de Deus por comunhão.

A motivação para comunhão não deveria ser entendida como uma

inferência de igualdade quanto à pessoa, posição ou função entre Deus e seres

humanos. Do texto diante de nós, aprendemos que Deus exercia seu senhorio.

Ele é Senhor; porque ele é Deus, ele é Mestre e Governador soberano. A vontade

de Deus será feita de acordo com sua bondade/amor. Deus falou de acordo com

sua vontade; agiu da mesma forma; exerceu seu senhorio sobre todos os

aspectos do cosmos à medida em que os criava, moldava, e os colocava no seu

contexto; e também deu-lhes sua natureza e papel. Deus desejava revelar e

exercer seu senhorio e tê-lo reconhecido e servido. De fato, quando Deus criou e

se revelou, ele entrou em comunhão e exerceu seu senhorio porque queria --mas

também porque ele desejava ser adorado e servido.

Na criação e através da história, Deus desejou adoração e culto; ele,

conseqüentemente, incitou homens e mulheres a adorá-lo e a servi-lo, fazendo-se

conhecido como um Deus de beleza, majestade, esplendor e glória. Esta

motivação pode ser derivada por inferência de Gênesis 1.1-2.25, considerando-se

o que Deus criou e como foram feitas provisões. Considere, por exemplo, o Éden.

Page 26: Criacao e Consumacao 1

Vários aspectos da Deidade foram feitos conhecidos, de várias formas, no curso

da história. Exemplos excelentes disso temos na revelação que Deus faz de si

mesmo no monte Sinai (Ex 19.16-19; 20.18-19); nas suas exigências para o

tabernáculo, em seus móveis e na roupagem dos sacerdotes. A revelação de

Deus da sua majestade, esplendor e glória, que foram revelados a Isaías (cap. 6),

Ezequiel (cap. 1), e aos pastores (Lc. 2), sustenta o fato de que Deus foi motivado

a criar e a se revelar para que estes aspectos do seu ser e caráter pudessem ser

apreendidos e ele fosse adorado (ver Sl 90.17; 96.6,9).

Os comentários sobre a motivação de Deus para criar e, desse

modo, revelar-se, não deveriam omitir o que, num sentido real, deve ser

considerado como o desejo mais abrangente: o desejo de Deus de ser glorificado.

Este aspecto não tem referência em Gênesis 1.1-2.25, mas considere o Salmo

19.1: "Os céus proclamam a glória de Deus". Paulo declarou esta mesma verdade

de forma eloqüente: "Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas.

A ele, pois, a glória eternamente." (Rm 11.36). Sem dúvida, Paulo tinha em mente

a obra criadora de Deus, assim como o seu plano de redenção e trabalho. Os

escritores bíblicos, conscientes desse desejo divino de ser glorificado, chamavam

todo o povo para assim fazer (Sl 22.23; Is 24.15; Mt 5.16; Jo 12.28).

Repetidamente é declarado que aqueles que amavam e honravam o Senhor,

faziam-no glorificando a Deus da forma como ele desejava ser glorificado (Sl

86.12; Rm 15.6; 2 Co 9.13). Quando Jesus estava na terra, ele declarou que veio

para glorificar, e de fato glorificou, o Pai (Jo 17.1,5).

A motivação de Deus para criar não foi totalmente completada

quando ele terminou de falar e fazer no princípio. A motivação que fez com que

Deus criasse, também o moveu através da história à medida que sustentava o

cosmos, a despeito do pecado e de seus efeitos. Essa motivação também o fez

prosseguir no seu alvo a ser completado na consumação. De fato, a motivação

para a consumação se fez primeiramente evidente no princípio. Tão certo como

Deus começou criando o cosmos, ele o trará à sua completa consumação.

Page 27: Criacao e Consumacao 1

O ESCATON NA CRIAÇÃO

Quando considerando o escaton na criação, os termos usados

devem ser propriamente entendidos. O termo "consumação" aparece na edição

Revista e Corrigida, em Daniel 9.27, como uma tradução de K`l> (uma conclusão,

um fim). A edição Revista e Atualizada traduz o termo por "destruição".

Consumação expressa uma nuança do termo hebraico que o termo "destruição"

não expressa. O termo, tanto em hebraico quanto em português, carrega um

sentido de processo que leva ao fim. No título deste livro, o termo "consumação"

foi deliberadamente escolhido para expressar a idéia de que depois do súbito

começo da criação, existe um processo que resulta em uma conclusão. Não deve

existir um processo infinito, sem fim. Assim como existiu um começo, existirá um

fim. Uma diferença importante é que, enquanto o começo foi ex nihilo (a partir do

nada), a consumação resulta no cosmos sem fim. O cosmos nunca será não

existente. Neste estudo das Escrituras do Antigo Testamento, o esforço será feito

para entender, tão completamente quanto possível, o que é pretendido pelo

começo, o processo (história), e a conclusão final no sentido de aperfeiçoar

completamente o que foi declarado muito bom no término da criação.

O termo "escaton" é derivado do grego. Significa "as últimas coisas";8

escatologia se refere ao "estudo das últimas coisas". A escatologia foi iniciada no

tempo ou nos atos da criação. O que foi começado no princípio, o cosmos, será

completado no sentido de ser renovado e trazido ao seu estado de perfeição mais

completo possível. Existe uma profunda e inseparável conexão entre criação e

consumação, o começo e o fim.9

Nem todos os estudiosos bíblicos ou teólogos têm dado a devida

atenção a esta verdade. Dois exemplos serão suficientes. Theo C. Vriezen

escreveu que a escatologia do Antigo Testamento nasceu diretamente da fé

8 International Dictionary of the Bible 2:126. A maioria dos dicionários bíblicos não se referem a este termo.

9 William Dumbrell tem afirmado o caso no sumário para seu livro como segue: "Nosso levantamento...está completo agora... Teologia Bíblica move-se entre os pólos da criação e da nova criação..." (The End of the Beginning (Homebush West: Lancer, 1985), 189; veja também 196).

Page 28: Criacao e Consumacao 1

israelita em Deus, que estava arraigada na história da sua salvação.10 Anthony

Hoekema citou Vriezen, sem quaisquer comentários no parágrafo, para indicar

que escatologia era integrante da mensagem do Antigo Testamento. Hoekema

iniciou seu exame do prospecto escatológico do Antigo Testamento começando

com "a expectativa da vinda do Redentor".11 A visão de que escatologia tem seu

começo na fé israelita ou na expectativa da vinda do Redentor, tem algumas

falhas sérias que podem ser referidas através de algumas perguntas: O fim não

teve suas raízes no começo? A escatologia não está inseparavelmente arraigada

na palavra e obra criadora de Deus? A escatologia foi um conceito introduzido à

"fé", ou "expectativa", ou até mesmo uma revelação depois que um povo especial

(Israel) tinha sido formado? Ou depois que a queda aconteceu? A escatologia é

para ser vista como uma conclusão da redenção? Se sim, do cosmos? De um

povo específico? De certos indivíduos? Uma outra linha de perguntas lida com a

possibilidade de se sustentar uma visão do mundo que inclui a totalidade do

cosmos, isto é, todos os seus aspectos integrais, sua existência no processo

histórico e o papel de vice-gerentes de Deus no cosmos. Deve-se limitar o escopo

de uma visão à redenção? Ou ela deve ser tão extensa e intensa quanto o próprio

cosmos?

As Escrituras do Antigo Testamento revelam-nos que Deus incluiu o

fim no começo. O que ele pretendeu e iniciou na criação, ele sustentou. Ele

introduziu o plano e programa de redenção para que seu escaton permanecesse

de fato o que planejou no B$r@Av'T.

A INDICAÇÃO DE UMA PLURALIDADE DE PESSOAS ENVOLVIDAS NA CRIAÇÃO

Nas três seções acima, enfatizamos que Deus é apresentado em

Gênesis 1.1-2.25 como o Criador que revelou a si mesmo. Esta passagem e

1 0 Theo E. Vriezen, Na Outline of Old Testament Theology, 2ªed., trad. S. Neuijen (Oxford: Blackwell, 1970), 459.

1 1 Anthony ª Hoekema, The Bible and the Future (Grand Rapids: Eerdmans, 1979), 4.

Page 29: Criacao e Consumacao 1

textos auxiliares nas Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos, também

sugerem e implicam a motivação de Deus para seu trabalho criador e revelador. O

processo da consumação e fim, o escaton, também foi visto como estando

presente em formas similares.

O Criador, Revelador, Deus Consumador é o Deus Triúno. Pode

alguém, legitimamente, falar de um Deus Triúno baseado no que Gênesis 1.1-2.25

apresenta? Trabalhos teológicos que têm discutido o caráter trinitário de Deus,

freqüentemente incluem Gênesis 1.2 e 1.26 como "prova" ou "textos auxiliares". A

legitimidade de se fazer isto tem sido questionada. Uma consideração breve

destes textos e seus contextos imediatos faz-se necessária.

Primeiramente, no primeiro relato da criação, Gênesis 1.1-2.312, só o

termo A\l{h'm (Deus) aparece. Estudiosos, geralmente, concordam que este nome,

intimamente relacionado etimologicamente a A\l e A@lo^h, refere-se ao um

verdadeiro Deus que, como Criador e Governador, é soberano, majestoso e

glorioso. Ele é também fiel e único Juiz.13 Mas, a maioria das quase 3000 vezes

que este nome, em suas várias formas, aparece, ele está no plural. Estudiosos

concordam que ele é para ser considerado como um plural de majestade e não

uma referência a "mais do que um". O nome A\l{h'm, portanto, deveria ser

considerado como referência ao único, verdadeiro, soberano e majestoso Deus

Criador. O Deus Criador é mais tarde revelado como sendo o único, verdadeiro,

soberano, majestoso e amoroso Deus. No tempo de Moisés, Israel foi chamado

para tomar conhecimento, amar e servir a este único Deus (Dt 6.4). Nações são

também aguardadas para se unirem a Israel com esse mesmo fim (Ex 9.16; 15.14;

Sl 67.3-5; Is 19.18).

Este Deus, enfaticamente apresentado nas Escrituras como único

ser divino, é também apresentado como "mais do que um". A referência em

Gênesis 1.2 é ao rW~j A\l{h'm (o Espírito de Deus). Meredith Kline nos indicada

que a referência é ao Deus que, por causa do que faz (flutua sobre a massa sem

1 2 No segundo relato da criação, Yahweh é encontrado em combinação com A\l{h'm. Este segundo nome será discutido mais tarde.

1 3 Theological Wordbook of the Old Testament, 1:41-5.

Page 30: Criacao e Consumacao 1

forma), é mencionado como Espírito Criador.14 Não existe outro Deus, uma

segunda deidade presente. Mas o Deus Criador singular, que é um Deus que fala

e que envia sua palavra de poder e execução é também considerado como o

Espírito Criador. Não existe sugestão de dupla personalidade, mas existe uma

indicação de relações interpessoais. Por esta razão, o salmista, refletindo sobre

Deus, o soberano Criador, cantou a respeito da palavra e do sopro pelos quais

tudo foi criado (Sl 33.6). Em outros textos, a palavra é identificada como o Filho

Criador (Jo 1.1-3) e o vento (rW~j) como o Espírito de Deus (Jo 3.1-14).

Uma interpretação de Gênesis 1.26 se torna menos difícil se o que

foi dito acima for mantido em mente. O texto diz "e Deus disse", n^‘&c\h (façamos,

primeira pessoa plural do qal) de ‘&c>h, (fazer). Muito se tem discutido com

relação à primeira pessoa do plural em "façamos".15 A visão cristã tradicional é de

que a Trindade foi prenunciada ou indicada. Recentemente, estudiosos têm

questionado que o autor não poderia ter pretendido isso, mas que escritores

bíblicos posteriores viram um sentido mais completo para o termo. Outros

estudiosos, percebendo que eles não podem evitar a pluralidade expressa por

"façamos", têm sugerido que Deus se dirigiu à corte celestial, aos anjos. Esta

visão padece de três sérias deficiências: (1) coloca os anjos no mesmo plano que

Deus, criando à imagem deles; (2) refere-se aos anjos que, até esse ponto, não

tinham sido introduzidos; e (3) ignora as indicações de Gênesis 1.2. Quando todas

as visões propostas são consideradas, então, o conceito que fala de uma

autodeliberação do Deus Triúno, já considerado existente como uma deidade

pessoal plural, deve ser escolhido. Gênesis 1.2,26 não fala da personalidade

triúna de Deus. O que estes textos indicam é que o Deus que é único, verdadeiro,

soberano, majestoso é um Deus de mistério. Ele não é um ser simples. Ele é o

Deus que se revelou como um ser complexo que poderia e referiu-se a si mesmo

no plural, sem fazer, neste momento, as outras distinções mais claras e mais

definidas que aparecem subseqüentemente nas Escrituras e sobre as quais a

doutrina da Trindade está alicerçada.

1 4 Kline, Images,15.1 5 Veja a revisão de Wenham das seis explicações, Genesis 1-15,27,28.

Page 31: Criacao e Consumacao 1

Deus, o Criador que se revelou e indicou que era um Deus de várias

virtudes, e que tinha um alvo escatológico desde o princípio de sua obra criadora,

é um ser pessoal misterioso. Ele se apresenta como o Deus que é um e que,

também, deve ser considerado de uma perspectiva plural.

2 O COSMOS: A CRIAÇÃO

I. Questões Introdutórias

II. Os Atos da Criação

A. Criação pelo Fiat

B. Aspectos da Atividade Criadora

C. A Questão do Tempo

III. O Resultado da Criação: O Reino Cósmico

A. A Natureza do Reino Cósmico

B. A Manutenção do Reino Cósmico

C. O Propósito do Reino Cósmico

D. A Consumação do Reino Cósmico

IV. A Revelação na Natureza

A. A Extensão da Revelação Cósmica

B. O Propósito da Revelação Cósmica

Page 32: Criacao e Consumacao 1

2 O COSMOS: A CRIAÇÃO

Neste capítulo, nos concentraremos no que Deus fez e criou. De

acordo com Gênesis 1.1, "Ele criou os céus e a terra". Deus, o Criador, foi o

assunto principal do capítulo 1. O cosmos, a criação, é o assunto deste capítulo.

Os primeiros seres humanos foram parte do cosmos mas, por causa das

circunstâncias únicas com respeito à sua criação, relatadas nos capítulos 1-2, eles

serão assunto do próximo capítulo.

QUESTÕES INTRODUTÓRIAS

Como Gênesis 1.1 se relaciona com Gênesis 1.2 e com Gênesis 1.3-

2.25? As respostas dadas por muitos estudiosos não são unânimes. Parece que

nenhuma resposta irá satisfazer a todos eles. Diferenças podem ser atribuídas,

em parte, aos diferentes pontos de vista com relação ao estilo de Gênesis 1.1-

2.25.1 Por exemplo, Edward J. Young admite que "estes versículos (Gn 1.1-3)

apresentam um relato real do que, de fato, aconteceu".2 Bruce Waltke considera a

passagem de Gênesis como "uma realização artística majestosa, usando

linguagem artística".3 Este último encontra problemas insuperáveis com a visão

tradicional, que diz que o primeiro versículo "serve como uma declaração ampla e

abrangente do fato da criação"; que o versículo 2 relata qual era a condição da

terra quando, inicialmente, surgiu das mãos do Criador; e que o primeiro passo

para se modelar a terra foi o chamado de Deus à luz.4 Waltke descreve como um

obstáculo insuperável a frase "céus e terra", o que discutiremos em seguida, e que

1 A questão do gênero será discutida no capítulo 4.2 Edward J. Young, "The Relation of the First Verse of Genesis One and Verses Two and Three"

(Westminster Theological Journal, 21/2 [1959]: 133-46). O texto aparece também em Studies in Genesis One (Grand Rapids: Baker, 1964).

3 Bruce Waltke, "The First Seven Days", Christianity Today 32/11 (1988): 42-46.4 Young, Studies, 14.

Page 33: Criacao e Consumacao 1

a terra foi citada como sem forma e vazia.5

A visão tradicional é, no entanto, mais aceitável do que aquelas

oferecidas à luz da crítica literária e das teorias históricas. Tanto o Antigo quanto

o Novo Testamento falam dos atos criadores de Deus como eventos históricos.

Young corretamente afirmou o caso: "Eles foram eventos históricos" no sentido

que, de fato, aconteceram. Ele passa então a dizer que estava rejeitando a

definição que limita a palavra ao que podemos saber através da investigação

científica.6 Wenham também favorece esta visão. A visão tradicional é sustentada

pela pontuação massorética. Este ponto de vista tem sido defendido pelos adeptos

do método de exegese teológico-histórico-gramatical. Somado a isso, quando

relatos extrabíblicos são consultados, apresentam visões alternativas sugeridas

para Gênesis 1.1-3, mas eles o fazem de uma forma literária diferente,

apresentando estas visões como óbvias.7 O relato escriturístico é, obviamente,

diferente. Existe uma seqüência natural de pensamento na visão tradicional.

Primeiro, é dito que Deus criou tudo; então, como era depois do primeiro ato

criador. Isto foi seguido pela primeira palavra criadora.8

A segunda questão a ser respondida é com relação ao entendimento

apropriado da frase ‘}T H^V`m^y'm w$@T H`A`r\x (os céus e a terra). Tomados

5 Waltke, "The First Seven Days", 42-43. Waltke revisa outras soluções sugeridas: (1) teoria do intervalo, que afirma existir um longo período entre Gênesis 1.1 e 1.2 durante o qual o mundo criado se tornou, não era; e (2) a primeira sentença é uma oração dependente. A tradução seria, então, "quando Deus começou...a terra era vazia e sem forma". Veja a discussão deste problema por Weston W. Fields, Unformed and Unfilled (Grand Rapids: Baker, 1976); esp. seção 2, 51-196.

6 Young, Studies, 50,51.7 Gerhard Hasel demonstrou isto em "Recent Translations of Gen 1.1: A Critical Look", Bible

Translator 22 (1971): 154-67. Pelo que parece ser uma explicação muito tendenciosa a favor da idéia de que o autor de Gênesis 1 era dependente de fontes não bíblicas, veja E. A. Spiser, Genesis (Garden City: Doubleday, 1964). Gerhard Von Rad, em um estilo inquestionável, escreveu, "Em última análise, todas estas declarações têm suas origens terminológicas nas mitologias das religiões vizinhas" (Genesis [London: SCM, 1961], 48). Enquanto isso, Umberto Cassuto escreveu que "é inconcebível que os profetas e poetas de Israel tivessem pretendido buscar suporte para suas visões nos trabalhos mitológicos pagãos, os quais eles, indubitavelmente, detestavam" (A Commentary on the Book of Genesis [Jerusalem: Magnes, 1961] 1:8). A. Van Selms concordou que os conceitos não poderiam ter sido emprestados de fontes mitológicas (Genesis, deel 1 [Nijkerk: Callenbach, n.d.], da série De Prediking Van Het Oude Testament, 23).

8 . Wenham revisou, cuidadosamente, as outras interpretações sugeridas e as considerou insatisfatórias (Genesis, 11-13).

Page 34: Criacao e Consumacao 1

separadamente, o termo H`A`r\x refere-se ao planeta terra, o lugar e ambiente

onde o homem e a mulher foram colocados, que deveria ser considerado o seu lar

e lugar de trabalho. O termo H^V`m^y'm pode ter vários significados diferentes.9

Há três denotações mais comuns. Refere-se à extensão dos arredores do planeta

Terra. Outro termo para isto é "firmamento" (Gn 1.5,8; hebraico). Na linguagem

ordinária, o termo "céu" é usado para se referir à abóbada celeste no sentido de

extensão onde o sol, a lua e as estrelas estão. O segundo significado é o lugar

onde "Deus vive" (1 Re 8.30 -- "...céu, lugar da tua habitação"; Sl 33.13-

14--"céus... lugar de sua morada"; Mt 5.16 -- "vosso Pai que está nos céus"). Este

segundo sentido inclui a idéia do lugar de onde Deus reina, de onde a salvação

vem e, onde os anjos têm sua morada.10 No terceiro caso, o termo traz à mente a

eterna habitação dos salvos; ele é os céus renovados que se originam para

unirem-se à terra renovada e, deste modo, o paraíso é recuperado. Traz à mente

e ao coração o pensamento abençoado do lar eterno onde a comunhão com o

Senhor e com os crentes será usufruída para sempre.

O problema a ser resolvido agora é: A qual desses três significados o

termo em Gênesis 1.1 se refere? Se o primeiro significado é adotado, deve se

excluir a idéia do lar dos anjos e do seu centro de atividade? Ou, se isso está

incluído, significa que o primeiro e segundo significados são realmente idênticos?

Neste caso, Deus "habita no espaço"? E se assim for, onde ele estava antes de

ter criado os céus? Alguns têm dito que o termo "céus", em Gênesis 1.1, indica o

terceiro sentido, pelo menos em grande extensão. Refere-se à criação perfeita

antes da queda.11

Nos últimos anos, a fim de determinar o que, precisamente, é citado,

estudiosos têm optado pela interpretação oferecida pelos críticos: A frase deve ser

tomada como uma referência ao todo. Os termos formam um sintagma, isto é, um

9 J. Van Genderen, "Hemel" (Céu), Christelyke Encyclopedie (Kampen: Kok, 1956) 3:424-25.1 0 Isto é particularmente citado no Novo Testamento (Mt 24.36; 28.2; Mc 13.32; Lc 2.15, e

outras passagens semelhantes).1 1 Aqueles que defendem a teoria do intervalo pensam desta forma. Ver Wenham, Genesis 1-

15, 50, 51; e Young, Studies, 14, para as razões de não se aceitar esta visão. Ver também William Dumbrell, The End in the Beginning (Homebush West: Lancer, 1985), 172.

Page 35: Criacao e Consumacao 1

pensamento amplo apresentado por uma série de palavras (uma frase). Waltke

sugere que Childs está correto ao interpretar Gênesis 1.1 como Deus criando

"todo o universo organizado".12 Se esta visão está correta, então o termo "céus"

pode ser entendido como uma referência a tudo que não é terra. Diz-se, porém,

que a aceitação da visão de que Gênesis 1.1 se refere a todo o universo

organizado traz uma dificuldade para o significado de Gênesis 1.2, que fala do

caos. Childs procura resolver o problema dizendo que o "redator Sacerdotal"

incluiu na tradição de Israel "material mítico estrangeiro".13 Hasel indica, no

entanto, que a idéia do caos não foi tomada de antigas fontes extrabíblicas. As

fontes não bíblicas formularam estas idéias de uma forma negativa.14 Wenham

julga ser este um argumento útil.15 Podemos concluir que, a despeito das reservas

e objeções levantadas pelos estudiosos críticos e alguns poucos estudiosos

conservadores, a frase "os céus e a terra" referem-se ao universo inteiro. O

versículo serve como um cabeçalho para Gênesis 1 e 2 e também para as

Escrituras de todo o Antigo Testamento. Mas a questão quanto à aparente

contradição permanece: Se Gênesis 1.1 fala de um todo organizado, o que dizer

do caos a que Gênesis 1.2 se refere? O termo "organizado" tem sido aplicado,

desnecessariamente, para a frase "os céus e a terra". É verdade que a frase pode

se referir ao todo "organizado" (ver Is 45.18). Insistir, no entanto, que a frase só

pode ter uma interpretação específica é contrário à ênfase de estudiosos recentes.

O contexto deve ser considerado, não somente a raiz ou uso comum. Então,

tomado como uma generalização, a frase significa que tudo que existe foi trazido à

existência pelo ato inicial criador de Deus. O que se segue nos informa qual era a

condição inicial e como Deus lidou com ela.

Somada às questões da relação de Gênesis 1.1 com o que se segue

e o significado da frase "os céus e a terra", está a questão do caráter do evento

1 2 "First Seven Days", 43. Ele apelou a John Skinner, escritor do comentário em Gênesis na série ICC, por suporte.

1 3 Brevard S. Childs, Myth and Reality in the Old Testament (London: SCM, 1962), 31-43, esp., 37,39.

1 4 "Recent Translations". Dumbrell também aponta que Gênesis 1 não apresenta conflitos ou tensões cósmicas (End, 186-96).

1 5 Genesis.

Page 36: Criacao e Consumacao 1

histórico de Gênesis 1.1 e o que se segue. Esta questão pede uma consideração

do estilo de Gênesis 1-2.

Primeiramente, deve ser considerado o termo B`r`A. No piel, parece

ter o significado básico de "cortado" ou "separado" (Js 17.15; Ez 23.47). Este

significado e uso são muito diferentes do seu emprego no qal, onde ele é usado

somente com respeito a Deus. Nesse caso, refere-se a alguma coisa nova vindo a

existir. Pode referir-se a uma mudança ou transformação radical, como por

exemplo, o aparecimento de novos céus e nova terra (Is 65.17). Quando os

propósitos de Deus na história são revelados e os novos e/ou renovados aspectos

são criados por Deus, o termo B`r`A é usado (Is 42.55; 45.12). Davi usou o termo

no Salmo 51.12 (heb.) quando orou por um coração limpo e um espírito renovado.

Em todos os casos onde o termo aparece no qal, fala de eventos reais que estão

acontecendo, irão acontecer ou poderão acontecer. Este não é um termo literário

artístico. Embora ele ocorra na literatura poética, ele não é empregado como um

símbolo, metáfora ou qualquer outro sentido não verdadeiro. O uso do termo B`r`A

no Antigo Testamento carrega o conceito do que Deus fez, faz ou irá fazer

realmente. Indica um evento concreto, real e histórico. Gênesis 1.1 informa o leitor

do que Deus realmente fez. Isto é um evento histórico no começo absoluto do

tempo, espaço e substância do cosmos. Gênesis 1.1 fixa o palco; prepara o leitor

para o que se segue, um relato do que Deus realmente fez.

Gênesis 1.1-2.3 registra onze atos específicos de Deus em seu

trabalho criador. No começo absoluto do tempo, ele trouxe o cosmos à existência.

Uma vez que isto estava feito, seu Espírito m$r^j\P\T (flutuava ou incubava) sobre

as águas, as quais, inicialmente, não eram separadas da terra ou atmosfera.16 O

Espírito estava ativamente presente quando Deus falou. Uma série de fatos reais

foram executados. Estes são apresentados a seguir:17

1 6 Ver a discussão de Kline sobre a matéria em seu livro Images of the Spirit (Grand Rapids: Baker, 1980), 13-139.

1 7 Os atos da criação não são sempre considerados da mesma maneira. Ver, por exemplo, Werner H. Schmidt, Die Schopfungs-Geschichte (Vluyn: Neukirchener, 1967). Ele discutiu oito Schopfungsweken (obras da criação) e as prefaciou com um Uberschrift (Prefácio) e uma Einleitung (Introdução). Gênesis 1.1 e 2 conclui com o Spiesegebot (comando de alimentação) e o siebte (sétimo Dia). Seu trabalho contém um material muito útil mas, assim como o trabalho de Von Rad, Schmidt considera o relato como sendo Sacerdotal e Jeovista Anhangen

Page 37: Criacao e Consumacao 1

Dia 1: ato 2 a luz apareceu e foi feita distinta da escuridão (Gn 1.3-

5)

Dia 2: ato 3 o céu apareceu separadamente da terra e da água (Gn

1.6-8).

Dia 3: ato 4 formação da terra seca e dos corpos de água (Gn 1.9-

10)

ato 5 a terra produziu vegetação de todos os tipos (Gn 1.11-

13)

Dia 4 ato 6 feitura/colocação dos luzeiros no céu (Gn 1.14-19)

Dia 5 ato 7 vida feita para aparecer na água (Gn 1.20-23)

ato 8 vida feita para aparecer no "firmamento dos céus" (Gn

1.20-23)

Dia 6 ato 9 a terra feita para produzir criaturas viventes que viviam sobre a

terra (Gn 1.24-25)

ato 10 macho e fêmea foram criados e foi dada sua comissão

e posição de vice-gerentes (Gn 1.26-30)

Dia 7 ato 11 Deus separou o sétimo dia como um dia de descanso

(Gn 2.2,3)

Enquanto consideramos o esboço das atividades de Deus, surge o

pensamento de se estar vendo um modelo artístico. Mas nenhum modelo

consistente é encontrado. Por exemplo, se virmos uma relação entre o ato 1

(começo) e o ato 11 (descanso) e entre o ato 2 (luz) e o ato 6 (luzeiros), ficaremos

desapontados quando uma tentativa for feita para encontrar outras relações

(fiel a). Seu trabalho literário o impede de dar uma interpretação confiável do que Deus fez, disse e revelou.

Page 38: Criacao e Consumacao 1

precisas. O ato 3 não se relaciona precisamente com o ato 7 mas, em parte, com

o ato 8. O ato 4 se relaciona com o ato 5 e com o ato 9. Nenhum dos atos

precedentes se relaciona com o ato 10. Outros esforços para descobrir modelos

artísticos têm sido feito, como por exemplo, alternância entre céus e terra.18

Não existem modelos artísticos consistentes apresentados; Gênesis

1.2-2.4 nos informa que o céu, corpos de água e terra foram feitos e que cada um

destes tornou-se o "lar" de vários tipos de vida. Os dois versículos que comentam

sobre o que Deus tinha feito (Gn 1.31;2.1) confirmam que Deus tinha realmente

agido como registrado e que ele estava muito satisfeito com o que tinha surgido

através da sua palavra e Espírito criadores.

Estes primeiros dois capítulos de Gênesis nos revelam que Deus

seguiu um programa progressivo em seu trabalho criador, consistindo de onze

atos específicos. O primeiro ato foi o começo absoluto do tempo -- fora dos limites

do dia. Os dez atos seguintes foram apresentados com sendo executados em

períodos de tempo referentes a dias. Um propósito do período de atividades de

sete dias foi dividir o tempo em semanas, consistindo de seis dias de trabalho e

um dia de descanso. Na apresentação dos atos criadores nos limites de uma

"semana", a semana foi incluída como parte da criação de Deus.

A esta altura, será útil considerar se Gênesis 1.1-2.3 deveria ser tido

como um credo ou um poema ao invés de uma narrativa histórica. A repetição de

termos e frases como "houve tarde e manhã", "viu Deus" e "houve tarde e manhã",

poderia ser vista como característica poética. Mas, quando a real estrutura da

poesia do Antigo Testamento é considerada (ex., Ex 15; 1 Sm 2.1-10; os Salmos,

ex., Sl 104.1-23),19 então se compreende que Gênesis 1.1-2.3 é de um estilo

diferente e não deve ser incluído nesta categoria. Desde que não é poesia e uma

vez que a consideração da passagem como narrativa histórica não é aceitável

para alguns estudiosos, tem-se sugerido que ela seja considerada um credo ou

1 8 Wenham, Genesis 1-15, 7.1 9 A descrição poética da criação no Salmo 104 difere, radicalmente, de Gênesis 1.1-31. Porque

Gênesis 1 revela eventos históricos, o salmista tinha fontes históricas para suas expressões poéticas.

Page 39: Criacao e Consumacao 1

declaração de convicções. Esta passagem da criação nunca é citada como um

credo na própria Escritura, nem funcionado como um credo dentro do culto judaico

e cristão. Outras passagens na Escritura, consideradas como credos (Dt 26.5-10;

Fp 2.6-11), relatam eventos históricos reais. Assim também é o caso do Credo

Apostólico da Igreja Cristã, especialmente a parte que declara a crença com

relação ao Filho Único. Para resumir: Gênesis 1.1-2.3 é uma breve declaração

histórica que revela que Deus é o Criador e como ele fez sua obra de criação

dentro de um período de tempo específico.

O último assunto preliminar que discutiremos é a relação entre os

dois relatos da criação--Gn 1.1-2.3 e 2.4-25. Comentários fornecem um largo

espectro de explicações.20 Não é necessário que sejam repetidos. Existem um

número de pontos importantes que requerem atenção.

Primeiro, a introdução de Gênesis 2.4-25 é a frase "esta é a gênese",

que ocorre um número de vezes para introduzir a narrativa com relação a uma

pessoa ou à família de uma pessoa. Em Gênesis 2.4, a frase não é um fim para o

primeiro relato histórico, cronológico da criação, mas uma introdução para o que

se segue, como é o caso nos outros exemplos onde aparece (Gn 5.1; 6.9; 10.1;

11.10,27; 25.12,19; 36.1; 37.2).

Segundo, a passagem deveria ser considerada uma explicação

adicional do que foi registrado em Gênesis 1.26-28, onde a criação de A`D`m foi

introduzida e um número de fatores importantes foram mencionados (ex., a

imagem de Deus, macho e fêmea, e a atribuição do mandato multifacetado).

Desde que o papel da humanidade é um tema central e fundamental nas

Escrituras, é dado um tratamento mais completo à criação da humanidade do que

ao relato histórico inicial.

Terceiro, a passagem deveria ser considerada como sendo

organizada por tópicos ao invés de cronologicamente.21 O primeiro tópico discutido

2 0 Ver Wenham sobre a conexão íntima entre Gênesis 2.1-3 e 2.4 (Genesis 1-15, 6, 54).2 1 O material parentético nos vv. 5-6 é difícil de se interpretar. Ele sugere que o homem foi

colocado na terra antes da obra criadora estar completa. Ver Kline, "Because It Had Not Rained", Westminster Theological Journal 20:1 (1958), 146-157. Mas, isto é contrário ao que

Page 40: Criacao e Consumacao 1

é a criação do macho. Isso foi declarado em Gênesis 2.7. Então, segue-se a

descrição do lugar que Deus havia preparado para Adão. Era um jardim com

árvores que produziam alimento. Algumas árvores especiais foram incluídas: a

árvore da vida e a árvore do conhecimento. O jardim era bem regado por rios; era

um lugar de riqueza. Então, é declarado que ao homem foi dado o mandato

cultural (Gn 2.15) e o privilégio de comer dos frutos das árvores, exceto da árvore

do conhecimento. Uma advertência foi adicionada (Gn 2.17). A criação da fêmea

é, então, relatada. A solidão do macho foi realçada pelo fato dele não ter

encontrado uma "companheira apropriada" entre os animais que Deus tinha criado

(Gn 2.19), aos quais coube ao homem dar nomes (Gn 2.20). O homem tinha que

ter uma companheira complementar e, então, a mulher foi criada (Gn 2.21-22). O

homem a reconheceu como sua igual em essência (Gn 2.23). A passagem a

respeito da criação, papel, responsabilidades e relacionamentos do homem e da

mulher foi concluída pelo registro da instituição do casamento e da família. No

capítulo 3, o papel do jardim do Éden, a criação do macho e da fêmea e os

mandatos atribuídos a eles serão estudados com maiores detalhes.

Resumindo, podemos dizer que Gênesis 2.4-25 não introduz um

segundo relato da criação. A passagem dá uma exposição de Gênesis 1,

particularmente dos versículos 26-28 e, desse modo, indica que a criação do

macho e da fêmea não foi uma ato unificado, instantâneo. A passagem enfatiza a

criação ímpar do homem e da mulher, seu papel singular dentro da criação e o

relacionamento especial que foi ordenado existir entre eles.

OS ATOS DA CRIAÇÃO

Gênesis 1.1-2.25 registra que Deus criou os céus e a terra e tudo o

que estes constituem. Tudo que existe, exceto Deus, foi criado. Mas este ato

criador de Deus não foi uma atividade avulsa. Uma consideração dos vários

aspectos ou atos da criação nos dão uma rica compreensão do modo de trabalho

de Deus e da natureza integrada de todo o cosmos. Deus criou seu reino cósmico

Gênesis 1.26-28 comunica. Estes versículos parecem sugerir uma elaboração do que era para ser a tarefa do vice-gerente enquanto cultivava e exercia domínio, mas Gênesis 2.8-14 fala de um lugar bem estabelecido e abençoado com abundância de água.

Page 41: Criacao e Consumacao 1

consistindo de uma grande variedade de partes componentes, todas as quais

relacionadas e harmoniosamente interdependentes. Nenhum aspecto ou parte

pode existir de forma independente. O sol, a lua e as estrelas requerem o céu;

peixes precisam de água; humanidade precisa de vegetação para comida.

CRIAÇÃO PELO FIAT

O termo fiat não aparece no Antigo Testamento. Ele significa

comando. O termo hebraico para comando é x`w>, que aparece só no piel e

significa dar uma ordem ou um comando. O texto traz o termo "disse", que não

significa comando. Mas um comando foi dado pelo uso da terceira pessoa do

singular da forma jussiva do verbo H`y> (ser). Deus não se dirigiu a uma pessoa

(segunda pessoa do imperativo); antes, ele chamou por alguma coisa para

aparecer ou tornar-se diferente. Quando o gênero humano foi criado, Deus usou a

primeira pessoal do plural, coortativo "façamos". Deus não é revelado como uma

deidade que age do tipo "mãos-a-obra"; antes, ele é revelado como um poderoso

Deus soberano que pode dirigir-se ao que não existe e chamá-lo à existência. E

tudo quanto tem diante de si faz o que ele deseja. Isso é registrado nas

expressões "e assim se fez" e "Deus viu que era bom".

A criação pelo fiat demonstrou a realeza do Criador. Ele não somente

criou o material do cosmos, ele o controlou. Enquanto continuou dirigindo-se ao

cosmos durante o período das atividades criadoras, ele trouxe à existência o que

ele poderia continuar controlando e governando. Trouxe à existência um reino

sobre o qual reinava e continuaria reinando.

Uma outra verdade importante deve ser mencionada agora; embora

somente mais tarde ela será explicada de forma mais completa. Deus estabeleceu

um relacionamento com seu cosmos/reino. O texto registra que Deus, depois de

cada ato criador, viu o que tinha feito, declarou que era bom e começou a lidar

com o que fora criado. Ele não colocou o cosmos em movimento e então saiu ou

afastou-se dele, ignorando-o. Ele não assumiu a abordagem "deística". Antes, um

relacionamento íntimo foi mantido. Durante o período da criação, ele continuou a

se dirigir ao que tinha feito. O que tinha sido feito reagiu como Deus, o Rei

Page 42: Criacao e Consumacao 1

Criador, requeria. Deste modo, um poderoso e efetivo vínculo foi estabelecido. Foi

um vínculo de bondade/amor; um relacionamento produtivo que tornou-se um

vínculo sempre crescente e enriquecedor entre o Criador e todos os aspectos da

sua criação. Deus criou seu reino cósmico e estabeleceu um relacionamento

pactual com ele;22 uma aliança que seria um vínculo duradouro e o fator central de

unificação de tudo que tornou-se conhecido no curso da história e no processo

que conduz à consumação. Na verdade, era para ser a força mantenedora e o

meio de ação até o próprio fim absoluto -- o escaton.

É vitalmente importante que o leitor compreenda o que é

estabelecido nesta seção. Vale a pena repetir. Deus, através de seus comandos

verbais, exercitando seu poder soberano, trouxe à existência aquilo sobre o qual

poderia sempre reinar. Ele criou seu reino e estabeleceu um vínculo de bondade,

amor, vida e poder entre si mesmo e este reino. Este vínculo é conhecido como a

aliança com a criação, ou como "Pacto do Domínio".23

Antes do próprio reino cósmico ser discutido em maiores detalhes,

estudaremos os vários aspectos da atividade criadora de Deus. Este estudo dará

um entendimento mais profundo e uma compreensão mais rica do exercício das

prerrogativas do reinado de Deus. Também dará discernimento do motivo do

salmista para exclamar, "Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Todas com

sabedoria as fizeste." (Sl 104.24) e de Paulo, para escrever que a criação revela o

poder eterno de Deus (Rm 1.20).

ASPECTOS DA ATIVIDADE CRIADORA

1. O verbo B`r`’ no qal é usado para citar uma atividade de Deus que fala de

2 2 Ver como Kline desenvolve seu entendimento da instituição de Deus de um relacionamento pactual com sua criação, em sua apostila não publicada "Kingdom Prologue" (Toronto, ICS, 1983), seção A, especialmente 12-19.

2 3 Ver a tese de mestrado, não publicada, de Thomas F. Henry (St. Louis: Covenant Theological Seminary, 1989), 1-15. Ele usou esta frase seguindo a ênfase de Kline e Robertson na ação soberana de Deus como rei na atividade criadora e no comissionamento de Adão e Eva para serem seus vice-gerentes. Gary North também enfatizou esta frase no primeiro volume do seu Economic Commentary on the Bible, que leva o título the Dominion Covenant: Genesis (Tyler: Institute for Christian Economics, 1982).

Page 43: Criacao e Consumacao 1

um começo absoluto ou novo. O novo pode ser originado por uma renovação,

transformação ou regeneração. Alguns estudiosos têm tentado dar esse sentido

ao verbo B`r`’. Este esforço pede uma reinterpretação da estrutura de Gênesis

1.1-2 para que o primeiro versículo seja lido como uma oração dependente,

"quando Deus começou a criar..." e o versículo 2 como um parêntesis, uma

declaração explicativa, "e a terra era caótica...". Isto é, então, seguido por Deus

dizendo, "Haja luz". Esta explicação da estrutura e do verbo leva à conclusão de

que existia um material preexistente quando Deus criou os céus e a terra.24 Pode

se responder a essa conclusão em duas partes. Primeiro, Wenham escreveu

corretamente que, embora B`r`’ não indique creatio ex nihilo, o verbo preserva a

idéia da criação sem esforço, totalmente livre e ilimitada de Deus. Nunca é

mencionado que Deus criou "a partir de".25 Carl F. Keil, em sua discussão deste

material, indicou que os Panteístas acharam a idéia da "creatio ex nihilo

repulsiva". Keil, no entanto, insistiu que B`r`’, no qal, significa criar e que, quando

"aplicado à criação divina, significava a produção do que não tinha existência

anterior".26 John L. Mackenzie, no entanto, sentiu-se à vontade para questionar se

o autor de Gênesis 1 descreveu Deus criando a partir do nada. Ele adiciona que

não é negado mas "é extremamente improvável" que o autor de Gênesis 1 afirme

isso. 27 James Lindsay declarou como insegura, qualquer exegese de Gênesis 1

que tente estabelecer a "criação a partir do nada" e sugeriu que outras passagens

bíblicas deveriam ser consultadas. 28

No Antigo Testamento, há passagens que, no mínimo, implicam que Deus

2 4 Ver discussões deste problema gramatical em Wenham, Genesis 1-15, 11-12 e Young, Studies, 3-7.

2 5 Ibid.,14.2 6 Carl F. Keil e Franz Delitzch, Biblical Commentary--The Pentateuch, trad. James Martin (repr.

Grand Rapids: Eerdmans, 1949), 1:46-47.2 7 Dictionary of the Bible, 159. Para uma forte rejeição da visão tradicional de que Deus criou ex

nihilo, ver Jon D. Levenson, Creation and the Persistence of Evil (New York: Harper & Row, 1988). Levenson acredita que a criação reflete (account) o Enuma Elish. Yahweh, numa luta com outros deuses ’\l,’ \ly"n, ’$l{h'm, tornou-se o deus dominante e soberano. Mas nunca conquistou totalmente o caos, o que o título do capítulo 2, "A sobrevivência do Caos após a vitória de Deus", indica. Levenson não tem resposta para a pergunta de onde o caos, do qual a terra foi criada, veio.

2 8 International Standart Bible Encyclopedia 11:738.

Page 44: Criacao e Consumacao 1

criou o mundo a partir do nada. O Salmista falou de Yahweh criando através da

sua palavra (Sl 33.6). Ele também chamou os céus, os anjos, o sol, a lua e as

estrelas para louvarem a Yahweh porque "mandou ele, e foram criados." (Sl

148.1-5). O escritor de Provérbios falou da mesma forma (Pv 8.22-27). O Novo

Testamento fala mais diretamente. João escreveu que, através dele, a Palavra,

"todas as coisas foram feitas e, sem ele, nada do que foi feito se fez." (Jo 1.3). A

passagem clássica da doutrina do creatio ex nihilo é Hebreus 11.3: "o visível veio

a existir das coisas que não aparecem".

Depois de uma consideração do texto de Gênesis 1-2 e de vários

esforços para interpretar esta passagem, Marcus Dodds concluiu que a verdade

ensinada é de que existia uma criação, "que as coisas agora existentes, não

nasceram de si mesmas". Antes, uma inteligência superior e uma vontade criadora

chamou estas coisas existentes à vida.29 Nós podemos e seremos mais

específicos: O testemunho das Escrituras é que Deus criou os céus e a terra

quando nada existia além da deidade. Esta é a verdade expressa me Gênesis 1.1.

Na seção I acima, discutimos a relação de Gênesis 1.1 com Gênesis

1.2s. Concluímos que Gênesis 1.1 foi a declaração introdutória do relato da

criação. Este cabeçalho de Gênesis 1.2-2.25, que também pode ser visto como

cabeçalho de toda a Escritura, enfatiza que o evento criador foi realizado por

Deus. Tudo que foi trazido à vida, veio à existência através da Palavra criadora de

Deus. Este evento criador, no entanto, não aconteceu instantaneamente. Deus

seguiu um processo, de acordo com o texto de Gênesis 1.1-2.25.

2. Antes de discutir as várias atividades envolvidas no evento da criação,

devemos considerar a contribuição de Gênesis 1.2 para o relato da criação.30

O texto é introduzido pelo w\ conjuntivo, que pode ser traduzido de várias

2 9 Marcus Dodds, The Expositor's Bible, vol. 1, The Book of Genesis, ed. W. Robertson Nicoll (repr. Grand Rapids: Eerdmans, 1947), 7.

3 0 Não nos referiremos aos numerosos comentários, obras teológicas, dissertações e artigos que discursam sobre este versículo. Para uma boa pesquisa da discussão, pode ser consultado todo o trabalho de Young, Studies, e Wenham, Genesis 1-15, especialmente 15-17.

Page 45: Criacao e Consumacao 1

formas. O contexto, normalmente, indica a idéia comunicada. Como vimos

anteriormente, interpretações do contexto variam. Seguindo a linha adotada

acima, a melhor tradução de w\ é "e" ou "agora". Não deve ser traduzido como

"então", pois, para tanto, seria necessário traduzir a primeira palavra de Gênesis

1.1 por "quando", i.e., "quando Deus começou...então a terra". Antes, posto que o

primeiro versículo é uma sentença independente, o segundo versículo não deve

ser considerado como uma cláusula temporal. O melhor é considerá-lo como uma

oração circunstancial, expressando as circunstâncias da terra. O termo "agora" é o

que se ajusta melhor: "Agora a terra era..."31 Kline disse correta e sucintamente

que "o registro bíblico aponta as condições no mundo visível que chamam por

uma ação divina". 32

A condição da terra, o mundo visível para todos, quando veio a existir

no princípio, é descrita através de quatro termos. T)HW aparece vinte vezes no

Antigo Testamento. Moisés o usou para descrever o deserto que os israelitas

percorreram (Dt 32.10). O contexto fala dele como um lugar de vazio e do

absolutamente nada. Assim também falou o Salmista (Sl 107.40). Em Jó, o termo

é usado para comunicar a idéia do nada (Jó 6.18) e do vazio (Jó 26.7); a idéia de

um lugar ermo, estéril, é também apresentada (Jó 12.24). Outros escritores

usaram o termo para se referir a objetos, normalmente ídolos, que são inúteis: A

versão revista e corrigida de João Ferreira de Almeida preferiu o termo "vão" ou

"vaidade" (1 Sm 12.21; Is 40.17; 41.29; 44.9; 59.4). Isaías o usou no retrato da

desolação de uma cidade (Is 24.10) ou de Edom como uma nação (Is 34.11). O

profeta expressou várias nuanças do nada; pessoas justas traídas por nada (Is

29.21), o trabalho dos juizes (Is 40.23), e o resultado do povo buscando a Yahweh

pelas razões erradas (Is 45.19). O termo é usado duas vezes pelos profetas em

relação à criação. Isaías proclamou que não era intenção de Yahweh ter a terra

T)HW, vazia, mas tê-la habitada (Is 45.18). Jeremias, no entanto, usou o termo

para falar de uma desolação absoluta que resultaria do julgamento de Deus sobre

a terra de Israel e Judá (Jr 4.23). Esse levantamento do uso do termo indica que a

3 1 Ver discussões da tradução de w\ em Childs, Myth and Reality, 31-34; Dumbrell, End, 171-173; Commentary, 48-49; Wenham, Genesis 1-15, 15-16; Young, Studies, 7-8.

3 2 Images, 3.

Page 46: Criacao e Consumacao 1

idéia principal, embora expressa com várias nuanças, é de absolutamente nada ou

vazio. Lugares podem ser absolutamente desolados porque nada está lá;

resultados de adoração, trabalho ou outros esforços podem resultar em

absolutamente nada útil ou que valha a pena.

Estudiosos representando várias escolas de pensamento e

interpretação têm mostrado um grau de concordância sobre a idéia de que o termo

"caos" em Gênesis 1.2 introduz o pensamento de que o mal estava presente de

algum modo ou forma no estágio mais remoto da existência do cosmos.33 Deve

ser notado que, de acordo com o relato bíblico, não existe sugestão alguma de

oposição a Deus em suas atividades criadoras, o que seria inerente ao mal. Os

próprios termos não carregam este pensamento. É verdade que, quando os

ídolos, considerados nada, eram cultuados, eles eram considerados o objeto de

adoração de um povo mau. Estes ídolos eram considerados maus por causa do

modo como foram feitos e usados.

Esta visão errônea de que quando o cosmos estava no estado de

caos o mal estava presente, tem duas conseqüências importantes. Primeira,

alguns escritores têm sugerido que duas forças antagonistas estavam presentes

no começo. Os princípios do bem e do mal constituem um poderoso dualismo.

Sugere-se que a história da criação, segundo o argumento, comunique a idéia de

que o bem triunfou numa violenta batalha cósmica. Segunda, relacionada a esta

idéia da luta entre dois absolutos, está a de que, no lugar de se pensar em "criar"

3 3 Albert M. Wolters, Creation Regained (Grand Rapids: Eerdmans, 1985). O estudo cuidadoso de Wolters dos temas bíblicos da criação, queda e redenção, o levou a concluir que o mal não é uma condição necessária para o mundo criado. Fields sustenta linhas similares (Unformed, 126-129). Cassuto não introduziu a idéia de mal (Commentary, 22-23). John C. Whitcomb chegou a escrever que o cosmos era perfeito naquele estágio primitivo, embora não estivesse completo. Ver The Early Earth (Winona Lake: BMH Books, 1972), 203. Mas, Merrill Unger estava preparado para considerar a presença do mal. Ver "Rethinking the Genesis Creation Account", Bibliothaca Sacra 115 (1958): 27-35. John Skinner inferiu que o caos significava que a vida e a ordem tinham desaparecido (porque o mal estava presente). Ver Genesis (Edinburgh: T. & T. Clark, 1910), 16. Gerhard C. Berkouwer também admitiu um dualismo real e ativo no tempo da origem do cosmos. Ver De Zonde (Kampen: Kok, 1958), 1:59-88, especialmente. 76-87. Emil Brunner, do mesmo modo, admitiu a idéia da fonte mitológica para a idéia de que o mal estava presente. Ver The Christian Doctrine of Creation and Redemption (Philadelphia: Westminster, 1952). Ele sustenta que o estudo da doutrina da criação deveria começar no Novo Testamento (8-9, 13) e que a criação deveria ser considerada como o dar forma a algum material ao invés de trazer à existência. Deste modo, a criação é, numa análise final, uma redenção.

Page 47: Criacao e Consumacao 1

como "trazer à existência", deveria se pensar em "criar" como uma atividade

"libertadora". Como o bem triunfou, o cosmos foi liberto do mal. É verdade que,

quando Israel foi liberto, tornou-se um novo povo. O termo "criar" foi usado para

falar da formação de Israel como uma nação recém-nascida, livre. Porém, a idéia

de uma nova criação também está presente, não só de libertação. Além disso, o

termo B`r`’ comunica a idéia de trazer à existência o que não estava presente.

Ainda mais, as Escrituras nos informam que o mal foi introduzido depois que a boa

criação foi trazida à existência.

Concluímos que a idéia do mal não está pressente em Gênesis 1.2.

Antes, o que surgiu como resultado do primeiro ato criador de Deus, a criação ex

nihilo, não foi um produto mau. Apenas estava vazio, inútil em sua condição e

circunstância inicial. Os outros três termos repetem ou ampliam esta condição.

W`B)HW, o segundo termo, aparece duas outras vezes nas Escrituras.

Jeremias o usou da mesma forma que foi empregado em Gênesis o faz (Jr 4.23).

Isaías o usou para comunicar a idéia de inutilidade ou vazio (Is 34.11). A maioria

dos léxicos considera a idéia de vazio como o significado mais preciso do termo. É

um sinônimo muito próximo de T)HW e é usado para enfatizar a idéia de

desolação. Alguns escritores, interpretando estas duas palavras, falam de caos

primordial. O estado inicial da terra era de desorganização; era inadequado para

qualquer tipo de vida. Neste sentido, o termo "caos" pode ser usado. De novo,

vale a pena repetir, a idéia do caos, propriamente, não inclui a idéia de mal. A

criação original não incluiu o mal, não foi formada ou controlada pelo mal em

nenhum modo concebível. Deus não criou o mal nem o resultado do que ele criou

foi mau.

A terra inabitável, desorganizada, estéril e vazia é mais adiante

citada como tendo j)v#K (escuridão) cobrindo as "faces do T$Hom" (abismo ou

grande profundidade). A escuridão era uma parte da criação de Deus; Childs está

errado ao dizer que ela era independente da terra e que não foi criada.34 A frase

deve ser adicionada à descrição do caráter inabitável da terra, e também serve

3 4 Myth and Reality, 34. Ver também a discussão sobre escuridão e T$Hom de Young em Studies, 34-38.

Page 48: Criacao e Consumacao 1

como uma introdução para a próxima declaração: "haja luz". Alguns estudiosos

têm tentado ver uma ligação estreita entre T$Hom e T]^m^T, uma personalidade

mítica babilônica. Alexander Heidel, no entanto, esclarece: "ainda que vindo da

mesma raiz, as duas palavras não significam a mesma coisa".35 Young também

mostrou como as palavras não são filologicamente equivalentes.36 A palavra

T$Hom refere-se às primeiras águas que eram parte da terra, que alcançavam as

áreas profundas, mas também cobriam a totalidade da "face" ou superfície da

terra.

Os quatro termos -- T)HW, B)HW, j)v#K (escuridão), e T$Hom --

unem-se para dar expressão à caótica condição da criação de Deus no seu

estágio inicial. Era totalmente desorganizada, uma confusão de elementos,

totalmente inabitável para qualquer forma de vida. Mas o Espírito vivo e formador

de Deus (Sl 104.30) estava presente. Ele não era parte do cosmos; ele pairava

sobre o cosmos. O termo rW^j pode ser traduzido como "vento", mas a frase rW^j

’$l)H'm é repetidamente usada nas Escrituras para se referir ao Espírito de Deus,

o Espírito Santo (ex., Ex 31.3; 35.31; Jz 3.10; Ez 11.5). Deve ser adicionado, no

entanto, que vento é freqüentemente usado como um símbolo ou metáfora para

referir-se ao Espírito Santo. A questão foi corretamente esclarecida por Wenham:

"A frase expressa a presença poderosa de Deus movendo-se misteriosamente

sobre a face das águas". 37 O Espírito foi o agente divino ativo que transformou um

caos em um cosmos. Ele fez o inabitável se tornar o lar real dos vice-gerentes de

Deus.

As quatro atividades de Deus em seu trabalho de produção do

reino/cosmos provêem uma bela cena de como Deus faz seu trabalho. É um

modelo de atividade de construção que os vice-gerentes de Deus fazem bem em

seguir, como exemplo, na medida em que buscam ser trabalhadores nobres sob e

com Deus, no processo de trazer seu reino para sua consumação.

3 5 Alexander Heidel, The Babylonian Genesis (Chicago: University of Chicago Press, 1950), 98-107.

3 6 Studies, 35, n. 34.3 7 Genesis 1-15, 17. Ver sua útil revisão da "profunda divergência entre os comentaristas

modernos" com relação à interpretação da frase.

Page 49: Criacao e Consumacao 1

3. O Deus Criador, tendo a massa criada desorganizada e confusa diante

de si, continuou sua atividade criadora através da separação. Na medida em que

fez isto, fez com que aspectos de sua criação se tornassem distinguíveis. Ele falou

a palavra de comando; e o Espírito "que pairava" cumpriu sua ordem. Deus

bradou y$H' ‘or (haja luz). Houve luz e, quando isso aconteceu, Deus fez a

distinção entre a luz e a falta de luz (escuridão). Ele prosseguiu fazendo outra

separação: a expansão ou céu foi separada da mistura de terra e água (Gn1.6-8).

Assim, por separação, Deus formou o céu. Uma terceira separação foi feita --

água da terra (Gn1.9-10). Deste modo, Deus e seu Espírito formaram os corpos

de água (oceanos, mares, lagos) e os continentes. Os verbos que Moisés usou

para relatar estas atividades foram os que se seguem. Y$H' (haja) foi o comando

para o produto final aparecer. Deus sabia o que queria em cada caso. A idéia, o

conceito veio em primeiro lugar; pelo falar, ele fez o conceito tornar-se uma

realidade. Mas ele também é descrito como tendo realizado um outro ato:

w~Y~B$D@l (ele dividiu ou separou, Gn 1.4,6). O verbo w~Y‘^c (fazer, Gn 1.7)

expressa um outra nuança da atividade de Deus. Quando ele separou, ele fez.

Uma outra palavra de ação é y]Q`wW (seja ajuntado, Gn1.9). Estes verbos, em

combinação, apresentam uma atividade coordenada de falar, dividir, ajuntar e

fazer, cujo resultado foi que a massa desorganizada, que consistia de vários

elementos, tornou-se luz, escuridão, céu, corpos de água e massas de terra. De

fato, os aspectos constituintes do reino cósmico tinham sido trazidos a uma

existência distinta.

Alguns comentários devem ser feitos nesta conjuntura. Moisés disse que

cada vez que Deus fez uma separação e formou um aspecto distinto do reino

cósmico ele viu e declarou que era bom. Cada parte foi o que ele queria que

fosse. Cada parte realizou seu desejo. Ele quis a luz, a escuridão, o céu, os mares

e a terra. O Espírito de Deus realizou o desejo de Deus. Cada parte refletia o

desejo de Deus.

Gênesis 1.3-10 não dá os detalhes que as pessoas têm desejado

saber. A luz existe sem a presença dos corpos celestiais sustentadores da luz?

Page 50: Criacao e Consumacao 1

Outras passagens sugerem que a luz não é para ser vista como completamente

dependente deles. João fala do céu como não tendo necessidade do sol, mas a

luz está presente lá (Ap 21-22).

Outra questão que é difícil de se responder é a que diz respeito à

criação dos anjos, serafins e querubins. Estes são habitantes espirituais do céu

criado, feito a habitação de Deus e o centro de domínio do seu reino cósmico.

Seria mais correto considerá-los como tendo sido criados quando Deus trouxe à

existência os céus e a terra (Gn 1.1). Deve ser notado que não foi dito que a

abóbada celeste estava envolvida na massa inabitável e desorganizada chamada

terra (Gn 1.2-2); a abóbada celeste não foi incluída nas atividades de separação.

A expansão ou céu foi; o céu, como discutimos acima, deve ser distinguido da

habitação celestial de Deus. Isto também significa que Deus nunca habitou numa

situação caótica, nem seu trono esteve em tais circunstâncias. Ainda, as criaturas

celestiais, anjos, serafins e querubins, não habitaram em um lar caótico. Eles,

desde o começo da sua origem, usufruíram da ordem, perfeição e beleza do

domínio celestial de Deus. Essas características também foram pretendidas para a

terra.

4. O salmista cantou da majestade do nome de Deus (Sl 8). Ele se referiu à

"glória acima dos céus" que ele percebia enquanto refletia no "trabalho dos dedos

de Deus". Ele cantou da abóbada celeste/céus declarando a glória de Deus,

porquanto refletiam a habilidade, sabedoria e conhecimento de Deus (Sl 19). Por

que o salmista cantou sobre isso? Ele observou quão maravilhosamente Deus

havia criado, separado e formado o cosmos; e mais, ele observou não somente a

beleza e potencial da luz, céu, água e terra, mas também quão bem organizada é

a criação de Deus. Gênesis 1.3-2.25 revela, por palavras não faladas, um número

de aspectos que podemos agrupar sob a categoria de "organização".

Deus tinha um plano. Ele desejou se revelar de acordo com um plano que

poderia, efetivamente, fazer conhecido o que ele, Deus, era e quais eram algumas

de suas características. Conseqüentemente, como Kline menciona, pode ser dito

Page 51: Criacao e Consumacao 1

que o cosmos criado foi feito à imagem de Deus.38 O cosmos reflete aspectos do

ser e caráter de Deus. Por esta razão, o cosmos não é para ser considerado um

produto de eventos fortuitos ou de forças naturais que associaram-se por acidente

ou coincidência.

O relato da criação registra que, de acordo com o plano, existia ordem no

que foi feito. Primeiro a luz foi separada das trevas, então a atmosfera foi

separada da "massa". Isso foi seguido pela separação da massa entre "mares" e

terra seca. Uma vez tendo distinta sua existência, cada um foi capaz de assumir

seu papel no cosmos. O relato detalhado da criação do homem (Gn 2.4-25) revela,

particularmente, esta ordem. Deus tinha preparado um jardim (Gn 2.8) que era,

também, apropriado para o homem; tinha água, comida, e riqueza (Gn 2.9-14). Ele

fez Adão e o colocou no jardim entre as árvores e os animais; e fê-lo perceber que

necessitava de uma "ajudadora apropriada" para cumprir os mandatos cultural,

reprodutivo e de comunhão. Deus, então, formou Eva, a quem Adão recebeu com

alegria. Deus, deste modo, formou a família e, então, estabeleceu quais seriam

suas condições para ela, depois que ela tornou-se uma realidade para Adão e

Eva.

Deus trabalhou de acordo com seu plano que, como sua ordem

demonstrada, também revelava os relacionamentos que ele designou e

estabeleceu. O "relacionamento de oposto" foi estabelecido quando a luz foi

chamada à existência em distinção da escuridão. Um, portanto, não é conhecido

sem o seu oposto. Além disso, o relacionamento entre os corpos de água e

massas de terra foi estabelecido; sem terra, corpos de água não existem; terra

forma os limites dos mares. Entretanto, como Gênesis diz tão claro, sem água, a

terra não pode produzir. Terra necessita de água para ser cultivável e produtiva.

Água, por sua vez, necessita de terra, não somente para "margeá-la"; é da terra

que vem muito do material alimentar que a vida marítima necessita. E, como o

3 8 Images, 20-22. Thomas F. Torrance, Divine and Contigent Order (Oxford: Oxford University Press, 1981), buscou explicar que o cosmos é o que é, não por causa de uma necessidade inerente, mas porque Deus desejou que ele fosse o que é e funcionasse como funciona. Conseqüentemente, o cosmos é totalmente dependente de Deus e, portanto, também, uma revelação dele.

Page 52: Criacao e Consumacao 1

relato da criação prossegue revelando, vegetais, animais e vida humana são

dependentes da terra que, por sua vez, não pode servi-los sem a água. Muito mais

poderia ser dito sobre os relacionamentos que Deus estabeleceu enquanto criou e

formou o cosmos. Dois fatores específicos a mais devem ser mencionados.

Deus, como Senhor Criador, ao separar e organizar o cosmos, deu papéis

ou funções para cada aspecto constituinte. As funções do céu são diferentes das

funções da água. A terra, que Adão e Eva foram mandados cultivar e ter domínio

sobre ela, tem uma função distinta da função das plantas que sustenta. Estas

funções ou papéis foram ordenados pelo Criador. Enquanto os vários elementos

constituintes do universo assumem seus papéis e prosseguem suas funções

determinadas, o cosmos opera de acordo com o desejo e plano do seu Criador.

Finalmente, deveríamos tomar nota dos modelos que o Criador teceu na

formação do seu cosmos. Um termo melhor para modelo é, possivelmente, lei. Os

modelos no cosmos são inseparavelmente relacionados às leis que o Criador

estabeleceu como fatores inerentes e integrais dentro do cosmos criado. A cada

aspecto constituinte do cosmos foi dado um caráter ímpar. Cada parte, num

sentido real, tornou-se o modelo para aquilo que era para ser produzido a partir

dela. O peixe pai era o exemplo ou modelo para o peixe produzido por ele.

Gênesis 1 fala de vários aspectos da criação que estão de acordo com a sua

espécie. Por exemplo, o peixe era para atuar de acordo com a sua natureza e

papel. Ele teria um modo de atuar. Isso é o que entendemos por lei. É a lei do

peixe nadar na água, botar seus ovos que são chocados na água a fim de que o

peixe continue a estar presente, de acordo com a sua espécie. O modelo e lei

para o peixe não mudará.

Entendemos, então, através de um estudo do relato da criação e consulta

às passagens auxiliares, que as leis dentro do cosmos atuam dentro dos modelos

que Deus ordenou. As funções de cada aspecto da criação foram prescritas por

Deus e cada função estava em harmonia com as funções dos outros aspectos.

Deus organizou o cosmos que ele criou e o fez refletir sua pessoa como um Deus

de ordem.

Page 53: Criacao e Consumacao 1

5. Discutimos acima os aspectos da criação (i.e., trazer à existência), da

separação e organização da atividade criadora de Deus. Estes nos são revelados

com um grau de clareza em Gênesis 1.2-10, embora continuem evidentes

enquanto o relato da criação continua (Gn 1.11-2.25). Disso, aprendemos mais

especificamente o que foi referido na primeira parte. Deus, o Criador, designou;

este termo nos comunica um grupo de ações tais como demarcar, especificar,

nomear designar e apontar. Temos nos referido a Deus demarcando os limites dos

elementos constituintes dos mares e da terra. Então, também, existem referências

a Deus especificando qual deveria ser a ordem do cosmos. O verbo que chama a

atenção agora é w^Y]qr`’ (chamou -- Gn 1.5, 8, 10). Uma outra tradução poderia

ser "ele nomeou". Deus nomeou, isto é, ele determinou o caráter da luz, da

escuridão, do céu, do mar e da terra. Tendo criado e formado a cada um destes,

ele designou que deveriam ser conhecidos como sendo o que ele pretendeu que

fossem e fizessem. Enquanto continuou a desenvolver seu cosmos criado, Deus

fez outras designações. Ele determinou que a terra tivesse a função de produzir

vegetação (Gn 1.11-13), que os mares abundassem de seres viventes e o céu, de

pássaros. Este fenômeno não aconteceu por acaso; eles não surgiram de eventos

acidentais ou exercícios experimentais. É por determinação de Deus e pelo

trabalho do Espírito que a terra sustenta a vegetação, as águas, e a vida marítima;

e o céu, os pássaros.

A atividade de Deus, registrada como acontecida no quarto dia, tem

levantado muita discussão (Gn 1.14-19).39 A atividade criadora de Deus é citada

por uma variedade de verbos. Primeiro, vem o verbo y$h' (haja). Deus, pelo fiat,

trouxe o sol, a lua e as estrelas à existência. Seu papel é citado pelo verbo h^BD'l

(separar -- Gn 1.14,18). Eles tiveram um papel com relação ao dia e à noite, mas

deviam, também, H`yW l$’)T)T (ser por sinais ou servir como sinais) para

3 9 Os volumosos materiais que lidam com o conteúdo desta passagem têm surgido da caneta dos exegetas, teólogos, filósofos e cientistas (particularmente astrônomos). É tremendamente difícil se chegar a uma conclusão, o que iria satisfazer só a uma parte dos escritores. Leitores poderiam consultar as referências citadas nas notas anteriores e os comentários eruditos geralmente reconhecidos para uma exposição dos extensos debates sobre este material.

Page 54: Criacao e Consumacao 1

estações, dias e anos. Essa determinação foi seguida por uma outra, para ser

uma luz para a terra (Gn 1.15,17). O verbo l$m\mv\l\T (governar) é usado para

designar, especificamente, qual seria a função do sol e da lua. Incluída no relato

da origem dos luzeiros no céu está a referência às estrelas. Depois que foi dito

que Deus w^Y^’^c (fez) o sol e a lua, foi declarado que Deus também fez as

estrelas (Gn 1.16). Um importante termo a mais deve ser considerado: w^Y]T@n

(e ele deu). Este verbo pode ser entendido como "ele estabeleceu". Quando Deus

deu ao sol e a lua as suas funções designadas, ele os colocou ou estabeleceu

posição deles.

No esforço de interpretar Gênesis 1.14-19, estudiosos, geralmente, não têm

tido dificuldade para aceitar a visão de que Deus é nítida e claramente revelado

como o soberano Construtor e Governador do cosmos. Ele é o Senhor do sol, lua

e estrelas. Ele os fez, posicionou-os e designou suas funções. Isto tem sido citado

como a verdade teológica que a passagem registra. As profundas diferenças de

opiniões, interpretações e aplicações do que a passagem ensina, têm sido

centradas, na sua maioria, no aspecto "cronológico". Por exemplo, Deus criou a

luz no primeiro dia e os luzeiros no quarto dia? Poderia a luz existir sem os

sustentadores da luz?

As Escrituras ensinam que a luz não é dependente dos sustentadores de

luz para a terra. Gênesis 1.14-19 não afirma que a luz foi criada no quarto dia.

Antes, afirma três realidades centrais: (1) Deus é o Construtor dos corpos

celestes; (2) Deus os colocou na posição que ocupam em relação à terra; (3) Deus

deu a eles funções específicas: separar a luz das trevas e regular períodos de

tempo para a terra. Parece correto dizer que esta passagem não pretende dar

ênfase à cronologia. No entanto, existe esta verdade a ser considerada. Deus

tinha um plano; ele trabalhou de acordo com esse plano. Ele organizou e

prosseguiu seu trabalho de uma forma ordenada. Deste modo, é possível que,

ainda que o sol, a lua e as estrelas tenham sido criados antes do quarto dia e

separados da atmosfera, água e terra, os corpos celestes não foram arranjados e

não lhes foram dadas suas posições em relação a cada um até ao quarto dia.

Page 55: Criacao e Consumacao 1

Quando alguém considera que no terceiro dia o solo do planeta Terra foi separado

da água, não parece estranho, de forma alguma, considerar que como à terra foi

dada sua forma final (de ar, terra e água), só, então, os sustentadores de luz

foram posicionados e atribuídas suas funções e, deste modo, a terra poderia

suportar vegetação; os mares, vida aquática; e o céu, as aves. Deus criou os

corpos celestes, fez isso de acordo com um plano, seguiu seu modelo para

criação, e embutiu suas leis para controlar as funções de cada aspecto da sua

obra. Deus fez isso ordenada, eficiente, e efetivamente. Seu majestoso reino

cósmico de tremenda magnitude, em vários sentidos, está acima da compreensão

humana, e é o maravilhoso produto de seu desejo, plano, ordem e poder

soberano.

O aspecto designativo da atividade criadora de Deus deve ser visto no que

Deus mandou a água fazer: tinha que ser abundante de vida. Deus designou as

águas para serem o ambiente adequado para os peixes e criaturas viventes

relacionadas. O céu foi designado para ser o ambiente dos seres alados (Gn 1.20-

23). Deus se dirigiu à terra, como tinha feito antes (Gn 1.11), e a designou para

ser o lar dos animais domésticos, rastejantes e animais selvagens (Gn 1.24).

Deus, criando macho e fêmea à sua imagem, os designou para serem seus vice-

gerentes e executarem mandatos específicos.40 Um outro aspecto específico do

trabalho designativo de Deus diz respeito à continuidade de todas as formas de

vida. Ele determinou que cada aspecto fosse frutífero e reproduzisse segundo à

sua espécie.

6. O cosmos que Deus criou, como já dissemos antes, consiste de luz, céu

(ar, atmosfera), água e terra. Cientistas, estudando os céus e o trabalho artesanal

de Deus, têm aprendido que a substância de que consiste o ar, água e a terra, é

composta de um pouco mais de 100 elementos químicos. Cada um destes

elementos distinguem-se em tamanho e número de átomos. Combinações destes

elementos formam a grande variedade de substâncias que as pessoas vêem,

4 0 A criação da humanidade, sua posição social e seu papel são discutidos no capítulo 3.

Page 56: Criacao e Consumacao 1

usam ou evitam diariamente. O processo pelos quais os elementos são

combinados e os resultados de várias combinações têm sido adicionados às

maravilhas e enriquecimento do cosmos como nós, seres humanos, o

experimentamos. Mas, no meio de todos os elementos, suas combinações e

processos, nenhum ser humano foi capaz de descobrir como a vida veio a existir.

Em boa parte, homens e mulheres têm aprendido como controlar e dirigir a vida. O

que não sabem é como produzi-la ou fazê-la parar de morrer. De fato, em várias

formas de vida, períodos curtos de tempo são prolongados, formas de vida no

mundo vegetal são mais variadas. Só Deus fez a vida e, quando ele chama pelo

seu fim, ninguém ou nada pode impedir que isso aconteça.

A atividade Deus, produtora de vida, é registrada como tendo

acontecido de várias formas e em tempos diferentes na ordem da criação. Em

cada caso, somos confrontados por uma realidade de vida que é, ao mesmo

tempo, um mistério acima da compreensão humana.

O primeiro mistério das origens da vida é registrado em Gênesis 1.11-12.

Deus ordenou que a vegetação aparecesse na terra. A vegetação é uma forma de

vida, e surgiu como um produto da terra. Formas de vida surgiram de uma

combinação de elementos de uma substância morta chamada terra. Este milagre

não foi mais realizado desde o tempo da criação.

O segundo grande mistério da origem da vida é registrado em Gênesis

1.20-21. Deus ordenou ao mar que se tornasse repleto de vida, adaptada à água;

e ao céu, de pássaros para voarem nele. Isso aconteceu, mas é dito que Deus

w^Y]Br`’ (criou) as criaturas viventes, todas as coisas que se moviam na água e no

céu. A vida que estes seres viventes possuíam foi trazida à existência por um ato

de criação ex nihilo. Vida, em qualquer forma, não é o resultado de combinações e

processos. É, antes, o resultado do desejo de Deus de criar através da sua

vontade soberana, palavra e Espírito cooperando.

O terceiro mistério concernente à vida é a sua continuidade. Vida vegetal,

de várias espécies, foi criada para gerar semente, o âmago da vida para o

surgimento vegetação, estação após estação. Plantas produzirem sementes

Page 57: Criacao e Consumacao 1

geradoras de vida é um milagre. É um mistério que nenhum ser humano pode

compreender ou duplicar. Somado ao mistério da vida em semente, está a

maravilha do número incontável de variações de semente. E cada semente

reproduzirá o que seu "pai" era. É verdade que os humanos têm sido capazes de

combinar e refinar alguns aspectos da vida que vêm da semente. Temos uma

sempre crescente variedade entre as espécies de vida vegetal. Mas a vida

propriamente dita tem sido criada somente por Deus e continua a existir de acordo

com os modelos e leis que ele embutiu dentro do cosmos.

O quarto mistério concernente à origem e continuidade da vida é o maior de

todos. Foi a criação de Adão e Eva à imagem de Deus (Gn 1.26-28). Um mistério

correlato ao da vida é a habilidade reprodutiva que Deus deu ao macho e à fêmea.

Este grande mistério de vida será discutido mais abundantemente no capítulo três

quando Gênesis 1.26-2.25 será trabalhado com maiores detalhes.

Já discutimos o ato da criação ex nihilo e as várias atividades percebidas,

as quais constituem o evento criador. A questão do tempo envolvido na criação

não foi ainda mencionada; falaremos sobre isso agora.

A QUESTÃO DO TEMPO

Deus criou o tempo quando começou sua atividade criadora (Gn 1.1). Ele

prosseguiu criando dentro do tempo. A marcação do tempo, do mesmo modo, foi

estabelecida por Deus. Existem repetidas referências a isso; os termos "noite",

"manhã" e "dia" são indicativos de tempo. No registro da criação como nos foi

dado, o costume hebraico de começar o dia com o crepúsculo é refletido pelo

refrão "houve tarde e manhã". O relato da criação tem a intenção de comunicar

que Deus estabeleceu o ciclo do tempo: um período de escuridão e um período de

luz que, juntos, formam o dia. Da mesma forma, o relato comunica a idéia de que

Deus estabeleceu a semana, consistindo de seis dias de atividades e um dia de

descanso. Deus também deu origem aos ciclos maiores controlados pela lua: os

meses e as quatro estações do ano (Gn. 1.14-19).

Page 58: Criacao e Consumacao 1

O debate sem fim sobre a questão do tempo em relação à criação, no

entanto, não é com respeito à origem do tempo. Antes, o debate concentra-se no

período de tempo efetivo, dentro do qual, Deus criou. E o debate inclui a questão

se o texto pretende comunicar um sentido de cronologia e, se assim o for, se

estava dentro da estrutura de um período de tempo definido.

Existe uma série de pontos específicos que são levantados no debate. O

primeiro é a respeito do que é realmente pretendido pelos termos "tarde" e

"manhã". Devemos entendê-los, num sentido geral, como sendo o começo e o fim

de um período de tempo? Poderia ser interpretado assim, mas este sentido não é

transmitido no texto. Nem o texto sugere que o termo "dia" deva ser entendido

como um longo período de tempo (como o Sl 90.4, port. tem sido entendido).

Wenham estava correto quando escreveu que, em Gênesis 1 "há poucas dúvidas

de que aqui, 'dia' tenha seu sentido básico de um período de 24 horas".41 Young,

no entanto, escreveu que o termo poderia, possivelmente, ter sido empregado em

um sentido figurativo, literal ou poético, mas não em um sentido antropomórfico.42

O filho de Young, Davis, revisou as várias e possíveis interpretações da palavra

"dia" e contesta vigorosamente a interpretação literal do termo. De acordo com D.

Young, os dados geológicos que tornam essa posição inaceitável não foram

compreendidos por Calvino, Keil e Hepp (pelo menos para alguns cientistas).43

Uma vez que os termo "manhã", "tarde", e "dia" deveriam ser aceitos no

seu sentido normal cotidiano, a semana de seis dias de trabalho e um dia de

descanso deveria ser aceita da mesma forma. Na verdade, Êxodo 20.9-10

certamente não pode ser interpretado em um sentido diferente do normal. Deus,

no quarto mandamento, certamente, chama toda a humanidade para seguir seu

modelo: Trabalhar seis dias de 24 horas e descansar um dia de 24 horas.

Deus realizou todas as suas atividades criadoras dentro de um período de

4 1 Genesis 1-15, 19.4 2 Studies, 58. Young recusou-se a aceitar os três usos de linguagem antropomórficos em seu

argumento contra a hipótese estrutural com relação à estrutura literária de Gênesis 1-2. 4 3 Davis Young, "Scripture in the Hands of Geologists", Westminster Theological Journal 49/1,

87:314. Ver também Howard Van Till, The Fourth Day (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), 97-190; ele não lida com as questões geológicas mas com as astronômicas.

Page 59: Criacao e Consumacao 1

sete dias consecutivos de 24 horas? Wenham, embora aceitando o sentido normal

cotidiano, respondeu com uma negativa. Ele acreditava que o escritor de Gênesis

1-2 empregou um esquema de seis dias para enfatizar a ordem e o sistema

construído na criação.44 Num sentido real, então, Wenham retrocede na sua

declaração anterior a respeito do sentido normal dos termos "tarde", "manhã" e

"dia", dizendo que o normal é usado de uma maneira literária como um esquema.45

Gênesis 1.1-2.25 no entanto, nos revela que Deus realmente criou os céus e a

terra no princípio. Deus, de fato, fez isso. Ele, então, prosseguiu através da sua

poderosa palavra criadora e do Espírito, realizando uma série de atividades

criadoras. Isso foi feito dentro de um padrão organizado e ordenado. Algumas

atividades foram realizadas em uma íntima interdependência das outras. Mas,

todas as dez atividades criadoras foram realizadas dentro de uma série de dias,

sete no total. Esses sete dias não foram sucessivos, mas seqüenciais. O texto das

Escrituras nunca falam da criação da semana. D. Young rejeita esta abordagem

como um esforço de um concordista recente.46 Uma melhor interpretação que a de

D. Young tem sido oferecida por H. Van Till e B. Waltke no seus recentes

escritos47, sendo esta, a idéia de sete dias efetivos seqüenciais (embora não dias 4 4 Genesis, 39-40.4 5 Vários estudiosos têm preferido não usar o termo "dia" no seu sentido normal. Eles concluem

que foi usado uma estrutura literária ou um artifício poético artístico. Para uma estrutura literária, ver Kline, "Because It Had Not Rained"; Nico H. Ridderbos, Is There a Conflict Between Genesis 1 and Natural Science (Grand Rapids: Eerdmans, 1957), 35. Ver também Jack P. Lewis, "The Days of Creation" An Historical Survey of Interpretatiion", Journal of the Evangelical Theological Society 32/4 (Dez. 1989): 433-55. Lewis concluiu "pesquisa mostra que os leitores da Bíblia nunca têm chegado a um acordo sobre a natureza dos dias...eisegese tem sido tão comum quanto exegese" (455).

4 6 "Scripture". 287-88.4 7 O debate agudo entre os cientistas criacionistas de um lado e escritores como H. Van Till e D.

Young de outro, realça como cientistas assumem visões opostas sobre qual aspecto da revelação deveria se curvar ao outro. Os cientistas criacionistas insistem na exatidão literal do texto bíblico e trabalham, arduamente, para harmonizar dados científicos, especialmente de áreas como astronomia, biologia, geologia e paleontologia, com o relato bíblico. O outro lado tem colocado tão alto grau de confiança nos dados científicos que apelam para um afastamento da interpretação histórica das Escrituras. Eles oferecem sugestões a exegetas e teólogos sobre como considerar novas abordagens ao relato bíblico. Eu tenho pouca esperança de alguma resolução para esta batalha; ambos os lados estão se fortificando mais profundamente nas suas posições. Esforços mediatórios, como os oferecidos por Pattle Pun, um professor cristão de biologia que escreveu Evolution: Nature & Scripture in Conflict (Grand Rapids: Zondervan, 1982), não tem satisfeito muitos teólogos ou cientistas. Ele pede uma trégua e sugere que o melhor a ser feito é ter cientistas e intérpretes bíblicos instruindo uns aos outros. Até o momento, existe alguma conversa mas não muita escuta.

Este também parece ser o caso com relação aos esforços de Normam L. Geisler e J. Kerby

Page 60: Criacao e Consumacao 1

sucessivos em uma semana), considerada a mais aceitável. Esta visão permite a

leitura do texto como ele se encontra diante do leitor. Preserva o caráter histórico

de todo o relato da criação. Não pede uma reinterpretação de Êxodo 20.9-10 ou

outra passagem das Escrituras que apresenta um forte testemunho do caráter

histórico do que Deus fez durante suas atividades criadoras. Finalmente, esta

visão não força uma distinção aguda entre a teologia de Gênesis 1-2 e a história

de Gênesis 1-2. Colocar uma diferença definitiva entre estes dois é como lançar

uma cunha entre duas dimensões inseparáveis das apresentações escriturísticas.

Deus trabalhou e se revelou dentro de um processo histórico. Eliminar o palco

histórico das verdades teológicas a respeito do trabalho de Deus é obscurecer, se

não eliminar, a realidade que as verdades teológicas comunicam.48

O sétimo dia introduz novos aspectos ao trabalho criador de Deus. Gênesis

2.2-3 refere-se a este dia como o tempo que Deus descansou. Ele também

abençoou este dia e o separou como santo. Esse dia marca o fim das atividades

criadoras de Deus.

O sétimo dia deve ser entendido em seu sentido normal. Foi um dia como

os outros o foram. Assim como Deus tinha realizado uma variedade de atividades

nos seis dias seqüenciais, ele realizou obras específicas no sétimo dia. Esse dia

foi declarado como sendo relacionado aos seis anteriores, embora as atividades

realizadas nele tenham sido muito diferentes. Deus parou de "trazer à existência"

no fim do sexto dia. Quando o sétimo dia veio, depois que Adão deu nome aos

animais, recebeu Eva como sua esposa e ouviu o mandato do casamento, Deus

Anderson para resolver o impasse entre criacionistas e visões com envolvimento evolucionista teístico. Eles recomendam, como sendo o procedimento apropriado, a separação e o tratamento de modo diferente de "ciência da origem" e "ciência operacional". Seu ponto é que, ciência operacional, que lida com as forças presentes e movimentos no cosmos, não pode fornecer respostas às questões da ciência da origem, que lida somente com o evento único da origem do universo. Ver Origin Science: A Proposal for the Creation Evolution Controversy (Grand Rapids: Baker, 1987).

4 8 Kenneth Kantzer sugeriu que a eliminação do caráter histórico dos eventos da criação não dá suporte aos esforços de se manter a ciência livre do ateísmo (Christianity Today, 32 [1988]: 40). Waltke, que opta pela visão da composição literária artística de Gênesis 1-2, considera como perdendo o equilíbrio, aqueles que enfatizam somente a teologia (Deus é Criador) e não aceitam o caráter histórico dos eventos registrados ("First Seven Days", 46). O dilema de Waltke é que, optando pela abordagem da composição literária artística, ele tem renunciado a uma base sólida para a manutenção do caráter histórico dos eventos da criação.

Page 61: Criacao e Consumacao 1

separou o sétimo dia para propósitos especiais. Mas permaneceu como um

aspecto integral da semana que Deus chamou o povo a observar (Ex 16; 20.9-10;

Is 58.13). Este sétimo dia completou a semana que Deus estabeleceu como uma

aspecto integral da sua criação. Violar ou alterar a semana, como também o

sétimo dia, é desafiar as leis da criação de Deus com respeito a eles.

O significado especial do dia de descanso não era para ser visto somente

pelo fato de Deus ter descansado do seu trabalho e pela finalização da semana,

mas também pelo que é comunicado pelos dois verbos que aparecem em Gênesis

2.3. Estes termos indicam que uma atenção específica deve ser dada ao dia por

causa do seu papel estratégico. O primeiro é w^y$B`r#K (e ele abençoou [o dia]).

Isso não é dito dos dias prévios, embora o que tenha sido feito em cada dia tenha

sido bom. O termo "abençoar" aparece em uma vasta variedade de contextos no

Antigo Testamento. É, repetidamente, dito que Deus abençoou aspectos da sua

criação, particularmente, o povo. Quando ele assim o faz, a referência é,

freqüentemente, à concessão de boas coisas, de habilidades, poder, fertilidade e

experiências emocionais desejáveis. Quando o povo abençoa, expressa bons

desejos a outro povo ou compartilha sua benevolência com ele. Para o povo,

bendizer a Deus é cultuá-lo, louvá-lo e adorá-lo pelo que ele é e faz.49 Mas, diz

Wenham, é paradoxal que o dia em que Deus cessou de criar seja pronunciado

abençoado.50 Mas, deveríamos pensar do sétimo dia sendo abençoado como uma

obra extraordinária de Deus. Abençoando o dia, ele declarou que o dia não era

para ser uma mera indicação de trabalho interrompido e um tempo para se estar

inativo. Antes, Deus declarou ser o dia um tempo de expectativa, frutífero e de

confiança. O dia deveria trazer uma grande perspectiva para o futuro. O dia

deveria ser um tempo de receber benefícios para a vida, física, moral e

espiritualmente, semana a semana. O dia era para dar a segurança, como um

precursor para o dia sem fim da conclusão, o dia da consumação do cosmos.

Portanto, no termo "abençoado", como aplicado ao sétimo dia, nos foi dada a

grande perspectiva escatológica e a certeza de que o escaton se realizará da

4 9 Ver a discussão de B^r^K em Theological Wordbook of the Old Testament, 1:285; Dictionary of the Bible, 2:279-308, especialmente 284-300.

5 0 Genesis 1-15, 36.

Page 62: Criacao e Consumacao 1

mesma forma como o sétimo dia de Deus foi uma realidade depois dos seis dias

de atividade criadora. Por esta razão, não deveria haver dúvida na mente e no

coração de qualquer pessoa quanto ao trabalho criador de Deus não ter o sétimo

dia como uma meta exclusiva para si próprio, ou quanto ao fato do sétimo dia ser

especificamente para o povo guardar, como de fato deveria ser. Porém, mais

importante, não deveria existir dúvida sobre Deus incluir a consumação no seu

plano global quando ele planejou e, efetivamente, fez seu trabalho criador. O

escaton (fim) foi incluído no começo.51 A escatologia teve sua origem com a

criação.

O segundo verbo que aparece em Gênesis 2.3 é w^y$q^DD@v ‘{T{ (e ele o

santificou). Uma tradução comum deste termo quando é usado no piel é "fazê-lo

santo". Este verbo também é usado numa vasta variedade de contextos. Tem um

sentido geralmente consistente de "separar". O sétimo dia como um dia santo é

um dia especial. Não é para ser considerado como qualquer um dos outros seis

dias de atividades dedicadas a servir e honrar a Deus. O sétimo dia é especial,

particularmente porque é o dia abençoado. Deus mandou que o povo guardasse

este dia especial (Ex 20.9-10) e, assim, pudesse, continuamente, concentrar-se na

maravilhosa meta que tem determinado para seu povo e para o cosmos como um

todo. O dia é para recuperar, se ela foi ofuscada enquanto trabalhando, e

fortalecer a esperança do escaton. Deus criou o tempo. Dentro do primeiro

período de tempo, criou o cosmos. Ele estabeleceu um modelo pelo qual podemos

dividir o tempo e, assim, trabalhar de forma frutífera, viver e cultuar em

expectativa. Ele deu evidências que nos asseguram de que o escaton foi um

aspecto inseparável do plano divino que começou a ser revelado quando Deus

criou os céus e a terra. Mas, os relatos bíblicos da execução de Deus da

consumação e introdução ao escaton são da mesma natureza dos relatos de

Gênesis 1-2 a respeito do começo? Como a revelação a respeito da criação é

dada em um esboço dos eventos históricos, as declarações do fim devem ser

consideradas da mesma forma? Os relatos históricos do começo e as profecias a

respeito do fim podem ser interpretados do mesmo modo? Se sim, podem ser

5 1 Ver como Dumbrell desenvolveu esta verdade (The End of the Beginning, 171-179).

Page 63: Criacao e Consumacao 1

interpretados, literal, artística, simbólica ou metaforicamente?52

O Resultado da Criação: O Reino Cósmico

O cosmos é o reino, especificamente, o reino cósmico. O termo reino

(m^lKWT) pode ser entendido como referindo-se a um ou mais aspectos

envolvidos no conceito ou a todos eles. Um reino envolve uma pessoa, um rei

(m#l#K) ou rainha (m^lK>) que tem uma posição de autoridade suprema. Também

envolve o exercício efetivo da autoridade real (m`l^K - reinar) e pode se referir à

cidade, palácio ou trono onde a autoridade é exercida e de onde é emitida.

Finalmente, o termo "reino" refere-se ao domínio sobre o qual o regente exerce

sua autoridade real. Embora seja verdade que o termo não aparece em Gênesis

1-2, a idéia, particularmente de reino/domínio, certamente aparece. Os salmistas

confirmaram isso quando cantaram sobre Yahweh reinando, seu trono antigo, e de

um mundo firmemente estabelecido (Sl 93.1). Davi cantou sobre o trono de

Yahweh estabelecido nos céus e seu reino governando sobre tudo (Sl 103.19). Ele

cantou sobre o reinado e reino de Yahweh, referindo-se a todo o cosmos, quando

exaltou ao "meu Deus e Rei" (Sl 145.1) cujo reino é para sempre e cujo reinado

resiste por todas as gerações (Sl.145.13). Os salmistas podiam cantar assim e os

profetas, repetidamente, anunciaram que Deus era o Governador (rei) soberano e

eterno sobre todo o universo,53 porque Deus tinha se revelado assim quando criou

o cosmos. Quatro aspectos do reino cósmico, como ele veio das mãos do Criador,

pedem uma discussão detalhada.

5 2 S. Du Toit, em Bybel Skepping Evolusie (Potchefstroom: Voortrekkers, 1968), discutiu "Bybel en Geschiedskryving" (Bíblia e Escrito da História); ele elaborou um forte argumento de que "toda a história bíblica é profética". Esta declaração é verdadeira se profecia for corretamente entendida como a mensagem revelada de Deus. Du Toit, no entanto, não fez um boa distinção entre a interpretação da narrativa histórica com sua mensagem profética e das profecias faladas pelos profetas quando eles apresentaram suas mensagens proféticas. Em outras palavras, Du Toit não deu atenção suficiente ao estilo literário do escrito histórico em distinção do estilo profético. Ver 110-22.

5 3 Ver a discussão disso no estudo das mensagens proféticas.

Page 64: Criacao e Consumacao 1

A NATUREZA DO REINO CÓSMICO

A atividade criadora teve muitas características e o resultado desta vasta e

variada atividade também as teve. O cosmos consistia de luz, céu (abóbada

celeste), mares (corpos de água) e terra seca. A maior maravilha é o fato de existir

vida em várias formas: vegetal, animal, angelical e humana.

O cosmos criado, consistindo de muitos e variados aspectos e elementos,

não é um caos inútil e desorganizado. Todos os aspectos são interrelacionados;

conexões entre eles têm sido estabelecidas; existem modelos de combinações,

como também potenciais para futuras interações entre algumas substâncias sob a

iniciativa e direção de cientistas. Existe, no entanto, um limite para o que homens

e mulheres podem fazer na manipulação dos aspectos do cosmos por causa das

forças e leis que o Criador incluiu na sua criação.

A criação, consistindo de muitas partes, conexões, forças e leis, foi

constituída para ser uma entidade total, integral e harmoniosa. Cada aspecto tem

seu papel, função, influência e efeito. Esta criação, vindo como veio do trabalho do

Criador, continua como foi feita porque é domínio de Deus. Assim como ele

exercitou seu controle soberano sobre a criação quando a criou, ele continua a

exercitá-lo. A criação, pelo poder e vontade soberana de Deus, permanece sujeita

ao seu Criador. Isso é confirmado pelo fato de que Deus viu o que fez e declarou

ser bom. O cosmos, sujeito ao seu Deus Criador, permanecerá assim até Deus

dizer que chegou o tempo para a renovação e a consumação final. Enquanto isso,

todo o potencial que Deus tem colocado na criação, continuará presente

desafiando homens e mulheres a descobri-lo e desenvolvê-lo. Essa revelação do

potencial da criação, no entanto, não irá alterar ou transformar qualquer parte

dela. O que Deus criou, ato por ato, foi bom. Cada aspecto encontrou seu padrão.

E assim continuará.

A criação de Deus pode ser citada, corretamente, como um cosmos. O

termo tem origem grega; fala de ordem, harmonia e beleza. O termo "universo" é

Page 65: Criacao e Consumacao 1

intimamente relacionado, mas enfatiza que a diversidade (o muito) é único (um).

Muitas partes constituem um produto das mãos do Criador, um produto que é

ordenado, harmonioso em todas as suas partes, um trabalho de beleza. A criação

é um cosmos. Portanto, foi criada e é sustentada pelo soberano Criador que é seu

Governador. A criação é o reino cósmico de Deus. É o domínio abrangente de

Deus dentro do qual ele deu autoridade aos homens e mulheres em submissão a

ele; por causa disso, reinos humanos poderiam se desenvolver e se

desenvolveram. E, dentro deste reino cósmico abrangente, o reino de Cristo, o

Redentor, encontra seu lugar e efeitos.

A MANUTENÇÃO DO REINO CÓSMICO

O relato da criação não fala direta e explicitamente sobre a manutenção do

reino cósmico. Existem, porém, algumas referências implícitas.

Deus, o Criador, proferiu a palavra criadora de acordo com o seu plano e

vontade soberana. E, tendo criado o que pretendia, declarou ser bom. Esta

declaração, como mencionado previamente, indicou que o cosmos, em todos os

seus aspectos e funções, atende ao padrão de Deus. Isaías, mais tarde, declarou

que Deus não tinha criado o cosmos para que fosse inútil (Is 45.20). Isso testifica

o fato de que Deus pretendia manter, sustentar e dirigir o cosmos como tinha

planejado. O cosmos, por essa razão, é mantido de acordo com a vontade

soberana de Deus e de acordo com os padrões que ele determinou. Mas, esta

manutenção não acontece "automatica" ou "deisticamente". Deus permanece

pessoalmente envolvido.

O Espírito de Deus pairava sobre a massa inicial criada sem forma e vazia.

O Espírito trabalhou na formação do cosmos. Ele não se retirou dele. Ele

permaneceu como uma força sustentadora. Se, e quando o Espírito retirar-se,

então a vida é ameaçada e a destruição torna-se uma possibilidade e uma

ameaça real. O salmista também cantou do papel contínuo do Espírito na

manutenção e continuação da vida (Sl 104.24-31). Neste contexto, o salmista

Page 66: Criacao e Consumacao 1

também deu expressão à eterna e contínua revelação da glória de Deus através

do seu trabalho artesanal.

A manutenção do reino cósmico, através do poder reinante de Deus e

através do seu Espírito sempre presente e ativo, é citada como providência de

Deus.54 Seu poder reinante e mantenedor deve ser visto no resultado da sorte

lançada (Pv 16.33), na distribuição das riquezas (Pv 22.2), na regularidade das

estações (Gn 8.22; Jr 5.24) e na sua garantia de que está sempre presente em

todos os lugares (Jr 23.23,24).

Um fator a mais na manutenção do reino cósmico deve ser mencionado.

Referências foram feitas, nas seções prévias, às forças, modelos e leis que Deus

implantou dentro do cosmos. Ele deu às plantas, animais, pássaros, peixes e à

humanidade, o poder, a função e a capacidade de se reproduzirem. Deus colocou

o sol, a lua e as estrelas em seus lugares e deu a eles, suas funções. Assim como

Deus governa seu reino cósmico de acordo com sua vontade, o Espírito está

continuamente presente e realiza sua função mantenedora. Os aspectos e forças

do cosmos funcionam, continuamente, de acordo com suas naturezas divinamente

determinadas. Cada um destes três elementos--o governo, o papel do Espírito, e

as funções inerentes dos aspectos criados -- trabalha harmoniosa, integral e

produtivamente.

É bom lembrar neste ponto que, com a queda de Satanás e da

humanidade, distúrbios foram introduzidos dentro do bem trabalhado e sustentado

reino cósmico. Mas, os efeitos da queda não alteraram o modo básico e

fundamental em que Deus mantinha seu reino cósmico. Como descobriremos,

Deus trouxe aspectos adicionais, particularmente no que respeita à sua oposição

aos esforços satânicos e aos resultados drásticos da queda de Adão e Eva.

5 4 O Catecismo de Heidelberg, Perguntas & Respostas 27-28.

Page 67: Criacao e Consumacao 1

A PROPOSTA DO REINO CÓSMICO

Quando alguém indaga a respeito da proposta do reino cósmico de Deus, é

compreensível que se maravilhe com a intenção e motivação de Deus ao criá-lo.

Referências foram feitas à auto-revelação de Deus, à revelação de sua vontade e

glória e ao seu desejo de comunhão. Não existe declaração expressa, em Gênesis

1-2, com relação às propostas a serem cumpridas pelo reino cósmico. Do que

Deus chamou a existência, algumas indicações podem ser deduzidas.

Uma das propostas para o reino cósmico era fazer conhecido o modo como

a vontade de Deus era para ser expressa em termos de modelos e leis que Deus

implantou na sua criação. Através disso, pode ser obtida uma compreensão mais

profunda dos planos e intenções de Deus. Assim como o cosmos expressa isso e

nós observamos a sua conformidade com a vontade de Deus, uma compreensão

mais profunda e mais clara da sabedoria e da justiça de Deus pode ser obtida.

Sabedoria pode se referir à prudência, habilidade e ao sucesso. Mas também se

refere à habilidade de unir as várias partes e forças para que funcionem como um

todo. A sabedoria é também expressa na maneira como cada aspecto da criação

mantém sua identidade, como aspectos adicionais e funções foram chamadas à

existência. Observando isso, o salmista exclamou, "Que variedade, SENHOR, nas

tuas obras! Todas B$j`Km> (com sabedoria) as fizeste" (Sl 104.24). A justiça de

Deus é revelada no fato de que ele tem todos os aspectos funcionando de acordo

com a sua vontade. Cada um deles cumpre as ordens de Deus. Cada um

permanece na sua conexão divinamente determinada com os outros e,

particularmente, com Deus. Nenhum aspecto do cosmos, como Deus o criou, foi

contrário ou se opôs ao propósito de Deus. Porque o reino cósmico cumpre o

propósito de Deus no que diz respeito à sua sabedoria e justiça, nenhuma pessoa

pode alegar ignorância sobre a deidade, sabedoria e justiça de Deus (Rm 1.18-

32).

Outro propósito para o reino cósmico foi produzir o palco para Deus

demonstrar as maravilhas e mistérios da vida. A vida no cosmos é um dom de

Page 68: Criacao e Consumacao 1

Deus. A vida, requerendo um palco no qual poderia ser trazida à existência e no

qual poderia ser trazida a uma complexa expressão, foi feita um aspecto inerente

do reino cósmico. Como tal, estava submissa à vontade e a sabedoria de Deus e

poderia funcionar hábil, frutífera e harmoniosamente com todas as dimensões de

vida.

Um terceiro propósito para o reino cósmico era providenciar um lar, um

trabalho e um lugar de descanso para o ápice da criação de Deus, os que foram

criados à sua imagem. O reino cósmico é o lar palaciano e o jardim edênico para

homens e mulheres. Deus pretendeu dar ao povo um lar que fosse ao encontro de

suas necessidades, providenciar um palco para o amor e um cenário para a

experiência da alegria. O reino cósmico, existindo submisso à sabedoria e reinado

justo de Deus, foi feito para que os que foram criados à imagem de Deus

pudessem trazer a uma expressão total e perfeita, todas as capacidades e

potencialidades que foram dadas ao homem e à mulher pelo Rei Criador.

O reino cósmico também cumpriu o propósito divino de ter o homem e a

mulher servindo como vice-gerentes. Deus os fez como realeza e para um serviço

real. O reino cósmico cumpre seu propósito pelo suprimento de um lugar de

descanso para os vice-gerentes de Deus. Não era somente para eles terem um lar

e um jardim e deles desfrutar, servindo como trabalhadores reais ao lado de Deus

e a ele submissos. Era para eles descansarem do seu trabalho e, assim, eles, a

cada noite e no sétimo dia, poderiam entrar em uma comunhão de amor e

adoração.

A CONSUMAÇÃO DO REINO CÓSMICO

Previamente definimos o termo "consumação" como se referindo ao

processo de trazer o escaton, o fim. Na seção C da Parte II acima, nos referimos

às implicações do conceito de descanso para o escaton da criação. Outra

dimensão do processo de consumação é seu "desenvolvimento" dentro do reino

cósmico. O termo "desenvolvimento" foi escolhido com uma intenção específica. O

termo "evoluir" não pode ser usado devido à sua moderna conotação e denotação.

Page 69: Criacao e Consumacao 1

A expressão "microevolução" poderia sugerir que estamos a uma curta distância

da macroevolução, que é outra designação da evolução naturalista.

O relato da criação indica claramente que Deus iniciou um processo. Este

processo cessou quando Deus descansou (Gn 2.1-3). Os céus e os mares foram

preenchidos com toda sorte de vida apropriada a eles. Da terra brotaram os vários

tipos de vegetação. A vida animal havia sido criada, de acordo com cada espécie.

Finalmente, homem e mulher foram criados e trazidos para um relacionamento

familiar. O jardim do Éden havia sido plantado e servia como um lar eficiente e

totalmente apropriado para trabalho e lugar de descanso. O processo criador --

fazer, formar, organizar, designar e produzir -- estava completo. Deus descansou

de toda sua obra criadora.

Deus deu a Adão e Eva, e aos seus descendentes, o mandato de ser

frutífero, de cultivar e de ter domínio sobre todo o cosmos criado. Este mandato

implica que a vida no reino cósmico não era para ser estática ou definida em

formas sólidas. A humanidade devia envolver-se na descoberta, revelação e

desenvolvimento das potencialidades e substâncias, forças e leis que Deus

embutiu em seu reino cósmico. Foi determinado à humanidade ser culturalmente

ativa e produtiva. Foi determinado à humanidade tornar-se "construtora da

história". Foi determinado à humanidade servir submissa ao Rei Criador e dentro

dos limites colocados sobre o reino cósmico, com a direção do Espírito de Deus,

das leis e funções criadas, trazer a uma sempre crescente riqueza e completa

expressão as maravilhas, as belezas, os poderes, os mistérios, sim, toda a

vontade de Deus para um reino cósmico totalmente revelado e completo. Uma vez

que as atividades criadoras cessaram, a humanidade teve o privilégio e a

responsabilidade de desenvolver a cultura, de envolver-se no processo histórico e

de ser co-trabalhadores com Deus no processo de consumação.

O reino cósmico está envolvido com o processo de consumação e a ele

sujeito. A queda do homem, e suas conseqüências, afetaram este processo. As

Escrituras, todavia, deixam claro que o processo continua. Em um ponto

determinado por Deus, o reino cósmico será renovado completamente através de

Page 70: Criacao e Consumacao 1

um súbito acontecimento cataclísmico. Até que isso aconteça, o reino cósmico

estará envolvido em um processo de transformações, algumas iniciadas por

influências e forças naturais, sob o controle soberano, e outras induzidas e

dirigidas pelas atividades culturais da humanidade. Contudo, no meio da

transformação, existirão os elementos básicos, estruturas, modelos e leis

imutáveis.

REVELAÇÃO NA NATUREZA

No capítulo 1 discutimos a revelação inicial na criação. Ali, o foco esteve,

primariamente, na revelação que Deus deu de si mesmo na atividade da criação.

A intenção, agora, é abordar a extensão e o propósito da revelação divina por

meio do reino cósmico. O Deus que se revelou por meio do reino cósmico é o

mesmo Deus que tem se revelado na Palavra registrada, a Bíblia.55 Sabemos que

isto é verdade pelas Escrituras. As Escrituras também nos revelam que Deus tem

se revelado através do que ele fez, sustenta e governa, o reino cósmico. Essa

revelação soma, sem contradizer, ao que as Escrituras revelam; provendo um

melhor entendimento do que Deus revelou nas Escrituras. E, tudo o que Deus

revela, nas Escrituras e por meio do seu reino cósmico, é verdadeiro. Essa é uma

verdade segura e totalmente confiável. É infalível.56

A EXTENSÃO DA REVELAÇÃO CÓSMICA

Não existe um só aspecto, parte, substância ou mínimo detalhe no reino

cósmico que não dê uma contribuição ou participe na revelação do Rei Criador do

universo. Nenhuma parte, nenhum aspecto da criação pode ser considerado como

não revelador de alguma coisa sobre Deus. Mesmo quando o pecado foi

introduzido, as influências más manifestaram seus poderes, e aspectos não se

desenvolveram ou atuaram apropriadamente, ainda existia (e existe!) uma

revelação do Senhor soberano que fez e dirige todas as coisas no cosmos.57

5 5 Com respeito a essa verdade, ver Gerhard Ch. Aalders, De Goddelijke Openbaring in de Eerste Drie Hoofdstukken Van Genesis (Kampen: Kok, 1932), 5-10.

5 6 Estudantes fariam bem em ler Cornelius Van Til, "Nature and Scripture", em The Infallible Word, ed. Ned B. Stonehouse e Paul Wooleey (Grand Rapids: Eerdmans, 1953), 255-93.

5 7 Eu continuo a usar os termos "cosmos", "criação", "reino cósmico" e "universo"

Page 71: Criacao e Consumacao 1

Tudo que foi incluído na criação/cosmos/universo/reino cósmico, de uma

forma ou outra, revela o Deus Criador, seu Construtor e Governador. Primeiro,

todas as substâncias materiais (e isso inclui vapores e gases invisíveis) revelam

seu Criador e Governador. O modo como foram feitos, a combinação de materiais

mínimos e simples formando substâncias mais complexas é revelador. A maneira

como estes trabalham harmoniosamente para produzir e funcionar, faz com que a

sabedoria e o poder soberano de Deus sejam conhecidos (habilidade, sucesso).

Eles revelam o interesse e envolvimento de Deus nas menores e também nas

maiores dimensões do seu reino cósmico.

Segundo, os hábitos, modelos, leis, ou condições de todas as substâncias

não são frutos do acaso. Deus os tinha em mente; ele os introduziu. Ele os fez

para serem aspectos inerentes do seu universo, dando a cada substância, suas

características específicas. As leis do cosmos, por essa razão, não podem ser

estudadas, reconhecidas ou entendidas de forma mais profunda, sem o

conhecimento das substâncias, dentro das quais estas leis-modelos têm seu lugar

e funcionam e, a partir delas, seus efeitos e influência são exercidos. A maneira

pela qual cada substância é mantida, atua e exerce sua influência, é reveladora da

sabedoria, poder, conhecimento pleno e compreensão total de Deus.

Terceiro, cada força ou poder que existe, revela a Deus. Não precisamos

ser cientistas hábeis para saber que luz é energia; onde existe luz, a energia está

presente e manifesta. Existem muitas outras formas de energia no cosmos. Estas

têm sido estudadas e categorizadas e um sempre crescente discernimento sobre

as características destas formas têm dado muitas oportunidades de se utilizar as

forças e poderes cósmicos. A intenção aqui não é falar cientificamente com

relação a elas, mas falar teologicamente, isto é, referir-se ao Criador e Controlador

definitivo de toda a energia, poder, força e qualquer outra influência que se possa

confrontar ou conceber. Tudo isso revela o poder de Deus como também sua

sabedoria, bondade e cuidado.

permutavelmente porque quero deixar claro ao leitor que tenho em perspectiva cada coisa criada, força, evento e modelo.

Page 72: Criacao e Consumacao 1

Quarto, todas as atividades, de pequena ou de grande importância, são

reveladoras do Rei Criador. Elas revelam, em particular, a vontade soberana do

Rei Cósmico, seus propósitos e seu interesse por todas as dimensões do seu

reino. As Escrituras, do começo ao fim, falam desta grande verdade.

Acontecimentos na vida pessoal, nas nações, no "mundo" animal e vegetal não

acontecem por acaso. Eles são planejados e controlados; eles são o resultado de

tudo o que o Rei soberano pretendeu. Novamente, quando observado e entendido

corretamente, pode-se ganhar uma revelação mais profunda, completa e rica do

soberano Rei do cosmos.

Finalmente, os seres humanos são o aspecto mais revelador da criação.

Conhecer homens e mulheres é fundamental para se conhecer a Deus.58 Isto

porque somos criados à imagem e semelhança de Deus. Este fato não deve ser

mal entendido: Pessoas são feitas de matéria, com leis e modelos inerentes e

estão sob as influências do poder como também da manifestação destes; pessoas

fazem com que eventos aconteçam e são afetados por eles. Mas, o ser humano é

mais do que a maior e mais eficiente combinação de tudo isso. Seres humanos

são reveladores de Deus porque, sendo constituídos de vários aspectos, fomos

criados para ser pessoas. Temos dons e poderes singulares em nosso coração,

mente, desejo, emoções e constituição física que são mais reveladores do Criador

cósmico do que qualquer outro aspecto de todo o universo.

A extensão da revelação de Deus na natureza/criação/reino cósmico é

abrangente. Cada parte incluída na criação é reveladora de Deus. Contudo, a

extensão desta revelação é, também, limitada! É limitada na maneira pela qual a

vasta extensão da revelação é compreendida. A revelação na natureza, que está

disponível a nós no reino cósmico, é silenciosa no que diz respeito à comunicação

verbal. As várias dimensões da criação não têm a capacidade de falar. Elas

comunicam informação sobre elas mesmas sendo o que são e fazendo o que

podem. Elas não podem verbalizar. Existe uma única exceção: Pessoas criadas à

5 8 João Calvino, Institutes of the Christian Religion, trad. John Allen (Philadelphia: Presbyterian Board of Education, n. d.), 45-50.

Page 73: Criacao e Consumacao 1

imagem de Deus podem comunicar diretamente. Mas o que elas podem

compreender, entender e comunicar é limitado. Elas podem falar somente do que

observam, avaliam, concluem e experimentam. Pessoas não têm a posição e a

capacidade de ganhar conhecimento total e compreensivo de si mesmas, muito

menos do cosmos que o Rei Criador produziu e controla.

Existe uma revelação, que é verbalizada, disponível para nós. Deus falou,

usando linguagem humana, a respeito da origem, controle, propósitos e metas do

reino cósmico. Embora seja verdade que a linguagem humana não é totalmente

entendida ou é mal entendida, todavia ela se constitui em um meio mais articulado

para a comunicação. E quando consideramos o testemunho escriturístico a

respeito da sua própria veracidade e confiança, por causa da inspiração do

Espírito dos autores humanos, compreendemos a grande vantagem que a

comunicação verbal, a respeito do cosmos, tem em comparação com os meios

limitados que o cosmos tem para revelar o que ele é, faz e pode fazer.

A vantagem que a revelação verbalizada nas Escrituras tem sobre a

revelação não verbalizada na criação não é apreciada por muitos estudiosos na

extensão que poderia e deveria ser -- particularmente por aqueles que consideram

as Escrituras como sendo um registro humano de observações e experiências que

perceberam, especialmente nas dimensões espirituais, morais e sociais da vida.

Se Deus não nos tem dado uma comunicação verbal através do trabalho

inspirador do Espírito Santo, então, o registro bíblico tem o mesmo caráter dos

registros de experiências e observações humanas do cosmos natural/físico.

As Escrituras são uma comunicação da revelação de Deus a nós na

linguagem humana e são, portanto, uma revelação mais direta e superior do que

quando Deus se comunica conosco através da criação muda. O registro

escriturístico inspirado da revelação de Deus a respeito da origem, método da

criação, relacionamento entre Deus e a humanidade, propósitos e metas não

Page 74: Criacao e Consumacao 1

deveria ser colocado no mesmo nível, muito menos visto como subordinado, à

revelação na natureza.59

O PROPÓSITO DA REVELAÇÃO CÓSMICA

Discutimos anteriormente a extensão da revelação cósmica; que é vasta

mas limitada; e que não deve ser colocada no mesmo plano de clareza,

autoridade e confiança das Escrituras. Qual, porém, é o propósito dessa

revelação?

Primeiro, Deus se revela através do reino cósmico para fazer conhecido, a

toda a humanidade, que ele é um Deus de glória, majestade, poder soberano,

vasta extensão de conhecimento e sabedoria. Deus se revela como Deus e, desse

modo, todas as pessoas são tidas como indesculpáveis se dizem não ter

conhecimento de Deus, ou não conhecer a Deus. (Sl 8,19; Rm 1-2).

Segundo, a revelação cósmica capacita homens e mulheres a conhecer,

entender e apreciar seu lar e lugar de trabalho, louvor e divertimento divinamente

determinado.

Terceiro, a revelação cósmica produz um senso real de segurança para os

portadores da imagem de Deus. Deus, tendo criado o homem e a mulher, colocou-

5 9 As referências persistentes aos dois domínios de revelação não podem ser declaradas como obstinadas. Estas duas áreas devem ser distintas. Mas problemas continuam a existir e novos problemas surgem por causa da insistência de que os dois domínios são totalmente separados um do outro, ou que a Escritura não nos informa a respeito dos aspectos importantes do cosmos que temos citado ou até mesmo que o relato bíblico deve ser interpretado à luz do registro mudo na criação. Kantzer falou do desequilíbrio assim como fez Waltke. Um exemplo mais recente desse extravio do relato escriturístico em relação ao "científico" é dado por Van Till. Ver a publicação recente de Howard Van Till, Davis Young e Clarence Menninga, Science Held Hostage (Downers Grove: IVP, 1988). Uma leitura deste livro faz com que alguém pergunte a si mesmo se não seria mais correto falar de cientistas mantendo as Escrituras como refém. Henri Blocher tem lutado com a conexão "da Bíblia e Ciência". Ele, correndo o risco de caricaturar o tema, tem declarado que existem três modos principais de descrever essa conexão: concordismo, anticientismo e fideísmo. O primeiro pressupõe uma harmonia surpreendente; o segundo tem uma interpretação literalista forte de Gênesis e o terceiro separa o domínio da fé do lugar onde os cientistas seguem sua pesquisa. Ver In The Beginning, trad. David G. Preston (Downers Grove: IVP, 1984), 20-27. Blocher delibera que o primeiro interesse deveria ser discernir o significado do texto bíblico; a ciência deveria ter um "papel ministerial de servo".

Page 75: Criacao e Consumacao 1

os onde poderiam viver, trabalhar louvar e se divertir em comunhão viva com ele,

um com o outro e com todos os outros aspectos do reino cósmico. A revelação

cósmica completa a comunicação verbalizada de que as pessoas são parte dos

cosmos criado, que elas "se encaixam" nele, que podem viver com segurança,

contentamento e alegria no reino cósmico.

Quarto, a revelação cósmica imprime na humanidade um senso de

responsabilidade. É o "lar" que precisa ser cuidado. Somado a isso, a beleza

fantástica do cosmos criado, como é revelado dia a dia desde o começo, desperta

um senso de admiração, reverência e temor nos corações e mentes das pessoas.

Pessoas, por mais influenciadas que estejam ou sejam pelo pecado,

compreendem, por natureza, a sua responsabilidade.

Os propósitos da revelação cósmica podem ser, e são, compreendidos e/ou

cumpridos porque a revelação do reino cósmico é inseparável e dependente da

comunicação verbal que Deus deu à humanidade quando criou o primeiro macho

e fêmea, colocou-os no reino cósmico e relatou-lhes seus mandatos e o que lhes

havia providenciado.

3

Homem e Mulher: Os Vice Gerentes

I. Criados Após Deliberação

A. Comentários Introdutórios

B. Os Verbos no Texto Bíblico

C. Afirmações Teológicas

II. Criados à Imagem de Deus

A. A Declaração Textual

B. Um Relacionamento

Page 76: Criacao e Consumacao 1

C. Aspectos Específicos Envolvidos

D. O Status Real

III. Criados Macho e Fêmea

IV. Criados em Pacto

A. O Debate

B. O Testemunho Escriturístico

C. Os Mandatos Pactuais

D. O Pacto das Obras ou Pacto da Criação

E. Aspectos Adicionais do Pacto

F. Pacto: Um Instrumento do Reino

G. Éden: O Lugar para o Pacto da Vida

V. Criados para o Escaton

A. A Declaração Negativa

B. Quatro Fatores Escatológicos

C. Resumo Final

Page 77: Criacao e Consumacao 1

3

HOMEM E MULHER: OS VICE GERENTES

"O ser humano é o mais importante de todas as criaturas, as quais saíram das mãos de Deus". Com essa declaração, Gerhard C. Aalders começou sua discussão sobre a criação da humanidade. Ele declarou isto depois de ter avaliado os vários registros da origem da raça humana e discutido o relato bíblico do Criador, o ato e tempo da criação e tudo que Deus tinha criado.1 Aceitamos esta declaração como sendo verdadeira. Deus criou o cosmos e trouxe à existência seu reino cósmico. Como parte deste reino, Deus criou Adão e Eva e os colocou nele para serem seus representantes e agentes. Ele os fez reais; ele deu a eles um status real. De fato, é realmente necessário para o entendimento da origem da humanidade, relacionamentos, caráter, propósito e metas, considerar o contexto do reino cósmico do homem e da mulher desde o começo de sua existência. Adão e Eva, e todos os seus descendentes, foram criados por Deus para serem seus vice gerentes.2

CRIADOS APÓS DELIBERAÇÃO

As passagens das Escrituras que devem ser consideradas no estudo da origem do homem e da mulher são Gênesis 1.26-30 e 2.7-25. Estas passagens são consideradas como a base e fonte de numerosas outras passagens nas Escrituras que referem-se à origem dos vice gerentes de Deus. Gênesis 5.1, 6.7 e 9.6 falam da criação da humanidade. Moisés, enfatizando aos israelistas que só Deus é Deus e Senhor, referiu-se ao dia em que Deus criou o homem na terra (Dt 4.32). Davi cantou sobre Deus tendo feito o homem e o colocado na mais alta posição real na criação (Sl 8). O escritor de Eclesiastes chama jovens homens e mulheres para lembrarem-se de seu Criador (Ec 12.1). Isaías, repetidamente, se refere à criação de Deus da humanidade (Is 43.7,15; 45.12; 54.16). O profeta pós exílico Malaquias exortou o remanescente de Israel a lembrar-se de que todos nós temos um Pai; um Deus nos criou (Ml 2.10). Paulo escreveu sobre Deus, o Criador dos seres humanos (Rm 1.20, 15), e mencionou que eles foram criados à imagem de Deus (Ef 4.24; Cl 3.10). O testemunho das Escrituras é claro. Deus criou o homem e a mulher, Adão e Eva.

1 Gerhard C. Aalders escreveu, "De mensch is het meest belangrijke van alle schepselen...". Mensch poderia ser traduzido como homem; o termo belangrijke carrega a noção de peso e valor. Ver De Goddelijke Openbaring in de Eerste Drie Hoofdstukken Van Genesis (Kampen: Kok, 1932), 298.

2 Ver a discussão dos aspectos desta verdade bíblica em Revelação Messiânica no Velho Testamento (Campinas: LPC, 1995), 99-105 (Checar páginas).

Page 78: Criacao e Consumacao 1

Enquanto consideramos o relato da criação de Adão e Eva, a questão da conexão entre os dois relatos está diante de nós mais uma vez. Não os iremos considerar como dois relatos da criação surgindo de fontes distintamente separadas.3 Antes, o relato dado em Gn 2.7-25 é considerado como uma explicação mais completa da criação de Adão e Eva do que a dada em Gn 1.26-30.4 Este segundo relato não é considerado como um relato cronológico; antes, enfatiza alguns aspectos ímpares da criação de Adão e Eva e, assim, indica que o homem e a mulher são aspectos centrais e altamente importantes da criação. Eles são considerado dignos de consideração especial e necessária por causa do seu status real.Deveríamos permanecer alertas às diferenças de entendimento e crenças com relação à origem da humanidade. Estas diferenças não surgiram tanto da possibilidade de interpretações variadas do texto bíblico como das visões que surgiram de considerações de outras fontes que não as Escrituras. Estas outras visões motivaram a pesquisa de outros modos de se interpretar as Escrituras. Na celebração do centésimo aniversário da Origem das Espécies de Charles Darwin, organizado pela Universidade de Chicago, Darwin foi aclamado como o "Newton da biologia". Os argumentos para uma origem naturalista da vida e a evolução natural da humanidade foram fortemente afirmadas nas dissertações apresentadas na celebração.5 Existiram, no entanto, concessões a respeito da incerteza de certos aspectos da evolução,6 e que existem "imensas lacunas em nosso conhecimento" da evolução do genus Homo.7 Theodosius Dobzhansky admitiu que, até certo ponto, é justificado dizer que não existe um crescimento notável na habilidade mental nos últimos 50 até 1000 anos. Ele acrescentou que não é possível reproduzir em laboratório as mudanças que aconteceram. As conclusões só podem ser baseadas nas inferências.8 E estas inferências podem ser deduzidas somente pela observação do cosmos,9 suas várias partes e alguns fósseis e remanescentes de culturas de tempos passados.

3 Uma das mais recentes declarações afirmando que estas duas passagens de Gênesis representam duas fontes distintas é Robert Alter, The Art of Biblical Narrative (New York: Basic Books, 1981), 141-142. Alter considera que a primeira passagem está interessada no plano cósmico, e a segunda com o homem como cultivador e agente moral.

4 Willem Van Gemeren tem tentado chamar a atenção para as diferenças entre as duas passagens declarando que Gn 1.1-2.3 apresenta uma perspectiva teocêntrica, enfatizando que Deus é o Governador; Gn 2.4-25 apresenta um perspectiva antropocêntrica, enfatizando que Deus é um Oleiro (homem), um Jardineiro (jardim), e um Construtor (mulher de uma costela). Ver The Progress of Redemption (Grand Rapids: Zondervan, 1988), 41. Ambas as passagens apresentam uma perspectiva teocêntrica; Deus é apresentado de várias formas.

5 As dissertações, escritas por homens como Sir Julian Huxley, Harlow Shapley, George Gaylord Simpson, Theodosius Dobhansky, L. B. S. Leakey, Leslie White, Hermann Miller e outros estudiosos, foram publicadas numa obra de três volumes entitulada Evolution After Darwin, ed. Sol Tax (Chicago: University of Chicago Press, 1960). O volume 1 tem o subtítulo de The Evolution of Life; o volume 2, The Evolution of Man, Culture and Society; e o volume 3, Issues in Evolution.

6 Julian H. Steward, "Evolutionary Principles and Social Types", ibid., 2:182.

7 L. B. S. Leakey, "The Origin of Genus Homo", em ibid., 2:30.

8 Theodosius Dobzhansky, Mankind Evolving: The Evolution of the Human Species (New Haven: Yale University Press, 1962), 320-321.

9 Howard J. Van Till escreveu que o único meio que os cientistas tem é o "estudo observatório da criação", Fourth Day, 73.

Page 79: Criacao e Consumacao 1

Sete suposições básicas são defendidas pelos seguidores da evolução de acordo com G. A. Kerkut. Seis não foram mencionadas durante as discussões da evolução. Sua aceitação da teoria da evolução é muito mais reservada do que a maneira pela qual os cientistas da celebração de Chicago, a aceitaram e postularam.10

O trabalho dos cientistas tem criado tensões dentro da comunidade cristã. Existem esforços na comunidade Reformada para se manter uma crença na criação embora aceitando-se a teoria da evolução como uma resposta plausível à questão de como a humanidade veio à existência. Jan Lever declarou que entendia que Abraham Kuyper tinha admitido a compatibilidade entre considerar uma evolução geral da matéria sem vida até o homem, guiada por Deus e iniciada com uma criação, e a confissão cristã. Lever declarou expressamente que pretendeu, com seu livro, declarar mais positivamente a possibilidade desta compatibilidade.11Lever tem recebido suporte geral de cientistas como Davis Young, Clarence Menninga e Howard J. Van Till. Fortes posições contra a aceitação da evolução como um meio usado por Deus para trazer a humanidade à existência, tem sido tomadas. Aalders é um exemplo.12 A. E. Wilder-Smith produziu uma pesquisa crítica dos princípios da evolução e do Cristianismo e concluiu que eles são incompatíveis. 13 As visões de Wilder-Smith estão em concordância com a dos escritores conhecidos como cientistas criacionistasO exegeta bíblico e o teólogo tem a tarefa de considerar o que os estudiosos, que estudam a revelação geral de Deus na criação, tem a oferecer. Estes estudiosos, no entanto, nos apresentam um cenário confuso. Pelo menos quatro escolas de pensamento são incluídas aqui. A escola evolucionista naturalista, representada por cientistas como Dobzhansky, foi clara e corajosamente apresentada recentemente, de uma maneira científica popular, na edição centenária da National Geographic. A escola evolucionista teísta pressupõe que Deus fez o cosmos vir a ser e, então, usou um desenvolvimento evolucionário através de um período de milhões de anos, durante o qual, o Homosapiens teve seus estágios iniciais de existência. Lever, Davis, Menninga e Van Till representam esta escola. A escola criacionista progressiva enfatiza a criação de várias formas de vida mas também considera que longos períodos de desenvolvimento progressivo aconteceram entre estes atos de criação. Pattle Pun apoia esta escola de pensamento.14 Variações de ênfase são comuns entre estudiosos desta escola. A escola criacionista, que representa estudiosos como Aalders e E. J. Young,

1 0 G. A. Kerkut, Implications of Evolution (New York: Pergamonm 1960), 6-17.

1 1 Jan Lever, Creation and Evolution, trad. Peter G. Berkhout (Grand Rapids: International, 1958), 228-232.

1 2 De Goddlijke, 298-330.

1 3 A. E. wilder-Smith, Man's Origen, Man's Destiny (Minneapolis: Bethany Fellowship, 1968). Wilder-Smith usou alguns argumentos incomuns. Por exemplo, ele viu a teoria da sobrevivência do mais capacitado , como desenvolvida pelos Darwinistas, como "rude, estragada, baixa e horrivelmente cruel" (216-217).

1 4 Pattle Pun fez duas observações reveladoras. Primeira, a abordagem empírica está constantemente mudando e a habilidade de descrever a realidade está crescendo ( Evolution, 174-175). Segunda, a microevolução--mudanças como as variações e as mutações--é aceitável (170-190) embora tenha sérias fraquezas (191-230).

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enfatiza as atividades criadoras de Deus reveladas nas Escrituras, mas dá pouca atenção ao que os estudiosos, no mundo científico, tem escrito. Os cientistas criacionistas, que deveriam também estar incluídos nesta escola, dão muita consideração ao trabalho dos cientistas mas usam vários dados científicos para sustentar uma posição criacionista rigorosa. Enquanto se estuda e se avalia as posições dos adeptos das três últimas escolas, seja de uma maneira geral, um exegeta bíblico e teólogo pode encontrar material, em cada um, que deveria ser considerado seriamente. São estas escolas mutuamente contraditórias como os adeptos, especialmente das escolas 2 e 4, alegam?15 Não é nossa intenção, aqui e agora, dizer qual escola está correta.

OS VERBOS NO TEXTO BÍBLICO

Nesta seção, a intenção é estudar os conceitos que expressam o que Deus fez ao originar e trazer à existência Adão e Eva, os progenitores da raça humana. A Parte I é entitulada "Criados após Deliberação". Este título foi escolhido porque dá a perspectiva do texto.Gênesis 1.26 começa com [[wayyo'mer elohîm na'aseh]] (e Deus disse, façamos). Aalders corretamente chamou a atenção para os verbos: [['amar]] (ele disse) indica que Deus mesmo falou; fazendo isto, Deus revelou sua vontade como também a exercitou.16 Então, através da divina comunicação, através do falar de Deus, a humanidade veio à existência. Este falar de Deus não deve ser entendido como inicialmente dirigido a Adão e Eva. Deus falou para si mesmo. O autor de Gênesis 1-2 foi capaz de registrar o fato porque foi feito conhecido a ele. A criação de Adão e Eva foi iniciada através de Deus falando sua intenção. A origem do homem originou com Deus mesmo, quando ele expressou o que tinha em mente. O verbo [[na'aseh]] (façamos) pede atenção novamente. Esta forma verbal poderia ser considerada como evidência da personalidade triúna de Deus. Ele é um Deus de mistério. Ele não é um ser simples; antes, ele se revelou como um ser complexo. Quando Gênesis 1.2 é levado em consideração, deveríamos ser abertos à idéia de que Deus existe como uma deidade pessoal plural. O sufixo pronominal da primeira pessoa plural é usado quando ele falou de "nossa" imagem e "nossa" semelhança. O texto poderia ser considerado confuso quando se nota que o sufixo pronominal da terceira pessoa singular é usado no verso 27 (sua imagem). Além disso, os verbos, além de "fazer", no contexto imediato, tem uma indicação singular deste sujeito, (os verbos "criar", v. 27, "abençoou" e "disse" nos vs. 28-29). Um único Deus é colocado diante nós, o qual, todavia, poderia e referiu-se a si mesmo na forma plural do verbo e pronome pessoal.

1 5 Um dos aspectos preocupantes do livro de H. Van till é a fonte recomendada para leituras posteriores sobre "Gênesis e Criação". A primeira mencionada é Bernhard W Anderson Understanding the Old Testament, 3ª ed. (Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1975); esta é uma obra não recomendada a estudantes teológicos como fonte confiável por causa de suas linhas críticas e liberais. Da mesma forma, e pela mesma razão, eu hesitaria em colocar Claus Westermann Creation, trad. John J. Scullion (Philadelphia: Fortress, 1974), Alan Richardson Genesis 1-11 (London: SMC, 1953), Conrad Hyer The Meaning of Creation (Atlanta: John Knox, 1984) na lista de fontes confiáveis para a obtenção de um entendimento mais claro e mais profundo de Gênesis 1-11 e das doutrinas bíblicas da criação.

1 6 De Goddelijke, 5-10.

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Um outro fator na frase "façamos" pede atenção. A forma do verbo é a primeira pessoa do qal imperfeito. Esta forma pode ser traduzida como um futuro simples (nós faremos). Se entendido assim, o texto está registrando um anúncio de Deus. Mas, se é um anúncio, a quem foi feito? Tem-se sugerido que Deus fez o anúncio à sua corte de anjos. Mas, desde que não existe evidência de que os anjos estavam presentes, muito menos do seu envolvimento na criação de Adão e Eva, esta visão não tem suporte. O verbo, na sua forma imperfeita da primeira pessoa do plural, pode ser considerado um coortativo. Deus, sendo um único ser, porém com uma aspecto pessoal plural, falou a si mesmo. Wenham escreveu que paralelos disto, nas Escrituras, são raros.17 Esta raridade, no entanto, pode ser entendida devido à singularidade do que foi falado, a saber, a criação da humanidade. Além disso, porque aparece raramente, não impede seu uso, particularmente quando é significativo no contexto no qual aparece; aqui, este é o caso.O verbo [[asâ]] (geralmente traduzido como "fazer") aparece várias vezes (Gn 1.16, luzeiros e estrelas; 1.25, animais selvagens; 1.31, todas as coisas). Ele é usado no mesmo sentido do verbo [[bara']] (criar). Enquanto o verbo [[asâ]] pode ser entendido como "fazer", "produzir", "oferecer (fazer) um sacrifício", "realizar", no contexto de Gênesis 1.26-28, aparecendo como um sinônimo de "criar", deve ser entendido como uma referência a Deus fazendo no sentido de trazer à existência o que não estava presente anteriormente. O termo pode ser entendido, consequentemente, no sentido de que Deus disse intimamente e para si mesmo, "Chamemos à existência o que não estava presente anteriormente". Uma parte integral e um aspecto totalmente novo dentro de todo o cosmos criado, veio à existência através da ação divina. A forma coortativa do verbo traz, diante de nós novamente, a intenção expressa de Deus. Foi com intenção premeditada e expressa que Deus procedeu em trazer a humanidade à existência. Adão e Eva foram criados intencionalmente, de acordo com a vontade e plano expressos de Deus. A origem da humanidade não é, de acordo com o nosso texto, o resultado de acontecimentos fortuitos que ocorreram através de eras prolongadas de tempo. O verbo [[weyirdû]] (Gn 1.26) pede uma consideração cuidadosa. Tradutores tem mostrado esta terceira pessoa da forma imperfeita qal como sendo entendida de várias formas. Alguns tem optado por um futuro simples--"e eles deverão ter domínio"18. Esta tradução não indica uma conexão íntima entre o fazer do homem à imagem e semelhança de Deus e o domínio que era para ter e exercitar. Outros tem traduzido o verbo como um jussivo--"tenha ele domínio" (RA, RC e várias versões inglêsas).19 Esta tradução indica que existe uma conexão íntima entre ser feito à imagem e semelhança de Deus e ter domínio. Gerhard Von Rad comentou como se segue: "Esta comissão de governar não é considerada como pertencente 1 7 Genesis 1-15, 28.

1 8 Carl F. Keil, Biblical Commentary on the Old Testament--The Pentateuch, trad. James Martin (rep. Grand Rapids: Eerdmans, 1949), 1:64.

1 9 Vários comentaristas tem optado por esta tradução: João Calvino, Commentaries on the Book of Genesis, trad. John King (repr. Grand Rapids: Eerdmans, 1945), 1:96; Umberto Cassuto, A Commentary on the Book of Genesis, Part I, From Adam to Noah, trad. Israel Abrahams (Jerusalem: Magnes, 1961), 53, 56,57; Gerhard Von Rad, Genesis: A Commentary, trad, John Marks (London: SMC, 1961), 45.

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à definição da imagem de Deus, mas é sua consequência, i.e., que o homem é capaz disto, por causa da imagem de Deus."20 Gerhard Aalders declarou que o domínio dado ao homem é resultado da criação do homem à imagem de Deus.21

Outros tem traduzido o verbo como expressando propósito; isto é, Deus criou o homem à sua imagem com um propósito definido em mente: dar ao homem uma tarefa e status real, a saber, exercitar o governo ou senhorio sobre a criação.22

Esta visão traz o domínio do homem para dentro da definição da imagem de Deus, isto é, Deus, ao criar o homem à sua imagem, o fez real. Esta verdade é inteiramente consonante com o conceito bíblico que, ao criar o cosmos, Deus criou seu reino cósmico.Depois de relatar o que Deus deliberou fazer, a saber, criar seus representantes reais, o texto informa ao leitor que Deus fez isto. O verso 27 repete o verbo [[bara']] (criou) três vezes. Este verbo refere-se a Deus exercendo seu poder soberano para trazer à existência, ao seu comando, o que não era existente. A tríplice repetição do verbo enfatiza a singularidade absoluta da humanidade que existe como seres humanos machos e fêmeas. O próximo verbo a ser considerado é [[wayebarek]] (e ele abençoou) em Gênesis 1.28. A forma do verbo é a terceira pessoa singular do qal com waw consecutivo imperfeito. Enfatiza continuidade. Depois da criação do macho e fêmea humanos, Deus (os) [[ótam]] abençoou. Que as atividades divinas de criar e abençoar são intimamente relacionadas, não está em questão. Diferenças em visões com relação ao significado preciso e intenção do termo [[barak]] (abençoar) são evidentes. Quando Deus abençoou o macho e a fêmea, ele pronunciou uma bênção sobre eles? Foi esta bênção uma de capacitação para realizar certos requerimentos? Ou esta bênção pretendeu incluir uma expressão do que Deus não só os tinha capacitado a fazer, mas o que ele os tinha ordenado realizar de acordo com a sua vontade?23 A última parece ser, certamente, o caso. Tendo criado o homem à sua imagem e semelhança a fim de que governasse, Deus continuou para assegurar a humanidade de que ela era capaz de fazer o que ele expressamente declarou: ser frutífera, encher a terra, conquistá-la e governar sobre todas as formas de vida. Um paralelo no texto apoia esta idéia. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança para o propósito de governar; Deus abençoou o macho e a fêmea a fim de que eles fossem assegurados de que poderiam realizar os propósitos para os quais foram trazidos ao reino cósmico como seres reais. Deste modo, como "governar" no verso 26 claramente declara um mandato, também no verso 28, o mandato é manifestado.

2 0 Genesis, 57.

2 1 Gerhard Aalders, Korte Verklaring Der Keilige Schrift vol. 1, Het Boek Genesis, (Kampen: Kok, 1960), 97.

2 2 A New English Bible traz , "façamos o homem à nossa imagem e semelhança para governar..." A. Van Selms expressou a idéia proposta também (Genesis, deel 1 [Nykerk: Callenbach, 1962], 37): "het doel van het scheppen...is dat deze zal heersin..." (A proposta da criação...é que este deve reinar"). Van Gemeren concluiu o mesmo (Redemptiion, 46). Wenham declarou sua visão concisamente: "O propósito da criação do homem: governar a terra" (Genesis 1-15, 27).

2 3 Ver minha discussão da questão sobre a bênção de Deus em Revelação Messiânica no Velho Testamento, 103. Ver também Walter Kaiser, que limitou sua discussão do termo [[barak]] a uma palavra de bênção, capacitando o homem a compartilhar poderes com toda a ordem criada. Ver Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1978), 76.

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O verso 29 coloca, diante de nós, outro termo que expressa o que Deus fez quando ele criou a humanidade. Deus disse [[natattî]] (eu dou). Este verbo nos revela qual era o plano de Deus com relação à provisão para a nutrição. Parte do que os humanos, macho e fêmea, deviam governar, era para ser usado por eles mesmos. O senhorio deles sobre a criação foi afirmado quando foram instruídos a usá-la para seu benefício próprio. O status, lugar e papel do macho e fêmea humanos dentro do reino cósmico criado são revelados. Deus, soberanamente os planejou e os estabeleceu conformemente. Em Gênesis 2, nos é dado uma elaboração de alguns aspectos das atividades criadoras de Deus com relação à humanidade. O sujeito é predominantemente o macho humano, mas à origem e papel da fêmea humana também são dados atenção específica. Por causa da concentração em Gênesis 2 no par humano, a ênfase do capítulo tem sido citada como antropocêntrica. Dificilmente este é o caso porque, como em Gênesis 1, a concentração dominante é no que Deus fez quando ele criou o homem e a mulher e os colocou dentro do seu reino cósmico e deu a eles seus mandatos. Uma consideração das atividades registradas nos darão base para esta conclusão.Gênesis 2.7 começa com [[wayyîser yehwâ 'elohîm]] (e Deus Yahweh formou). Os dois versos precedentes consistem de uma descrição parentética da criação incompleta. O verso 7 introduz a elaboração do relato da criação de Deus do homem. O termo "criou" não é mencionado; dois verbos explicam o que Deus fez quando ele criou o homem. O verbo [[yasar]] pode comunicar a idéia de moldar, projetar ou planejar com a mente. O termo é usado referindo-se a oleiros ou a entalhadores. Mais freqüentemente, no entanto, o termo é usado para Deus. Gênesis 1 registrou que Deus chamou à existência as aves (v. 20b) e bestas (v. 24); Gênesis 2.19 continua a registrar que estes vieram à existência porque Deus os formou da terra. Formas de vida totalmente novas apareceram como resultado da ação divina de formar, usando [[ha'adamâ]] (o solo ou a terra). Isaías usou o termo para se referir a Deus gerando a Israel como um povo nacional (Is 27.11; 43.1, 21; 44.21; 45.9, 11; 64.7) e a um embrião no ventre (Is 43.7; ver também Jr 1.5). A idéia é que a "matéria-prima" era existente, a qual, por conta própria, não poderia mudar ou transformar-se. Aquilo que é completamente novo apareceu por causa da atividade realizada com o que estava à mão. Gênesis 2.7 nos informa que Deus criou o homem formando-o, usando o [[apar]] (pó) da terra. Pó é sem forma e sem vida. Deus tomou um pouco do pó e formou um ser humano, o qual era sem vida. Vida veio a ele quando [[wayyipah]] (terceira pessoa do qal imperfeito de [[napâh]], respirar ou soprar). Deus soprou nas narinas do homem o fôlego da vida. Isto transformou a forma sem vida em um ser vivente. Através desta atividade divina dupla, o homem se tornou uma criação singular. Ele teve uma relação direta com Deus; ele viveu porque Deus, diretamente, infundiu nele o fôlego da vida. Neste misterioso, cientificamente inexplicável modo, Deus trouxe seus portadores de imagem e semelhança à existência. Um milagre da maior dimensão foi feito. Um ser real foi trazido à existência da terra, sobre a qual ele deveria governar, desenvolver e viver dela; ao ser real foi dado o status e potencial para ser um agente real em nome de Deus porque Deus mesmo lhe soprou o fôlego de vida e, desse modo, o formou à sua imagem e semelhança.

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O relato de gênesis 2 prossegue a informar o leitor que Deus [[wayyitta']] (terceira pessoa singular do qal imperfeito de [[nata]], plantar) um jardim (v.8) e [[wayyasem]] (terceira pessoa do qal imperfeito de [[sim]], colocar) o homem, que ele tinha formado, nele. Em Gn 2.15, lemos o termo [[wayyannihehû]] (e ele o fez descansar lá). Cassuto corretamente mostrou que este termo deveria ser considerado sinônimo de [[sim]] (colocar). Que o Éden era um lugar de descanso não deve ser ignorado, mas a idéia de descanso não deve ser lida no contexto aqui.24 No jardim foi dado ao homem suas instruções e foi dado sua [[ézer]] (ajudadora) que Deus resolveu [['e'eseh]] (primeira pessoa singular do qal imperfeito de [[asâ]], fazer). A forma do verbo é coortativa, expressando a intenção de Deus como em Gênesis 1.26. O termo usado, no entanto, para descrever o que Deus fez, é [[wayyiben]] (terceira pessoa singular do qal imperfeito de [[banâ]], construir) (Gn 2.22). A ajudadora foi construída por Deus que tomou uma costela do macho. O verbo deveria ser tomado para significar o que o verbo "formar" comunica em Gn 2.7. Deus tomou o que, por conta própria, não poderia formar um outro ser humano. Deus realizou outro milagre de criação e, fazendo assim, indicou uma conexão singular e mais intimamente relacionada entre Adão e sua ajudadora. Eles eram da mesma carne e sangue mas também diferentes na sua origem por causa do que Deus usou, não mais um pouco de pó, mas uma parte do que ele tinha formado, previamente, como seu agente real.

AFIRMAÇÕES TEOLÓGICAS

1. O registro bíblico da origem do homem e da mulher é completamente teocêntrico. Deus é a pessoa central. O registro nos informa sobre Deus como o Criador da humanidade. 2. Deus planejou a criação do homem e da mulher. Ele deliberou intimamente no seu ser misterioso e declarou sua intenção. A humanidade não é o produto de combinações fortuitas de fatores, nem o resultado da sobrevivência e formação dos entes mais fortes e capazes competindo por domínio. 3. Deus tinha um propósito predeterminado para a humanidade. Ela deveria ter um papel superior, uma influência dominante e um serviço responsável. Homem e mulher deveriam ser governadores sobre a criação natural; deveriam ser os representantes reais dentro do reino cósmico.4. Deus fez sua obra criadora de acordo com seu plano e propósito. De acordo com o texto , Deus estava diretamente envolvido na efetiva formação, modelagem, doação de vida, e colocação do homem e da mulher dentro do reino cósmico criado. É muito difícil, de fato quase impossível, conceber, a partir do texto, que Deus iniciou e manteve vigilância sobre um processo de uma duração extremamente longa.25 O texto comunica o pensamento de uma origem

2 4 Commentary, 121-122.

2 5 Thomas F. Torrance, Calvin's Doctrine of Man (Grand Rapids: Eerdamans, 1957), 63, escreveu que, a partir de um ponto de vista teológico, Calvino nada tinha a ver com causas segundas. "Toda a natureza e os dons e talentos do homem, dependem deles estarem sob a agencia imediata de Deus através dos seu Espírito e sua Palavra". Torrance, em uma nota de rodapé, se referiu às Institutas de Calvino 1.5.4; 1.16.1; e a vários comentários.

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sobrenatural e milagrosa da humanidade dentro de um intervalo limitado de tempo.5. Deus criou o homem e a mulher de tal modo que seu relacionamento com o reino cósmico era de integralidade inerente. Eles eram parte da criação e, consequentemente, estavam envolvidos diretamente na sua existência contínua, desenvolvimento e embelezamento. Mas eles também foram criados de tal modo que eram mais do que meras criaturas de pó com o fôlego da vida dado a eles. Eles foram criados em relação a Deus. Um vínculo de vida e amor entre Deus e a humanidade foi estabelecido quando surgiram de Deus, de forma singular.6. Finalmente, a humanidade não foi, planejada, criada e dado um lugar e papel na criação a fim de que pessoas pudessem ser redimidas. Antes, a criação foi para o exercício das prerrogativas e responsabilidades reais que trariam à mais alta e completa extensão da majestade, grandiosidade e glória de Deus e, correlativamente a isto, à total realização da honra, alegria e paz para a humanidade. O texto é definitivo: Deus viu tudo o que ele tinha feito e era muito bom. Todos os aspectos encontraram seu ideal, todos os fatores foram feitos, equipados e capazes de trazer o plano de Deus a uma realização total.

CRIADOS À IMAGEM DE DEUS

Maior suporte e conotações mais profundas e ricas são dadas às afirmações teológicas acima quando maiores considerações são dadas ao que o texto registra com relação à natureza, papel, relacionamento e propósito da humanidade.

A DECLARAÇÃO TEXTUAL

A declaração textual é breve mas também repetitiva de maneira que uma forte impressão da natureza da humanidade é apresentada. A frase "à sua própria imagem e semelhança" (Gn 1.27) pede uma atenção especial.

Deus expressou sua vontade a respeito da natureza básica do homem quando ele deliberou consigo mesmo e declarou que o homem deveria ser criado [[besalmenu kidemûtenû]] (à nossa imagem, de acordo com a nossa semelhança) (v. 26). O texto bíblico, então, registra que Deu criou [[et-ha'adam besalmo]] (o homem à sua imagem) Os comentários contém muita discussão sobre vários pontos específicos. Por que o sufixo plural no verso 26 e o singular no verso 27? Deus é citado como ambos, plural em sua deliberação e singular quando realizando as atividades criadoras. A discussão também se concentra no uso do [[be]] e [[ke]] no verso 26. Wenham esclarece bem a discussão, mostrando que "[[be]] (em ou por) e [[ke]] (como ou tal como) não são exatamente sinônimos, embora seus campos semânticos coincidam". Nesta passagem, os dois são virtualmente equivalentes.26 Concordando que eles são, a questão de como interpretar o [[be - ke]] ainda não foi respondida. Três possibilidades tem sido declaradas. [[Be]] poderia significar "na capacidade de". A preposição é usada, neste sentido um tanto esporádico, em Êxodo 6.3. Se esta possibilidade for correta, poderia significar que o homem foi criado na capacidade de Deus. Isto, 2 6 Genesis 1-15, 28-29.

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como resultado, significa que o homem foi criado para ser a imagem divina. Outros tem sugerido que a idéia do [[be]] pode ser melhor expressa como um verbo estativo: o homem é a imagem de Deus. A terceira possibilidade expressa a visão tradicional e a mais vastamente defendida. Significa "de acordo com o modelo". Da mesma forma como Moisés construiu o tabernáculo de acordo com o modelo que Deus lhe havia dado (Ex 25.9, 40), Deus também fez a humanidade de acordo com o modelo que ele tinha em mente. Este modelo, no entanto, embora não idêntico ao próprio Deus, refletia e representava muito do que Deus é.

O termo [[selem]] (imagem) ocorre em vários lugares do Antigo Testamento. No sentido em que é usado em Gênesis 1.26-27; 5.3 e 9.6, não aparece em nenhum outro lugar exceto, possivelmente, no Salmo 39.7 (hebraico). As outras vinte e seis vezes em que aparece, ele é usado no sentido de um ídolo que representava uma deidade ou potencial divino.27 A origem etimológica precisa de [[selem]] é difícil de se estabelecer; nem o uso e nem a raiz nos ajudam a determinar a significado preciso. Wenham chama a atenção, no entanto, que o termo [[demût]] "é transparente no seu significado" (assemelhar-se, ser semelhante).28

A questão a respeito do que os termos significam ou a que eles, especificamente, se referem, recebeu uma variedade de respostas. Louis Berkof enfatizou que o homem é a imagem de Deus e que isto significava que o homem tinha certos dons como conhecimento verdadeiro, justiça, santidade, poderes intelectuais, liberdade moral e elementos como espiritualidade e imortalidade.29

Esta visão geral retrata o homem como um "recipiente". Ele tinha estes elementos dentro dele e os elementos o distinguiam dos animais. James Orr apresenta uma visão humanista e racionalista do homem, totalmente contrária ao que as Escrituras ensinam.30 Um estudo das idéias de Calvino, particularmente como explicadas por Thomas F. Torrance, revela o homem como um reflexo de Deus. Deus se espelha na criação e, especialmente, se reflete, como em um espelho, no homem.31 Gerhard C. Berkouwer enfatizou que o conceito central era o relacionamento. Ele parecia seguir a Karl Barth nisto. O texto bíblico enfatizou o relacionamento ímpar entre Deus e o homem.32 Anthony Hoekema salientou dois fatores: era para o homem espelhar a Deus e para representar a Deus. Como tal, o homem, como imagem, tem vários aspectos estruturais e funcionais.33

Uma consideração de vários estudos na área de teologia bíblica mostrarão que várias visões a respeito da imagem e semelhança de Deus são defendidas.

2 7 Deve ser lembrado que outros termos são usados para se referirem aos ídolos-imagens, por exemplo, [[massebâ]] e [[temunâ]].

2 8 Genesis 1-15, 29.

2 9 Louis Berkof, Teologia Sistenmática (Grand Rapids: Eerdmans, 1949), 203-210 (checar dados no port). Um estudo da discussão de Charles Hodge em seu Systematic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1940), 2:96-116, favorece essa impressão geral.

3 0 James Orr, God's Image in Man and Its Defacement in the Light of Modern Denials (Grand Rapids: Eerdmans, 1948). Note seu uso de "in" (no) o qual eu leio como "o Homem contém a Imagem".

3 1 Calvin's Doctrine, 35.

3 2 Gerhard C. Berkouwer, De Mens Het Beeld God (Kampen: kok, 1957), cap. 3,93.

3 3 Anthony A. Hoekema, Created in God's Image (Grand Rapids: Eerdmans, 1986), 67-73.

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Walter Eichrodt, depois de rever algumas visões, considerou que a pessoalidade era o fator central. Como Deus é uma pessoa, então o homem também é; e isto é, particularmente, o caráter que distingue o homem dos animais.34 Gerhard Von Rad considerou a dignidade do homem como sendo a idéia principal nos conceitos de semelhança e imagem de Deus.35 Edmund Jacob referiu-se à imagem e semelhança de Deus falando da referência da imagem ao papel do homem como um intermediário no centro da criação. Neste papel, ele defendeu um relacionamento com e dependência daquele que ele representava, a saber, Deus.36 Walter Kaiser apresentou uma declaração sumária do seu entendimento; ele referiu-se à possibilidade de comunhão e comunicação com Deus, o exercício do domínio e liderança sobre o cosmos, e que Deus era o protótipo do qual o homem e a mulher eram réplicas.37

Wenham reviu e categorizou as várias posições tomadas pelos comentaristas sobre o uso, denotação, e/ou conotação dos termos "imagem" e "semelhança". Ele listou as cinco principais soluções que tem sido propostas: (1) Os termos são distintos; imagem se refere às qualidades naturais, semelhança às graças espirituais. (2) Imagem (e semelhança) se referem às faculdades mentais e espirituais que o homem compartilha com seu Criador. (3) A imagem consiste de uma semelhança física, como Sete era a imagem de Adão (Gn 5.3). (4) A imagem se refere ao homem como representante de Deus, particularmente como um vice gerente. (5) A imagem fala da capacidade do homem de relacionar-se com Deus; ela faz possível a comunicação e o relacionamento pactual. Wenham declarou que, visto as diferenças de opinião, é difícil declarar, precisamente, o que é intencionado pelos termos. Ele considera que a hipótese mais forte tem sido o homem como "vice gerente de Deus na terra".38

Todas as cinco soluções tem, pelo menos, alguns elementos do que a Bíblia pretende com os termos. Todas as cinco posições grifam o quão cuidadosamente Deus planejou a humanidade, quão miraculosamente ele "compôs" os seres humanos, e o quão misteriosas, porém maravilhosas criaturas nós somos.

UM RELACIONAMENTO

Deus estabeleceu um relacionamento ímpar entre si mesmo e os seres humanos quando os criou à sua imagem e semelhança. Deve ser observado, imediatamente, que Deus estabeleceu um relacionamento com tudo o que ele criou: do tipo Criador-criação. Ele, o Criador, Construtor, Modelador, Diretor e Produtor, trouxe à existência o vínculo entre a fonte e o produto, entre a causa e o 3 4 Walther Eichrodt, Theology of the Old Testament, trad. James Baker (Philadelphia: Westminster, 1967),

2:120-131. É surpreendente que Gerhard Vos não discuta o conceito extensivamente no seu Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1948).

3 5 Gerhard Von Rad, Teologia do Antigo Testamento, (São Paulo: Aste, ), 1:144-50.

3 6 Edmund Jacob, Theology of the Old Testament, trad.Arthur W. Heathcote e Philip J. Allcock (New York: Harper, 1958), 166-172. Sua discussão inclui a duvidosa aceitação da visão de que a idéia do homem, como imagem de Deus, se originou no Egito (167-68).

3 7 Old Testament Theology, 74-75.

3 8 Genesis 1-15, 29-32.

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efeito. Nestes modos abrangentes, os seres humanos também são relacionados ao Criador. Mas o texto bíblico é específico em enfatizar um relacionamento ímpar entre Deus e o homem. Duas vezes é declarado: fez/criou à imagem de Deus. Isto não é dito de nenhuma outra parte da criação. Aqueles que tem sustentado que os anjos também são portadores da imagem de Deus, o fazem na visão inaceitável de que "façamos" se refere a Deus falando aos anjos.39 Os anjos tem capacidades maravilhosas e um relacionamento íntimo com Deus. Mas seres humanos mantém um relacionamento que é diferente, como indica o Salmo 8. Quando anjos caíram, não existiu redenção e privilégios de restauração disponíveis a eles. Mais além, aqueles que tem questionado, como Claus Westermann, que a frase "à nossa imagem e semelhança" se refere ao processo de fazer em vez do produto feito, não tem o suporte de outras passagens escriturísticas que falam do produto em vez do processo (ver Gn 5.3; Ef 4.24; Cl 3.10).40

O relacionamento que Deus estabeleceu entre si mesmo e a humanidade é, antes de tudo, um de semelhança. Este fator pode ser prontamente entendido quando se considera a estátua de Abraham Lincoln em Washington, D.C. A estátua assemelha-se ao homem; é feita para se parecer como ele. Ver aquela estátua (i.e., a semelhança ou imagem) é ser, imediatamente, lembrado do presidente que editou a proclamação da emancipação. Da mesma forma como toda a estátua se assemelha a Lincoln, é para pensarmos sobre os seres humanos se assemelhando a Deus. Isto não significa identidade; não significa da mesma essência, natureza ou capacidades. Como uma semelhança de pedra é diferente em substância de seres humanos, assim o homem é diferente de Deus. Ë importante qualificar, no entanto, observando que a humanidade foi feita para ter capacidades e virtudes similares às de Deus. Por exemplo, Deus fez o homem para ser capaz de se comunicar com ele.Um outro fator importante deve ser enfatizado sob o título de relacionamento. Porque Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, o relacionamento é mais do que um de semelhança. Deus estabeleceu um vínculo de vida e amor entre si mesmo e o homem. A relação de semelhança entre uma pessoa e sua estátua é formal, sem vida e sem expressão de racionalidade, vontade ou emoção. Não é assim com Deus e seu portador de imagem. Assim como Deus deseja e ama, assim também acontece com o portador da sua imagem. E, este vínculo de vida e amor funciona mutuamente, dinamicamente, significativamente e é frutífero--até e a não ser que seja corrompido pelo pecado. Este vínculo de vida e amor é conhecido como sendo pactual.

ASPECTOS ESPECÍFICOS ENVOLVIDOS

Quatro realidades estão envolvidas na idéia da humanidade ser portadora da imagem de Deus. A relação indicada pelos termos "imagem" e "semelhança" é a de semelhança e vínculo de vida-amor. A relação pode ser mais completamente entendida se considerarmos quais as circunstâncias em que existem semelhanças e por que o vínculo pode ser estabelecido e feito funcionar.3 9 Tryggue N. D. Mettinger, "Abbild oder Urbild? 'Imagio Dei' in Traditiongeschichtlicher Sicht", Zeitschrift fur

die Alttestamenteiche Wissenschaft 86 (1974): 410-11.

4 0 Claus Westermann, Genesis 1-11, trad. John J. Scullion (Minneapolis: Augsburg, 1984).

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Deus é um ser pessoal. Ele falou na primeira pessoa ("façamos"). Posteriormente, ele informou a Moisés que ele era o "Eu Sou". Deus é auto-conscientemente pessoa. Cada ser humano é uma pessoa--não idêntica a Deus mas semelhante a Deus. Ser uma pessoa não é ter alguma coisa a mais do que os animais, mas é ser um aspecto ímpar da criação. Ser uma pessoa é ser semelhante a Deus, conhecer o bem. É ter uma consciência, um senso de privilégio e responsabilidade.Deus, como pessoa, é espiritual. O homem e a mulher também são espirituais; são personalidades espirituais. O homem e a mulher, partes integrais do cosmos criado, são também extracósmicos no sentido de que eles não devem ser considerados somente como matéria que pode funcionar de uma maneira altamente desenvolvida. Ser espiritual é ser capaz de se comunicar e exercer comunhão íntima com Deus "que é Espírito" (Jo 4.24).Como seres espirituais pessoais, o homem e a mulher tem a capacidade de conhecer, amar, confiar, desejar, querer e obedecer. Eles também tem a capacidade de se recusar a exercitá-las. Eles, como os portadores da imagem de Deus, foram criados para serem livres no seu exercício destas capacidades.Deus tem a capacidade de executar sua vontade e propósitos e alcançar suas metas. Assim, fala-se de Deus como se tivesse olhos, nariz, boca, ouvidos, mãos e braços. Daniel falou de Deus como tendo cabelo e sentando-se (Dn 7.9). Os seres humanos são conhecidos como os portadores da imagem de Deus por causa da sua habilidade singular de usar "partes do corpo" para dar expressão à sua personalidade, espiritualidade e virtudes.É totalmente claro que pensar nos seres humanos feitos "à imagem de Deus", é considerar a relação ímpar de semelhança e um vínculo amoroso, vivo, considerar o que os seres humanos são e quais são suas capacidades ímpares que os capacitam a funcionar, a se expressarem e a exercerem influência.

O STATUS REAL

Deus, o Criador, é o Senhor soberano. Ele é o Rei da criação; ele possui e tem o domínio sobre todos os aspectos--inanimados, animados e humanos. Ao criar o homem e a mulher à sua imagem, estabelecer uma relação de semelhança e unidade (vínculo), dar a eles características, capacidades, potenciais e funções de uma maneira limitada, Deus trouxe a humanidade para "sua família real". Ele não concedeu sua deidade a eles, ele os dotou com o privilégio e a responsabilidade de serem co-trabalhadores com Ele nas tarefas reais a serem executadas na criação. Este status real de [['adam]] tem implicações muito importantes para a interpretação correta dos registros bíblicos com relação ao pacto de Deus, à queda e ao Redentor Messiânico que Deus providenciou.

CRIADOS MACHO E FÊMEA

Gênesis 1.27 declara [[zakar wûneqebâ bara' 'otam]] (macho e fêmea ele os criou). Von Rad chama a atenção ao plural "os" que aparece ao invés do singular "o"; isto nos previne de pensar que um macho foi criado em primeiro lugar.41 O 4 1 Genesis, 58.

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relato expandido da criação do homem e da mulher, no entanto, declara que o macho veio inicialmente à existência e atuava sozinho mas, nesta situação, ele experimentou uma situação solitária e improdutiva (Gn 2.18-20). Yahweh providenciou uma companheira de uma maneira singular com o resultado de que o macho poderia, prontamente, reconhecê-la como sendo sua carne e osso (Gn 2.23). A diferença em origem, no entanto, não é para ser inferida como tendo o efeito de desigualdade entre o homem e a mulher. O relato inicial enfatiza sua igualdade; ambos foram criados por Deus, ambos foram criados à imagem de Deus (Gn 1.27).42

A referência à distinção entre macho e fêmea se segue, imediatamente, à declaração dupla de que [[ha'adam]] (o homem, i.e., humanidade) foi criado à imagem de Deus. Alguns estudiosos tomam isto com o significado de que a masculinidade e a feminilidade são aspectos da imagem de Deus.43 Isto poderia implicar que Deus é ambos, macho e fêmea; não existe sustentação para isto nas Escrituras. Mas o texto bíblico nos diz que Deus criou a vida e que existe um vínculo íntimo de vida e amor dentro da Divindade (Jo 10.17; 14.31; 17.26). Deus dotou os seres humanos com a capacidade de amar e de reproduzir vida. Esta última capacidade também foi dada a todas as formas de vida animal e vegetal. Uma poucas declarações adicionais devem ser feitas. Pode ser questionado que, assim como os termos "macho" e "fêmea" enfatizam a distinção sexual dentro da humanidade,44 eles também indicam um aspecto complementar. Em Hebraico, as expressões podem ser descritivas. O termo [[zakar]] tem uma variedade de nuances no significado. Como verbo, significa lembrar, e vários substantivos são derivados deste significado. A forma adjetiva assim como a forma substantiva carregam a idéia de macho. A idéia de macho é assumida como originária do sentido de "pontiagudo".45 O termo [[neqebâ']] é uma forma feminina do substantivo [[neqeb]], que significa um buraco ou cavidade.46 O pensamento principal, no entanto, no contexto de Gênesis 1.27, é que a humanidade tem a bênção da fertilidade. No exercício da intimidade amorosa que pode ser experimentada por causa da sua composição física, a fertilidade torna-se uma fato da vida. Deve ser também mencionado que a criação do macho e da fêmea deu ao homem a possibilidade de obedecer ao comando de tornar-se uma carne (Gn 2.24), no contexto do homem deixar seu pai e sua mãe e se unir à sua esposa. Consequentemente, a formação básica da família foi estabelecida e poderia atuar como um meio reprodutor de vida como Deus havia ordenado que ela deveria. Finalmente, ambos, o macho e a fêmea, criados à imagem de Deus, tem um status real. Como os representantes reais de Deus na terra, eles poderiam atuar

4 2 É difícil aceitar a declaração de E. Jacobs de que, ao lado da unidade da carne e sangue, o Antigo Testamento insiste na submissão da mulher ao homem, o homem por si mesmo é um ser completo, a mulher nada fez para a natureza do homem "enquanto a mulher, feita a partir do homem, deve toda a sua existência a ele..." (Theology, 172-173).

4 3 Ver a discussão de Hoekema de Karl Barth sobre o assunto (Created, 49-50).

4 4 Wenham, Genesis 1-15, 330.

4 5 Esta idéia aparece em Árabe e o órgão masculino é referido por este termo (BDB, 271).

4 6 Ibid, 666.

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como co-trabalhadores com o Senhor do reino cósmico, produzindo e cuidando da descendência que iria, naturalmente, receber o mesmo status real, privilégios e responsabilidades que seus pais reais. De fato, na criação dos seres humanos macho e fêmea, Deus proveu a subsistência dos representante reais (agentes ou vice gerentes47) para a seu lado e em seu lugar no reino cósmico.

CRIADOS EM PACTO

O DEBATE

Assim como existem visões variadas a respeito de outros aspectos importantes da obra criadora de Deus, existem, também, diferenças a respeito da criação da humanidade em relação pactual com Deus. Existem aqueles que não reconhecem uma criação pactual. Eichrodt é um destes. Ele considera o relacionamento pactual como tendo sido estabelecido, ou reconhecido, na época da libertação de Israel do Egito.48 Outros tem pressuposto que, considerando que o pacto é um instrumento de redenção, não veio à existência no tempo da criação.49 Outros, ainda, tem falado de um "pacto das obras" que Deus iniciou com Adão e Eva no tempo da sua criação.50 Em décadas recentes, exegetas do Antigo Testamento e teólogos bíblicos chegaram à conclusão de que terão que sustentar uma visão que difere daquela dos teólogos liberais orientados do Antigo Testamento, como Eichrodt, e daquela dos teólogos reformados conservadores dogmáticos como Hoekema e Klooster. Os teólogos do Antigo Testamento que apresentaram uma declaração positiva com relação a um pacto na criação, referido geralmente como "pacto da criação", são William Dumbrell, Meredith Kline, O. Palmer Robertson e

4 7 Adão e Eva foram criados para serem vice gerentes e não vice regentes. O vice gerente tinha um status e posição reais e governava sob o rei. Um vice regente governava no lugar do rei. A diferença pode parecer sutil, mas é importante. Considere o caso de José (Gn 41.41-43). José foi colocado como encarregado de toda a terra do Egito. Mas ele era, sempre, o "segundo em comando". Considere também Daniel que foi colocado numa alta posição como governador sobre a província da Babilônia (Dn 2.48, 49, [RA]). Que Daniel não governou no lugar do rei é evidente porque Daniel requereu ao rei que nomeasse seus três amigos como administradores. O ponto é: José e Daniel não foram reis; eles tinham um status, posição e privilégios reais como os mais altos oficiais sob seus respectivos reis.

Um caso de vice regência é registrado em Daniel 5.1. Belsazar é citado como um rei. Nabucodonosor é citado como sendo seu pai mas o termo aramaico usado poderia ser entendido como referindo-se ao neto ou sucessor. A realidade é que Belsazar governou como rei enquanto Nabonido, que era o rei coroado, ausentou-se e Belsazar governou em seu lugar.

Teologicamente, a diferença é muito importante. A Adão e Eva, criados à imagem e semelhança de Deus, foram dados um status, posição e privilégios reais, sob Deus, o rei soberano. Por esta razão, eles eram vice gerentes. Satanás, no entanto, rebelou-se contra Deus e tentou governar no lugar de Deus. Ele queria ser um vice regente.

4 8 Theology, 1:36-37. Ele citou o trabalho de R. Kraetzschmer, que sustentou que a idéia de pacto surgiu primeiramente com os profetas maiores; Eichrodt rejeitou esta visão (36, n.2).

4 9 Ver Hoekema, que listou como uma quarta objeção à idéia de pacto "no tempo da criação, que o termo pacto é sempre usado em um contexto de redenção" (Created, 121). Fred Klooster, em um manuscrito não publicado, "Church and Kingdom", também expressou esta visão.

5 0 Hoekema se referiu a vários dos renomados teólogos que sustentam esta visão. Ele listou Herman Bavinck, Charles Hodge, Robert L. Dabney, William G. T. Shedd, Gerhardus Vos e Louis Berkhof.(ibid., 118-19).

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Willem Van Gemeren.51 John Frame concordou que um pacto foi estabelecido na criação, e "todas as coisas, plantas, animais, e pessoas são decretadas como sendo servos pactuais, para obedecerem à lei de Deus e serem instrumentos do seu gracioso propósito". A razão básica para se falar de pacto, de acordo com Frame, é porque senhorio é um conceito pactual. O Senhorio de Deus é penetrante através das Escrituras e não menos no registro da criação.52

As diferenças no entendimento do que a Bíblia quer dizer por pacto, tem provado ser uma das razões das diferenças de visão com relação ao estabelecimento do pacto no tempo da criação. Vamos considerar três instâncias específicas. Se, como Eichrodt explica, Israel primeiramente compreendeu que Deus tinha um relacionamento especial com eles, como povo, quando ele os libertou do Egito e os protegeu no deserto, então o pacto deve ser pensado em termos de existência nacional e prerrogativas especiais para a nação. Se, como freqüentemente é, o pacto é definido em termos dos tratados de suseranos entre os Hititas e Assírios, uma definição que inclui as demandas desenvolvidas nestes, então alguém pode até duvidar se é correto falar de um pacto entre Deus e Abraão porque o pacto não era da mesma natureza legal nem tinha todos os elementos constituintes dos tratados suseranos. E, se alguém pode considerar somente a Bíblia para se referir ao pacto quando o termo [[berît]] é encontrado, porque a idéia do pacto somente pode ser comunicada pelo próprio termo e não por todos ou alguns de seus aspectos, então se segue que somente uma visão muito restrita de pacto pode ser tida como legítima. Na visão dos aspectos insatisfatórios das três visões citadas acima, somos obrigados a considerar o que as Escrituras revelam.

O TESTEMUNHO ESCRITURÍSTICO

Dois temas centrais devem ser defrontados. Primeiro, o que as Escrituras dizem com relação ao pacto da criação? E, segundo, qual é a natureza essencial do pacto(s) de Deus com a humanidade?O Antigo Testamento se refere ao pacto da criação, no qual Adão e Eva eram figuras centrais mas envolveram toda a criação também. Considere os seguintes fatores. Primeiro, Oséias falou deste pacto; ele proclamou que Israel, como Adão, tinha quebrado o pacto porque tinha sido infiel a Yahweh (Os 6.7).53 Segundo, considere a declaração que Deus fez a Noé, a saber, que ele continuaria seu pacto com Noé. Dumbrell tem, convincentemente, mostrado que Deus estava se referindo à continuação do pacto que ele havia feito com Adão.54 Terceiro, os profetas fazem referências ao pacto da criação. Robertson explica este caso muito 5 1 Dumbrell, Covenant and Creation (New York: Nelson, 1984); Kline, By Oath Consigned (Grand Rapids:

Eerdmans, 1968), 27-37; Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos (Campinas: LPC, 1997), 67-87 checar páginas e Van Gemeren Redemption, 64, n.5, 482.

5 2 John M. Frame, The Doctrine of the Knowledge of God (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1987), 12.

5 3 Tentativas para se alterar a frase [[ke 'adam]] (como Adão) para [[be 'adam]] (em Adão) fracassaram por diversas razões. O [[ke]] é firmemente arraigado no texto e não existe nenhum local conhecido chamado Adão onde o povo transgrediu o pacto de Deus. É interessante notar que Hoekema não estava preparado para rejeitar a tradução "como Adão" (Created, 118-19).

5 4 Ver suas razões substanciais para tomar esta posição. Por exemplo, não existe terminologia que indique um início do pacto em 6.18; o termo [[qûm]] (manter) indica continuação do que estava presente e o contexto indica que, embora um julgamento catastrófico mundial estava para acontecer, Deus continuaria a ordem natural do cosmos com o homem e a mulher e sua semente como agentes chave (Covenant, 15-26).

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bem. Ele, apropriadamente, discutiu a proclamação de Jeremias com relação ao pacto de Deus para o dia e para a noite (Jr 33.20-21, 25-26).55 Finalmente, deve ser admitido sem reservas que o termo [[berît]] (pacto) não aparece em Gênesis 1-2 ou 3-5. Mas, considere o seguinte. O termo "trindade" não aparece nas Escrituras mas é ensinado por muitas referências ao fator central--as três pessoas. É amplamente concordado que o pacto da graça /redenção foi feito com Adão e Eva depois da sua queda. O termo [[berît]] não aparece em Gênesis 3. Mas o pacto da graça, "o instrumento da redenção", é compreendido em maiores detalhes quando Deus falou a Abraão, quando ambos os termos e alguns elementos constituintes foram enfatizados (Gn 15,17). Os elementos constituintes do pacto estão presentes em Gênesis 1-2.O segundo tema a ser discutido é concernente à natureza essencial de [[berît]] (pacto). O próprio termo [[berît]] dá uma indicação de que é, mais plausivelmente, derivado de um termo semítico, [[birtu]], que significa vínculo.56 O casamento, um vínculo entre um macho e uma fêmea, é considerado um pacto. Na verdade, nas Escrituras, o pacto do casamento é usado, repetidamente, como um símbolo ou uma representação específica dentro da vida humana no relacionamento íntimo de Deus com a humanidade.57 Deus estabeleceu tal vínculo íntimo quando ele, como o Soberano Senhor da criação, criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança. Deus relacionou a humanidade a si mesmo com um vínculo de vida e confiança. Ele fez os primeiros seres humanos para serem membros de sua família real; ele os declarou como sendo muito bons, como o eram todos os outros aspectos da criação. Mas, sobre o homem e a mulher, ele conferiu privilégios e responsabilidades únicas por causa da sua confiança neles e porque ele desejou honrá-los como as mais excelentes criaturas na sua criação (Sl 8). E as Escrituras adicionam que o relacionamento pactual de Deus é um de amor ([[ 'ahab]]) e de bondade ([[hesed]]). Podemos, consequentemente, concluir declarando que o termo "pacto" se refere ao vínculo de vida e amor que Deus estabeleceu entre si mesmo e Adão e Eva. Este vínculo pessoal íntimo deveria ter vastas implicações e ramificações para toda a criação por causa dos requerimentos de Deus para a manutenção do relacionamento. Deus, tendo estabelecido o pacto, que é o vínculo de vida e amor, exigiu que a humanidade respondesse de uma maneira viva, amorosa, dinâmica e fiel. Devemos considerar agora quais foram as respostas que Deus exigiu de seus representantes e agentes pactuais reais. As respostas que Deus exigiu são estipulações pactuais ou mandatos. O texto bíblico já se referiu ao soberano Senhor e ao que ele tinha feito; estes dois fatores foram, sempre, elementos constituintes na execução do pacto.58

5 5 O Cristo dos Pactos, 19-25 checar páginas.

5 6 Ver a discussão de Vos da etimologia do termo (Theology, 23-24) e o artigo de Elmer Smick, no qual ele escreveu que a etimologia do termo é incerta. Poderia ser derivada do assírio [[burru]], que se refere a uma situação legal na qual um juramento era exigido, ou [[birtu]], que significa restringir, ou [[brk]], referindo-se a comida. (Theological Woedbook of the Old Testament, 1:128-29).

5 7 Vos deu uma boa apresentação disto (Theology, 256-63).

5 8 Nos tratados suseranos Hititas e Assírios, estes dois fatores eram, usualmente, muito desenvolvidos para dar expressão ao poder e soberania do suserano e dar base à "jactância" através do relato do que ele tinha realizado. Tendo declarado isto, o suserano procedia a declarar o que ele esperava dos seus vassalos. A eles não eram dadas escolhas; eles recebiam demandas que, se não fossem cumpridas, daria razão para a

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OS MANDATOS PACTUAIS

O primeiro mandato que foi dado tem sido corretamente citado como o mandato cultural. Era para o homem e a mulher exercitarem suas prerrogativas reais governando sobre o cosmos, desenvolvendo-o e, simultaneamente, mantendo-o. Todas as formas de vida na terra foram, especificamente, colocadas sob a supervisão dos vice gerentes humanos. Com esta responsabilidade, veio o privilégio de usar as plantas, seus frutos e sua semente para manter a vida e a energia para realizar as tarefas reais.59 A humanidade poderia responder obedientemente ao mandato cultural para a glória de Deus por causa da sua criação à imagem e semelhança de Deus. Deus, através da exposição deste mandato, colocou a humanidade em um relacionamento singular com o cosmos. Em um sentido real, foi uma relacionamento de governador sobre o domínio cósmico. Mas este governo envolvia trabalho. O trabalho é, consequentemente, tanto um privilégio real como também uma responsabilidade.O segundo mandato pode ser citado como o mandato social. Este mandato pode ser dado porque Deus criou a humanidade à sua imagem e semelhança e como macho e fêmea. O relacionamento tinha que ser visto como um de igualdade diante de Deus. Mas, para cumprir o mandato, a fêmea tinha que cumprir seus papéis decretados como ajudadora apropriada, parturiente e mãe cuidadora. O macho tinha que cumprir seus papéis reconhecendo a fêmea como carne de sua carne e osso de seu osso. Ele tinha que trabalhar com ela como agente real mas também tinha que servir como cabeça, deixando seus pais, tomando a mulher e se unindo a ela e, assim, eles poderiam ser frutíferos como parceiros iguais casados. Este mandato provê a base divinamente ordenada para o casamento, a família e a família estendida--clãs, nações e a comunidade da humanidade de todo o mundo. O terceiro mandato que foi dado, envolve a expressão responsiva da humanidade ao relacionamento que Deus tinha estabelecido entre si mesmo e seus portadores de imagem. Primeiro, Deus criou o homem e a mulher num estado de bondade, integralidade e liberdade. Deus viu tudo o que ele tinha feito e [[hinneh-tôb me' ôd]] (Eis que era muito bom). O macho e a fêmea foram feitos de acordo com o intento e propósito de Deus; eles encontraram seu padrão de excelência. Eles eram completos; nenhum aspecto adicional tinha que ser somado; eles eram capazes de ser e fazer o que Deus demandava deles. Eles eram livres, tendo sido criados à imagem de Deus--eles eram livres para viver e agir de acordo com a natureza e características que Deus lhes havia dado. O homem e a mulher eram tudo o que Deus pretendia que eles fossem. Eles tinham que ser o que eles tinham sido feitos para ser; eles tinham que fazer o que Deus os tinha feito para fazer. Eles não tinham nada a ganhar; tinham todos os direitos, privilégios e bênçãos da família real de Deus. Eles foram feitos para serem filhos e filhas do Rei soberano; eles deveriam cumprir suas tarefas reais para as quais foram

execução das ameaças ou castigos.

5 9 Este mandato cultural, com seus privilégios, não nos dá, de forma alguma, licença para nos despojarmos do meio ambiente natural, ignorando-o, usando-o de forma errada ou abusando dele. O mandato cultural provê uma base pactual/reinante forte para um interesse profundo pelos problemas ecológicos e esforços protetores ambientais.

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equipados. Dessa forma, nada existia para tornar-se merecedor. Existia tudo para manter e conservar.Segundo, Deus pretendeu que o homem e a mulher permanecessem em um relacionamento íntimo e pessoal com ele. Deus manteve a solidariedade que procede do vínculo de vida e amor que ele tinha estabelecido. Deus queria comunhão com seus vice gerentes. Deus queria uma resposta concorde para tudo o que ele tinha feito por eles e para tudo que ele desejou. Três aspectos específicos deveriam ser mencionados a este respeito. Deus veio caminhar no jardim com o homem e com a mulher. Deus se fez imediatamente, diretamente, pessoalmente e intimamente disponível. Deus estabeleceu o sétimo dia como um dia de descanso, no qual ele e a humanidade não iriam dirigir a atenção para os desafios do cosmos mas, de um para o outro. Deveria ser um tempo marcado a cada período de sete dias para o exercício do vínculo de vida/amor que os unia. Deus ordenou que o tempo deveria ser separado semanalmente para o exercício dos relacionamentos amorosos e comunhão íntima pelos quais, o vínculo de vida e amor poderia ser sustentado e enriquecido. Terceiro, Deus colocou diante do homem e da mulher, no estabelecimento do seu serviço no reino, o privilégio de comer livremente de todas as árvores do jardim e o privilégio de honrá-lo não comendo de uma única árvore--a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2.9, 16-17). A conseqüência em não honrar a Deus nesta matéria seria severa. O vínculo de vida/amor seria cortado. A comunhão amorosa seria quebrada. O vínculo de vida não iria operar. O homem e a mulher iriam morrer. Contudo, o homem e a mulher eram tudo que o que foram projetados para serem. Eles não tinham nada a merecer. Nenhuma recompensa foi dada. Deus não disse, "Se vocês obedecerem, vocês ganharão...". O homem e a mulher eram o que Deus pretendeu que eles fossem. Eles tinham a habilidade, o privilégio e a oportunidade de serem o que Deus os tinha feito para serem.Este terceiro mandato pode ser referido como o mandato da comunhão. A comunhão deveria ser exercitada através de caminhadas diárias com Deus, conversas íntimas com Deus, e expressões de amor, honra, devoção e louvor quando os desafios e privilégios de cada dia fossem alcançados. A cada sétimo dia, esta comunhão deveria ser expressa no modo mais completo e rico possível (ver Figura 3.1).

O PACTO DAS OBRAS OU PACTO DA CRIAÇÃO

No passado e no presente, tem existiu e existe uma insistência de que Gênesis 2.15-17 fala de um pacto de obras. Um aspecto do mandato da comunhão--a referência a não comer da árvore--é tirado de seu contexto mais abrangente. Ele é considerado como uma prova que se refere ao homem e à mulher não tendo recebido uma garantia total de serem membros da família e reino de Deus. Este direito tinha que ser ganho através da obediência à ordem negativa. Se aquela ordem fosse cumprida, o homem e a mulher tornar-se-iam, para sempre, merecedores do privilégio da cidadania completa do reino cósmico de Deus. O homem e a mulher, no entanto, tinham esta cidadania completa como bons, completos e livres portadores da imagem de Deus. Este vínculo, o pacto da criação, foi estabelecido; ele era íntegro; funcionava completamente. Por exemplo,

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quando um rapaz e uma moça se casam, eles entram em um relacionamento de casamento; isto é freqüentemente citado como o pacto do casamento. Uma vez que a cerimônia é completada, o casal está legalmente vinculado; eles são marido e mulher; eles se tornam uma só carne. É esperado, na verdade exigido, deles que sejam completamente casados, isto é, eles devem ser o que são; eles devem exercitar os privilégios e as responsabilidades. Eles não ganharão ou serão merecedores de nada se eles são e fazem o que o pacto do casamento contém para eles. Um casamento pode ser violado; pode ser quebrado. Mas não pode ser completado ou validado por um "período de prova".

ASPECTOS ADICIONAIS DO PACTO

Na discussão acima dos três mandatos, estão implícitos outros aspectos pactuais à medida em que estes foram desenvolvidos mais tarde entre as nações e por Deus com Noé, os patriarcas, Israel e Davi. Estavam também implícitas as promessas de vida contínua e bênçãos. A referência à possibilidade de morte implicava em maldição. Elementos constituintes de um pacto já existem em Gênesis 1-2. Os envolvimentos pessoais, a dimensão legal, o caráter promissor, o aspecto assegurador da continuidade através da semente e obediência, estavam explicitamente e implicitamente presentes.

PACTO: UM INSTRUMENTO DO REINO

O pacto da criação que Deus fez com Adão e através de Adão, o vice gerente, com todos os aspectos do reino cósmico, poderia ser considerado como um instrumento do reino a partir de três perspectivas. Lembre-se que alguns teólogos tem falado de pacto como um instrumento de redenção. Isto não pode ser negado, mas esta verdade não remove ou nega o fato de que o pacto da criação serviu como um instrumento do reino. E, por causa disto, o(s) pacto(s) feito(s) mais tarde poderiam servir como instrumentos de redenção."Pacto como um instrumento" significa que Deus escolheu seguir um plano e método específicos para a manutenção, desenvolvimento e administração do seu reino cósmico. De fato, Deus continuaria a estar diretamente envolvido, de várias formas, na direção, governo e revelação do seu reino. Mas ele escolheu envolver a humanidade. E, pactuando com o homem e a mulher, Deus providenciou os meios para esta "agenda cooperativa".O pacto da criação deveria ser um instrumento de vida e para vida com todos os seus envolvimentos maravilhosos como os relacionamentos amorosos, o preenchimento das necessidades de comunhão, a fertilidade do macho e da fêmea, e o recebimento contínuo, por parte do homem e da mulher, de força, discernimento e sabedoria a fim de que continuassem a viver diante da face de Deus, no meio do reino cósmico com todas as suas potencialidades.O pacto deveria ser um instrumento de serviço. Deus fez a sua vontade, plano e metas serem conhecidos através dos mandatos pactuais que deu ao homem e à mulher. Eles foram informados e, por essa razão, sabiam o que era esperado que eles fossem e fizessem como representantes de Deus no reino. Através deste pacto, como um instrumento de serviço do reino, os vários aspectos do cosmos seriam colocados juntos em uma relacionamento harmonioso e integrado. Isto é, o macho e a fêmea foram instruídos quanto ao modo de se relacionarem um com o

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outro e com a sua descendência. Eles foram instruídos quanto ao modo de se relacionarem com o Senhor Criador e com o cosmos criado. A habilidade para ver a unidade, correlação e interdependência de todos estes relacionamentos foi dada a eles. Por exemplo, se o relacionamento deles na área social se tornasse forçado, uma tensão se desenvolveria entre eles, como também entre eles e Deus e entre eles e o cosmos. Resumindo, o pacto da criação, um vínculo de vida e amor, servia para manter todos os relacionamentos ordenados por Deus e suas dependências e enriquecimento mútuos. O pacto da criação era, também, um instrumento de garantia. Ele não somente dava vida e os meios para o serviço aos vice gerentes, como também dava a garantia de que eles estavam dentro da vontade e plano de Deus. O pacto, como instrumento, deu a eles o incentivo para realizarem as intenções de Deus. Ao homem e à mulher não foi dado somente a garantia de estarem dentro da vontade de Deus mas também a garantia de trabalharem efetivamente, eficientemente e em benefício do bem estar do reino cósmico e para a honra e glória do Criador e Senhor soberano do reino.

ÉDEN: O LUGAR PARA O PACTO DA VIDA

Deus incluiu no seu pacto, a provisão de um local único e específico para o homem e a mulher morarem e do qual procederia a influência do seu serviço como vice gerentes. O texto nos diz que [[wayyitta...gan-be eden meggeden]] (E plantou o SENHOR Deus um jardim no Éden, na direção do Oriente) (Gn 2.8).O texto tem o verbo que é traduzido apropriadamente como "plantar"; o pensamento básico é o de colocar pequenas árvores ou plantas no solo, a quais cresceriam, e então, se tornariam plantas grandes e maduras. Plantar implicava em planejar; Deus executou suas intenções quando preparou o lugar chamado Éden.O termo "'Éden" foi discutido extensamente. Carl Schultz escreveu uma dissertação boa e concisa sobre o termo.60 O esforço para encontrar a origem etimológica do termo não é recompensado. O pensamento geral, no entanto, é de que Éden se refere a uma planície entre os rios Tigre e Eufrates, perto da nascente do Golfo Pérsico; era uma área de muita fertilidade e uma lugar de deleite e prazer. Os profetas se referiram ao Éden como "o jardim do Senhor" (Is 51.3) e "o jardim de Deus" (Ez 28.13).Deus colocou o homem e a mulher no jardim do Éden. O jardim deveria ser seu lar; deveria ser o lugar de comunhão entre eles e Deus. Deveria ser seu lugar de trabalho. Do jardim e a partir dele, o serviço real de Adão e Eva influenciaria toda a criação que eles cultivavam e da qual se abasteciam e sobre a qual deviam dominar (Gn 1.26, 28: 9.7).O Éden, além disso, era um lugar de vida. O vínculo de vida entre o homem e a mulher e entre Deus e os seres humanos permaneceria intacto. Não existia separação e seus efeitos degenerativos resultantes. Resumindo, não existia morte no Éden. Isto é confirmado pelo fato de que, quando Adão e Eva quebraram a comunhão com Deus, eles foram expulsos do Éden, o jardim da vida. Deus, deste

6 0 Theological Wordbook of the Old Testament, 2:646-47; ver também R. Laird Harris, "The Mist--the Canopy at the Rivers of Eden", Journal of the Evangelical Theological Society 11:4 (1968), 177-180; também Johan H. Kroeze, Die Tuin Van Eden (Pretoria: N. G. Kerk Boekhandel, 1967), 20-24.

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modo, cumpriu sua palavra de que não permanecer dentro da sua vontade traria morte e separação.61

Assim como as ações pactuais posteriores de Deus, por exemplo, com Noé, Abraão e Israel, no começo, através do ato de dar um lugar no qual o homem poderia viver, receber bênçãos para vida, comunhão, crescimento, trabalho e experimentar alegria são evidências seguras de que Deus estabeleceu seu pacto com Adão e Eva no tempo da sua criação. De fato, as Escrituras nos revelam de que Deus foi um Deus pactual desde o começo de seu reino cósmico. Na verdade, o pacto foi feito para ser o instrumento do reino. Na alvorada da história, quando Deus trouxe o cosmos à existência, três fatores centrais foram revelados: o reino, o pacto e a humanidade, que deveria ser o agente, representante, mediador e executor do pacto da criação da parte de Deus, dentro do reino cósmico. Um conjunto destes três fatores--o reino, o pacto e o mediador--deve ser visto como o Mitte. Este conjunto dos três fatores forma o núcleo, o próprio coração e centro de organização, da revelação de Deus à humanidade. Várias visões a respeito do Mitte do Antigo Testamento tem sido sustentadas, revistas, aceitas e rejeitadas.62

A revelação do Antigo Testamento é, de fato, sobre Deus mas é, também, sobre o modo como Deus estabeleceu seu reino, como ele o administra e através de quem ele faz isto. A revelação escriturística nos revela, de fato, a obra redentora de Deus. Esta obra, no entanto, é em benefício do seu reino cósmico e é administrada, pactualmente, pelo seu mediador escolhido, o segundo Adão.

CRIADO PARA O ESCATON

DECLARAÇÃO NEGATIVA

Não existem evidências nas Escrituras, de que Deus criou o cosmos e a humanidade como parte dele para um período limitado de tempo (mesmo que muito prolongado). Antes, a Escritura, enquanto revela um tempo definido para o começo, não fala de um tempo quando o reino cósmico e a humanidade não mais existirão. De fato, fala de uma renovação mas não de um fim absoluto.

6 1 O debate corrente em vários círculos sobre a presença da morte antes da queda, nem sempre faz, distinções claras. Não existia morte no sentido de sangue de vida sendo vertido ou morte causando corrupção ou desagrado. Enquanto a vegetação passava por suas mudanças de estação, as flores tornavam-se em frutos e os frutos amadureciam, as folhas caíam e o homem e os animais comiam e digeriam a vegetação e os frutos, não há razão para se falar da morte de plantas. Não existe, certamente, base textual para a visão de que os seres humanos morriam. Antes, a vida era garantida em comunhão contínua com Deus.

6 2 Gerhard Hasel nos dá uma visão geral do Mitte do Antigo Testamento em Old Testament Theology: Basic Issues in the Current Debate, ver. ed. (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), 27-103. Depois de rever várias sugestões, incluindo pacto/reino, Hasel concluiu que não se pode alcançar um consenso. No entanto, ele prosseguiu dizendo que, por causa de um aspecto de Deus e/ou sua atividade para o mundo ou para o homem estar incluída nos centros sugeridos, a teocentricidade do Antigo Testamento deveria ser reconhecida. Ele concluiu que reconhecer a Deus como uma centro unificador dinâmico não conduziria para um centro organizador estático. (ibid., 101-02). Van Gemeren no entanto, decidiu que ele podia optar por um centro organizador mais limitado, a saber, Jesus Cristo (Redemption, 34). A mensagem de Cristo é, de fato, uma parte muito importante da revelação bíblica, mas é só uma parte dela; o reino de Deus e Cristo, que veio restaurar e consumar através do serviço como Mediador Pactual, são fatores de organização centrais e essenciais. A visão de Walter C. Kaiser é muito estreita; ver o artigo "The Centre of Old Testament Theology: The Promise", Themelios 10/1 (1974). Ver também Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1978), esp. 35-40.

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QUATRO FATORES ESCATOLÓGICOS

Nos relatos da criação, quatro fatores escatológicos são evidentes.63

Primeiro, uma consideração sobre o caráter de Deus deveria nos lembrar de que ele é eterno e imutável como o Criador e Governador soberano do reino cósmico (Sl 90.2; 93.2; 145.1,3). Sua intenção, vontade, plano e meta são tão imutáveis como ele mesmo é imutável. O testemunho das Escrituras é de que Deus não pretendia que seu reino durasse somente um tempo. Antes, seu reino é eterno assim como seu reinado sobre ele. Deus criou o reino cósmico com a intenção plena de que ele permanecesse para sempre. Por essa razão, a idéia do escaton é encaixada na intenção e criação efetiva do reino cósmico.Segundo, Deus não criou a vida humana à sua imagem e semelhança por um período curto de existência. Antes, Deus fez a humanidade para viver para sempre. A queda trouxe a morte física para a maioria (não para os vivos por ocasião da volta de Cristo) e morte espiritual para muitos. Mas, para que o propósito de Deus para a vida humana fosse alcançado, ele fez com que a regeneração fosse possível para uma multidão de crentes e, assim, sua intenção para uma vida perene (ou eterna) seria realizada. Novamente, o escaton estava encaixado no próprio ato da criação da vida humana. De fato, por causa do caráter e intenção de Deus e porque a vida humana foi criada para nunca ter um fim, a escatologia estava, inseparavelmente e integralmente, envolvida na criação.Terceiro, Deus deu o sétimo dia à humanidade. Era um dia para interromper o trabalho e a produção. Era também um dia que foi separado de forma importante. O texto nos diz [[wayebarek...wayeqaddes 'otô]] (e ele o abençoou e o santificou). Deus pronunciou sua bênção sobre ele; fazendo assim, ele fez com que o dia fosse um tempo de benefício para si mesmo e para a humanidade. Era um tempo para se alegrar sobre o trabalho realizado e por causa do tempo que provia para o enriquecimento da comunhão e, também, pelo modo como simbolizava, representava e preparava para uma celebração alegre e sem fim do trabalho realizado e da comunhão amorosa experimentada. Deus também declarou que este dia deveria ser santo. Este conceito não é sempre entendido propriamente, especialmente por aqueles que sustentam que Deus consagrou somente o sétimo dia. Esta visão implica em que somente o descanso do sétimo dia era completo e não sujeito a revelações posteriores. Nesta visão está implícito, se não declarado explicitamente, que, embora Deus tenha pronunciado que a criação era boa, não era completa, perfeita, sem defeito.64 Consequentemente, a criação, como era quando Deus descansou, continha morte, destruição, dor, tristeza e outras imperfeições. A criação, de acordo com esta visão, tinha a necessidade da 6 3 Dumbrell discutiu o "Fim no Começo" seguindo um esboço temático; os cinco temas que ele viu

sobrepondo a história com um lado no escaton eram a Nova Jerusalém, o Novo Templo, o Novo Pacto, o Novo Israel e a Nova Criação. Van Gemeren também considerou o fim como tendo seu começo na criação. Por causa da sua ênfase na redenção, ele viu a criação como um preâmbulo. (Redemption, 59-65). Esta visão da criação não releva o papel importante da criação na escatologia.

6 4 Ver, por exemplo, a discussão de Van Gemeren a respeito desta visão (Redemption, 61,64). Algumas das fontes a que ele se referiu, são conhecidas como tendo expresso visões similares (Thomas F. Torrance, Divine and Contingent Order [Oxford: Oxford University Press, 1981], 110; e também Westermann, Creation, 2:228-29). Brunner sustentou que a criação envolvia ou poderia ser considerada, basicamente, como redenção; esta visão está em harmonia com a idéia de que, embora a criação tenha sido pronunciada como boa, requeria atenção adicional para ser considerada inteira e, também, consagrada.

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redenção e da santificação. Esta visão pode ter sido desenvolvida num esforço para reconciliar os ensinos bíblicos com alguns postulados científicos sobre um cosmos em desenvolvimento através de muitas eras de tempo. O sétimo dia, no entanto, foi uma parte integral da criação. Ele foi o evento culminante. Ele tinha uma influência de capacitação. O descanso do sétimo dia significava que o que tinha sido feito, em cada um dos seis dias prévios, era bom e completo como Deus tinha pretendido. A santificação do sétimo dia falava da santidade do que tinha sido feito antes do sétimo dia. Toda a criação era boa e de acordo com a vontade de Deus; estava em harmonia com a intenção de Deus; era clara, completa e pacífica. Toda a criação e o homem e a mulher, que tinham sido criados à imagem e semelhança de Deus, estavam em um relacionamento imaculado com Deus. Eles eram devotados a Deus; eles estavam sem defeito ou mancha. Toda a criação se encontrava em um relacionamento de honra a Deus, com o seu Criador. Quando Deus abençoou e santificou o sétimo dia, ele pronunciou como abençoada e santa, toda a sua criação.Depois que Adão e Eva caíram em pecado, a bênção e a santidade do sétimo dia e dos aspectos do cosmos criados previamente, foram afetados severamente. Mas Deus manteve vestígios e poderes latentes destes. A obra redentora, que Deus iniciou imediatamente depois da queda, restauraria a bênção e a santidade do sétimo dia e de toda a criação. O descanso abençoado e santificado será recuperado e totalmente aperfeiçoado. Enquanto este processo é executado no contexto histórico, o povo de Deus é lembrado de que o que eles experimentam, na verdade, é um antegozo parcial, um tipo do que os espera na consumação. Por exemplo, a entrada de Israel na terra prometida deveria ser uma expressão e realização inicial deste dia escatológico de descanso (Dt 1.35; 9.5-11; Hb 4.1-11).Quarto, Deus pretendeu que o Éden fosse um lugar de alegria contínua para sempre. O Éden foi simbolizado pela terra prometida. O Éden será totalmente restaurado, não como a terra prometida, mas como o paraíso recuperado por ocasião da consumação.

SUMÁRIO

As Escrituras enfatizam, repetidamente, o caráter eterno de Deus e de seu reino, a natureza sem fim da vida humana, o descanso e o jardim. As Escrituras se movem a partir da criação em direção ao escaton. Os principais fatores que compõem a estrutura da escatologia são o reino cósmico, o pacto da criação e o agente/mediador do pacto, o primeiro Adão substituído pelo segundo Adão (ver Figura 3.2).

4

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O Registro Mosaico da Revelação na Criação

I. O Cenário HistóricoII. As FontesIII. O CaráterIV. O Propósito Escatológico

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4

O REGISTRO MOSAICO DA REVELAÇÃO NA CRIAÇÃO

De acordo com o testemunho da Bíblia, Moisés registrou, em escrito, o conteúdo de Gênesis 1 e 2, como também o restante do Pentateuco. Este livro não provê uma discussão detalhada dos aspectos literários destes capítulos (i.e., autoria, gênero, abordagens críticas e metodologias).1 Em vista das discussões recentes a respeito da autoria2 e propósito de Gênesis 1 e 2, discutiremos 4 assuntos: (1) o cenário histórico; (2) as fontes; (3) o caráter e (4) o propósito escatológico.

O CENÁRIO HISTÓRICO

Moisés escreveu o Pentateuco durante os últimos quarenta anos de sua vida. Este foi o período em que Israel foi liberto do Egito, gastou quarenta anos no deserto do Sinai e havia conquistado uma parte da terra prometida, a parte leste do Rio Jordão. Moisés, várias vezes, recebeu comandos de Deus para escrever (Ex 17.14; 34.27), e as Escrituras nos dizem que ele escreveu (Ex 24.4; 34.30; Nm 33.2; Dt 31.9, 22). Ele escreveu leis, registro de Deus pactuando com Israel, de experiências no deserto e canções. Não é registrado, explicitamente, que ele escreveu Gênesis; mas o testemunho das Escrituras é de que Moisés deve ser considerado o autor de Gênesis.3 Não existem razões válidas para se negar esta

1 Ver a introdução do capítulo 1, esp. N. 2. Notar também que, nos três capítulos prévios, em vários contextos, foram feitas referências explícitas e implícitas a Moisés como o escritor de Gênesis. Ver o meu ensaio "The Formation and Interpretation of Genesis", em Interpreting God's Word Today, ed. Simon Kistemaker (Grand Rapids: Baker, 1970), 11-50; "Interpretation of Genesis", Journal of the Evangelical Theological Society 13/4 (Outono/1970): 199-218, e comentários a respeito da autoria de Gênesis em Revelação Messiânica no Velho Testametno (Campinas: LPC, 1994), 98-99 checar páginas.

2 Alguns autores recentes não incluíram uma discussão da autoria e seu cenário histórico. Henri Blocher, em In the Beginning, trad. David G. Preston (Downers Grove: IVP, 1984), fala de uma texto inspirado de Gênesis (17) mas não faz referência a Moisés como o escritor inspirado. Ele se refere ao tempo de Moisés (39), Victor P. Hamilton, em Handbook on the Pentateuch (Grand Rapids: Baker, 1982), discute o conteúdo e a teologia de Gênesis-Deuteronômio, mas não se refere ao autor. Mesmo quando lida com Ex 24.4, que fala diretamente de Moisés escrevendo, Hamilton se refere a "seus (da lei) registros" (222). Allen P. Ross, Creation and Blessing (Grand Rapids: Baker, 1988), 24, faz uma referência breve à visão tradicional "de que Moisés escreveu Gênesis". Ele adiciona uma nota de rodapé de 12 linhas e recomenda aos leitores Gleason Archer, A Survey of Old Testament Introduction (Chicago: Moody, 1964) e R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1969) para uma abordagem conservadora, e Otto Eissfeldt, The Old Testament: An Introduction (New York: Harper & Row, 1965) para uma abordagem crítica.

3 Edward J. Young apresentou uma lista completa de referências no "resíduo do Antigo Testamento" e referências do Novo Testamento a Gênesis, por Moisés, em An Introductiion to the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1953), 47-51 --Citar o port.

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posição escriturística; razões para a negação, tais como a de que o povo não era capaz de escrever na época do êxodo, não são dignas de crédito. Arqueologistas tem sido capazes de determinar a antiguidade dos escritos até, pelo menos, 2500 a.C.4 Existem, no entanto, razões bíblico-teológicas sólidas para se sustentar a autoria Mosaica do Pentateuco. Moisés escreveu Gênesis 1 e 2 como uma parte integral do Pentateuco. Ele não o escreveu como um prólogo ou preâmbulo da redenção.5 Antes, Israel, para quem Moisés escreveu em primeiro lugar, tinha que ter um registro permanente, não somente do que Yaweh tinha feito por eles e para o Egito, mas do que Yaweh era e qual era o papel de Israel sob o reino de Yahweh enquanto ele realizava seu plano do reino cósmico. Moisés, sob a inspiração do Espírito Santo, não somente registrou o que Yaweh tinha feito ao redimir Israel, ele também registrou as verdades importantes e vitais a respeito da atividade soberana de Deus ao trazer seu reino cósmico e a humanidade, seus vice gerentes, à existência e ao seu serviço. Israel, os peregrinos no deserto do Sinai, tinham que aprender e sempre se lembrar de que o Deus soberano era Senhor sobre o deserto, sobre o Egito e sobre todas as nações que Israel estava para desapossar, da mesma forma como era o Deus soberano sobre toda a criação desde o seu começo. Os israelitas tinham que aprender e se lembrar de que sua existência no passado, presente e futuro era uma parte integral do plano e meta soberanos de Yaweh. No deserto, um povo sem um lugar fixo de residência e serviço, Israel recebeu a mensagem escrita da atividade de seu Senhor ao criar o reino cósmico, do qual eles eram uma parte e o qual deveriam simbolizar como um reino teocrático.6 Com estas verdades importantes em mente, o papel de outras histórias da criação com relação ao registro bíblico, pode ser discernido mais claramente.

AS FONTES

Quando o termo "fontes" é lido ou ouvido em relação ao Pentateuco, ou qualquer parte dele, a idéia que, imediatamente, vem à mente é a de fontes literárias. Este livro não irá discutir extensamente as teorias literárias relacionadas às fontes do Pentateuco, mas os seguintes comentários devem ser feitos.

4 Harrison, Introduction, 201-10. Ver também Ernst Wurthwein, The Text of the Old Testament, trad. Peter R. Ackroyd (Oxford: Basil Blackwell, 1957), 3.

5 Willem Van Gemeren escreveu em The Progress of Redemption (Grand Rapids, Zondervan, 1988) que "Criação, no sentido real, é o preâmbulo para a história da redenção" (40). Esta declaração faz sentido se considerarmos que o tema da Bíblia é Jesus Cristo e sua obra redentora. Não dá para negar que a Bíblia coloca muita ênfase nestes fatos mas a Bíblia apresenta uma mensagem do reino no qual a redenção tem um papel integral.

6 Essa verdade bíblica maravilhosa será explicada mais completamente no capítulo 11. Outras fontes que podem ser consultadas, sobre esta verdade importante, são William Dumbrell Covenant and Creation (Nashville: Nelson, 1984), no qual ele lida, extensivamente, com o lugar do pacto na realização da meta do reino de Deus (esp. Seu sumário, 199-200), e The End of the Beginning; Revelation 21-22 and the Old Testament (Grand Rapids: Baker, 1985). Ver também Meredith Klline Images of the Spirit (Grand Rapids: Baker, 1980) e seu "Kingdom Prologue", um sílabo não publicado de três partes (South Hamilton, Mass., 1986). Teses de mestrado escritas sobre o assunto incluem Michael Glodo, "The Typological Fucntion of the Narion of Israel Within the Stream of Progressive Revelation" (St. Louis: Covenant Theological Seminary, 1989); e Thomas F. Henry, "Covenant and Kingdom: A right Relationship" (St. Louis: Covenant Theological Seminary, 1989).

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A autoria Mosaica do Pentateuco, entendida no seu sentido tradicional, dificilmente permite a aceitação de várias das principais fontes literárias, como as que muitos estudiosos críticos acreditam como tendo sido disponíveis aos editores finais do Pentateuco. Enquanto é verdade que alguns escritores, evangelicamente orientados, tem tentado combinar a autoria Mosaica de pelo menos algum material do Pentateuco com o uso das principais fontes, suas tentativas não tem sido úteis.7 Existem alguns escritores contemporâneos eruditos como Keith W. Whitelam que, optando por uma abordagem sociológica do estudo da história de Israel, se referem às escavações dos estudiosos críticos do texto, à informação imprecisa da arqueologia e à base mal fundamentada do método crítico histórico que causou o abuso do texto e obscureceu a mensagem da Bíblia.8 Moisés tinha fontes disponíveis e fez uma referência a elas (Nm 21.14).9 Materiais foram apresentados a outras nações além de Israel.10 É sabido que vários estudiosos tem tentado dar evidência às cosmologias de várias nações, especialmente do Enuma Elish Babilônico, como fontes, em vários graus, para o(s) escritor(es) bíblico(s). 11

7 Ver C. Houtman, "The Pentateuch" em The World of the Old Testament, trad. Sierd Woudstra (Grand Rapids: Eerdmans, 1989), 166-198; e Gordon J. Wenham, Genesis 1-15 (Waco: Word, 1987), xxiv-xlv. Ambos os escritores optam por alguma forma de hipótese documentária suplementar, a qual expressa a teoria de que E foi a fonte principal e um grande número de fontes menores foram usadas para suplementar E.

8 Keith W. Whitelam, "Recreating the History of Israel", Journal for the Study of the Old Testament 35 (1986):45-70. Bruce Waltke, editor da seção de Antigo Testamento em The Best of Theology (Carol Stream: Cristianity Today, c.d.), vol. 2, escreveu na sua introdução (27) que ele, assim como Norman Whybray, concluiu que existe pouca evidência de que as narrativas Pentateucas foram formadas e transmitidas oralmente desde os tempo antigos. As visões de Whybray, cotadas por Waltke, foram publicadas em The Making of the Pentateuch: A Methodological Study (JSOT, 1987). Estas narrativas produzidas oralmente, supostamente consituíram alguns dos principais materiais contidos, particularmente, nas fontes J e E. Waltke também se referiu ao editor do Expository Times que entitulou uma dissertação de "Fareweel to JEDP" (98/10 [1987]:289-90).

9 P. J. Wiseman sugeriu que Moisés tinha fontes materiais disponíveis para escrever Gênesis em Discoveries in Babylon About Genesis, 7ª ed. (London: Marshall Morgan Scott, 1958). Ele considerou que o termo [[tôledot]] (geração) se referia a fontes separadas disponíveis para Moisés. Ver esp. 79-89. Vários escritores comentaristas tem levantado objeções às teorias de Wiseman, mas muitos dão alguma credibilidade à idéia de que Moisés tinha fontes escritas disponíveis, como sugerido pelo termo [[tôledot]].Note o quanto Wenham é indeciso: "o autor ou editor final de Genesis arranjou o material através da introdução da frase...esta é a história da família de..."(Genesis 1-15), xxii. Em adição aos comentários escritos recentemente, ver Marten H. Woudstra, "The Toledoth of the Book of Genesis and Their Redemptive-Historical Significance", Calvin Theological Journal 5 (1970): 184-89.

1 0 Ver Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament, ed. James B. Pritchard (Princeton: University Press, 1969) para histórias da criação extra bíblicas: Egípcia, 3-10; Suméria, 37-41; Acádia, 60-72, 99-100; Hitita, 120-26. Ver esp. Alexander Keidel, The Babylon Genesis (Chicago: University of chicago Press, 1942). Sua descrição do que ele percebia dos paralelos do Antigo Testamento tem um valor particular no nosso estudo. Ver também S. N. Kramer, Sumerian Mythology (Philadelphia: American Philosophical Society, 1944).

1 1 Ver a revisão de Heidel das três explicações possíveis para os traços da cosmologia Babilônica no relato de Gênesis (Babylonian Genesis, 130-39). Heidel rejeita a visão de que o relato bíblico foi desenvolvido (itálico de Heidel), gradualmente, a partir do Babilônico; ele também se diz falho na visão do porquê da incompatibilidade entre uma dependência limitada no Enuma Elish e a doutrina da inspiração (138-39).

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Moisés, e provavelmente muitos dos Israelitas, conhecia estes épicos e mitos antigos.12 Tenho gastado quatrocentos anos no Egito, tinha sido exposto à cultura e à religião egípcia. Existe evidência bíblica de que eles não somente conheciam mas estavam envolvidos em várias atividades religiosas relacionadas a estes mitos (Ex 32.4; Am 5.26-27). E, por causa da origem patriarcal de Israel no Vale Mesopotâmico e às interações culturais entre o Egito e as nações do leste, existe uma boa razão para se acreditar que os Israelitas sabiam mais sobre os deuses pagãos do que sabiam sobre Yaweh, o Criador e Governador soberano do cosmos. Depois que os Israelitas tinham sido liberto do Egito, eles se defrontaram com o desafio de ser uma propriedade exclusiva, um reino de sacerdotes e nação santa (Ex 19.4-6). Moisés, como seu líder espiritual, não estava somente tentando prevenir o povo de praticar a idolatria e seguir modos pagãos de vida. Sua tarefa era muito mais profunda; ele tinha que causar uma mudança radical na visão de deidade, cosmos, humanidade e o inter-relacionamento entre estes.13 De fato, eles tinham que aprender, acreditar e praticar a verdade sobre o Deus único e verdadeiro, o Criador do cosmos, seu governo soberano sobre tudo, como um Deus bom que os tinha criado à sua imagem e semelhança e que os tinha feito vice gerentes com ele.Moisés era consciente dos mitos pagãos, mas ele não os usou como fontes. Ele escreveu com um propósito definido em mente, a saber, remover das mentes e corações dos Israelitas os conceitos totalmente inferiores de deidade, cosmogonias e cosmologias nos quais estas deidades estavam envolvidas, a natureza do cosmos e a natureza e o papel da humanidade no cosmos.14

O CARÁTER

Os escritos de Moisés tem sido caracterizados de várias maneiras, num esforço para harmonizar as teorias científicas com os registros da criação. Em vez de discutir o que estes dois capítulos não são considerados como sendo (poesia artística e credo15), olharemos no modo como as Escrituras os apresentam.1 2 O termo "mito", como usado aqui, pode ser entendido em termos de ambas as suas definições, ampla ou

limitada. A definição ampla é "uma forma de expressão universal e necessária dentro de um estágio primitivo do desenvolvimento intelectual do homem. No qual eventos inexplicáveis eram atribuídos, diretamente, à intervenção dos deuses". A definição limitada: "Mitos são estórias sobre deuses, em distinção das sagas onde as pessoas ativas são humanas". Ver Brevard S. Childs, Myth and Reality in the Old Testament (London: SMC, 1960), 13-15. Nenhuma das visões de mito é compatível com o relato de Gênesis.

1 3 Ver o capítulo 3 de Heidel, The Babylonian Genesis. Wenham apresentou uma revisão breve mas concisa de algumas das diferenças radicais a despeito de alguns aspectos comuns, como a cultura contemporânea, aceitação de um mundo invisível sobrenatural e a crença de que existiam deuses que tinham controle sobre as ocupações humanas. Ele declarou, explicitamente, que as similaridades "entre o bíblico e o não-bíblico" eram obscurecidas pelas diferenças (Genesis 1-15, 47).

1 4 Wenham, referindo-se à dissertação de T. Jacobsen "The Eridu Genesis", Journal of Biblical Literature 100 (1981): 513, 529, mostrou que os relatos pagãos tinham um otimismo humanista sobre eles. Sua referência é, particularmente, à visão Mesopotâmica de que a situação humana estava progredindo cada vez mais a padrões maiores de virtude e realizações. O relato bíblico, ao registrar a queda que foi a causa do reverso trágico do que Deus tinha criado, apresenta a condição pecaminosa do homem como piorando cada vez mais, especialmente antes do dilúvio, e sem esperança, exceto pela misericórdia de Deus.

1 5 Claus Westermann, ciente do modo como estudiosos descreveram Gênesis 1 e 2 como um credo,

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Deus se revelou na sua atividade e produto criador; ele teve Moisés registrando isto como exatamente aconteceu. Consequentemente, Moisés, sob a influência inspiradora do Espírito, escreveu o que Deus fez enquanto se revelava e, fazendo isto, produziu um relato da atividade auto-reveladora de Deus como Criador.O registro inspirado da atividade criadora de Deus, a qual incluiu a revelação infalível a respeito do próprio Deus, do cosmos, da origem e papel da humanidade dentro do cosmos e, particularmente, do relacionamento da humanidade com Deus, foi dado como instrução divina.16 Moisés, nas breves declarações que registram as atividades de Deus, as avaliações de Deus, as intenções e os relacionamentos de Deus, apresentou realidades que Israel, e todos os leitores das Escrituras, tinham que se tornar cientes, conhecer, acreditar e viver por elas. Gênesis 1 e 2 não contém uma mera narrativa como são consideradas o relato da criação Babilônico e o relato do dilúvio Sumério. Gênesis 1 e 2 pode ser considerado como narrativa, no entanto, se for entendido, por esse termo, a idéia de apresentação de um relato do que aconteceu realmente no começo do tempo e no tempo. Mas este relato da criação, mesmo se considerado como sendo do gênero narrativo, apresenta verdades teológicas, cosmológicas e antropológicas que são parte da tecitura fundamental dos ensinamentos bíblicos. O ponto é: Gênesis 1 e 2 contém ensinamentos que apresentam a estrutura de toda a mensagem bíblica. Consequentemente, esta porção das Escrituras devem ser consideradas como instruções reveladas. Israel inicialmente e todo o povo tinha que responder a esta instrução escrita, com fé segura, aceitação de coração e submissão humilde.Estudiosos, em anos recentes, tem falado da função e caráter canônicos das Escrituras, dos livros que constituem as Escrituras e das partes destes livros.17

Fazer isto certamente não é incorreto se o termo "canônico" for entendido propriamente. A idéia do cânon se refere à autoridade que as Escrituras tem pela virtude de ser a revelação de Deus à humanidade. As Escrituras, como cânon, são os padrões de autoridade e verdade dados divinamente. Este caráter canônico não depende do reconhecimento humano ou uso das Escrituras como um padrão autoritário. Gênesis 1 e 2 são canônicos pela virtude da revelação autoritativa de Deus a respeito de si mesmo, do cosmos e da humanidade.

escreveu que ele não poderia ser considerado um artigo de fé. Ver Creation, trad. John J. Scullion (Philadelphia: Fortress, 1974), 5-6. Sua razão para rejeitar a idéia do credo, no entanto, não é aceitável; ele pressupôs a visão de que haviam existido novas formas progressivas e sucessivas da narrativa da criação.

1 6 A idéia de que Gênesis 1 e 2 é instrução divina e uma parte integral dela (i.e., mais do que um prêambulo ou prólogo) tem suporte pela sua inclusão no Torah. O termo é derivado do verbo [[yarâh]], que significa arremessar ou lançar, do qual deriva o substantivo Torah (direção, instrução, lei). Ver Paul R. Gilchrist, "Towards a Covenantal Definitiion of TORA", em Interpretation and History, ed. R. Laird Harris, Sevee Hwaquck, e J. Robert Vannoy (Singapore: Christian Life, 1956); "Tora é um conceito pactual tendo, primariamente, um propósito educacional de ensinar, instruir e, em segundo lugar, o sentido de "lei" (93). Em outras palavras, torah é para ser entendida como instrução autoritária divinamente revelada".

1 7 Brevard S. Childs, Introduction to the Old Testament as Scripture (Philadelphia: Fortress, 1979), tem feito da função e caráter canônicos de cada livro do Antigo Testamento, um fator principal no seu trabalho. Ver também Willem Van Gemeren, "The Canonical Perspective--God's Word to Israel", no seu The Progress of Redemption (Grand Rapids: Zondervan, 1988), 52-58. Parece ser incongruente falar de uma perspectiva canônica do relato da criação e se referir ao relato como o credo de Israel ou posição confessional "de que todo o mundo foi o trabalho artesanal de um rei maravilhoso" (58).

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O que Moisés escreveu em Gênesis 1 e 2 foi divino, autoritário e revelou a verdade. Israel recebeu este registro escrito para sua instrução, para que eles conhecessem, acreditasse, e o aceitassem como o registro da criação e canônico de Deus.18

O PROPÓSITO ESCATOLÓGICO

Nas últimas décadas, muitos estudiosos tem mostrado que Gênesis, como um todo, foi escrito com uma perspectiva futura em mente. Um escritor declarou esta verdade, deste modo: "A história da criação é, consequentemente, incompleta. Ela é caracterizada pela abertura para o futuro (i.e., envolve uma escatologia)."19

Não é por ser incompleta ou por existirem imperfeições inerentes na criação que inferem esta abertura para o futuro.20 Os termos [[tôb]] (bom) e [[tôb me'ôd]] (muito bom) nos previne de aceitar estas caracterizações da criação. Também, o relato da criação revela Deus, o Criador. No contexto da discussão dos escritos de Moisés do relato da criação para os Israelitas enquanto eles estavam no deserto do Sinai, os seguintes fatores devem ser enfatizados.Os Israelitas, defrontados com um futuro sem esperança, humanamente falando (Ex 2), tinham sido libertos do Egito através dos feitos maravilhosos realizados por Deus para quebrar a vontade e o poder do Egito. Subitamente existia um futuro para os Israelitas, uma porta aberta. Mas ela se abriu para o deserto. Enquanto estava no deserto, Israel tinha que receber um testemunho permanente de quem era o seu Deus, da realidade de que o deserto era parte do cosmos que Deus havia criado e mantinha, da verdade abençoada de que eles eram portadores da imagem de Deus e de que Deus tinha pactuado com eles para que fossem seus vice gerentes dentro do reino cósmico.Somado a estas realidades, uma perspectiva penetrante e abrangente tinha que ser dada aos Israelitas no deserto. Eles tinham que desenvolver uma visão do

1 8 Uma objeção comum é a de que Moisés não poderia ter escrito um material tão desenvolvido e teologicamente avançado e que Israel ,certamente, não estava preparado para ele e nem era capaz de assimilá-lo. R. Laird Harris, "Prophecy, Illustration and Typology" em Interpretation and History, está entre os estudiosos que tem enfatizado esta questão. Harris dirigiu a atenção especialmente para o uso das passagens do Antigo Testamento no Novo Testamento, as quais, no Novo Testamento pareciam dizer mais do que no Antigo Testamento. A questão que ele levantou foi: "Os escritores do Antigo Testamento escreveram melhor do que sabiam?" Sua resposta é de que isto poderia ser o caso considerando-se a inspiração. No caso de Moisés, ao escrever o relato da criação, no entanto, ele, tendo tido uma educação vasta e uma riqueza de experiências, entendeu a um grau extenso, o que tinha escrito e o que se intencionava comunicar.

1 9 Van Gemeren, Redemption, 65. Ver também as duas obras de Dubrell e as duas obras de Kline e o a tese de Th.M., não publicada, citada no n.6. Estas obras devem ser consideradas como um todo porque o movimento principal em pensamento é para o futuro.

2 0Van Gemeren sugere isto (Redemption, 40-65). Ele pode estar apoiando vários estudiosos que tem sustentado esta visão, como Thomas Torrance (Divine and Contigent Order [Oxford: Oxford University Press, 1981]), e Claus Westermann (Beginning and End in the Bible, trad. Keith Crim [Philadelphia: Fortress, 1972]).

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mundo.21 Eles tinham que ver todos os aspectos do mundo, incluindo eles mesmos, suas vidas e seu futuro, tão integrados e funcionando propositadamente quanto o plano de Deus era revelado. Eles tinham que considerar o passado--da libertação do Egito para trás, através das eras, até à criação. Eles também tinham que considerar sua situação presente. Além disso, coordenados com o passado e o presente, eles tinham que ter uma perspectiva superior e futura. A superior era para manter suas mentes e corações centrados no seu Deus e seu reino; a futura era necessária para mantê-los vivos para a meta escatológica de Deus. O relato da criação e vários outros fatores deram expressão concreta e um grande grau de realidade à perspectiva futura.Gênesis 2 trouxe o Éden diante dos Israelitas no deserto. O povo teve alguns relances vagos da vida no Éden quando vieram a Elim (Ex 15.27) e quando Yaweh os supriu com água doce (Ex 15.22-25), com maná e carne (Ex 16), e com água da rocha (Ex 17.5-6). Tais experiências deveriam ter estimulado, nos corações do povo, o conhecimento de que o Senhor que havia produzido o Éden, era seu Provedor e Mantenedor soberano. O Éden era o lugar onde havia existido um suprimento completo e rico de comida (Gn 1.29; 2.16). Lá, o homem e a mulher tinham interação livre e desembaraçada com todas as formas de vida animada, com pássaros, peixes e animais. Lá era o lugar de descanso. Embora eles tivessem que realizar suas tarefas, estas não tiravam parte daquele descanso. Na verdade, aumentavam a alegria do descanso e adicionavam à paz que reinava lá. No deserto, Israel tinha que ter a mensagem a respeito do Éden sempre disponível a eles e diante deles enquanto viajavam para a terra prometida. Aquela terra seria o estágio inicial na recuperação da criação renovada. Canaã seria uma lembrança das generosidades do Éden (considere o enormes cachos de uva e a abundância de leite e mel: Ex 3.8,17; 13.5; Nm 13.23-24,27; 14.8; 16.13; Dt 6.3; 11.9; 26.9, 15; 27.3; 31.20; 32.14; Js 5.6). Canaã, com o seu descanso, paz, vida desembaraçada com as criaturas e as generosidades para vida, seria o símbolo e um tipo de paraíso recuperado (Is 11.35; Ap 21-22).Gênesis 2 também trouxe diante dos Israelitas cansados que viajavam pelo deserto, a instituição do sábado. Assim como o Éden trazia à mente o espaço e o lugar, o sábado trazia à mente o senhorio de Yahweh sobre o tempo. Havia um tempo para atividades, havia um tempo para descanso. Assim como foi quando Deus completou sua obra criadora, assim seria no tempo da restauração e recuperação da criação renovada. O sábado e todas as festas sabáticas falavam do tempo para descanso do trabalho (Ex 20.8; Lv 16.29; 23.3,7,21,25,31,35), do tempo para se ter comunhão com Yahweh e louvá-lo de acordo com as suas exigências. O povo redimido deveria refletir no que seria a vida em Canaã, e mais integralmente e completamente no tempo de Yahweh, quando o sábado eterno estaria presente eternamente. Gênesis 1 e 2 falavam do Éden e do sábado mas no contexto de Deus estabelecendo seu vínculo de amor e vida com eles enquanto ouviam a leitura do registro escrito a respeito de terem sido criados à imagem de Deus, recebido o mandato cultural, e da organização de Yahweh para a vida social. De fato, eles

2 1 Albert M. Wolters em Creation Regained: Biblical Basis for a Reformational Worldview (Grand Rapids: Eerdmans, 1985) apresenta uma explicação útil do que significa e está envolvido na idéia da visão de mundo.

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foram lembrados de que Deus havia entrado em um pacto com eles. O nome pactual, "Yahweh", foi empregado diante deles não menos do que dez vezes. Seu Deus era o Senhor pactual. E o pacto, com todas as suas exigências, benefícios, promessas e garantias, foi colocado como uma segurança diante deles. Yahweh, o construtor do pacto, era e seria o mantenedor do pacto. Assim como ele se lembrava do pacto (Ex 2.24), como ele o cumpria na libertação do Egito (Ex 6-12), como ele o mantinha durante a sua experiência presente no deserto (Ex 16-18), assim ele o manteria. Eles foram assegurados de que assim como o pacto da criação era uma certeza, o pacto que prometia uma terra (Gn 12.1-3; 15.15; 17.8) seria mantido. E, assim como a terra que era um tipo e símbolo se tornaria uma possessão abençoada, assim seria o antítipo, na herança do mundo em sua glória repristinada (Rm 4.13; Ap 21-22). O pacto revelado em Gênesis 1 e 2 não deveria ser um fim em si mesmo. Antes, Israel no deserto tinha que ser lembrado de que era um instrumento de administração no reino eterno de Deus. Gênesis 1 e 2 trouxe à memória dos Israelitas de que Deus havia estabelecido seu reino mais resolutamente e para sempre (Sl 93) e, sobre o qual ele reinou e reinaria para sempre (Sl 95.3-5; 97, etc.). Esta revelação a respeito do reino de Yahweh Elohim tinha que ser colocada permanentemente diante do povo a fim de que eles pudessem entender, pelo menos a um certo grau, o que Yahweh estava fazendo quando trouxe Israel para si mesmo como uma possessão preciosa e o declarou reino, sacerdócio real, uma nação santa através do pacto da vida, obediência e serviço (Ex 19.4-6). Israel, como um "reino", serviria como um tipo de reino que estava presente, duraria para sempre, e que chegaria a uma expressão total no tempo da consumação.Concluindo, é bom lembrar que o Israel redimido, porém peregrino, necessitava de instrução a respeito de Yahweh Elohim, o Criador e Provedor soberano, como também a respeito do seu papel projetado divinamente como vice gerentes no reino cósmico, e sobre o vínculo pactual de vida e amor, com seus mandatos e promessas que Yahweh havia ordenado e estabelecido. Israel necessitava da instrução que daria a eles uma visão de mundo o mais abrangente possível, que daria a segurança das intenções e metas de Yahweh e seu papel nelas. De fato, esta instrução também teria uma função apologética; iria advertí-los contra a idolatria. Lembraria aos Israelitas sobre o seu papel no plano e atividades redentoras de Yahweh. Israel precisava desta instrução; eles precisavam tê-la ao alcance em todo e qualquer tempo. Deus moveu, informou e inspirou Moisés a escrever os relatos da criação.22

2 2 Leitores irão notar que a minha posição é radicalmente diferente do que alguns estudiosos tem escrito. Leo Scheffczyk, Creation and Providence, trad. Richard Strachan (New York: Herder & Herder, 1970), escreveu que porque a revelação do Antigo Testamento abre com um relato da criação, alguém poderia ter a impressão de que "o conceito da criação é a verdade principal da religião Hebraica, o ponto de partida para seu pensamento teológico" (4). Scheffczyk continua dizendo que não é assim porque os profetas pre-exílicos deram pouca importância à idéia da criação. Esta idéia foi formulada nos tempos pós-exílicos; consequentemente, foi um desenvolvimento tardio no pensamento do Antigo Testamento. Objeções maiores à posição de Scheffczyk incluem sua aceitação do Antigo Testamento como um registro do desenvolvimento religioso Hebraico e a redistribuição crítico-histórica do material bíblico de acordo com os desacreditados sistemas hipotéticos documentários.

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5 A Queda

Neste capítulo, a atenção será focada em Gênesis 2.8-3.7 e na queda.1 O termo "queda" é a forma tradicional de se referir à tragédia que aconteceu no Éden. Queda, no entanto, não é um termo bíblico. Nas Escrituras, quando uma referência é feita ao que Adão e Eva fizeram e o que aconteceu, os termos usados são [[abar berît]] (quebra do pacto), [['amartia]] (pecado), [[thanatos]] (morte),[[paraptomati]] (transgressão) (Rm 5.12, 15; 1 Co 15.21). Henri Blocher estava correto quando escreveu que queda não era um bom termo; ele preferia desvio, transgressão ou, melhor de todos, a quebra do pacto.2

Uma referência deve ser feita ao caráter histórico das pessoas e eventos citados nesta passagem. Aludimos, anteriormente, ao fato de que não temos a opção de considerar Gênesis 2 como um poema artístico, com símbolos e ilustrações imaginárias ou como um credo. O mesmo deve ser dito de Gênesis 3.1-7. O próprio texto, assim como o resto das Escrituras, não dá evidências para estas opções. A passagem sob consideração não é mitológica; nem inclui elementos mitológicos.3 Não dá para negar que existiram estórias mitológicas ou épicos que falavam das origens cósmicas, atividades do mal e de um dilúvio entre as nações do Oriente Próximo no segundo século a.C.4 Não é aceitável, porém, dizer que Moisés confiou nestes para informação, motivos e elementos literários. As diferenças em caráter histórico, meios literários de expressão e verdades teológicas são tamanhas que qualquer pessoa, comparando os relatos bíblicos e não bíblicos, compreende, imediatamente e conclusivamente, a superioridade e singularidade do relato bíblico. A única conclusão que pode ser tirada é de que se existe uma relação, esta é a da fonte comum da qual a não bíblica tirou e alterou grosseiramente o original por razões cosmológicas, religiosas ou sociais.

ADÃO E EVA NO ÉDEN

1 Deveria ser notado que neste estudo teológico, a organização da discussão não segue rigorosamente as partes distintas em Gênesis introduzidas pelas frases [[tôledôt]]. A principal razão para isto é que vários temas sobrepõem de uma seção [[tôledôt]] para outra.

2 Henri Blocher, In the Beginning, trad. David G. Preston (Downers Grove: IVP, 1984), 135-36. Escritores bíblico-teológicos como Gerhard Von Rad escreveram da incursão do pecado, a penetração do pecado, e o pecado se espalhando como uma avalanche. Ele também refletiu no fato de que embora existam muitas referências aos pecados cometidos em vários tempos e lugares, o pecado, especialmente o de Adão e Eva, não é falado em termos teoréticos ou teológicos. Tendo dito isto, ele usa o termo teológico "A Queda" para se referir à entrada e/ou a incursão do pecado. Ver Old Testament Theology, trad. D. M. C. Stalker (London: Oliver & Boyd, 1962), vol. 1, 154-60.

3 Von Rad declarou que não deve se dizer que a história é mitológica mas que contém material derivado de mitos antigos (Genesis, 154). Blocher, no entanto, foi definitivo. Ele admitiu que não era uma história ordinária; não era um mito pagão; era demasiadamente segura em harmonia e correta ( In the Beginning, 33).

4 Ver James Pritchard ANET: Enuma Elish, um relato Acádio do segundo milênio de Marduck, o deus Babilônico da ordem e origens cósmicas, também citado como o Creation Epic (60-73); Abrahasis, uma estória cosmológica Acádia que inclui a criação, o dilúvio e uma história primitiva (104-6); Gilgamesh, um épico a respeito do grande dilúvio (72-99); Enki and Ninkursag, um Paraíso mitológico (37-41).

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O texto bíblico é específico quanto à origem do Éden: [[wayyitta yehwâ elohîm gan-be eden miggedem]] (Deus Yahweh plantou um jardim no Éden, ao leste). O lugar citado é considerado como sendo o Vale Mesopotâmico entre as partes mais baixas dos rios Tigre e Eufrates. Mais importante do que o lugar exato é o que se segue: [[wayyasem sam 'et-ha 'adam]] (e lá ele colocou o homem). O homem que o Deus Yahweh havia formado foi colocado no seu lugar no cosmos. O jardim era bem estabelecido; tinha todos os tipos de árvores para que Adão tivesse comida (Gn 1.29; 2.16). Tinha abundância de água (quatro nascentes). Era bem suprido de recursos minerais (Gn 2.12). Era um lugar de beleza (Gn 2.9).O jardim do Éden era o lar do homem; desde que ele era uma pessoa real, portador da imagem de Deus e vice gerente pactual, o jardim era seu palácio e pátio real. Era o lugar em que o homem deveria cumprir o seu mandato cultural (Gn 2.15); que ele fez isto é evidenciado pelo fato de ter nomeado os animais de acordo com a sua natureza. O Éden foi o domínio real do homem, era seu reino.5

Este palácio e reino deveria ser também o lugar de comunhão com Yahweh e com a ajudadora que Yahweh havia lhe dado. Era para ser um local espiritual e social. Era o lugar onde o casamento e a vida familiar chegariam a uma expressão rica. De fato, era o cenário para uma vida pactual enriquecedora e completa.6 O jardim do Éden era, também, o lugar do conhecimento e da vida. Estes dois aspectos foram representados pelas duas árvores que Yahweh destacou.7 A árvore da vida, plantada no meio do jardim (Gn 2.9), teve, como entendido, uma função sacramental.8 Inicialmente, Adão e Eva não foram proibidos de comer dela. Uma vez tendo desobedecido, eles foram proibidos porque tinham perdido o direito de participar do "símbolo sacramental", a árvore que falava da vida contínua em cada aspecto e dava a eles a segurança a respeito desta vida. Este papel da árvore indicava que o homem e a mulher eram finitos; eles não possuíam vida e não foram assegurados da sua continuação em termos de seu próprio ser, potencial e desejo essencialmente independentes. Eles eram dependentes de Deus Yahweh que, tendo os criado, deu-lhes a vida (Gn 2.7) e continuaria a ser sua fonte constante de vida. É interessante notar que "a árvore" é citada nas Escrituras como um símbolo de vida, e em algumas circunstâncias, a garantia da vida (Sl 1.3; 52.8; 92.12; 128.3 [videira frutífera]; Pv 3.18; 11.30; Jr 11.16; 17.8; Dn 4.10; Ap 2.7; 22.2, 14,19). Comer da árvore é participar e ter a garantia da vida sem fim.O jardim era o lugar do conhecimento. A árvore é citada como [[ez hadda'at]] (a árvore do conhecimento). O verbo [[yada]] (saber) traz várias nuanças específicas: conhecimento racional, consciência geral, conhecimento empírico, conhecimento de outros através da comunhão e do saber pessoal íntimo como quando o macho

5 Ver a discussão de Meredith Kline "Kingdom Prologue", uma apostila não publicada (South Hamilton, Mass., 1986), 1:37-45.

6 Blocher aceita que o homem estava em uma relação pactual com Deus no Éden; uma razão básica é que o nome pactual "Yahweh" é usado (In the Beginning, 111-12).

7 John H. Kroeze, Die Tuin van Eden (Pretoria: N. G. Kerk Boekhandel, 1967), afirmou corretamente que as referências "da vida" e "do conhecimento do bem e do mal" não foram nomes botânicos, como terebinto e palma, mas antes referia-se ao futuro desenvolvimento da humanidade (22).

8 Gerhard Vos, Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1948), 29-33.

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e a fêmea se unem sexualmente. Todas estas nuanças estavam, indubitavelmente, presentes no jardim. Quando se fala da árvore como "do conhecimento do bem e do mal", geralmente se entende que a referência não é à consciência geral de vários conceitos. O homem era ciente do que era bom; de fato, ele experimentava isto diariamente. Estudiosos tem contendido sobre o significado específico da frase "conhecimento do bem e do mal" e não tem sido unânimes nas suas conclusões. 9 Kroeze acreditava que ela significava que o homem e a mulher "saberiam tudo".10 A frase provavelmente inclui um conhecimento empírico do mal pela submissão a ele e envolvimento nele. Wenham prefere a interpretação de que a frase "conhecimento do bem e do mal" se refere à autonomia humana e à auto-suficiência de conhecimento.11 Um fator essencial a ser entendido é o de esta árvore, cujo fruto foi proibido, representava o desejo expresso de Yahweh para o homem e para a mulher. Eles foram feitos cientes da verdade de que Yahweh, exercitando sua soberania, impôs limitações a eles. Isto significava que existiam experiências e aquisições possíveis em que a humanidade não deveria estar envolvida ou apoderar-se. Deste modo, Deus Yahweh estabeleceu um limite para as experiências de vida dos seus vice gerentes. Eles, conhecendo e gozando da bondade que era deles no Éden, não deveriam, em orgulho e auto-engrandecimento, desejar e procurar alcançar mais do que aquilo que lhes havia sido dado. Desejar, procurar alcançar e tomar o proibido resultaria em um esforço para ser como Deus (Gn 3.22). Isto, por sua vez, resultaria em alienação, separação, destruição e morte. Yahweh, que sabia, não empiricamente mas objetivamente como o conhecedor de todas as coisas, o que era a morte, advertiu ao homem e à mulher desta certeza caso eles desejassem, buscassem e tomassem o proibido.A esta altura, deveríamos considerar a questão que é indagada frequentemente: Existia morte no Éden antes da queda? Meredith Kline entendia que a humanidade poderia e tomou vida animal, e alguns animais comiam outros animais antes da queda.12 Quando Deus Yahweh advertiu ao homem e à mulher sobre as consequências de se comer da árvore proibida, dizendo que eles poderiam morrer, eles devem ter tido uma consicência do que Deus queria dizer quando disse "morrer". "Morte", no sentido de separação, fim de um processo, e deterioração, foi experimentada no jardim. O sol e a lua funcionavam como controladores das estações; o homem e a mulher podiam comer frutos e sementes. Estes fatores, certamente, implicam em que as árvores e a vegetação seguiam ciclos de crescimento. Eles produziam flores cujas pétalas caiam (separavam); seus frutos amadureciam e eram colhidos ou caiam (separavam); quando o fruto era comido, o processo digestivo causava deterioração. O próprio processo de vida envolvia separação no fim de um ciclo de crescimento; comer significava "consumir o que era"; a deterioração era necessária para que as

9 Ver a lista e Wenham e a avaliação das cinco interpretações (Genesis 1-15, 63-64).

1 0 Die Tuin van Eden, 24. Gerhard Von Rad, Genesis, trad. John H. Mark (London: SCM, 1956), também sustentava essa visão; ele enfatizou que a frase não deveria ser considerada "mesmo no sentido moral", mas simplesmente, "tudo"(79).

1 1 Genesis 1-15, 63-64. Ver também Kline para esta visão (81).

1 2 Ibid., 42-43.

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pessoas e os animais pudessem viver. Dizer, no entanto, que o sangue, portador e personificação da vida (Lv 17.11), foi vertido é dizer mais do que o texto bíblico autoriza. Mas a possibilidade deste derramamento da sangue da vida, a separação do sangue, fôlego, e carne (morte física), o distanciamento de pessoas, a quebra da comunhão, a cessação do processo da vida e exercício do amor foram enfatizados: [[kî beyom 'akaleka mimmennû môt tamût]] (porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás). A forma absoluta infinitiva de [[môt]] com o qal imperfeito acentua a ênfase. Foi uma declaração de certeza absoluta.Adão e Eva no Éden eram vice gerentes pactuais. Eles tinham grandes privilégios vivendo e servindo na "casa do trono e domínio real" de Deus Yahweh. Mas eles não deveriam ser como Deus, ou desejar e buscar ser "deuses". Yahweh colocou limitações sobre eles e diante deles. Este fato era da própria essência de um pacto feito unilateralmente por um Mestre soberano. Adão e Eva eram limitados no uso dos frutos do jardim; eles receberam parâmetros para a sua comunhão com Yahweh. Eles receberam instruções a respeito da vida familiar e social; o homem deixaria seus pais, quebraria aquela ligação íntima a fim de apegar-se intimamente à sua esposa. O homem seria uma só carne com uma mulher para vida. Mais, o homem foi feito ciente de que a companheira, ajudadora, uma parceira geradora de vida, não poderia ser tomada do mundo animal (Gn 2.19).Os vice gerentes, em comunhão e serviço pactual com Yahweh, receberam a oportunidade de responder ao seu Senhor de tal maneira que pudessem exercitar a liberdade dentro das limitações estabelecidas, demonstrar suas prerrogativas e potencialidades reais dentro das diretrizes recebidas, e gozar da bondade (bem aventurança) e paz que a vida Edênica e o serviço ofereciam. Este não foi um período de experiência; o homem e a mulher foram exortados e receberam a oportunidade de serem o que Yahweh os tinha feito para ser. Não existia um pacto de obras,13 um arranjo pelo qual o homem e a mulher se tornariam meritórios pelo fazer ou trabalhar. Eles não tinham nada para merecer; pela bondade de Deus eles eram seu povo pactual, membros da sua família real, dotados com potenciais e possibilidades de serem agentes efetivos e produtivos no reino cósmico que estava para revelar-se de várias formas, constantemente enriquecedoras. Esta revelação aconteceria enquanto Deus Yahweh o dirigia e os vice gerentes cooperassem cumprindo seu mandato pactual tríplice. Adão e Eva eram os representantes pactuais de Yahweh. Como vice gerentes, eles representavam seu Rei soberano no seu reino cósmico. Seu status, prerrogativas, responsabilidades e bênçãos eram tais que eles, de fato, ocupavam a mais alta posição e recebiam privilégios reais como nenhum outro ente criado. Eles receberam responsabilidades sobre cada faceta da vida. Eles deveriam governar com Yahweh sobre tudo o que tinha sido criado. De fato, eles estavam na mais alta posição possível no reino cósmico de Yahweh. Todos os aspectos da criação, todas as leis e todas as funções, como ordenado e estabelecido por Deus Yahweh, estavam no lugar. Adão e Eva foram designados, não para serem co-criadores, mas vice gerentes com Yahweh. Deste modo, Deus preparou e iniciou o processo de revelar seu desígnio maravilhoso para e dentro do reino cósmico. Ele estabeleceu e iniciou o processo da história.1 3 Ver a discussão de O. Palmer Robertson em O Cristo dos Pactos (Campinas: LPC, 1997), 54-57 checar

pags.; e William J. Dumbrell, Covenant and Creation (Nashville: Nelson, 1984), 44-46.

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SATANÁS E O MAL

O texto bíblico oferece pouca informação sobre a origem de Satanás e a fonte da sua habilidade, poder e influência. O texto bíblico também não oferece informação explícita a respeito da origem do mal. A Bíblia fala, freqüentemente, da presença do mal e seus efeitos assim como de Satanás e suas atividades e os efeitos destas.Satanás não é citado diretamente em Gênesis 3.1-15. De acordo com o texto, a serpente conversou com Eva (Gn 3.1-2, 4). Deus se dirigiu à serpente e falou diretamente com ela quando disse que a serpente seria amaldiçoada sobre todos os animais, rastejaria sobre sua barriga e comeria pó todos os dias da sua vida (Gn 3.14). A serpente, com sua natureza perspicaz, havia cooperado com o tentador e, por essa razão, foi amaldiçoada. Mas o que Deus prosseguiu dizendo sobre a inimizade, esmagamento e ferida, embora aplicado à serpente, foi dirigido mais especificamente ao que havia usado a serpente. A relação íntima na tentação entre a serpente e o tentados é enfatizada quando as Escrituras falam de Satanás como a serpente (Ap 12.9, 14-15; 20.2). Isaías, indubitavelmente, fez a conexão direta quando falou do dragão (leviatã), a serpente sinuosa que seria punida (Is 27.1).A palavra [[satan]] (satanás) não aparece freqüentemente na Bíblia. O texto informa que Satanás apareceu quando Deus se reunia em conselho com seus servos angelicais (Jó 1.6-12; 2.1-7). Davi requereu que Satanás se colocasse à mão direita dos seus inimigos perseguidores como o adversário ou acusador (Sl 109.6). É interessante notar que Davi era bem ciente de Satanás e seus meios.14

Zacarias, na quarta visão, viu Satanás na corte celestial acusando a Josué, o sumo sacerdote (Zc 3.1-2). Nos Evangelhos, Satanás é citado repetidamente. Ele é o tentador de Jesus no deserto (Mt 4.10; Mc 1.13; Lc 4.8). Quando Jesus falou de sua morte, ele usou o termo para se dirigir a Pedro (Mt 16.23; Mc 8.33). Ele é tido como um senhor entre os tentadores e adversários (Mt 16.23; Mc 3.23, 26; Lc 11.18). Satanás buscou, continuamente, influenciar e usar várias pessoas: ouvintes do evangelho (Mc 4.15), membros da igreja (At 5.3; 1 Co 7.5; 2 Co 2.11), Paulo (At 26.18; 2 Co 12.7; 1 Ts 2.18; 2 Ts 2.9), Pedro (Lc 22.31), Judas (Lc 22.3), João (Jo 13.27; 1 Tm 5.15; Ap 2.24). Ele procurou destruir Jesus, o filho da mulher (Ap 12.1).Satanás, de acordo com as Escrituras, é o mestre tentador; ele é o adversário e acusador do povo de Deus; ele é o grande oponente de Jesus, o Messias; ele é aquele que será expulso para sempre (Jo 12.31; Ap 20.10) depois de ser amarrado (Ap 20.2) e esmagado (Rm 16.20). As Escrituras também deixam claro que Satanás será continuamente ativo, a um certo grau, até ser lançado finalmente no inferno (1 Pe 5.8). De fato, existe muita prova escriturística para dizer que foi Satanás quem tentou Eva e Adão no Éden, quem se opôs a Deus e buscou ganhar todo o cosmos para si mesmo.15

1 4Este fato pesa contra a opinião de que a idéia de Satanás surgiu dentro do pensamento Israelita proveniente das religiões persas do Maniqueismo e Mitraismo, durante o últimos anos do exílio e anos subsequentes. Os estudiosos que consideram Gênesis 3 como um documento sacerdotal, escrito após o exílio, acreditam que tem razões para esta visão da origem de Satanás na religião Hebraica.

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A origem de Satanás nunca é citada diretamente ou indiretamente nas Escrituras. Henri Blocher fez bem em prevenir os exegetas, teólogos e filósofos para não darem uma posição chave à queda de Satanás em algum sistema mas, ele afirmou, "por razões da teologia bíblica, devemos afirmar a queda de Satanás".16

Ele está correto: devemos afirmar a queda de Satanás. Deus não criou Satanás como Satanás. As Escrituras são enfáticas na negação de que Deus é a fonte do pecado, do mal e de Satanás que personifica o mal. Deus odeia o pecado. Ele, como um Deus santo, não tolerará o mal. Isto faz com que a questão sobre a origem de Satanás se torne muito difícil de se responder. Existem algumas referências bíblicas que sugerem quem era Satanás e o que se tornou.Satanás era um dos anjos a quem Deus criou quando os céus foram criados.17 Ele pode ter sido um dos arcanjos como Miguel, o guerreiro (Jz 9; Ap 12.7; ver também Dn 10.13, 21; 12.1) e Gabriel, o mensageiro (Dn 8.16; 9.21; Lc 1.19, 62). O nome original de Satanás pode ter sido Lúcifer (Is 14.12), mas isto não pode ser confirmado. Das suas atividades pode-se concluir que ele era muito instruído, poderoso e capaz como administrador. Ele é tudo isto pela virtude de Deus em criá-lo dessa forma. Parece apropriado, então, considerar Satanás como um arcanjo que recebeu a tarefa de ser o administrador entre a multidão de anjos para as suas atividades. Tal arcanjo administrador tinha um papel e estava numa posição em que poderia desafiar a preferência do Deus Yahweh em fazer de Adão e Eva, seus vice gerentes no reino cósmico. Ao desafiar a Deus, em auto-confiança e orgulho, ele se tornou o adversário de Deus;18 ele se tornou Satanás.19

1 5 Walther Eichrodt concorda com A. B. Davidson, que crê que Satanás não pode ser identificado com os demônios. Antes, ele é um membro da corte celestial de Yahweh e está prestando um serviço a Yahweh quando chama a atenção ao fato de a fé de Jó necessita de um teste (Jó 1-2); e Josué tinha que ter alguém mostrando sua condição vil. Eichrodt admite que Satanás tenha se tornado uma adversário no pensamento Hebreu no quarto século a.C., quando 1 Cr 21.1 foi escrito, no relato de Satanás tentando a Davi. Ver Theology of the Old Testament, trad. John A. Baker (Philadelphia: Westminster, 1967), 205-9. A. B. Davidson, no entanto, afirma com convicção que "Satanás é servo de Jeová e a idéia é de que ele é zeloso pela honra de Deus em vez de ser um inimigo escarnecedor e dissimulado do próprio Jeová". Ver The Theology of the Old Testament (Edinburgh: T. & T. Clark, 1952), 300-306.

1 6 In the Beginning, 42.

1 7 Billy Graham escreveu uma introdução para seu livro Angels: God's Secret Agents (Garden City: Doubleday, 1975) que quando decidiu pregar sobre anjos, ele quase não encontrou material sobre o assunto na sua biblioteca e pouco estava disponível em outros lugares (ix). Abraham Kuyper escreveu um livro útil, De Engelen Gods (Amsterdam: Hoveker & Warmser, sem data). Guy B. Funderburk não registrou obras específicas sobre anjos na sua bibliografia (Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible, 1:166), e Andrew Boling cita somente uma dissertação de Funderburk no ZPED na sua dissertação sobre [[mal ak]] no Theological Wordbook of the Old Testament.

1 8 Abraham Kuyper se refere a Satanás como o vorstelijke engel ("anjo principesco") que, com seus seguidores, desertou e se tornou o oponente de Deus (De Engelen Gods, 106).

1 9 Muitos livros tem sido escritos sobre Satanás. Ver Ruth Nanda Ashen, The Reality of the Devil (New York: Harper & Row, 1972); Lewis Sperry Chafer, Satan (Grand Rapids: Zondervan, 1919, reedição 1973). Chafer entendeu que na queda de Satanás, a terra se tornou inútil e em ruínas (Gn 1.2). Ele também cita Is 24.1; Jr 4.3-26; e Ez 28.11-19 como corroboração. Nicolas Corte escreveu em Who is the Devil, trad. A. K. Pryce (New York: Hawthorn, 1958) que "Satanás era um anjo, o mais inteligente, o mais poderoso e o mais obstinado") (12). A. De Bondt, De Satan (Baarn: Bosch & Keuning, sem data) resumiu muito do que os estudiosos holandeses (e.g., Abraham Kuyper, Gerhard Aalders, Arie Noordzij, C. W. Grosheide, Valentine Hepp, e outros) escreveram na primeira metade do século vinte. De Bondt discute todos os nomes que aparecem na Bíblia para caracterizar Satanás (esp. 61-85, 118-56); ele discute o papel e a influência de

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De Bondt escreveu sobre o ódio intenso que Satanás revelou contra Deus quando Deus se opôs a ele, o limitou em suas atividades, e revelou seu verdadeiro caráter e intenções diabólicas.20

A origem de Satanás, a rebelião, e o caráter dão uma resposta à questão da origem do mal. A maioria dos estudiosos bíblicos e dos teólogos concordam que o mal surgiu com a rebelião de Satanás. Mas, existem vários problemas envolvidos nesta resposta. Um dos problemas é com relação ao papel de Deus a respeito da origem do mal. De Bondt, em seu sumário, afirmou como sua primeira conclusão, que o Antigo Testamento dá a forte impressão de que Deus fez tudo: "Zoewel het kwade als het goede heeft een plaats in de God's regeering." (O mal, assim como o bem, teve um lugar no governo de Deus). Satanás é a causa secundária depois de Deus.21 John Hick pesquisou várias respostas à questão da origem e natureza do mal. Ele deu muita atenção à visão de Agostinho de que o mal era a ausência do bem mas indicou que tinha restrições a respeito desta visão.22 Hick também concluiu que Calvino não lidou com todas as evidências de uma forma equilibrada, resultando no fato de que o amor de Deus é restrito na doutrina de Calvino assim como a relação de Deus com o mal.23 De acordo com Hick, Freidrich Schleiermacher explicou o caso corretamente. De acordo com as testemunhas

Satanás no mundo angelical (86-100), e as atividades de Satanás contra Cristo e a igreja (157-261), mas evita explicar a origem de Satanás. Michael Green, no seu I Believe in Satan's Downfall (Grand Rapids: Eerdmans, 1981), começou contestando a visão de Rudolph Bultmann de que a idéia de um Satanás tinha que ser desmitologizada. Green examinou sete considerações que sustentam sua crença em um demônio pessoal (15-29). F. J. Huegel, em That Old Serpent--the Devil (Grand Rapids: Zondervan, 1954), se refere a Satanás como um indivíduo diabólico que é um querubim caído como simbolizado pela queda do rei da Babilônia em Is 14.9-15 (19-25). Frederick C. Jennings, em Satan: His Person, Work and Destiny (Glasgow: Pickering & Inglish, sem data), expõe uma hipótese favorável sobre Satanás como o "querubim da guarda" em Ez 28, porque o que é atribuído ao rei de Tiro não poderia ser dito de um homem (31-56); para ele, Satanás é Lúcifer (Is 14) (59). James Kallas, em The Real Satan: From Biblical Times to the Present (Minneapolis: Augsburg, 1975), deu ênfase à influência de Satanás por meio da imitação. A obra recente de quatro volumes de Jeffrey Burton citada por H. A. Kelly como uma "história do demônio" esplêndida trazida para os nossos dias. Ver o seu artigo crítico no Journal of Religion 67/4 (Out. 1987). Kelly considerou Russell como sendo muito dependente da série de conceitos Junguianos no seu primeiro volume (510). Ambos, Kelly e Russel, refletem uma forte confiança na abordagem hitórico-crítica literária do Antigo Testamento a qual, na minha visão, deprecia, consideravelmente, o valor dos seus escritos. Os quatro volumes de Russell publicados pela Cornell University Press são The Devil: Perceptions of Evil from Antiquity to Primitive Christianity (1977); Satan: The Early Christian Tradition (1981); Lucifer: The Devil in the Middle Ages (1984); e Mephistopheles: The Devil in the Modern World (1986). Em uma entrevista a Christianity Today, Russell afirmou que ele era pessoalmente aberto à possibilidade de um demônio pessoal porque ele acredita que "existe alguma força acima da personalidade humana individual...existe alguma força que nos puxa, como raça, para o mal". Esta força ele "chamaria de Demônio" (Christianity Today 34/11 [Ago. 20, 1990]: 22).

2 0 De Satan, 45-47.

2 1 Ibid., 111.

2 2 John Hick, Evil and the God of Love (New York: Harper & Row, 1966), 43-95. Avaliações da visão de Agostinho sobre a origem, a natureza e a influência do mal, continuam sendo escritas. Ver, e.g., J. Potocil Burns, "Augustine on the Origin and Progress of Evil", Journal of Religious Ethics 16 (1988): 28-55; G. R. Evans, Augustine on Evil (Cambridge: Cambridge University Press, 1982). Evans colocou sua discussão no contexto da autobiografia de Agostinho, a qual reflete seu envolvimento Maniqueista e sua tendência filosófica.

2 3 Evil, 123-32.

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bíblicas "a responsabilidade final...para o mal...jaz sobre o próprio Deus".24 Outros escritores tem explicado o caso em outros termos. Louis Berkhof afirmou, forte e corretamente, que o mal moral no mundo é o pecado, e Deus não pode ser considerado como o autor deste no sentido de que Deus é a causa do pecado. Berkhof apelou às passagens bíblicas (Dt 25.16; 32.4; Jó 34.10; Sl 5.4; 11.55; 92.16; Is 6.3; Zc 8.17; Lc 16.15; Tg 11.13).25

Um outro problema relaciona-se à origem do mal/pecado dentro de um ser criado por Deus que não era mal mas parte de uma cosmos muito bom. Este problema não pode ser resolvido baseado em qualquer ensino bíblico explícito. Relativo a tudo que pode ser dito, está o fato de que a Satanás, criado como arcanjo principesco, foram dados muitos dons quando foi criado. Satanás tinha as pontencialidades e a liberdade, como criatura de Deus, para se rebelar contra Deus, para se opor a ele em seu reino, e para buscar ganhar o controle do reino cósmico de Deus.O que pode ser somente deduzido das Escrituras é que o pecado e o mal surgiram no mundo angelical. Jesus Cristo provavelmente insinuou isto quando disse que o diabo era um assassino desde o começo (Jo 8.44). João se refere à origem do pecado e do mal quando escreveu que Satanás peca desde o começo (1 Jo 3.8). Isto pode ser dito com certeza: Satanás apresentou o pecado e o mal a Adão e Eva e, consequentemente, o introduziu dentro do mundo bem feito e ordenado da humanidade.26 Uma questão que tem ocupado muitos exegetas e teólogos é a relação entre o pecado e o mal. O mal tem sido considerado, geralmente, dividido em duas categorias.27 O moral ou mal espiritual é a condição da criatura de Deus que,

2 4 Ibid., 234-40. Ver também 69-70. Hick escreve que Deus planejou a compatibilidade do mal com a "perfeição equilibrada" do universo (75); Deus é, em última análise, responsável pelo pecado e miséria da legião de almas perdidas "porque é uma condição necessária" de livre escolha de Deus" (119). Mas Hick também concorda que Deus não é a causa do pecado do homem.

2 5 Louis Berkhof, Systematic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1949), 220. Gerhard C. Berkouwer não fala do problema de uma forma concreta em seu De Zonde (Kampen: Kok, 1958); mas escreveu na conclusão do capítulo 1 que a igreja, através das eras, rejeitou com grande unanimidade a idéia de que o pecado (o mal), em última análise, tem sua origem em Deus (19). João Wesley afirmou que Adão foi a primogenitura e a cabeça federal da humanidade; através de Adão, o pecado recaiu sobre todas as pessoas. Consequentemente, Wesley sustentou a doutrina do pecado original. Ele também considerou que Adão e Eva, pela desobediência e mal uso da liberdade, foram responsáveis pela origem do pecado e do mal no mundo; a responsabilidade não é de Deus. Ver John Changnahn, "Adam's Fall and God's Grace: John Wesley's Theological Antrhropology", Evangelical Review of Theology 10/3 (1986): 205-13. George D. Chrysides, considerando que a visão tradicional apresentava muito problemas, postulou a idéia de que uma reconsideração de Deus (ele mesmo) é mais útil do que uma discussão contínua da natureza do pecado e do mal. Sua sugestão é de que consideremos Deus não como uma pessoa existente "à parte do universo e em cuja existência o universo depende". "Deus é, antes, um princípio que domina o universo--uma fluência natural das coisas". Desde que Deus não é uma "pessoa desincorporada", ele não pode ser acusado de introduzir o pecado e o mal. Ver "Evil and the Problem of God", Religious Studies Review 23/4 (1987): 467-75.

2 6 Thomas F. torrance, Divine and Contigent Order (Oxford: Oxford University Press, 1981). Torrance discute, a um certo grau, "a necessidade do mal" de acordo com Tomás de Aquino, seu caráter contrário ao ser e à bondade dentro do universo ordenado criado (87, 107).

2 7 Theodore Plantinga, Learning to Live with Evil (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), articulou um terceiro tipo de mal. Ele adiciounou o mal demoníaco, "que cai dentro do domínio do mal moral" (7). Na sua elaboração do mal demoníaco, Plantinga discutiu a origem do mal com Satanás e seus meios de executá-lo (25-33).

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tendo sido criado como boa, se rebela e torna-se um oponente desafiador. O ódio, a inveja e a malícia controlam a mente, o desejo e o coração. Os relacionamentos estabelecidos em amor para vida são quebrados. As tarefas e as responsabilidades são rejeitadas e planos e métodos contrários são produzidos e realizados. O engano e a mentira prevalecem nos corações dos maus. O mal natural ou mal físico se refere, primariamente, às consequências do mal moral. A separação na vida, de várias formas, é vista como experiências ruins (ou más). As privações, sejam elas na natureza como a contenção da chuva ou da luz solar, ou necessidades para a vida normal como a falta de saúde, são referidas como mal. Guerras e desastres como terremotos ou tempestades de vento também são consideradas como mal.O mal moral tem sua origem em fontes diferentes de Deus. Mas Deus ocasiona e/ou controla as conseqüências do mal moral, o mal natural e físico. Nunca devemos nos esquecer que, debaixo do controle de Deus, Satanás e as forças demoníacas podem causar o mal natural. As ações pecaminosas na vida também podem resultar em mal natural e físico. Mas, devemos nos lembrar em todo o tempo que Deus é o Mestre sobre a morte, sobre a vida, em todas as suas exigências e vicissitudes. Deus fala repetidamente, através de seus porta vozes e escritores inspirados, que ele trará e traz a espada, a fome, a pestilência e a destruição, freqüentemente por intermédio de alguma nação designada. Considere a advertência de Moisés quanto ao fato de que Yahweh traria maldições sobre o povo escolhido se e quando ele se tornasse moralmente mal (Dt 11.17-18; 25.15-26; 28.15-68). Considere, também, a pergunta retórica de Amós: "Sucederá algum mal ([[ra a]]) à cidade, sem que o SENHOR o tenha feito?" (Am 3.6 RA).O conceito de pecado é inseparável do mal.28 O pecado é um ato de desobediência expressa contra a autoridade legítima. Pecados são atitudes, pensamentos e ações de desobediência. O pecado tem as suas raízes no mal; o mal moral se expressa através de atos de desobediência, rebelião, ódio, inveja, destruição e assassinato.29 O mal e o pecado penetraram no Éden; isto não aconteceu porque eram entidades, forças ou influências objetivas ou essenciais. Suas origens estão nos aspectos da criação que são espirituais, morais e livres--anjos, querubins e seres humanos. Deus Yahweh colocou Adão e Eva no Éden. Satanás tinha livre acesso

Certamente é verdade que o mal demoníaco é de uma natureza muito radical e que o mal da humanidade, derivado e influenciado por ele, dificilmente pode ser comparado como tendo a mesma intensidade.

2 8 James Orr, em Sin as a Problem of Today (New York: Eaton & Mains, sem data) escreveu que "o pecado é uma experiência do coração...o pecado--mal moral--é uma seção de um problema maior do mal, geralmente no universo. Mas é a parte mais severa de todas" (2).

2 9 Os vários comentários e obras sistemáticas e bíblico-teológicas se referem aos problemas do pecado e do mal, discutidos acima, de vários modos e em vários graus. Referências que não foram citadas antes mas que foram consultadas incluem Charles Conn, The Anatomy of Evil (Old tappan: Fleming H. Revell, 1971), que iniciou sua obra discutindo "A Intenção de Satanás"; Norman L. Geisler, The Roots of Evil (Grand Rapids: Zondervan, 1978), que examinou várias alternativas para a resposta Crsitã com relação à origem do mal e chamou a atenção ao fato de que cada alternativa tem fraquezas mais devastadoras do que quando a resposta Cristã é considerada; François Petit, The Problem of Evil, trad. Christopher Williams (New York: Hawthorn, 1959), que, como um escritor católico, discutiu os dados do Antigo Testamento, Novo Testamento e da tradição (29-77) e incluiu três capítulos sobre os benefícios do mal, sua prevenção, sua reparação e seu poder aperfeiçoador (99-116), particularmente com relação ao sofrimento (131-46).

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ao Éden em virtude de ser um anjo e da sua posição no cosmos. Satanás, por não ter recebido o status e as prerrogativas reais no Éden ou com relação ao cosmos, não foi capaz de introduzir o mal e o pecado dentro dele diretamente. Ele foi lançado do céu como seu centro de atividade porque Deus Yahweh não tolerava o mal que Satanás havia se tornado em seu ser, atitudes e atividades.30 Como o banido, Satanás se empenhou em ganhar o controle do cosmos e, consequentemente, ganhar uma esfera de ação objetiva na qual poderia dar expressão à sua natureza corrupta e exercitar seus poderes satânicos (adversários) e maus. O modo para se obter controle sobre todo o cosmos era entrando no Éden. Satanás percebeu que para ganhar a influência no Éden e, consequentemente, introduzir o mal e o pecado dentro dele e, desse modo, em todo o cosmos, ele teria que ganhar o controle e a influência penetrante sobre os vice gerentes qualificados e designados por Deus Yahweh, no Éden. Satanás entrou no Éden como um intruso maligno com o projeto de se entronizar e tornar-se o mestre dos seres humanos e do reino cósmico sobre o qual eles haviam recebido o mandato de cuidar, cultivar e governar.

O REINO PARASITA

Gênesis 3.1-7 registra o encontro entre a serpente/Satanás e Eva e Adão. Este relato, embora breve, é um registro confiável do que, de fato, aconteceu num certo tempo (precisamente quando, ninguém sabe) no Éden. Paulo ratificou autoritativamente este relato registrado quando escreveu aos Coríntios que Eva havia sido enganada pela astúcia da serpente (2 Co 11.3).31

Satanás iniciou com uma pergunta formulada astuciosamente: [['ap]] (e também ou e). O termo é corretamente interpretado pela Bíblia na Linguagem de Hoje como "É verdade". Usado retoricamente, tinha a intenção de levantar uma questão e, desse modo, uma incerteza. Satanás também usou uma frase ambígua quando disse [[miccol ez]] (de todas, i.e., qualquer árvore). Foi um exagero com a intenção de aumentar a incerteza; a pergunta, no entanto, como interpretada por Eva, a induziu a uma resposta e, desse modo, a conversa foi iniciada. A resposta de Eva de que todas as árvores, exceto uma, estavam disponíveis a eles, deu a

3 0 Gênesis 1 e 2 não falam da expulsão de Satanás. Existem alusões à sua rejeição em passagens como Is 14.12, na qual a referência é, primeiramente, a um rei terreno que estava refletindo o que havia acontecido àquele rei mestre, Satanás. Jesus falou sobre ter visto Satanás caindo do céu como um relâmpago (Lc 10.18) e da "expulsão do príncipe deste mundo" (Jo 12.31). A referência da época é detalhada nas referências dos Evangelhos. Jesus estava se referindo ao que ele, como o Filho eterno de Deus, havia testemunhado antes do pecado de Adão e Eva e que foi grifado pelas vitórias de seus discípulos sobre demônios e seu próprio exercício de senhorio sobre a morte? Ou foi dado a Satanás um acesso limitado à "sala do trono" de Deus Yahweh (Jó 1-2; Zc 3) e, quando Jesus estava na terra, foi finalmente e completamente expulso em cada circunstância?

3 1 O mito do Paraíso Sumério foi citado (n. 4 acima). Os paralelos entre este relato e o registro bíblico são limitados e muito tênues. O lugar citado no mito é puro e brilhante e é citado como a terra Dilmun. O conflito não é entre anjos e pessoas mas sim entre os deuses. Enki engravida a deusa Ninhursag, a mãe da terra; ela dá luz a uma deusa a quem Enki também engravida. A deusa nascida desta união também é engravidada por Enki; esta nova deusa é advertida por Ninhursag para se manter distante de Enki a não ser que ele a presenteie com pepinos, maçãs e uvas. Enki traz o produto e a deusa, bisneta, permite que Enki coabite com ela. O mito prossegue, mas uma leitura das primeiras 200 linhas é suficiente para convencer a maioria dos leitores que é bem perto do inconcebível pensar nos dois relatos como tendo a mesma fonte.

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Satanás a oportunidade precisa de fazer uma acusação contra Deus Yahweh. Em reposta à declaração determinada da mulher de que eles não poderiam comer da árvore ou tocá-la, Satanás fez uma declaração dupla. Ambas eram mentiras e acusações contra Deus; ambas também afirmavam, implicitamente, que Eva tinha a ganhar, não perder, se ela comesse. Ela não morreria (perder a vida), mas se tornaria mais completamente viva e segura disto porque comendo, se tornaria como Deus. Desse modo, ela concordou em ganhar um caráter divino e a vida completa e eterna de uma deidade. Essas possibilidades brilhantes foram colocadas diante dela de tal maneira que Yahweh foi denunciado, implicitamente, como uma deidade egoísta e ciumenta e Satanás foi exibido como um aspirador do bem, inteligente, compreensivo e magnânimo. Satanás fez Eva pensar que o fruto, atraente em aparência, quando comido iria [[le haskîl]] (tornar sábio, eficiente, bem sucedido). Um Deus mesquinho havia contido o prazer e o sucesso dela. Ela comeu; ela deu a Adão e ele o comeu (Gn 3.6). Eles, então, perceberam que não haviam obtido prazer e sucesso como deuses mas, como seres humanos desconfiados e desobedientes, haviam perdido a dignidade e segurança dadas por Deus. Eles entenderam que estavam nus; eles foram expostos diante de Satanás, diante um do outro, diante do cosmos e diante do seu Deus. Eles haviam quebrado o seu relacionamento com Yahweh, com o cosmos e um com o outro. A transgressão, a falha, a desobediência, o pecado e o mal haviam sido introduzidos a eles e eles sucumbiram. Eles se tornaram quebradores do pacto; eles perderam o seu senso de serem governadores reais com Deus Yahweh. Eles tomaram do cosmos (folhas de figueira), sobre o qual eles deveriam governar, e se esconderam atrás delas. Desse modo, eles abdicaram do "trono" que Deus lhes havia dado; eles se tornaram dependentes das folhas (de forma alguma duradouras) e, através do seu uso, separaram-se um do outro e do seu Deus pactual. Eles se tornaram indivíduos isolados e perderam o sentido de unidade e harmonia entre eles mesmos, entre eles e o cosmos e entre eles e Deus. A rendição de Adão e Eva a Satanás foi completa. Seu pecado contra Yahweh também o foi. Quando seguiram as sugestões enganosas de Satanás, seus corações foram corrompidos; o pecado e o mal tinham uma fonte ou raiz, no Éden. Satanás teve uma vitória. Ele ganhou o domínio sobre os vice gerentes pactuais de Yahweh e, por isso, sobre o cosmos. Satanás teve sucesso no estabelecimento do seu reino, trono e domínio substitutos. Ele estabeleceu seu reino no cosmos. Mas este era um reino parasita.Usamos o termo "reino" para nos referirmos a todo o fenômeno sob o poder e influência satânicas, incluindo o próprio Satanás. O conceito de reino, como usado aqui, inclui quatro aspectos: o poder comandante; a manifestação deste poder; o lugar onde este poder é manifestado; e o domínio que é influenciado. O último inclui todos os agentes, poderes e meios como também os objetos e áreas em que o poder satânico é manifestado.A frase "reino de Satanás" não aparece nas Escrituras. Mas, referências podem ser encontradas em termos e frases como poderes (Rm 8.38; Ef 6.12; Cl 2.15), autoridades e forças espirituais do mal (Ef 6.12). Estes termos se referem aos aspectos do domínio que está em oposição direta a Yahweh e seu Cristo. Apocalipse faz uma referência a outro reino que não o de Deus ou de Cristo, que é dado para a besta ou é a besta (um representante de Satanás) (Ap 16.10; 17.17).

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Quando Satanás tentou a Jesus, ele lhe ofereceu todos os reinos do mundo, implicando que ele os tinha sob seu controle e serviço. Ele implicou que seu reino incluía todos os reinos do mundo. Jesus não objetou Satanás na sua afirmação implícita a respeito do seu reino, mas respondeu que ele só louvaria (i.e., reconheceria e serviria) a Deus Yahweh e seu reino (Mt 4.8-10). As mensagens proféticas, que são refletidas do Novo Testamento, do qual são também as fontes, se referem ao poder, governo e influência satânica como representados por vários reinos terrenos poderosos (Dn 2.4, 7, 11; ver também Ez 16-17, 29). Nos salmos, nós lemos dos poderes e influências formidáveis manifestados por pessoas más, que se opunham ao povo de Yahweh e representavam o poder do mal e a influência de Satanás (Sl 2.1-5; 10.2-4; 22.12-13, 16; 37.10-14, 17, 20). Contrastando a estes poderes e influências satânicos, o salmista cantou do reino de Yahweh (Sl 22.18; 103.19; 145.11-13). As influências tremendamente poderosas de Satanás são citadas em Jó; ele pode dirigir as forças da natureza, incutir o roubo e a guerra nos povos. Ele pode se opor ao povo de Yahweh através da influência sobre seu rei (1 Cr 21.1).O reino de Satanás, no entanto, é um reino parasita. Um parasita é um organismo que é totalmente dependente de outro organismo vivente. Um parasita não tem os meios e a habilidade de existir por eficácia dos seus próprios meios e métodos. O visgo só pode viver em uma árvore e dela; ele não pode tirar suporte para vida somente do solo e da atmosfera. Os parasitas podem ser prejudiciais para suas fontes e, em muitos casos, causam sua morte (e.g., vermes intestinais nos humanos, vermes cardíacos nos cachorros). O reino de Satanás é parasita porque não pode existir independentemente. Ele é dependente totalmente e completamente do reino cósmico de Yahweh. Satanás, como um ser criado, não é autônomo; ele tira todos os aspectos essenciais da sua existência e atividades da sua fonte, o Criador e Governador do reino cósmico. Porque Satanás é, desse modo, totalmente dependente, tem sido dito que Deus é responsável por ele, pelo mal e pelos seus efeitos.32 As Escrituras negam isto; mas permanece o fato de que Satanás e seu reino dependem de Yahweh e de todo o seu reino cósmico para existir e manter seu reino parasita. As Escrituras revelam este fato quando demonstram que Satanás tem limitações; a ele é dado uma extensão; ele só pode ir até onde o Deus soberano indica.A situação que se desenvolveu no Éden quando a serpente/Satanás enganou a Eva e a Adão (e eles sucumbiram à sua influência) e, pelo mérito da posição real de Adão e Eva como vice gerentes, foi que Satanás tornou-se apto para iniciar seu reino parasita dentro e dependente do reino cósmico de Deus. O rei parasita, Satanás, ao ganhar o controle do coração e da vida de Adão e Eva, no próprio coração do reino cósmico, foi capaz de estender sua influência através de todo o reino cósmico. Em outras palavras, o poder e a influência satânicas poderiam tornar-se e tornaram-se penetrantes. Desse modo, o reino cósmico de Deus tinha dentro de si e suportava os próprios meios que buscavam destruí-lo e anulá-lo.

AS IMPLICAÇÕES ESCATOLÓGICAS

3 2 Ver nota 24 acima, com relação a visão Hicks sobre a responsabilidade de Deus pelo mal.

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O entendimento e as crenças de alguém a respeito da presença do reino cósmico de Deus a partir do tempo da sua criação, a vinda do reino de Satanás à existência e sua influência nas vidas de Adão e Eva, no Éden, e, através deles, em todo o reino cósmico, tem um papel muito determinante na visão da escatologia bíblica. John Bright escreveu que a origem da noção do Reino de Deus começa com o chamado de Israel para viver sob o governo de Deus, de acordo com o seu pacto.33 Esta é uma visão muito limitada. Não faz justiça a tudo o que as Escrituras revelam. Mais problemático ainda é que coloca o reino de Israel em um papel dominante. Enquanto o reino de Israel tem um papel importante, como discutiremos nos capítulos subsequentes, não tem um papel dominante. Mas Bright, e Walther Eichrodt o qual ele cita como auxílio, estão sozinhos no suporte desta visão. Pode-se ter a impressão definitiva de que escritores como Thomas Ice e H. Wayne Hause também estão atrapalhados com a visão de que o reino de Israel é básico e fundamental para um entendimento da escatologia bíblica.34 Se, de fato, o reino de Israel tem este papel como os neo-liberais, neo-ortodoxos e evangélicos dispensacionalistas sustentam, então o papel do reino de Satanás e sua relação com o reino cósmico de Deus e com o reino de Israel como uma teocracia inicialmente e, mais tarde, por um certo tempo, como uma monarquia teocrática, será entendido de forma muito diferente. Os "sistemas escatológicos", como derivados da Bíblia como abordagens e visões divergentes, serão diferentes de forma marcante. E este é, precisamente, o caso.Assim como existem diferenças entre as visões e sistemas escatológicos entre os exegetas e teólogos liberais e neo-ortodoxos, e assim como existem diferenças entre estes e os exegetas e teólogos evangélicos conservativamente inclinados, assim existem diferenças profundas e vastas dentro das classes dos exegetas e teólogos evangélicos. Na verdade, dentro de um ramo dos estudiosos conservadores evangélicos, os dispensacionalistas, não existe, sempre, a unanimidade que alguém poderia esperar. Estas diferenças em escatologia são realidades difíceis e fortes e devemos encará-las e lidar com elas de maneira franca.As questões a serem respondidas no contexto presente são as seguintes. O reino cósmico continuará, e, se sim, como e o que será o seu caráter? Deus Yahweh só executará a sanção do seu pacto da criação, a saber, trazer morte para Adão e Eva? Se sim, este é o fim do reino cósmico? Se a sanção não é totalmente executada, o que Yahweh vai fazer? Como ela pode ser parcialmente realizada e o que será dito e feito para causar uma sanção mitigada? Se é para o reino cósmico, o pacto da criação, e Adão e Eva no papel de vice gerentes continuarem da mesma forma, a meta original de Deus Yahweh, o Criador, será alcançada? Se sim, totalmente ou parcialmente? E, se existe uma continuação, qual será a atitude de Deus Yahweh com respeito aos vice gerentes desobedientes e pecadores e a respeito do cosmos afetado pelo pecado--mal? E, mais importante, qual será a sua atitude a respeito de Satanás, seu grupo e suas atividades e metas?3 3 John Bright, The Kingdom of God (New York: Abingdon-Cokesbury, 1953), 19-28.

3 4 Ver a contestação polêmica contra a escatologia pós-milenista Reconstrucionista de H. Wayne Hause e Thomas Ice em Dominion Theology (Portland: Multnomah, 1988). Ver, e.g., uma referência à criação (47-52; 163-189) na qual os autores dão sua visão do papel da igreja em relação ao reino de Israel/Deus.

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A consumação, pretendida no tempo da criação, será alcançada, e se sim, como, por que, quando, onde e por quem? Como será o reino consumado? As Escrituras dão as respostas. Estas são reveladas progressivamente e organicamente dentro da prova severa do processo histórico de uma forma aplicável, adaptável e sempre enriquecedora, nas vidas dos portadores da imagem de Deus Yahweh que escutam e respondem em submissão, fé, pronto serviço e louvor ao Senhor Criador-Consumador.

6 O Protoevangelho

Comentários Introdutórios

I. A Revelação Divina do ProtoevangelhoA. O Texto: Gênesis 3.8-4.25

1. A Abordagem de Yahweh2. Maldições Pronunciadas3. Certezas Dadas4. Respostas Humanas

B. A Revelação das Virtudes de Yahweh1. Integridade e Justiça2. Hesed: Misericórdia/Pacto/Fidelidade3. Hen: Graça

a. Redentorab. Soberanac. Comum

B. A Necessidade da Revelação1. O Status Finito da Humanidade2. A Condição Pecaminosa da Humanidade3. Circunstâncias Diferenciadas

I. O Estabelecimento da AntíteseA. O Conceito: AntíteseB. Inerente no ProtoevangelhoC. Dois Reinos: Soberano e ParasitaD. Expressa Divinamente no Termo InimizadeE. Evidenciada na Experiência Humana--Caim versus Abel

I. A Perspectiva Escatológica

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A. As Forças Básicas Constitutivas1. As Maldições

2. Yahweh versus Satanás3. A Semente da Mulher versus a Semente de Satanás4. O Reino Cósmico versus o Reino Parasita

A. Os Termos Estabelecidos1. Sofrimento2. Linhas de Batalha3. Não Rendição mas Vitória

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________________________6

O PROTOEVANGELHO

. Este capítulo lida com a revelação registrada em Gênesis 3.8-4.25. Este material é constituído da última parte da primeira seção [[tôledôt ]](Gn 2.4-4.26). Considerando que a primeira parte desta seção foi relacionada integralmente ao que Gênesis 1.1-2.3 registrou, o material a ser trabalhado agora, nos introduz ao que aconteceu depois da criação de todas as coisas, ao estabelecimento do pacto da criação e à quebra do relacionamento pactual entre o Senhor soberano do pacto e seus vice gerentes. A "história real" da Bíblia não começa com Gênesis 3.8, começa com a criação do mundo e o estabelecimento do reino cósmico. E, considerando que a primeira parte de Gênesis 2.4-4.25 elaborou sobre o que Gênesis 1.1-2.3 registra a respeito do estabelecimento do pacto da criação, a segunda parte revela como Deus Yahweh introduziu, estabeleceu o palco, e começou a revelar o "pacto da redenção".1 Desta forma, a primeira seção [[tôledôt]] amplia o pacto da criação e introduz o pacto da redenção que Yahweh revelou e estabeleceu como seus meios para manter, restaurar e trazer o pacto da criação à consumação. Através desta ação pactual, Deus Yahweh sustentou seu reino cósmico, revelou sua intenção em continuar a mantê-lo em um contexto de oposição e fez conhecido o modo como iria conduzi-lo a uma consumação gloriosa e vitoriosa.

Gênesis 3.8-4.25 tem seu foco no "protoevangelho". Este termo não é tão usado e conhecido nas décadas recentes como já foi. O fato de que Henry L. Ellison intitulou seus comentários de Gênesis 3.15 "O Protoevangelho"2, indica que o termo é usado pelos estudiosos evangélicos. Para Ernest Kevan o termo se refere especificamente às palavras que Deus falou quando se dirigiu a Satanás na presença de Adão e Eva.3 A mensagem tem sido considerada como a primeira

1 A frase "pacto da redenção" neste contexto não se refere ao que alguns teólogos tem citado como o pacto feito na eternidade entre o Pai e o Filho, no qual foi feita a provisão para a redenção da humanidade desobediente. Antes, a frase é usada para se referir ao que muitos tem chamado de pacto da graça. A frase "pacto da redenção" é preferível considerando-se o plano de Deus Yahweh, as promessas envolvidas, e a revelação da redenção, restauração e consumação do seu reino cósmico. Note que Meredith G. Kline corretamente cita o "Pacto Redentivo no Mundo" em seu estudo de Gn 3.15-4.26 na sua dissertação, vol. Dois, entitulado "Kingdom Prologue" (S. Hamilton: não publicado, 1986), 1-46.

2 Henry L. Ellison, "Genesis 1-11" no The New Layman's Bible Commentary (Grand Rapids: Zondervan, 1979), 138.

3 Earnest F. Kevan usou o termo "protevangelion", adicionando que ele se referia às palavras de Gn 3.14,

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revelação redentora (ou evangelho) no Antigo Testamento embora muitos escritores críticos não concordem e alguns escritores evangélicos tenham expressado alguma incerteza.4 A primeira mensagem da redenção não foi somente a respeito da atividade redentora Messiânica e da vitória que foi assegurada, mas também incluía a revelação a respeito da antítese que foi estabelecida divinamente concernente ao juízo certo que viria sobre Satanás.

A Revelação Divina do Protoevangelho

O Texto: 3.8-4.25O debate continua sobre a natureza exata de Gênesis 3.8-4.25. Este debate

inclui a discussão do relato do papel de Satanás no pecado de Eva e Adão (Gn 3.1-7). Gordon Wenham revisou as opções. Este relato é, basicamente, “o paradigma do narrador para o pecado? Ou é um relato histórico?"5 Wenham fez uma apresentação bem desenvolvida do modo como o relato é um paradigma, um "modelo de tudo o que acontece quando o homem desobedece a Deus".6 Mas ele admite um caráter proto-histórico à passagem porque Gênesis traça a descendência da raça humana a partir de Adão e Eva e seu caráter pecaminoso às atividades pecaminosas dos primeiros ancestrais. Seria correto, no entanto, se referir a esta passagem, primeiramente, como histórica; ela registra o que, de fato, aconteceu nas vidas de Adão e Eva, seus filhos, Caim, Abel, Sete e sua descendência imediata”.7 Abertura de "? Não dá para negar o caráter paradigmático da passagem porque o caráter do pecado e suas conseqüências não são muito diferentes através da história do que foram no tempo das primeiras gerações de pessoas pecaminosas.

Quatro temas teológicos principais, embutidos na narrativa histórica, são discutidos na parte I deste capítulo (Gn 3.8-4.25). (1) A abordagem de Deus Yahweh aos pecadores; (2) as maldições pronunciadas; (3) as garantias a respeito da continuidade da vida pactual no reino cósmico; e (4) a resposta sextupla

15 quando Deus falou a Satanás ("Genesis" no The New Bible Commentary 2ª ed. [Grand Rapids: Eerdmans, 1954], 81).

4 Gordon Wenham citou escritores cristãos como Justin Martyr (ca. A.D. 160) e Irineu (ca. A.D. 180), que consideraram Gn 3.15 como o "protevangelium " (notar a 3ª forma de soletrar o termo), isto é, a primeira profecia messiânica. Seus comentários avaliadores são perturbadores; ele escreve que uma interpretação messiânica pode ser justificada à luz da revelação subsequente, um sensior plenior; "talvez seja errado sugerir que este foi o próprio entendimento do narrador" (Genesis Word Biblical Commentary [Waco: Word Books, 1987], 81).

5 Cf. Gerard Van Groningen, The Revelation of the Messianic Concept (Grand Rapids: Baker, 1989).

6 Wenham, Genesis 1-15, 86-91. Uma revisão do que os comentaristas tem concluído a respeito do caráter da passagem incluiria uma vasta extensão das visões e explicações. Gerhard Von Rad parece ter apresentado uma posição, a qual muitos comentaristas críticos tem tomado como uma abordagem aceitável, que permite suas próprias variações em elementos específicos. Von Rad concordou que a forma literária do material é única; ela reflete um material de fundo Oriental comum; foi escrita por Yahwistas durante o período de luzes Salomônico; pretendia ser didático e, consequentemente, tem pouco em comum com o mito real; é um relato com "muitas brechas, fendas e irregularidades", provavelmente devido ao fato dos Yahwistas terem unido materiais de tradições de vários tipos (Genesis, trad. John H. Marks [ London: SCM Press, 1956], 95-99).

7 Genesis 1-15, 90.

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humana. Estes serão seguidos pela discussão das virtudes de Yahweh reveladas nesta passagem.Deus Yahweh não se afastou dos desobedientes, pecaminosos e culpados Adão e Eva. Delitzsch afirmou bem o caso: "Deus não podia e não os deixou sozinhos. Ele se chega a eles como um homem ao outro".9 Deus não se aproximou chamando; antes, como ele tinha feito antes, fez sua presença constante conhecida: [[qôl yehwâ elohîm]] (o som de Deus) caminhando pelo jardim. Comentaristas concordam que Yahweh estava fazendo o que tinha feito antes. Deus continua a habitar "ainda na terra"10 com seus portadores de imagem pactuais. Ele continuou, como antes, a conversar com seus vice gerentes. Wenham estava correto em chamar a atenção ao fato da caminhada de Yahweh pelo jardim "não ser fora do comum; mas a reação do homem e sua esposa sim".11

Eles tentaram, em vergonha, esconder-se de seu amigo e Senhor. O Soberano do paraíso e do céu não se afastou; o texto nos informa que Deus Yahweh [[wayyiqrâ]] (e ele chamou) o homem e disse a ele, [['ayyekâ]] (onde está você?). Esta questão não parece ser uma expressão de curiosidade ou surpresa por parte de Yahweh.12 Wenham e Umberto Cassuto estão corretos quando mostram que Deus Yahweh está chamando Adão e sua esposa, exigindo que eles prestem contas de si mesmos.13 Delitzsch afirmou, se referindo às palavras de Deus Yahweh, que "este modo humano de comunicação entre o homem e Deus não é uma mera figura de linguagem, mas uma realidade", uma realidade que tem sua fundação na realidade de que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem.14 Deus Yahweh também abordou a Caim. Na verdade, ele fez isto duas vezes. A primeira vez foi para advertir a Caim que era perigoso abrigar e nutrir a raiva e o desânimo (Gn 4.6-7). A segunda vez foi para exigir um relato de Caim do que ele havia feito a Abel (Gn 4.9).Nas abordagens que Deus Yahweh fez a Adão, Eva e Caim, ele demonstrou seu Senhorio soberano sobre eles. Ele fez conhecido a eles o que havia exigido deles à luz do que havia feito por eles e dado a conhecer previamente. Ele tomou e manteve a iniciativa em manter um relacionamento com eles; ele os fez conhecer que ele continuaria a exercitar seu Senhorio pactual e real e que a mulher e os homens (Adão e Caim) não deveriam se considerar absolvidos da responsabilidade em relação ao seu Suserano divino. As motivações de Deus

9 Von Rad, Genesis, 88

1 0Wenham, Genesis, 76.

1 1Ibid., 76..

1 2 Umberto Cassuto, A Commentary on the Book of Genesis, vol. 1, trad. Israel Abrahams (Jerusalem: Magnes, 1961), 155.

1 3 Keil, The Pentateuch, vol. 1, 97. Este uso do modo humano de falar não nega o antropomorfismo que está presente.

1 4 Cf. TDOT, vol. 1, 406 e TWOT, vol. 1, 75.

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Yahweh, sua justiça, graça e misericórdia serão discutidos nos parágrafos subsequentes.Deus Yahweh pronunciou quatro maldições quando abordou Adão, Eva e Caim. O temo [['arûr]] é usado quando ele se dirige à serpente (Gn 3.14); quando ele se dirige a Adão, referiu-se a [[ha 'adamâI]] (o solo) (Gn 3.17); o mesmo quando ele se dirigiu a Caim (Gn 4.11). O conceito expresso pelo termo aparece freqüentemente nas Escrituras.15 Ainda que outros cinco termos Hebraicos são traduzidos como "maldição" ([[qalal, 'ala, qabab, naqab, e za'am, 'arûr]]16), a forma qal passivo do verbo [['arar]] expressa, com mais força, a intenção do que Yahweh disse. Estudiosos concordam completamente que o conceito Assírio araru, que comunica a idéia de ardil e retenção, poderia bem ser a etimologia do termo Hebraico. Em Hebraico, a idéia de "reter" é proeminente. Por essa razão, aqueles que são amaldiçoados, são retidos, banidos, e separados de uma circunstância ou situação original ou preferida. Quando Deus Yahweh pronunciou uma maldição, ele reteve aqueles que estavam sob sua ira e os removeu da esfera de bênção ou removeu as bênçãos deles. Deste modo, assim como criaturas de Yahweh --todos os aspectos da criação-- poderiam ser encerradas firmemente nos limites do seu amor, da mesma forma, poderiam ser encerradas firmemente sob sua ira e experimentar suas conseqüências severas. Devemos entender que quando o protoevangelho foi proclamado, uma parte integral daquele evangelho/boas-novas foi a maldição de Yahweh que colocava toda a criação sob a ira de Deus Yahweh.17 Mas a maldição não era absoluta em todos os casos; na verdade, era uma maldição mitigada na maioria dos casos.

1 5 Gerhard Von Rad no seu Old Testament Theology, trad. D. M. G. Stalker (Edinburgh: Oliver and Boyd, 1962), escreveu que os Yahwistas querem indicar como todas as perturbações na nossa vida natural tem suas raízes no relacionamento perturbado com Deus (275). Von Rad está correto em mostrar que o distúrbio em toda a extensão do cosmos é devido ao pecado do homem. Isto, no entanto, não é um ponto de vista teológico Yahwista; é revelado que Yahweh, ao pronunciar as maldições, estabeleceu estes distúrbios como julgamentos sobre todos os aspectos do cosmos. Walther Eichrodt em seu Theology of the Old Testament, vol. 2, trad. J. A. Baker (Philadelphia: Westminster, 1967), escreveu que estas maldições, i.e., a punição de Yahweh é arraigada na justiça divina que cumpre as exigências do pacto (416). Ele está correto no que escreveu mas não quando indica que esta era a convicção do escritor indicando, assim, que este era uma ponto de vista humano e não um ponto dee vista conhecido pela revelação divina. Wenham escreveu que "amaldiçoar era invocar o julgamento de Deus sobre alguém"; quando Deus a pronuncia, a eficiência da maldição é completamente garantida (Genesis, 78). Von Rad escreveu sobre os extensos distúrbios. Teológos também tem escrito a respeito do pecado original que afeta todas as pessoas e é a razão para o distúrbio extenso. D. Parker escreveu um artigo de revisão sobre a visão evangélica do pecado original. Cf. "Original Sin: a Study in Evangelical Theory", E. Q., vol. 61:1 (1989), 51-69.

1 6 Gerhard Ch. Aalders citou a "zware vloek" (maldição pesada) que a serpente recebeu; ela foi distinguida de todos os animais; ela não comeria pó como sua alimentação diária mas antes, teria pó em sua boca (Het Boek Genesis nas séries Korte Verklaring [Kampen: Kok, 1960], 134, 135). Mas Cassuto escreveu que a serpente, tendo pecado com relação à comida (Gn 3.1-4) é punida no mesmo aspecto (Commentary, 159).

1 7 Aalders chamou a atenção ao fato de que Deus se endereçou à serpente, ao animal, mas também se endereçou a Satanás. A inimizade deveria ser entre as pessoas e as serpentes (ibid., 135), mas a inimizade maior seria entre a mulher e sua semente de um lado e Satanás do outro (136, 137).

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Deus Yahweh pronunciou uma maldição contra a serpente: [['arûr 'attah miccal-habbehemâ]] (maldita és entre todos os animais domésticos, RA). A preposição [[min]] nesta frase tem sido interpretado como "mais do que" e como "em distinção de". O termo, como traduzido na RA, sugere, basicamente, a idéia de que a serpente deveria experimentar a ira de Deus de forma mais completa do que todas as outras criaturas. A sua condenação a mover-se sobre seu ventre e para sempre, ter sua cabeça (e narinas) no chão, e ter o pó nas suas narinas e boca indicam a idéia de que a serpente deveria suportar essa carga pesada e humilhante por causa da sua submissão e serviço a Satanás.18 Mas a maldição não era absoluta; embora a serpente não pudesse evitá-la (neste sentido era absoluta, i.e., absolutamente inevitável), não era absoluta no sentido de que a serpente não foi destituída da vida, comida, movimento e auto proteção.A maldição dirigida à serpente, no entanto, também foi dirigida diretamente, a Satanás.19 Esta maldição foi absoluta. Satanás teria sua cabeça esmagada; ele seria completamente dominado, derrotado e feito impotente. A vida e a sua implicação no reino cósmico de Yahweh chegariam a um fim. Esta maldição foi dirigida a Satanás e à sua semente, seus seguidores demoníacos e os da raça humana que permanecessem sob seu controle e a seu serviço. O pronunciamento desta maldição sobre Satanás incluiu uma promessa de vitória para a mulher e sua semente porque do esmagamento de Satanás viria a vitória e a continuidade da vida para aqueles da raça humana que seriam incluídos na semente da mulher.20

A maldição pronunciada sobre Satanás e sua semente, com sua declaração correlata de vitória e vida para a semente da mulher, também incluiu um pronunciamento da maldição sobre a semente da mulher. A ira de Deus Yahweh seria experimentada no "ferida no calcanhar". Esta é uma declaração eufemística que, no processo do tempo e da história, foi demonstrada como sendo uma referência ao sofrimento, condenação, morte e sepultamento de Jesus Cristo que sofreu a ira de Deus e teve a maldição da humanidade colocada sobre si (Rm 5.9; 1 Ts 1.10; Gl 3.10-13). Esta maldição que a semente da mulher, Jesus Cristo, tinha que sofrer foi absoluta e irrestrita no sentido que a plenitude da ira de Deus Yahweh foi colocada sobre ele. Ela foi mitigada no sentido de que a maldição não trouxe uma separação completa, permanente e absoluta entre Deus Yahweh e Jesus. Sendo ele mesmo Deus, Cristo, tendo sido completamente desamparado por Deus Pai e separado dele, tinha o poder de sofrê-la, vencê-la, e sustentar a vida e o amor do pacto que Deus Yahweh havia estabelecido.Deus Yahweh se dirigiu a Eva diretamente; o termo "maldição" não é usado, não porque ela seria poupada das conseqüências do seu pecado mas porque, sendo a carregadora da semente, sofreria [[eseb]] (dor) enquanto cumprisse seu privilégio e responsabilidade de maternidade. Deve se notar o infinitivo absoluto hiphil precedendo a forma imperfeita do verto [[rabâh]] (ser muito, ou grande) que dá a

1 8 Cf. minha discussão sobre a semente da mulher em The Revelation of the Messianic Concept.

1 9 Wenham observou corretamente que a submissão da mulher ao seu marido não é um julgamento sobre o seu pecado; o marido recebeu a autoridade sobre a mulher como é indicado de várias formar--i.e., feita a partir da sua costela, uma ajudadora para ele, ele deu-lhe nome duas vezes (Gn 2.23; 3.20) (Genesis, 81).

2 0Cf. Wenham, Genesis, 82.

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tradução correta de "aumento poderoso ou excessivo da dor". Comentaristas que tem chamado a atenção ao fato de que o parto falado no texto poderia muito bem incluir mais do que é experimentado na gravidez e na atividade efetiva do nascimento. De fato, pode, e neste contexto (cf. o assassinato de Abel por Caim) deveria ser considerado, incluir todo o processo de educação dos filhos. Uma experiência pungente desta dor aumentada foi a porção de Maria quando viu seu filho crucificado (Jo 19.25,26).Eva, juntamente com a maldição mitigada, recebeu uma repreensão. Ela havia sucumbido à tentação e, então, dado do fruto proibido a Adão, conduzindo-o à transgressão com ela. Ela não havia servido como uma ajudadora apropriada para ele (Gn 2.18). Antes, havia exercitado a prerrogativa que não era dela mas de seu marido. Consequentemente, é claramente dito a ela que, do modo como ela havia sido feita, ela deveria continuar a ser e operar. Ela deveria reconhecer e se submeter a seu marido, que teria que assumir um papel responsável de liderança. A repreensão não colocou uma maldição sobre ela; antes, informou-a claramente de como tinha sido sua atitude para com seu marido e como deveria continuar a ser.21 Deus Yahweh prosseguiu através da conversa com Adão. Primeiramente, foi declarada a razão para a maldição de Yahweh com relação a Adão: [[kî sama ta leqôl 'iseteka]] (porque ouviste à voz de sua esposa). Uma repreensão é inferida, a qual é particularmente óbvia porque Yahweh adicionou, "[V]ocê...eu ordenei dizendo que não comesse dela" (Gn 3.17). Adão não ouviu ou obedeceu a seu Senhor: ele havia seguido à sua esposa desviada. Mas Adão recebeu mais do que uma repreensão. A ele, a quem havia sido dado o domínio sobre o cosmos, um mandato para mantê-lo e cultivá-lo e dele receber o alimento para o sustento da vida física, foi dito que a maldição de Yahweh estava sobre [[há ádamâh]] (o chão, ou a terra) por causa do que ele, Adão, havia feito. O lugar de trabalho do co-trabalhador real de Yahweh se tornaria, doravante, um lugar de trabalho difícil, de atividade desagradável e de resistência aos seus esforços. Seu trabalho não seria uma maldição; sofrimento e frustração no seu trabalho, sim.22 Vários termos tem sido usados para descrever o que Yahweh disse: labuta dolorosa, suor, espinhos e cardo (no lugar da planta da vida apropriada para alimento), e um retorno ao pó, i.e., a morte física e a deterioração do corpo. Debaixo desta maldição sobre o solo, Adão não deveria esperar uma resposta pronta a seus esforços. Sua existência física temporária continuada deveria depender de uma terra hostil e refratária. Mas, esta maldição sobre o solo deve ser considerada como mitigada pois Adão não seria separado completamente e imediatamente do seu lugar de trabalho e fonte de sustento. Ambos, ele e o solo continuariam juntos, mas nessa proximidade existiria muito desapontamento, frustração, dor e destruição. As Escrituras nos informam que o próprio cosmos criado reagiria com dor e gemidos à maldição (Rm 8.22). Também, enfatiza que as pessoas experimentariam evidências trágicas da maldição, particularmente quando quebrassem o pacto com Yahweh; Moisés avisou que, no curso da história, a maldição seria executada em

2 1 Aalders observou que a ira de Caim foi a "oorzaak" (razão para) o Senhor vir a ele (Genesis, 154).

2 2 Cf. Eichrodt. Ele escreveu que o crescimento do pecado é descrito no relato das ações de Caim (Theology, vol.2, 384). Cf., também, Wenham "fratricídio ilustra como o pecado opera" (ibid, 100).

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formas de secas, penúria e doenças (Dt 28.15-24). A maldição pactual sobre o cosmos seria bastante mitigada se o modo de vida fosse o da manutenção do pacto; no entanto, somente o mantenedor perfeito do pacto, o Mediador do pacto, seria capaz de remover completamente a razão e todas as evidências da maldição que Deus Yahweh pronunciou sobre Adão e sobre o cosmos colocado sob o seu cuidado. Considerando que a maldição que Deus Yahweh pronunciou a Adão não seria diretamente sobre ele, foi pronunciada sobre o filho de Adão, Caim.Deus Yahweh abordou Caim inicialmente quando este estava muito aborrecido (Gn 4.6).23 Mas Caim manifestou o crescimento do pecado; em ira e ciúme, ele assassinou seu irmão.24 Então, Yahweh veio a Caim novamente e pronunciou uma maldição sobre ele: [[we attâh arûr min ha adamâh]] (e agora amaldiçoado seja você sobre a terra) (Gn 4.11). Caim, o assassino, tinha feito o solo absorver o sangue de seu irmão. A maldição de Caim não foi mitigada. O solo encharcado com sangue não seria seu lar nem seu lugar seguro de trabalho.25 Ele foi desalojado dele (NIV) porque, mesmo que ele tentasse cultivá-lo, não receberia a recompensa do cultivador; o solo não produziria para ele. A maldição de Caim foi ser repelido, ele seria uma viajante pela terra.26 O texto nos diz, no entanto, que Caim se casou, gerou filhos e construiu uma cidade (Gn 4.17). Esta primeira cidade não deveria ser vista como uma evidência de desafio à maldição de Deus Yahweh sobre Caim. Antes, como Meredith Kline explicou, a cidade é uma figura do desenvolvimento da cultura humana. A cidade, consequentemente, não pode ser vista como uma invenção de homens ímpios. A cidade de Caim, no entanto, representa a cidade explorada pela humanidade pecaminosa e, deste modo, se torna uma "manifestação altaneira da revolta do homem contra Deus".27

Resumindo a nossa discussão sobre as maldições que Deus Yahweh pronunciou quando Adão, Eva e Caim o desobedeceram, podemos dizer que Deus deu uma sentença de morte a Satanás, à mulher, ao homem e ao filho. A Morte deve ser entendida no sentido de ter sido colocada debaixo da ira de Yahweh contra o pecado; a morte representava graus de separação da fonte da vida e das bênçãos enriquecedoras; a morte representava uma separação final e total de Deus Yahweh. Esta morte, i.e., a separação e sua destruição resultante, é a sentença que Deus Yahweh, o Senhor soberano, pronunciou como Juiz. Esta sentença de julgamento seria sobre todo o cosmos e seus habitantes até que a pena completa exigida para a remoção do julgamento fosse paga.

2 3 Von Rad disse que a maldição endereçada a Adão a respeito da terra foi executada quando esta bebeu o sangue do irmão (Theology, vol.1, 159).

2 4 Comentaristas discordam sobre o que, precisamente, é referido na frase "do solo". Aalders apresentou uma compreensão útil ao escrever que Caim foi banido da área frutífera na vizinhança do Éden e que ele foi para um lugar não muito distante porque seus semelhantes poderiam encontrá-lo (Genesis, 159).

2 5 Kline, “Kingdom Prologue”, vol. 2. Kline escreveu que a própria cidade “é a antítese de vários elementos presentes no programa cultural que o homem foi dirigido para produzir” (21-28).

2 6 Cassuto acreditava que existia “o bem também nas maldições” (Commentary, 163). Desde que o termo bem pode trazer várias nuanças, alguém pode arguir com ele. Bem, significando, encontrando o que Deus pretendia, bem se referindo a alguns aspectos úteis, pode ser usado para se referir às maldições. Bem, no sentido de bêncãos ricas e vindo de encontro às demandas íntegras de Deus, não pode ser usado neste contexto.

2 7Cf. a discussão da graça comum na seção C abaixo.

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Na discussão precedente das maldições que Yahweh pronunciou, nos referimos ao fato de que algumas destas foram mitigadas.28 A mitigação pode ser entendida baseada no fato de que Deus Yahweh deu garantias de continuidade. O cosmos não cessaria de existir, nem seria permitido a Satanás ter o controle total e absoluto sobre ele. Adão e Eva não seriam colocados de lado imediatamente. Eles foram desalojados do seu palácio e pátio reais (Gn 3.23), mas como marido e mulher, eles continuaram no seu relacionamento matrimonial e foram capacitados a gerarem descendência. A Adão foi garantido que ele continuaria, por um tempo, a cultivar a terra, mesmo com sofrimento, suor e desapontamento. Caim, debaixo da sua maldição, foi desalojado, mas recebeu proteção de seus parentes que procurariam vingança (Gn 4.15). Ele foi capacitado a expressar seu potencial, como um portador da imagem, na construção de uma cidade. O potencial para procriação não foi tirado dele (Gn 4.17).As garantias da continuidade deveriam ser consideradas cuidadosamente porque, nelas, Deus Yahweh revelou algumas realidades importantes.Yahweh manteve seu reino cósmico; consequentemente, ele continuaria. Satanás continuaria a estar presente, sempre buscando ampliar a extensão e influência do seu reino parasita. Mas, faria isto dentro dos parâmetros que Deus determinou para ele e suas atividades. O salmista reconheceu a continuação do reino cósmico de Deus Yahweh e seu reinado soberano sobre ele quando cantou: Reina o Senhor. Revestiu-se de majestade; de poder se revestiu o Senhor, e se cingiu (RA). Firmou o mundo que não vacila (Sl 93). E ele continuou louvando a Yahweh como o grande Deus, o Rei sobre tudo e em cujas mãos estão as profundezas da terra, a quem pertence os picos das montanhas, o mar e a terra seca (Sl 95.3-4). Salomão, em sua oração, quando o templo foi dedicado, pediu que o Senhor soberano continuasse a reinar do céu e a controlar todas as forças da natureza (1 Re 8.23-53). Isaías assegurou que Yahweh poderia ser, e seria um Deus redentor e restaurador, porque Ele é o que "está assentado sobre a redondeza da terra” (Is 40.22).Desde que o reino cósmico iria continuar, o palco e o meio ambiente para a continuidade do pacto de Yahweh com sua criação e seus vice gerentes foram assegurados. Deus Yahweh proporcionou os meios para a continuidade da comunhão com seus portadores de imagem. Ele providenciou a restauração disto enunciando sua mensagem de esperança, o protoevangelho. Ele continuou o mandato cultural; isto deu uma evidência clara de que o status real de seus portadores de imagem não estava perdido para sempre. Ele continuou o mandato social assegurando a Adão e Eva de que a semente da mulher seria vitoriosa. De fato, a semente viria com sofrimento e dor.A realidade a ser enfatizada é que as maldições pronunciadas por Deus Yahweh não eliminava, removia ou anulava seu propósito criador. Ele manteve seu reino; Yahweh manteve seu relacionamento soberano com seu reino cósmico. Ele manteve seu relacionamento de vida e amor--i.e., seu pacto--com Adão e Eva. Ele continuou os mandatos que havia dado a eles. Não se pode negar que o pecado e

2 8 O termo Hebraico [[hawwâh ]] tem sido interpretado como se referindo à serpente porque o termo Aramaico para serpente é [[hiwya’ ]] . Cf. Cassuto, ibid., 158, 159. No entanto, Wenham corretamente relembra seus leitores que BDB, 295, col. b., considerou [[hawwâh ]] como sendo uma forma derivada de hayâh (viver). Os tradutores LXX entenderam dessa forma, escrevendo zoe (Genesis, 84).

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as maldições pronunciadas introduziram mudanças. Estas, no entanto, não alteraram as questões fundamentais do reino de Yahweh, sua intenção, e o programa básico para realizá-los.A alteração mais penetrante e fundamental que Deus Yahweh introduziu foi sua intenção e método para redimir e restaurar seu reino cósmico dos efeitos das maldições e das misérias que o pecado introduziu e da presença e influência do reino parasita de Satanás. Esta “alteração” que Deus Yahweh revelou não era outra senão o pacto da graça, o qual estava presente e funcionava dentro dos parâmetros do pacto da criação. Este pacto da graça tornou-se o que poderia ser chamado de segundo cordão do relacionamento de amor/vida de Yahweh com seus vice gerentes e o reino cósmico. Este cordão iria permear, entrelaçar, restaurar, fortificar e, eventualmente, aperfeiçoar e, consequentemente, trazer à consumação completa o que Deus Yahweh pretendeu e iniciou na sua obra criadora.29 Um ponto merece repetição: Caim, o assassino, o banido, seria também assegurado da continuação da vida e atividades. Deus Yahweh providenciou proteção para ele e deu-lhe condições de evitar catástrofes que terminassem com sua vida (Gn 4.15-16). A continuidade do mandato cultural e social de Yahweh para Caim é declarada definitivamente. Caim se casou, teve filhos e eles, por sua vez, se tornaram uma parte integral da sociedade humana (Gn 4.17). Ele e seus descendentes demonstraram sua habilidade em realizar o mandato cultural através da construção de cidades, da criação de gado, tornando-se metalúrgicos e músicos (Gn 4.17; 20-22). Desse modo, embora Caim e sua descendência imediata não tenham sido assegurados de serem beneficiários totais do pacto da graça, foram, pelo próprio fato de continuarem a exercer os privilégios e tarefas do pacto da criação, afetados por ele. O protoevangelho não caiu em ouvidos surdos quando Yahweh primeiramente o proclamou. Primeiro, deveria ser notado que nem Satanás/serpente nem Adão e Eva responderam diretamente às maldições que Deus pronunciou. Mas Adão se regozijou em resposta à garantia de que a morte, como tinha sido declarada como o resultado do comer, não seria a sua condição final. Verdade, ele e Eva iriam morrer fisicamente; “tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.19 RA). Mas as Escrituras registram que Adão, através do fato de dar nome à sua esposa pela segunda vez, respondeu à promessa da semente, vida, amor, vitória. Ele chamou sua esposa de [[hawwâ]], que quer dizer “vida” (Gn 3.20). Adão, então, acrescentou a frase “porque ela é a mãe de [[kal hay]] (toda vida ou viventes).30 Adão, dando à sua esposa um segundo nome, não removeu o seu primeiro nome; ela permaneceu mulher. Mas, exercitando seu papel de liderança, no dar sua resposta crédula à promessa de Yahweh de continuação da vida, Adão deu um nome pessoal à sua esposa. Este nome seria uma lembrança constante de que “o retorno ao pó” não seria a questão ou estado final para toda a humanidade. Adão ouviu e acreditou que a maldição da morte seria desfeita pela geração da vida através da mulher.31

2 9 Aqueles que consideram que o narrador ou editor adicionaram a frase não tem razão substancial para fazê-lo. Cf. Cassuto, ibid., 158, 159.

3 0 Cf. minha discussão da revelação messiânica desta passagem no Messianic Revelation in The Old Testament, 112, 113.

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Eva seguiu seu marido no fazer uma resposta aprovada e crédula à proclamação de Yahweh do protoevangelho (Gn 4.1)32. Quando seu primeiro filho nasceu, ela disse que havia recebido um varão com a ajuda de Yahweh.33 Desse modo, Eva respondeu a Yahweh e deu sua própria declaração de fé em resposta à promessa de uma semente vitoriosa. O marido Adão e a esposa Eva estavam unidos na sua resposta e na fé nas promessas de Yahweh de redimir e restaurar o que eles haviam corrompido e, dentro do qual, haviam trazido a perdição.Os primeiros dois filhos de Adão e Eva não deram respostas similares. Abel, o segundo, pode ser julgado como tendo se unido aos seus pais na aceitação das promessas de Yahweh. Ele ofereceu um sacrifício que foi agradável a Yahweh (Gn 4.4). Em vista do que a revelação posterior nos informa a respeito de sacrifícios (cf. Lv 1.3, 10; 3.1, 6.16c), pode se admitir que Abel, através do seu sacrifício, deu expressão à sua consciência da necessidade pela intervenção de Yahweh na sua vida pecaminosa e expressou sua gratidão oferecendo “as porções de gordura de alguns dos primogênitos do seu rebanho”(NIV). O Novo Testamento nos informa que Abel foi motivado pela fé (Hb 11.4). O sacrifício dos produtos do solo de Caim não foi aceitável a Yahweh.34 A resposta de Caim à rejeição deu evidências da sua falta de submissão e fé em Yahweh (Gn 4.5). O assassinato de Abel por Caim indicou que ele, conscientemente ou inconscientemente, estava sob a influência de Satanás, que é citado como o “assassino desde o começo”. Jesus poderia muito bem estar com o assassinato de Abel por Caim em mente, quando falou desse modo sobre Satanás (Jo 8.44). Quando Yahweh disse a Caim que ele estava sob uma maldição (Gn 4.11 RA) e seria banido, a resposta de Caim foi de auto piedade. Não havia evidências de arrependimento, apelo por perdão ou expressões de fé nas promessas de Yahweh em trazer redenção e restauração.

A REVELAÇÃO DAS VIRTUDES DE YAHWEH

No estudo anterior do texto, tornou-se claro que Deus Yahweh revelou certas características de si mesmo às quais não tinha sido dado uma expressão clara e definida antes do pecado de Adão e Eva. Devemos nos lembrar que, como explicado no cap. 1, a majestade, soberania, infinidade, santidade, onipotência, liberdade, sabedoria, bondade e amor de Deus Yahweh foram revelados na sua obra e produto criadores. A referência agora é a [[sedeq/sedaqâh]] de Yahweh 3 1 Alguém pode admitir que os primogênitos dos animais estavam disponíveis a Caim mesmo se ele não os

criasse.

3 2 Eu discuti estes termos vastamente, em vários contextos, no meu livro Revelação Messiânica no Antigo Testamento. Cf. index para referências de lugares onde isto ocorre.

3 3 Esforços para se descobrir diferenças de nuanças entre a forma masculina [[sedeq]] e a feminina [[sedaqâh]] não tem obtido sucesso. Os dois termos são, consenquentemente, traduzidos corretamente pelo único termo - integridade. Cf., por exemplo, John W. Olley, "Righteousness", "Some issues in Old Testament Translation into English", B T vol. 38, 1987, 307-315. Cf. também, seu "The translator of Septuagint of Isaiah and Righteousness", Bulletin of Septuagint Studies, vol. 13, 1980, 58-78. Neste livro, assumirei a precisão do comentário de Harold G. Stigers, "As duas formas não se diferenciam em significado, até onde podemos provar" (TWOT vol.2, 1878). Stigers cita Norman Snaith, The Distinctive Ideas of the Old Testament (Philadelphia: 1960), 752.

3 4 Stigers escreveu, "Esta raiz, basicamente, sugere a conformidade a um padrão moral ou ético" (ibid., 752).

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(integridade), [[mispat]] (justiça), [[hesed]] (misericórdia), e [[hen]] (graça). Assim como o termo [[berît]] (pacto) não é encontrado em Gn 1-4, estes quatro termos também não estão presentes lá. Mas os conceitos são certamente revelados. Yahweh, ao pronunciar as maldições, ao fazer suas promessas de redenção e restauração e, desse modo, dando segurança a Adão e Eva da sua intenção em manter seu reino cósmico, de reter seus relacionamentos pactuais, de providenciar a continuidade da vida e dar vitória àqueles sob a maldição da morte, revelou virtudes que revelações posteriores identificaram pelos termos específicos mencionados acima. Uma discussão detalhada destes conceitos não será feita. Estes serão citados e discutidos em profundidade nas discussões subsequentes. Mas é necessário citá-los brevemente neste contexto, por várias razões. 1) Yahweh os revelou no lidar com Satanás e com a humanidade pecadora desde quando o pecado entrou no mundo. A revelação está lá; devemos reconhecê-la. 2) Yahweh deve ser compreendido como agindo e lidando de acordo com sua natureza, como Deus Yahweh. Ele foi motivado a fazer o que fez porque ele é o que é: ele é íntegro, justo, misericordioso e gracioso. 3) As virtudes de Yahweh, como revelado através do que ele prometeu e fez, ajudam seu povo crédulo a entender de forma mais completa o que Yahweh pretendeu e, de fato, introduziu dentro do curso da história após a entrada da rebelião e do pecado.Os conceitos de integridade e justiça serão considerados primeiramente. Tendo feito isso, o [[hesed]] e o [[hen]] de Yahweh podem ser entendidos mais claramente e apreciados mais completamente. Sempre que alguém introduz uma discussão do conceito [[sedeq/sedaqâh]], entra em uma área judicial.35 Isto é, pensar em integridade é trazer à mente o conceito de lei, da vontade de Deus, suas normas ou padrões revelados,36 seu papel e o relacionamento inerentemente envolvido neles, e as questões que podem ser derivadas de um procedimento com eles.37 Em Gênesis 1 e 2, Deus Yahweh revelou sua vontade para a humanidade. Eles receberam três mandatos, o cultural, o social e o espiritual (cf. cap. 3 acima). Eles foram explicados em três termos breves mas específicos. Por exemplo, o homem

3 5 TWOT, vol. 2, 94;7. Cf. minha discussão sobre os conceitos [[sedeq]] e [[mispat]] em Revelação Messiânica, 550, 551 (checar páginas no port.).

3 6 Como substantivo, [[hesed]] ocorre 245 vezes. Na forma verbal, hithpael, ocorre duas vezes e como adjetivo, 32 vezes. Na KJV, o substantivo é traduzido como misericórdia, bondade ou bondade amorosa. A LXX usualmente tem [[eloes]] e a Vulgata tem misericordia como traduções.

3 7 Nelson Glueck na sua dissertação para doutorado, [[Hesed]] in the Bible, trad. A. Gottschalk (Cincinnati: Hebrew Union College, 1967) concluiu que [[hesed]] foi praticado em um relacionamento eticamente comprometedor entre vários grupos.Katherine D. Sakenfeld no The Meaning of Chesed in the Hebrew Bible: A New Enquiry (Missoula: Scholars Press, 1978), concordou que aquele [[hesed]] implica em certos relacionamentos pactuais mas enfatizou que [[hesed]] é um reflexo do amor de Deus e indica atos livres de resgate e libertação; [[hesed]], consequentemente, deveria ser visto como dado livremente e não colocado dentro de algum tipo de relacionamento constrangedor ou motivador. Discernimentos úteis a respeito da natureza de Deus, [[hesed]] Yahweh, amor e santidade estão no livro de Walther Eichrodt Theology of the Old Testament, vol. 1, 232-281.

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deveria se apegar à sua esposa; juntos, eles deveriam ser uma só carne; eles deveriam obedecer a Deus no seu cultivo e uso do cosmos, deveriam exercitar a autoridade sobre o mundo animal (Gn 2.19); eles foram estritamente proibidos de comerem da árvore do conhecimento do bem e do mal. Adão e Eva foram avisados das conseqüências da possível desobediência, “certamente morrerás” (Gn 2.17). Pode-se dizer, sem medo de contradição, que Adão e Eva sabiam qual era a vontade de Deus para eles. Eles haviam recebido direções para sua vida e serviço; estas podem ser consideradas como normas, padrões ou regulamentos, resumindo, a lei de Deus Yahweh para eles.Adão e Eva desobedeceram a lei de Deus Yahweh. Eles conheciam as conseqüências disto. Eles estavam envergonhados; viviam no próprio jardim onde deveriam ter comunhão e exercer domínio. Eles estavam com medo; sabiam que mereciam uma punição, i.e., morrer. Deus Yahweh, naquela situação, mantendo e demonstrando sua sabedoria e santidade, revelou que ele mesmo sustentaria sua lei e falou e agiu de acordo quando se dirigiu a Satanás e aos pecadores, miseráveis e culpados, Adão e Eva. Fazendo isto, ele revelou sua integridade. Ele não ignorou sua vontade revelada. Ele sustentou sua própria lei com relação à humanidade e a Satanás. Na sustentação e aplicação da sua lei, Deus Yahweh revelou que a justiça seria uma força integral no seu reino cósmico. Deus Yahweh, desse modo, revelou o que é a justiça e que ele deveria ser conhecido, honrado e servido como um Deus sustentador e aplicador da lei--isto é, justo.O conceito de [[mispat]] (justiça) é intimamente relacionado, e em alguns sentidos, entrelaçado com retidão. O substantivo é derivado da raiz verbal [[sapat]], significando julgar e/ou governar. Robert C. Culver chamou a atenção ao fato de que [[sapat]] tem o sentido primário de exercer ou realizar o processo de governo.38 Em outras palavras, [[mispat]] (justiça) se refere, de fato, ao cumprimento das estipulações e requerimentos da lei. Desse modo, enquanto Deus se revelava como reto, ele também demonstraria justiça. Ele demandaria e executaria o que a lei requeria, e faria isto em acordo total com o tom e a intenção da lei. Deus não aplicou a lei caprichosamente e ultra zelosamente, nem mostrou parcialidade através de uma aplicação limitada. Ele cumpriu sua vontade revelada, ele executou o que havia avisado que iria acontecer. Adão e Eva morreram espiritualmente; seu relacionamento de vida/amor com Deus Yahweh estava quebrado; eles foram alienados dele. Eles demonstraram este relacionamento quebrado e a separação através do reconhecimento da nudez, sentindo-se envergonhados, com medo e escondendo-se. E, fisicamente, o processo de retorno ao pó havia começado. Desse modo, Deus revelou sua justiça; ele atuou de acordo com a sua própria natureza e vontade revelada (lei) e executou as conseqüências da desobediência a essa vontade. A integridade de Deus Yahweh e sua execução da justiça poderia ter significado o fim de Adão e Eva como os vice gerentes pactuais. Poderia, também, ter levado à retirada completa de Deus Yahweh do seu reino cósmico. Mas, nenhum destes se tornou realidade.

3 8 A graça foi brevemente discutida quando a motivação de Yahweh foi discutida (cap. 1, parte II). Lá, chamei a atenção ao fato de que a criação do cosmos e da humanidade não foi uma obra da graça.

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Deus Yahweh, como íntegro e justo, pronunciou uma maldição absoluta e final sobre a serpente/Satanás (Gn 3.14-15). Na maldição da serpente/Satanás residiu a esperança para Adão e Eva e o reino cósmico. A maldição de Satanás abriu caminho para uma maldição mitigada (cf. discussão acima sobre Adão, Eva e sobre o cosmos). O poder, domínio e intenção de Satanás receberam um golpe severo. E aplicar este golpe, ou pronunciando e cumprindo sua maldição sobre Satanás, fazendo com que sua derrota e rendição fossem inevitáveis e, desse modo, atenuando o poder e a influência de Satanás sobre Adão e Eva e o reino parasita, Deus Yahweh revelou sua bondade e amor com respeito a Adão, Eva e o reino cósmico. Motivado pela sua bondade e amor, Deus Yahweh revelou as dimensões incomparáveis destes (cf. Ef 3.18-20). As Escrituras se referem a estas dimensões como sua [[hesed]] e [[hen]].O termo [[hesed]], embora não apareça em Gn 1-4, é repetidamente usado através do Antigo Testamento.39 Os estudiosos geralmente concordam que [[hesed]] deve ser reconhecido como um termo pactual, isto é, o termo é inseparavelmente relacionado à idéia de [[berît]]. Falar da [[hesed]] de Yahweh é trazer à mente o pacto de Yahweh como seus portadores de imagem e seu reino cósmico.40 Um exemplo clássico da relação de [[hesed]] com pacto pode ser encontrado no pacto de Yahweh com Davi (2 Sm 7), o qual é citado como o [[hasde dawid]] (misericórdias de Davi) (Is 55.3). Uma revisão rápida do que os escritores de enciclopédias e dicionários bíblicos tem escrito, informarão qualquer leitor de que termos como fidelidade pactual, constância, bondade amorosa, como também amor e misericórdia são usados, freqüentemente dependendo dos contextos, na tradução do termo [[hesed]]. Ainda mais, um estudo do termo em vários contextos irão revelar que [[hesed]] é considerada como sendo uma fonte ou motivação para o perdão (Sl 51.3), de libertação (Sl 57.4 MT 77.8,9), proteção (Gn 19.19; Sl 23.6), força para perseverança (Sl 59.16,17) e a remoção de inimigos (Sl 59.6; MT, 143.2).Uma consideração de [[hesed]] em relação ao pronunciamento de Deus Yahweh--o protoevangelho incluindo seu anúncio de várias maldições--não deveria ser surpresa para ninguém. O salmista cantou da [[hesed]] de Yahweh em muitos contextos. O salmo 136 é, particularmente, uma canção que exalta a [[hesed]] de Yahweh (NIV, NEB, amor; KJV, ARV, misericórdia; RSV amor inabalável; Goodspeed, bondade; Berkeley, amor pactual) como revelado em sua bondade (vs. 1), majestade (vs. 3), grandes maravilhas (vs. 4), sabedoria como demonstrado na criação (vss. 5-9), e na sua redenção, preservação e cumprimento das promessas no dar a terra prometida (vs. 21). Estas realidades que o salmista cantou, são aspectos integrais das atividades pactuais de Deus 3 9 Edwin Yamauchi escreveu que o verbo [[hanan]] é o termo raiz que significa ser gracioso, ter compaixão,

e no grau hithpael significa suplicar ou implorar (TWOT, vol.1, 302, 303). No entanto, o substantivo [[hen]] também pode ser traduzido como charme como em Pv 11.16, mas aqui, a RA tem graciosa e a RC tem aprazível). Em Pv 31.30m a a RA e a RC tem graça.

4 0 Charles C. Ryrie deu o que ele considereva uma definição concisa de graça: "...graça é favor imerecido". Ele prosseguiu dizendo que a graça é imerecida, imérita e não adquirível e adiciona, "...em um estado de demérito total" (So Great Salvation [Wheaton: Victor Books, 1989], 17).

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Yahweh. Resumindo, assim como o pacto, Deus Yahweh revela sua [[hesed]] de várias formas. Na verdade, a manutenção e restauração dos relacionamentos pactuais com seus vice gerentes foi, em um sentido real, motivado pela sua [[hesed]]. Deus Yahweh se lembrou do seu pacto da criação e, particularmente, seu vínculo de amor e vida com Adão e Eva.A revelação da [[hesed]] de Deus Yahweh pode ser vista na sua bondade e compaixão pelo homem e pela mulher cheios de vergonha, escondidos e temerosos. Ele veio a eles, os procurou (Gn 3.8-9). Sua fidelidade ao seu pacto da criação é revelada quando ele cria um modo para Adão e Eva serem redimidos, restaurados e libertos da maldição da morte que estava sobre eles. O amor pactual de Yahweh é demonstrado quando ele lhes assegurou o cultivo contínuo do solo e a geração da semente e, desse modo, o ser frutífero e encher a terra. Até mesmo Caim experimentou a [[hesed]] de Yahweh quando foi advertido a respeito da sua ira (Gn 4.6-8) e quando Yahweh considerou sua reclamação sobre o pesado castigo (Gn 4.13-17). De fato, enquanto Deus Yahweh pronunciava seus julgamentos íntegros e justos, ele revelou que, como um Senhor pactual, ele também exercitava compaixão, bondade, misericórdia, fidelidade, lealdade, sim, seu amor pactual inabalável em relação aos seres humanos pecadores que foram desventurados na miséria trazida sobre eles pela sua desobediência--pecado.Finalmente, devemos considerar também a revelação da [[hen]] de Deus Yahweh (graça). O termo mesmo não aparece em Gênesis 1-4. Ele aparece em Gênesis 6.8 onde é dito que Noé achou [[hen]] aos olhos de Yahweh. Somado à graça, o termo favor é usado freqüentemente para traduzir [[hen]] (cf., por exemplo, Gn 18.3 KJV, NIV, Nm 11.15 KJV, NIV).41 Tem sido salientado que o termo [[hen]], freqüentemente encontrado em “contextos não teológicos” (cf., e.g., Gn 33.10; Ex 3.21; Es 2.15, 5.2), tem a mesma nuança que o termo teológico em que o foco de atenção está antes na pessoa que recebe do que no doador. Isto significa que o recipiente não tem razão para receber ou não merece receber o que é pedido ou recebe sem pedir (cf. e.g., Gn 18.3; 33.8; Ex. 33.12; Nm 32.5; 1 Sm 1.18).A idéia de [[hen]] é, assim como [[hesed]], intimamente relacionada à atividade pactual de Yahweh com seu povo.42 Enquanto a frase “pacto da graça” não

4 1 A frase raramente ocorre em comentários. Cassuto discutiu aspectos da proteção de Caim do sangue vingador, mas nenhuma declaração teológica que lida com a atitude ou razão de Yahweh é incluída (Commentary, 223-228). Von Rad lidou com vários assuntos teológicos, e.g., o desmoronamento para dentro do pecado (Genesis, 105, cf. também 91); ele citou a teodicéia e o julgamento suavizado (95-99). Wenham citou as especulações sem fim sobre o sinal de Caim (Gn 4.15, 16) e insinuou que os homens tem considerado a "boa vontade" de Deus como sendo assegurada por sinais. (Genesis 1-15, 109). Keil e Delitzsch opinaram que Deus concedeu a continuação da vida porque a preservação da raça humana era um interesse (Pentateuch vol. 1, 115).

Uma das definições e explicações mais úteis do conceito de "graça comum" foi dada pelo Dr. Herman Bavinck quando fez seu discurso reitoral (rectoral) em Kampen, Holanda, em 1984. Este discurso foi traduzido recentemente pelo Dr. Ray Van Leeuwen e publicado no CTJ 24/1, (1989), 38-65. Cf. também, Louis Berkhof, Systematic Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1949), 432-446.

4 2 "Kingdom Prologue" 2:14-15. Kline explica sua visão da graça comum e o papel desta sob a administração soberana de Yahweh desde o tempo em que Adão e Eva pecaram (14-31). Dr. Gerhard Ch. Aalders enfatizou que a graça foi mostrada imediatamente a Adão e Eva e à toda criação. Aalders escreveu que a

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aparece nas Escrituras, é usado por estudantes bíblicos e estudiosos, freqüentemente para se referirem ao pacto de Yahweh com a humanidade pecaminosa com sua redenção em mente. Mas, como será visto, [[hen]] nem sempre resulta em redenção.Uma consideração da forma adjetiva [[hannûn]] vai elucidar o significado escriturístico de [[hen]]. As treze vezes em que o adjetivo aparece se referem à virtude de Deus Yahweh, i.e., Yahweh é gracioso (Ex 22.27 [26 MT]; Ex 34.6; 2 Cr 30.9; Ne 9.17, 31; Sl 86.15; 103.8; 111.4; 112.4; 116.5; 145.8; Jl 2.13; Jn 4.2). Ex 34.6 é uma passagem clássica (repetida em Sl 103.8; Jl 2.13). Israel havia adorado o bezerro de ouro; eles haviam perdido cada direito de ser considerado o povo pactual de Yahweh. Moisés intercedeu e Yahweh o ouviu porque Yahweh foi ambos, misericordioso e gracioso. Yahweh não realizou o castigo ameaçado (Ex

graça experimentada em geral entre o tempo do primeiro pecado e seu castigo eventual é "geen zligmakende genade" (não uma graça salvadora) "zij is...de gemeenegratie" (ela é comum ou graça geral) (De Goddelijke Openbaring in de Eerste Drie Hoofdstukken van Genesis [Kampen: Kok, 1932], 530). Aalders citou a posição de Abraham Kuiper, a qual ele desenvolveu em uma obra de 3 volumes Gemeene Gratie (Amsterdam: Hoveker & Warmser, 1902). Aalders escreveu sua obra na mesma época em que havia começado um complicado debate nos círculos teológicos Reformados a respeito da graça comum. A obra extensa de Kuiper foi, freqüentemente, considerada como padrão. Vários livros e artigos tem sido escritos nos quais, os temas centrais envolvidos na "graça comum" tem sido discutidos. Herman Kuiper Calvin On Common Grace (Grand Rapids: Smitter, 1928), registrou as opiniões de Calvino sobre o assunto (5-179) e, então, registrou a classificação tríplice de Calvino: universal, geral e graça comum pactual (180-203). John Murray deu uma boa contribuição à discussão da graça comum em 1942 quando escreveu uma dissertação sobre o assunto, publicada no WTJ, vol. V, No. 1 e reeditada no Collected Writings of John Murray (Edinburgh: Banner of Truth, 1977), 93-119. Ele escreveu que a graça comum "concerne a si mesma com a razão e o significado" do curso rico da vida humana (93). Depois de rever as definições de graça comum dadas por Charles Hodge e A. A. Hodge, ele concordou que eles adotaram nas suas definições a mais importante fase da graça comum, a saber, a influência do Espírito Santo nas mentes dos homens. Ele concluiu, no entanto, que os Hodges foram muito restritos nos seus conceitos. Ele definiu graça comum como "cada influência de qualquer tipo ou grau, escassa de salvação, na qual este mundo não merecedor e amaldiçoado pelo pecado, desfruta da mão de Deus" (94-97). Cornelius Van Til estimulou a discussão com o seu Common Grace (Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1947). Ele reviu brevemente as visões de Kuyper, avaliou os desenvolvimentos recentes (i.e., entre 1924-1944) (23-32) e deu sugestões para pensamentos futuros. S. J. Ridderbos reviu e avaliou as visões de Klaas Schilder, S. De Graaf, Herman Hoeksema, C. Van Til, e Karl Barth no seu Random Het Gemene Gratie Probleem (Kampen: Kok, 1949). A primeira sentença de Alexander de Jong no capítulo 1 é, "Durante os anos que seguiram imediatamente a I Guerra Mundial, os líderes...estavam discutindo o problema da graça comum". Ele lidou com um assunto envolvido no debate, que é o título do seu livro (The Well-Meant Gospel Offer: The Views of H. Hoeksema and K. Schilder [Franeker: Wever, 1954]). Meredith Kline continuou a discussão apresentando o conceito de "intrusão", o qual tem compreendido escatologia no seu cerne (158). A escatologia ou consumação não foi realizada, i.e., a maldição não teve um efeito total quando o pecado foi introduzido. Deus, na sua compaixão divina, introduziu um adiamento, durante o qual o pacto redentor, com a graça comum como seu corolário, foi revelado. Por esta razão, Kline escreveu "... o adiamento e a graça comum são adjacentes" (155). Cf. Kline The Structure of Biblical Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), cap. 3, 154-171. Os escritos de Kline, assim como os dos escritores prévios, foram trabalhados de várias formas; cf., e.g., Mark W. Karlberg, "Covenant and Common Grace", WTJ, vol. 50, 1988, no qual as visões de Gary North, como encontradas em Dominion and Common Grace: The Biblical Basis of Progress (Tyler: Institute for Christian Economic, 1987) são avaliadas criticamente. Karlberg indica estar ciente do que H. Hoeksema e C. Van Til tem ensinado (323-337). Esta dissertação dá um discernimento útil no modo como os pensadores teonomísticos como Greg Bahnsen e Rousas Rushdoony lidam com a graça comum. Cf. também para visões que relacionam lei e governo à graça comum, John Frame "Theology of State", WTJ, vol. 51, 1989, 199-226, e Douglas J. Oss "The Influence of Hermeneutical Frameworks in the Theonomy Debate", WTJ, vol. 51, 1989, 227-258.

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32.34). Ele se lembrou do seu vínculo pactual de amor/vida com eles. Ele perdoou o povo (embora eles tenham sido atingidos por uma praga Ex 32.35), foi compassivo, tardio em irar-se, abundante e mantenedor do amor. Yahweh fez com que o povo não merecedor, corrupto e culpado se tornasse recipiente do seu amor pactual. Desse modo, quando se diz que Yahweh é graciosos, ele concede graça, i.e., amor não merecido sobre o culpado. A ênfase pode ser colocada sobre o conceito “culpado” no sentido em que qualifica “não merecido” e “não meritório”.43

Yahweh revelou que, em seu amor soberano e puro prazer, ele foi gracioso quando lidou com Adão, Eva e Caim. Todos eles mereciam castigo, i.e., morte, fim da vida física e separação de Deus; eles eram culpados porque todos estavam em um estado de não merecimento total. Mas nenhum dos três recebeu o castigo imediatamente. Na verdade, a graça de Yahweh não resultou nos mesmos efeitos para as três pessoas. Os culpados e não merecedores Adão e Eva foram colocados sob uma maldição mitigada, a qual Deus prometeu que seria removida através da ferida da semente da mulher. A resposta de fé de Adão e Eva levou a uma execução completa desta promessa de liberdade contínua e vitoriosa da culpa e das maldições pronunciadas. Para Adão e Eva, a graça de Yahweh efetivou a vitória completa e a redenção. Para eles, os culpados, Yahweh revelou e demonstrou a graça salvadora. A situação para Caim foi diferente. Como assassino, ele era culpado, merecedor da força e impacto totais da maldição. Mas ele recebeu uma suspensão temporária da pena capital; mais, ele recebeu a proteção divina. Ele também recebeu tempo e oportunidade de participar do mandato social; i.e., ele se casou e teve filhos. Então, ele foi ativo em realizar o mandato cultural, construiu uma cidade, seus descendentes se tornaram criadores de gado, metalúrgicos e músicos. Eles puderam fazer isto porque Yahweh era favorável a eles. Yahweh demonstrou, no mínimo, um grau de bondade, compaixão, amor e misericórdia em relação a Caim e seus descendentes. Consequentemente, eles certamente receberam a oportunidade de se arrependerem e se unirem a seus pais (e avós) na resposta de fé às evidências da benevolência de Yahweh a eles. Existe ainda um outro ponto a ser referido. Pelo mérito do fato de que Adão e Eva eram vice gerentes com Yahweh e receberam status régio e autoridade real sobre o cosmos criado, este também ficou sob a maldição. Yahweh amaldiçoou o solo (Gn 3.17) e colocou uma maldição sobre a capacidade reprodutiva das mulheres. Mas, novamente, estas maldições foram mitigadas. A realidade criada, o cosmos, continuaria a existir e as pessoas continuariam a se multiplicar. O cosmos, no entanto, iria gemer sob esta maldição mitigada até esta ser removida completamente (Rm 8.20-22).Teólogos tem se referido à atitude de Yahweh e ações resultantes com relação aos culpados e amaldiçoados através da frase “graça comum”.44 Meredith Kline escreveu que assim como a maldição foi comum, i.e., na generalidade da 4 3 Genesis, 95-99; cf. também Old Testament Theology, vol. 1, 154-160.

4 4 Eichrodt, Theology, vol. 2, 400-408. Cassuto, enquanto isso, advertiu que interpretações etiológicas deveriam ser "vistas com grande cuidado" (Genesis 1, 139). Cassuto enfatizou que Genesis foi escrito como instrução. O escritor, no entanto, refletiu "o espírito nacional de Israel e suas convicções religiosas" depois de muitos ciclos de relações Israelitas com poemas épicos (7-9).

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humanidade e do cosmos, assim existiu a “graça comum”. Ele mostrou que o homem não foi deixado completamente sob o poder do pecado; ele não foi banido para a escuridão externa. O sol não foi escurecido; a terra não foi consumada. As bênçãos temporais ainda estavam disponíveis para todos; nenhum destes eram merecidos mas foram recebidos e apreciados “só pela graça do Criador”. “A graça comum provê benefícios ao justo e ao injusto em comum”.45 Se é ou não correto usar o termo “graça” para se referir à retenção da aplicação total da maldição por Deus Yahweh, é uma realidade indiscutível que Deus Yahweh, tendo pronunciado uma maldição absoluta sobre Satanás e sua semente e uma maldição mitigada sobre Adão, Eva e o cosmos, não as executou totalmente, imediatamente e finalmente. E esta verdade é básica para o entendimento da história--i.e., a revelação do plano abrangente para a humanidade, o cosmos, assim como para o mundo angélico rebelde e todos os seguidores humanos de Satanás. Deus Yahweh determinou que ele realizaria sua vontade para a humanidade e para o cosmos de acordo com seu plano redentor e realizaria completamente seus propósitos do reino na sua própria “plenitude do tempo” determinada. Em outras palavras, o pacto da criação não seria revogado; o pacto redentor seria o modo de Deus Yahweh para acabá-lo totalmente e realizá-lo completamente. Ter a função pactual redentora na história, progressivamente, organicamente se revelando no tempo, demoraria. Durante este tempo divinamente determinado, enquanto a integridade e a justiça seriam continuamente reveladas e executadas, [[hesed]] (misericórdia) e [[hen]] (graça) funcionariam de uma forma completa, rica e salvadora para os crentes. Existiriam também os benefícios dos méritos de Deus Yahweh em ação para os incrédulos. De acordo com a integridade e justiça de Deus Yahweh, eles receberiam, eventualmente, a administração total da maldição, mas até lá, eles receberiam os benefícios da sua misericórdia e graça. Estes benefícios não incluiriam a redenção; eles incluiriam bem estar temporal, provisão para a vida diária, participação nos mandatos social e cultural e as vantagens desta participação.

A NECESSIDADE DA REVELAÇÃO

É apropriado, a esta altura, enfatizar novamente que Deus Yahweh se revelou como um Deus íntegro, justo, misericordioso e gracioso. Verdade, os termos não aparecem em Gênesis 3-4. Mas no que Deus Yahweh disse e fez, ele revelou estas virtudes. Existem um número de razões para enfatizar a realidade da revelação de Deus Yahweh. Primeiramente, Adão e Eva e sua descendência como criaturas finitas, embora fossem portadores da imagem do seu Criador, não tinham a capacidade ou os meios para conhecerem Deus Yahweh pessoalmente sem a revelação destas. Adão e Eva precisavam da comunhão com seu Criador a fim de conhecê-lo, entender sua vontade e compreender, a uma certa extensão, a natureza e a motivação do seu Senhor pactual. Segundo, uma vez que Adão, Eva e sua descendência estavam sob a influência de seu pecado, suas mentes escurecidas, vontades e desejos corrompidos e 4 5 Rinck B. Kuiper escreveu um artigo no qual definiu a antítese e discutiu claramente várias de suas

características principais. "Antítese", Encyclopedia of Christianity vol. 1, 286-291.

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emoções confusas, isto fez com que o conhecimento de Deus Yahweh se tornasse ainda mais impossível. Pessoas pecadoras precisavam e ainda precisam terrivelmente de uma revelação verbalizada, a qual vem de Deus Yahweh por qualquer meio que ele escolha dar. Assim, Adão e Eva nunca teriam sabido da maldição sobre Satanás, da maldição mitigada sobre eles mesmos e sobre seus aspectos sociais e cósmicos de existência, se estes não tivessem sido comunicados a eles. Indubitavelmente eles as teriam experimentado mas não teriam compreendido ou entendido precisamente o que Deus Yahweh estava planejando e fazendo. A revelação do plano da redenção foi especialmente importante. Sem a revelação, Adão e Eva não saberiam da vitória assegurada da semente da mulher. Nem Caim saberia que, como um homem banido, receberia um sinal que o asseguraria da proteção divina contra os vingadores. Terceiro, Adão e Eva requeriam revelação por causa da sua situação e meio ambiente alterados. Antes do seu pecado de incredulidade e rebelião, Deus Yahweh comungava com eles (Gn 3.8). Isto foi, indubitavelmente, para beneficiar a Adão e Eva enquanto eles encaravam os desafios dos mandatos espiritual, social e cultural. Mas, depois de terem abandonado a vontade de Deus Yahweh para eles, depois da percepção da sua nudez e vergonha que os motivou a terem medo do seu Criador, e depois que foram expulsos do hospitaleiro, confortável, cooperativo e doador de vida jardim do Éden (Gn 3.24), eles tiveram uma necessidade terrível da comunhão e comunicação de Deus Yahweh. De fato, uma vez que estavam em um ambiente cósmico duro e não cooperativo que estava gemendo sob a maldição, ainda que mitigada, não poderiam viver e trabalhar com coragem, força e esperança. Caim, não arrependido e banido, indicou que precisava de Deus quando clamou em auto piedade (Gn 4.13, 14); Deus Yahweh mostrou misericórdia, a uma extensão, e graça limitada a ele. As situações e ambientes mudados certamente fizeram com que a revelação de Deus Yahweh fosse uma necessidade se seus portadores de imagem tivessem que viver e funcionar mesmo que a um grau limitado do que foi pretendido para eles quando foram criados, colocados no Éden e receberam suas comissões.A revelação era uma necessidade; eu enfatizei isto anteriormente. Uma razão para esta ênfase é a desconsideração ou negação por vários estudiosos de que Deus Yahweh, de fato, se revelou em palavra e fatos associados. Poucos exemplos serão suficientes. Gerhard Von Rad, depois de apresentar seu discernimento exegético útil sobre Gn 3, conclui sua discussão sugerindo que o editor desta passagem, escrevendo no período iluminada Salomônico, conta com mitos antigos que foram refinados no seu caminho até ele através de tradições produzidas muitos séculos antes dele. Depois do desenvolvimento das tradições através de muitas gerações, declarações de fé “foram feitas do ponto de vista do homem caído”. Von Rad continuou dizendo que a questão principal de toda a narrativa era apresentar uma teodicéia na qual Deus foi desobrigado do sofrimento e miséria no mundo. Desse modo, de acordo com Von Rad, Gênesis 3 e 4 não é uma revelação divina comunicada ao povo pecador; mas é um produto do editor peneirado dos mitos originais que se tornaram declarações de fé depois de muitas gerações e séculos.46 Walther Eichrodt expressou uma visão similar. Os Yahwistas 4 6 Na fisolofia Hegeliana, a antítese encontra-se oposta à tese original; esta, encontrando-se oposta e em

tensão, no entanto, produz uma síntese que, por sua vez, se torna uma tese criando sua própria antítese. É

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foram, eventualmente, capazes de falarem de um ponto crucial quando a história da humanidade tornou-se uma história de pecado. Eichrodt escreveu reservadamente; ele não desejava dar a impressão de que não existiram “eventos de fato” nos períodos primitivos (os quais estão acima do alcance da ciência histórica). Seu ponto principal, no entanto, é que Gn 3 contém um mito etiológico que, no curso do desenvolvimento da tradição, veio a ser a declaração central da entrada do pecado e a resposta da humanidade a ele.47 As diferenças no entendimento da origem dos relatos dos pecados de Adão, Eva e Caim e as respostas de Deus Yahweh a estes devem ser entendidas claramente. Os relatos bíblicos declaram que o conhecimento do pecado, suas conseqüências e a resposta de Deus Yahweh a ele é revelado por ele aos pecadores. Os escritores citados acima consideram que os relatos são expressões da mente humana que foi desenvolvida por gerações de pessoas religiosas através de muitos séculos e, eventualmente, registradas como declarações de fé.

O ESTABELECIMENTO DA ANTÍTESE

É da maior importância perceber que Deus Yahweh, ao revelar sua retidão, justiça, misericórdia e graça quando pronunciou as maldições e a realidade e o método de libertação delas e quando revelou misericórdia e graça universalmente, i.e., graça comum, não parou com por ai. Através da graça comum, Deus Yahweh providenciou um palco no qual Adão e Eva e sua semente crédula poderiam viver, viveriam e funcionariam no cosmos junto com e, de várias formas em cooperação, (e.g., na lavoura, tecnologia) com a semente de Satanás, que são os rebeldes, incrédulos, inicialmente representados por Caim. Deus Yahweh não criou um cosmos separado para crentes, nem dividiu o cosmos geograficamente ou materialmente entre duas metades distintas. A realidade é que Deus Yahweh estabeleceu dentro do cosmos, entre a semente de Satanás e a semente da mulher, uma linha divisória, um tremendo abismo que iria separar as duas sementes. Esta linha divisória tem sido e deveria continuar a ser citada como a antítese.48

A idéia básica expressa no termo “antítese”, a qual tem origem grega, é de oposição. Rinck Kuiper escreveu que as Escrituras falam de várias oposições similares: entre Cristo e o anticristo, a igreja e o mundo, e entre os regenerados e os não regenerados. O conceito bíblico implica em dois (ou mais) grupos que se colocam em oposição um ao outro sendo que não existe possibilidade de trégua entre eles uma vez que são absolutamente contrários, assim como a luz e a escuridão e o bem e o mal.49 A passagem bíblica que primeiramente nos apresenta a antítese é Gn 3.14,15.50

Os estudiosos bíblicos não são totalmente concordes em que esta perícope

óbvio que este entendimento filosófico e uso do conceito de antítese é muito diferente da idéia bíblica.

4 7 Cf. Revelação Messiânica do Velho Testamento para a minha discussão exegética desta passagem.

4 8 Von Rad, Genesis, 89.

4 9 Cassuto, Genesis, 161.

5 0 Wenham, Genesis, 80.

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ensina uma antítese absoluta. Alguns falam desta passagem como um mito etiológico pelo narrador, o qual “dá motivos para enigmas e necessidades perturbadores” na vida.51 Cassuto vê a perícope como uma parábola a respeito do princípio do mal.52 Wenham declara que a história é “não só uma etiologia , só uma história explicando porque cobras são tão desagradáveis”. Ele acha que a serpente “simboliza o pecado, a morte e o poder do mal” e, consequentemente, é provável que uma luta longa entre o bem e o mal pode ser considerada.53 Aalders, assim como fazem a maioria dos estudiosos conservadores evangélicos, acha que atrás da serpente está outro, chamado Satanás e que uma luta de longa duração entre Satanás, seus anjos e seguidores humanos de um lado e a semente da mulher, que chega a uma realização pessoal total no Messias de outro lado, pode ser pronunciada.54 A luta amarga terminará com a vitória para a semente da mulher, i.e., para o Messias, e para os regenerados que acreditam, obedecem e servem a Yahweh, seu Senhor.O termo bíblico que é a base do conceito antítese é [[eybâh]] (inimizade). Helmer Ringgren, em sua dissertação sobre [[ayab]], escreveu que em Ugarítico, assim como na literatura Mesopotâmica, o verbo e os substantivos derivados se referem ao ser hostil, inimigos, adversários com o sentido de mal presente.55 No Antigo Testamento o verbo e o substantivo indicam inimigos com intenção hostil (Ex 23.22, 1 Sm 18.29; Nm 35.21; 1 Re 21.20; Ez 25.15). O texto bíblico é claro em dizer que é o próprio Deus Yahweh quem coloca esta inimizade entre as duas sementes. Foi Yahweh quem os separou; ele é quem os declara adversários. Fazendo assim, Deus Yahweh declarou para Satanás, Adão e Eva que ele não estava rendendo seus vice gerentes a Satanás que os havia seduzido e guiado para que o seguissem. De fato, é Yahweh quem declarou que a inimizade estaria presente; ele declarou que existiriam lados opostos; ele declarou que a inimizade continuaria até que Satanás e seus seguidores fossem esmagados completamente. Desse modo, embora Satanás tenha iniciado a inimizade, a

5 1Aalders, Erste Drie Hoofdstukken, 513-531, cf. também seu Genesis K. V., 134-138; cf. também João Calvino "...devemos fazer uma transição da serpente ao próprio autor deste engano...o demônio em quem deve cair toda a culpa" (Calvin's Commentaries Genesis, vol. 1, trad. John King [Grand Rapids: Eerdmans, 1948], 168, 169).

5 2 TDOT, vol. 1, 212, 213.

5 3 R. Kuiper enfatizou, apropriadamente, que a oposição deveria ser considerada basicamente espiritual e não espacial; isto é, a antítese não pede uma separação geográfica. Por exemplo, os regenerados não devem pensar em fugir do mundo rendendo o cosmos para a oposição. (C E, "Antithesis") (cf. nota 50).

5 4 Cf. R. Kuiper que citou as negações da antítese na base de uma paternidade universal de Deus e irmandade do homem. O universalismo e muito ecumenismo a ignoram ou a negam. Por outro lado, outros tem buscado entendê-la e aplicá-la. Considere as dissertações em Pro Rege, vol. 2, Dez. 74, que foi devotada inteiramente à "Antithesis in the Natural Sciences". Dr. J. J. Schmal deu um breve sumário do modo como foram feitos os esforços para aplicá-la na área política da vida (C E, vol. 1, 238) e Dr. G. M. den Hartogh sobre os esforços para aplicá-la nos vários aspectos da vida através da ação política e social (C E, vol. 1, 239, 240). Enquanto isso, Hendrikus Berkhof advertiu que uma aplicação estrita da antítese com respeito à igreja e a solidariedade da igreja com o mundo não competem uma com a outra; mas são "dois lados da mesma realidade". Um desejo essencial de Berkhof é ver a igreja testemunhando ativamente ao mundo e servindo-o (Christian Faith, trad. Sierd Woudstra [Grand Rapids: Eerdmans, 1979], 414-419).

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batalha, a oposição, Deus Yahweh declarou que ele as manteria até que o iniciador fosse derrotado na luta. Até a derrota ser completamente acabada, a inimizade, a oposição, a antítese irá continuar.A natureza e extensão em que esta inimizade deve existir e afetar o próprio cosmos, a humanidade, e o mundo angelical tem dado motivos para discussão e desacordo. Existe um consenso geral de que a antítese é, basicamente, espiritual, isto é, é uma oposição entre Deus e Satanás, entre os regenerados, crentes obedientes de um lado e os não regenerados, incrédulos desobedientes de outro. É, basicamente, uma luta para o coração, serviço real, e benefícios resultantes destes. Deus Yahweh os requereu; Satanás também. Ter os corações, a própria pessoa de Adão e Eva, não era somente tê-los como servos mas também reivindicar o cosmos sobre o qual tinham sido colocados como vice gerentes. Desse modo, reivindicar os vice gerentes era reivindicar o seu domínio. Reivindicar os reais era reivindicar suas prerrogativas reais dentro do domínio. Ter domínio espiritual era também ter o domínio cósmico; todos os aspectos do reino cósmico estariam envolvidos na luta quando Deus Yahweh sustentou, por declaração, a oposição, i.e., a antítese.56 Como esta antítese espiritual, a qual não deveria ser estritamente espacial, deveria ou deve ser percebida, tem sido sempre um assunto desafiador no qual tem existido muito desacordo.57 Enquanto este estudo progride, será visto que para Israel, uma vez liberto do Egito e tendo recebido sua herança, a antítese deveria penetrar todos os aspectos da sua vida.Resumindo, eu enfatizo que a inimizade, iniciada por Satanás, foi declarada por Deus Yahweh como sendo presente entre a semente de Satanás e os seguidores de Yahweh. Esta inimizade colocou uma divisão aguda entre as duas sementes. A oposição de um ao outro estava presente e permaneceria. Citada como a antítese, esta oposição é basicamente espiritual, mas graças ao status da humanidade, papel e responsabilidades dados por Deus, deveria afetar todos os aspectos do cosmos. A antítese terminará quando Deus Yahweh, através da semente da mulher, esmagar completamente a Satanás e sua semente e destruir seu reino parasita. Até isto ser realizado, a antítese deve ser reconhecida e tratada com espiritualidade mas também em todos os aspectos das atividades sociais e cósmicas. Em outras palavras, a antítese não pode ser evitada enquanto os crentes buscam executar seus mandatos espiritual, social e cósmico.Quando uma consideração séria sobre a antítese é feita, pode se perceber que é inevitável refletir sobre os dois reinos. Existe um reino cósmico de Deus Yahweh, estabelecido quando ele criou o universo e colocou Adão e Eva e seus descendentes nele como seus vice gerentes. Existe um reino de Satanás. Ele é parasita, mas penetra poderosamente e influencia todos os aspectos das dimensões social e cultural do cosmos. O reino Satânico foi concebido e trazido à existência na rebelião contra Deus Yahweh; a pretensão era a de se opor ao reino de Deus Yahweh, de superá-lo em cada aspecto e reivindicá-lo em sua totalidade. Satanás não vai negociar, resolver por meio de concessões, ou se render. Ele é totalmente e absolutamente antagonista por natureza. Mas Deus Yahweh não pode ser removido da sua intenção inicial de manter seu reino cósmico e trazê-lo a

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uma consumação completa e perfeita. Desse modo, na base do coração do que é conhecido como a antítese, está a oposição entre o reino de Deus Yahweh e o reino parasita de Satanás. Ambos, Deus Yahweh e Satanás, reivindicam lealdade total e buscam exercitar domínio completo. O reino de Deus Yahweh, no entanto, foi projetado para ser e será um reino eterno. As intenções de Satanás de ter domínio completo não será realizada totalmente ou finalmente. Mas, enquanto Deus Yahweh der a ele tempo e latitude, de acordo com sua vontade soberana, ele estará presente, penetrante e influente. Ele será antagonista todo o tempo e em todas os seus esforços. Enquanto estes reinos tem uma natureza espiritual fundamental, isto é, porque os “reis” são espirituais e sua oposição é espiritual, eles não são e não podem ser separados dos seus domínios e seguidores que compreendem seus reinos. O que faz com que a antítese seja difícil de ser entendida é que esta oposição basicamente espiritual não é dividida espacialmente. Isto é, Satanás busca reivindicar todas as esferas, aspectos, dimensões, forças, materiais do reino cósmico de Yahweh. A oposição espiritual é com relação a todo o cosmos que Deus Yahweh criou e mantém como seu próprio. Ele, declarando que a inimizade foi colocada e seria mantida entre a semente de Satanás e a semente da mulher, revelou que sua oposição a Satanás não somente estava presente mas seria mantida até que a semente da mulher, seu meio, esmagasse finalmente e completamente a Satanás, seus coortes, seguidores e os poderes e influências que eles exercem. Desse modo, a antítese envolve Deus Yahweh, Satanás, todo o povo, e todas as dimensões do reino cósmico de Yahweh.A antítese foi demonstrada cedo, de uma forma trágica, na experiência de Adão e Eva. Quando foram expulsos do jardim do Éden, eles foram impedidos de reivindicar uma vida vitoriosa imediatamente, indo à árvore da vida e comendo dela. Isto deveria ter assegurado a eles, por uma ato sacramental, a vida eterna. Se tivessem permanecido no Éden e tivessem a vida assegurada, eles teriam escapado da realidade da antítese. Eles não teriam tido envolvimento adicional na oposição espiritual entre Deus Yahweh e Satanás. Mas, expulsos do jardim, Adão e Eva foram trazidos à arena cósmica onde a luta penetrante entre Deus Yahweh e Satanás deveria ser realizada. E lá, eles deveriam ser envolvidos na batalha e na produção dos meios pelos quais a vitória final seria conquistada. Adão e Eva deveriam entrar na arena da batalha porque lá, desde a própria concepção, a semente da mulher deveria ser engajada na luta com Satanás e sua semente. Na arena da batalha cósmica, não dentro de um Éden protegido, a vitória completa seria alcançada.Depois que Adão e Eva foram trazidos à arena da batalha cósmica, eles obedeceram ao mandato social. Eles foram frutíferos; tiveram filhos e filhas. O nascimento do primeiro filho deu a Eva a oportunidade de expressar sua aceitação da promessa de vida de Deus Yahweh (Gn 4.1). Esta declaração deveria ser considerada, também, como a declaração de submissão de Eva a Deus Yahweh. Ela, assim como Adão havia feito (Gn 3.20), declarou qual o lado tomado na oposição. Mas Satanás não admitiu a vitória.Caim, a primeira semente nascida da mulher, foi desafiado a confrontar o fato da antítese. Seu irmão Abel indicou sua submissão a Deus Yahweh através da sua oferta de um sacrifício aceitável (Gn 4.4). Caim, pode se concluir, tentou ignorar a

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antítese; ou poderia ser dito que ele tentou pular sobre o abismo intransponível envolvido na antítese. Ele, em uma mostra de submissão a Deus Yahweh, trouxe um sacrifício assim como Abel havia feito. Mas seu sacrifício não foi recebido favoravelmente (Gn 4.5). A Escritura é definitiva ao expressar quando e por que Deus rejeita sacrifícios. Os sacrifícios de Davi oferecidos quando, no coração, não estava arrependido não seriam aceitos (Sl 51.16-19; também Is 1.10-17; 66.3; Jr 7.21-23; Os 6.6,7; Am 5.14, 15, 21, 22; Mq 6.6-8; Mt 9.13; 12.7; Fp 4.18). Caim indicou que não estava inclinado a se humilhar diante de Yahweh e confessar sua ira pecaminosa e desalento (Gn 4.6-7). Deus Yahweh não rejeitou a Caim completamente; com a misericórdia e a graça comum, Deus Yahweh falou a ele, advertindo-o da sua condição espiritual. De fato, Deus Yahweh avisou Caim de que ele estaria em oposição a ele se ele não se arrependesse (Gn 4.7). Caim, no entanto, premeditadamente, convidou Abel a se unir a ele no campo e lá, então, o assassinou (Gn 4.8). Caim deu evidência clara da sua oposição a Deus Yahweh e seu alinhamento com Satanás. Sua ira, abatimento, e assassinato de seu irmão indicaram que ele estava do lado anti- Deus da antítese. Ele era súdito do reino parasita de Satanás.A participação de Caim no reino parasita e seu serviço a ele, o colocaram espiritualmente antitético ao reino de Yahweh. Mas ele não foi removido do cosmos. Como discutido acima, a graça comum foi dada a ele. Ele, como um portador da imagem de Deus Yahweh, ainda era capaz de ser envolvido na realização do mandato social e cultural. Desse modo, ele tinha uma arena comum para os interesses sociais e culturais e empreendimentos com Adão, Eva, Sete e sua descendência. Mas dentro da arena comum, o abismo intransponível existia--de um lado, fé, obediência e adoração a Deus Yahweh e, do outro, a sujeição a Satanás e a manutenção intencional de um coração pecaminoso.58

Os comentários finais são os seguintes. O protoevangelho incluía a confirmação de Deus Yahweh de que a inimizade dividiria a humanidade e que os grupos opositores dentro da humanidade seriam tão antitéticos um ao outro como Deus Yahweh era a Satanás. O protoevangelho também incluía uma declaração definitiva a respeito do envolvimento da humanidade na situação antitética. Receber a graça e a misericórdia salvadoras envolveriam uma “ferida no calcanhar” enquanto a maldição mitigada sobre Adão, Eva e o solo eram executadas. E o protoevangelho proclamou a vitória certa da semente da mulher e a continuidade assegurada do reino cósmico de Deus Yahweh, dentro do qual o reino parasita de Satanás existiria e seria ativo. O protoevangelho também implicava qual seria o fator principal no curso assegurado da história--a tensão, a batalha, e o resultado da história divinamente determinada.59

A PERSPECTIVA ESCATOLÓGICA

Os comentários finais da parte II acima introduziram materialmente o que seria entendido pela perspectiva escatológica. Na visão da minha intenção de enfatizar

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a escatologia do Antigo Testamento, expandirei brevemente (ou repetirei) o que tem sido explicitamente, ou não explicitamente, declarado, anteriormente. No cap 1, discuti a motivação de Deus Yahweh para a criação e a escatologia na criação. O Criador nunca mudou sua motivação ou sua intenção. Verdade, sua motivação veio a incluir sua misericórdia e graça quando a rebelião e o pecado entraram no cosmos. Sua meta, o escaton, também nunca foi alterada. A consumação intencionada seria alcançada. Novamente, os esforços Satânicos e a intrusão do pecado moveram Deus Yahweh a estabelecer seu pacto redentor, através do qual o pacto original inerente e integral à criação poderia ser mantido, executado e consumado como pretendido inicialmente. De fato, o escaton de Deus Yahweh veria um reino cósmico totalmente desenvolvido e consumado. Duas facetas importantes da perspectiva escatológica devem ser consideradas. Primeiramente, as forças constitutivas básicas que operam no curso da história, enquanto prosseguem para a consumação, devem ser mantidas em mente.As maldições de Deus Yahweh sobre Satanás, sua semente, sobre Adão, Eva, sua semente e sobre o cosmos como um todo serão apresentadas e influentes. Em tensão com estas maldições absolutas e mitigadas estão a retidão de Deus Yahweh, a justiça, [[hesed]] (fidelidade misericordiosa/pactual), e a graça.Deus Yahweh continuará a ser o mantenedor e o governador soberano do reino cósmico. Satanás e seus coortes continuarão em oposição a Deus Yahweh; sua derrota é certa, mas seus esforços para se opor a Deus Yahweh e frustrar seus propósitos nunca cessarão.A semente da mulher, i.e., os regenerados, obedientes, crentes, povo servidor , continuará como vice gerente no reino cósmico. Ela sofrerá oposição constante da semente humana de Satanás. Daqui, uma oposição forte e duradoura, i.e., a antítese, será apresentada através do curso da história. Os dois grupos humanos antitéticos não serão separados espacialmente, geograficamente. Eles existirão juntos dentro do cosmos. Seus corações, devoção, orientação e direção serão absolutamente antitéticos. Não existirá solo comum a esse respeito. A inimizade, proclamada e mantida por Deus Yahweh, caracterizará a antítese no seu nível mais fundamental. Mas, de acordo com a intenção e o propósito de Deus Yahweh, esta inimizade não é para retardar ou frustrar a semente da mulher no chamado ao arrependimento, no convite a unir-se na comunhão abençoada com Deus Yahweh e no serviço a ele, e os esforços para ser um canal de bênçãos pactuais à semente humana de Satanás. O reino cósmico de Deus Yahweh permanecerá estável sob seu reinado soberano. O reino parasita de Satanás continuará a existir dentro dele. Estará em oposição constante ao próprio ambiente no qual ele pode só existir. Estes dois reinos são os dois únicos reinos que as Escrituras nos levam a considerar. Os reinos humanos (ou governos de qualquer tipo) serão reflexos, símbolos, representações imperfeitas de um dos dois reinos. Como será discutido mais tarde, quase todos os reinos humanos refletirão ou simbolizarão o reino parasita a uma extensão muito maior do que ao reino de Deus Yahweh. Na verdade, será visto que os membros do reino de Deus Yahweh serão envolvidos como estrangeiros e peregrinos no mundo por causa do domínio destes reinos/governos que refletem e simbolizam o domínio parasita de Satanás.

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A segunda faceta da perspectiva escatológica são os termos que Deus Yahweh revelou. A humanidade pecaminosa deve continuar a ser obediente aos mandatos pactuais da criação; espiritual, social e cultural. Esta obediência envolverá suor, frustração, pesar, dor, enfim, sofrimento. A lealdade a Deus Yahweh será uma “experiência machucadora” por causa da maldição mitigada que Deus Yahweh pronunciou e os esforços sem fim e obstinados de Satanás, seus coortes e seguidores.Os termos incluem o reconhecimento da inimizade que Satanás iniciou e Yahweh proclamou como estabelecida até a consumação. Deve haver uma luta; muitas batalhas de vários tipos devem ser lutadas. As linhas de batalha tem sido determinadas por Deus Yahweh e devem ser reconhecidas, aderidas e nunca comprometidas. A inimizade será penetrante, afetando todas as dimensões dos cosmos e a vida dentro dele.Não existirá comprometimento. Fazer isto seria ignorar a natureza da inimizade e seu correlato, a antítese. Desse modo, não existirá rendição. Existirá, no entanto, uma expectativa, uma crença, uma esperança na vitória para os vice gerentes pactuais obedientes e fiéis de Deus Yahweh.Concluindo, Deus Yahweh continuou o processo da história quando o pecado entrou. Ele revelou as forças envolvidas. Ele revelou os termos. Ele revelou que seu escaton pretendido seria realizado. Assim como o escaton foi incrustado no seu pacto da criação, assim a consumação vitoriosa é incrustada no pacto redentor. O protoevangelho nos assegura isto. Mas Deus Yahweh não incluiu uma referência ao tempo envolvido para realizar a consumação.

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A REVELAÇÃO A RESPEITO DO REINO E DO PACTO NA ÉPOCA NOAICA

IntroduçãoI. Eventos Históricos Anteriores a NoéII. O Pronunciamento to JulgamentoIII. A Preservação e Continuidade do Pacto

IV. A Profecia de Noé a Respeito dos Papéis de Seus Filhos no Pacto

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A REVELAÇÃO A RESPEITO DO REINO E DO PACTO NA ÉPOCA NOAICA

Neste capítulo, será estudado o material contido em Gênesis 5.1-11.9. Três relatos [[tôledot]] constituem esta passagem: (1) o relato da linhagem de Adão (Gn 5.1-6.8; (2) da linhagem de Noé (Gn 6.9-9.29); e (3) das linhagens de Sem, Cão e Jafé (Gn 10.1-11.9). O período histórico que é coberto é desde o tempo do nascimento de Sete, quando Adão tinha 130 anos (Gn 5.3) até o tempo em que os povos dos tempos antigos haviam se separado, estabelecido sua várias nações e se fixado em áreas que clamavam como sendo seu território nacional. A extensão real deste período de tempo não pode ser determinada; o texto implica que um número considerável de gerações haviam passado. O fato da extensão deste período não poder ser estabelecida e da existência escassa de informações sobre ele, não exclui a historicidade do que foi registrado de fato.

Alguém que deseja entender esta porção da Palavra de Deus seriamente e honestamente não pode evitar o fato de que o caráter histórico dos relatos de Gênesis 5.1-11.9 tem sido debatido, duvidado, ignorado e negado. Três problemas estão envolvidos na consideração do caráter histórico do material: (1) o crítico-textual: as três testemunhas textuais mais velhas-- o MT, o Pentateuco Samaritano, e a LXX-- tem discordâncias; (2) a longevidade das pessoas antes do dilúvio; e (3) o próprio dilúvio.1 O problema a respeito do dilúvio inclui a relação do relato bíblico com as várias estórias de dilúvio que circulavam entre os povos antigos.2 Claus Westermann discute esta relação detalhadamente no contexto dos

1 Gordon J. Wenham, Genesis 1-15 : Word Biblical Commentary (Waco: Word, 1987), 1:130. Ver as bibliografias extensivas de Wenham sobre o conteúdo de Gênesis 5.1-32 (119); de 6.1-8 (135); de 6.9-29 (148).

2 Ver a discussão de Wenham de "Ancient Parallels to Flood Story" (159-166). Ele concluiu que a história do dilúvio de Gênesis é antagônica a muitos aspectos do pensamento Babilônico, mas "deveria ser reconhecido que, de alguma maneira, existe muita continuidade entre as duas tradições". Ver também as avaliações sensatas, mas inclinadas criticamente, da relação entre o relato bíblico e os outros relatos (A Commentary). Ver p. 252, onde ele pergunta, "Qual é a relação do nosso texto com as tradições paralelas no Oriente Antigo?" e prossegue dizendo que "devemos prestar atenção particular às divergências entre elas". Cassuto incluiu uma tradução literal do original Acádio "Tale of Otnapistin Unfolded to Gilgamesh" (7-

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seus esforços em pressupor que partes do relato bíblico deveriam ser atribuídos a P, J e E. Ele admite que o relato bíblico reflete informação primitiva, historicamente verdadeira junto com mitos antigos e inserções teológicas de editores.3 Existem, no entanto, uma série de estudiosos que não hesitam em sustentar a historicidade completa do material registrado em Gênesis 5.1-11.9.4

Este autor considera que as estórias antigas refletem relatos alterados e adulterados do dilúvio ao qual as Escrituras atestam acuradamente.5

EVENTOS HISTÓRICOS ANTERIORES A NOÉ

Enquanto o desenvolvimento cultural no período entre Adão e Noé acontecia, as duas linhagens da humanidade continuaram a exibir sua presença.6 A linhagem da semente de Satanás construiu uma cidade e fez instrumentos musicais, indicando que a música era desenvolvida e praticada. A metalurgia e a agricultura foram desenvolvidas. Isto foi possível porque as pessoas da linhagem de Satanás continuaram a ser, a uma extensão, portadores da imagem de Deus, afetados pelo pecado como eram e pela atitude favorável que Yahweh mostrou a elas. Esse desenvolvimento cultural encontrou Noé em um bom lugar quando ele recebeu a ordem de construir a arca. Aqui está uma indicação de como a graça comum contribuiu para o ambiente no qual a salvação poderia ser executada.A linhagem da semente da mulher é traçada através da lista de alguns dos ancestrais de Noé. Dois fatores são mencionados com relação a eles: "Os homens começaram a invocar o nome de Yahweh" (Gn 4.26); e Enoque [[yithallek]] (hithpael de [[halak]], caminhar para cá e para lá) com [[ha' elohîm]] (Deus). Isto deveria significar que a adoração cúltica foi desenvolvida7 e que a fé em Deus era praticada todos os dias em cada aspecto da vida (ver Dt 6.7-8). Que os homens na linhagem da semente da mulher também estavam envolvidos em agricultura é indicado pelo fato de Lameque ter colocado em seu filho, o nome de Noé e

10) e prosseguiu fazendo uma comparação detalhada, dando os paralelos primeiro, então as divergências e sua visão das relações.

3 Claus Westermann, Genesis 1-11: A Commentary, trad. John J. Scullion (Minneapolis: Augsburg, 1984), 345-557. Cada perícope em Gn 5.11-9a, sobre as quais ele comenta a uma grande extensão , é introduzida por bibliografias extensivas que incluem, na maior parte, escritos críticos europeus. Ver especialmente suas discussões na seção intitulada "Setting in Life" (368-69, 395-406).

4 Ver William J. Dumbrell, Covenant and Creation (New York: Nelson, 1984), 12-13. O, Palmer Robertson não discute o problema; sua discussão assume a historicidade do relato (The Christ of the Covenants [Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1980], 109-125). Gerhardus Vos no seu Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1948), 45-55, não discute o assunto da historicidade; ele, no entanto, fala especificamente da "revelação deste período" (45).

5 Gerard Van Groningen, Messianic Revelation in the Old Testament (Grand Rapids: Baker, 1990), 117, n.4.

6 Robertson escreveu, "Uma linhagem pertence à semente de Satanás, uma linhagem pertence à semente da mulher". Ele critica corretamente Gerhard Von Rad, que em seu Old Testament Theology, trad. D. M. Stalker (London: Oliver & Boyd, 1962), se referiu somente "ao desenvolvimento da linhagem de Satanás mas não à manutenção da linhagem da 'mulher'" (1:154). Ver Robertson (109, n.1).

7 A oferta de sacrifícios era uma parte desta adoração; isto pode ser assumido porque Abel sacrificou aceitavelmente (Gn 4.4).

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declarando que buscava conforto "dos nossos trabalhos e das fadigas de nossas mãos, nesta terra que o SENHOR amaldiçoou" (Gn 5.28-29 RA).O mandato cultural foi cumprido por ambas as linhagens da humanidade. O reino cósmico continuou como um palco para isto; o pacto da criação foi mantido.Na área do mandato social, a evidência da desobediência e rebelião tornou-se mais predominante. Lameque casou-se com duas mulheres (Gn 4.19), quebrando a determinação de um macho e uma fêmea tornarem-se uma só carne (Gn 2.24). Ele assassinou um jovem em vingança por ter sido ferido; Lameque, arrogantemente, escarneceu de Deus dizendo que estava preparado para aceitar a vingança divina em um grau muito maior do que a que Caim teve (Gn 4.34). Moisés registrou que como "os homens começaram a crescer em número" (Gn 6.1), a revolta social piorou. A violência tornou-se um modo de vida (Gn 6.11). Casamentos que não honravam a Deus foram escriturados (Gn 6.1-2).8 Está claramente inferido que, no seu tempo, Noé era o único homem que tinha um casamento e uma família que honravam a Deus (Gn 6.9).A corrupção espiritual estava integralmente envolvida na deterioração social e violência dentro do domínio social. O mandato de comunhão que o Rei Criador tinha colocado diante dos seus vice gerentes, havia sido desobedecido no Éden. Yahweh tinha feito a restauração se tornar possível. Alguns invocaram e caminharam com Yahweh. Mas, assim como as pessoas cresceram em número, existia mais e mais [[ra â]] (maldade) sobre a terra. A raiz desta maldade estava no coração das pessoas; toda a inclinação do pensamento originada do coração "era somente má todo o tempo" (Gn 6.5). Note que o texto usa o termo "todo" duas vezes e o termo "somente". O grau extremo de depravação espiritual nos é, então, revelado.Enquanto refletimos no que o texto bíblico nos diz sobre as condições social, moral e espiritual do tempo imediatamente anterior ao discurso de Yahweh a Noé, não podemos deixar de perceber que o reino parasita de Satanás estava não somente se manifestando fortemente, mas era também muito efetivo. Faz parte da natureza de uma parasita penetrar profundamente dentro do sistema de sua fonte doadora de vida. Assim foi com o domínio satânico do mal. Cada aspecto do reino cósmico foi afetado. Desde que os aspectos espiritual e social estavam totalmente corrompidos, o cultural, integralmente entrelaçado com estes, também foi puxado para debaixo da influência do reino parasita e obrigado a servi-lo.A antítese que Yahweh estabeleceu foi ineficaz? Perguntar isto é, basicamente, indagar se o Criador, Rei e Restaurador soberano foi incapaz de desafiar e dominar eficientemente as influências de Satanás e seu reino. Vos, se referindo a isto, escreveu que existia uma concessão mínima de graça.9 Em outras palavras, o reino satânico não teve um grau elevado de oposição. Satanás, a desobediência, a corrupção, a violência e a destruição receberam latitude; deste modo, sua verdadeira natureza foi radicalmente revelada. A inimizade que Deus havia pronunciado não foi revelada totalmente; a antítese era, assim como foi, completamente e eficazmente removida de apreensão. A realidade que deve ser

8 Ver a minha discussão a respeito do casamento dos filhos de Deus com as filhas dos homens em Revelação Messiânica no Velho Testamento, 109-110.

9 Biblical Theology, 45.

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enfatizada, no entanto, é esta: Yahweh estava exercitando um grau de graça comum. O cosmos continuou. As pessoas continuaram a viver, sociabilizar, trabalhar e executar os desejos dos seus corações (maus ou não)! O texto fala do Espírito de Yahweh lutando com a humanidade (Gn 6.3).A referência ao Espírito de Yahweh é breve; está numa forma germinal. O papel do Espírito Santo na concessão e aplicação eficaz da graça comum é insinuada, não explicada. A obra do Espírito foi "negativa" no sentido em que ele contendeu contra os corações ruins e influências más. Sua influência "positiva" é progressivamente mostrada na medida em que a revelação divina progrediu e foi exposta.

O PRONUNCIAMENTO DO JULGAMENTO

O texto bíblico declara que Yahweh [[wayyar']] (Yahweh viu). Cassuto lembra aos leitores de que é declarado repetidamente no relato da criação que Deus viu que o que ele tinha feito era excessivamente bom.10 Mas depois da rebelião de Adão, a maldade na conduta humana, crescendo enquanto o tempo progredia, encheu a terra com corrupção e violência. Yahweh observou isto particularmente e resolveu lidar com o assunto. Esta decisão não foi uma reação caprichosa, vingativa, porque lemos da dor de Deus. Ele continuaria a conceder sua graça comum e seu Espírito continuaria a contender por 120 anos (Gn 6.3). Mas o pronunciamento foi definitivo: [['emheh 'et hâ'âdam]] (primeira pessoa qal imperfeita de [[mahâ]], eliminar). O termo também pode ser traduzido como apagar, cancelar, exterminar. O contexto suporta a idéia de exterminar, que é, riscar completamente e remover (ver Dt 9.14; 2 Re 14.27; Sl 51.3). A humanidade, de acordo com a determinação de Deus, deveria ser removida completamente "da face da terra". Toda a vida animada, sobre a qual a humanidade havia recebido o domínio, todos os animais, criaturas que se moviam junto ao solo, e pássaros do ar seriam removidos. Note que Yahweh disse claramente [[bârâ'ti]] (eu criei). O que ele havia criado, ele iria remover por extermínio. Haveria uma erradicação completa. Nada seria deixado no solo e no ar do qual a vida animada poderia se desenvolver novamente.No contexto onde é registrado que Yahweh viu a maldade e expressou sua determinação em extirpar a vida animada--pessoas, animais, rastejadores, pássaros--não existe referência à ira de Deus. Antes, o texto declara que Yahweh [[wayyinnâhem]] (niphal imperfeito de [[naham]], desolado). O termo pode ser traduzido como "arrependido" mas a idéia de contristar (NIV) expressa a intenção do texto, particularmente porque a frase [[wayyet'asseb 'el-libbô]] (um hithpael imperfeito de [['asab]], estar magoado e vexado no seu coração) esclarece o conceito. Estes termos são palavras orientadas para pessoas; pessoas se afligem quando a dor enche o coração. Aqui, encontramos um antropopatismo.11 A experiência emocional humana é atribuída a Deus para comunicar, a um certo grau, o que Yahweh experimentou. Sua dor e aflição foram tamanhas que ele

1 0 Commentary, 2:53.

1 1 O pensamento de Deus estar triste, se afligindo sobre o que tinha formado ou feito, é encontrado também em outros contextos (ver Ex 32.14; 1 Sm 15.11; Jr 18.7-8; 26.3; Jn 3.10). Se o termo usado no texto fosse traduzido como "arrependido", precisaríamos nos lembrar de que Yahweh não se arrepende como as pessoas. Yahweh não se arrepende do pecado, do erro ou falha.

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determinou remover a fonte e causa delas. Deus foi afligido pela necessidade de trazer seu julgamento radical sobre os seres humanos e sobre outros aspectos da sua criação.12

No pronunciamento do julgamento pendente, Yahweh revelou, novamente, várias virtudes sobre si mesmo, que tinha implicitamente mostrado previamente. Ele revelou sua soberania sobre toda a criação. Ele era soberano e continuaria a exercitar o reinado absoluto sobre o cosmos. Ele poderia e lidaria com o reino parasita de uma forma radical. Ele revelou que a inimizade que havia colocado entre a semente de Satanás e a semente da mulher não estava esquecida. Um efeito poderosamente devastador desta inimizade seria experimentado por todos os aliados do reino parasita e toda a vida animada sob sua influência. A integridade e justiça de Yahweh, reveladas quando ele enunciou o protoevangelho, foram fatores dominantes no pronunciamento do julgamento futuro. Deus iria atuar de acordo com a sua vontade e caráter santo. Ele não iria contradizer sua própria natureza; permaneceria íntegro e revelou isto. Agindo assim, ele traria julgamento que estava de acordo com a corrupção, maldade e violência na terra. A justiça, enraizada na sua soberania e retidão, seria executada totalmente e eficazmente. No pronunciamento do julgamento, Deus revelou que iria executar a maldição do pacto da criação. Ele traria a morte. Mas, junto com a maldição, veio também a bênção--a bênção da continuidade da vida. O vínculo de amor-vida, estabelecido por Yahweh na sua atividade criadora, não seria quebrado ou negado. Ele, como o Criador soberano, Juiz e Redentor, continuaria a mantê-lo.

A PRESERVAÇÃO E CONTINUIDADE DO PACTO

O termo "preservação"13 indica que a crença de que Deus continuou com Noé o que havia estabelecido com Adão e Eva, é considerada como tendo suporte

1 2 Westermann fez uma observação estranha quando comentou sobre a tristeza de Deus: "A razão para este modo aparentemente conflitante de falar é que Deus é conhecido pelos humanos como Deus em contradição" (Genesis 1-11, 410). Tal declaração pode ser plausível somente por aqueles que consideram as Escrituras como um registro de crenças religiosas, discernimentos e reações. Um exemplo óbvio desta visão das Escrituras é consistentemente representada por todos os ensaístas que contribuíram para o festschrift em honra de Frank Moore Cross entitulado Ancient Israelite Religion ed. Patrick D. Miller, Jr., Paul D. Hanson, e Dean McBride (Philadelphia: Fortress, 1987).

1 3 Robertson fala do pacto da preservação quando discute o pacto Noaico. Sua referência é, obviamente, diferente; ele vê o pacto como uma agência de preservação; Eu uso o termo para me referir à realidade de que o pacto não é anulado ou revogado. Ele é preservado a despeito das atitudes e atividades da humanidade.

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bíblico. Esta posição é negada por alguns;14 não é discutida por outros;15 ou recebe outras interpretações.16

Yahweh disse a Noé, [[haqimôtî 'et berît]] (primeira pessoa hiphil perfeito de [[qûm]], estabelecer) (Gn 6.18). No hiphil, o termo freqüentemente significa continuar a ser estabelecido;17 neste contexto, é dito a Noé que Deus manterá seu pacto. Isto só pode significar uma referência ao pacto estabelecido previamente, a saber, o pacto da criação. Depois que os relacionamentos e mandatos haviam sido violados e quebrados pela humanidade, Yahweh poderia ter dito, "Está acabado". Pode se sugerir que Yahweh estava anulando seu pacto da criação quando anunciou a Noé que ele iria varrer toda a vida animada da face da terra. As promessas, mandatos, relacionamentos, continuidade do cosmos e da humanidade poderiam, todos, ser anulados e descontinuados. Mas esta não era a intenção de Yahweh. O que ele havia revelado a Adão e Eva continuaria. O pacto da criação e o pacto da graça seriam sustentados. A forma plural do termo "pacto" não aparece. Isto não é necessário, não porque existe somente um pacto. Quando Yahweh pronunciou o protoevangelho, ele revelou que através de um plano da graça, o pacto da criação continuaria. Portanto, a presença de um, implica definitivamente, na presença do segundo.18 Tudo o que Deus havia preparado no pacto da criação e tudo que estava envolvido no pacto da graça (redenção), seria mantido. Consequentemente, os mandatos, maldições e bênçãos, garantias de vida, e a ação redentora de Yahweh continuariam com Noé. Yahweh, tendo falado do julgamento próximo através das águas do dilúvio (Gn 6.17) e sua intenção de salvar Noé e sua família da morte através da arca (Gn 6.14-16), garantiu a Noé de que o pacto continuaria a estar presente e a operar (Gn 6.18).A relação dos vários pactos que as Escrituras citam, pode ser representada pela Figura 7.1. Note os seguintes aspectos: (1) O reino cósmico de Deus é o palco em que toda a criação está incluída. (2) Deus se revelou no tempo da criação, e enquanto o fez, ele pactuou com Adão e Eva (o pacto da criação é representado pelas linhas escuras dentro das quais as períodos pactuais aconteceram). (3)

1 4 Anthony Hoekema nega que um pacto foi feito no tempo da criação. Ele, no entanto, não considera a distinção que Meredith Kline e Robertson fizeram entre o pacto das obras e o pacto da criação. Desde que ele não aceita a idéia do pacto das obras, ele rejeita o conceito mais amplo do pacto da criação. Ver Created in the Image of God (Grand Rapids: Eerdmans, 1980), 117-21. Hoekema discute as três relações (mandatos pactuais) e, desse modo, indica que ele deve reconhecer os elementos integrais de um pacto.

1 5 Willem Van Gemeren, The Progress of Redemption (Grand Rapids: Zondervan, 1989). Ver sua breve discussão a respeito de Noé, p. 88. Carl F. Keil e Fraz Delitzsch, The Pentateuch, trad. James Martin (Grand Rapids: Eerdmans, 1949), declaram , "Deus fez um pacto somente com Noé" (1:143). John Skinner, Genesis (Edinburgh: T & T. Clark, 1910), considerou a declaração em Gn 6.18 como sendo preliberadora de Gn 9.9ss (162). A. Van Selms, Genesis, vol. 1 (Nykerk: Callenbach, 1967), concorda com Skinner. João Calvino no The Book of Genesis, trad. John King (Grand Rapids: Eerdmans, 1948), escreveu que "o conteúdo deste pacto...era que Noé seria salvo" do dilúvio (1:258-59). Gerhard Aalders, Genesis (Kampen: Kok, 1960), concorda com Calvino mas enfatiza a graça envolvida nele (1:211-12). Westermann declara que não existiu um ato pelo qual um pacto foi selado; foi uma explicação teológica do que estava acontecendo (Genesis 1-11, 422).

1 6

1 7 Ver a discussão de Dumbrell a este respeito (Covenant and Creation, 25-26).

1 8 Consultar a discussão de Robertson sobre o inter-relacionamento íntimo entre o "pacto da criação e o pacto redentor" (Christ, 110).

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Nove períodos pactuais, durante os quais revelação progressiva foi dada, seguiram-se um ao outro. Cada um assume a presença e atuação continuada dos precedentes. (4) A revelação dada no primeiro não é anulada; ela é expandida e explicada. (5) O pacto é o meio administrativo que passa pelo centro. (6) No âmago do pacto está o mediador. (7) Quando Deus garantiu a Noé que seu pacto seria mantido, ele falou do pacto da criação com o pacto redentor sustentando-o e desenvolvendo-o.Quando Deus Yahweh garantiu a Noé a manutenção do seu pacto com ele, estava mantendo seu reino cósmico. De acordo com sua vontade e poder soberano, ele poderia e traria julgamento através do dilúvio mundial19 e ainda manteria seu reino cósmico e cumpriria seu programa escatológico. É importante que Noé seja reconhecido tão completamente quanto o material bíblico autoriza. Noé deve ser considerado como um servo. Ele foi intimado para servir a Yahweh, à sua família e a todo o cosmos de uma forma ímpar, vital e crucial. Cinco fatores a respeito dele pedem uma discussão.Primeiro, Noé poderia servir porque Yahweh foi gracioso para com ele. Noé recebeu graça. O texto declara que Noé [[masa' hen be eynê yehwâ]] (Noé achou graça aos olhos de Yahweh). Não é que Noé fosse merecedor; na perícope (Gn 6.1-8), o contraste entre os que iriam ser varridos (Gn 6.7) e Noé, é declarado. Toda a humanidade, exceto Noé, seria extirpada. Deus o poupou. Ele não seria varrido. A base em que esta graça foi concedida não é declarada. Noé a recebeu e, por causa disto, não seria destruído no dilúvio. O questão é evidenciada: Muitos estão sob a ira e a maldição de Deus; um está sob o amor e a bênção de Yahweh. Esta é a mensagem de Gênesis 6.1-8. Noé poderia e serviria a Yahweh pela graça.Segundo, Noé foi uma pessoa pactual. Gênesis 6.9 começa com uma referência à vida de Noé e à linhagem da semente. Moisés começa o relato do serviço real que Noé renderia, pela graça de Yahweh, como uma pessoa pactual. Três fatores são mencionados. Primeiro, Noé era [['îs saddîq]] (um homem íntegro). Noé estava no relacionamento certo com seu Senhor. Ele era considerado como alguém que vive de acordo com a vontade de Deus. Não é dito que ele não tinha pecados. Ele, pela graça de Yahweh, no entanto, não era tratado de acordo com seu pecado. Assim, na relação com Yahweh, ele era íntegro. Então, é declarado que Noé [[bedorotayw]] (entre sua geração, povo do seu tempo) [[tamîm]] (sem culpa). Ele era um homem de integridade; vivia e servia como professara sua fé. Ninguém podia apontar um dedo para ele, acusando-o de algum erro com relação ao seu próximo. Terceiro, Noé [[hithallek]] (caminhou em todas as circunstâncias, em todo o tempo) com Deus. Assim como Enoque tinha, assim como foi demandado de Abraão (Gn 17.1), assim Noé fez. Ele manteve uma comunhão espiritual com Yahweh.Terceiro, Noé, vivendo e servindo pela graça de Deus e exibindo um estilo de vida pactual, serviu como um agente pactual. Note que é declarado que ele tinha uma família: uma esposa, três filhos e noras. No meio da revolta social, Noé obedeceu

1 9 As diferenças de visões a respeito da extensão do dilúvio não precisam deter nossa discussão. O texto bíblico enfatiza [[kal basar]] (toda a carne) [[bô]] (nele), isto é, no cosmos; a frase repete o fato [[kal 'aser - ba ' ares]] (tudo o que estava na terra). Pedro testifica sobre as dimensões cósmicas do dilúvio; assim como o dilúvio, o julgamento final envolverá todo o cosmos (2 Pe 3.3-7).

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o mandato social. Ele era uma só carne com sua esposa; eles foram frutíferos (Gn 6.10). É ordenado, então, que Noé se torne ativo na arena cultural. Ele tinha que construir uma arca de acordo com as especificações de Yahweh (Gn 6.14-16). Ele obedeceu. Consequentemente, ele, fiel aos mandatos espiritual, social e cultural, serviu, particularmente, como um agente redentor. Noé, com sua família, tornou-se um meio pelo qual oito pessoas e pares de vida animada foram salvos. O pacto da criação é a estrutura dentro da qual a redenção pactual, de acordo com a vontade e graça de Yahweh, se torna uma realidade. O relato da construção (Gn 7.5), da entrada (Gn 7.7-16) e da flutuação da arca nas águas do dilúvio (Gn 7.17), descreve o ato salvador de Deus, no qual Noé foi o agente pactual especificamente apontado e atuante.Quarto, Noé, servindo como o agente pactual, pode ser corretamente citado como o mediador pactual. Ele se posicionou entre Yahweh e todos os que foram salvos da destruição através da arca. Noé não foi um agente de julgamento; Yahweh trouxe as águas do dilúvio que executou a maldição e trouxe morte. Mas Noé foi o mediador redentor. Noé serviu como um profeta mediador. Pedro se referiu a Noé como um pregador de integridade (2 Pe 2.5). Isto significa, indubitavelmente, que assim como Noé viveu no relacionamento certo com Yahweh (Gn 6.9), ele também pregou a vontade do seu Deus e, consequentemente, foi capaz de demonstrar a sua irrepreensibilidade. A pregação de Noé não foi eficaz, mas isto não deprecia seu papel profético mediador.Noé também atuou em um papel mediador real. Ele, sob Yahweh, executou a vontade de Yahweh. Ele se encarregou de construir a arca; levou sua família e todos os pares de vida animada para dentro da arca. A arca, sob a direção de Noé, representava o cosmos. Noé governou sobre aquele domínio, em miniatura, de acordo com a vontade do seu Governador.Noé também serviu como um mediador pactual sacerdotal. Ele, depois de deixar a arca, construiu um altar (Gn 8.20) e tomou dos animais limpos (dos quais havia tomado sete pares; isto provia para o sacrifício sem ameaçar o futuro das espécies). Ao trazer os sacrifícios, Noé, representando sua família diante de Yahweh, expressou sua gratidão e devoção ao seu Senhor Salvador. Yahweh se agradou deste sacrifício, evidência real de que Noé atuava aceitavelmente de uma forma sacerdotal.As Escrituras mostram claramente ao leitor que Deus continuaria a manter seu reino cósmico; [[wayyo'mer yehwâ 'el-libbô]] (e Yahweh disse ao seu coração). Esta declaração afirma que uma resolução divina foi feita. Ela não seria quebrada: [[lo' 'asip]] (não, enfático, novamente). A maldição não seria executada novamente sobre [[ha'adamâ]] (o solo). Esta resolução foi tomada e seria sustentada mesmo se o reino parasita satânico se tornasse, novamente, poderosamente influente nas vidas dos descendentes de Noé. De fato, ainda que , assim como antes do dilúvio, cada inclinação do coração fosse má desde a infância, isto não seria razão para amaldiçoar o cosmos novamente por um julgamento que varreria todas as formas de vida animada. O reino cósmico continuaria de acordo com a ordem da criação. Assim como o Criador havia determinado no quarto dia que o sol e a lua

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controlariam as estações, dias, noites, plantações e tempos de colheitas (Gn 1.17-18), assim eles iriam continuar (Gn 8.22).20

Depois da garantia de que o reino cósmico continuaria, Yahweh repetiu os mandatos pactuais a Noé e seus filhos. Eles foram abençoados (Gn 9.1a); receberam a garantia de que o Criador concederia a eles a habilidade, com a ajuda divina, de cumpri-los. Eles receberam a ordem de cumprir o mandato social--serem frutíferos, realizado quando o macho e a fêmea se tornavam uma só carne--e o mandato cultural--encherem a terra (Gn 9.2, 7). O exercício de governar sobre o cosmos foi declarado de forma diferente. Os animais, pássaros e seres aquáticos [[beyedkem nittanû]] (nas suas mãos são entregues) (Gn 9.2). A resposta destas formas ao domínio do homem seria diferente: Ele teriam medo e pavor do seu dominador. A provisão de comida para as pessoas poderia ser uma razão para o pavor e medo porque os animais, pássaros e seres aquáticos foram adicionados à vegetação como fontes de alimentação para a humanidade.As restrições, no entanto, foram pronunciadas claramente. A vida humana seria protegida; a vida animal também. O sangue animal, referido como sangue de vida (NIV), não seria consumido. Haviam razões específicas para esta restrição: (1) o privilégio de comer carne não era para ser tomado como liberdade de, sem consideração, destruir a vida animal ou considerar a vida animal como sendo de pequeno valor; (2) a violência e o assassinato que tinha sido tão comum antes do dilúvio, não deveriam ser repetidos; (3) mais importante, derramar sangue humano era destruir a imagem de Deus. Isto deve ser considerado como tendo o significado de que quando a imagem era atacada, Deus também era (Gn 9.6). Yahweh, de quem a própria natureza viveria, tinha concedido vida, em várias formas, à humanidade, aos animais, pássaros e peixes do mar e à vegetação. A vida deve ser considerada preciosa. Mas isto não significava que a vida animal e a vida vegetal não poderiam ser consideradas disponíveis para o uso e prazer humanos.Valor inestimável foi colocado sobre a vida humana. Animais não deveriam destruí-la (Gn 9.5). Eles seriam considerados responsáveis pelo sangue humano se o derramassem. Mas, para as pessoas que derramassem sangue humano--causando morte--a penalidade seria a perda da vida (Gn 9.6). A declaração registrada por Moisés como mandato de Deus, "Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu", tem sido entendida, corretamente, como pena capital.21 Noé e seus filhos não foram informados sobre o modo como o homem deveria tirar a vida de uma assassino. Revelação posterior,

2 0 Comentaristas tem discutido a referência à continuidade do dia e noite como se estes períodos tivessem sido suspensos durante o dilúvio. O fato de que foi dito que iria chover durante quarenta dias e noites (Gn 7.14, 12), como de fato aconteceu, traz dificuldade. Ver Cassuto, Commentary, 121-22. Westermann tem mostrado de forma útil que os quatro pares de palavras se referem aos períodos de tempo, três a todo o ano e o outro, a um período de vinte e quatro horas. Ele admite a possibilidade de frio e calor se referirem a um período de vinte e quatro horas; consequentemente, dois pares se refeririam à constância do dia e da noite--vinte e quatro horas--e do ano (Genesis 1-11, 457-58).

2 1 Westermann revisou brevemente os esforços para estabelecer o gênero de Gn 9.6 (lei apodíctica? legal sacra? legal formal? paralelismo quiástico?). Sua discussão é confusa por causa da sua atribuição da passagem à fonte P. Sua declaração de conclusão, no entanto, é clara: "A comunidade só é justificada na execução da pena da morte tanto quanto respeita o direito ímpar de Deus sobre a vida e a morte; e tanto quento respeita a inviolabilidade da vida humana que continua daí" (ibid., 466-69).

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particularmente à comunidade teocrática, indicava que era esperado que um vingador de sangue fizesse isto sob o controle dos regulamentos e da liderança da comunidade.22 Yahweh, tendo declarado enfaticamente que os aspectos básicos do pacto da criação deveriam continuar e tendo adicionado as estipulações para a preservação da vida (Gn 9.1-7), continuou a explicar os aspectos deste pacto (Gn 9.8-17).23 Os seguintes fatores são importantes.Primeiro, considere a quem foi endereçado: [['el-Noah we'el-banay 'ittô]] (a Noé e seus filhos com ele). A Noé, como a cabeça autoritária de sua família, e a seus filhos, que deveriam se tornar cabeças de suas famílias, foi dito, em termos resolutos, que eles e seus descendentes saberiam que estavam em um relacionamento pactual com Yahweh. Mas não eram somente eles que estavam incluídos nesse relacionamento. Toda a vida animada, que lhes foi dada por alimento (Gn 9.3), a qual tinha estado com eles na arca (Gn 9.10) e que havia sido colocada sob seu domínio (Gn 9.2; ver Gn 1.26-28), foi incluída no pacto. Esta realidade certamente confirma que quando Yahweh pactuou com seus vice gerentes, ele incluiu toda a vida animada sob o domínio do seu agente.Segundo, os termos usados devem ser considerados. [[Wa'anî hinnî]] (e veja ou preste atenção a isto: Eu). Yahweh se declara como a fonte unilateral do pacto ao qual ele não adicionou qualquer tipo de condição. O verbo [[meqîm]] (hiphil particípio de [[qûm]], causar levantar ou causar continuar firmemente) enfatiza a intenção soberana de Yahweh e a ação monergísta. É o pacto de Yahweh com seu portadores de imagem salvos (do dilúvio) e com a vida animada colocada sob seu domínio; eles se tornaram os benfeitores e participantes abençoados. Terceiro, somado ao que Yahweh havia incluído na sua ação pactual inicial com Adão, duas garantias abençoadas são dadas. Primeira, Noé e todos os que estavam na arca, foram salvos das águas do julgamento; eles deveriam se

2 2 Ver a discussão de Robertson a respeito da preservação da vida sacrada, da justiça severa de Deus e da pena capital (Christ, 114-21). Ver, também, Vos, Biblical Theology, 53-54. Vos cita alguns que, desejando "livrar-se da instituição da pena de morte por assassinato", falam desta passagem como uma predição do lex talionis. Mas ele disse que esta exegese é "positivamente impossível" por causa da frase "imagem de Deus...não fornece um motivo para a probabilidade da cobrança da vingança de sangue" (ibid. 53).

2 3 Wenham não esclarece a que ele se refere na declaração "o pacto entre Deus e toda a criação, humanidade e animais". Ele prossegue dizendo que o verbo "cofirmar" (hiphil de qûm, tempo perfeito), indica ação no passado, mas ele não diz como e quando Deus estabeleceu, inicialmente, seu pacto. Westerman é específico: "...em toda a extensão e largura da pré-história da narrativa do dilúvio, nada semelhante à forma de um pacto ocorre" (470). Temos mostrado acima o quanto a posição advogada por Westermann é incorreta. Para explicar a referência a berît, ele apela ao editor P, que introduziu o conceito como uma interpretação teológica (470). Esta visão foi exposta por vários estudiosos críticos anteriores. Ver John Skinner, Genesis, 2ª ed. (Edinburgh: T & T. Clark, 1930), 171. Van Gemeren, tendo escrito de um relacionamento pactual entre Deus e seu povo (53), explicou, mais tarde, o que ele pretendia dizer quando se referiu ao "o pacto de Governo" ("the covenant of Rule"), que é exercido no relacionamento contínuo entre Deus e a natureza, que, ele adiciona, poderia ser chamado de pacto da criação (60). Mas Van Gemeren parece sugerir que o pacto a Deus se referiu em Gn 8-17 foi um pacto de vida, no qual "ele garantiu a continuidade das sua bênçãos" (88). Gary North, escolhendo seus próprios termos, fala de um pacto de domínio, referindo-se ao que é, como um estatuto, citado como o pacto da criação. O título de seu livro, The Dominion Covenant, enfatiza sua visão do caráter daquele pacto. O pacto de Que fez com Noé é citado como "O Pacto da Ecologia", que "não pode ser separado do pacto do domínio de Gênesis 1. Ele é um corolário para o mais amplo pacto do domínio". Ver The Dominion Covenant: Genesis ( Tyler: Institute for Christian Economics, 1982), 154-59.

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lembrar desta verdade; eles deveriam viver e servir de acordo com isto. Eles eram pessoas poupadas por causa da atividade redentora de Yahweh que providenciou a arca para eles e toda a vida animada. Segundo, eles continuariam neste pacto da criação de vida; nunca, novamente, existiria uma eliminação universal do modo de vida normal da criação. A frase [[welo yikkaret kal basar ôd]] (e certamente eu não eliminarei toda a vida novamente) deu garantia absoluta de que a bênção da vida com provisões para alimentação (Gn 9.3) poderia ser esperada. Essa garantia foi reforçada pelo que Yahweh adicionou.Quarto, Yahweh, graciosamente, providenciou um [['ôt-habberît]] (sinal do pacto). O sinal, o arco-íris, foi relacionado, inseparavelmente, à água. Ele atuaria como uma lembrança da sua redenção da maldição executada através do dilúvio e da garantia da promessa pactual de Yahweh a respeito da continuidade do seu pacto da criação e do papel dos seus vice gerentes nele.Quinto, uma consideração desta perícope (Gn 9.8-17) levanta a questão: Qual era, precisamente, a natureza deste pacto que Yahweh confirmou com Noé, seus filhos, e [[kal-basar 'aser 'al-ha'ares]] (toda carne que está sobre a terra). Vários comentários são necessários. O termo [['ôlam]] é usado (Gn 9.16). Este termo fala da continuidade e enfatiza a extensão do tempo--por eras, por todo o tempo, eternidade. Este pacto é com os vice gerentes de Yahweh e toda a vida animada no cosmos. Consequentemente, se refere ao pacto da criação estabelecido quando Deus criou o cosmos. Também, este pacto da criação contínuo enfatiza a realidade da preservação; Yahweh preservará o que ele poupou e salvou. A garantia de que a graça comum de Yahweh terá, sempre, um ambiente no qual será revelada e efetiva, está embutida neste pacto da criação. A graça redentora está incluída. Assim como a atividade redentora por meio de Yahweh fez com que a continuidade do pacto da criação fosse possível, assim o pacto da criação provê o palco para a graça redentora ser revelada e aplicada soberanamente. Devemos concluir, tendo considerado os vários aspectos incluídos na natureza deste pacto, que ele é ambos, criacional e redentor. De fato, o criacional provê a estrutura e o palco; o redentor provê a continuidade, tanto retrospectivamente quanto prospectivamente. Em outras palavras, sem o aspecto redentor, o criacional não teria contexto no qual seria operante. A inter-relação da obra criadora e redentiva de Yahweh e a intenção, é revelada de uma forma inconfundível.24

Finalmente, deve ser mencionado que, uma vez Yahweh tendo revelado sua provisão para o palco e continuidade da sua obra redentora, referências posteriores ao pacto da criação são mínimas em comparação à revelação do plano e programa de Yahweh para o término do seu pacto da redenção de uma forma orgânica, progressiva, histórica e adaptável. Isto não significa que tenha sido permitido ao pacto da criação retroceder do conhecimento do povo de Yahweh e seus agentes que foram chamados para tarefas e responsabilidades específicas. O palco criacional e o reinado soberano de Yahweh sobre o cosmos e as nações são citados repetidamente. Freqüentemente, como será discutido subseqüentemente, um apelo ou referência é feita a Yahweh como o Soberano

2 4 A discussão de Robertson sobre as duas características deste pacto enfatiza os aspectos redentores. (Christ, 110-13). Ver, também, a insistência de Dumbrell de que somente pode existir um pacto divino, o qual começa em Gênesis 1.1 e progressivamente ocorre no Antigo Testamento. Ele afirma que existe um relacionamento básico, que inclui o criacional e o redentor (Covenant, 42).

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da criação a fim de dar garantia de que, como tal, ele tem sabedoria, poder, bondade e autoridade para efetuar seu pacto redentor assim como em relação ao pacto da criação.

A PROFECIA DE NOÉ A RESPEITO DOS PAPÉIS DE SEUS FILHOS NO PACTO

O filho de Adão, Caim, indicou sua submissão ao reino parasita; Abel refletiu obediência pactual e adoração. Sete era a imagem de Adão (Gn 5.1-2) e sua descendência poderia dar origem à semente vitoriosa da mulher. Então, na profecia de Noé, os papéis foram revelados a cada um dos filhos. Estes papéis não são estritamente análogos àqueles dos três filhos de Adão porque nenhum dos filhos de Noé foi assassinado nem colocado sob uma maldição mitigada, banido da sociedade.Em Gênesis 9.18-23, os esforços de Noé para ser envolvido no pacto criacional são evidentes. Ele cumpriu o mandato cultural; ele foi [['is hâ 'adamâ]] (um homem da terra/solo NIV). Ele plantou uma vinha e, assim como Yahweh o havia instruído para compartilhar do fruto produzido, assim ele fez. Mas ele sobrepujou a participação responsável; ele refletiu o fato de que o dilúvio, tendo removido a violência da terra, não tinha limpado e santificado totalmente os corações, desejos e paixões dos homens.25 Na sua condição de embriagues, ele se fez vulnerável à ridicularização de seu filho Cam. Cam deu evidências da influência que o príncipe do reino parasita poderia e, de fato, exerceu. Assim como Eva, sob a influência satânica, havia sido instrumento no afastamento de Adão, assim Cam, como um agente do reino parasita, humilhou seu pai, vice gerente de Yahweh, como um agente dominador sobre a criação. O texto nos informa que Sem e Jafé não se juntaram a Cam naquela atividade humilhante e "destronadora". Cientes da embriaguez e nudez de seu pai, eles o cobriram. Noé, despertado e sóbrio, tendo tomado conhecimento do que seus filhos haviam feito, serviu como profeta. Ele falou a palavra de Yahweh a respeito do papel específico que cada filho teria. A profecia que Noé proclamou está registrada em Gênesis 9.25-27. Esta passagem tem sido interpretada de várias formas.26 Nós, brevemente, falaremos do nosso entendimento desta profecia.Primeiro, Canaã, que é o quarto da lista dos filhos de Cam (Gn 10.6), foi escolhido particularmente para uma maldição mitigada. Ele deveria servir seus irmãos; a frase [['ebed abadîm]] (escravo de escravos, ou como a NIV traduz, o mais reduzido dos escravos) indica que ele sofreria uma extensão de humilhação. Cam seria humilhado por meio da maldição de seu filho. Mas a maldição era mitigada porque através da sua humilhação, ele participaria da bênção pactual.O discurso a Sem foi indireto. Yahweh, o Senhor pactual, foi exaltado por Noé no pronunciamento de uma bênção por meio de seu Deus. Noé indiciou que seu relacionamento pactual com Yahweh estava intacto e vivo. Também seu filho

2 5 Ver a minha discussão do uso do vinho por Noé, uma interpretação do termo "abençoado" e a mensagem Messiânica da profecia (Revelação Messiânica no Velho Testamento, cap. 4). Ver também 128-29.

2 6 Uma consulta a uma variedade de comentários verificará este ponto. Ver, por exemplo, as sugestões de Cassuto de que a Torah pode ter suavizado os relatos ásperos para explicar os três ramos da humanidade (Commentary, 150-52); ou Skinner, que considerou o relato como vindo de um ciclo diferente de tradição porque não pode ser harmonizado com aquele do íntegro Noé no relato do dilúvio (Genesis, 181, 182, 185).

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Sem, particularmente, tem um relacionamento pactual íntimo e vivo com Yahweh. Mais, Sem se tornaria o construtor e proprietários de uma "tenda". Sem serviria como vice gerente em um papel particular. Ele representaria Yahweh e, também, seus próximos. Este último é evidente no que Noé prosseguiu dizendo. Jafé teria bênçãos pactuais criacionais; seu território e o que estava incluído--alimentação, vestuário, abrigo, ganho econômico e influência e poder político--seriam sempre crescentes. Canaã iria, em uma posição social humilde, possibilitar que Jafé realizasse seu potencial, servindo-o e à sua descendência. Mas a vida completa de Jafé e a bem-aventurança verdadeira não seriam derivados dos seus bens criacionais mas pelo fato de tornar-se um ocupante nas tendas de Sem. Sem, tendo sido indicado como o progenitor e mediador representativo do pacto redentor, teria Jafé unido a ele. Na verdade, era Jafé quem traria a expansão. Pela entrada de Jafé, Yahweh realizaria o que revelaria a Abraão, descendente de Sem, que seria o agente das bênçãos pactuais a muitas nações--descendência de Jafé e Cam, assim como a de Sem. Visto que Jafé entrou e ampliou a família pactual redentora, ele, deste modo, providenciou a entrada nas tendas pactuais redentoras da descendência de Cam, incluindo a de Canaã.Yahweh incluiu a descendência dos três filhos de Noé dentro dos parâmetros de ambas as dimensões do seu pacto, o criacional e o redentor. Em um sentido real e verdadeiro, todos os descendentes de Noé e seus três filhos, foram considerados dentro da estrutura e sob a influência do pacto criacional/redentor de Yahweh (ver Figura 7.2). Mas a profecia de Noé infere claramente que nem todos os indivíduos seriam, espontaneamente, participantes obedientes, servidores e abençoados. Os descendentes de Jafé e Cam poderiam entrar com o propósito de vir e ampliar a tenda e a de Canaã através do serviço.O registro das Escrituras do modo como os descendentes de Noé responderam à provisão e programa do pacto de Yahweh, é feito em Gênesis 10.1-11.9. A passagem é introduzida pela referência ao [[tôledot]] (genealogia) dos três filhos de Noé. A descendência de Jafé é listada (Gn 10.2-5) e, então, a de Cam (Gn 10.2-20). Sem, de cujos descendentes Abraão se tornaria a figura central em revelação subsequente, foi listada por último. Deve ser observado, também, que Jafé é registrado como sendo o irmão mais velho de Sem (Gn 10.21).27 Os territórios que vários descendentes reivindicaram e onde desenvolveram suas nações e cumpriram suas atividades culturais, são citados também no capítulo 10. A razão para a dispersão e divisão da descendência de Noé, é registrada em Gn 11.1-9. Inicialmente, como uma comunidade pactual, tendo uma língua e usando uma só maneira de falar (Gn 11.1 RA), eles se estabeleceram na planície fértil de Shinar. E lá, deram expressão à sua infidelidade pactual. Eles não aceitaram a garantia que Yahweh havia dado quando confirmou seu pacto, dizendo, "nunca, novamente, ele destruiria a mundo com o dilúvio" (Gn 9.11). A influência do governador do reino parasita se tornou evidente; os homens disseram que eles iriam prover para sua própria segurança e futuro. Eles, usando meios divinamente providenciados e cumprindo um aspecto do mandato cultural, começaram a construir uma cidade que deveria ter uma torre para providenciar fuga de 2 7 Ver os comentários de Cassuto sobre a ordem bíblica de se dar nome à descendência do homem

(Commentary, 164-65).

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catástrofes. Ela também os identificaria como famosos (Gn 11.4). É declarado, expressamente, que não era intenção deles ser dispersos, encher a terra e exercitar cuidado e domínio sobre ela. A resposta de Yahweh a esta rebelião pactual foi efetiva. Sua língua comum foi fragmentada. A comunicação foi rompida. A atividade cooperativa tornou-se impossível. Um esforço comum foi dado como ineficaz. A comunidade pactual foi forçada a se dividir e se separar. Grupos de pessoas que tinham um modo de falar comum acharam lugares habitáveis apropriados e desenvolveram suas vidas culturais e políticas.A revelação que Yahweh deu a respeito da descendência de Noé e seus filhos é de que eles seriam desobedientes ao seu Deus pactual; eles se tornaram quebradores do pacto enquanto punham em prática vários aspectos do mandato do pacto criacional para satisfazerem seus próprios desejos e alcançarem suas próprias metas, primeiro como uma comunidade unida e, depois, como comunidades separadas e dispersas. Yahweh, no entanto, não executou sua maldição pactual como havia feito antes. Ele demonstrou uma atitude graciosa comum para todas as nações e providenciou meios para eles se tornarem recipientes da sua graça salvadora pactual. Ele elegeu, chamou, apontou, qualificou e equipou um agente pactual do reino para representá-lo e servi-lo: Abraão, um descendente de Sem.

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ASSUNTOS BÍBLICO TEOLÓGICOS

I. O Papel do Material Noaico nas EscriturasII. O Mitte da Revelação do Antigo Testamento

A. A Discussão a Respeito do MitteB. O Cordão Dourado -- O Mitte Integrador e UnificadorIII. RevelaçãoIV. Escatologia

A. Uma Pesquisa Geral dos Principais TemasB. Escolas de Interpretação

1. Comentários Introdutórios2. Pós-Milenismo3. Pré-Milenismo Histórico4. Dispensacionalismo5. Amilenismo6. Escatologia Realizada

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ASSUNTOS BÍBLICO TEOLÓGICOS

Antes de prosseguir com um estudo da revelação de Yahweh aos patriarcas e seu pacto com eles, quatro temas específicos de importância crucial nos escritos de uma teologia bíblica desenvolvida consistentemente, deveriam ser discutidos. Estes temas tem sido citados em vários contextos prévios, mas deveriam ser esclarecidos e ampliados. Estes temas são (1) o papel do material Noaico nas Escrituras; (2) o Mitte da revelação do Antigo Testamento; (3) a idéia da revelação; e (4) escatologia.

O PAPEL DO MATERIAL NOAICO NAS ESCRITURAS

Existe uma visão comum do papel de Gênesis 6.1-11.9. Entre os estudiosos inclinados criticamente, existe uma divergência de opinião. John Skinner sugeriu que os autores bíblicos apresentaram uma nova ordem mundial. Fragmentos e comparações de mitos etiológicos foram usados para compilar fontes (J, E, P), às quais editores posteriores adicionaram sua própria compreensão. Então, uma narrativa combinada, que manteve idéias implícitas específicas expressas nos documentos primitivos, foi produzida.1 No entanto, foram os escritores sacerdotais que enfatizaram, particularmente, o significado religioso do material do dilúvio através da descrição dos elementos da nova ordem mundial. A nova ordem não era tão harmoniosa como a ordem pré-diluviana porque os animais pós-diluvianos poderiam ser abatidos e proibições específicas foram estipuladas com relação ao sangue, vida e alimentação para os humanos, e um pacto, com o arco-íris por sinal, foi iniciado.2 Speiser se referiu ao material bíblico como incluindo "mitologia não disfarçada" e como sendo "acima de qualquer dúvida razoável, uma narrativa composta". O material dá uma visão a respeito da continuidade da ordem mundial e, particularmente, provê um pano de fundo local para os Cananeus, com os quais os Israelitas interagiram no décimo segundo século e depois.3 Claus Westermann,

1 John Skinner, Genesis: A Critical and Exegetical Commentary, 2ª ed. (Edinburgh: T & T Clark, 1930), 140, 142, 150.

2 Ibid., 169-74.

3 E. A. Speiser, Genesis: The Anchor Bible (Garden City: Doubleday, 1964), 45, 54, 60-73.

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concordando com os estudiosos críticos de que o material é de uma origem composta, julgou o material como sendo parte de uma propriedade comum da humanidade. Como tal, é a "expressão básica da humanidade do seu ser no mundo, da ameaça à existência humana e, ao mesmo tempo, da sua permanência".4 Walther Eichrodt, também lutando com o caráter composto assumido do material, chegou a conclusões mais específicas. Eichrodt considerou que o material proveu o palco para o pacto de Deus com Noé incluindo todas as pessoas (em distinção do pacto feito com Abraão, que foi limitado a Israel). Este pacto com Noé foi um pacto universal, que assegurou a continuidade de uma boa ordem mundial e, dentro do qual, o pacto de Abraão teve um palco e estrutura duradouros.5

Gary North, que aceita o texto bíblico como um autêntico registro histórico do que Deus fez e disse a Noé, considera que o material apresenta o "pacto ecológico". Este pacto "é a recapitulação e um corolário para um mais amplo pacto do domínio". Foi ordenado a Noé servir o domínio da natureza, e todas as pessoas devem se considerar sob a obrigação de fazer o mesmo.6

Algumas divergências no entendimento do papel dos materiais Noaicos estão presentes também entre os escritores evangélicos e conservadores. As diferenças são grandemente a respeito da extensão do pacto que Deus fez com Noé. Barton Payne é um exemplo dos que enfatizam o caráter redentor daquele pacto. A graça de Yahweh para com Noé, a não destruição catastrófica repetida, e uma proteção redentora geral são aspectos essenciais, de acordo com Payne.7 Ele também se refere ao que considera uma omissão na visão de Gerhardus Vos porque ele não pensa que Vos defendeu o caráter redentor; Payne escreveu que a análise de Vos não se referiu, diretamente, à execução da redenção.8 Vos enfatizou que o material Noaico inclui ordenanças a respeito do programa de tolerância, pelo qual a vida continuaria a ser propagada, protegida e sustentada. Ele prosseguiu dizendo, no entanto, que a ordem que o pacto Noaico assegurava "encontra-se, na sua infalibilidade, como um tipo de perpetuidade cada vez maior da promessa do juramento de redenção de Deus".9

John Murray foi, de alguma forma, mais explícito do que Vos ao declarar o papel do material Noaico na revelação dada no Antigo Testamento. Ele enfatizou que o pacto com Noé foi "concebido, planejado, determinado, confirmado e ministrado pelo próprio Deus" como um pacto incondicional, intensamente e penetrantemente monergísta e, como um pacto eterno, universal em extensão. Foi uma administração da tolerância e da graça.10 Murray, tendo dito as várias

4 Claus Westermann, Genesis 1-11: A Commentary, trad. John J. Scullion (Minneapolis: Augsburg, 1984), 395.

5 Walther Eichrodt, Theology of the Old Testament, trad. John A. Baker (Philadelphia: Westminster, 1961), 1:49, 58.

6 Gary North, The Dominion Covenant: Genesis (Tyler: Institute for Christian Economics, 1982), 145-47.

7 J. Barton Payne, The Theology of the Older Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1962), 93-94.

8 Ibid., 94, n. 43.

9 Gerhardus Vos, Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1948), 52-55.

1 0 John Murray, The Covenant of Grace (London: Tyndile, 1954), 12-15.

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características do pacto Noaico e o contexto no qual foi estabelecido, não se referiu aos aspectos redentores. Na verdade, quando ele discutiu o pacto Abraâmico, declarou que novos aspectos estavam envolvidos, particularmente a "espiritualidade das bênçãos que o pacto concede".11 Esta declaração parece indicar que Murray não considerou o pacto Noaico e o contexto no qual foi revelado como envolvendo os aspectos espirituais (redentores) que outros escritores haviam considerado como presentes.Na década de 80, quatro estudiosos evangélicos discutiram os materiais Noaicos, entendendo esta porção das Escrituras como tendo um papel vasto e estratégico. Eles enfatizaram, particularmente, a relação íntima entre o pacto Noaico com o pacto da criação. O pacto da criação é, basicamente, repetido e alguns aspectos foram ampliados (e.g., a continuidade e sustento da ordem criada e da vida dentro dela). A ênfase na tolerância foi adicionada; nenhuma destruição catastrófica pelo mundo inteiro seria repetida e um sinal deu a garantia. E, assim como o pacto da criação foi confirmado depois que Adão e Eva pecaram, através da iniciativa de Yahweh do plano da redenção (dito de outra maneira, a iniciação do pacto da redenção graciosa; Gn 3.14-16), assim também o pacto Noaico incluía um aspecto redentor. Este foi particularmente elaborado pela revelação de Yahweh da "graça comum" dentro do contexto do qual a graça salvadora-redentora poderia ser revelada e executada.12

Concluindo esta discussão a respeito do papel do material Noaico, central

ao que é o pacto de Deus com Noé, parece ser prudente pressupor que três

conceitos bíblicos inclusivos devem ser considerados porque envolvem, incluem e

acentuam todos os aspectos que vários estudiosos tem destacado. Quando

alguém vê como estes conceitos incluem todos os aspectos e correlacionam uns

com os outros, então o significado do material Noaico torna-se distinto e seu papel

é visto como estratégico na revelação.

Primeiro, uma referência deve ser feita ao reino cósmico de Deus. Ele foi trazido à existência pela obra criativa de Deus. Foi confirmada pelo seu poder soberano e boa vontade quando o reino parasita satânico foi introduzido nele. As influências poderosas deste reino parasita se tornaram evidentes nas vidas e cultura da

1 1 Ibid., 17.

1 2 William Drumbrell, Covenant and Creation (Nashville: Nelson, 1984). Notar, particularmente, as seções intituladas "Detalhes do Pacto com a Criação--Ge 1-3" e "O Pacto com Noé como Redentivo". Estas são subseções do capítulo intitulado "O Pacto com Noé--Um Chamado de Volta ao Modelo Básico da Criação", 11-43. Gordon J. Wenham cita Dumbrell quando escreve que "Noé é visto como já num relacionamento pactual com Deus" (Genesis 1-15: Word Biblical Commentary [Waco: Word, 1987], 1: 175). Merdith G. Kline, "Kingdom Prologue", na parte 1, estuda Gn 1-6.18; a parte 2 é encabeçada pelo título "O Reino no Mundo que É Agora". Nesta parte, Kline discute a confirmação do pacto (o pacto da criação) e o "Pacto Redentor do Novo Mundo". Sob este último cabeçalho, Kline apresenta sua visão do relacionamento íntimo entre os oráculos de Noé (Gn 9. 25-27) e o protoevangelho (Gn 3.14). Ver O. Palmer Robertson, The Christ of the Covenants (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1980), 109-24/ Ceny Tavares, na sua tese de T.M. intitulada O Pacto de Deus com Noé (São Paulo : Seminário Teológico Presbiteriano José Manoel da Conceição, 1987), explicou os aspectos essenciais deste pacto, particularmente os aspectos criacionais e redentores, e traçou o impacto deste pacto através do tempo da revelação do Antigo Testamento.

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humanidade. A maldição do pacto, "certamente morrerás", foi executada por Deus Yahweh através do dilúvio universal. Mas o cosmos continuou, assim como todas as formas de vida. A ordem do mundo continuou, e a vida continuaria protegida e sustentada porque Deus Yahweh governava soberanamente sobre seu reino cósmico.

Segundo, o pacto de Yahweh com sua criação continuou. A maldição do

pacto foi executada pela graça de Yahweh, comumente revelada a todos do

cosmos e salvadoramente e redentoramente a Noé, sua esposa e família. Desse

modo, o relacionamento de amor-vida, o vínculo que uniu o Criador com seus vice

gerentes, foi mantido, explicado e ampliado. Este vínculo pactual foi o meio pelo

qual Deus administrou seu pacto da criação como também o pacto redentor, que

era um correlato integral do pacto da criação. Isto significa que os mandatos do

pacto criacional permaneceram: o cultural e seu correlato, o cosmos, o social e

seu correlato, a família, e o mandato da comunhão espiritual de acordo com o

qual, a humanidade continuaria a andar com Deus e honrar e desfrutar o dia de

Sábado para a glória de Yahweh.

Terceiro, Yahweh continuaria a atuar através dos seus vice gerentes pactuais. Assim como Adão e Eva tinham sido vice gerentes e agentes pactuais ou mediadores antes da queda, e assim como Yahweh havia assegurado a eles de que a semente da mulher (Gn 3.14-15) seria o meio pactual de Yahweh para a preservação do seu reino, a manutenção do seu pacto e a revelação e aplicação da sua graça ao cosmos em geral (i.e., graça comum), assim foi assegurado aos homens e mulheres caídos, a possibilidade da revelação e aplicação da sua graça redentora soberana.Os três conceitos inclusivos resumidos formam o "cordão dourado" e provêem a continuidade a partir do tempo pré dilúvio, durante o dilúvio e até a era pós diluviana. Seria conveniente concentramos nossos pensamentos nestes três conceitos uma vez que servem como fatores centrais, unificadores na revelação de Deus como registrado no Antigo e no Novo Testamento.

O MITTE DA REVELAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO

Existe um conceito central unificador no material Noaico. Não é um único fator mas um complexo de três realidades interrelacionadas e integradas: o reino, o pacto e o mediador.

A DISCUSSÃO A RESPEITO DO MITTE

Gerhardus Vos, ao apresentar suas preleções sobre "Teologia Bíblica", não falou diretamente de um Mitte ou um conceito unificador central. Ele, no entanto, indicou que o pacto foi um conceito central importante, particularmente quando se considera os palcos, nos quais, Deus se comunicou verbalmente aos seus porta-

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vozes e através deles. Vos falou do progresso da revelação, na manutenção com épocas de atividades pactuais e eventos redentores. A revelação foi dada em um contexto de feitura, renovação, explicação e aplicação do pacto.13 Subsequente às apresentações de Vos, estudiosos como Walther Eichrodt enfatizaram que o pacto é um conceito central unificador.14

Gerhard Hasel apresentou uma revisão útil da discussão e escolhas com relação ao Mitte em sua obra, freqüentemente citada aqui, Teologia do Antigo Testamento: Questões Fundamentais do Debate Atual. Depois de ter revisado os vários Mittes sugeridos (pacto, Deus como Senhor, comunhão, Yahweh o Deus de Israel, o "não centro" de G. Von Rad, a exclusividade de Yahweh, Deuteronômio como um livro, eleição, santidade), Hasel conclui que "Deus é um centro dinâmico unificador no Antigo Testamento". Ele adiciona que reconhecer Deus como um centro dinâmico unificador ajuda a prevenir alguém de promover um centro unificador estático e permite que vários blocos de escritos falem por si mesmos enquanto sua teologias individuais são desenvolvidas.15 A seleção e as razões de Hasel para isto podem ser interpretadas como tendo o significado de que, enquanto todo o Antigo Testamento fala de Deus, não existe uma modo unificado e integrado em que isto é feito. Consequentemente, entende-se que o Antigo Testamento apresenta um série de teologias as quais, no entanto, lidam todas com o mesmo Deus. Considerando que podemos concordar que o Antigo Testamento, e o Novo Testamento também, revelam o Deus Triúno, não podemos aceitar a tese de que existem várias teologias.A obra de Walter Kaiser sobre a teologia no Antigo Testamento apareceu três anos depois da edição revisada de Hasel. Hasel havia rejeitado a visão de Kaiser de que "a promessa foi o centro",16 mas Kaiser defendeu sua seleção.17 Ele afirmou que o Novo Testamento revelou que a promessa foi o centro derivado textualmente de que o Antigo Testamento havia expressado em uma constelação de termos como bênção, terra, descendência multiplicada, descanso, dinastia Davídica, e trono.18 É interessante notar, especificamente, que os termos do Antigo Testamento das menções de Kaiser são todos integralmente relacionados ao pacto que Yahweh estabeleceu. Por que, alguém pode estar curioso, Kaiser não concordou com Eichrodt de que o conceito de pacto foi um centro unificador e integrador? Willem Van Gemeren escreveu em 1988 que a história da teologia bíblica dá pouca esperança de que os estudantes irão concordar com um só centro. Ele prosseguiu dizendo que "Centros teológicos como promessa, pacto e

1 3 As palestras de Vos foram compiladas e editatadas postumamente.

1 4 Eichrodt, Theology, 36.

1 5 Gerhard hasel, Old Testament Theology: Basic Issues in the Current Debate, ed. ver. (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), 27-105, esp. 99-103.

1 6 Ibid., 98. Hasel teve acesso a uma dissertação que Kaiser escreveu em 1974 intitulada "The Centre of Old Testament Theology: The Promise", que apareceu no Themelios 10 (1974):1-10.

1 7 Walter C. Kaiser, Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1978). Ver o cap. 1, intitulado "The Identification of a Canonical Theological Center", no qual ele desafia a rejeição de Hasel de "um conceito, idéia fundamental ou fórmula como um princípio para a ordenação sistemática e arranjo da mensagem kerigmática do A T" (24).

1 8 Ibid., 33.

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reino tem a vantagem de servir como princípios organizadores, dos quais a revelação bíblica pode ser abordada". Ele prosseguiu declarando que propunha focar em "Jesus Cristo como o centro". Jesus é a revelação da salvação de Deus.19 A escolha de Van Gemeren é devido à sua visão de que as Escrituras devem ser consideradas como reveladoras da redenção/salvação. É verdade que as Escrituras fazem isto. A revelação de Deus, no entanto, tem uma extensão muito maior do que a salvação. Ela nos revela o reino, dentro do qual o pacto foi assegurado e dentro do qual o mediador trouxe sua salvação.

O CORDÃO DOURADO--O MITTE INTEGRADOR E UNIFICADOR

Não é motivo de discussão o fato de que as Escrituras revelam Deus e Jesus Cristo. Mas elas revelam mais. Elas revelam Deus como o Criador Triúno, Governador e Provedor do seu reino. Elas revelam que Deus é um Senhor pactual e que Jesus Cristo é o mediador do pacto e, consequentemente, o agente do reino. O cordão dourado que unifica e integra toda a mensagem escriturística, e que é, por essa razão, o mitte, consiste de três cordões inegavelmente dominantes: o reino, o pacto e o mediador. Todos os muitos ensinos e referências nas Escrituras são integralmente relacionados ou aspectos essenciais destes três cordões.O texto bíblico defende, consistentemente, estes três cordões diante de nós. Jesus Cristo, quando na terra, recapitulou a condição deste complexo triplo de conceitos quando pregou o reino e se declarou o mediador do pacto. Estes três conceitos interrelacionados são explicados no Novo Testamento mas são revelados e desenvolvidos consistentemente no Antigo Testamento. Eles atuam em toda a Escritura como meio básico revelador, administrativo e consumador dentro do plano do Deus Triúno, para o estabelecimento, manutenção, redenção e consumação de toda a sua criação.O conceito de reino é inclusivo e todo abrangente. Quatro aspectos integrais são fatores essenciais. O reino, em primeiro lugar, implica na presença e envolvimento do Rei. O Deus Triúno é o Rei; como tal, ele é o Criador Soberano, Governador, Mantenedor, Juiz e Consumador. Jesus Cristo recebeu a posição monárquica e atua como o redentor. Quando a tarefa redentora estiver completa, ele colocará a monarquia nas mão do Pai (1 Co 15.24). Segundo, o reino inclui o domínio. O domínio é o que foi criado, trazido à existência, e governado. Isto inclui todo o cosmos, com suas dimensões inorgânicas, orgânicas, moral e espiritual. Terceiro, o reino inclui o trono, o assento do poder, ou o centro do qual o rei atua. Consequentemente, o tabernáculo, o templo, o palácio e Jerusalém são símbolos e tipos de um centro celestial. Finalmente, o reino inclui a atividade efetiva de domínio. Estão incluídos o exercício do poder e autoridades reais, as atividades judiciais, e a execução destes. Pode se entender a razão pela qual alguns estudiosos tem postulado o reino como o Mitte das Escrituras.20 Em um sentido, pode se dizer que o reino é o tema todo

1 9 Willem Van Gemeren, The Progress of Redemption (Grand Rapids: Zondervan, 1988), 25-27.

2 0 John Bright, The Kingdom of God (New York: Abingdon-Cokesbury, 1953): "o reino de Deus envolve, em um sentido real, a mensagem total da Bíblia" (7); Jaap Helberg, "Openbarengsgeskiedanis Van Die Ou

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inclusivo, unificador, porque o pacto e o mediador são aspectos dominantes dele. Estes temas são tão importantes que deveriam ser realçados e, consequentemente, descritos como dois dos três cordões que formam o cordão dourado.A relação do reino, do pacto e do mediador pode ser ilustrada pelo desenho dos três círculos

O reino não existe ou atua sem o pacto; o pacto tem, a fim de ser e atuar como tal, o instrumento do pacto, o mediador. Estes três conceitos centrais são representados de várias formas através das Escrituras. Símbolos e tipos são usados. Por exemplo, o reino Israelita é um símbolo e tipo do reino eterno de Deus; o casamento é um símbolo do pacto. Reis, sacerdotes, profetas, os sacrifícios do tabernáculo, outros objetos e eventos simbolizam o mediador.A idéia de um pacto é citada repetidamente em ambos, o Antigo e o Novo Testamentos. Deve se entender claramente que o termo pode ter várias denotações específicas como por exemplo, um acordo entre reis (1 Re 5.12) ou entre marido e mulher (Ml 2.14).Nesta conjuntura, um breve sumário do que o pacto se refere em Gênesis 1-11 pode ser útil.21 Um pacto deve ser pensado, primeiramente, como um relacionamento entre duas partes.22 Este relacionamento foi instituído para ser um

Testament" (Potchefstroom"Potchefstroom University, 1975): "moet die Koninkryk van God seker as die beheersendste gesien word" (O reino de Deus deve ser visto, certamente, como o conceito governante [ou central unificador]) (Fac. I,8). Reino e pacto são os dois termos chaves no título e subtítulo da obra de Kline. Ele não achava que somente uma perspectiva controladora ou tema bíblico era o mais central ou vital. Todavia, ele escolheu o reino: "nosso Senhor fez do reino de Deus uma rubrica compreensiva no seu ensino" (Kingdom Prologue, 1). Ludwig Kohler, Theologie des Alten Testament ( Tubingen: Mohr, 1966): "Gott der Herr...Dieser Satz ist das Ruckgrat der Alttestamentlichen Theologie" (Deus, o Senhor...este tema é a espinha dorsal da Teologia do Antigo Testamento) (17). Kohler não pressupõe o reino, mas um aspecto integral dele: o reinado de Deus como a "espinha dorsal".

2 1 Várias obras sobre o pacto tem sido citadas. Outras fontes úteis são Gerhard Ch. Aalders, Het Verbond Gods (Kampen: Kok, 1939); J. Wayne Baker, Heinrich Bullinger and the Covenant: The Other Reformed Tradition (Athens: Ohio University Press, 1980); Dennis J. McCarthy, The Old Testament Covenant (Atlanta: Knox, 1972) e Treaty and Covenant (Rome: Biblical Institute, 1978). Ernest W. Nicholson, em seu God and His People: Covenant and Theology in the Old Testament (Oxford: Claredon, 1986), escreveu "o pacto de Deus com Israel tem sido um tema central no entendimento do Antigo Testamento deste os tempos antigos, mas nos últimos cem anos tem sido, particularmente, um tema proeminente no estudo bíblico crítico" (2). Note sua referência ao crítico Em seu estudo do que tem sido discutido desde 1878, ele cita, quase que exclusivamente, o que os estudiosos críticos tem escrito. Sua bibliografia não inclui um único autor conservador. Nicholson é útil porque ele dá explicações claras, concisas do que os estudiosos críticos tem escrito sobre pacto. Ver, também, Robert Oden, "The Place of Covenant in the Religion of Israel", em Ancient Israelite Religion: Essays in Honor of Frank Moore Cross, ed. Patrick D. Nutler Jr., Paul D. Hansen e S. Dean Macbride (Philadelphia: Fortress, 1987); Bruce K. Waltke, "The Phenomenon of Conditionality within Unconditional Covenants", em Israel's Apostasy and Restoration: Essays in Honor of Roland K. Harrison, ed.Abraham Gileadi (Grand Rapids: Baker, 1988).

2 2 Nicholson lembrou aos seus leitores que os estudiosos críticos defenderam que o pacto se referia ao

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vínculo sólido e duradouro. Ele foi um vínculo sólido de vida e amor entre Yahweh e a humanidade; isto é, o vínculo juntou dois grupos vivos onde a vida foi assegurada e o amor deveria ser um aspecto essencial daquele vínculo vivo. Este vínculo de vida e amor incluía promessas, certezas, obrigações (mandatos, leis), e avisos (maldições), que atuavam para preservar o vínculo e serviam para faze-lo, de fato, um relacionamento eficaz. O vínculo foi validado e assegurado através da palavra solene (ou juramento) de Yahweh, que é imutável. Para a humanidade envolvida nele com Yahweh, um sinal foi incluído, o arco-íris, da mesma forma como o sábado havia sido na conclusão das atividades criadoras.O pacto que Yahweh estabeleceu com Adão e Noé tinha uma referência mais ampla do que o aspecto pessoal. O pacto da criação incluía o relacionamento de Yahweh com a criação e, particularmente, o relacionamento de Adão e Eva, e de Noé e sua descendência com a criação. Esta dimensão mais ampla e inclusiva do vínculo fez, eficazmente, com que o pacto fosse, também, um meio de administração. Adão, Noé e suas descendências, foram, em seus papéis de vice gerentes, feitos administradores; eles tinham que dominar, cultivar, estabelecer famílias, ser frutíferos e encher a terra. Depois que o pecado foi introduzido, o relacionamento de amor e vida dentro do palco criacional foi restaurado e confirmado por Yahweh; ele adicionou a dimensão redentora ao relacionamento e sua administração. A redenção deveria ser executada e se tornar uma realidade assegurada através do cumprimento das obrigações que Yahweh havia estipulado e das promessas e maldições que havia enunciado.O terceiro cordão do cordão dourado é o mediador pactual; os termos "agente" e "servo" servem bem em certos contextos. O âmago do pacto centraliza-se no relacionamento entre Yahweh e seus portadores de imagem, o primeiro Adão e sua descendência e o segundo portador de imagem, o Messias (Cl 1.15; Hb 1.3). O mediador recebeu os mandatos e responsabilidades de cumprir a vontade, o pano, a meta e os propósitos de Yahweh, que iniciou e manteve seu pacto. Desta forma, os primeiros mediadores, Adão, Eva e posteridade, foram chamados para serem administradores pactuais sob Yahweh, dentro do reino cósmico. Quando Adão e Eva desobedeceram e violaram seu relacionamento de vida e amor, Yahweh, imediatamente, proclamou que a semente da mulher deveria ser o administrador do pacto e, também, da redenção.23 Assim como Noé serviu como um mediador do pacto e, dessa forma, como um precursor e tipo de Cristo, assim também através da era do Antigo Testamento, outros serviram, incluindo Abraão, José, Moisés, Josué, os juizes, os profetas, sacerdotes e reis. Em um sentido real, todos os descendentes de Noé e Abraão foram chamados para serem mediadores, particularmente, a nação de Israel. Todos estes precursores e tipos

relacionamento que foi estabelecido em vários contextos. R. Kraetzschmar considerou que o pacto entre Israel e Yahweh foi feito em uma cerimônia cúltica, solene, e J. Pedersen considerou que o pacto era um relacionamento entre dois grupos que realizaram a união das esferas criando uma solidariedade a respeito de qualquer assunto à mão.

2 3 O fato de que Jesus administrou ambas as dimensões, criacional e redentora, é certamente confirmado por Paulo quando, escrevendo aos Colossenses, falou de Cristo como o que era antes de todas as coisas e em quem todas as coisas subsistem (Cl 1.17). Ele é a cabeça da igreja através de quem a reconciliação é feita e a paz é estabelecida (Cl 1.18-20).

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humanos falharam, alguns drasticamente. Outros serviram de uma forma aceitável a despeito de suas fraquezas e pecados.24

Concluindo esta discussão sobre o Mitte, entendo que o cordão dourado, que unifica e integra a mensagem bíblica e, consequentemente, serve como tal para a teologia bíblica, consiste do reino de Yahweh e o pacto que ele estabeleceu com seus mediadores portadores de imagem. Todos os aspectos da mensagem bíblica se relacionam a este cordão dourado, e o seus sentidos e significados são estabelecidos através do seu envolvimento ou contribuição para a explicação do reino, do pacto e do mediador.

REVELAÇÃO

A revelação é o ato por meio do qual Deus "se abre" e "se faz conhecido". Ele se revelou de um modo muito direto e específico quando comunicou-se verbalmente com Adão e Eva, Caim e Noé. O modo exato como esta comunicação foi realizada não é explicado. Deve ser assumido, no entanto, que Deus, algumas vezes, comunicou-se de um modo intensamente pessoal. Ele falou audivelmente a Israel no Sinai (Ex 20), a Samuel (1 Sm 3) e a Elias (1 Re 19.13). Deus havia falado pessoalmente e diretamente previamente. Moisés escreveu que Deus, caminhando pelo jardim, chamou por Adão e Eva (Gn 3.8-9) e continuou a falar com eles assim como com a serpente/Satanás (Gn 3.11-16). Deus, dessa forma, se revelou indiretamente através das suas atividades criadoras e diretamente a certas pessoas em circunstâncias específicas. Teólogos tem enfatizado que Deus também se revelou ao "sentido íntimo do homem através da consciência religiosa e da consciência moral".25 Esta realidade é baseada no fato de Deus ter criado o homem e a mulher à sua imagem. Pessoas, como portadores de imagem, receberam "a percepção de Deus" através daquele ato e realidade. Esta percepção de Deus, ou deidade, também citada como a semente da religião, constituindo, pelo menos em parte, a própria essência da personalidade humana, foi afetada mas não apagada pelo pecado. É por esta razão que Paulo pode escrever que "todos os homens são indesculpáveis" (Rm 1.20) com relação ao estarem cientes da existência e presença de Deus.Deus também se revelou falando através dos seus porta vozes--aqueles que eram profetas ou que receberam o dom da profecia em alguma(s) ocasião(ões). Noé, por exemplo, em um sumário geral, revelou o plano de Deus para a humanidade, particularmente o papel que a descendência de seus filhos teria no término do plano da redenção. Noé, no entanto, não deveria ser considerado como o primeiro a servir como profeta porque, de acordo com o testemunho do Novo Testamento, Enoque (Gn 5.21-24) já havia profetizado (Jd 14).26

Uma outra forma em que Deus se revelou através das pessoas foi através das respostas verbais que ele tirou ou extraiu delas. Quando Deus abordava as

2 4 Quatro excelentes tipos mediatórios são Noé, Abraão, Moisés e Davi. Todos pecaram e precisaram dos serviços mediatórios perfeitos daquele a quem representavam e tipificavam.

2 5 Vos, Biblical Theology, 19-20.

2 6 Ver o meu Revelação Messiânica no Velho Testamento (Grand Rapids: Baker, 1990), 70-72, 414-20 para discussões adicionais sobre o fenômeno da profecia.

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pessoas ou falava a elas, assim como ele as confrontou, elas respondiam. Adão respondeu (Gn 3.10, 12), Eva respondeu (Gn 3.13) e Caim respondeu (Gn 4.9, 13-14). Estas respostas não foram profecias mas revelam o modo como as pessoas respondiam a Deus e, consequentemente, Deus fez com que a natureza das pessoas fosse conhecida depois de haverem pecado. Desse modo Deus fez com que, através das desculpas humanas e da tentativa de evasão da verdade, fosse revelado o que a natureza das pessoas pecaminosas havia se tornado e como isto poderia expressar-se e, de fato, expressou. 27

Deus também se revelou por meio do início e cumprimento de uma grande variedade de atos. Estes atos podem ser agrupados sob títulos como providenciais, julgadores, redentores ou uma combinação destes. As atividades providenciais em Gênesis 2-11 incluem a fabricação de vestimentas para Adão e sua esposa (Gn 3.21), a marca protetora que ele deu a Caim (Gn 4.15), o alimento que ele providenciou para a humanidade (Gn 9.3) e o arco-íris que ele estabeleceu como um sinal da sua fidelidade pactual criacional. Do começo ao fim das Escrituras pode-se ler muito destas atividades providenciais reveladoras.As atividades julgadoras são também registradas nos primeiros capítulos de Gênesis, por meio das quais aprendemos mais da auto-revelação divina. Estes atos devem ser entendidos como intimamente relacionados às maldições do pacto. Exemplos deste são a expulsão de Adão e Eva do Paraíso (Gn 3.23), a maldição de Caim e seu afastamento (Gn 4.11), e o dilúvio (Gn 6-9). A Escritura é repleta destas atividades divinas. Atos julgadores que se sobressaem particularmente depois do dilúvio, são as pragas e aflição sobre o Egito (Ex 9-11), a divisão do reino sob Roboão (1 Re 11.26-12.33) e o exílio de Israel (2 Re 17) e de Judá (2 Re 25).As atividades redentoras são a vinda de Deus e sua procura por Adão e Eva no jardim (Gn 3.8), a proclamação da promessa de libertação e o estabelecimento da antítese (Gn 3.14-15), a continuação da linhagem da semente através da concessão de um filho, Sete, a Adão e Eva (Gn 5.1-2) e a preservação de Noé e sua família na arca (Gn 6-7). Como veremos, as Escrituras, repetidamente, citam as promessas e uma variedade de atividades redentoras que afetaram as vidas do povo de Deus, fisicamente, moralmente e espiritualmente.Nesta conjuntura, é importante que três pontos específicos sejam esclarecidos.Primeiro, é vastamente reconhecido por um vasto espectro de estudiosos bíblicos e teólogos que a Bíblia registra as atividades pelas quais Deus se fez conhecido às pessoas. Na verdade, estes atos de Deus são freqüentemente enfatizados para a exclusão das auto-revelações reais de Deus comunicadas verbalmente. Se alguém consulta a obra de Walther Eichrodt, pode ler do vínculo de Israel com Deus e do conhecimento particular obtido de Deus como um resultado da sua percepção de que Deus havia realizado grandes feitos em seu favor.28 Estes atos reveladores de Deus foram enfatizados por G. Ernest Wright no seu estudo bíblico-teológico cujo subtítulo é "Biblical Theology as Recital", um relato dos atos

2 7 Ibid., 327-33.

2 8 Theology, 36-38.

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de Deus.29 De fato, isto é uma grande realidade; Deus se revelou através das suas obras criadoras, providenciais, julgadoras e redentoras.Segundo, é igualmente importante enfatizar que as obras de Deus não deveriam ser separadas da sua palavra falada. Alguns estudiosos críticos admitem que existe uma revelação verbal e indicam a Bíblia escrita, as Escrituras como a palavra. De fato, as Escrituras são a palavra registrada de Deus. Mas esta palavra escrita inclui não somente um registro do que Deus fez mas também do que ele disse. As revelações verbais de Deus são interrelacionadas inseparavelmente com suas revelações através das obras. Este inter-relacionamento pode ser demonstrado como estando presente do começo ao fim das Escrituras. Na obra criadora, Deus primeiro falou, "Haja", e, então e dessa forma, trouxe à existência aquilo do qual havia falado. Cada obra forneceu um palco para a revelação verbal seguinte que teve o efeito de criar. Considere, também, o modo como Deus falou, primeiramente, do dilúvio (Gn 6.13), mandou Noé construir e entrar na arca e, então, ordenou que ele entrasse nela (Gn 7.1). Na narrativa do dilúvio, lemos da obra providencial de Deus, da ordem para construir a arca (uma revelação verbal), e da habilidade dada a Noé para fazê-la; do ato julgador de Deus (iniciado por uma comunicação verbal), e do ato redentor de Deus ao salvar Noé e estabelecê-lo como uma segunda cabeça da humanidade.O terceiro ponto a ser enfatizado é que as palavras e obras auto reveladoras de Deus surgiram no contexto das suas atividades pactuais. Estas incluem o estabelecimento do pacto da criação, as promessas e provisões pactuais redentoras e a renovação do pacto e explicações com Noé e sua descendência.Não houve uma apreensão, apropriação e aplicação progressiva consistente da revelação de Deus a seu povo. É verdade que a revelação aumentou em extensão e, enquanto isso acontecia, a apropriação da revelação pelo povo cresceu de forma correspondente. Mas o registro bíblico é claro: isto não aconteceu consistentemente. Do tempo de Adão a Noé, houve um aumento de população, mas a apropriação da revelação não aumentou. Judas nos informa (v.23) que Enoque profetizou e lemos que ele caminhava com Deus (Gn 5.24). Nada é dito sobre outros membros da descendência de Sete a respeito do seu relacionamento com Deus. Enquanto isso, entre a crescente descendência de Caim, houve poligamia e assassinato (Gn 4.23-24). E o relato bíblico mostra claramente que no tempo de Noé, somente ele, da descendência de Sete, estava em um relacionamento correto com Deus (Gn 6.9). Houve um enfraquecimento trágico entre a descendência de Sete. Não houve crescimento na apreensão espiritual, apropriação e aplicação das verdades reveladas de Deus à humanidade. Depois do dilúvio, lemos da embriaguez de Noé e sobre Cam ridicularizando seu pai. Novamente, estas são evidências da apropriação e aplicação inconsistentes da revelação de Deus. Muitos estudiosos criticamente inclinados, que parecem ser controlados por uma teoria evolucionária, buscam reorganizar o material escriturístico de modo que eles possam demonstrar uma consciência religiosa sempre crescente e um desenvolvimento contínuo da "teologia do povo".

2 9 G. Ernest Wright, God Who Acts (London: SCM, 1952). Ver também Arnold B. Rhodes, The Mighty Acts of God (Atlanta: John Knox, 1964). Rhodes inicia seu estudo com um capítulo intitulado "Witness to God's Mighty Acts".

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A revelação de Deus foi dada dentro da história. Deus iniciou o processo histórico quando começou com suas obras e feitos criadores. Desde aquele começo do cosmos criado, tem continuado através do tempo. As estruturas e elementos básicos do cosmos tem sido constantes. Homens e mulheres não tem mudado como portadores da imagem de Deus. O pecado, o mal e a culpa tem tido influências trágicas, moralmente e espiritualmente. As dimensões físicas da criação também sofreram devido à maldição mitigada que Deus pronunciou (Gn 3.17-19). Mas a essência básica, os elementos, estruturas e leis cósmicas continuaram a existir como foram criados. Esta constância do cosmos proveu o palco para o processo histórico em desenvolvimento. De fato, o desenvolvimento e o crescimento em várias dimensões da humanidade foram possíveis, mesmo depois que o pecado foi introduzido. Houve um desenvolvimento no domínio cultural: metalurgia, música, agricultura, criação de animais e indústria (e.g., construção da arca-embarcação). As atividades humanas começaram a se desenvolver. Os clãs de família aumentaram, as línguas foram introduzidas (Gn 11.1-9), as nações foram formadas, cidades foram construídas, governos humanos foram organizados. Enquanto as nações interagiam, benefícios mútuos foram desfrutados, mas atividades militares foram executadas com meios, em constante desenvolvimento, de conduzir a guerra. Estes desenvolvimentos, mudanças, variações e atividades novas aconteceram todos dentro do cosmos constante e sustentador. A humanidade, como criada à imagem de Deus e afetada pelo pecado e seus resultados, foi o agente dominante no processo histórico da revelação.Houve, no entanto, um influência muito importante e determinante dentro deste processo histórico. Foi a revelação de Deus à humanidade--a revelação por palavra, com seus feitos correlatos subsequentes e as repostas humanas a eles. Antes do pecado ter afetado a Adão e Eva, eles receberam a revelação. Deus revelou a eles o que esperava deles e o que havia preparado para eles (Gn 1.28-30; 2.15-18). Depois que o pecado e suas influências entraram em suas vidas, Deus não cancelou nenhuma de suas revelações prévias, mas ele adicionou a elas (Gn 3.14-19). E, nas revelações antes da queda e imediatamente posteriores a ela, Deus se revelou como Yahweh, o criador pactual e mantenedor. Fazendo assim, ele revelou os elementos básicos da sua vontade, plano e metas para todo o cosmos. Estes elementos iniciais básicos tem sido comparados à semente fértil ou semeadura da qual todas as revelações subsequentes procederam. O termo "orgânico" tem sido usado para se referir a isto.30 Assim como uma árvore grande desenvolvida teve seu início com uma semente, assim a revelação de Deus foi dada. Assim como toda a árvore está na semente, de forma não desenvolvida, mas potencialmente lá, assim acontece com a revelação de Deus. Esta verdade realça a importância de Gênesis 1-11 para o entendimento de toda a Escritura. A recusa em aceitar Gênesis 1-11 como uma revelação autêntica inicial tem efeitos desastrosos na interpretação de outras passagens escriturísticas que se referem à criação, à introdução do pecado, à promessa da redenção, ao estabelecimento da antítese, e à realidade do julgamento divino (como demonstrado pelo dilúvio universal).

3 0 Vos, Biblical Theology, 7.

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A revelação que Deus deu ao seu povo na sua forma inicial germinal, não permaneceu daquela forma. Não foi dormente. Deus a desenvolveu, desdobrou e explicou; houve uma progressão contínua na revelação dos conceitos centrais iniciais, básicos e fundamentais. Enquanto a história progredia, a cultura desenvolvia, as nações eram formadas e interagiam, as influências do pecado tornavam-se difundidas e penetrantes em todas as esferas da vida, Deus continuou a se revelar como o governador soberano, justo e íntegro, gracioso e misericordioso, amoroso e fiel. Ele demonstrou estas virtudes na sua relação reveladora, aprofundada e cada vez mais acolhedora com seu cosmos e, particularmente, com seus vice gerentes. Este desdobrar-se progressivo orgânico da sua revelação é claramente observável no modo como a linhagem da semente foi revelada. A Adão e Eva, nasceu Sete; na descendência de Sete, apareceu Enoque, que caminhava com Deus e profetizou a respeito do julgamento. Noé foi escolhido por Deus e, através de Noé, Sem. O papel de Sem, a respeito de todo o povo, também foi totalmente esboçado por Deus através de Noé (Gn 9.21-27).Foi feita uma referência, acima, à revelação contínua de Deus, especialmente de suas virtudes. Os três conceitos centrais, as três cordas do cordão dourado unificador integrador, foram, também, lentamente revelados. Deus se fez mais completamente conhecido como o Senhor soberano do cosmos; ele revelou que era o governador do seu reino cósmico. De fato, este reino era seu; ele poderia executar e executou julgamento sobre ele, mas enquanto fez isto, ele, soberanamente, o manteve. Ele se revelou mais completamente e diretamente como o Senhor pactual, como Yahweh, o mantenedor pactual imutável e fiel. O pacto foi mantido, mas também foi explicado. Um sinal foi dado, o arco-íris; a linhagem mediatorial para a dimensão redentora do pacto foi escolhida. Enquanto estes conceitos centrais unificadores foram revelados progressivamente quanto à sua essência e papéis, o papel dos vice gerentes de Deus Yahweh foi explicado. Desse modo, o relacionamento pactual entre Yahweh e seu povo e, particularmente, entre Yahweh e a linhagem escolhida da semente do Mediador vindouro, foi progressivamente revelado, aprofundado, enriquecido e fortificado. Deus Yahweh fez isto de tal maneira que aquelas pessoas envolvidas foram sempre endereçadas e chamadas a servir de uma forma possível nas circunstâncias em que viviam e trabalhavam. Yahweh, como o Senhor pactual, não requeria o humanamente impossível; ele esperava que os desafios tremendos e as mudanças fossem encarados e executados. A construção da arca por Noé e a sua entrada nela é um exemplo disto. Enquanto Yahweh continuou a fazer com que seu plano, vontade e metas fossem conhecidos, ele enriqueceu e fortaleceu seu relacionamento pactual com seus vice gerentes; ele, em todo o tempo, fez com que fosse possível a eles obedecerem e executarem os mandatos pactuais criacionais. As demandas culturais tinham que ser alcançadas; o mandato social, com o casamento e a família como seus elementos centrais e os requerimentos e obrigações a respeito da comunhão, deveriam se expressar claramente. Yahweh, desta maneira, relevou e conduziu estas coisas enquanto o processo histórico era revelado, de forma que seus vice gerentes eram agentes chaves. Eles poderiam e atuaram como tal porque Yahweh, soberanamente, controlava todos os aspectos do processo histórico de

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tal forma que seus agentes servos poderiam se adaptar e servir, eficientemente, se o fizessem obedientemente. Em nossa discussão, temos nos referido ao processo histórico iniciado e controlado, providencialmente, por Deus. Este processo histórico inclui várias facetas da história. Poderíamos falar de vários tipos de história que podem ser discernidas nas Escrituras. Estes serão listados brevemente e descritos.A história cósmica serve como o crisol inclusivo dentro do qual, as muitas histórias estão encaixadas e reveladas. A história cósmica se refere ao que aconteceu, no curso do tempo, ao mundo físico. O dilúvio o afetou. Enquanto as culturas se desenvolviam, os aspectos inorgânicos do mundo natural foram descobertos; muitos foram desenvolvidos. O meio ambiente foi afetado. Existem referências a terremotos, eclipses, secas, enchentes e fome (Gn 12.10; 26.1; 41.54; Js 10.14; Rt 1.1; 1 Rs 18.2; Am 1.2; Mt 27.51; Lc 23.45). A Bíblia não dá uma seqüência científica, ou mesmo desenvolvida de forma geral, do processo histórico cósmico e suas ciências. Mas existem referências suficientes para lembrar a qualquer leitor, que Deus manteve seu pacto da criação e que, enquanto a cultura e as organizações de pessoas se desenvolviam, Deus controlava o curso do processo histórico cósmico.Histórias nacionais servem para informar aos leitores bíblicos sobre as nações que foram apresentadas e seus papéis particulares, especialmente com relação às influências exercidas sobre a nação de Israel. Muitas nações são citadas; nenhuma história completa é dada. Algumas mencionadas em Gênesis 10 e 11, dificilmente, se isto acontece, são citadas em escritos posteriores. Mas podemos aprender muito sobre os personagens e eventos em nações como a dos Egípcios, Cananeus, Filisteus, Sírios, Assírios, Babilônios, Midianitas, Persas e Romanos. Nenhuma destas histórias nacionais são descritas totalmente; no entanto, existe material suficiente para que possamos efetivamente, ver os relatos bíblicos como parte de histórias mais inclusivas porquanto estas são conhecidas de outras fontes, especialmente a partir de artefatos, tabuletas, rolos arqueológicos e escritos antigos bem preservados.31

A história nacional para a qual a Bíblia, especialmente o Antigo Testamento, é escrutinada é a de Israel. Estudiosos, críticos e conservadores igualmente, tem buscado traçar a história da nação israelita desde as evidências mais antigas até suas últimas referências. Alguns estudiosos diriam que a história começa com o êxodo (Ex 12).32 Outros preferem lidar com a liga das tribos, a anfictionia, que se fundiu lentamente em uma nação dentro das bordas da Palestina.33 Outros

3 1 Por exemplo, a compilação de documentos antigos em ANET.

3 2 John Bright, A History of Israel, 3ª ed. (Philadelphia: Westminster, 1982), esp. Caps. 3-4.

3 3 Bright teceu o conceito de liga tribal dentro da sua história do desenvolvimento nacional de Israel (ibid., 162-73). Norman Gottwald, em sua obra As Tribos de Iahweh (São Paulo: Paulinas,1986), se referiu aos três modelos teoréticos a respeito da origem das tribos em Canaã: por conquista militar maciça, por infiltração pacífica; e Israel, como um componente da população cananéia, rebelou-se contra os senhores feudais das cidades-estado (191). Na sua análise destes três, Gottwald toma uns poucos aspectos dos modelos 1 e 2 mas, obviamente, prefere considerar o modelo 3 como o método dominante. Ver sua declaração, "Pessoalmente, acredito que existe uma evidência ampla para o modelo da revolta para fazer dele uma proposta séria"(219).

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começam com as raízes patriarcais da nação.34 Enquanto é verdade que muito pode ser aprendido da Bíblia sobre a presença histórica e as experiências de Israel como uma nação incipiente, em desenvolvimento, estabelecida e desaparecendo, não existe história completamente desenvolvida, de acordo com as definições cientificas modernas de história. A Bíblia não pretende apresentar uma história detalhada. Antes, ela registra aqueles aspectos da história Israelita que estão envolvidos no que a Bíblia pretende transmitir: o reino de Deus, seu pacto, e o mediador.A história religiosa tem sido considerada como o papel central e dominante no registro escriturístico. Aqueles que se concentraram nesta história não tem, sempre, concordado nos vários interesses principais. A Bíblia é, basicamente, um registro das expressões conscientes de Israel da sua fé?35 A Bíblia deve, por essa razão, ser vista como um livro que relata grandes eventos, que dá uma estrutura para a religião, fé e atividades cúlticas que são desenvolvidas?36 Ou, a Bíblia deveria ser vista como uma história de confissão, credos, salmos e predições pessoais e, consequentemente, apresentando uma história de adoração? Como se originou a adoração?37 Ela se originou através da obtenção, por empréstimo, de várias fontes e, então, desenvolvendo o culto de acordo com as predileções da época? Ou a Bíblia deveria ser vista como um registro do modo como a teologia se desenvolveu (teologia entendida, particularmente, como o produto da reflexão e entendimento humanos de cada época, do que foi reescrito, editado, e reformulado como experiências históricas influenciadas por pessoas religiosamente orientadas)?38

A história literária tem sido considerada como um fator dominante para o entendimento das Escrituras. Os historiadores literários que tem estudado o Antigo Testamento tem sido, freqüentemente, controlados pelo que entendem ser a história da linguagem. Quando os alfabetos foram originados após as siglias (hieroglifos Egípcios) e as figuras cuneiformes provaram ser muito difíceis e desajeitadas? Quando a escrita apareceu entre os Hebreus?39 Que tipo de materiais eram usados? O que induziu o povo a desenvolver a escrita e preparar os materiais para serem usados nela? Como a literatura se desenvolveu? Foi por meio de um uso de gêneros sempre em desenvolvimento e ampliação?40

3 4 Leon Wood, A Survey of Israel's History (Grand Rapids: Zondervan, 1970), 27-47.

3 5 Gerhard Von Rad, Teologia do Antigo Testamento,(São Paulo, ASTE, 1973): "um retrato objetivo tolerável do povo de Israel" pode ser tirado a partir de muitas fontes disponíveis aos estudiosos modernos (1:105).

36 Ibid., 121-22.

3

37 Roland de Vaux lutou com estas questões no Ancient Israel: Its Life and Institutions, trad. John McHugh (New York: MacGraw-Hill, 1961). Ver esp. Pt. 4. Na introdução desta parte, ele declarou que embora os rituais de outras nações fossem, frequentemente, similares aos de Israel, existiam algumas características distintas no culto de Israel (271-73).

3 8 Von Rad, Teologia do Antigo Testamento, 107-15

3 9 Roland K. Harrison lembra a seus leitores de que Wellhausen manteve que a escrita não surgiu entre os Hebreus até cedo na monarquia. Ver Introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1969), 201

4 0 Ver a discussão detalhada de Otto Eissfeldt da sua resposta à questão em The Old Testament: An

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Está incluído neste estudo da história da literatura, o que tem sido os debates do modo como a Bíblia deve ser considerada canônica, se, de fato, pode ser considerada canônica. E, se é canônica, como chegou a ser assim?41 As respostas a estas questões tem sido discutidas em uma variedade de escritos, particularmente em livros que lidam com assuntos introdutórios ao Antigo Testamento e, especificamente, com o assunto da canonicidade.Duas distinções específicas deveriam ser mantidas em mente. Estudiosos tem, freqüentemente, falado da história da salvação, mas não existe explicação unânime da frase. O termo se refere ao curso de eventos, nos quais o plano da redenção foi executado, passo a passo. A referência específica, neste caso, é aos grandes eventos redentores que Yahweh realizou como havia prometido e cumpriu os atos de libertação em favor do seu povo. Neste conceito está incluída a apropriação efetiva da redenção que Yahweh providenciou.42 A ênfase, então, é nos grandes atos de Yahweh, na preparação, execução e resultados destes na vida do seu povo.43

Somado a isto e em distinção da história da redenção, devemos considerar a história da revelação divina, que lida com o processo, na história, das atividades reveladoras de Deus. A tentativa de identificar a história da redenção e a história da revelação é feita, especialmente, pelos estudiosos que tem dificuldade em aceitar o fato de que Deus se revelou por meios verbais tanto quanto falando através de agentes inspirados, particularmente os profetas, poetas e outros escritores bíblicos. Deve ser adicionado, imediatamente, que fazer a distinção não envolve limitar a atividade reveladora de Deus à comunicação verbal. Significa que muito do que é incluído na história da redenção (particularmente as atividades redentoras diretas de Deus, como levar Abraão a Canaã, o êxodo e o retorno do exílio) deve, também, ser considerado revelador de Deus e, consequentemente, parte do processo revelador dentro da história. Deve ser entendido, também, que este processo da revelação divina, que inclui muito do que é entendido por história

Introduction, trad. Peter Ackroyd (Oxford: Blackwell, 1965), 12-127.

4 1 Brevard S. Childs, Introduction to the Old Testament as Scripture (Philadelphia: Fortress, 1979), 46-48. Ver Harrison, Introduction, 201-59; Gleason L. Archer, A Survey of Old Testament Introduction (Chicago: Moody, 1964), 31-72; Meredith G. Kline, "The Correlation of the Concepts of Canon and Covenant", no New Perspectives on the Old Testament, ed. J. Barton Payne (Waco: Word, 1970), 265-79; Kline, The Structure of Biblical Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), 27-110; Robert Vasholz, The Old Testament Canon in the Old Testament Church (Lewiston: Mellon, 1990).

4 2 Eu discuti o modelo irregular de apropriação nos muitos contextos no Revelação Messiânica. O ponto repetidamente feito é que a resposta e apropriação do que Yahweh revelou e fez por seu povo, foram muito irregulares. Não houve um crescimento consistente em fé, entendimento e aplicação. Na verdade, houveram períodos de deterioração trágica, particularmente sob reis como Jeroboão I, Jeroboão II, Acabe, Acás, Manassés, Amom e outros. Antes do período da monarquia, durante as jornadas no deserto e no período dos juízes, a resposta foi muito irregular.

4 3 Vários teólogos bíblicos limitariam a história da redenção aos atos de Deus. G. Ernest Wright escreveu, "Devo me colocar ao lado de Eichrodt" com relação aos testemunhos das "atividades salvadoras de Deus" (The Old Testament and Theology [New York: Harper & Row, 1969], 62). Ver também Wright God Who Acts: Biblical Theology a Recital (London: SCM, 1952), Arnold B. Rhodes elabora nesta abordagem no seu The Mighty Acts of God (Atlanta: John Knox, 2964). Willem Van Gemeren, em The Progress of Redemption (Grand Rapids: Zondervan, 1988),com o subtítulo The Story of Salvation from Creation to the New Jerusalem, enfatizou a história das atividades redentoras mas não inteiramente a ponto de excluir da história da revelação.1970), 27-47.

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da redenção, aconteceu dentro do crisol da história cósmica, histórias nacionais, história Israelita, e está disponível a nós porque foi incluído na história da escrita. Interrelacionadas, então, como estas histórias são, deveriam ser distinguidas claramente e deveriam, todas elas, receber o reconhecimento devido. Finalmente, o assunto da teologia bíblica é o processo da revelação divina.44 De fato, a teologia bíblica, como disciplina, se endereça particularmente e especificamente à história da revelação porquanto executada no curso do tempo de Adão a Malaquias e desde a anunciação do nascimento de Cristo até o último escrito inspirado do apóstolo João, o Livro de Apocalipse.

Parte II

O Período Patriarcal

4 4 Vos, Biblical Theology, 5-14.

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O Início do Período Patriarcal

I. Introdução

A. O Texto: Gênesis12.1-50.26

1. Material de Transição

2. História Profética

B. Os Cinco Patriarcas Dominantes

C. Os Três Conceitos Unificadores

D. O Fator Escatológico

II. O Tempo de Abraão

A. Deus Yahweh e Abraão

1. A soberania de Deus Yahweh

2. A presença mantenedora e providência de Deus Yahweh

3. As virtudes de Deus Yahweh

4. Deus Yahweh e seu reino

B. O Pacto de Deus Yahweh com Abraão

1. Comentários Introdutórios

2. Gênesis 12.1-3

3. Gênesis 15

4. Gênesis 17

5. Gênesis 18.16-19

6. Gênesis 22

7. Gênesis 26.3-6

C. Agentes Mediadores de Yahweh

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D. História e Escatologia

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O Início do Período Patriarcal

Introdução

O Texto: Gênesis 12.1-50.26

1. Material de TransiçãoO material bíblico em consideração neste e nos capítulos seguintes é

Gênesis 12.1-50.26. Este material é introduzido em Gênesis 11.10-26, no qual o tôledot de Sem é esboçado. Este é seguido pelo tôledot do descendente de Sem, Terá (Gn 11.27-32). Noé havia profetizado que Sem seria o servo de Deus Yahweh e o portador da linhagem da semente Messiânica (Gn 9.26-27). Moisés, por essa razão, fez uma referência específica à descendência de Sem e, ao fazer isto, seguiu a linha dos descendentes de Terá, o pai de Abraão. Ele também deu alguns detalhes a respeito da família de Terá e sua mudança para Harã. Sarai, esposa de Abraão, que desempenhará um papel importante nas narrativas subsequentes, também é especificamente introduzida. O efeito malha da apresentação de Moisés, desse modo, é primeiramente, que Abrão e Sarai são apresentados como descendentes de Sem e estão viajando de Ur dos Caldeus para a terra que Yahweh daria a Abraão como seu lugar de habitação e centro de influência. Segundo, Moisés fez uma transição literária significativa. De uma forma condensada e reduzida, ele deu uma relato dos procedimentos de Yahweh com a humanidade desde o tempo em que Adão e Eva foram expulsos do jardim do Éden até o tempo em que o pai pactual de Israel, e de todos os crentes (Gl 3.28-29), escolhido por Yahweh, apareceu no cenário da história. Vários estudiosos bíblicos tem mostrado algumas diferenças materiais e literárias entre Gênesis 1.1-11.32 e Gênesis 12.1-50.26, mas que não removem a conexão inseparável entre estas duas partes do Livro de Gênesis.1

1. História ProféticaUma consideração a ser feita logo de início do nosso estudo de Gênesis

12.1-26.6, a seção que registra o procedimento de Yahweh com Abraão, é que este material é considerado como a apresentação de um relato do que, de fato, aconteceu nas vidas dos patriarcas. Não existem esforços, por parte de Moisés, para apresentar relatos biográficos completos de várias personalidades. Antes, Moisés escreveu história profética. Este material descreve o que Deus Yahweh revelou por palavras e feitos através das personalidades que viveram entre o tempo do chamado de Abraão e a morte de Jacó no Egito. Os eventos em que as personalidades estiveram envolvidas, foram registrados para fazer conhecido o modo como Deus Yahweh estava mantendo seu reino, desenvolvendo seu pacto

1 Ver Gerard Van Groningen, "Genesis: Its Formation and Interpretation", no Interpreting God's Word Today, ed. S. Kistermaker (Grand Rapids: Baker, 1970), 26-43.

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com seu povo e revelando seu plano de gerar, no tempo devido, o mediador Messiânico do pacto e Senhor imperador no seu reino.

Os Cinco Patriarcas DominantesNão é fora do comum ler que o relato de Gênesis dos patriarcas, lida com

três patriarcas: Abraão, Isaque e Jacó. Isto, indubitavelmente, é devido à citação destes três por Moisés na primeira parte do relato da libertação dos Israelitas do Egito (Ex 2.24). Moisés fez isto, obviamente, porque enfatizou a lembrança de Yahweh do seu pacto com os patriarcas, e o texto repetidamente declara que Deus pactuou com estes três. Mas quando se lê os versos iniciais de Êxodo, a referência é a Jacó e seus filhos, com destaque para José em uma menção específica (Ex 1.5-6, 8). Isto pode ser prontamente entendido porque José é uma pessoa importante no relato patriarcal no qual Moisés registra o modo como Deus Yahweh estava cumprindo sua vontade.

Existe também um quinto patriarca que é citado como tendo tido um papel importante no relato. Ele é Judá.2 Ele veio progressivamente ao primeiro plano em vários episódios específicos (Ex 29.35; 37.26-27; 38.1-30; 43.3, 8; 44.14-20; 46.28). Na profecia de Jacó, ele é destacado como aquele pelo qual Yahweh iria manter a linhagem da semente Messiânica, o agente mediador do pacto, e o antepassado da casa real em Israel (Gn 49.8-12).3

Os Três Conceitos UnificadoresNos capítulos anteriores, os três conceitos que formam o Mitte unificador

dos primeiros onze capítulos de Gênesis foram mostrados. Estes três conceitos--reino, pacto, mediador--continuam a servir como um "cordão dourado" central unificador? A grande variedade de eventos históricos e conceitos teológicos se relacionam com estes três? Se sim, se tornará aparente que estes são forçados como uma grade sobre o material bíblico? Ou eles são fatores essenciais nas

2 Yound Ho Kim, na sua dissertação de Th.M. , "The Joseph Narrative: Judah's Rope" (Covenant Theological Seminary, 1991), refrescou minha memória sobre os papéis que Rúben, José e Judá tiveram no tempo dos patriarcas. Vários escritores, particularmente os interessados em exegese estrutural e poética (a arte da narrativa), tem realçado os papéis destes dois filhos de Jacó. Ver James S. Ackerman, "Joseph, Judah and Jacob", em Literary Interpretation of Biblical Narratives, ed. Kenneth R. R. Gros Louis e James S. Ackerman (Nashville: Abingdon, 1982), 85-113; e Donald B. Redford, A Study of the Biblical Story of Joseph, Genesis 37-50 (Leiden: Brill, 1970).

3 Ver Messianic Revelation in the Old Testament (Grand Rapids: Baker, 1990), 167-84 (Revelação Messiânica no Velho Testamento, LPC).

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narrativas em que os cinco patriarcas tem papéis dominantes?4 Os comentários seguintes podem ser feitos no início.

Referências diretas ao reino de Yahweh não estão incluídas nas narrativas patriarcais. A idéia de reinado sim. Ela é usada na referência a vários reis humanos (ver Gn 14; 20; 26; 36; 49.20). O rei do Egito é citado somente quatro vezes (Gn 40.1, 5; 41.6) embora suas prerrogativas reais tenham uma influência maior na vida de José, que também é investido de um tipo de autoridade e influência reais. Os temas do governo soberano de Deus Yahweh e os resultados benéficos disto para cada patriarca estão bem implícitos do começo ao fim das narrativas. Isto será enfatizado, no relato, no estudo da revelação de Yahweh às cinco principais personalidades e no seu procedimento com elas. Este estudo vai elaborar, a um grau limitado, no que Bright escreveu sobre as vitórias e triunfos iniciais do reino de Deus desde a criação e no seu procedimento "com toda a raça da humanidade".5

O conceito de pacto como um tema integral em Gênesis 12.1-50.26 não é contestado. O fato de que não tem sido adequadamente reconhecido também é verdadeiro.6 Em décadas recentes, no entanto, um número crescente de escritos eruditos sobre o pacto de Yahweh com os patriarcas tem se tornado disponível. Mas existem áreas distintas de desacordo a respeito da importância do pacto de Yahweh com os patriarcas. Dwight Pentecost declarou que este pacto com Abraão é o primeiro de quatro grandes pactos determinantes com Israel. Na verdade, ele o considerou como sendo a base de todo o programa pactual. Ele alega que o pacto tem relação com as doutrinas da soteriologia e da ressurreição; ele enfatiza que é muito importante para a escatologia porque neste pacto, Israel recebe a garantia de uma "existência nacional permanente", "título perpétuo da terra da promessa", "certeza de bênçãos materiais e espirituais através de Cristo", e uma "garantia de que as nações gentias compartilharão destas bênçõas".7

4 John Bright discursou sobre o tema unificador não imposto artificialmente sobre as Escrituras. Ele se referiu especificamente ao "reino de Deus". Dentro do qual o tema da redenção e da vida que o povo redimido deve viver estão incluídos. Ver The Kingdom of God (Nashville: Abingdon-Cokesbury, 1953), 10. Bright resconheceu seu débito a Walther Eichrodt, que "foi o primeiro a me mostrar a importância disto" (10, n.3). George E. Ladd, um pré-milenista histórico, reconheceu que "Um dos temas centrais do Antigo Testamento é a vinda do reino de Deus". Ladd enfatizou vários pontos: (1) o reino, de acordo com os profetas e Jesus, estava vindo; (2) o termo "reino de Deus" não é uma frase comum no Antigo Testamento; mas (minha ênfase) (3) Jesus compartilhava a visão Hebraica de que Deus, o Criador do mundo, também sustentava o mundo como Senhor do céu e da terra. Seu terceiro ponto implica a presença real e atuante do reino de Deus desde o tempo da criação. Ver A Theology of the New Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1974), 53-55 (Teologia do Novo Testamento, (Rio de Janeiro: JUERP, 1984); "The Kingdom of God", em A Guide to Biblical Prophecy, ed. Carl E. Amerding e Ward Gasque (Peabody: Hendrikson, 1989), 131-33.

5 Kingdom of God, 232-33. Bright via o reino como um fator integral na história primitiva resgistrada na Bíblia; limitado nos procedimentos de Deus com Israel, tornou-se ainda mais limitado com o remanescente, até focar diretamente sobre Cristo. O foco, então, volta a se externar novamente.

6 Ver a discussão sobre o Velho Dispensacionalismo no capítulo 8. Lembre-se de que Walther Eichrodt escreveu que a idéia de pacto surgiu inicialmente na reflexão religiosa de Israel logo que foi liberto do Egito. Ver The Theology of the Old Testament, trad. J. A. Baker (Philadelphia: Fortress, 1961), 1:36-45.

7 J. Dwight Pentecost, Things to Come (Findlay: Dunham, 1958), 70-71. Pentecost fez uma declaração clara de que sua visão (como um dispensacionalista) é muito diferente da visão "postulada pelos teólogos pactuais" (65).

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Considerando que muitos teólogos pactuais começam seus estudos pactuais com o pacto Abraâmico,8 existem os que começam com o Mosaico como o pacto fundamental à luz do qual, outros, incluindo o pacto com Abraão, Noé e Adão, são discutidos.9

Um outro fator merece ênfase. Alguns estudiosos recentes tem não somente se referido ao pacto como o tema central, mas declarado que o pacto é, também, um conceito estrutural.10 O Antigo Testamento é um documento pactual; ele é o registro escrito do pacto de Deus com a humanidade como um todo e, especificamente, com certos indivíduos. Como será mostrado nestes dois capítulos, o pacto é, de fato, um meio estrutural no relato da revelação de Yahweh e no seu procedimento com Abraão, Isaque e Jacó, e também com José e Judá.

O terceiro conceito central é o mediador. Nem o termo "mediador" nem "messias" aparecem em Gênesis, mas o conceito, obviamente, está lá quando as Escrituras falam da semente ou descendência (Gn 3.15; 12.7; 13.15-16; 15.5; 17.12; 21.12-13; 22.18; 24.7, 60; 26.4; 28.14; 46.6-7). Ainda mais pronunciado é o fato de que Deus Yahweh lidou com pessoas específicas quando pactuou com a humanidade. Estas pessoas foram chamadas e feitas para servirem como agentes de Yahweh e, consequentemente, servirem em um papel mediatorial dentro do pacto.

O Fator EscatológicoA apresentação de Gênesis do pacto tem "um significado mais importante

nas doutrinas da escatologia" como também para a ressurreição.11 Não deveria haver discussão a respeito das importantes ênfase escatológicas em Gênesis 12.1-50.26. Existem divergências sobre o que, nesta seção das Escrituras, tem importância escatológica. No estudo do texto bíblico, se tornará aparente que Abraão e sua descendência foram escolhidos para servirem como agentes

8 E.g., Gerhard Ch. Aalders, Het Verbond Gods (Kampen: Kok, 1939), 61; Roderick Campbell, Israel and the New Covenant (Philadelphia: Presbyterian & Reformed, 1954), 27; Philip E. Hughes, Interpreting Prophecy (Grand Rapids: Eerdmans, 1980). Hughes enfatizou que o pacto Abraâmico "tem importância fundamental na história da profecia" (15). Ver Klaus Runia, "Some Crucial Issues in Biblical Interpretation", Calvin Theological Journal 24/2 (Nov. 1989). Runia se referiu a ele como um pacto especial de graça. Escritores Reformados Neo-Conservadores, como John Bright em Covenant and Promise (Philadelphia: Westminster, 1976), 25-26, e Arnold B, Rhodes, The Mighty Acts of God (Atlanta: John Knox, 1964), 51-61, também indicaram que consideram o pacto Abraâmico como primeiro, básico ou fundamental.

9 Ver John M. Zinkand, Covenants: God's Claims (Sioux Center: Dordt, 1984). Ernest W. Nicholson, enquanto interpreta o material bíblico de forma muito crítica, também trata o pacto Mosaico/Sinaítico como o modelo inicial. Ver God and His People (Oxford: Claredon, 1986), 121-33. Nos capítulos prévios mostramos que, em décadas recentes, estudiosos como William Dumbrell, Meredith Kline e O. Palmer Robertson consideram que o pacto de Yahweh com Adão e Eva provê os elementos e o contorno do conceito bíblico de pacto.

1 0 O. Palmer Robertson, The Christ of the Covenants (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1980), 166-200 (O Cristo dos Pactos, LPC); Rolf Rendtorf, "'Coventant' as a Structuring Concept in Genesis and Exodus", Journal of Biblical Literature 108/3 (1989): 385-93.Rendtorf cita Ronald E. Clements, Old Testament Theology, A Fresh Approach (Greenwood: Attic, 1978), que argumentava que o Antigo Testamento deveria ser estudado primeiramente por suas teologias. A questão para Rendtorf é estudar o Antigo Testamento teologicamente e o pacto, como um conceito estrutural, se tornará óbvio. Clements, no entanto, não enfatizou o pacto como um fator estrutural, mas o considera um tema teológico importante (96-103).

1 1 Pentecost, Things to Come, 70.

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centrais na realização da meta de Yahweh em introduzir o Redentor, realizar sua obra redentora e, pactualmente, administrar os assuntos do reino de Yahweh. Detalhes específicos a respeito da existência nacional e da posse da terra, não estão incluídos. Também não estão incluídos detalhes a respeito do tempo, lugar e eventos específicos. Mas o que pode ser discernido é o modo como Yahweh faz com que seus planos sejam mais definidos, o que será o resultado final, e o modo como muitos eventos e pessoas, dentro do curso da história, tem seu lugar, papel e influência. Consequentemente, pode-se ver o modo como Yahweh trabalha dentro da história enquanto controla e guia as forças, pessoas e ventos para realizarem seu plano e alcançarem sua eventual meta escatológica.

Finalmente, enquanto buscamos ter uma visão geral do programa escatológico de Yahweh, torna-se óbvio que Yahweh tem um modo consistente e contínuo de revelar sua vontade, de trazer a redenção, e de requerer fé nele e obediência aos mandatos e comandos. Especificações a respeito do investimento na riqueza, o crescimento do capital e competição no mercado não são fatores integrais no plano de pacto-reino de Yahweh.12 Nem é evidente que, em distinção da vontade revelada de Deus a respeito da inocência, responsabilidade moral e governo humano, a humanidade foi testada na obediência às promessas divinas.13

O fato é que Yahweh nunca removeu suas demandas a respeito de qualquer aspecto da sua palavra revelada. Todo o relato de Gênesis retrata a vontade inflexível de Yahweh pela obediência, confiança, submissão e aceitação da revelação de Deus, incluindo as promessas que fez. No entanto, algumas alterações devem ser observadas no modo como a vontade de Deus, em certos particulares, deve ser entendida e obedecida depois da morte, ressurreição, ascensão e assento de Cristo à mão direita do Pai para reinar sobre todo o reino de Deus.

O Tempo de AbraãoDeus Yahweh e Abraão

1. A soberania de Deus YahwehO relato bíblico de Abraão começa com as palavras wayyo'mer yehwâ 'el

'abram (E Yahweh disse a Abrão) (Gn 12.1). Como esta citação indica, todo o relato descreve Deus Yahweh como o Senhor soberano.

O nome 'elohîm (Deus) ocorre aproximadamente vinte e cinco vezes em Gênesis 12.1-26.24. A palavra tem uma fonte etimológica que fala de "forte" e "principal".14 Esta deidade forte e principal também se refere a si mesma como 'el-saddaî (Gn 17.1). A conotação geralmente aceita de saddaî é a de uma 1 2 Ver Gary North, The Dominion Covenant: Genesis (Tyler: Institute for Christian Economiscs, 1982), 156-

83.

1 3 Ver notas na New Scofield Study Bible, 3. Na NSSB é mencionado que salvação "tem estado e continuará a estar disponível...pela graça de Deus através da fé". Esta declaração não foi incluída na antiga Bíblia de Scofield. Desse modo, a recente revisão procura remover uma objeção levantada contra o dispensacionalismo: que defendia a "salvação pela obediência". Declarar que a fé é o requisito para a salvação em todos os tempos, é uma melhora, mas é uma infelicidade que a divisão, em segmentos de tempo, da vontade revelada de Deus e das respostas da humanidade continuem.

1 4 A palavra 'elohîm tem sido discutida extensamente. Ver Theological Wordbook of the Old Testament, 1:44-45 (Novo Dicionário de Teologia no Antigo Testamento???, Vida nova) para uma discussão condensada mas abrangente.

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combinação dos conceitos todo-poderoso e elevado, ou exaltado e majestoso. Estes conceitos--forte, poder, principal, exaltado e majestoso--podem ser expressos em combinação pelo termo "soberano". Em Gênesis 12.1, o nome ou designação não aparece diretamente: no entanto, a soberania é expressa pelo fato de Yahweh ter tomado a iniciativa e ter dado um comando e diretrizes a Abrão. Na terminologia do antigo Oriente Próximo, o termo "suserano" é aplicável.

A soberania de Yahweh foi expressa clara e definitivamente quando escolheu e chamou Abrão. Não existe uma razão pela qual Deus Yahweh elegeu e chamou Abrão. Ele vivia entre adoradores de outros deuses e se juntava a eles nisto (Js 24.2). Yahweh, todavia, o tomou (Js 24.3) e prestou um juramento de fidelidade a ele (Dt 7.8; 8.1). O chamado de Abrão só pode ser entendido à luz da própria bondade e amor de Yahweh e não por qualquer mérito por parte de Abrão.

O chamado de Abrão deve ser visto como mais do que uma mera diretriz para se mover para outro lugar. Deus Yahweh chamou Abrão porque havia lhe escolhido para um serviço pactual específico (Gn 18.19). Vos corretamente observou que, enquanto toda a raça humana havia sido tratada antes disto, agora um homem e sua esposa haviam sido particularmente escolhidos para servirem em um propósito universal.15 O texto declara especificamente: lek leka o imperativo de lakâ (ir). O verbo é seguido pelo termo que significa "por você mesmo" (Gn 12.1). Abrão deveria se separar de sua família, clã, tribo e pátria. Ele e sua esposa deveriam ir sozinhos e, através deles, todas as pessoas da terra seriam servidas. A soberania de Deus Yahweh é revelada em seu reino e controle sobre a terra, nações e possessões (riquezas). Abrão é assegurado de que será guiado à terra que lhe será mostrada (Gn 12.1; 15.7) e que será dada a ele e à sua semente (Gn 15.18). Embora esta terra estivesse habitada por várias nações, elas seriam desapossadas para que Abrão pudesse ser o possuidor (Gn 15.12-20).16 Esta promessa pode ser feita porque Deus Yahweh reina sobre todas as nações. Todas as nações eram suas e ele fez com que suas bênçãos se tornassem disponíveis a elas através de Abrão. No seu relacionamento com Abrão, elas se uniriam a ele no que Deus Yahweh fornecesse. Esta bênção se referia aos aspectos espirituais e cósmicos da vida. Abrão, obediente ao chamado de Deus Yahweh, tornou-se um homem de fé. Ele deixou seu lar e recebeu uma terra; ele deixou a riqueza de Ur dos Caldeus e recebeu muito mais riquezas em rebanhos, manadas, prata e ouro (Gn 13.1-2). Estas realidades, como mencionadas brevemente acima, são evidências certas do reinado universal soberano de Deus Yahweh.

Outros aspectos da vida estavam também sob o controle soberano de Deus Yahweh. Ele fechou o ventre de Sarai. Ela disse "Yahweh tem me impedido de dar à luz filhos" (Gn 16.2). Ainda, passada a idade normal de gerar filhos, Abrão foi assegurado de que Sarai iria gerar um filho (Gn 18.14), e Yahweh, sendo gracioso a Sarai, a capacitou a dar à luz um filho (Gn 21.1-2). Yahweh também fechou e abriu os ventres da esposa de Abimeleque e de suas servas depois de tê-los

1 5 Gerhardus Vos, Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1948), 76-69.

1 6 Esta promessa a respeito da terra foi cumprida completamente no tempo de Davi e Salomão (2 Sm 8; 1 Re 2.46b; Sl 72). A grande expansão da terra, de acordo com Paulo, simbolizava Deus entregando todo o mundo como uma herança a Abraão e sua semente (Rm 4.13). Foi cumprida quando a fé foi exercida; foi perdida quando Salomão, sua semente, e Israel desobedeceram a Yahweh, quebrando o pacto.

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fechado porque o rei havia levado Sara para seu harém (Gn 20.17-18). No caso da fuga de Hagar com seu filho Ismael, de Sara, encarando a morte no deserto, uma fonte de água foi providenciada e um contexto no qual Ismael pudesse amadurecer também foi providenciado (Gn 21.15-26).

Uma outra demonstração do governo e controle soberano de Deus Yahweh deve ser incluída neste estudo. O caráter justo de Deus Yahweh e sua execução da justiça são demonstrados em duas instâncias registradas. Depois que Quedorlaomer e seus aliados derrotaram os cinco reis da região leste da terra prometida a Abraão, eles levaram o saque e cativos das cidades derrotadas (Gn 14.1, 12). Ló, o sobrinho de Abraão, também foi levado como cativo. Abrão, com um grupo de servos treinados, seguiu os vencedores, os derrotou e perseguiu até a área nordeste de sua pátria (Gn 14.13-16). No seu retorno, Melquisedeque,17 um adorador, servo e sacerdote le el elyôn (do Deus Altíssimo), o encontrou e abençoou no nome do qoneh (possuidor) do céu e da terra (Gn 14.18-20). Melquisedeque conhecia, servia e falava em nome de Deus Yahweh que é o Criador e Possuidor do céu e da terra. Melquisedeque juntou, 'asermiggen (que entregou; piel de magan, entregar) seus inimigos em suas mãos. Melquisedeque reconhece o envolvimento de Deus Yahweh na batalha e vitória de Abrão; ele trouxe julgamento sobre o invasor, destruidor e saqueador quando deu a vitória a Abrão.

Uma evidência mais impressionante do caráter justo e reto de Deus Yahweh é o julgamento que executou contra Sodoma e Gomorra (Gn 18.16-19.26). Note que uma referência é feita a Abraão sendo informado do que iria acontecer para que ele, seus filhos, e sua casa também fizessem "o que é certo e justo". (Gn 18.19). A questão é que Abraão e seu povo deveriam observar e aprender dos modos justos e retos de Deus Yahweh com as cidades más, sendo que uma delas havia se tornado o lar de Ló, sobrinho de Abraão (Gn 13.12-13). Ló foi para Sodoma, uma cidade de maldade e grande pecado contra Yahweh (Gn 13.13). O pecado de Sodoma e Gomorra foi tão repugnante que Deus Yahweh iria destruí-las (Gn 18.20). Não é dito quais pecados específicos estavam sendo cometidos mas o relato refere-se à inospitalidade e a imoralidade sexual (Gn 19.5).18 O texto declara o fato do julgamento divino de forma concisa: "O Senhor fez chover enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra" (Gn 19.24). As cidades e toda a planície com todos os habitantes e vegetação foram destruídos. Assim como Deus Yahweh trazia bênçãos, ele também executava a maldição, causando destruição total. Desse modo, ele também se revelou como um Senhor soberano.

2. A presença mantenedora e providência de Deus YahwehQuando Abrão foi escolhido e chamado para deixar todos os seus parentes e sua pátria, Yahweh lhe deu certezas confortadoras. Abrão, não sabendo para onde estava indo, foi assegurado de que Yahweh estaria com ele, que o guiaria e

1 7 Para uma discussão sobre o nome de Melquisedeque, indicando possivelmente um relacionamento com um deus de alguma espécie ou significando "meu rei é justo", a explicação preferida, e seu reinado em Salém, mais tarde conhecido como Jerusalém, ver Gordon Wenham, Genesis 1-15: Word Biblical Commentary (Waco: Word Books, 1987), 316.

1 8 Claus Westermann cita dois crimes, "cada um deles é sério em si mesmo: luxúria não natural e a violação dos direitos dos hóspedes à proteção" (Genesis 12-36 A Commentary, trad. John J. Scullion [(Minneapolis: Augsburg, 1985], 301).

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levaria à sua nova pátria (Gn 12.1). Na comunhão com Yahweh, ele seria abençoado; Abrão receberia apoio espiritual, moral, social e material e, dessa forma, estaria seguro do bem-estar em todas as dimensões da vida.Deus Yahweh continuaria a estar com Abrão, em comunhão com ele, dando-lhe bênçãos que garantiam uma boa vida e suprindo-o com os meios necessários para o serviço. Depois da partida de Ló, Yahweh falou a Abrão e lhe deu garantias a respeito de um lugar de habitação para ele e sua descendência (Gn 13.14-17). Quando Ló foi levado cativo e Abrão o resgatou, ele foi assegurado de que o Altíssimo lhe havia dado a vitória (Gn 14.18-20). Quando Abrão estava preocupado pelo fato de não ter um filho, Yahweh, em uma visão, lhe assegurou de que ele teria proteção divina (Eu sou seu escudo) e um futuro certo (grande recompensa) (Gn 15.1). Na velhice de Abrão (Gn 17.1), ele foi novamente assegurado da presença de Yahweh através das palavras "Eu serei um Deus para você e para seus descendentes" (Gn 17.7). Yahweh apareceu novamente a Abrão e lhe garantiu um filho outra vez (Gn 18.10). Deus mudou seu nome para Abraão, pai de muitos--uma promessa verdadeiramente confiante que falava da presença e atividade de Yahweh em sua vida. Deus Yahweh apareceu novamente a Abraão no contexto da sua interação com Abimeleque Gn 20.1-18). Yahweh falou através de um sonho e, mais tarde, quando Abraão orou por Abimeleque, Deus Yahweh ouviu a oração e a respondeu como Abraão havia orado. O que pode ser considerado como a experiência culminante de Abraão da presença de Yahweh, aconteceu em Moriá (Gn 22.2). Quando Abraão, em obediência ao comando de Yahweh, havia colocado seu filho Isaque sobre o altar e tinha alcançado a faca (Gn 22.10), ele foi interrompido pela voz do Anjo de Yahweh. O próprio Yahweh se endereçou pessoalmente a Abraão e providenciou o substituto, um carneiro, para ser oferecido como oferta queimada.

3. As virtudes de YahwehNas duas seções prévias, notamos a soberania de Deus Yahweh; sua presença contínua (onipresença) e sua bondade como evidenciada na sua provisão para Abraão e sua família. Nos capítulos prévios, sua justiça e retidão foram discutidas. Estas virtudes foram reveladas e demonstradas a Abraão. E, na discussão seguinte do pacto de Yahweh com Abraão, a graça e a misericórdia serão salientadas. A esta altura, a atenção pode ser dirigida à fidelidade, compaixão e santidade de Yahweh. Enquanto estes termos não são mencionados explicitamente, os conceitos estão, certamente, presentes.Deus Yahweh chamou Abrão e lhe ordenou que fosse para um lugar desconhecido. Mas ele foi assegurado de que este lugar lhe seria mostrado. E Yahweh cumpriu sua promessa (Gn 15.18). Quando um filho foi prometido a Abrão e Sarai (Gn 15.4), Deus Yahweh demonstrou sua fidelidade. Na velhice, eles receberam um filho (Gn 21.2). Note que o texto diz "a Abrão em sua velhice, no tempo em que Deus lhe havia prometido".Deus Yahweh revelou que era compassivo. Ele entendeu a dor de seus portadores de imagem. Quando Abrão estava profundamente preocupado sobre o fato de não ter um filho (Gn 15.2), Yahweh lidou com esta dor, prometendo-lhe um filho (Gn 15.4). Quando Sarai estava angustiada porque era estéril e mesmo depois da tentativa de usar uma mãe substituta, Hagar (Gn 16.1-4), e sofrer a ridicularização (Gn 16.4-5), Yahweh, compassivamente, assegurou a Abraão e

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Sarai que, dentro de um ano, teriam um filho (Gn 18.10). Yahweh demonstrou esta mesma compaixão a Hagar quando ela estava fugindo de Sarai (Gn 16.7-10). Ela foi ordenada a voltar mas recebeu a garantia de que seu filho seria ancestral de um povo "muito numeroso para se contar" (Gn 16.10). A compaixão de Deus Yahweh foi novamente demonstrada a Hagar quando ela fugiu com seu filho para o deserto. Eles foram supridos com água e receberam um lar no deserto de Parã (Gn 21.15-21).A compaixão de Deus Yahweh foi demonstrada claramente quando, em sua retidão e justiça, determinou trazer julgamento sobre Sodoma e Gomorra, e suas cidades irmãs. Ele escutou a intercessão de Abraão a favor das cidades. Abraão recebeu a garantia de que Deus Yahweh, enquanto motivado pela retidão e justiça (Gn 18.23-33), mostraria compaixão pelas cidades se somente dez pessoas justas vivessem lá. Mas, não haviam dez; Ló, sua esposa e duas filhas foram advertidos a fugirem, e três deles foram poupados. Retidão, justiça e compaixão não cancelaram uma a outra; Deus Yahweh as exerceu no contexto da pecaminosidade humana.Os termos qades, qodes não aparecem em Gênesis. Mas o conceito está presente como pode ser discernido em várias passagens. Primeiro, santidade como virtude divina não deve ser coordenada com "outros atributos distintos na natureza divina".19 Vos estava correto ao escrever que "a santidade é aplicável e coextensiva com tudo o que é atributo de Deus". Em outras palavra, Deus Yahweh é santo em "tudo o que o caracteriza e revela, em sua bondade e graça...justiça e ira". Santo-santidade transmitem, basicamente, o conceito de afastamento ou majestade. Relacionados a isto e correlacionados estão os conceitos de separação e pureza.20 Consequentemente, no contexto da revelação de Yahweh da sua bondade, amor, graça e compaixão a Abraão, dizer que Yahweh revelou sua santidade é indicar, certamente, que Abraão experimentou estas virtudes como nenhum outro ser humano (ou anjos) poderia faze-las conhecidas. Abraão conheceu Yahweh verdadeiramente como o Deus soberano, incomparável e majestoso em cada modo como se revelou a Abraão e em cada procedimento que teve com ele. Abraão, por essa razão, tinha todas as razões para ter confiança total em Deus Yahweh e estar completamente seguro de que tudo quanto fosse dito ou levado a fazer, seria completamente realizado. Resumindo, Abraão tinha uma base sólida para a fé em Yahweh.

4. Deus Yahweh e seu reinoO reinado de Deus Yahweh é exibido, exercido e revelado no relato bíblico do seu relacionamento e envolvimento com Abraão. Deus Yahweh é o Rei. Ele governa sobre as forças e aspectos do cosmos. De fato, ele administra o cosmos de acordo com o pacto da criação. Ele é o grande Suserano; ele cumpre sua vontade. Ele capacita Abraão a cumprir seus mandatos social, cultural e de comunhão. Ele é o Senhor das nações, e elas servem a seus propósitos. Ele é o dono real da terra e, como tal, ele promete a terra a Abraão e à sua semente.

1 9 Vos, Biblical Theology, 245-47.

2 0 Ibid., 245. Ver também Theological Wordbook of the Old Testament, 2:286-88 (Dicionário de Teologia do Antigo Testamento, Vida Nova). Separado, limpo, puro, totalmente bom, inteiramente sem mal, acima de toda fraqueza e imperfeições dos mortais.

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Estudiosos não tem sido tão prontos para falar do reino de Deus como o palco para o chamado de envio e condução de Deus Yahweh a Abrão.21 Nem é prontamente mencionado que, ao fazer grandes promessas a Abrão/Abraão e Sarai/Sara, ele assim o fez como o Rei do cosmos (e tudo o que ele contém) ou no contexto de Deus Yahweh reinando efetivamente sobre o cosmos e exercendo sua autoridade e poder reais sobre todas as nações, tribos, clãs e famílias que existem dentro do seu reino cósmico. No entanto, devemos concluir que, embora a frase "reino de Deus" não seja encontrada em Gênesis 12-26, as realidades constituintes do reino são muito dominantes: (1) o reinado de Deus Yahweh; (2) seu reinado, governo e controle; e (3) seu domínio cósmico com todos os seus aspectos, incluindo, particularmente, as nações presentes naquele tempo e, especialmente, Abraão como uma figura central dentro daquele reino.

O Pacto de Deus Yahweh com Abraão1. Comentários Introdutórios

Abrão (Abraão depois disto) viveu de fato e Deus Yahweh apareceu a ele e/ou falou com ele através de uma teofania (Gn 18), uma visão (Gn 15.1), como o Anjo de Yahweh (Gn 22.15), e pessoalmente sem indicações do modo (Gn 12.1). Enfatizamos esta realidade histórica da revelação de Yahweh a Abraão e sua interação com ele como uma pessoa verdadeiramente viva, vivendo no século dezenove-dezoito a.C., por duas razões específicas. Primeiro, algumas dúvidas tem sido expressas a respeito desta realidade histórica. Norman Gottwald escreveu que "É evidente que nas tradições de Abraão, Isaque e Jacó, existem traços de circunstâncias de vida de alguns grupos que eventualmente encontraram seu caminho dentro de uma formação mais ampla de Israel".22

Segundo, toda a Escritura testifica as realidades históricas registradas em Gênesis 12-26. Ambos, Jesus (Jo 8.54-59) e Paulo (Rm 4.1-12; Gl 3.28-29) também.Também tem havido discussão sobre a realidade histórica do pacto efetivo de Yahweh com Abraão e sua descendência imediata. Alguns o ignoram ou sugerem que os editores Javistas, escrevendo do século X, sugeriram que a promessa da semente e da terra, aspectos básicos do pacto Abraâmico, foi suposta como tendo sido acreditada pelos patriarcas e, por essa razão, foi incluída na forma expandida da religião Israelita depois que a monarquia foi formada.23 É difícil, quando se lê o 2 1 Ver John Bright, que iniciou sua discussão do reino de Deus com um estudo de Israel como um reino. Ele

se referiu à fé de Israel, que incluía a noção de um Deus monoteísta (24), de Deus como governador da natureza e da história (20), e de sua prerrogativa de eleger um povo (27). Ver Walter C. Kaiser, Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1978) (Teologia do Antigo Testamento, Vida Nova), que se referiu a um reino universal como uma das promessas que Yahweh fez (14), aos profetas tendo como foco o plano e reino universal de Deus (46-49), e ao fato de Israel ser um reino de sacerdotes. Para Kaiser, o conceito de reino deve ser aplicado primeiramente a Israel como uma monarquia e ao reino a ser estabelecido pelo Messias.

2 2 Norman K. Gottwald, The Tribes of Israel (Maryknoll: Orbis, 1979), 34 (As Tribos de Yahve, ???). Notar a referência de Gottwald aos vestígios de grupos, não patriarcas individuais.

2 3 John Bright, em A History of Israel (História de Israel, Paulinas??), escreveu que a figura da Bíblia dos patriarcas é profundamente enraizada na história (103). Mas, quando escreveu a respeito da "Religião dos Patriarcas", ele a descreveu como uma religião de clã; não era monoteísta, e era um prólogo ao Javismo, que foi iniciado e desenvolvido sob Moisés (101-2). Bright não se refere ao pacto até que discute o êxodo de Israel do Egito e a conquista de Canaã. Ver também Walther Eichrodt, que, ao discutir a história do conceito de pacto, escreveu da "sua remodelagem" e que havia existido uma "notável retroação do conceito

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texto de Gênesis e as muitas referências, do começo ao fim das Escrituras, ao pacto de Yahweh com os patriarcas, aceitar tais interpretações como dignas de crédito. Toda a Escritura aceita a realidade histórica dos patriarcas e do pacto de Yahweh com eles (Ex 2.24; 3.15; 4.15; 6.3, 8; 32.13; 33.1; Lv 26.42, 45; Nm 32.11; Dt 1.8; 6.10; 9.5, 27; 29.13; 30.20; 1 Cr 16.16; 2 Cr 20.7; Sl 105.8-10; Is 29.22; 41.8; 51.2; Ez 33.24; Mq 7.20; Mt 1.1; 3.9; 22.32; Lc 1.55; Jo 8.39-58; At 3.18; 7.2, 8, 32; Rm 4.1-16; 9.7; Gl 3.6-18; Hb 6.13; 11.8, 17).Entre os exegetas conservadores e teólogos bíblicos, existem algumas diferenças fundamentais sobre o pacto que Deus fez com Abraão. Não existe dúvida expressa sobre a realidade histórica de Deus pactuando com Abraão. As diferenças são com relação ao que o pacto é, quando foi estabelecido, sua relação com o pacto Noaico, e se o pacto deve ser considerado uma promessa em distinção de um pacto de lei.A esta altura em nosso estudo da revelação de Deus da criação à consumação de acordo com o Antigo Testamento, pode ser a ocasião mais oportuna para chamar a atenção à unidade do pacto e do modo como as diversidades dentro dele devem ser entendidas. A figura 7.1 é uma "revisão ilustrada" (p. 148) do que foi discutido dos capítulos anteriores e exibe o modo como o pacto de Yahweh é progressivamente revelado em épocas sucessivas de atividade pactual.24 Vários comentários explicativos se seguem: A linha pontilhada refere-se ao reino cósmico, estabelecido no tempo da criação e que continua a existir depois do tempo da queda. O vínculo pactual de amor de vida, estabelecido como um aspecto integral da obra criadora de Yahweh, foi um ingrediente essencial na revelação pré redentora. Este pacto (da criação), no qual Adão e Eva, criados à imagem de Deus, eram agentes pactuais, servindo real, sacerdotal e profeticamente, continuaram depois da queda; ele é representado pelas linhas fortes. As duas linhas fortes no centro representam o pacto da criação e redenção como correlatos e como meios administrativos para ambos, o reino cósmico e o plano da redenção. A linha fina entre as duas linhas fortes centrais representa os agentes pactuais, desde o primeiro Adão até o segundo Adão. Na época da queda, quando o pacto redentor foi iniciado como uma dimensão somada ao pacto da criação, um propósito central do que manteria, restauraria e levaria o pacto da criação e o reino cósmico a uma realização completa, realidades adicionais foram reveladas (e.g., graça, filiação ou semente, justiça e julgamento). Em cada "estágio" sucessivo da revelação pactual, os muitos conceitos foram ampliados e aspectos adicionais foram revelados. O espaço sempre ampliado entre as duas

de pacto no período mais primitivo da vida nacional". O período mais primitivo incluía a "história patriarcal" (Theology, 49).

2 4 Lembre-se que Vos se referiu às épocas distinguíveis na história do Antigo Testamento caracterizadas pelos afloramentos de revelação. Estas revelações foram expansões posteriores e aplicações das atividades pactuais soberanas de Yahweh para e com seu povo (Biblical Theology, 16-18). João Calvino se referiu à manifestação progressiva, estágio por estágio, de Yahweh a seu povo, no seu comentário sobre Gn 32.29 (Commentaries on Genesis, trad. John King [Grand Rapids: Eerdmans, 1948], 2:201). Calvino escreveu, "e o Senhor se revelou a eles, passo a passo, até que, Cristo o Sol da Justiça surgiu". C. Graafland, ao comentar sobre as administrações divinas, seu caráter de história da salvação (Heilsopenbaring), se referiu à visão de Calvino de que o progresso da revelação foi de uma forma trapsgewijze (passo a passo ou escada ascendente) (Het Vaste Verbond) [Amsterdam: Ton Bolland, 1978], 36).

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linhas fortes externas representam a revelação sempre enriquecedora e mais completa. Os degraus, juntos às linhas fortes distendidas, indicam os graus, degraus, estágios ou épocas de revelação nos primeiros cinco. Note que uma pessoa era o recipiente principal que também serviu a Yahweh como um agente pactual, mediador, representante, prefigura e tipo.

2. Gênesis 12.1-3No início da nossa discussão de Gênesis 12, encaramos a questão de se esta passagem apresenta os aspectos iniciais e fundamentais do pacto de Yahweh com Abraão. Não é ignorado que uns poucos elementos incluídos no pacto estabelecido com Abraão estão presentes. O fato do termo berît (pacto) não aparecer, nem os outros verbos usados para indicar o "estabelecer de um pacto", tem levado muitos escritores à conclusão de que o pacto formal efetivo com Abraão foi feito mais tarde.25 W. Dumbrell, no entanto, referiu-se ao "sumário dos relacionamentos começado por Deus com Abraão" ao que o título berît é, mais tarde, dado em Gênesis 15.26 Consequentemente, para Dumbrell, o pacto é iniciado e estabelecido quando o relacionamento começa e é referido como pacto mais tarde. Na raiz das diferenças citadas acima, estão as várias percepções do que, básica e finalmente, deve ser entendido pelo termo berît (pacto). O termo dever ser entendido em termos de um relacionamento, um vínculo ou como uma inclusão de várias partes e atividades integrantes?27 Quando a passagem é estudada, torna-se aparente que esta alternativa conduz a diferenças desnecessárias.28 Três fatores importantes deveriam ser reconhecidos. Primeiro, Deus Yahweh estabeleceu um relacionamento específico com Abraão quando o chamou. Segundo, este relacionamento incluiu vários elementos integrais. Terceiro, este relacionamento serviu como um meio administrativo e redentor. Estes três combinados, certamente levam a uma conclusão: Deus Yahweh iniciou e estabeleceu seu pacto de uma forma substancial com Abraão. "Cerimônias"

2 5 Thomas E. McComiskey falou sobre a promessa que Abraão recebeu e da sua obediência antes do modelo pactual ser revelado. Ver The Covenants of Promise (Grand Rapids: Baker, 1985), 188. Kaiser, enquanto enfatizada a promessa nesta passagem (Old Testament Theology, 39-40) (Teologia do Antigo Testamento, Vida Nova), também cita C. Von Orelli a respeito do relacionamento especial que Abraão teve com Deus (31), mas adiciona que Gn 12.1-3 não contém uma referência ao pacto (88). William Dyrness escreveu sobre o vínculo íntimo, um relacionamento estabelecido por Deus com Abraão e sua semente, e com quem Deus estabeleceu formalmente seu pacto mais tarde (Gn 15). Ver Themes in Old Testament Theology (Downers Grove: IVP, 1979), 27. Robertson também fala do relacionamento inicial (Gn 12) e da inauguração formal (Gn 15) (Christ, 127-28) ( O Cristo dos Pactos, LPC).

2 6 Covenant, 64.

2 7 Este problema tem confrontado exegetas e teólogos bíblicos pelos últimos quatro ou cinco séculos. Graafland, ao rever o entendimento de Calvino do pacto, relembrou aos seus leitores que os termos foedus pactio pactum e testamentum foram usados para se referirem à introdução de Deus em um relacionamento sólido (vasto) e imutável, caracterizado por uma confiança sempre contínua. Este relacionamento, de acordo com Calvino, "foi dado em Cristo por causa da obra expiatória que seria executada" (Het Vaste Verbond, 25-26).

2 8 Para uma revisão compreensiva da teologia pactual, que inclui referências ao modo como o pacto era entendido, ver Mark W. Karlberg, "Reformed Interpretation of the Mosaic Covenant", Westminster Theological Journal 43 (Outono 1980): 1-57.

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ratificadoras foram incluídas na reiteração e explicação de vários elementos (Gn 15, 17, 22, 26).29

O relacionamento que for trazido à expressão por Yahweh, é citado de várias formas. Yahweh falou com Abraão. O verbo 'amar (dizer) indica um relacionamento através da comunicação verbal. Yahweh iniciou isto e, consequentemente, o vínculo que deveria continuar durante toda a vida de Abraão, tornou-se uma realidade. Este relacionamento era significativo. Yahweh chamou Abraão (e sua esposa) para se separar de sua pátria e clã e família que adorava outros deuses (Js 24.2). Yahweh retirou Abraão de um cenário de adoração pagã para um relacionamento espiritual vivo consigo mesmo enquanto separava Abraão de seu passado. Yahweh prosseguiu dando garantia a Abraão de que ele continuaria este relacionamento declarando que ele mostraria a terra ha'arez 'aser 'arêkâ (Eu lhe mostrarei a terra) em que você, Abraão, deverá viver. Somado à declaração de Yahweh "Eu lhe mostrarei", ele se referiu ao que continuaria a fazer: Eu aumentarei, Eu darei fama, Eu abençoarei, Eu amaldiçoarei. Com estas garantias pessoais, Yahweh comunicou a Abraão que um vínculo eficiente, permanente e vivo, estaria presente e seria exercido de várias formas. Devemos concluir agora que, embora o termo berît (pacto), ao qual nos referimos antes como um vínculo de vida e amor, não foi usado por Yahweh; todavia, ele estabeleceu, definitiva e efetivamente, o relacionamento que é propriamente designado como um pacto. O pacto entre Yahweh e Abraão é mais obviamente discernido quando consideramos o que Yahweh disse que iria fazer. Cinco garantias foram dadas como evidências do vínculo; cinco promessas seriam realizadas e, desse modo, levariam este relacionamento a uma expressão concreta mais completa. Primeiro, uma grande nação se desenvolveria a partir de Abraão. Isto significava que a semente foi garantida a Abraão; sua progenitura ou descendência iria aumentar até tornar-se uma grande gôy (nação, governada e reconhecida como um corpo político). A garantia da semente não era um conceito novo; Yahweh havia falado à mulher, Eva, a respeito da semente (Gn 3.15). Noé profetizou sobre o modo como sua progenitura iria se desenvolver, relacionar-se um com o outro e servir (Gn 9.25-27). Agora, Abraão, um descendente de Sem, havia sido escolhido para servir como um portador da semente, a partir do qual uma grande nação apareceria.Segundo, Yahweh garantiu a Abraão que uma terra onde ele deveria fazer sua casa, lhe seria mostrada. Isto implicava que sua numerosa descendência teria um lar onde experimentariam a identidade nacional e seriam capacitados a viver o resto de suas vidas em um relacionamento continuamente enriquecedor, amoroso e vivo com Yahweh.Terceiro, foi dada a garantia do bem estar e da prosperidade. Yahweh disse, wa'barekâ (Eu o abençoarei). Esta frase curta contém muito significado e importância. Assim como Deus Yahweh havia abençoado a Adão e Eva (Gn 1.28), capacitando-os a ser e fazer o que haviam sido ordenados, assim também abençoou a Abraão. O conceito de bênção implicava no cuidado e provisão constante de Yahweh a Abraão. Espiritual, social e culturalmente, assim como

2 9 Ver Messianic Revelation, 133-35 (Revelação Messiânica, LPC).

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Adão e Eva no pacto da criação, Abraão seria capacitado a reconhecer os mandatos que Yahweh havia colocado diante dele e os cumpriria. Ser abençoado era ser autorizado, capacitado e equipado a ser agente pactual de Yahweh na qualidade de vice gerente.Quarto, Abraão recebeu a garantia de que, embora fosse ser um estranho em um terra ainda não conhecida, ele seria reconhecido como uma pessoa importante. Yahweh disse que faria com que seu nome se tornasse grande; isto significava que ele se tornaria famoso. Abraão, e sua descendência, se tornariam uma nação que exerceria influência entre as nações. As nações teriam que contar com isto porque, como o povo pactual de Yahweh, eles seriam um meio de bem estar, prosperidade e estabilidade para aqueles, entre os quais, Abraão e sua descendência vivessem e atuassem. Abraão recebeu a oportunidade de, no tempo certo, se tornar ciente disto. Quando partiu do Egito e não falou honestamente ao rei do Egito, Yahweh, contudo, fez com que Faraó ficasse ciente da presença de Abraão e de sua importância para Yahweh. Doenças sérias foram infligidas aos egípcios (Gn 12.17). Uma experiência similar levou Abimeleque a reconhecer o lugar e o papel de Abraão (Gn 20.1-18). A vitória de Abraão sobre os reis do norte (Gn 14.1-11) trouxe-lhe reconhecimento e honra (Gn 14.22). Melquisedeque, rei de Salém, abençoou a Abraão depois desta vitória. A fama de Abraão, certamente, não foi conseqüência de seus próprios feitos! Deus Yahweh controlava os eventos que trouxeram sucesso, reconhecimento, riqueza (Gn 12.16) e honra a Abraão; de fato, o nome de Abraão tornou-se grande.Quinto, Yahweh garantiu a Abraão de que ele seria um canal de bênção aos "povos da terra". O fato de Abraão ter se tornado isto foi o que lhe fez famoso. Mas esta garantia não foi somente por causa de Abraão; ele, como o amigo, servo e vige gerente pactual de Yahweh, recebeu o privilégio e tarefa de servir como o meio de Yahweh para alcançar, requerer e fazer com que pessoas de todos os clãs, tribos e nações se tornassem herdeiros da vida e do bem estar que Yahweh tinha para todos aqueles que o reconhecessem e servissem.As cinco garantias foram, na realidade, promessas que não poderiam falhar em seu cumprimento porque Deus Yahweh, o Governador soberano do reino cósmico e Redentor soberano, as havia feito. No entanto, existiam estipulações envolvidas. O chamado que Abraão recebeu não poderia ser considerado uma opção; ele não teve escolha. Ele recebeu um comando. lek (vá) está no imperativo. Igualmente, a forma imperativa do verbo hayâ, aparece em Gn 12.2. Yahweh não deu escolha a Abraão. Ele foi ordenado a ser o canal das bênçãos de Yahweh às nações. Ele seria o mediador de Yahweh no meio do mundo.30

Somado às promessas e estipulações, que são aspectos essenciais do pacto, Yahweh falou a Abraão sobre a bênção e a maldição. Abraão seria abençoado. Outros, dependendo de sua atitude com respeito a Abraão e no relacionamento com ele, seriam capacitados a se apropriarem e compartilharem das bênçãos com ele. Quando, no entanto, outros não tivessem respeito por Abraão, o ridicularizassem ou não o considerassem digno de importância (a forma verbal de qalal é um particípio piel, "aqueles que lhe considerarem como não tendo valor ou importância"), o amaldiçoarem (Gn 12.3b), seriam destinados à ira de Deus: eles

3 0 Ver Messianic Revelation, 134 (Revelação Messiânica).

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seriam 'arûr (amaldiçoados). Consequentemente, de uma forma indireta, embora óbvia, o resultado da bênção ou maldição do pacto de Yahweh foi expresso quando Abraão foi inicialmente endereçado. A garantia da continuidade do relacionamento também estava implícita nas palavras de Yahweh a Abraão. Yahweh iria sustentar essa continuidade, de fato; mas ela seria executada através da semente numerosa, a grande nação, que continuaria, realmente, por causa das promessas de Yahweh.Se alguém insistir que para um pacto ser visto como viavelmente presente, deveria existir evidência de um juramento, uma cerimônia ratificatória , ou pelo menos algum tipo de resposta por parte da pessoa com a qual Yahweh iniciou um relacionamento pactual, o seguinte deveria ser considerado. Não existe registro de um juramento ou uma cerimônia ratificatória do pacto. Yahweh, no entanto, exigiu uma resposta quando falou imperativamente: "Vá".Gênesis 12.4 lê: wayyelek 'abram ka'aser dibber 'elayw yehwâ (e Abraão foi como Yahweh havia lhe dito). Abraão foi obediente; ele fez como foi ordenado. Sua resposta foi tão positiva quanto a demanda. O pacto iniciado por Yahweh, de forma unilateral e monergística, recebeu a resposta de obediência quando Abraão partiu de Ur dos Caldeus (Gn 11.31; Ac 7.4) e de Harã depois que seu pai morreu (At 7.4b). Abraão também efetuou uma obra que foi mais do que uma mera resposta. Depois que chegou a Canaã e tinha "viajado através da terra até Siquém" (Gn 12.6-7), Yahweh lhe apareceu e confirmou que ele estava na terra que seria mostrada e que seria sua e de sua descendência. Então, lá, Abraão construiu um altar a Yahweh. Quando prosseguiu de Siquém, ele, novamente, construiu um altar entre Betel e Ai e adorou a Yahweh. Von Rad escreveu que esta construção de um altar teve um "significado infinito", especialmente em vista do "terebinto de Moré" que estava lá--uma árvore sagrada, foco de um centro de culto dos Cananeus.31 Abraão, ao construir o altar, no entanto, deve ser visto como dando sua resposta a Yahweh: (1) Eu aceito esta terra como seu presente prometido a mim; 32 (2) Eu lhe reconheço, Yahweh, como o doador e eu o adorarei como tal;33 e (3) Eu reivindico esta terra não como um mero presente a mim e aos meus descendentes, mas como a terra de Yahweh onde eu e meus descendentes iremos servir e adorar. O altar, dessa forma, falava através da sua presença. Mas um altar também foi usado para sacrifício. Não é dito que Abraão efetivamente ofereceu sacrifícios sobre o altar. No entanto, é inconcebível concluir que, quando Abraão construiu o altar e "clamou pelo nome do Senhor" (Gn 12.9), quando adorou a Yahweh, que nenhum sacrifício tenha sido oferecido.34 Através da

3 1 Gerhard Von Rad, Genesis, trad. John H. Marks (London: SCM, 1961), 157.

3 2 John Skinner, Genesis, 2ª ed. (Edinburgh: T & T Clark, 1956), 245-46. Deve ser notado, no entanto, que Skinner se refere a este relato como uma lenda. Ver a discussão de Gordon J. Wenham desta passagem em Genesis 1-15, 279-80, a respeito das discussões críticas sobre a promessa da terra a Abraão.

3 3 Carl F. Keil e Franz Delitzsch, Biblical Commentary on the Old Testament, vol. 1, Pentateuch (Grand Rapids: Eerdmans, 1949): "fazer o solo que foi santificado pelo aparecimento de Deus, um lugar para a adoração de Deus" (196).

3 4 Comentaristas não concordam se Abraão ofereceu sacrifícios sobre o altar. Wenham reconhece a referência de Jacob, Cassuto e Westermann à omissão, mas conclui que a construção do altar e o sacrifício eram expressões associadas de adoração. O altar, por si só, não dava expressão total a ela (Genesis 1-15, 280).

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construção do altar, Abraão respondeu obedientemente. Mas esta resposta incluía um ritual em que sangue era derramado e uma submissão completa era expressa como requerido de uma vassalo diante de um suserano.Concluímos esta seção lidando com o que Gênesis 12 registra a respeito do pacto de Yahweh com Abraão com esta declaração sumária. Yahweh pactuou com Abraão quando ele chamou, conduziu, fez promessas, colocou mandatos diante dele, e lhe garantiu que ele estava na terra prometida. Abraão, em obediência e com confiança e submissão, respondeu. O vínculo--o pacto--foi estabelecido e exercido.O pacto foi também um meio administrativo e redentor. Este fator deve ser reconhecido e entendido claramente. Tem-se mantido que o pacto com Abraão deve ser considerado apenas como um meio no plano redentor de Yahweh. Que ele tem tal função, é certamente o caso. Quando Deus Yahweh chamou Abraão, ele foi tirado de um ambiente idólatra. Yahweh o trouxe para um relacionamento íntimo consigo mesmo. Abraão respondeu em obediência e fé. O livro de Hebreus registra "Pela fé, Abraão, quando chamado para ir a um lugar...obedeceu e foi" (Hb 11.8). Quando Abraão foi endereçado por Yahweh, ele acreditou e a justiça lhe foi imputada. E, depois disto, lhe foi ordenado ser circuncidado--uma obra sacramental que falava da reivindicação de Yahweh sobre ele, do perdão e da purificação do pecado. Não deve existir dúvida de que através do pacto com Abraão, Yahweh lhe garantiu a redenção. Consequentemente, Abraão, respondendo às propostas pactuais de Yahweh, foi assegurado da redenção e a recebeu. Dessa forma, através do pacto, Abraão foi abençoado com todos os privilégios que Yahweh tinha para seu escolhido.O pacto com Abraão também envolvia trazer a redenção para todos os povos e nações do mundo. Isto era um aspecto integral do mandato pactual dado a Abraão. As bênçãos que recebeu deveriam fluir através dele para as nações (Gn 12.3). Consequentemente, uma função missionária redentora era um aspecto integral do pacto. O pacto deveria ser o meio, agência, instrumento pelo qual, Abraão, e através dele as nações, se tornariam herdeiros do plano redentor de Deus Yahweh e participantes dele, como apresentado em forma de semente a Adão e Eva (Gn 3.14-15).O pacto de Yahweh com Abraão era também um meio administrativo dentro do cenário do reino cósmico? Assim como Adão e Eva eram vice-gerentes de Yahweh dentro do pacto da criação, era Abraão também, em virtude do pacto de Yahweh consigo? O pacto da criação de Yahweh estava em vigor quando ele pactuou redentivamente com Abraão?Primeiro, o pacto da redenção não deve ser separado do pacto da criação. O pacto da criação, depois do afastamento de Adão e Eva, não foi anulado mas restaurado, mantido e garantido na sua continuidade pela iniciativa de Yahweh do programa da redenção. A obra redentora, a ser realizada através do pacto de Yahweh, deveria funcionar dentro do contexto do pacto da criação e, desse modo, tornou-se um aspecto integral dele. Então, quando Yahweh pactuou redentivamente com Abraão, ele assim o fez no contexto do pacto da criação eterno e atuante.Segundo, Deus Yahweh, como o Soberano pactual da criação, era o Senhor da terra e sobre todas as nações. Como tal, ele prometeu uma terra a Abraão; ele o

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conduziu até ela e lhe garantiu de que ele e sua semente a teriam como uma herança de Deus, o Rei da criação. Como o Soberano pactual da criação, Yahweh fez com que Abraão fosse famoso, provendo-o com riqueza material e proteção internacional. De fato, o pacto da criação estava operante do ponto de vista de Yahweh; ele era um meio administrativo.Terceiro, quando Deus Yahweh trouxe Abraão para sua comunhão pactual, criacional e redentora, ele colocou Abraão no papel de agente pactual criacional entre as nações. Abraão exibiu este papel quando derrotou as nações saqueadoras do norte e restaurou as possessões tomadas dos reis das planícies (Gn 14). Considere também o papel de Abraão em favor das cidades quando intercedeu por elas, buscando impedir a catástrofe e evitar o julgamento (Gn 18-19).Da evidência obtida a partir de Gênesis 12 e das passagens subsequentes, podemos concluir que o pacto da criação/redenção (como um cordão duplo do pacto) foi um meio tanto redentor quanto administrativo criacional. Dito de forma simples, Yahweh cumpriu seu plano e trabalhou para alcançar seus propósitos e metas através do pacto da criação/redenção. Yahweh, o Soberano, cumpriu as intenções e questões do seu reino cósmico e programa redentor através do pacto com Abraão e sua semente. Da mesma forma que Yahweh havia pactuado com Adão e Eva e com Noé, assim Abraão foi chamado para servir como o agente pactual através do qual o Soberano pactual administrou seu reino.

3. Gênesis 1535

Três frases específicas de Gênesis 15.1 pedem atenção. A primeira é 'ahar hadebarîm ha' elleh (depois destas coisas ou eventos). Esta frase serve como uma transição e elo de ligação com o que foi registrado nos capítulos prévios. Ló havia se separado de Abraão e se estabelecido nas planícies providas de água na área de Sodoma e Gomorra (Gn 13). Quando os reis do norte capturaram e saquearam estas cidades, Ló foi levado cativo e Abraão atacou e derrotou estes reis, resgatou Ló, e, depois de recuperar os bens saqueados, os devolveu aos povos das planícies. Melquisedeque, rei de Salém, apareceu para abençoar Abraão. Abraão havia retornado para sua tenda mas, evidentemente, estava inquieto. Provavelmente, pensamentos de represália pelos reis derrotados lhe

3 5 Gênesis 15 tem provido escritores com material abundante para discussão e debate. Três assuntos tem recebido, particularmente, uma grande parcela de atenção: (1) a fé de Abraão (citada como "Amém de Abraão" por Meredith G. Kline, Westminster Theological Journal 31 [1968]: 1-11); (2) o ritual pactual; e (3) a promessa com relação à terra. Ver a bibliografia de Wenham para uma longa lista de livros e dissertações. Para obras que se referem especificamente a Gênesis 15, ver G. Ch. Aalders, Genesis, vol. 1, ed. William Heynen (Grand Rapids: Zondervan, 1981); James Barr, "Some Semantic Notes on the Covenant", no Beitrage zür Altestestamentlichen Theologie (Zimmerli Festschrift), ed. Herbbert Donner, Robert Hanhart e Rudolf Smend (Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1977); Walter Brueggemann, Genesis (Atlanta: John Knox, 1982); Ronald Clements, Abraham and David, Genesis 15 and its Meaning for Israelite Tradition (Naperville: Alec R. Allenson, 1967); Gerhard Hasel, "The Meaning of the Animal Rite in Gen. 15", Journal for the Study of the Old Testament 19 (1981): 61-78: Delbert R. Hillers, Covenant, The History of a Biblical Idea (Baltimore: John Hopkins, 1969); Derek Kidner, Genesis (Downers Grove: IVP, 1967); Dennis J. McCarthy, Old Testament Covenant (Atlanta: John Knox, 1972); E. A. Speiser, Genesis (Garden City: Doubleday, 1964); Gordon Wenham, "The Symbolism of the Animal Rite in Gen 15: A Response to G. F. Hasel", Journal for the Study of the Old Testament 22 (1982): 134-37; John Ha, Genesis 15, A Theological Compendium of Pentateuchal History (Berlin: Walter de Gruyter, 1989).

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causaram incerteza, até mesmo temor. Assim, depois de um tempo, Yahweh lhe deu a certeza de que ele não precisava ficar apreensivo. A segunda frase é hayâ debar-yehwâ 'el-'abram (A palavra de Yahweh a Abrão). Yahweh falou diretamente a Abraão. Isto, indubitavelmente, é a base para a referência posterior de Abraão como profeta (Gn 20.7). Abraão não somente recebeu uma mensagem para si mesmo (Gn 15.1b), mas também uma profecia a respeito do cativeiro da sua descendência no Egito e da libertação (Gn 15.13-15). Esta mensagem a Abraão fixa o palco para os relatos que são registrados em Gênesis 37.1-Êxodo 14.31. Aqui está uma instância clara e definida da palavra precedendo o feito, ou de profecia dada, aproximadamente duzentos anos antes dos eventos profetizados acontecerem.A terceira frase é bammahazeh (em uma visão). Visões, referidas nos textos Acádios, são citadas de várias formas no Antigo Testamento. O termo, derivado de hazâ (ver), é similar ao termo ro'eh, que é a raiz do termo "vidente", uma designação para um profeta (2 Sm 24.16; 1 Cr 21.9; 12.15; 19.2, etc.). O substantivo, como usado aqui, aparece somente em Números 24.4 e Ezequiel 13.7. No livro de Zacarias, onde lemos a respeito da visão que o profeta recebeu (Zc 1.8), o termo ra'â (ver) é usado para se referir à maneira pela qual Yahweh abordou e falou a seu porta voz. Uma característica ímpar da visão foi que, somado à visão efetiva por parte do recipiente, ele também foi ativo, conversando com aqueles que apareceram no cenário visionário. É importante entender o que é uma visão e a participação do recipiente da mensagem para a compreensão do que está registrado em todo o capítulo.36

A mensagem que Yahweh tinha para seu correlato pactual, Abraão o profeta, tinha três partes específicas. Em um sentido real, cada uma tinha qualidade ou contexto militar. 'altîra (não temas). O negativo não é o absoluto lo' (não); por essa razão, sugere que Abraão estava temeroso então, por causa da aventura militar precedente. Yahweh lhe deu garantias que fortaleciam o "não temas": 'anokî magen lak (Eu sou teu escudo). O escudo é uma metáfora militar.37 Yahweh é o protetor do seu povo (Sl 84.12-13 [11-12]; Pv 30.5). O suserano pactual, o Senhor soberano, mantém um olho vigilante e uma mão protetora sobre seu vice gerente escolhido. Abraão teve que ser lembrado de que ele não estava sozinho; ele teve que se lembrar de que tinha sido chamado, conduzido e colocado na área que Yahweh havia designado como o lugar para ele viver, adorar e servir como um agente pactual entre as nações.Abraão recebeu garantia na sua situação presente e também para seu futuro: sekareka harbeh me'od (sua grande recompensa). O termo "recompensa" também tem uma nuança militar. Era usado para se referir ao pagamento ou recompensa do soldado (Ez 29.19). Abraão foi assegurado de que receberia sua recompensa e entendeu isto como uma referência às promessas de Yahweh com relação à numerosa semente, nações, e como meio de servir às nações. Abraão, dessa forma, indicou entendimento sobre o significado das promessas pactuais de

3 6 A explicação recomendada é: Yahweh apareceu a Abraão, falou com ele (1-6), deu instruções (7-9), as quais Abraão cumpriu e, então, a segunda parte da visão aconteceu (12-19).

3 7 Wenham, Genesis 1-15, 327.

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Yahweh (Gn 12.1-3), particularmente com relação à semente/descendência e lugar/terra.Gênesis 15.2-5 discute direta e inicialmente a respeito da promessa da semente pactual. Abraão respondeu às garantias, endereçando-se a Yahweh como adonai (mestre ou soberano) e indagando sobre quem o iria suceder e cumprir as responsabilidades pactuais. A questão surgiu devido ao fato de Abraão e Sara não terem um filho (Gn 15.2-3). A resposta de Yahweh foi tripla. Nenhum servo serviria como descendência; um filho nasceria a Abraão e este seria seu herdeiro pactual. Assim como as estrelas não podiam ser contadas porque eram muito numerosas, assim sua descendência seria numerosa. Deus Yahweh confirmou que um filho nasceria e serviria como herdeiro e vice gerente pactual e que, através deste filho, uma grande multidão de descendentes surgiria, o que, por sua vez, incluiria nações e reis. Dessa forma, Yahweh confirmou que, como Senhor soberano sobre o cosmos e toda a vida, ele manteria seu pacto por meio da provisão de uma semente (que serviria como vice gerente e mediador). De fato, o cordão dourado do reino, pacto e mediador não se desintegraria; ele continuaria e se tornaria mais óbvio, forte, duradouro e enriquecedor enquanto o tempo progredia.A resposta de Abraão à confirmação de Yahweh da promessa pactual com relação à semente, que constituía o próprio coração do pacto de Yahweh com seu povo, foi wehe 'emin (o texto tem o waw com a terceira pessoa perfeito--e ele acreditou). A forma gramatical sugere que Abraão continuou a fiar-se em Yahweh, a aceitar sua palavra como verdade, e confiar completamente nele. Abraão, desse modo, deu a resposta que honrava a Deus, à revelação de Yahweh. Abraão não tinha evidência física ou material da qual pudesse receber apoio para acreditar na mensagem de Yahweh para si. Ele aceitou a promessa como válida e certa porque Yahweh era sua fonte. Abraão confiava completamente em Yahweh. E esta fé, que envolvia o conhecimento do conteúdo da promessa embora não tivesse evidência tangível imediata para sua certeza, e que envolvia, implicitamente, a confiança em Yahweh, foi reconhecida por Yahweh.A frase wayyahsebeha lô sedaqâ tem dado margem para muita discussão e debate. Três questões pedem uma resposta: Como o termo hasab deve ser traduzido e interpretado? Como o "amém" de Abraão a Yahweh é relacionado com a justiça? Como a justiça deve ser entendida neste contexto?Vários termos são usados para traduzir hasab: "creditado" (NIV), "computado" (RSV), "contado" (KJV, NEB, Wenham), "calculado" (Westermann). De acordo com o léxico BDB, "debitar" e "imputar" também são traduções possíveis. Leon J. Wood mostrou que a idéia básica é o uso da mente na atividade do pensamento. Seis variações desta idéias são encontradas no Antigo Testamento; a quarta variação que Wood mencionou é a idéia de fazer um julgamento, como transmitido pelo termo "imputar".38 Davi falou da bem-aventurança do homem a quem o Senhor não imputa a iniquidade (Sl 32.2; Rm 4.8). Assim como a iniquidade poderia ser atribuída ao pecador, a justiça foi atribuída ou contada a Abraão. Isto significa que o que Abraão não tinha de si mesmo ou por qualquer mérito de sua parte, foi imputado a ele. Desse modo, nada tendo, algo foi dado sem mérito. Paulo, em Romanos 4.3-5 deixa claro que Abraão não tinha razão para vangloriar-3 8 Theological Wordbook of the Old Testament, 1:330 [Dicionário Internacional de Teologia do Antigo

Testamento, Vida Nova].

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se porque ele não se justificou ou se salvou. Deus, graciosamente, lhe imputou justificação.39

Como o "amém" de Abraão é relacionado à justiça que Deus Yahweh lhe imputou? Fé, a confiança implícita de Abraão em Yahweh, não é o fator meritório. Mas, é correto dizer que Yahweh reconhecia a confiança de Abraão e que Abraão foi aceito por Deus porque confiava completamente em Deus. Abraão, pelo fato de crer, não era merecedor de nada; Deus Yahweh graciosamente fez por ele o que Abraão não poderia alcançar ou adquirir por si mesmo. Também é correto dizer que se o "amém" não estivesse lá, se não existisse confiança em Deus, Yahweh não imputaria, graciosamente, justiça a Abraão. A fé de Abraão, consequentemente, é mais do que uma ocasião; ela tornou-se um meio mas não a base ou causa meritória.O que dever ser entendido por justiça neste contexto? Justiça é uma das virtudes de Yahweh. Ela refere-se à conformação e confirmação da vontade de Deus com relação a tudo que estiver sob consideração. Quando a justiça foi imputada a Abraão, ele foi declarado como estando dentro da vontade de Deus; ele deveria se considerar no relacionamento com Deus Yahweh, que estava totalmente de acordo com a vontade de Deus Yahweh, a respeito do modo como o homem deveria ser em relação a Deus Yahweh. Abraão, confiando implícita e completamente em Yahweh, foi assegurado, pela sua aceitação por parte de Yahweh, de que Yahweh o contava como estando dentro da sua vontade e comunhão. E estar dentro desta vontade e comunhão era ser uma pessoa perdoada e estar seguro da salvação que somente Deus Yahweh poderia realizar e dar aos pecadores. É do mais profundo significado, notar que Abraão tinha justiça, no sentido mais completo como discutido acima, imputada a ele, por causa da sua fé em Yahweh a respeito da promessa da semente. Abraão confiava que Yahweh iria gerar "a semente". E esta semente, presente de Yahweh, se tornaria a fonte da justiça. A semente proveria a base para a justiça que o pecador mas confiante, Abraão, recebeu por imputação (Gn 15.7-21).Depois que Deus Yahweh havia garantido a Abraão que a semente viria de seu próprio corpo e que esta semente se tornaria muito numerosa, e depois que Yahweh lhe imputou a justiça, ele prosseguiu em dar garantias a respeito da terra que tinha sido prometida a Abraão (Gn 12.1, 7). Deve ser notado que no pacto de Yahweh com Abraão, a semente, descendência, continuidade do pacto, fé e justiça foram realidades iniciais e essenciais. Abraão também teve uma pergunta sobre a possessão da terra (Gn 15.8). Ele estava na terra mas os Cananeus também estavam lá; e eles tinham uma reivindicação sobre ela (Gn 12.6). Yahweh deu a Abraão a garantia de que sua semente se tornaria possuidora através de uma cerimônia visível ou "ritual de juramento".40 A maioria dos comentaristas

3 9 John Skinner declarou que esta imputação da justiça a Abraão teve base legal. Visto que Abraão não tinha lei a obedecer, ela, consequentemente, surgiu em desenvolvimentos teológicos posteriores, mesmo depois de Dt. 6.25 e 24.13. Skinner também se referiu a esta declaração como uma antecipação notável da "doutrina Paulina da Justificação" (Genesis, 280). Deveríamos apreciar o reconhecimento de Skinner da relação entre a doutrina de Paulo e esta declaração em Gn 15.6; no entanto, ele não tem uma boa razão para dizer que a declaração do Antigo Testamento é baseada em um legalismo que se desenvolveu séculos depois do tempo de Abraão.

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concordam que o ritual descrito não era diferente dos rituais de juramento realizado por vários grupos tribais ou nacionais que existiam naquela época.Os animais divididos eram mortos; aqueles que passassem entre as metades, invocavam a morte sobre si mesmos caso quebrassem a promessa ou acordo feito verbalmente antes do ritual ser realizado. Eles, através deste ato, invocariam um poder mais alto para executar a maldição envolvida no juramento caso este fosse violado.41

Depois que Abraão dividiu os animais, ele não passou entre as metades. Yahweh, em uma aparição teofânica de uma tocha flamejante, passou sozinho. Deus Yahweh, dessa forma, monergística e soberanamente, selou a promessa a respeito da terra. Abraão não precisou invocar um poder maior; o próprio Yahweh, o Deus eterno, se fez a certeza absoluta. O Deus a quem Abraão havia dito "amém" poderia ser completamente confiado no dar a terra, não a Abraão pessoalmente, mas à sua semente depois que tivessem passado quatrocentos anos como estrangeiros em outro país (Gn 15.13-15).karat yehwâ 'et- 'abram berît (lit. executou Yahweh com Abraão pacto). Exegetas e teólogos concordam sobre a interpretação precisa desta frase. Wenham disse que este pacto com Abraão foi diferente dos pactos Sinaítoco e Deuteronômico; estes impunham obrigações sobre Yahweh e Israel enquanto este pacto com Abraão era um juramento promissor feito somente por Deus.42 Porém esta ação pactual não introduziu um novo pacto mas foi uma confirmação do pacto que envolvia estipulações assim como promessas. Dumbrell declara categoricamente, e corretamente, que Gênesis 15 não pode ser considerado como a inauguração do pacto Abraâmico.43 Yahweh havia prometido a Abraão um lugar para viver e servir antes desta cerimônia ter sido realizada (Gn 12.3, 7). Yahweh ouviu a pergunta de Abraão sobre esta promessa (Gn 15.8) e, agora, a cerimônia pactual confirma um relacionamento, um vínculo pactual, estabelecido anteriormente. Consequentemente, a frase "realiza um pacto" fala da confirmação do que havia sido prometido anteriormente como uma aspecto integral do vínculo que Yahweh havia estabelecido entre si mesmo e Abraão.O capítulo 15 apresenta um material que é integral a um entendimento adequado do pacto de Yahweh com Abraão. Deve ser claramente entendido que Deus Yahweh havia estabelecido um relacionamento certo e duradouro com Abraão quando o chamou, lhe deu garantias e o conduziu à terra de Canaã (Gn 12.1-3). De fato, o relacionamento pactual, o vínculo pactual, havia sido formado por Yahweh. E Abraão havia respondido positivamente às iniciativas soberanas monergísticas de Yahweh.

4 0 Wenham, Genesis 1-15, 225.

4 1 Westermann se referiu ao problema de Yahweh não invocar um poder maior (Genesis 12-36, 225).

4 2 Genesis 1-15, 333. Westermann disse que a tradução usual de "pacto é inapropiada aqui" porque deve ter um significado mais amplo--de confirmar um juramento solene (Genesis 12-26, 229). E. A. Speiser viu um elemento de paganismo presente na cerimônia da incisão, que deve ser considerada como um pacto entre o criador e o ancestral de uma nação que foi "ordenada a ser uma ferramenta na modelagem da história do mundo" (Genesis, 114-15).

4 3 Covenant, 54-55. Ver discussões do ritual pactual em Hasel, "Animal Rite in Gen. 15", 63.

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Gênesis 15 registra o que aconteceu depois de vários eventos. O agente pactual e vice-gerente de Yahweh se sentiu sozinho e temeroso. Yahweh lhe garantiu que estava com ele; ele o manteria e protegeria. Yahweh garantiu a Abraão um futuro certo e abençoado. Isto ele fez, garantindo a Abraão uma numerosa descendência através de um ritual selante que mostrou que a promessa da terra e da semente era certa. Este ritual (Gn 15.7, 21) é citado como uma cerimônia pactual pela qual Yahweh caucionou a certeza da promessa da semente e da terra. Abraão não é criticado por suas perguntas a respeito da semente e da terra. Estas questões montam o palco para Yahweh revelar o coração abençoado do relacionamento pactual. Abraão, confiando em Yahweh, foi assegurado da sua aceitação, e recebeu a garantia do perdão, justificação e salvação.As promessas pactuais da semente foram realizadas, em grande extensão, no tempo de Davi e Salomão. A promessa da terra também. Estas duas promessas receberam dimensões muito maiores no Novo Testamento. Todos os que acreditassem como Abraão, judeus ou gentios, seriam contados como semente de Abraão (Gl 3.28-29). E a promessa da terra foi estendida à garantia de que os filhos crentes de Yahweh seriam herdeiros do mundo (Rm 4.13).44 Desse modo, em Gênesis 12 e 15, as realidades básicas e os contornos amplos do pacto de Yahweh com todos os crentes são apresentados.

Gênesis 17G. C. Aalders intitulou corretamente o capítulo 17 de Gênesis como "A Renovação do Pacto e a Instituição da Circuncisão".45 Esta renovação aconteceu treze anos depois que Ismael nasceu (Gn 16.16; 17.1). O nascimento e a presença de Ismael na família de Abraão e as tensões causadas pela presença do garoto devem ser considerados como um elo histórico entre a formalização do pacto de Yahweh com Abraão (Gn 15) e a renovação dele (Gn 17). Depois que Deus Yahweh garantiu a Abraão que a sua descendência viria de seu próprio corpo (Gn 15.4-5) e lhe deu a garantia formal a respeito da terra (Gn 15.7-21), Abraão, concordando com Sara, tentou levantar a semente através de uma serva, Hagar. A disputa que resultou entre Sara e Hagar (Gn 16.4-6) levou Hagar a fugir; Abraão nada fez para protegê-la (Gn 16.6). O Anjo do Senhor, que é considerado como divino (Gn 16.13), disse-lhe para voltar para Sara (Gn 16.9) e lhe garantiu que seu filho seria um ancestral de uma descendência numerosa (Gn 16.10). No entanto, estes descendentes iriam "viver em hostilidade com respeito a seus irmãos" (Gn 16.12).46 Abraão, vivendo em situação familiar de tensão por treze anos, originada pelo seu próprio ato de gerar um filho através de uma serva, foi abordado por Yahweh (Gn 17.1). O texto registra wayyera' (e Yahweh apareceu) a Abraão, assim como tinha feito previamente (Gn 12.7). Não é dito que ele apareceu em uma visão como antes (Gn 15.1); deve ser considerado verdadeiro o fato de que

4 4 É questionável que Deus Yahweh tenha modificado três vezes esta promessa a respeito da terra. Ver NSSB, 23, n.1.

4 5 Genesis, 61-68. É uma infelicidade o fato da NIV ter colocado o título "O Pacto da Circuncisão" acima do capítulo 17; isto pode dar a impressão de que um pacto separado foi feito.

4 6 Esta profecia tem sido cumprida repetidamente através dos séculos desde o nascimento de Ismael.

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Yahweh fez um "aparição teofânica". A teofania, no entanto, não é descrita. Yahweh se comunicou verbalmente com Abraão.we ettenâ berîtî (e eu dou meu pacto). O verbo natan aparece; ele expressa várias nuanças da idéia de uma pessoa transferindo alguma coisa para outra.47

Quando Yahweh pactuou com Abraão em Gênesis 15.1-21 e em 17.7, o hiphil de qûm (haqimotî, eu causo a manutenção ou continuação) é usado; a maior parte dos estudiosos concordam que este verbo expressa continuidade, renovação ou confirmação. Hirsch concordou, uma vez que escreveu que o pacto que Yahweh havia feito com a humanidade seria trazido à realização através de Abraão.48 Keil deu a mesma interpretação: "natan significa não fazer um pacto, mas dar, colocar, i.e., realizar, iniciar a operação das coisas prometidas".49 Deve ser considerado, também, que a idéia de dar está presente. Deus Yahweh continuou seu pacto com Abraão a despeito da tentativa de Abraão de realizar a promessa pactual da semente através da serva Hagar. Abraão não exibiu confiança; nem foi obediente em submissão a Yahweh, esperando no seu Senhor para o cumprimento da promessa. A graça de Yahweh foi, desse modo, revelada na confirmação do seu pacto com Abraão. Consequentemente, é totalmente apropriado referir-se a continuação do pacto de Yahweh com Abraão como um pacto da graça.Dois aspectos dominantes são repetidos na confirmação graciosa do pacto. A garantia a respeito da semente é repetida. Como declarado em Gênesis 12.2, com relação a uma grande nação e em Gênesis 15, com relação à numerosa semente, assim Yahweh repete esta promessa usando a frase bim'od me od (por muito, muito) duas vezes (Gn 17.2, 6). Tendo prometido a Hagar que Ismael teria uma descendência numerosa (Gn 16.10), ele não mais falou a Abraão de uma nação (Gn 12.2); antes, ele garantiu a Abraão que ele seria le 'ab (por um pai, uma fonte de geração) de muitas nações (Gn 17.4). Yahweh usou a terminologia pactual da criação: Eu farei com que você seja muito frutífero; nações e reis serão originadas a partir de você.50 O novo rei no Egito reconheceu a descendência numerosa (Ex 1.9), assim como Balaque (Nm 22.3-4). De acordo com Paulo, esta semente numerosa inclui, na era do Novo Testamento, todos os que crêem em Jesus Cristo, ambos judeus e gentios (Gl 3.26-28).O segundo aspecto dominante é a terra. Deus Yahweh, inicialmente, havia dito que Abraão deveria ir para a terra que seria mostrada a ele (Gn 12.1) e quando estava lá, Yahweh lhe disse que iria dar-lhe a terra (Gn 12.7). Na cerimônia ratificatória pactual formal (Gn 15.7-21), Abraão recebeu a garantia de que depois de 400 anos em outro país, sua descendência retornaria e receberia a terra que ia desde o rio do Egito, no sul, até o rio Eufrates, no norte. Na terceira referência à terra (Gn 17.9), Deus Yahweh falou da terra como uma la'ahuzzat ôlam (por uma

4 7 Dos vários comentaristas consultados, somente Samson R. Hirsch usou a palavra "dar" na tradução. Ver The Pentateuch, trad. Isaac Levy (New York: Judaic, 1971), vol. 1. Ele mostrou que natan aparece com berît uma outra vez--quando Yahweh pactuou com Finéas, referindo-se ao pacto como "de paz" e a respeito do sacerdócio (Nm 25.12).

4 8 Ibid., 296.

4 9 Commentary, 223.

5 0 Westermann corretamente escreveu: "A promessa do aumento flui como uma linha através de todo o capítulo: vs 2b, 4b, 6a, 16b, 20a, bb"(Genesis 12-26, 260).

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possessão para sempre).51 O termo ôlam, freqüentemente traduzido como "para sempre", transmite a nuança de perpétuo, velho, antigo, assim como sempre, por um longo período de tempo. Nem o termo hebraico nem seu equivalente grego aiôn contém, em si mesmo, a idéia de sem fim. Pode se referir a um longo período de tempo até a um certo ponto no tempo.52

Três fatores de qualificação devem ser considerados a esta altura. Primeiro, a promessa foi feita no contexto do que foi introduzido pela demanda de Yahweh de que Abraão andasse diante dele e fosse irrepreensível. Abraão foi chamado para ser fiel, obediente, servo pactual. Segundo, a referência à possessão da terra foi seguida imediatamente por "Eu serei Deus para eles". Isso, definitivamente, qualifica a promessa; foi o fiel, obediente e submisso Abraão quem recebeu a garantia da presença abençoada de Yahweh e comunhão com ele. Está claramente implícito, e mais tarde declarado explicitamente, que uma descendência infiel seria rejeitada, amaldiçoada e desapossada por Yahweh (Dt 27.28-29). Terceiro, Deus Yahweh, todavia, iria manter suas promessas pactuais àqueles que acreditassem e obedecessem. E estes crentes obedientes teriam uma herança muito maior do que a área geograficamente limitada junto ao Mar Mediterrâneo; eles seriam herdeiros de toda a terra (Rm 4.13). Consequentemente, embutido nas promessas a respeito da semente e da terra estava o cumprimento maior do que sempre se pretendeu que Israel realizasse como uma nação política. Os descendentes de Abraão, o corpo político, étnico e biológico constituído da sua progenitura, devem ser vistos como uma realização inicial da promessa que tinha uma dimensão muito maior do que isto--todos os que crêem, judeus e não-judeus. A área limitada no Oriente Médio também foi apenas uma realização inicial da herança prometida a todos os crentes que herdariam a terra, se tornando possuidores, assim como Adão e Eva foram de todo o cosmos antes de desobedecerem.Somado às duas garantias a respeito da semente e da terra, cinco garantias foram dadas. Novamente, estas não foram novas adições ao pacto; antes, elas são explicativas.Deus Yahweh garantiu a Abraão que ele tinha um Senhor infalível. Abraão tinha exibido sua fragilidade53 e inabilidade para realizar as promessas de Yahweh (semente) através de suas próprias tentativas. Yahweh, neste contexto, revelou que ele era 'el sadday (Deus Todo-Poderoso). Hirsch expandiu a interpretação: "Eu sou o Suficiente"; suficiente para o mundo "que eu criei e declarei bom, suficiente para o minúsculo dos seres, para a menor partícula de matéria".54 Kidner reconheceu a visão de Hirsch como uma análise tradicional, mas considerou o conceito de poder como sendo correto no contexto, que indica que os servos de 5 1 O substantivo tem a raiz verbal 'ahaz (agarrar, apoderar-se). O verbo e o substantivo são usados

repetidamente para se referirem à uma possessão definida, uma possessão herdada, no Pentateuco.

5 2 Theological Wordbook of the Old Testament, 2:673, (Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento (Vida Nova).

5 3 Kidner, Genesis, 129.

5 4 Pentateuch, 291-92. Sadday é considerado como um termo composto: 'aser, quem, e day, suficiente. Westermann, em uma dissertação um tanto prolongada, concluiu que "nenhuma explicação etmológica" está exatamente em acordo com o uso deste nome nos contextos das quarenta e oito ocorrências no Antigo Testamento (Genesis 12-26, 255-57).

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Yahweh foram pressionados duramente e precisavam ser tranquilizados.55 Abraão foi assegurado de que seu Deus era todo poderoso assim também como soberano (governando sobre tudo) e que sua fé em Yahweh estava bem fundada. Abraão precisava não ter dúvidas sobre a fidelidade, habilidade e poder de seu Deus.Deus Yahweh também confirmou a existência do vínculo entre si mesmo e Abraão. A frase "ser o seu Deus" (Gn 17.7) tem sido citada freqüentemente como a fórmula pactual. Ela dá expressão ao princípio Emanuel: "Deus conosco". Abraão foi assegurado que este relacionamento, iniciado e mantido pelo Deus soberano e todo poderoso, deveria acontecer também com seus descendentes. Yahweh confirmou que o pacto era um relacionamento presente, atuante e confiável. Kidner declarou vigorosamente a verdade: "Isto é o pacto".56

O terceiro fator a ser notado é que o berît deve ser ôlam (Gn 17.7) (eterno). Apesar das falhas de Abraão, Yahweh não falhou e nem falharia. O pacto seria sustentado pelo Deus Todo Poderoso.Duas garantias a mais foram dadas; elas revelavam a atividade eletiva soberana de Deus Yahweh. Abraão recebeu a garantia de que receberia um filho de Sara. Yahweh iria abençoá-la. Assim como Adão e Eva foram abençoados quando ordenados a serem frutíferos (Gn 1.28), assim Sara seria capacitada a dar à luz um filho, embora tivesse noventa anos de idade (Gn 17.17). As dúvidas de Abraão não resistiram, Yahweh iria fazer com que Sara, a primeira e legítima esposa de Abraão, desse à luz à semente que seria o ancestral da progenitura numerosa prometida. Em resposta ao pedido de Abraão de que Ismael fosse o recipiente desta bênção, Yahweh lhe garantiu que Ismael não seria rejeitado e desprezado. Abraão é assegurado de que Yahweh iria abençoá-lo, fazendo-o frutífero, iria aumentar sua descendência grandemente, e fazer dele uma grande nação. Consequentemente, Ismael seria um recipiente de privilégios pactuais porque Abraão era seu pai. Mas o relacionamento pactual com sua afirmação central, "eu serei Deus para eles", seria, especificamente, com Isaque (Gn 17.19b). Consequentemente, o pacto da graça e redenção seria revelado via Isaque. No entanto, Ismael certamente experimentaria os bons favores de Deus. De fato, Ismael sobressai-se como um recipiente e beneficiário da graça comum de Deus Yahweh.O pacto que Deus Yahweh confirmou e manteve com Abraão foi iniciado e totalmente revelado, em todos os aspectos, por Yahweh. Ele agiu monergística, unilateral, decisiva e autoritariamente. Abraão não teve opções; não existiam condições envolvidas no sentido de ter que alcançar certos requerimentos e, ao fazer isto, merecer a continuidade e bênçãos envolvidas nas promessas pactuais. As promessas eram irrevogáveis. Deus Yahweh falou com autoridade quando se dirigiu a Abraão, revelando sua vontade de que Abraão obedecesse. Isto foi evidente quando Abraão foi chamado a ir para uma terra desconhecida que lhe seria mostrada. De Abraão, foi exigido fé em Yahweh e obediência a ele. Abraão obedeceu; ele foi (Gn 12.4). Abraão, quando ordenado a não temer e a esperar uma semente numerosa, acreditou (Gn 15.1-6). A terceira vez que Yahweh se dirigiu a Abraão, foi, novamente, com voz de autoridade. Quando Yahweh se

5 5 Genesis, 129. Ele cita Gn 28.3; 35.11; 43.14; 48.3; 49.25 como passagens paralelas.

5 6 Ibid., 129.

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dirigiu a Abraão como Deus Todo Poderoso, não pediu a ele, muito menos deu-lhe escolha (Gn 17.1). Os requerimentos pactuais de Yahweh ou estipulações, foram declarados sucintamente. O que foi basicamente requerido de Abraão era o que deveria fazer e ser como um vice-gerente pactual do Rei do cosmos, o que Yahweh o havia feito.Abraão ouviu o modo de vida pactual declarado: (1) hithallek lepanay (anda diante de mim); (2) weheyeh tamîm (sê perfeito); e (3) berîtî tismor...himmo (mantenha meu pacto...sejas circuncidado).A ordem "anda" diante de Yahweh, não era um fator desconhecido. Enoque é descrito como tendo andado com Deus (Gn 5.22). Noé, como um homem justo e irrepreensível, andou com Deus (Gn 6.9). Este andar com Deus falava de um relacionamento vivo, amoroso e espiritual entre Yahweh e seus servos pactuais. Andar com Deus falava da obediência ao mandato da comunhão que Yahweh incluiu no pacto da criação, no qual Adão e Eva eram os vice-gerentes, mediadores e recipientes abençoados da bondade de Yahweh. Esta comunhão espiritual deveria penetrar todas as dimensões da vida. A forma hithpael do verbo enfatiza isto. Assim como se espera que os pais estejam envolvidos com seus filhos em cada atividade e circunstância da vida (Dt 6.5-10), assim a indivíduo pactual deve estar em relacionamento constante com Yahweh. E, uma vez que Yahweh havia envolvido Abraão neste relacionamento, Abraão não teve opção. Ele estava sob a autoridade de Yahweh, a quem deveria se submeter e assim o fez. E, quando Abraão obedeceu, em submissão e expectativa, acreditando que as promessas de Yahweh seriam cumpridas, e quando ele permaneceu na comunhão com Yahweh, as bênçãos e promessas se tornaram realidades. Esta resposta por parte de Abraão, tem sido referida como obrigações; alguns falam de condições a serem alcançadas. Por causa do entendimento comum de que obrigação e/ou condições envolvem mérito, estes termos não deveriam ser usados, para evitar confusão. O fato de evitar o uso destes termos não deve ser interpretado como uma negação de que Abraão, e toda sua descendência espiritual, foram ordenados a acreditar, obedecer e andar em comunhão com Yahweh. Eles deveriam responder deste modo e, ao fazerem isto, compreenderiam as realidades das promessas.57

Abraão também recebeu a ordem de ser irrepreensível. O termo hebraico tamîm é um derivado do verbo que significa "ser completo". Na esfera da ética, é freqüentemente usado para expressar a idéia de ser perfeito.58 Assim como um animal trazido para o sacrifício deveria ser tamîm--sem uma mancha ou imperfeição de qualquer tipo (Ex 12.5)-- assim, na sua conduta diária, foi ordenado a Abraão ser "sem mancha". Abraão deveria se conduzir moral e eticamente, em

5 7 Bruce K. Waltke, desejando "colocar de lado a noção" de que editores posteriores reinterpretaram as concessões unilaterais a Abraão e Davi "colocando condições sobre eles", escreveu em sua dissertação em honra de Roland K. Harrison intitulada "The Phenomenon of Conditionality with Unconditional Covenants", em Israel's Apostasy and Restoration, ed. Abraham Gileadi (Grand Rapids: Baker, 1988), 123-39, que Yahweh comprometeu-se unilateralmente a cumprir as promessas que eram irrevogáveis. Waltke prosseguiu declarando que as promessas (juramentos) presumiam um relacionamento espiritual existente, dentro do qual, uma reciprocidade espiritual deveria operar. A obediência de Abraão tornou-se uma resposta fiel às promessas (128). Waltke usou o termo "condicionalidade"; "contingência" é preferível.

5 8 Theological Wordbook of the Old Testament, 2:973-74, (Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, Vida Nova).

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cada aspecto da vida e em cada circunstância, de modo que ninguém pudesse apontá-lo como um homem falto em integridade. Isto pode ser teologicamente declarado como se segue. A justiça havia sido imputada a Abraão (Gn 15.6). Isto significava que ele foi declarado estar em conformidade com a vontade de Deus Yahweh. Desse modo, tendo sido declarado, ele foi feito justo por uma ato gracioso de Deus Yahweh. Ser feito justo, consequentemente, significava estar em um estado de justiça. Quando o Deus Todo Poderoso exigiu que ele fosse completo, foi exigido que ele exibisse aquela justiça. Ele tinha que demonstrar em todo o tempo e em todos os lugares que ele estava, de fato, em conformidade completa e total com a vontade de Deus Yahweh. Não foi exigido de Abraão que merecesse a justiça, "sendo perfeito"; ele havia sido declarado e feito justo pela imputação da justiça por Deus Yahweh. Ele deveria ser o que Deus Yahweh o havia feito e se portar completamente de acordo com esta característica.A seção em que o comando da circuncisão é registrado (Gn 17.9-16) começa com uma referência a Deus continuando a falar com Abraão. Atenção específica foi requerida: we'attâ (e, quanto a você). Foi dito a Abraão para manter o pacto que Deus Yahweh havia confirmado com ele e sua descendência. Yahweh não estava iniciando um outro pacto da circuncisão; antes, Deus Yahweh estava continuando a se referir ao pacto que havia acabado de citar (Gn 17.2).59 Yahweh tinha declarado 'anî (Eu) no versículo 4; agora a ênfase está sobre o que Abraão deveria fazer: "quanto a você".60 A ênfase é colocada sobre que o Abraão deveria fazer em resposta, como um recipiente do relacionamento pactual. Isto não deve ser considerado como uma condição que, se alcançada, iria fazer com que ele merecesse a justiça ou qualquer outra bênção.61 Von Rad estava correto ao dizer que a circuncisão seria "um ato de apropriação, de testemunho da revelação da salvação de Deus".62

A circuncisão era praticada amplamente no antigo Oriente Próximo como uma iniciação de um jovem nos direitos tribais completos ou como um ato de preparação para o casamento.63 Desse modo, Deus Yahweh adotou uma prática comum para "servir ao ensino da verdade espiritual e ética".64 Kidner expõe o caso claramente: "o novo aspecto era o novo significado".65 Circuncisão significava remoção, não de uma impureza física necessariamente, mas de impureza moral e espiritual. Deveria ser considerado como uma ato purificador espiritual. Isto é evidente a partir do que Moisés escreveu a respeito da circuncisão do coração do

5 9 Von Rad escreveu: "é uma continuação lógica de uma das declarações pactuais prévias" (Genesis, 195). Keil, da mesma forma, considera os vs. 9-14 como uma continuação da atividade pactual precedente (Commentary, 224).

6 0 Hirsch, Pentateuch, 299.

6 1 Hirsch pode ser mal entendido quando se refere à relação recíproca--como se o pacto fosse bilateral (ibid., 298).

6 2 Von Rad, Genesis, 195-96.

6 3 Roland de Vaux, Ancient Israel, Its Life and Institutions, trad. John mcHugh (New Yoir: McGraw-Hill, 1961), citou a evidência de circuncisão no Egito, Amon, Moabe, Arábia, Assíria, Elam, Edom e Sidon (46-47). Ver também Westermann, Genesis 12-26, 265.

6 4 Vos, Biblical Theology, 89.

6 5 Genesis, 130.

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orgulhoso e rebelde Israel (Lv 26.41; Dt 10.16). Josué circuncidou os israelitas antes da conquista da terra prometida para indicar que a desgraça do Egito, com todos os seus pecados, estava removida do povo herdeiro obediente (Js 5.9-10). Esta dimensão espiritual da circuncisão é encontrada do começo ao fim das Escrituras (Jr 4.4; 9.25-26; Ez 44.7; Rm 2.25-29; 4.11; Ef 2.11; Fp 3.3; Cl 2.11-13). É verdade que quando Abraão recebeu a ordem da circuncisão, Deus Yahweh não deu a ele a explicação completa apresentada escrituristicamente da circuncisão. Mas, ao seguir as ordens de andar com Yahweh e ser irrepreensível, Abraão podia compreender que o rito da circuncisão era relacionado a estes dois aspectos da vida pactual. A circuncisão apontava, também, para outros fatores: associar-se à comunidade pactual portadora das promessas, e ao compromisso do indivíduo à comunidade pactual e seu Senhor. Ela também falava da rejeição de um modo de vida inconsistente com as estipulações pactuais de Yahweh.O comando da circuncisão requeria uma resposta ao pacto de Deus Yahweh com Abraão. Abraão, sobre a sua face diante de Deus em humildade, dependência e adoração (Gn 17.3), teve que se levantar e fazer este compromisso com Yahweh. E a circuncisão levaria a uma evidência inextinguível deste compromisso feito em humildade e dependência. Ela falaria de estar em pacto com Deus Yahweh; neste relacionamento de vida-amor, ele seria o vice-gerente servo de Deus Todo Poderoso.Vos concluiu sua discussão sobre circuncisão através da declaração, "Dogmaticamente...circuncisão simboliza justificação e regeneração e, ainda, santificação".66 Esta declaração mostra-se verdadeira no caso de Abraão. Abraão teve a justiça imputada sobre si; consequentemente, ele foi justificado. Sua resposta de fé (Gn 15.16) foi evidência de um relacionamento com Deus Yahweh; este relacionamento torna-se possível, de acordo com a revelação escriturística mais completa, através da obra regeneradora do Espírito Santo. E o justificado e crente Abraão foi ordenado a viver uma vida santificada (Gn 17.1), e, a esse comando, ele respondeu em adoração (Gn 17.3a). Aqui, existe evidência concreta da revelação orgânica, progressiva de Deus Yahweh a seu povo. Na "forma de semente", através da circuncisão, Deus Yahweh revelou as grandes verdades da fé, regeneração, justificação e santificação.Abraão, um adulto crente e justificado, recebe a ordem para ser circuncidado. Por que os machos de oito dias de idade deveriam ser circuncidados? Vos respondeu esta questão referindo-se aos dois fatos registrados no contexto. A ordem veio antes do nascimento de Isaque e, neste contexto, a referência é somente à numerosa descendência. Consequentemente, Vos conclui, a circuncisão tem algo a ver com o processo da propagação, isto é, o produto dela--natureza humana impura em necessidade de purificação. A natureza humana, direto de sua fonte, é impura; é desqualificada. Por esta razão, ser um descendente físico de Abraão não era suficiente para produzir verdadeiros descendentes pactuais. Desde o nascimento, a necessidade de regeneração, fé, justificação e santificação é absoluta. O ato da circuncisão, em si só, não produz esta nova condição pura e sem culpa. Esta condição seria realidade a todos aqueles que fizessem assim como Abraão fez: acreditassem e caíssem com a face em terra em humildade,

6 6 Biblical Theology, 90.

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submissão e adoração diante de Deus Yahweh. Todos os nascidos de Abraão, Isaque, Ismael, os filhos de Quetura (Gn 25.1), e aqueles sob sua autoridade e responsabilidade deveriam ser circuncidados como herdeiros da vida pactual e das bênçãos. Estas seriam para eles e se tornariam realidades quando acreditassem, vivessem e servissem como o pai e mestre Abraão havia feito.O texto bíblico registra a resposta de Abraão. Ele obedeceu. Ele havia ouvido Deus Yahweh repetindo sua promessa a respeito de Sara dar à luz um filho (Gn 17.15, 19). Ele ouviu Yahweh lhe garantindo que Ismael, também, seria abençoado, frutífero e teria uma descendência grandemente aumentada (Gn 17.20-22). E Abraão ouviu que o filho que lhe nasceria, Isaque, seria o recipiente do relacionamento pactual específico que Abraão tinha recebido de Deus Yahweh. Abraão, depois que Deus Yahweh lhe deixou, aplicou a marca do pacto e a selou em Ismael e todos sob sua autoridade. Abraão colocou um grande privilégio e responsabilidade sobre todos estes; todos eles se tornaram recipientes das bênçãos pactuais. Mas, se não houvesse resposta pactual às bênçãos oferecidas a eles, a maldição do pacto seria executada sobre eles. O sangue derramado no ato da circuncisão poderia ser visto como o meio de vida, ou como um símbolo de morte. Circuncisão, de fato, para Abraão e todos os que estavam associados a ele, falava de vida ou morte.

Gênesis 18.16-19O contexto de Gênesis 18.16-19 nos informa que Yahweh apareceu a Abraão quando este estava sentado na entrada de sua tenda. De lá, ele viu três homens, um dos quais é citado como Yahweh (Gn 18.13).67 Era Yahweh porque nos versículos 17 e 20, Deus é o orador. Yahweh, desse modo, fez outra aparição teofânica a Abraão, a fim de lhe comunicar duas realidades importantes. A primeira era com relação ao filho prometido que lhe nasceria dentro de um ano (Gn 18.10, 14). Note que a promessa da semente foi dada novamente. A segunda era com relação ao julgamento que viria sobre Sodoma e Gomorra (Gn 18.20). O sobrinho de Abraão, Ló, e sua família moravam lá (Gn 13.10-13). Deus Yahweh havia garantido a Abraão que todas as nações receberiam bênçãos através dele. Ele seria o agente mediador pactual de Yahweh entre as nações e para elas (Gn 12.2-3; 18.18). Em um sentido real, Abraão seria testado com relação a isto. E ele provou ser um advogado persistente do povo daquelas cidades-estado (Gn 18.16-32). O que é especificamente interessante agora é a questão do fato de Yahweh ter informado Abraão sobre o que iria acontecer às cidades.Vários estudiosos bíblicos tem se referido a Gênesis 18.19 como uma passagem incomum no contexto mais amplo das promessas de Yahweh a Abraão porque aqui, eles encontram uma ênfase na lei, condição e no mérito. Abraão é considerado como tendo sido defrontado com um desafio: "no executar o direito e a justiça".68 Kidner foi mais fiel ao texto quando escreveu que Gn 18.19 "mostra

6 7 A NIV traduz o "ele" no v. 10 como "Yahweh" também; que Yahweh é o orador ali é, indubitavelmente, verdadeiro.

6 8 Speiser, Genesis, 135, escreveu sobre a correlação entre mérito e destino. Deve ser notado o que vários estudiosos críticos são inclinados a fazer, isto é, considerar duas (ou mais) fontes para esta passagem, sendo que uma destas reflete uma adição posterior com uma ênfase em lei e mérito. Ver Skinner, Genesis, 303-4; Von Rad, Genesis, 204-5; Westermann, Genesis 12-26, 286. Aalders fez objeções aos esforços para

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particularmente de forma clara o modo como a graça e a lei trabalham juntas".69

Uma análise cuidadosa do texto chamará a atenção para muitos fatores dominantes que são totalmente consistentes com o que Yahweh havia comunicado previamente a Abraão.Alguns estudiosos referem-se aos versículos 17-19 como um solilóquio de Yahweh.70 No entanto, não existe razão para se rejeitar a visão de que Yahweh falou aos homens que o acompanhavam (Gn 18.16). O principal interesse está no que Yahweh realmente disse.Primeiro, Deus Yahweh reiterou o que havia garantido a Abraão a respeito do futuro da sua progenitura; Eles se tornariam uma grande nação (gôy, i.e., uma entidade política) e seriam agentes das bênçãos de Yahweh às nações (Gn 12.2-3; 17.6). De fato, Abraão e sua semente seriam agentes mediadores pactuais de Yahweh entre todos os povos.Segundo, Deus Yahweh foi específico quanto a seu relacionamento peculiar e particular com Abraão, que ele havia iniciado e confirmado soberanamente: kî yeda tîw (porque eu o tenho conhecido). O termo yada foi traduzido como "eu o tenho conhecido",71 "eu o tenho destacado"72, "eu o tenho escolhido" (NIV), "escolhido em amor antecipado como em Amós 1.1, 2".73 Kidner adicionou que a expressão "eu o tenho conhecido", "virtualmente significa eu tenho feito dele, meu amigo".74 Skinner adicionou uma frase explicativa muito útil e precisa: "entrado em relações pessoais com".75 Deus Yahweh, nesta frase, está recapitulando o relacionamento pactual: seu chamado de Abraão, suas promessas e estipulações, e a interação efetiva e viva que havia sido desenvolvida entre eles. Este "eu o tenho conhecido", consequentemente, inclui tudo o que Deus Yahweh tinha pretendido e feito, assim como as respostas positivas que Abraão havia, progressivamente, dado. Assim, recapitulando brevemente o que Yahweh disse, "porque eu o tenho feito meu agente pactual, mediador e vice-gerente".Terceiro, os dois lema an(s) (a fim de que) no discurso de Yahweh, devem ser entendidos adequadamente. A raiz do termo é considerada pelos gramáticos como sendo anâh (responder). O termo lema na, usado como uma conjunção, expressa o pensamento de "a resposta" apresentada ou que foi pretendida como resultado.76 No contexto de Gênesis 18.16-19, o termo dever ser entendido como expressando o que viria depois da eleição de Abraão por Yahweh. Deus Yahweh elegeu Abraão, tendo um efeito ou resultado específico em mente que, quando alcançado, teria um efeito ou resultado ulterior.

se datar parte de Gn 18.16-19 em uma data posterior (77).

6 9 Genesis, 132-33.

7 0 Speiser, Genesis, 135. Westermann escreveu "reflexão de Yahweh", Genesis 12-26, 285-87.

7 1 Skinner, Genesis, 304; Aalders, Genesis, 75 (gekend).

7 2 Speiser, Genesis, 132.

7 3 Keil, Commentary, 229.

7 4 Kidner, Genesis, 132.

7 5 Genesis, 304.

7 6 BDB, 775; Theological Word Book of the Old Testament, 2:679-82.

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O resultado inicial que Yahweh pretendia alcançar através do pacto com Abraão era que Yahweh iria yesawwâ (piel imperfeito de sawâ, ordenar ou fazer uma acusação sobre) seus filhos e sua casa depois dele (NIV). Note que o interesse de Yahweh centra-se na responsabilidade de Abraão com relação à descendência que havia sido prometida a ele. Comentaristas interpretam o comando ou ordem como referindo-se a uma instrução específica ou à mostra de direções específicas para um modo de vida. O que se segue dá razão para esta interpretação porque Yahweh deixa claro que a progenitura de Abraão deveria sameru derek yehwâ (manter o modo de Yahweh). O verbo "manter" inclui as idéias de apoderar-se e guardar. Abraão, uma vez ordenado a andar com Yahweh e diante dele (Gn 17.1), é colocado sob a ordem de comandar (i.e., instruir e dirigir) sua descendência, do mesmo modo, a andar diante do Deus Todo Poderoso. Esta manutenção do modo de Yahweh foi sucintamente sumariada com a frase "no realizar o que é "certo e justo". Assim como foi ordenado a Abraão ser o que era, o homem declarou e fez o que era certo diante de Deus (Gn 15.6) e, consequentemente, exibiu justiça, assim sua descendência deveria fazer. Yahweh assumiu que Abraão, ao comandar e instruir sua descendência a andar com Yahweh, seria justo. De fato, a descendência em comunhão com Yahweh, estaria dentro da sua vontade. Mas a descendência de Abraão não deveria somente exibir o seu relacionamento certo com Deus Yahweh, ela deveria executar a justiça. Em todo o seu modo de vida, no cumprimento dos mandatos criacional, social e cultural, assim como o pai Abraão havia sido chamado para agir como um agente real pactual, assim sua descendência deveria agir. Moisés, os profetas, Jesus e os escritores apostólicos recordaram e explicaram adicionalmente o que era ser justo e fazer justiça. Eles estavam, na verdade, convocando o povo de ambos, Antigo e Novo Testamentos, a serem fiéis, povo mantenedor do pacto, assim como Deus havia demandado de Abraão e sua descendência.77

O segundo lema an expressa a meta pretendida de Yahweh. A descendência instruída e obediente levará à realização o que Yahweh prometeu a Abraão (Gn 18.19b). Yahweh prometeu uma descendência numerosa a Abraão. Uma grande nação deveria surgir dele (Gn 12.2, 8; 17.20); ele seria agente pactual real das bênçãos de Yahweh para as nações (Gn 12.3). A instrução pactual pelo pai Abraão (e Sara) foi o meio ordenado por Yahweh para cumprir sua intenção para a vida do reino, com todos os privilégios inerentes, responsabilidades e bênçãos para a progenitura de Abraão, durante todo o curso do tempo.Quarto, Deus Yahweh informou Abraão, sua descendência, e leitores das Escrituras, qual era a sua estratégia para cumprir seu plano e as promessas incluídas nele. Nessa passagem, Yahweh revela o modo como, no processo histórico, ele continuará a manter seu pacto com o seu povo graciosamente escolhido, e como irá faze-lo servir como seus agentes de retidão e justiça a todas as nações. Educação pactual é meio determinado, revelado e indicado

7 7 Kidner comentou, "'É uma observação reveladora sobre a responsabilidade dos pais, alinhado com Gn 17.11 e seguintes; ver 1 Tm 3.4, 5" (Genesis, 133).A responsabilidade pactual dos pais certamente inclui a instrução dos seus filhos pactuais quanto ao conhecimento da obediência aos três mandatos criacionais: comunhão espiritual; responsabilidades sociais; e tarefas e privilégios culturais. Esta instrução deve, na sociedade contemporânea, ser cumprida na igreja (comunhão espiritual), no lar (social), e na escola diária (cultural).

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divinamente. O reino de Yahweh, seu governo, domínio e heranças, se expadem quando o pai pactual assume suas responsabilidades e privilégios, ensinando sua progenitura a apoderar-se, guardar e seguir o caminho de Yahweh, sendo justos (em conformidade com a vontade de Deus) e praticando a justiça (cumprindo a vontade de Deus de acordo com os três mandatos criacionais).Finalmente, não podemos ignorar o contexto no qual Yahweh falou sobre sua estratégia para o processo histórico. Yahweh e seus dois acompanhantes (anjos, Gn 19.1) vieram a Abraão para informá-lo sobre a destruição pendente de Sodoma e Gomorra. O texto nos informa que Yahweh tinha ouvido o clamor contra estas cidades.78 Ele falou sobre determinar se as cidades eram, na realidade, repugnantemente pecadoras. Gênesis 19.1-17 registra a evidência da magnitude deste pecado repugnante: a inospitalidade das cidades em sua determinação de "fazer sexo" (Gn 19.6 NIV) com os dois estranhos e suas tentativas de violência. Estas cidades deram evidências inconfundíveis de serem parte do reino parasita e estarem controladas por ele. Não existia manutenção do caminho de Yahweh no fazer o que era reto e justo. Consequentemente, o texto revela o modo como a antítese entre o reino de Yahweh e o reino parasita satânico alcançou expressão no tempo de Abraão. O julgamento das cidades sob o controle o reino parasita é também declarado do forma clara: destruição completa. As cidades, incluindo todas as estruturas, vegetação, vida animal e seres humanos, experimentaria uma demonstração gráfica do que o julgamento final será para todos os que não mantém os caminhos pactuais de Yahweh. Pode se concluir, legitimamente, que o julgamento de Yahweh do pecado repugnante, de qualquer tipo, deveria e deve ser incluído na instrução da descendência pactual.Gênesis 18 e 19 descrevem dois modos de vida: o modo do reino de Yahweh, dentro do qual Abraão foi eleito e deveria viver e servir de acordo, e o modo do reino parasita, que acabou em destruição total.

Gênesis 22Quatro episódios servem como um contexto significativo para o relato do teste que Yahweh fez com Abraão com relação ao seu filho Isaque.Primeiro, Abraão teve uma interação com seu vizinho Abimeleque com relação a Sara, que daria à luz ao ancestral da linhagem pactual da semente. Abraão não se provou como um agente de bênção quando se referiu à sua esposa Sara como sua irmã (ela era, de fato, sua meia-irmã, Gn 20.12). A intercessão de Abraão em favor de Abimeleque e sua casa conduziu à cura e restauração da fertilidade (Gn 20.17-18).Depois deste episódio, no qual Deus Yahweh impediu e, então, restaurou a fertilidade, é registrado que a estéril Sara engravidou de seu marido, de acordo com as promessas de Deus Yahweh a ela e Abraão. A linhagem pactual da semente nasceu sob o controle soberano que Yahweh tem sobre a origem da vida. Abraão, então, provou ser fiel ao pacto de Yahweh consigo, circuncidando Isaque no oitavo dia de sua vida.O terceiro episódio trouxe a eleição de Isaque à realidade histórica. Por causa do atrito fraternal, assim como também o atrito entre Hagar e Sara, Abraão, 7 8 A fonte do clamor não é mencionada. Comentaristas tem sugerido que este foi um clamor de indignação

contra a cidade, assim como o sangue de Abel clamou do solo (Gn 4.10).

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grandemente angustiado, mas confortado por Yahweh, enviou Hagar e seu filho Ismael para o deserto (Gn 21.14). Abraão foi assegurado de que Ismael, sua descendência, seria o ancestral de uma grande nação (Gn 21.13). Deus Yahweh, novamente, exibiu seu controle soberano sobre a vida e sobre os elementos da natureza, fornecendo água para o garoto sedento (Gn 21.15-19).No quarto episódio registrado, outra das interações de Abraão com as nações vizinhas é realçada (Gn 21.22-34). O rei Abimeleque e o seu comandante militar abordaram Abraão, requisitando que este demonstrasse hesed (um termo pactual que se refere à bondade e fidelidade e, neste contexto, amizade) à sua progenitura. Abraão foi requisitado pronunciar um juramento diante de Deus e assim o fez (Gn 21.29). Isto deu a Abraão a oportunidade de informar Abimeleque que seus servos estavam perturbando-lhe, tendo tomado um poço que ele, Abraão, havia cavado. Um berît (tratado, aqui, como um acordo bilateral) foi feito. Abraão proveu testemunhas para o fato de que ele havia cavado o poço. Isto foi somado ao selo do tratado. Abimeleque saiu da área. Neste episódio, é especificamente importante o reconhecimento de Abimeleque de que Deus Yahweh estava mantendo o pacto com Abraão: "Deus está contigo em tudo o que você faz" (Gn 21.22c). Abimeleque não amaldiçoou Abraão (Gn 12.3). Abraão recebeu a oportunidade de ser um canal de bênção a outra nação. Um resultado foi que a paz foi estabelecida. É registrado que Abraão adorou seu Senhor pactual, o Deus eterno (Gn 21.33).Estes quatro episódios revelam que muito progresso havia sido feito na atividade e relacionamento pactual entre Yahweh e Abraão. A semente prometida estava presente; sua eleição como portador da linhagem da semente foi demonstrada; o relacionamento de Abraão com outros povos estava de acordo com suas responsabilidades pactuais. Abraão estava estabelecido na terra prometida a ele; ele preparou um lugar para a adoração de seu Senhor. Algum tempo depois dos eventos registrados, Yahweh demandou uma demonstração da lealdade total e completa submissão de Abraão ao seu Deus pactual.79 Abraão recebeu a ordem de sacrificar seu filho Isaque em uma região distante chamada Moriá (Gn 22.2).80 Três declarações pedem atenção. "Toma teu filho". A ênfase é no teu. Nenhuma alternativa ou substituto foi permitido. O filho prometido, nascido de sua esposa Sara, o filho longamente esperado que nasceu através de uma intervenção miraculosa de Yahweh na vida da estéril Sara, tinha que ser entregue no sacrifício. "Teu único filho". Abraão tinha outros filhos, de Hagar e Quetura. Mas Isaque era o único filho nascido de seu casamento com sua primeira e única esposa reconhecida adequadamente, Sara. Isaque também era o único que, como semente de Abraão e Sara, continuaria a linhagem da semente pactual. Isaque representava a recompensa de Yahweh a Abraão (Gn 15.1); ele representava o futuro de Abraão, social e espiritualmente. "A quem amas". Deus

7 9 É difícil aceitar muito da exegese teológica de Westermann de Gênesis 22 porque no início do seu comentário sobre a passagem, ele se refere a ela como "narrativa teológica ('teologia narrada' [ou 'teologia através da história'])", uma narrativa que "originou-se relativamente tarde" (Genesis 12-26, 255).

8 0Comentaristas como Westermann (referindo-se a R. De Vaux) apresentam discussões sobre o sacrifício humano no mundo antigo. Hirsch refere-se ao sacrifício de Isaque como uma simples "partida da existência terrena" sem um propósito declarado como a razão pela qual deveria ser feito. Ele não considerou o comando para o sacrifício como referindo-se a um "sacrifício real de vida humana" (Pentateuch, 369).

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Yahweh reconhecia o vínculo paterno poderoso entre pai e filho. O coração de Abraão esta preso no mais poderoso, mais delicado e recompensado relacionamento que poderia existir entre pai e filho.A ordem para sacrificar Isaque tinha um propósito definido. Primeiro, deixaria claro que Abraão entendia o termo le olâ (oferta queimada) como referindo-se a colocar Isaque sobre o altar, pô-lo para morrer, e queimar o corpo sobre o altar. Isto é evidente por causa do fato de que Abraão construiu um altar, providenciou madeira para o fogo, amarrou Isaque e o colocou sobre o altar, e pegou a faca para matar seu filho (Gn 22. 9-10). O texto não permite uma explicação alternativa à de que Abraão entendeu que Yahweh estava demandando a morte de Isaque sobre o altar e que ele seria uma oferta queimada aceitável a Deus Yahweh.O propósito definido deste comando do sacrifício é declarado: ha' elohîm nissâ 'et-'abraham (Deus testou Abraão). O verbo nissâ, só no piel, significa, neste contexto, provar. Abraão foi chamado para provar que ele era aquele que poderia ser e fazer aquilo que Deus Yahweh o havia escolhido para ser: agente pactual de Deus que seria o "pai de toda a descendência obediente, crédula, serva e devotada". Abraão provou ser esse pai; o próprio Yahweh declarou isto nas palavras "que não me negaste teu único filho" (Gn 22.16). Abraão falou palavras de fé quando respondeu a Isaque, "o próprio Deus providenciará o cordeiro" (Gn 22.7a). Paulo, ao comentar sobre a fé de Abraão, disse que Abraão estava completamente persuadido de que Deus tinha poder para fazer o que havia prometido ao gerar um filho de seu próprio corpo "amortecido" e do ventre morto de Sara (Rm 4.20-21). O escritor aos Hebreus, também comentando sobre a fé de Abraão (Hb 11.11-12), adicionou que "Abraão raciocinou que Deus poderia ressuscitar o morto" (Hb 11.19).Quando Abraão demonstrou sua obediência e fé, colocando Isaque sobre o altar, o próprio Yahweh, como o Anjo do Senhor (Gn 22.11), interveio. Três fatores importantes deveriam ser notados.Primeiro, Yahweh declarou que Abraão, ao não negar seu filho, havia provado que ele "temia a Deus". Yahweh disse "agora eu sei": eu aceito o conhecimento total da sua exibição de fé e obediência, que são aspectos essenciais da frase bíblica "temer a Deus".Segundo, Yahweh providenciou um carneiro. Este carneiro era o substituto para Isaque. Dessa forma, Yahweh recebeu toda a oferta queimada e Abraão continuou a ter o seu filho vivo.Terceiro, Yahweh confirmou seu pacto com Abraão. O termo berît não está no texto, mas os elementos essenciais estão: (1) Yahweh abençoará Abraão; (2) progenitura numerosa é assegurada--ambas as metáforas-areia e estrelas--são usadas para enfatizar "numerosa"; (3) a descendência possuirá a terra (cidades dos inimigos), e (4) todas as nações serão abençoadas através da descendência de Abraão (Gn 22.17-18). Essa repetição das garantias pactuais é introduzida pelo juramento de Yahweh: "Eu prometo solenemente por mim mesmo". Abraão ouviu que 'el sadday iria, certamente, provar ser o Deus Todo Poderoso; ele poderia e iria fazer tudo o que havia prometido.Deus Yahweh não iniciou um pacto com Abraão quando ele, pela quarta vez (Gn 12.1-3; 15; 17), confirmou seu pacto com Abraão. Yahweh, de forma unilateral e monergisticamente, fez seu juramento pelo qual deu certeza absoluta a respeito

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da continuação e resultados abençoados do seu pacto. Esta confirmação, por juramento, veio depois que Abraão havia demonstrado sua fé e resposta obediente ao comando de Yahweh. Esta confirmação não aconteceu porque Abraão tinha meritoriamente alcançado as condições. Abraão, como um homem pactual, crente e vice-gerente de Yahweh, deu a resposta que demonstrou que era um agente pactual provado. Quando havia, dessa forma, provado a si mesmo, Yahweh provou que ele continuava a ser o Senhor pactual soberano.

Gênesis 26.3-6Gênesis 23-25 apresenta um registro da transição de uma geração à próxima. Sara morreu com a idade de 127 anos. Depois de lamentar sobre ela, Abraão barganhou com os Hititas por um lugar onde pudesse sepultá-la. Embora tivesse a promessa de herdar a terra, Abraão, na verdade, não podia reivindicar nada dela. Esta reivindicação aconteceu depois que seus descendentes formaram uma nação e tinham sido vitoriosos sobre o exército dos Cananeus (Js 12.22). Abraão, tendo se tornado um homem idoso, fez arranjos para seu filho Isaque tomar por esposa, uma mulher do clã de Terá (Gn 24.1-4) e fez com que seu servo lhe jurasse que não permitiria que Isaque deixasse a terra (Gn 24.5-9). Abraão, então, morreu com 175 anos (Gn 25.7-8). É registrado que o filho circuncidado de Abraão, Ismael, teve filhos que viveram em hostilidade contínua com relação a Isaque e aos outros filhos que Abraão teve com Quetura (Gn 25.1-4). Esta hostilidade deve ser vista como saindo da inimizade que Deus Yahweh colocou entre a semente da mulher e a semente de Satanás (Gn 3.14-15). A tragédia da inimizade dentro da família de Adão e Eva, entre Caim e Abel, continuou no clã pactual do qual Abraão era o ancestral. Do seu reino parasita, Satanás continuou a exercer influência sobre muitos dos descendentes dos vice-gerentes escolhidos de Yahweh. A antítese, que era uma realidade trágica entre a família não pactual Abraâmica e os descendentes de Abraão, também estava dentro da família estendida de Abraão. Esta inimizade na família estendida se introduziu no núcleo familiar de Isaque. De fato, Rebeca, sua esposa, foi informada de que esta inimizade estava presente dentro do seu ventre (Gn 25.22-23). Todavia, apesar da morte do ancestral Abraão e sua esposa, da hostilidade presente nas famílias estendidas e nucleares, Deus Yahweh manteve seu governo soberano sobre seus vice-gerentes escolhidos e continuou seu pacto com Isaque, filho de Abraão. O texto registra uma conexão específica entre o pacto de Yahweh com Isaque e seu pacto anterior com Abraão.Quando a fome, novamente, fez com que o povo em Canaã considerasse mudar-se para outras áreas, Yahweh apareceu a Isaque e lhe ordenou a que não fosse para o Egito como Abraão havia feito (Gn 12.10, 26.2).81 Isaque, então recebeu a garantia de que Yahweh iria continuar seu pacto com ele. As garantias pactuais dadas a Abraão foram, uma a uma, repetidas a Isaque. A fórmula pactual, "Eu serei contigo", o princípio Emanuel, foi a declaração introdutória. Esta foi seguida pela garantia de bênçãos a respeito da terra (ele não deveria partir), a qual, por juramento, havia sido prometida como possessão à progenitura de Abraão, e descendência numerosa. A garantia de que as nações seriam abençoadas através 8 1 Speiser aceita uma fonte dupliplicada para este episódio (Genesis, 203). O texto bíblico afirma que

existiram dois tempos específicos de fome (Gn 26.1).

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da sua descendência também foi repetida. Deve ser notado que Isaque foi assegurado do pacto de Yahweh com ele porque Yahweh havia prometido isto a Abraão. Este pacto seria, certamente, continuado e confirmado para Isaque. Isaque deveria obedecer a Yahweh, permanecer na terra e ser vice-gerente de Yahweh entre os povos de Canaã.A continuidade do pacto foi assegurada, de acordo com Yahweh, por causa da obediência de Abraão (Gn 26.5). É declarado de forma inequívoca: Abraão manteve os requerimentos, comandos, decretos e leis de Yahweh.82 Naturalmente surge a questão sobre o conhecimento desses por parte de Abraão. Conjeturar que este versículo é uma inserção editorial posterior não é aceitável porque o versículo é uma parte integral do relato. Além disso, este versículo declara explicitamente que Abraão foi um homem obediente. Ele fez o que Yahweh requereu. Ele deixou sua terra e família estendida. Ele construiu um altar e adorou a Yahweh. Ele estava preparado para sacrificar seu filho. Mas Abraão também recebeu a ordem de ser irrepreensível (Gn 17.1). Ele tinha que viver de acordo com a vontade de Yahweh. Que os detalhes da vontade de Yahweh só foram decifrados em pormenores por Moisés quando Israel estava no Sinai, não implica que Abraão, como um portador da imagem de Deus, um homem em comunhão com Yahweh, não conhecesse os mandamentos, decretos e leis de Deus Yahweh.Esta passagem certamente dá evidência de que o pacto de Yahweh com Abraão não deve ser considerado um pacto de promessas em distinção a um pacto de lei.83 Este pacto com Abraão teve um aspecto legal definido nele. Yahweh exigiu obediência, manutenção dos seus requerimentos--não para merecimento das bênçãos do pacto, mas como resposta à iniciativa unilateral graciosa de Yahweh em estabelecer e confirmar o pacto com Abraão e seus descendentes.

Agentes Mediadores de YahwehO terceiro fio do cordão dourado bíblico é o mediador. A posição mediadora e as responsabilidades de Abraão foram citadas na discussão precedente das sete passagens bíblicas. Desse modo, será suficiente especificar o papel mediador de Abraão de forma resumida. Abraão foi chamado para ir para a terra que Deus Yahweh lhe mostraria; de lá, ele e sua semente seriam o meio ou canal pactual para Deus Yahweh trazer bênçãos às nações (Gn 12.1-3). As bênçãos às nações deveriam ser entendidas em termos dos resultados que Deus pretendia com relação à obediência aos mandados espiritual, social e cultural. Abraão, em comunhão espiritual com seu Senhor, vivendo em um relacionamento social, que honrava a Deus, com sua esposa, filhos e servos e servindo em atividades

8 2 Speiser somente cita o mandato que estava explicado pelos três substantivos imediatos; ele não discute os termos (ibid., 201-3). Skinner omitiu qualquer referência ao v. 5 (Genesis, 363-4). Von Rad refere-se à obediência de Abraão "como um verdadeiro pensamento novo nas histórias patriarcais. Nem mesmo o documento sacerdotal tem um interesse especial em...obediência exemplar" Genesis, 266). Aalders comenta que o v. 5 fala da obediência de Abraão em tudo o que Deus exigiu dele (Genesis, 174).

8 3 McComiskey limita o assunto quanto à existência de um aspecto legal no pacto de Yahweh com Abraão. Ele cita a frase, "porque Abraão me obedeceu", sem discuti-la, exceto por implicação no parágrafo seguinte; refere-se à resposta de fé de Abraão (Covenants of Promise, 64-5). Kidner foi breve e direto ao ponto: o v.5 "sugere um servo completo, responsável e obediente...afasta qualquer idéia de que lei e promessa estão necessariamente em conflito (ver Tg 2.22; Gl 3.21)" (Genesis, 153).

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culturais que também honravam a Deus, deveria conduzir as nações a imitá-lo e também o seu povo. Desta maneira, as nações iriam nibrekû (niphal de barak abençoar a si mesmas) em Abraão e sua semente (Gn 12.3). Quando falando a Isaque, hitbarakû (hiphil de barak--definitivamente reflexivo), Deus repete o papel que as nações deveriam cumprir caso fossem recipientes da bênção.Abraão provou ser um agente transmissor para Ló e o povo das cidades das planícies (Gn 14.16). Ele serviu como o mediador intercessor para aquelas cidades (Gn 18) assim como fez por Abimeleque (Gn 20.17).Foi em consideração à sua descendência, àqueles a seu serviço, e a todos os que, como ele, acreditavam e obedeciam a Yahweh, que Abraão colocou-se em posição de serviço e serviu como o agente pactual de Yahweh. Através de Abraão, Deus Yahweh administrou seu pacto redentor e criacional na revelação progressiva das metas do seu reino.Somado a Abraão, dois outros agentes de atividade mediadora devem ser mencionados. O Anjo do Senhor apareceu várias vezes para informar Abraão do que Deus Yahweh pretendia fazer e montou o cenário para Abraão servir mais diretamente como o mediador pactual de Yahweh. Ambos, o Anjo do Senhor e Abraão tem papéis, funções e influências messiânicas significativas.84

Melquisedeque também apareceu em cena como um servo mediador pactual (Gn 14.18-20). Sua saudação a Abraão, provendo-o com apoio, e o fato de tê-lo abençoado, são evidências definitivas disto. Abraão, servo eleito de Deus, recebeu garantia a respeito do seu papel e serviço. Desse modo, podemos ver como um agente do pacto é providencialmente trazido à vida de outro, Abraão, que tinha um papel muito maior a assumir e responsabilidades a executar. De maneira semelhante, o próprio Yahweh apareceu para informar e dar garantias a Abraão, a figura mediadora central na revelação escriturística de Gênesis 12.1-26.6.

História e EscatologiaAs interações de Deus Yahweh com Abraão marcam um estágio importante no processo histórico. Yahweh revelou o modo como seu governo soberano se expressaria; suas virtudes e cuidado providencial foram exibidos majestosamente; e sua presença permanente foi uma realidade abençoada. Foi, particularmente, sua paciente e imutável atividade pactual com Abraão que marcou um grande salto em direção à revelação de Yahweh do que faria e do modo como cumpriria e alcançaria suas metas para seu reino abrangente. Contrário ao que tem sido escrito, que Deus tem um reino celestial e um reino terreno, o reino teocrático que teve seu início com Abraão,85 o reino de Deus Yahweh deve ser entendido como sendo um único e abrangente domínio. O reino teocrático, que seria eventualmente instituído e existiria por menos do que mil anos (desde o tempo do Sinai até o exílio de Judá), foi um símbolo, uma exibição humana temporária do reino eterno de Yahweh. Esse reino sempre presente e contínuo inclui o que temos chamado de reino cósmico. Ele inclui a esfera dos anjos e querubins. Dentro dele, o reino parasita de Satanás é capaz de existir e

8 4 Messianic Revelation, 140-41, 212-18 (Revelação Messiânica, LPC).

8 5 Pentecost, Thy Kingdom Come, 64, 72, 81.

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manifestar suas atividades nefastas. Ter essa visão bíblica expansiva, abrangente do reino de Deus, não deve diminuir nosso entendimento do envolvimento de Deus Yahweh com o cosmos e o lugar e tarefas que deu à humanidade dentro dele. Adão e Eva foram colocados como vice-gerentes inocentes, capazes, responsáveis e cuidadosos dentro da dimensão do reino de Yahweh que nos referimos como "reino cósmico". E Deus Yahweh não seria depreciado nos seus propósitos para seu reino abrangente através do seu reino cósmico e seus vice-gerentes portadores da sua imagem nesse reino. O desvio de Adão e Eva, a fundação do reino parasita, não alteraram a meta final de Yahweh; céu e terra, os celestiais e todo o cosmos criado, unidos em um único domínio glorioso abrangente.As atividades pactuais de Deus Yahweh com Abraão exibiram vários avanços em direção à realização total do reino. Yahweh revelou que continuaria a governar sobre todas as nações e determinar seus destinos. Ele exibiu este governo sobre o Egito e sobre os filisteus quando Abraão esteve envolvido com eles. Também o fez quando deu vitória sobre os reis do norte (Gn 14) e deu às cidades das planícies a oportunidade de o reconhecerem quando seu vice-gerente pactual restaurou-lhes as possessões. Yahweh elucidou o modo como sua eleição soberana seria desdobrada: um (Abraão) foi chamado para o relacionamento específico, com suas dimensões administrativas e redentoras, para o benefício de muitos. Yahweh revelou o modo como usaria os pais, na instrução autoritária de seus filhos por todas as gerações, para realizar o cumprimento das promessas que havia feito e que falavam diretamente sobre a realização dos seus propósitos e metas divinas de reino.Deus Yahweh revelou a Abraão o modo como a maldição do pacto seria realizada. Quando o julgamento foi executado sobre toda a terra através da água, no tempo de Noé, Yahweh jurou nunca mais trazer um julgamento catastrófico mundial sobre a terra (Gn 8.21). Porém não jurou nunca mais executar qualquer juizo, pois, de fato, quando trouxe a catástrofe de fogo sobre as cidades das planícies, Yahweh revelou, de um modo limitado e em uma área local, o que será o julgamento cósmico pelo fogo no tempo do julgamento final (ver 2 Pe 2.4-10; 3.3-7). Desse modo, o resultado glorioso, a multidão de vice-gerentes pactuais redimidos seguros na sua herança, foi solene e irrevogavelmente prometida a Abraão; também houve uma demonstração da destruição total do reino parasita como mostrado de uma forma limitada, porém real, no julgamento sobre Sodoma e Gomorra. De fato, Deus Yahweh revelou o modo como o pacto seria administrado através das bênçãos e da realização da maldição.Finalmente, deve ser dada atenção ao que e ao modo como Deus Yahweh exigiu uma resposta de Abraão. Deus Yahweh não exigiu, esperou e tirou de Abraão, uma resposta essencialmente diferente daquela de Adão e Eva, Enoque, Noé e a descendência de Abraão deveriam dar. Alguns ensinam que Deus Yahweh testou seus vice-gerentes com respeito a regras específicas de conduta por um período designado de tempo.86 Para ser específico, referência deve ser feita à chamada regra de conduta da dispensação, pela qual o homem deveria ser testado. Alega-se que Adão e Eva foram testados de acordo com a administração da

8 6 NSSB, 3, n. 2. Deve ser observado que estes testes não foram feitos para o merecimento da salvação.

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responsabilidade moral.87 Com certeza, deve se reconhecer que Abraão foi constantemente defrontado com a "administração da responsabilidade moral". Seu procedimento com Faraó, Abimeleque e Isaque são instâncias claras. Ainda mais, assim como Abraão foi "testado a respeito da confiança com relação às promessas",88 Adão e Eva também, com relação à confiança a respeito da promessa de vitória através da semente da mulher. Noé, da mesma forma, teve que confiar a respeito da construção da arca, na qual ele e sua família seriam testados.Yahweh fez um pacto com a humanidade, contendo aspectos criacionais e redentores, o último para restaurar o primeiro. Deus Yahweh não alterou as estipulações básicas daquele pacto na medida em que revelava progressivamente a dimensão rica deste relacionamento de vida-amor que iniciou, estabeleceu e manteve com a humanidade. Suas estipulações pactuais, às quais a humanidade deveria responder retribuindo com amor, obediência, crença, confiança, honra e glória, sempre foram mantidas desde o tempo da criação e assim serão até o tempo da consumação. Do começo ao fim de todo o processo histórico, desde a criação até a consumação, Deus Yahweh reinará soberanamente, realizando e cumprindo seus propósitos imutáveis, passo a passo. Será exigido que seus vice-gerentes pactuais respondam pactualmente, como foram Adão e Eva, Noé, Abraão, Moisés, Josué, Samuel, Davi, João Batista, os Apóstolos, os Pais da Igreja, os Reformadores, e todos os crentes redimidos. Um Senhor soberano, um pacto, um relacionamento pactual, um caminho pactual do Senhor, e uma meta global estão colocados diante de nós nas Escrituras.

Toques 85833Laudas = 71

10 Descendência Patriarcal de Abraão

I. IsaqueA. Abraão e IsaqueB. O Cordão Dourado Mantido

II. JacóA. A Revelação da Soberania DivinaB. O Pacto de Yahweh com JacóC. Jacó, um Mediador?

8 7 Ibid., 6, n.3.

8 8 Ibid., 18, n.1.

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III. Judá-JoséA. Revelação a Jacó e a Seus Filhos e Através delesB. Administração Pactual do Reino de YahwehC. O Mediador Pactual

IV. História e EscatologiaA. O Processo HistóricoB. O Progresso da Escatologia

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10 Descendência Patriarcal de Abraão

Neste capítulo, serão consideradas a revelação de Deus Yahweh a Isaque, Jacó, José e Judá e a revelação através da sua interação com eles. Isto pede um estudo de Gênesis 26.1-50.26. Uma vez que a vida dos patriarcas se entrelaçam umas às outras, Gênesis 26.1-50.26 não poder ser dividido cuidadosamente em passagens sobre Isaque, Jacó, Judá e José.

IsaqueAbraão e Isaque

Estudar a vida de Abraão e a revelação de Yahweh a ele, envolve, inevitavelmente, Isaque. Foi prometido a Abraão uma semente de Sara, que era estéril (Gn 11.30). Em seus estágios avançados de vida, Isaque nasceu (Gn 21.2). A fé e submissão de Abraão e Sara a Yahweh foram intensa e repetidamente testadas. Esta fé e submissão foram particularmente testadas quando Abraão foi chamado a sacrificar Isaque (Gn 22.1-2). O papel de Isaque, inicialmente, na estratégia de Yahweh com Abraão deveria ser a de um participante passivo. E Isaque realizou seu papel muito bem na estratégia do reino pactual de Deus Yahweh.1

A passividade de Isaque foi exibida de várias formas. Ele foi objeto de escárnio de Hagar e Ismael (Gn 21.10) e, desse modo, tornou-se a figura central quando Abraão mandou Hagar e Ismael embora (Gn 21.10). Isaque submeteu-se a seu pai quando este o colocou sobre o altar para ser sacrificado. Ele recebeu e amou a mulher que seu pai lhe providenciou como esposa (Gn 24.66). Na vida familiar, o registro bíblico infere que Isaque não assumiu um papel de liderança dominante na família (Gn 27.5-17). No entanto, deve ser mostrado que Isaque atuou, também, de uma maneira positiva. Na sua interação com Abimeleque, depois de ter recebido Rebeca de volta do rei dos filisteus, Isaque ocupou-se com suas tarefas culturais e boi abençoado com prosperidade (Gn 26.12-14).2 Apesar de ter

1 Gerhardus Vos escreveu sobre o papel passivo e secundário de Isaque em vez de um papel ativo. Ele não aceitou a visão de Hengstenberg de que a personalidade poderosa de Abraão estava profundamente gravada na natureza dócil de Isaque. Vos, antes, atribui a passividade de Isaque ao princípio comum de que em uma tríade de personalidades familiares, o pai exibe energia e produtividade; ele é criativo. O filho, representando um segundo estágio, experimenta o sofrimento e auto-rendição. O terceiro estágio, representado pelo neto, exibe energias retomadas e atividades produtivas. Referindo-se a Delitzsch, Vos concorda que a obra redentora de Yahweh atravessa "por sua própria natureza, estes três estágios". Ver Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1948), 91-93.

2 Claus Westermann considera Gn 26 como sendo uma síntese de uma variedade das tradições de Isaque, refletindo uma composição deliberada, algo como uma narrativa porque começa com a prosperidade, "cai a

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que aturar a inveja dos filisteus com relação à escavação dos poços, Isaque provou ser o homem mais forte. Eventualmente, ele foi abordado por seus oponentes que fizeram um tratado com ele; Isaque demonstrou como as nações poderiam receber bênçãos através dos agentes pactuais de Yahweh (Gn 26.12-33). Isaque também exibiu seu discernimento espiritual quando afligiu-se por causa do casamento de seu filho Esaú com uma mulher hitita e quando, como pai, pronunciou bênçãos a seu filho Jacó. Isaque demonstrou força espiritual quando, a despeito de suas preferências em abençoar seu primogênito Esaú, ele não retirou a bênção que havia conferido a Jacó (Gn 27.27-40).3

Resumindo, a vida de Isaque e os envolvimentos pactuais estavam intimamente interrelacionados com os de Abraão, sendo que, em algumas poucas instâncias, eram repetições destes. Embora Isaque fosse geralmente passivo, foi também, por si mesmo e à sua própria maneira, um agente ativo representante de Yahweh.Ao afirmar estes fatores reveladores a respeito de Isaque e seu relacionamento com seu pai, Abraão, não devemos ignorar aquilo que tem feito com que vários estudiosos bíblicos levantem questões a respeito do aspecto literário das narrativas patriarcais, especificamente os três relatos sobre o não falar a verdade completa a respeito das esposas (Gn 12.10-20; 20.1-18; 26.1-11). O criticismo das fontes tem dificuldade em atribuir fontes por causa do uso de Elohim e Yahweh nestes três relatos.4 Ambos, o criticismo da forma5 e criticismo da redação6 não tem sido capazes de oferecer soluções aceitáveis a muitos estudiosos críticos.7

John Ronning incluiu insites de T. L. Thomplson, G. Ch. Aalders, D. Keil e F. Delitzch, e H. Leupold, quando escreveu seu ensaio. Ele apelou à teoria do rejuvenescimento para apresentar uma solução aos muitos problemas envolvidos nos três relatos esposa/irmã. Considerando a idéia de que Sara, em sua velhice, estaria rejuvenescida a ponto de ser capaz de conceber e dar à luz a Isaque (Gn 18.10-15) seria, de fato, oferecer uma solução como também dar um insite sobre o modo como o Novo Adão atuaria e revelaria um precursor para a ressurreição dos

um ponto mais baixo", e finalmente "ergue-se a um ponto mais alto". Westermann reflete pensamento contraditório quando fala primeiramente das tradições de Isaque e, então, adiciona que a narrativa é pressuposta em Gn 21.22-34 (o procedimento de Abraão com Abimeleque). Ver Genesis 12-36 (Minneapolis: Augsburg, 1985), 423.

3 Gerhard Von Rad refere-se equivocadamente a Gn 27, o relato da bênção de Isaque a seus filhos, como uma saga. Mas debate-se com o que desta saga é âmago histórico e o que é revestimento fictício. Ele sugere, como solução, que um narrador muito posterior colocou este evento, que considerava como um ato de Deus em um ponto da história, como uma expressão de sua própria fé. Ver Old Testament Theology, trad. D. M. G. Stalker (Edinburgh: Oliver & Boyd, 1965), 420-21.

4 Ver os esforços de E. A. Speiser sobre estas passagens em Genesis: Anchor Bible (Garden City: Doubleday, 1964), 150. Westermann concluiu que Gn 12 é o primeiro dos três, implicando que os outros dois são variantes (Genesis 12-26, 161).

5 Kurt Koch é um representante. Ver The Growth of the Biblical Tradition: The Form Critical Method (New York: Scribner, 1969), 115-28.

6 J. Van Seters, em Abraham in History and Tradition (New Haven: Yale, 1975), 167-91, descreve a tentativa da crítica da redação.

7 John Ronning revisou brevemente os muitos esforços críticos. Ver "The Naming of Isaac: The Role of the Wife/Sister Episodes in the Redaction of Genesis", Westminster Theological Journal 53:1-7.

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mortos, todavia, isto requer muitas especulações que não são informadas de maneira clara na Bíblia.8

Parece ser apropriado dizer que Sara, na sua velhice, através da intervenção de Yahweh, concebeu e deu à luz a Isaque e que os patriarcas, Abraão e Isaque, ambos estavam cientes dos atrativos de suas esposas e do desejo de vários reis em expandir seus haréns com mulheres jovens e também mais velhas.

O Cordão Dourado MantidoIsaque é um pilar sustentador do cordão dourado. Deus Yahweh revelou a Isaque e através dele que era o governador soberano sobre os cosmos e todos os fatores dentro dele que colidiam com Isaque. Deus Yahweh o trouxe à vida daquele que tinha sido um ventre estéril, estancado. Isaque era o portador da semente eleita de Yahweh. A bênção de Yahweh a favor de Ismael e para a sua preservação revela a soberania de Yahweh enquanto revela sua graça comum a ele. O controle providencial de Yahweh sobre Abimeleque e sua fidelidade ao filho prometido de Abraão, revelam que nações, povos e indivíduos eram todos os aspectos do reino cósmico de Yahweh, sobre os quais ele sempre manifestou seu reinado todo-poderoso. Deus Yahweh manteve seu pacto. Não é um novo pacto e nem o relato do pacto de Yahweh com Isaque é uma tradição atribuída a Isaque por um narrador (ou editor). Deus Yahweh havia garantido a Abraão que o pacto específico da redenção seria continuado através de Isaque (Gn 17.21).9 Quando Isaque foi confrontado por Abimeleque, assim como seu pai havia sido, Isaque é assegurado pessoal, direta e especificamente de que Deus Yahweh estava confirmando seu juramento a Abraão,10 continuando seu pacto com ele. Os elementos do pacto de Yahweh com Abraão declarados inicialmente, foram repetidos a Isaque: a presença permanente de Yahweh, a terra, descendência numerosa, e o meio de bênçãos às nações (Gn 12.1-3; 26.31).Isaque demonstrou estar ciente das promessas pactuais de Yahweh e de sua reivindicação a elas. Isto está evidente no que Isaque disse quando abençoou Jacó (Gn 27.28-29). Isaque, na situação histórica ímpar na qual falou, referiu-se aos campos que Yahweh abençoou, às nações que o serviriam e reconheceriam sua fama, à semente que nasceria entre os membros de sua família e àquele, pelo qual Yahweh julgaria se bênçãos seriam concedidas ou uma maldição seria executada (Gn 27.27-29).Isaque teve um papel central no reino e no pacto. Isaque, embora não tão envolvido como Abraão havia sido na atividade pactual e na administração pactual 8 Ibid., 9-16.

9 Aalders escreveu: "het verbonds Gods met Abraham wordt herhaald als ook met Izak gesloten" (o pacto de Deus com Abraão foi repetido assim como confirmado com Isaque) no contexto da sua discussão sobre a unidade do único pacto que Yahweh fez com os patriarcas. Ver Het Verbond Gods (Kampen: Kok, 1939), 72.

1 0 Notar que é declarado claramente que quando Yahweh pactuou, ele assim o fez com um juramento. Nos relatos de Yahweh pactuando com Abraão, não existe menção específica de um juramento. Deve se entender que quando Yahweh fala e faz promessas, ele é fiel à sua palavra e nunca as viola ou as contradiz. Por esta razão, quando Yahweh fala, se obriga à sua palavra; presta um juramento quando fala. Ver a discussão de Meredith G. Kline sobre "Confirmatory Oaths" na sua apostila revisada sobre "Kingdom Prologue" (Gordon Conwell Seminary, 1989), 202-3, 209.

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de Yahweh do seu reino, foi, todavia, um agente pactual qualificado e escolhido de Yahweh. Ele serviu, muito especificamente, como vice-gerente de Yahweh e como ancestral da semente vitoriosa prometida (Gn 3.24-25).

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JacóJacó foi muito diferente do crente, obediente e servo Abraão, como também de seu pai inclinado à passividade, Isaque.11 Jacó é citado, geralmente, como um "filhinho da mamãe" (Gn 27.1-13) que, influenciado por ela, expressou-se como um participante pronto a enganar seu pai. Mais tarde na sua vida, através de meios específicos (na realidade desonestos e não efetivos), ele enganou seu sogro Labão. Jacó, com suas imperfeições óbvias, foi, no entanto, o agente pactual escolhido de Deus Yahweh. Yahweh, ao eleger Jacó, revelou nos seu procedimentos com ele, seu poder transformador e a magnificência da graça divina.12 A revelação destes no contexto dos propósitos do reino de Yahweh faz com que estes fatores divinos brilhem mais fortemente.

A Revelação da Soberania DivinaDeus Yahweh continuou a revelar e confirmar seu governo soberano sobre todo os cosmos assim também como sobre indivíduos específicos nas suas circunstâncias históricas. Existem, pelo menos, cinco fatores na vida de Jacó que devem ser considerados.O relato da eleição divina de Jacó é dado em Gênesis 25.19-24.1-40.13 Rebeca, estéril até que Isaque intercedeu junto a Yahweh a seu favor, engravidou. A gravidez tornou-se pouco confortável por causa do abalroamento dos bebês no seu ventre (Gn 25.21-22). Quando ela perguntou a Yahweh "por que isto está acontecendo comigo" (NIV), lhe foi revelado que duas nações estavam em seu ventre (Gn 21.22). Isaque gerou duas nações assim como Abraão através de Isaque e Ismael. Em ambas as situações, o mais novo foi aquele que Yahweh elegeu para servir como seu agente pactual e vice-gerente representativo. Foi revelado a Rebeca que seu filho mais novo, Jacó, nascido depois de Esaú (Gn 21.25-26), seria o mais forte e que o mais velho o serviria. Paulo, inspirado pelo Espírito, explicou que a frase "o mais velho servirá ao mais novo", deve ser entendida como o modo de Yahweh informar a Rebeca e Isaque, e a todos os leitores do relato, que Deus Yahweh havia elegido Jacó e o havia feito de acordo com a sua própria soberania e para o propósito que tinha para realizar seu plano de pacto/reino (Rm 9.10-16).14

1 1 Derek Kidner corretamente observou que o nome "Jacó", assim como outros nomes, expressava uma oração: "Que ele (Deus) possa proteger" (Genesis [London: Tyndale, 1967], 130); mais elaboradamente, o nome significa "Que ele possa estar nos calcanhares, isto é, que Deus seja sua retaguarda". Kidner também mostrou que o nome "se empresta uma sentido hostil, de perseguir os passos de alguém". Jacó, na realidade, "desvalorizou o nome como um sinônimo para deslealdade" (151-52).

1 2 Vos, Biblical Theology, 93-99. Vos escreveu que "a graça que sobrepuja o pecado humano e transforma a natureza humana, é a idéia básica da revelação aqui".

1 3 Ver os argumentos de Gerhard Ch. Aalders para não aceitar as fontes binárias J & E para o relato narrativo do nascimento de Jacó e a sua obtenção da bênção de primogenitura (ou de direito de nascimento) (Genesis [Kampen: Kok, 1949] 2: 182-84).

1 4 Ver a discussão de Kline sobre "Sovereign Election" como revelado em Gênesis e explicada teologicamente por Paulo em Romanos 9-11 ("Kingdom Prologue", 203-06). Para Von Rad, o conceito de eleição surgiu na religião israelita somente quando Israel se considerou a partir de um ponto de vista externo; quando Israel se viu em relação às outras nações, percebeu sua eleição. O conceito cresceu dentro das "tradições de eleição" desenvolvidas em Israel (Old Testament Theology, 1:7, 69, 164, 178, 352) [Teologia do Antigo Testamento, ASTE, ????]. Assim, Von Rad escreve sobre a eleição de Yahweh dos

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O primeiro propósito declarado da eleição de Jacó foi serviço. Jacó foi escolhido para servir a Yahweh. Não existiam qualidades inerentes em Jacó que o fizessem merecedor de sua eleição. Antes de nascer, ele foi escolhido para servir como agente e vice-gerente pactual de Yahweh. E ele foi eleito para ser servido por seu irmão mais velho, Esaú, e sua progenitura, não porque era "mais apto" mas porque Yahweh, soberanamente, desviou-se do mais velho a fim de que, ao fazer isso, revelasse sua soberania, prazer sincero e misericórdia.Eleição para o serviço não implicava, necessariamente, em eleição para salvação.15 Nabucodonosor (Jr 27.16) e Ciro (Is 44.28; 45.1) foram eleitos para servir no reino de Yahweh, o primeiro para executar a maldição pactual sobre Israel, o segundo para realizar a bênção pactual prometida do retorno da sua herança. Não existem evidências de que estes "servos" foram eleitos para serem participantes na salvação que Yahweh preparou para os crentes. No curso da vida de Jacó, tornou-se evidente que ele não somente tinha conhecimento da sua salvação como também foi assegurado dela (Gn 48.15-16). Consequentemente, Jacó foi eleito para o privilégio da salvação assim como à responsabilidade do serviço.Em segundo lugar, a soberania divina é revelada na orientação familiar de Jacó. Jacó tornou-se parte de uma família estendida. Três são os fatores humanos específicos registrados que levaram a isto: o engano de Isaque por Jacó e Rebeca através do qual Jacó recebeu a bênção do primogênito.16 Antes da fraude, um outro episódio havia acontecido, no qual Esaú havia rejeitado esta bênção de primogenitura em favor de uma prato de comida (Gn 25.29-34). O terceiro fator foi o temor de Rebeca pela vida de Jacó, o que a levou a falar com Isaque sobre a ida de Jacó até Harã, à casa de Labão, para encontrar uma esposa. Estes três fatores exibem a intriga humana, a falta de sensibilidade ao comando pactual de Yahweh de "caminhar diante de mim e ser perfeito" (Gn 17.1) e uma mentira inequívoca.17 Nos relatos que se seguem, torna-se claro que Yahweh não justifica

patriarcas, não primariamente como uma realidade histórica mas como um item da fé de Israel que se desenvolveu através dos séculos de sua existência.

1 5 Para alguns escritores do Antigo Testamento, a eleição não era considerada em termos de "eleito para serviço" ou "para salvação", mas eleito para estar em uma relacionamento pactual e eleito para ser um povo mantenedor da lei. Ver John Bright, A History of Israel, 3ª ed. (Philadelphia: Fortress, 1981), 148-150 [História de Israel, Paulinas, ????); Walther Eichrodt, Theology of the Old Testament (Philadelphia: Westminster, 1961), 1:94, 244. É verdade que um relacionamento pactual se desenvolveu a partir da eleição de Yahweh, mas este relacionamento, na maior parte, envolvia salvação e serviço assim como obediência amorosa à lei de amor de Deus.

1 6 É difícil ser simpático à discussão de Westermann sobre a forma e colocação da narrativa registrada em Gn 27.1-45. Deve-se concordar com Westermann que o relato de Gn 27 é determinante para o "ciclo Jacó-Esaú como um todo" (Genesis 12-36, 434-35). O modo como esta narrativa cresceu, segundo Westermann, de uma forma oral para escrita com questões sobre se é uma síntese J ou uma síntese de J e E, dá razão a um sincero questionamento sobre todos os esforços crítico literários na busca por fontes e no estabelecimento das mesmas.

1 7 John Skinner expressou sentimentos encontrados especialmente nos comentários de orientação crítica, referindo-se à fonte J desta narrativa, J sendo um símbolo coletivo que abrange muitas fábulas que descem ao nível da "moralidade popular ordinária". Skinner mostrou isto como a explicação para o relato vivaz da fraude de Rebeca e Jacó, na qual existe "uma indiferença às considerações morais" (A Critical and Exegetical Commentary on Genesis, 2a ed. [Edinburgh: T & T Clark, 1956], 368). E. A. Speiser quis rejeitar os vários "julgamentos com os quais a história tem sido obstruída através das eras". Ele prosseguiu

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estas falhas e pecados humanos mas os suprime. Jacó e Rebeca tiveram que sofrer a separação e nunca mais se veriam novamente.18 Jacó teve um tempo difícil trabalhando para seu tio, sendo ele mesmo enganado (Gn 29.1-27) e não recebendo o pagamento total durante este período (Gn 30.27-30). Em todas estas atividades relacionadas à família, existem poucos traços e atividades humanas admiráveis. Todavia, Deus Yahweh, fiel às suas promessas pactuais a respeito da progenitura de Abraão, graciosa, misericordiosa e pacientemente, em bondade soberana dirige as atividades sociais de Jacó de modo que os propósitos divinos não sejam frustrados. Antes, Yahweh continua a realizar seu plano.Deveria ser óbvio que a antítese entre o reino parasita e o governo soberano de Yahweh é uma força dominante nas vidas do filho de Abraão, seus netos e parentes. A influência satânica estava presente nas tentativas de despedaçar e destruir a semente da mulher como representado nas vidas de Isaque e, especialmente, de Jacó. A família, nuclear assim como estendida, foi, tem sido, e continuará a ser a área na qual a atividade satânica é exercida. A terceira revelação da soberania divina é refletida no fato de Jacó ter se tornado próspero. Deus Yahweh havia prometido fama a Abraão; uma forma em que alcançou isto foi através da grande riqueza (Gn 13.2). Isaque herdou a riqueza e prosperidade de seu pai (Gn 25.5). Jacó, tendo que fugir para salvar sua vida, teve que deixar para trás a riqueza da família. Mas, novamente, a despeito da intriga humana (Gn 30.37-43), Jacó tornou-se "mais e mais rico" (Gn 30.43) e reconheceu o fato de Deus Yahweh ter tirado de Labão para dar a ele (Gn 31.9).19

Alguém pode surpreender-se pelo fato de Jacó ter recorrido à intriga quando sabia que o Senhor do cosmos tirava de uma para dar a outro. A verdade central a ser alcançada é que Deus Yahweh governa soberanamente e dirige os assuntos dos seus agentes pactuais escolhidos, e ele pode fazer isto porque é o Senhor soberano do cosmos.Em quarto lugar, Deus Yahweh revelou seu governo soberano sobre o cosmos e particularmente sobre seus agentes pactuais escolhidos através da proteção que lhes deu. Jacó reconheceu esta proteção: "Deus não tem permitido que ele me fira" (Gn 31.7). Jacó foi assegurado desta proteção enquanto fugia, uma vez que na visão em Betel, Yahweh lhe havia dito, "Eu cuidarei de você por onde você for" (Gn 28.15). Por toda a vida de Jacó, nas circunstâncias variadas que experimentou, vivendo com Labão ou fugindo dele, encontrando Esaú e despedindo-se dele amigavelmente, durante a fome em Canaã (Gn 41.56), e em sua jornada e curta permanência no Egito, Deus Yahweh cuidou dele e o protegeu.

escrevendo que o primeiro plano "não tem sido sempre mantido em foco adequado", resultando em distorções desnecessárias. Speiser também chamou atenção ao fato de que os profetas (Jr 9.3; Os 12.4) manifestaram censura quanto ao tratamento de Jacó a Esaú (Genesis, 211).

1 8 Marcus Dodds descreveu os resultados da interferência ruim de Rebeca e Jacó no plano de Deus para dar a Jacó o direito de primogenitura. Dodds escreve que Deus lhe teria dado o direito, resultando em crédito a Jacó e não em vergonha. Ele adiciona "e eles perderam bastante; a mãe, seu filho; Jacó, os confortos do lar. Foi um castigo severo" ("The Book of Genesis", no The Expositor's Bible, ed. W. Robertson Nicoll, [Grand Rapids: Eerdmans, 1947]. 1:73.

1 9 Pode ser assumido que ambos, Jacó e Esaú, herdaram a riqueza de seu pai Isaque porque os dois enterraram seu pai quando este morreu com 180 anos (Gn 35.27-29).

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Finalmente, deve-se dar atenção à providência. O termo fala da provisão de Yahweh. Abraão havia dito a Isaque, quando este lhe havia perguntado sobre o cordeiro para a oferta queimada, "o próprio Deus proverá o cordeiro" (Gn 22.8). E ele providenciou um carneiro (Gn 22.13). Yahweh também providenciou o que Jacó necessitava: proteção no caminho para Harã, um lar, uma família e possessões. Nenhum desses foi merecido; no entanto, esperava-se que Jacó respondesse ao seu Deus em confiança e obediência. Ainda que essas respostas fossem falhas a um certo grau, se é que aconteceram em algumas vezes nas circunstâncias da viagem, vida e partida de Harã, Yahweh graciosa e constantemente proveu para Jacó. Deus Yahweh conhecia o caráter de Jacó; conhecia suas situações e também suas necessidades. E elas foram alcançadas.Através da vida de Jacó, Deus Yahweh revelou o modo como sua eleição, sem mérito por parte de Jacó, tornou-se o manancial de todos os aspectos de providência na vida. A providência é arraigada na eleição; ela é revelada em todas as circunstâncias da vida. Consequentemente, a providência torna-se um suporte sólido para a confiança e fé, baseado na palavra de Yahweh ao seu agente pactual eleito.

O Pacto de Yahweh com JacóO pacto que Deus Yahweh continuou e desenvolveu com Abraão e manteve com Isaque, também foi confirmado com Jacó. Isto é clara e explicitamente revelado no relato registrado em Gênesis 28.10-22.20

Durante sua fuga de casa em Berseba (sudoeste de Canaã), Jacó parou para descansar e dormir em um campo aberto, usando uma pedra como travesseiro. Neste lugar, que ele deu o nome de Betel (que significa casa de Deus), Deus lhe apareceu em um sonho. O significado do que ele viu--anjos descendo e subindo uma escada--era que ele tinha espíritos ajudantes cuidando dele e lhe servindo.21

De maior significado é o fato de Jacó ter visto Yahweh, que havia se colocado no topo da escada,22 e o ouviu falar. Yahweh disse palavras de graça a um Jacó fraudulento e em fuga; disse palavras de segurança que expressavam a sua fidelidade aos ancestrais de Jacó e também a ele. Uma análise do que Yahweh disse revela que as promessas e garantias pactuais dadas a Abraão e Isaque, foram repetidas e até mesmo expandidas.'anî yehwâ 'elohê (Eu sou Yahweh Deus de...). Dirigindo-se a Abraão, Yahweh disse que era 'el sadday (Deus Todo Poderoso). Jacó ouviu o enfático "Eu sou",

2 0 Ver n. 10 acima onde uma referência foi feita ao comentário de Aalders sobre Deus Yahweh continuando, com Isaque, o pacto que havia feito com Abraão. As Escrituras deixam muito claro que o pacto foi continuado com Jacó.

2 1 Carl F. Keil e Franz Delitzsch chamaram a atenção ao fato de que a própria escada "foi um símbolo visível da comunhão real e ininterrupta entre Deus no céu e seu povo sobre a terra" (Biblical Commentary on the Old Testament: The Pentateuch, trad. James Marten [Grand Rapids: Eerdmans, 1949], 1:281). Jesus, indubitavelemente, desejou enfatizar esta comunhão entre seu Pai e si mesmo quando falou a Natanael que o havia confessado como "o filho de Deus...Rei de Israel" (Jo 1.49-51). Ver os comentários de Calvino a respeito de Cristo que é o único mediador que alcança do céu à terra; para Calvino, então, não é a própria escada mas a escada como uma figura de Cristo (Commentaries on the Book of Genesis, trad. John King [Grand Rapids: Eerdmans, 1948], 2:11-13).

2 2 O TM tem o verbo nissab (piel perfeito de nasab, tomar seu lugar). A idéia expressa é de que Yahweh se colocou de tal forma que o fato de estar no comando se tornasse óbvio a Jacó.

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mas Deus também usou o nome pactual "Yahweh" e prosseguiu em garantir a Jacó que ele era o próprio Deus que havia pactuado com os seus ancestrais como a deidade fiel, toda poderosa e soberana. Consequentemente, o mesmo Deus, o Deus imutável que havia chamado, liderado, protegido e abençoado a Abraão e Isaque, estava falando a Jacó e fazendo-o perceber que o Deus de seu pai era o Deus Yahweh que estava se dirigindo a ele. A continuidade do relacionamento de Deus Yahweh com os descendentes de Abraão foi, dessa forma, introduzida e enfatizada pelo que foi acrescentado a Jacó.ha'ares 'aser 'attâ sokeb aleyâ lekâ 'ettenennâ wulezar'eka (A terra, sobre a qual você está descansando, eu a darei a você e à sua semente). A terra é enfatizada; ela é primeiramente mencionada e, então, identificada como o lugar onde ele estava descansando (ou dormindo). O lugar era no centro de toda a terra que Deus Yahweh havia prometido dar a Abraão. Era a sudeste de Siquém, não muito distante de onde Abraão havia construído seu primeiro "altar reivindicador da terra" (Gn 12.6-7), depois que Yahweh havia lhe garantido que a terra seria sua. Jacó é assegurado, além disso, assim como Abraão havia sido, de que seus descendentes seriam herdeiros e possuidores da terra.A terceira declaração pactual que Yahweh fez garantiu a Jacó que a sua descendência seria muito numerosa (Gn 28.14). Novamente, esta é uma repetição do que havia sido prometido a Abraão (Gn 15.5; 17.5-6; 22.17) e a Isaque (Gn 26.4). Considerando que antes Yahweh havia dito numerosa como as estrelas do céu e como a areia na praia, a Jacó, deitado sobre o solo, ele disse, "como o pó da terra" (NIV). Yahweh prosseguiu assegurando a Jacó que sua semente numerosa se espalharia para cada direção (Gn 28.14). A frase certamente apresenta uma perspectiva que vai muito além das fronteiras de Canaã; Paulo expressou esta mesma realidade quando escreveu sobre "herdar a terra" (Rm 4.13). A próxima garantia mencionada, contendo a frase "todos os povos", dá base ao conceito de uma perspectiva ainda maior.wenibrakû beka (e sejam abençoados através de você) (ou, como a NIV traduz, serão abençoados através de você). Esta, também, é uma garantia repetida (Gn 12.2-3). Jacó e sua descendência deveriam ser canais ou agentes das bênçãos pactuais a todos os povos da terra.Deus Yahweh deu seguranças adicionais que garantiam que o que havia sido prometido, certamente seria cumprido. Nenhuma condição foi colocada diante ou sobre Jacó. Deus Yahweh falou monergística e unilateralmente: wehinneh 'anokî 'immak (e olhe [ou veja isto]; esteja certo Eu estou com você). Esta é uma fórmula pactual que será repetida (Gn 46.4; Ex 3.12; Js 1.5). Previamente, Yahweh havia garantido a Abraão que ele era seu Deus e seria Deus a ele e à sua semente. A Jacó em fuga para uma terra estrangeira, a Moisés que deveria retornar ao Egito, e a Josué que deveria entrar na terra prometida e conquistar os habitantes hostis, a garantia era de que Yahweh que seria Deus para seu povo, é um Deus que permanece com seu povo. As frases "Eu cuidarei de você por onde quer que você vá", "Eu o trarei de volta", e "Eu não o deixarei", certamente deram informações definidas do modo como Deus Yahweh seria um Deus ativo sempre presente.23 E

2 3 Gerhard Von Rad considera este relato de Yahweh dando garantias a Jacó como parte da "tradição antiga proveniente da fé pré Mosaica dos ancestrais de Israel". Parte desta tradição incluía a crença de que Yahweh poderia ser adorado somente em Canaã, mas eles refletiam uma inconsistência estranha.

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esta atividade resultaria no cumprimento de todas as promessas que haviam sido feitas (Gn 28.15).Esta atividade pactual não foi um acordo bilateral. Deus Yahweh falou a um Jacó não merecedor, em fuga e desamparado, que nada tinha para que pudesse se referir ou apelar como um "agente de barganha". De fato, Deus Yahweh revelou sua soberania, iniciativa unilateral, que foi motivada pela sua graça, misericórdia, compaixão e fidelidade. Assim como Yahweh havia se revelado em seu pacto e atividade reinadora a Abraão, assim ele fez com Jacó que, humanamente falando, foi ainda mais indigno do que seu pai e avô haviam sido. Deus Yahweh não pediu verbalmente por uma resposta de Jacó que, no entanto, refletiu um traço positivo em seu caráter através da resposta tripla.Primeiramente, Jacó reconheceu a presença de Deus (Gn 28.16-17). O lugar onde ele havia parado, mas do qual ele continuaria sua fuga, foi o mesmo lugar onde Deus Yahweh estava presente. E ele admitiu que não havia estado ciente disto. Agora estava ciente e havia percebido que este era um lugar espantoso porque era onde Deus Yahweh tinha sua casa, a qual Jacó entendeu ser a entrada da habitação celestial e sala do trono de Deus. Na presença de Deus Yahweh, em sua casa, Jacó temeu. Esta resposta não foi como a de Moisés diante do arbusto em chamas (Ex 3.6) e a dos Israelitas diante de Yahweh no Monte Sinai (Ex 20.18). Ela certamente teve um impulso tranquilizador: "Eu estou aqui; eu estou com você". A fórmula pactual não foi expressa verbalmente mas foi reconhecida. O princípio Emanuel foi aguçadamente feito conhecido a Jacó através da aparição de Yahweh no topo da escada. Jacó, que não tinha se conduzido como mantenedor pactual submisso, obediente e fiel, tinha razão para estar cheio de medo e temor. O santo e majestoso Senhor do universo e do pacto voltou seus olhos para um fugitivo fraudulento. Quão espantoso isto foi para Jacó. Mas ele recebeu as garantias de que Yahweh manteria e cumpriria as promessas do pacto feito com seus antepassados. Quão gracioso foi o espantoso Yahweh a este homem pactual!Jacó fez mais do que reconhecer a presença, temor e graça de Yahweh. O segundo aspecto da sua resposta foi levantar um memorial usando a pedra que havia usado como travesseiro (Gn 28.18-19). Este pilar de pedra deveria testificar a Jacó e sua progenitura que Deus Yahweh havia aberto os céus para ter comunhão com seu servo e dar-lhe a ocasião para adorar seu Senhor. O fato de ter entornado óleo sobre o memorial foi um ato de consagração em adoração. O altar foi consagrado a Deus Yahweh; a intenção primária não foi comemorar a resposta de Jacó, mas a vinda de Deus Yahweh, em aparecimento pessoal, a Jacó para confirmar seu pacto com ele.24 O fato de ter dado ao lugar o nome de

Enquanto reconheciam que o domínio soberano de Yahweh incluía todas a terras estrangeiras, também atribuíam uma esfera relativa de poder e culto aos deuses estrangeiros. Von Rad parece confundir o que Deus Yahweh revelou, que ele era exclusivamente soberano, e que o que as outras nações acreditavam a respeito de seus deuses e suas terras eram características nacionais (Genesis: A Commentary, trad. John H. Marks [London: SCM, 1961], 280).

2 4 Jacó deveria ser interpretado como tendo feito mais do que Dodds opinou ("Book of Genesis", 77); Jacó levantou a pedra e vinculou a isso um voto a fim de lembrar da dependência em Deus, a qual sentiu quando estava em situação precária.

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"Betel" (casa de Deus), fortaleceu o testemunho e a memória do aparecimento de Yahweh a Jacó e sua comunhão com ele.O terceiro aspecto da sua resposta foi sua declaração verbal, registrada em Gn 28.20-22. Ela poderia, em uma leitura inicial, ser lida como um ato típico de barganha pelo conspirador Jacó. "Bem, Deus, se você fizer tudo isto, então eu farei algumas poucas coisas também". Jacó estava tentando limitar Deus Yahweh a condições? Jacó estava dizendo, "Se você quer ser meu Deus, e esta pedra comemora sua presença e se você quer que eu lhe dê um dízimo, eu manterei meu lado da barganha se você mantiver o seu primeiro"? Ou Jacó estava fazendo um compromisso com Yahweh enquanto reconhecia sua dependência total nele?Deve se notar o que o texto registra: wayyiddar ya aqob neder (e ele, Jacó, fez um voto). A expressão "fazer um voto" não sugere ou se refere a qualquer tipo de atividade de barganha. Antes, refere-se à consagração verbal do ser, serviço e das possessões a Deus.25 Este ato verbal obriga aquele que o realizou a fazer o que foi dito. Alguém, jurando a Deus, se obriga a Deus. Tem a força de um juramento. Tal voto foi feito em resposta ao que Deus Yahweh, primeiramente, prometeu, deu, fez ou comandou.Atenção deve ser dada ao 'im (v. 20) e o waw colocado como prefixo ao verbo haya (ser) (v. 21). Estes são traduzidos freqüentemente como "se...então"; a impressão inicial que isto pode dar é que Jacó colocou uma condição diante de Deus; de que ele estava, de fato, fazendo uma barganha com Deus. O contexto informa ao leitor que Deus Yahweh havia tomado a iniciativa; ele deu garantias pactuais definidas a Jacó. A resposta de Jacó, começando com 'im, informa ao leitor que Jacó reconhecia as promessas de Deus Yahweh. Podemos ler 'im como: sendo esta a situação, considero as promessas como plenamente confiáveis. Jacó, então, confessa que, assim, Deus Yahweh demonstra sua fidelidade de acordo com seu pacto. "Ele estará comigo; ele cuidará de mim; me suprirá com relação às necessidades da vida; me capacitará a retornar à casa de meu pai". Resumindo: Deus Yahweh, ao fazer o que havia prometido, demonstra sua fidelidade pactual e me capacita a ser um homem pactual. E eu demonstrarei minha gratidão, dando de volta, dez por cento de tudo que o Senhor me deu. Jacó iria fazer o mesmo que seu avô Abraão havia feito; em resposta de gratidão às bênçãos de Deus Yahweh, o dízimo seria dado (Gn 14.20). Em ambas as instâncias, o dízimo dado é registrado como uma resposta espontânea e grata às bênçãos de Deus Yahweh. O dízimo foi um ato demonstrável de adoração; através dele, Deus foi reconhecido, honrado e glorificado.26

A interação pactual entre um Deus gracioso e soberano e seu agente pactual, que havia feito um compromisso verbal, é registrada no restante do livro de Gênesis. Seis aspectos específicos desta interação deveriam ser notados.2 5 Theological Wordbook of the Old Testament, 2:557 (Dicionário Internacional de Teologia do Antigo

Testamento, Vida Nova, 1998).

2 6 A frase hebraica 'asser 'a asserennû (o piel infinitivo absoluto seguido da primeira pessoa piel imperfeita do verbo 'aser, tomar um décimo de) é traduzida por Westermann como "eu certamente darei um décimo" (Genesis 12-36, 451); Samson R. Hirsch traduziu "eu deverei, repetidamente, dar o dízimo a Ti" (The Pentateuch, trad. Isaac Lecy, 2ª ed. [New York: Judaica, 1971], 465). A NIV não dá expressão à forma dupla enfática do verbo. Hirsch, interessantemente, não considerou a ênfase por causa da construção verbal, estar no décimo (dízimo) mas, antes, no ato completo uma vez que o número 10 é o primeiro grupo de números a formar um todo. Dez representa um grupo completo.

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Em Gênesis 29 e 30, lemos sobre os casamentos de Jacó e seus filhos. A leitura do registro dos casamentos levanta questões sobre a maneira pela qual foram arranjados. Jacó trabalhou sete anos como um dote, para ter Raquel. Ele foi fraudado por Labão; entrou em um vínculo de casamento com Lia e o vínculo foi consumado. A fraude de Labão levou Jacó à poligamia. Abraão havia tomado Hagar com tristes conseqüências. A vida matrimonial de Jacó também foi cheia de tensão; ele não amava Lia mas, sim, Raquel. No entanto, Raquel teve ciúmes (Gn 30.1) e Lia era amarga porque tinha que compartilhar Jacó com Raquel (Gn 30.15). A competição pelo favor de Jacó tornou-se mais forte quando as irmãs deram suas servas a Jacó e este teve filhos com elas. A semente, de acordo com as promessas de Yahweh, foi produzida. Deus Yahweh os considerou como progenitura pactual; a nação prometida a Abraão (Gn 12.2) reivindicava estes filhos como antepassados e pais da nação de Israel.Como devemos considerar os pecados ou imoralidades de Abraão, Isaque e Jacó? Antes do tempo de Calvino, muitas respostas foram dadas. Uma resposta foi que os patriarcas se conduziram de acordo com o que foram ordenados ou receberam permissão para fazer através de revelação de Deus porque tinham uma missão especial a cumprir. Outros se aproveitam do argumento de que a lei natural ou casos de necessidade fizeram com que estas atividades pecaminosas fossem legitimadas por causa da missão. Outros ainda tentam evidenciar que, realmente, não houve mentira, inveja, assassinato, adultério ou roubo no contexto da missão divina dada aos patriarcas.27 Thompson concluiu, depois de uma estudo da exegese de Calvino das passagens a respeito das imoralidades, que "Abraão errou por não lançar sua ansiedade sobre Deus". Ele verificou que "Calvino recusou quase todos os argumentos justificadores...com desdém".28 Calvino "não tinha desejo de conceder qualquer favor especial".29 Para Calvino, "Não importa quão justa é a causa, nunca se pode usar meios ilícitos para alcançar um fim nobre". Os pecados dos patriarcas eram opostos à natureza e caráter de Deus.30

As Escrituras, de acordo com Calvino, revelam a vontade de Deus para a conduta diária. Qualquer coisa dita ou feita, contrária à vontade revelada de Deus, requer arrependimento e perdão.31

Estudiosos contemporâneos, que trabalham com uma atitude crítica maior com relação às Escrituras, e que usam um método consonante com isto, não brigam com as anormalidades, pecados e imoralidades dos patriarcas assim como Calvino e seus predecessores. Walther Eichrodt é um bom exemplo. Ele apelou ao desenvolvimento de uma senso moral mais elevado, como por exemplo, na relação entre os sexos. Consequentemente, na era pre-Moisés, os patriarcas viviam e agiam de acordo com os costumes sociais da sua época. Moisés "obviamente modificou a lei Semítica antiga e tradicional do casamento".32 Nesta

2 7 John L. Thompson, "The Immoralities of the Patriarchs", Calvin Theological Journal 26/1 (Abril 1991): 9-46.

2 8 Ibid., 40.

2 9 Ibid., 43.

3 0 Ibid., 44.

3 1 Ibid., 45.

3 2 Theology, 1:80. T. D. Alexander levanta a hipótese de que fontes variantes e dependência editorial

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abordagem está envolvida a falta óbvia do reconhecimento de uma lei moral revelada e imutável para todos os povos, não importando a era.A lei moral de Deus para os povos de todas as eras é revelada nas Escrituras. Esta lei é uma parte integral do seu pacto permanente, sempre mantido, com seu povo. O registro dos pecados patriarcais certamente não indica que estes não devam ser considerados como exemplos de conduta moral. Antes, o que deve ser entendido é que Yahweh, embora freqüentemente carregasse uma medida de desapontamento e tristeza como conseqüência da conduta imprópria, os perdoou graciosamente e os chamou, continuamente, a viver de acordo com seus requerimentos morais. A graça e a misericórdia de Yahweh são enaltecidas na maneira pela qual continuou a considerá-los, falíveis e sujeitos ao erro como eram, como seus servos e agentes pactuais. De fato, os patriarcas não devem ser tomados como exemplos por ninguém; antes, a vontade moral de Yahweh deve servir como um guia para a vida. As pessoas, no entanto, podem aprender dos patriarcas que os caminhos tortuosos não são recomendados, mas a revelação da graça e misericórdia de Yahweh, em seu amor redentor e perdoador, deve ser apreendida, reivindicada e mantida como a motivação para uma vida santificada.Os detalhes específicos envolvidos no nascimento dos filhos de Jacó, não precisam ser discutidos. Alguns pontos importantes devem ser considerados. Rúben era o mais velho; ele era filho de Lia, a primeira mulher que Jacó teve como esposa. Ele é listado como o primogênito (Gn 35.23). No entanto, Rúben foi culpado de incesto ao manter relações sexuais com Bila, uma das concubinas de seu pai (Gn 35.22). Raquel era incapaz de conceber, assim como Sara e Rebeca. As tensões entre Jacó e Raquel (Gn 30.1-2), assim como o ciúme de Raquel com relação a Lia, levou ao fato das respectivas servas serem dadas a Jacó para gerarem filhos em nome das suas esposas irmãs (Gn 30.3-21). As súplicas de Raquel a Yahweh conduziram à "abertura de seu ventre". Seu primeiro filho foi José (Gn 30.24); anos mais tarde, ela morreu ao dar à luz a Benjamin (Gn 35.16-18). Quando os filhos de Jacó foram listados, no contexto de uma breve história de família (Gn 35.16-20, 27-29), os filhos de Lia foram listados primeiramente, depois os de Raquel, os filhos da serva de Raquel e, finalmente, os filhos da serva de Lia (Gn 35.25-26).Um aspecto integral do pacto de Yahweh com os patriarcas foi a promessa da semente. A despeito dos problemas, pecados e irregularidades na vida de Jacó, Yahweh, graciosamente, manteve esta promessa pactual. Os pais das tribos da nação de Israel nasceram e formaram um família de filhos, sendo que todos reconheciam a Jacó como seu pai.O segundo fator a ser notado na interação pactual entre Yahweh e Jacó é registrado em Gênesis 30.25-31.21. Deus Yahweh havia prometido abençoar Abraão e faze-lo famoso; um aspecto dessas promessas era a concessão de riqueza material (Gn 13.2). Isaque recebeu esta riqueza como herança (Gn 25.5). Yahweh capacitou Jacó, através do serviço a Labão, a se tornar próspero. Jacó tentou controlar este ganho de riqueza através de meios que, biologicamente, não

deveriam ser considerados como modos possíveis de resolver o problema dos três episódios irmã/esposa. Ele não refletiu sobre o caráter dos homens uma vez que o problema é literário, "São os incidentes esposa/irmã de Gênesis variantes de composição literária?" Vetus Testementum XL 11/2 (1992): 145-153.

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tinham influência (Gn 30.37-42).33 O texto registra que Jacó tornou-se "mais e mais rico" (Gn 30.43). Indubitavelmente, Yahweh abençoou Jacó e fez com que ele prosperasse (Gn 30.43). Os filhos de Labão perceberam que Jacó recebia muito da riqueza de seu sogro (Gn 31.1-2), mas Jacó alegou que Labão havia tentado trapaceá-lo (Gn 31.7). No entanto, Yahweh o protegeu e abençoou (Gn 31.6-9). Esta tensão entre a família de Labão e Jacó tornou-se uma ocasião histórica para o comando que Yahweh deu a Jacó de voltar para a sua terra natal (Gn 31.3).O terceiro fator pactual que Yahweh trouxe à atenção de Jacó foi a terra que havia sido prometida a Abraão (Gn 12.15) e que ele havia reivindicado através da construção de altares (Gn 12.8; 13.18). Jacó retornou à sua terra natal; encontrou-se com Esaú e lhe deu uma porção da sua riqueza fazendo, assim, uma restituição simbólica por ter ganho os direitos de primogenitura. Esaú aceitou o presente (Gn 33.11) e retornou à terra que havia tomado dos habitantes de Seir (Gn 36.8). Jacó retornou a Siquém em Canaã. Assim como Abraão havia feito (Gn 23.3-20), Jacó também comprou um lote de terra--não como um lugar de sepultamento mas como um lugar para viver (Gn 33.18-20). Jacó reivindicou a terra como herança pactual através da construção de um altar. Mais tarde, depois que seus filhos tiveram um problema sério com o povo de Siquém (Gn 34), Jacó foi instruído a se mudar mais para o sudeste, para Betel. Lá, depois de ter feito com que sua casa, esposas, filhos e servos se livrassem de seus deuses estrangeiros, se purificassem e colocassem outras roupas (Gn 35.1-7), construiu um altar novamente. Foi em Betel que Yahweh repetiu a Jacó o que havia dito a Abraão e Isaque: "esta terra...eu dou a você e...a teus descendentes depois de você" (Gn 35.11-13).O quarto fator na interação é a continuidade assegurada do pacto de Yahweh. Jacó recebeu o cerne da garantia pactual: we ehyeh immak (e eu serei contigo) (Gn 31.1). A continuidade do pacto foi declarada expressamente depois que Jacó retornou a Betel e lá adorou.Vários fatores envolvidos no pacto de Yahweh com os patriarcas estavam continuamente presentes e operantes na vida e experiências de Jacó. Mas Jacó também teve garantias verbais. Deus Yahweh falou-lhe por quatro vezes e confirmou o relacionamento pactual entre si mesmo e Jacó. A experiência de Jacó em Betel, quando estava fugindo, foi a primeira vez (Gn 28.3-15). Foi uma confirmação verbal que incluía a declaração de Yahweh com relação a si mesmo: 'anî yehwâ 'elohê (eu, Yahweh Deus) de Abraão... Isaque... uma promessa a respeito da terra e descendência numerosa, uma garantia de que todos os povos 3 3 Calvino opinou que "é bem sabido que a observação de objetos pela fêmea tem grande efeito na forma do

feto" (ibid., 156). Keil e Delitzsch concordaram que a colocação de objetos nas tinas de água das ovelhas causariam manchas e listras nas crias concebidas nas tinas. Deveria ser lembrado que Jacó fez com que Labão concordasse que todos os animais salpicados fossem dele. Assim, Jacó separou os manchados em um rebanho separado e pensou em produzir mais animais entre os sem mancha (Commentary, 294-95). Aalders discutiu os problemas textuais subjacentes a esta associação (Het Boek Genesis [Kampen: Kok, 1949], 2:220-21). Skinner, citando a mesma fonte que Keil e Delitzsch, pareceu aceitar o fenômeno fisiológico citado no texto (Genesis, 392-93). Kidner mostrou que o texto não se pronunciou sobre causa e efeito; antes, o texto diz que os rebanhos de Jacó aumentaram subseqüentemente à colocação das varas (Genesis, 163-64). Uma explicação mais aceitável é que entre o rebanho de Labão haviam várias estilos (de cor); as ovelhas brancas poderiam ter nascido de um par colorido e branco que, por sua vez, dava à luz a ovelhas coloridas. Este é um fenômeno comum entre animais não registrados, de raça não pura.

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seriam abençoados, e a promessa da sua presença e cuidado sobre ele. Jacó pode prosseguir com a garantia do pacto de Yahweh consigo.O estilo de vida de Jacó e suas atividades quando estava com a família de seu tio Labão, não refletiram uma consciência aguda e um desejo forte de ser um agente pactual fiel e servo de Yahweh.34 Jacó teve que ser confrontado diretamente por Deus; isto aconteceu em Peniel (Gn 32.22-32). Jacó buscou segurança longe da frente do seu cortejo; na verdade, ele permaneceu bem atrás, não tendo cruzado o vale do Jaboque. Na providência soberana de Yahweh, Jacó estava sozinho, não para se encontrar com Esaú a quem temia, mas para encontrar-se com seu Deus a quem deveria temer. Jacó teve um encontro face-a-face com Deus, mais provavelmente o Anjo do Senhor na aparição teofânica de um homem. A luta intensa não deu a Jacó uma vitória completa; mas ele também não foi superado. Antes, Jacó, lutando com Deus, persistiu; ele não deixou ir. E, assim, foi assegurado de que tûkal (prevaleceu). O verbo também pode significar "suportar".35 Yahweh deu a Jacó um novo nome que expressava sua prevalência com Deus: yisra'el. O nome é derivado do verbo sarâ, persistir ou perseverar, e entendido como "perseverar com Deus" (Is 28.25; Os 12.4-5). Este nome confirmava o relacionamento de Jacó com seu Deus pactual. A despeito de suas falhas com seus próximos e diante de Deus, Jacó perseverou em agarrar-se tenazmente ao seu Deus pactual. A partir de Peniel, Jacó, ao ouvir ou refletir no nome "Israel", era certificado do seu relacionamento pactual com seu Senhor.Jacó recebeu uma terceira confirmação (Gn 35.9-15). Jacó foi lembrado de que seu nome deveria ser Israel, e isto foi seguido por Deus Yahweh repetindo a confirmação do seu pacto com ele. Yahweh lhe informou de que assim como Abraão deveria conhecê-lo como 'el sadday, Jacó também deveria considerá-lo. Yahweh, como o soberano, todo suficiente, repetiu os aspectos essenciais do pacto, referindo-se à semente, nações, reis e terra.A quarta vez que Jacó ouviu a garantia de Deus Yahweh foi através de uma visão (Gn 46.2-4). Esta foi uma confirmação pactual abreviada, contudo deu segurança a Jacó. A ocasião foi o arranjo de José para ter Jacó e toda a sua família indo para o Egito durante os anos de fome. A fórmula pactual foi usada para dar segurança a Jacó: "Eu sou Deus, o Deus de seu pai" (NIV). A advertência para não temer foi seguida pelas garantias de que Jacó se tornaria uma grande nação (um elemento básico e integral do pacto) e que seria levado de volta para a terra. Jacó, ao receber esta confirmação, reuniu sua casa e possessões e foi para o Egito.Um quinto fator na interação pactual entre Deus Yahweh e Jacó foi a referência ao relacionamento com outros povos e nações. Assim como Abraão havia sido informado de que seria um canal de bênçãos a todas as nações (Gn 12.2), assim também Jacó foi informado. Foi em Betel que Yahweh repetiu este fato (Gn

3 4 Jacó revelou alguns traços de caráter positivo antes e enquanto estava com Labão. Dodds corretamente referiu-se a Jacó como apreciador do direito de primogenitura da família e exibiu constância ("Book of Genesis", 70), mas também teve a mistura de destreza e tolerância junto com persistência e tenacidade perseguidora (69). Jacó também foi submisso, de acordo com Dodds, em aceitar Lia, com quem metade da casa de Israel foi construída (seus seis filhos), e prontamente recebeu o castigo de Deus através das ações de Labão, seu sogro (77).

3 5 A raiz verbal do termo é yacôb, traduzido em vários contextos como "ser capaz", "ter poder", "prevalecer", ou "resistir" (BDB, 407).

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28.14). Yahweh disse que bekâ kal-mispehot ha'adamâ ûbezar eka (em ti, todas as famílias da terra e [em] tua semente) serão abençoadas.36 Esta promessa deve ser entendida, em última análise, como uma garantia de Yahweh de que o Salvado do mundo nasceria dentro da linhagem de seus descendentes. Mas Jacó não podia evitar esta responsabilidade. As Escrituras indicam que seu registro com relação a isto é confuso. Seu relacionamento com o parente (nações) Labão e filhos e Esaú foi tenso. A separação deles era necessária. O relacionamento de Jacó com os habitantes de Siquém foi ainda pior. Depois da corrupção de Diná por um príncipe de Siquém e do subsequente assassinato, cometido por Simeão e Levi, dos homens e saqueadores da sua comunidade, Jacó disse aos seus filhos, "vocês me trouxeram problemas" (Gn 34.30). Jacó teve que se separar, e a seus filhos, do povo ofendido da terra. O sexto e último fator na interação pactual entre Deus Yahweh e Jacó é a resposta que Jacó deu às abordagens e confirmações pactuais monergísticas soberanas. A resposta de Jacó foi considerada na discussão da sua experiência em Betel (Gn 28.10-21). Em Peniel, respondeu a Yahweh agarrando-se àquele que lutava com ele e expressando seu assombro por ainda estar vivo depois de ter estado com Deus, face a face (Gn 32.30). Jacó construiu altares assim como Abraão havia feito em resposta por estar na terra. Depois da terceira confirmação de Yahweh (Gn 35.6-13), Jacó levantou um outro pilar e o consagrou em Betel para comemorar a promessa graciosa de Yahweh a ele.Jacó fez uma bela confissão verbal a respeito da atividade soberana de Yahweh em sua vida quando abençoou os filhos de José (Gn 48.15-16). Essa confissão incluiu cinco declarações importantes: (1) Jacó clamou ao Deus que havia trazido Abraão e Isaque para caminhar com ele como seu Deus; (2) esse Deus havia sido seu pastor, toda a sua vida; Deus Yahweh o havia guiado, cuidado e abençoado; (3) esse Deus, como o Anjo que lhe havia aparecido, era seu libertador; Jacó reconhecia que havia sido misericordiosamente poupado de dano e liberto de qualquer mal iminente; (4) Jacó reconhecia Deus Yahweh como a fonte da bênção; era o desejo fervente de Jacó que o relacionamento pactual fosse operante nas vidas de Manassés e Efraim; (5) Jacó se incluiu como um patriarca pactual junto com Abraão e Isaque, e os filhos que carregavam este nome ancestral triplo eram meios para que a promessa pactual, a respeito da semente numerosa, fosse realizada.Finalmente, o pedido de Jacó para ser sepultado com a família de seu pai e avô na terra prometida (Gn 47.30), indicava que ele se considerava como um homem pactual que havia sido privilegiado em ter Deus Yahweh como seu Senhor soberano e ter sido um recipiente de todas as bênçãos, privilégios e responsabilidades pactuais.37

3 6 Notar que a forma niphal do verbo barak é usada assim como em Gn 12.1-3. Da mesma forma, a idéia reflexiva deve ser novamente considerada. Jacó foi lembrado de que deveria se conduzir de tal forma que outros que o observassem, poderiam buscar conhecer e seguir seu modo de vida diante de Deus? As nações não receberam uma obrigação de buscar bênção por elas mesmas?

3 7 Comentários de Kidner sobre Gn 47.30. Jacó transmitiu o pensamento de que quando morresse, deveria ser levado de volta a Canaã porque isto simbolizaria, não criaria, sua união ancestral. Jacó se juntou a eles antes de seu corpo ser enterrado junto com o deles (Genesis, 212).

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Jacó, um Mediador?Uma revisão da vida de Jacó leva à conclusão de que o papel mediador do filho de Abraão, Isaque, e neto, Jacó, não foi tão óbvio. É verdade que Jacó, como pai pactual, serviu como servo de Yahweh à sua família imediata. Ele foi um agente na continuação da linhagem da semente pactual. Ele foi, em um sentido fecundo, o pai de um povo numeroso que se tornaria uma nação santa e um reino de sacerdotes. Jacó também refletiu as lutas que um servo pactual teve na vida em um mundo em que as forças do reino parasita eram ambas, obviamente presentes mas também continuamente ativas em desafia-lo e sua família. Nessa situação, Jacó, embora repetidamente desviando-se, foi sustentado por Deus Yahweh, sempre chamado à obediência à vontade reta de Yahweh e à submissão ao governo justo de Yahweh. Jacó foi chamado a viver uma vida de confiança completa e total garantia de que as promessas graciosas de Yahweh seriam, certamente, cumpridas.Jacó serviu como um mediador pactual no papel profético (Gn 48-49). Ele falou em nome de Deus Yahweh quando se dirigiu a seus dois netos e seus doze filhos a respeito do papel deles na vida da nação que iria surgir deles.Embora o aspecto mediador do cordão dourado não tenha sido tão proeminente como na vida e trabalho de Abraão, estava, contudo, presente. Jacó serviu como um elo mediador entre seus ancestrais e sua progenitura. O papel de Jacó deve ser visto como particularmente importante na medida em que foi instrumental no surgimento e serviço de um dos mais excelentes mediadores do Antigo Testamento, que serviu preeminentemente como um tipo de Cristo, a saber, José.

Judá-José

Revelação a Jacó e a Seus Filhos e Através DelesUma leitura casual de Gênesis 37-50 poderia nos levar a concluir que este material é, basicamente, uma narrativa sobre os filhos de Jacó. O herói central é José, alguns dos irmãos tem papéis variados, e o pai Jacó permanece com um caráter importante porque muito do que cada filho faz, é relevante para ele. Enquanto é verdadeiro que parte do material poderia ser considerado biográfico e/ou narrativo,38 a revelação de Yahweh está encaixada neste relato de Jacó e sua família. Consequentemente, o material deveria ser considerado história profética, história com uma mensagem de Yahweh. E esta mensagem apresenta uma continuação do modo como o cordão dourado--reino cósmico de Yahweh, seu pacto, e o ofício mediatorial--continua a ser revelado às personalidades, e através delas, neste relato bíblico.3 8 "Narrative theology", tendo se tornado bastante aceitável nos últimos vinte anos, tem retratado as histórias

na Bíblia. Estas histórias, de acordo com Alister E. McGrath, podem ser consideradas "A Biografia de Deus" e podem moldar nossas vidas (Christianity Today [July 22, 1991]: 22). Vários autores como Shermon Bar-Efrat apresentaram uma discussão sobre a narrativa bíblica a partir de uma perspectiva literária distinta. Ver o seu Narrative Art in the Bible, trad. Dorothea Shefer-Vanson (Worcester: Sheffield, 1989). Clark Pinnock partiu do que considera como tendo valor teológico na narrativa teológica. Ver Tracking the Maze: Finding Our Way Through Modern Theology from an Evangelical Perspective (San Francisco: Harper & Row, 1990). McGrath comentou que a designação "teólogos narrativos" não tem ganho aceitação geral, mas a teologia narrativa está tendo um impacto. McGrath mostrou vantagens possíveis mas também indicou que, como é basicamente uma atividade literária, a histórica e teológica (mensagem do evangelho) são facilmente desprezadas.

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Uma consideração inicial sobre os inter-relacionamentos e interações entre os doze irmãos proverão um palco útil para a consideração dos três fios do cordão dourado.Gênesis 37.1 registra que Jacó havia se estabelecido na terra de Canaã onde seu pai havia vivido. O palco, então, está dentro da terra designada prometida. O versículo 2 registra que o que se segue é o toledôt (relato) de Jacó. Estas declarações são precedidas pelas duas referências aos parentes de Jacó. Isaque havia morrido e sido sepultado (Gn 35.27-29). Esaú (seu toledôt foi dado) casou-se, tornou-se rico, teve descendência e se mudou por estar perto de Jacó (Gn 36.1-43). Consequentemente, com a partida de Isaque e Esaú, a atenção deve estar sobre Jacó e sua família vivendo na terra prometida a Abraão, Isaque e Jacó. Então, embora o Egito produza o palco para uma boa parte do relato, o cumprimento das promessas pactuais de Deus Yahweh com relação à semente, terra e relacionamento com as nações formam a tela de fundo teológica do que é apresentado a respeito da família de Jacó e das interações de Yahweh com ela.A primeira referência à interação entre os membros da família é a José, que é destacado como mais amado do que os outros e tratado de acordo com isto (Gn 37.2-3). Ele deu o "mau relatório" (NIV) sobre seus irmãos mais velhos a seu pai. Estes três fatores causaram ressentimento. Os sonhos de José, no qual recebeu lampejos de sua futura dignidade e autoridade reais, causaram ciúme entre os irmãos quando José, ingenuamente, contou a eles seus sonhos (Gn 37.5-11). Este ressentimento, fortalecido pelo ciúme, foi uma influência dominante dentro das experiências do grupo familiar.39 Sob a liderança providencial de Yahweh, isto serviu para o cumprimento do propósito de Yahweh, a saber, o desenvolvimento da família de Jacó em uma nação dentro dos limites protetores das fronteiras egípcias (Gn 50.19-20). Enquanto o ressentimento e ciúme dos irmãos eram desabafados na venda de José aos mercadores de Midiã (Gn 37.28), Rúben e Judá apresentaram-se como protetores da vida. A intenção de Rúben em devolver José a seu pai foi frustrada pela sugestão de Judá em vender José. Ambos desejavam poupar a vida de José; Rúben estava mais ansioso do que Judá quanto à paz de seu pai Jacó. Ele lembrou a seus irmãos disto quando foram confrontados por José no palácio no Egito (Gn 42.22). Rúben também garantiu a seu pai quanto ao retorno seguro de Benjamim quando José exigiu encontrar-se com seu único irmão materno (Gn 42.37). Simeão entrou na narrativa somente quando José o tomou como refém para assegurar-se do retorno dos irmãos com Benjamin. José, indubitavelmente, lembrava-se de que Simeão era o mais velho dos irmãos presentes quando foi vendido aos Midianitas. Rúben, em tempo, porém, não recebeu a porção dupla envolvida no direito de primogenitura, nem foi o escolhido por Yahweh para ser o continuador da linhagem da semente. Suas tentativas em ser misericordioso, tanto com José quanto com seu pai, não removeram o estigma do incesto que havia cometido contra seu pai (Gn 35.21; 49.21).Enquanto as experiências da família de Jacó eram reveladas, Judá e José eram os canais de bênçãos pactuais escolhidos por Yahweh. A escolha de Judá Gn

3 9 Hirsch chamou a atenção ao fato de que os irmãos odiavam José porque acreditavam que poderiam reconhecer seus pensamentos e planos mas não o temiam porque não acreditavam que estes pudessem se realizar (Pentateuch, 544).

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49.8-120 foi, de fato, uma surpresa para Jacó.40 Judá também era culpado de conduta sexual imprópria dentro de sua família estendida. Sua nora foi engravidada por ele (Gn 38).41 Esta conduta imprópria aconteceu dentro do contexto da conduta imprópria dos filhos de Judá e da recusa em cuidar de Tamar, uma nora e cunhada enviuvada pelo castigo de Yahweh a seu marido Er, filho de Judá. Em contraste com as aberrações sexuais da família de Judá, José, quando instigado pela mulher de Potifar, recusou-se a se desonrar e à esposa de seu mestre, a trair seu mestre Potifar e a pecar contra Deus (Gn 39.8-10). José provou ter uma caráter forte em circunstâncias adversas enquanto Judá foi culpado de conduta adversa no ambiente de sua terra natal. No entanto, ambos foram escolhidos por Yahweh para servirem como seus agentes pactuais dentro do seu reino--José como um tipo do Messias e Judá como o ancestral.42

No relato das experiências dos filhos de Jacó, no qual José tem um papel dominante, Judá, um menos dominante e Rúben, Simeão e Benjamin, distintos papéis menores, Jacó, embora freqüentemente mantido em segundo plano, permanece como uma caráter dominante. Ele mostrou favoritismo, uma causa para a rivalidade familiar; disse aos seus filhos para irem ao Egito (Gn 42.1-2); protegeu a Benjamin (Gn 42.4) e buscou mantê-lo em sua companhia (Gn 43.1-14). Ele não deixou sua terra herdada até que Yahweh lhe garantiu sobre o seu retorno (Gn 46.3-7). Em todas estas experiências, Jacó, expressando-se como um pai preocupado com uma família estendida em condições de fome e excessivamente preocupado com seu filho mais novo, é providencialmente usado por Yahweh na direção do curso dos eventos em Canaã e também no Egito.

A Administração Pactual do Reino de YahwehO termo berît não aparece em Gênesis 37-50. Nem existe qualquer referência direta ao reino de Deus ou a Deus Yahweh reinando sobre seu reino cósmico. No entanto, é necessário, para se entender o que aconteceu nas vidas de Jacó e sua descendência, manter claro o foco sobre o pacto de Yahweh com seu povo dentro do contexto do seu governo soberano sobre seu reino. É nesta passagem estendida que Deus Yahweh revela o modo como ele administra pactualmente seu reinado soberano sobre os povos, nações e natureza. De todo o contexto de Gênesis 9.25 a Êxodo 24.18, aprendemos que Deus Yahweh elegeu certos indivíduos para servirem em papéis particulares, como seus vice-gerentes pactuais, para que a promessa aos patriarcas, de que uma semente numerosa se originaria deles, pudesse ser cumprida. Esta semente se tornaria nações; e uma deveria se desenvolver, ser formada e servir como nação escolhida de Yahweh entre as nações e canal de bênção a elas. Esta nação a ser formada, deveria servir de uma maneira ímpar para simbolizar, refletir, tipificar e servir o sempre presente reino cósmico de Yahweh.

4 0 Messianic Revelation, 17-71 (Revelação Messiânica, LPC).

4 1 Skinner é representante dos que não consideram o relato de Judá em Gênesis 38 como parte da "história de José" (Genesis, 450). Contudo, é um aspecto integral de todo o relato. Speiser também pensa assim: "a narrativa é uma unidade completamente independente" (Genesis, 299). Young ho Kim, em sua tese Th.M. "The Joseph Narrative: Judah's Role" (Covenant Theological Seminary, 1991), fez um bom relato da unidade da narrativa de José.

4 2 Messianic Revelation, 153, 176-79 (Revelação Messiânica, LPC).

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Enquanto Deus Yahweh administrava seu governo do reino de acordo com o seu pacto e através dele, as dimensões espiritual e redentora desse permaneceram fortemente como um fator dominante. O pacto de Yahweh continuou a ser ambos, redentor e administrativo em caráter, serviço e propósito. Isto pode ser prontamente visto e entendido quando os três mandatos pactuais, o espiritual, social e cultural, chegam à expressão na passagem sob estudo.Primeiramente, deve ser dada consideração ao mandato espiritual. Considerando que o Sábado e a adoração cúltica estão integralmente envolvidas neste mandato,43 esses não são citados nessa passagem. A adoração a Yahweh pode ser inferida somente do que é dito, acreditado e confiado no contexto do relacionamento entre Deus Yahweh e os personagens envolvidos.José, particularmente, expressou sua percepção do envolvimento pessoal direto de Deus Yahweh em sua vida; e repetidamente deu expressão ao vínculo espiritual vibrante--o relacionamento pactual de amor e vida--entre Deus Yahweh e si mesmo. O escritor bíblico citou este relacionamento quando sumariou as experiências iniciais de José no Egito. José, tendo resistido aos avanços sexuais da esposa de Potifar, pode dizer que não pecaria contra Deus consentindo em fazer a ação viciosa que era desejada dele (Gn 39.9).44 Falsamente acusado e aprisionado erroneamente,45 não foi desamparado por Yahweh, uma vez que as Escrituras referem-se ao vínculo pactual de amor firmemente sustentado entre Yahweh e José. A fórmula pactual dá expressão a isto: wayehî yehwâ 'et-yôsep (e Yahweh estava com José, Gn 39.21). Yahweh mostrou-lhe hesed (fidelidade pactual) e lhe deu hinnô (graça ou favor) aos olhos do encarregado da prisão. José deu testemunho claro da presença de Yahweh, da graça sustentadora e da capacitação quando informou ao copeiro (Gn 40.8) e a Faraó (Gn 41.16) de que somente Deus podia interpretar os sonhos mas que esta interpretação poderia ocorrer através do seu representante pactual fiel. Tendo declarado isto, José deu uma interpretação adequada dos sonhos. Estas interpretações deram honra a José em tempo. Mais importante, elas foram fatores cruciais na seqüência de eventos que foram sendo dirigidos divinamente para cumprir os propósitos de Yahweh (Gn 41.25, 28, 32, 39). José reconheceu o envolvimento direto de

4 3 O. Palmer Robertson, The Christ of the Covenants (Phillipsburg: Presbyterian & Reformed, 1980), 68-74 (O Cristo dos Pactos, LPC).

4 4 Ver os comentários pertinentes de Kidner: "ao dar à proposta o nome correto de maldade (9) ele fez da verdade um aliado, e relatando tudo a Deu (9c), arraigou sua lealdade a seu mestre em uma profundidade suficiente para suportar" (Genesis, 190).

4 5 Speiser sugeriu que o castigo de José (prisão) foi moderado uma vez que no antigo Oriente Próx243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243243

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Yahweh na sua vida e atividades no Egito quando ele deu o nome a seus filhos "Meu Deus tem me feito esquecer meus problemas" (Manassés) e "Deus tem me feito frutífero" (Efraim) (Gn 41.51-52). Ele repetiu sua percepção de que Deus estava lhe dando descendência pactual quando falou a seu pai: "estes são os filhos que Deus me deu aqui" (Gn 48.9).José era ciente do caráter gracioso e soberano do reino de Yahweh administrado pactualmente. Ele deu expressão à esta percepção quando encontrou seu próprio irmão (por parte de pai e mãe) pela primeira vez: 'elohîm yahneka (Deus seja ou é gracioso com você) (Gn 43.29). O caráter gracioso, providencial e soberano de Yahweh foi expresso duas vezes por José quando comunicou-se com seus irmãos em ocasiões diferentes. Ele queria que seus irmãos reconhecessem a provisão graciosa de Deus Yahweh para eles, quando estes estavam preocupados por causa da prata que estava em seus sacos, com a qual haviam pago o grão, quando estavam retornando de comprá-lo uma segunda vez. Embora José houvesse ordenado essa devolução da prata e seu mordomo tivesse cumprido esta ordem, ele mandou seu mordomo dizer-lhes que o Deus deles e de seus pais havia provido os tesouros nos sacos. Mais tarde, quando José se fez conhecido a seus irmãos, deu um testemunho bonito a respeito do governo providencial e gracioso de Deus Yahweh sobre suas vidas. Reconhecendo o ciúme, ira e pecado insensível de seus irmãos ao vendê-lo, Deus Yahweh prevaleceu sobre o pecado e, através desse feito de seus irmãos, o enviou ao Egito para preservar o povo pactual (Gn 45.7-8; 50.18-20).É neste reconhecimento repetido da percepção de José da razão pela qual foi vendido pelos irmãos e enviado por Deus ao Egito que ele foi usado por Deus Yahweh para ensinar a seus irmãos e a todos os leitores das Escrituras, que Deus Yahweh trabalha dentro do curso da história nas vidas de pessoas pecaminosas e falíveis, e através delas.46 José entendia, assim como qualquer pessoa da qual a Bíblia fala, que Deus Yahweh considera e usa as próprias atitudes e feitos pecaminosos do seu povo pactual, pelos quais são considerados totalmente responsáveis e, simultaneamente, cumpre graciosa e soberanamente seus propósitos do reino através dessas emoções, decisões e atividades pecaminosas.Enquanto José deu expressão repetida à sua percepção, crença e confiança em Deus Yahweh e a sua prontidão em reconhecer o seu controle soberano sobre todos os eventos em sua vida, seus irmãos também deram testemunho desta percepção de Deus Yahweh ordenando e dirigindo suas vidas. No seu primeiro encontro com José, depois deste ter declarado que, temendo a Deus, os deixaria retornar com comida para seu pai (Gn 42.18), exceto a Simeão, os irmãos,

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também tendo visto Simeão ser levado para a prisão, disseram em temor, "O que é isto que Deus fez a nós?" (Gn 42.48 NIV). Eles se lembraram do que haviam feito a José; refletiram no modo como haviam lhe causado angústia e estavam agora, possivelmente, colhendo sua recompensa. Mas esta "recompensa" foi considerada como um ato de Deus. Consequentemente, eles não estavam mortos espiritualmente; eles reconheceram que estavam nas mãos de seu Deus e que seu Deus estava lidando com eles. É registrado que Jacó estava em uma relação espiritual e comunhão com seu Deus pactual. Deus Yahweh havia lhe assegurado de que a ida ao Egito era, na verdade, uma parte integral do seu reino administrado pactualmente. Jacó deveria ir ao Egito uma vez que lá, ele e sua descendência deveriam se tornar uma grande nação (Gn 46.1-4). Assim, assegurado de que Yahweh estava mantendo o pacto, Jacó guiou seus "filhos...toda a sua descendência" ao Egito (Gn 46.5-27). Jacó também deu um testemunho positivo a respeito do relacionamento espiritual dinâmico entre si mesmo e o Senhor pactual quando abençoou os filhos de José. Ele falou do Deus de seus pais, que havia sido seu pastor e libertador e que, Ele apenas, era a fonte da bênção para seus netos (Gn 48.15-16). Nas bênçãos proféticas pronunciadas sobre seus filhos, esse testemunho foi repetido de forma enfática (Gn 49.18, 22-26).José, os irmãos, e seu pai Jacó testificaram e profetizaram a respeito da comunhão espiritual que surgiu do vínculo pactual de vida e amor que Yahweh mantinha com eles. Através destas formas de expressão dos servos pactuais, a fidelidade de Yahweh a seu pacto foi revelada assim como também os benefícios que os servos pactuais receberam a partir e através dele.Em segundo lugar, consideração deve ser dada ao mandato social. Esse mandato refere-se ao relacionamento e interação entre as pessoas que estão incluídas no pacto cósmico/redentor de Yahweh. Este mandato inclui o casamento e a formação de famílias (ser frutífero e multiplicar). Também inclui a obediência à vontade de Deus Yahweh em todas as interações humanas. Finalmente, de grande importância para a execução obediente desse mandato, era a construção e treinamento da semente pactual. Da mera menção de várias facetas do mandato social, pode-se deduzir que tinha uma importância vital na administração do reino cósmico de Yahweh e no cumprimento das promessas de redenção através da semente da mulher e sucessivos portadores escolhidos da linhagem da semente.A leitura de Gênesis 37-50 coloca diante de nós muito da vida familiar e envolvimentos sociais de Jacó e seus filhos. Os relacionamentos foram tensos entre pai e filhos por causa do favoritismo por José (Gn 37.3-4). Os relacionamentos entre os irmãos foram igualmente tensos. Isto levou à fragmentação da família. José foi vendido ao Egito. O pai Jacó, enganado por seus filhos (Gn 37.31-35), pranteou seu filho, recusando conforto. O casamento e a família de Judá não eram, de forma alguma, exemplares; considere as atividades sexuais de seus filhos Er e Onã e a estratagema de sua nora Tamar, na qual Judá caiu (Gn 38.1-16). O casamento de José com a filha de um sacerdote egípcio não tirou José da sua devoção a Yahweh (Gn 41.44-52). Cada um dos irmãos de José teve famílias e os membros destas foram contados como descendência pactual, da qual a nação prometida seria desenvolvida.

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O vínculo familiar, tenso como havia sido e quebrado pela separação, provou ser o meio pelo qual Jacó, seus filhos, e suas famílias foram poupados da miséria da fome na sua própria terra e providos, por um tempo, no Egito. Na verdade, foi a preocupação louvável de José com seu pai, Benjamin e seus outros irmãos que provaram ser uma força influente no reagrupamento da família no Egito e sua habilidade para prosperar e se tornar numerosa (Gn 42-47).Apesar das falhas e aberrações por parte de Jacó e seus filhos, Deus Yahweh preservou a família e, providencialmente, a guiou para uma área (Gósen, Gn 46.31-47.12) onde estaria protegida e prosperaria, eventualmente tornando-se o povo numeroso que Yahweh havia garantido a Abraão que sua descendência se tornaria (Gn 15.1-6). Na vida de Jacó e de seus filhos, então, Yahweh revelou o papel importante que uma família frutífera tem no cumprimento das promessas pactuais, na realização dos propósitos do seu reino cósmico.Inseparável e entrelaçado integralmente com os mandatos social e de comunhão/espiritual, está o mandato cultural. Os dois primeiros foram obedecidos e cumpridos na experiência histórica, dia a dia. Foi dentro do processo histórico e com um envolvimento nos processos e eventos culturais daquele tempo que Jacó, José e os irmãos foram, providencialmente, levados a servir o plano do reino cósmico de Yahweh, administrado pactualmente.O mandato cultural envolve o relacionamento das pessoas pactuais com o cosmos e seus aspectos naturais, os assuntos diários do povo em política, economia, comércio e artes, e não menos do que todas as possessões pessoais e os esforços expendidos na aquisição destas. Na passagem diante de nós, o relato começa em um ambiente pastoral. O pai Jacó manteve em casa seu filho preferido enquanto os irmãos mais velhos percorriam várias áreas a fim de apascentar seus rebanhos. José, enviado a eles para indagar sobre seu bem-estar, foi vendido como escravo a mercadores viajantes. Então, foi vendido para o trabalho escravo na casa de um oficial real no Egito. Humilhado e sem dinheiro, todavia recebeu experiência em um ambiente nobre e rico. A esposa do oficial tinha moral vaga e desejos culturais, e sua falsa acusação levou à prisão de José (Gn 39.1-20). Neste ambiente incomum, José recebeu experiência ao lidar com os servos da realeza, para quem interpretou sonhos (Gn 40). Este fenômeno, por sua vez, levou José à presença de Faraó, a quem interpretou corretamente dois sonhos que tinham uma mensagem drástica para a economia, comércio e sustento geral do Egito (Gn 41). Sua interpretação correta, dada por Deus, o levou a uma posição de poder e influência no Egito (Gn 41.41-57). A fome em Canaã afetou Jacó e o sustento da sua família e os levou ao Egito, onde José havia sido designado para coletar e armazenar comida (Gn 42-44). No cenário da fome de Canaã, dos armazéns repletos do Egito, da posição e autoridade real de José, Yahweh, providencialmente, guiou e dirigiu os assuntos do seu pacto a fim de que fossem unidos como uma família e pudessem se desenvolver em nação dentro do "ventre da mãe Egito" onde o vice-gerente pactual gozava de grande respeito, autoridade e influência (Gn 45-47).José, quando confrontado por seus irmãos que temiam ser castigados por ele depois da morte de seu pai, foi enfático em dar todo o reconhecimento do desígnio sábio do seu Deus pactual e dos eventos inesperados, porém bem executados dentro da esfera cultural de suas vidas. Os irmãos, Jacó e José, todos tiveram

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seus papéis a assumirem e executarem dentro da matriz ou crisol das experiências e eventos humanos históricos, naturais e nacionais. Assim, enquanto o processo histórico se desdobrava, os servos pactuais envolvidos na vida e serviço dentro dos parâmetros dos mandatos espiritual, social e cultural e contextos destes, cumpriram, de boa vontade ou não, obedientemente ou não, confiantemente ou não, temerosa ou alegremente, a vontade do seu Senhor soberano pactual.Dois fios do cordão dourado--o governo do reino cósmico de Yahweh e seu relacionamento e método pactuais--são inextricavelmente entrelaçados nas vidas de Jacó, José e dos outros filhos. Sob este governo do reino de Deus Yahweh, uma nação poderosa (Egito) foi conduzida para o serviço de uma comunidade pactual, capacitando-a a ser preservada, protegida, abençoada e desenvolvida em um povo numeroso, pronto para ser transformado em uma nação (Ex 19).

O MEDIADOR PACTUAL

O terceiro fio do cordão dourado, que serve para unir toda a Escritura, é a idéia do mediador e seu serviço. Três pessoas em Gênesis 26-50 se colocaram como servos em uma qualidade mediatória: José, Jacó e Judá.47

José, particularmente, serviu em uma qualidade mediatória. Ele fez isto tipologicamente (com referência ao futuro) mas representava Deus Yahweh quando vivia e servia. Suas experiências humilhantes, sendo vendido e preso, e sua ascensão ao poder, fama e glória são especificamente tipos. Mas seu serviço efetivo na prisão, no palácio de Faraó, Egito e nações vizinhas foram uma evidência direta do fato de ser um representante e servo de Deus Yahweh, Rei sobre todas as dimensões vida familiar, pública, nacional e internacional.48

Jacó também serviu em uma qualidade mediatória, particularmente em sua atividade profética. As profecias a respeito dos filhos de José (Gn 48.15-16) e dos seus doze filhos, realçaram esta obra profética de Jacó. O aspecto profético em sua vida também deve ser visto no fato de ter recebido revelação de Deus Yahweh (Gn 28.13-15; 31.3; 32.28-32; 35.10-12; 46.2-4), assim como seu avô Abraão havia recebido e sido referido como um profeta (Gn 20.7).Judá também teve um papel mediatório. Na sua vida, deu alguns lampejos disto: aconselhou seus irmãos a não derramarem o sangue de José (Gn 37.26); implorou pela liberdade de Benjamin (Gn 44.16-32); ofereceu-se como um substituto para o mesmo (Gn 44.33-34). O papel mediatório real de Judá chegaria a uma expressão no futuro. Jacó, indicando surpresa (Gn 49.8a), profetizou que Judá exerceria poder régio e influência e seria uma fonte de bênçãos às nações (Gn 49.8-12).49 Esta profecia teve seu cumprimento inicial no reinado de Davi. A vida e reinado de Davi, por sua vez, foram tipos analogicamente do mais pleno e completo cumprimento, a saber, o Senhorio de Jesus Cristo, descendente de ambos, Davi e Judá.

4 7 Ver Messianic Revelation, 146-85 (Revelação Messiânica, LPC).

4 8 Ibid., 153, 165-67.

4 9 Ibid., 167-79.

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História e Escatologia

O Processo HistóricoO período de tempo desde o nascimento de Isaque, quando Abraão tinha 100 anos de idade (Gn 21.5), até a morte de José no Egito com a idade de 110 anos (Gn 50.26), é, aproximadamente, 200 anos.50 Durante estes dois séculos, vários eventos importantes aconteceram. Jacó teve que fugir de sua casa e terra prometida. Ele formou uma família e adquiriu possessões em uma terra estrangeira mas retornou à sua terra natal e de seu pai. De lá, José foi enviado ao Egito, tornou-se famoso e exerceu prerrogativas régias para vantagem de Jacó e sua família, que experimentavam uma fome na sua terra. Jacó e sua família estabeleceram-se eventualmente em Gósen, uma área fértil do Egito. Jacó e filhos, assim, tiveram uma exposição internacional vasta, do norte da Síria, através de Canaã, até o norte do Egito. Interagiram com povos de Harã, com Esaú e seu povo, com os Cananeus (habitantes de Siquém), e com a realeza Egípcia. Dentro desta experiência histórica de viagem, exposição internacional e interação, a família patriarcal, a despeito da ida precoce de José para o Egito, permaneceu uma família unida. A semente pactual era uma comunidade que Deus Yahweh preservou por mais de 200 anos a despeito das muitas falhas humanas, aberrações e atitudes e ações pecaminosas inequívocas cometidas com o grupo familiar.Assim, desde a família de Isaque e Rebeca, sobre um período de dois séculos, duas comunidades de pessoas surgiram e se desenvolveram. Esaú e seus descendentes, deslocados para Seir, tornaram-se a comunidade Edomita e, eventualmente, a nação de Edom. Jacó e seus descendentes, deslocados para o Egito, tornaram-se ali uma comunidade distinta. Depois do êxodo do Egito eles se tornaram a nação de Israel. Dentro deste processo histórico, indivíduos tiveram seus papéis, tomaram suas decisões e realizaram atividades sendo que, por todas elas, foram considerados responsáveis. Deus Yahweh, no entanto, estava dirigindo soberanamente e controlando as vidas individuais e públicas (Gn 50.19-20).51

O Progresso EscatológicoNenhuma das personalidades no relato, determinou o curso dos eventos, muito menos as metas das suas experiências de vida. É verdade que Jacó estava preocupado com sua família e fu24824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824824

5 0 Considere: Isaque tinha 60 anos de idade quando Jacó nasceu (Gn 25.26). Jacó viveu 147 anos (Gn 47.28). Jacó, podemos assumir, tinha aproximadamente 40 ou 50 anos de idade quando José nasceu. José viveu 110 anos. Assim, existe uma extensão de tempo de 210 a 220 anos.

5 1 Kline estava certamente correto em declarar que o pacto de Yahweh com os patriarcas foi o meio administrativo do seu reino ("Kingdom Prologue", 203).

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Na revelação do programa do reino de Yahweh administrado pactualmente, o pacto da criação e o redentor eram inseparáveis. O pacto da criação provou ser o contexto mais vasto dentro do qual, o pacto redentor atuava. Yahweh estava salvando seu povo e o preparando para os propósitos redentores futuros, mas fez isto enquanto seu pacto da criação atuava, particularmente, nas esferas natural (suprimento de comida e riqueza), política (posição real de José) e comercial (venda de José como um escravo e negociação de comida estocada) da vida.Finalmente, Jacó, como um porta voz de Deus Yahweh, revelou alguns fatores importantes que deveriam abrir-se em uma revelação adicional de Yahweh de seu

5 2 Kline notou que os estudiosos que advogam uma escatologia dispensacionalista "moderaram" a presença e a revelação do reino de Yahweh na sua discussão sobre os patriarcas (ibid., 230). Uma exceção que pode ser notada é Dwight Pentecost, Thy Kingdom Come (Wheaton: Victor, 1990). Ver seu capítulo 6, intitulado "The Kingdom Program Through the Patriarchs" (65-71). Pentecost, no entanto, limita o conceito de reino, primariamente, à linhagem da semente real. Ele não inclui as idéias bíblicas de reino como incluindo o cosmos e o reinado absoluto de Yahweh sobre ele, desde a criação até a eternidade. Fica também bastante óbvio que Pentecost considera quaisquer indicações do reino no tempo dos patriarcas como elementos incipientes do reino Israelita (70.71).

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plano escatológico. José, através de seus dois filhos, deveria receber a porção dupla da primogenitura (Gn 48.5), mas Judá seria o real, aquele através de quem a salvação, retidão e justiça se tornariam completamente realizadas.

11 O Ambiente Egípcio Êxodo 1.1-18.27

I. O Cordão Dourado Fortalecido--Ex 1.1-4.31A. A Presença dos Três FiosB. O Desafio Egípcio Inicial ao Reinado e Pacto de YahwehC. A Preparação do Mediador

II. Os Poderes Antitéticos no Egito--Ex 5.1-10.29A. O Desafio de Faraó a Deus YahwehB. O Desafio de Deus Yahweh a Faraó

III. Redenção Realizada--Ex 11.1-18.27A. A Necessidade da MorteB. A Libertação ExperimentadaC. A Manifestação da Realeza SoberanaD. Um Passo Rumo à Consumação

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11 O Ambiente EgípcioÊxodo 1.1-18.27

Neste capítulo, será discutida a revelação registrada em Êxodo 1.1-18.27.1 Os temas centrais que serão considerados devem ser vistos em seu ambiente egípcio. Deus Yahweh tinha, providencialmente, levado Jacó e sua família para o Egito. Lá, Deus Yahweh se lembrou de seu pacto e demonstrou seu senhorio majestoso e soberano sobre seu reino cósmico, sobre o Egito e sobre a semente numerosa dos patriarcas.

O Cordão Dourado Fortalecido--Ex 1.1-4.31Os temas unificadores--reino, pacto e mediador--continuam sendo os fatores dominantes da auto-revelação de Deus Yahweh e no seu comportamento com Israel, assim também como com o Egito. Deve ser mostrado imediatamente, no entanto, que uma referência direta ao pacto de Yahweh com a semente de Abraão, não é feita muito freqüentemente. Mas o pacto estava atuando em seus aspectos criacionais e redentores. O reino, nem em sua dimensão cósmica, nem o que deverá ser seu símbolo nacional, tipo e representação terrena, o reino de Israel, é citado diretamente. Mas o conceito de reino está presente. O Egito era um reino, no qual José atuou regiamente por um tempo e no qual o governo satânico era dominante. Mas o Egito e o governo satânico estavam, ambos, sob o governo controlador de Deus, o Rei cósmico. O conceito de mediador, como tal, também não é citado. No entanto, torna-se um fator dominante na preparação, 1 Duas questões literárias, importantes como são, não serão discutidas neste contexto. A primeira questão

lida com a autoria de Êxodo. No cap. 4, discuti a autoria do Pentateuco e apresentei o caso bíblico de Moisés como o autor, inspirado pelo Espírito de Deus. Aprecio a declaração cândida de Brevard Childs: "Estou completamente ciente dos riscos envolvidos quando alguém se separa das fronteiras seguras e bem garantidas) que os canons do conhecimento crítico histórico tem considerado como evidentes por si mesmas e, talvez, sacrossantas". Tendo escrito que, depois de ter expressado primeiramente sua visão de que sentia-se induzido a abordar a interpretação da Bíblia de forma diferente do que a maioria dos estudiosos, ele, todavia, caminhou para aceitar a visão de que editores trabalharam com várias tradições para dar expressão ao que a comunidade crente acreditava. Ver The Book of Exodus (Philadelphia: Westminster, 1974), ix, x, xiii, 7-14. Para uma discussão de Moisés como, pelo menos, um autor substancial de Êxodo, ver Roland K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1969), 567-75.

A segunda questão diz respeito à relação do livro de Êxodo ao livro de Gênesis. Harrison corretamente observou que Êxodo serve como um elo de conexão entre Gênesis e o material legislativo subsequente do Pentateuco (Introduction to the Old Testament, 566). Esta visão caminha na direção contrária às várias visões críticas como a de Julius Wellhausen. Ver L. Perlitt que em seu livro Die Bundestheologie im Alten Testament, apresenta a visão de que a idéia de pacto surgiu mais tarde, depois da escola de Deuteronômio ter sido introduzida. Ver Brevard S. Childs, Introduciton to the Old Testament as Scripture (Philadelphia: Fortress, 1979), 169. Se fosse o caso de que o conceito de pacto tivesse surgido posteriormente nas mentes dos pensadores de Israel, então não poderia servir como um elo teológico essencial entre as experiências patriarcais e as experiências de um Israel nascente no Egito e no deserto. R. Alan Cole expôs a solução para a questão a respeito da relação entre Êxodo e Gênesis como se segue: "O 'e' inicial encontrado no hebraico deixa claro que Êxodo não é um livro novo mas, simplesmente, uma continuação da história de Gênesis" (Exodus: An Introduction and Commentary [Downers Grove: IVP, 1973], 53).

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vida e serviço de Moisés.2 Antes de um estudo teológico ser feito do que transpirava de fato no Egito, nos concentraremos brevemente, mas de forma específica, nos três fios do cordão dourado.

A Presença dos Três FiosO livro de Êxodo apresenta os três fios tecidos juntos, e exibe sua própria unidade através deles. Não existe base para defender a hipótese de que várias partes de Êxodo vieram de fontes diferentes e foram colocadas juntas por um editor que viveu e trabalhou séculos depois da morte de Moisés.3 Na verdade, os três conceitos tecidos conjuntamente exibem a continuidade do governo providencial e soberano de Deus Yahweh como Senhor do reino cósmico enquanto cumpre e revela seu pacto através de um mediador chamado e designado. Embora os três fios estejam tecidos de forma entrelaçada, serão considerados individualmente; o relacionamento de cada um aos outros será incluído em cada caso.Começaremos com uma consideração sobre o pacto. O conceito de pacto é considerado por muitos como sendo o mais importante no livro de Êxodo. Walther Eichrodt esforçou-se para trazer isto à atenção do mundo dos estudiosos do Antigo Testamento. O problema com a apresentação de Eichrodt é que ele apresenta a idéia de pacto como surgindo das mentes pensantes e corações crentes dos israelitas em uma consideração sobre sua experiência histórica ímpar no Egito, sobre o deserto e a terra que ocuparam.4

O termo berît ocorre três vezes em Êxodo 1.1-15.21. Cada uma das vezes, o pacto é citado como sendo de Yahweh (Ex 2.24--berîtô, seu pacto; Ex 6.4 e 6.5--berîtî, meu pacto) e este pacto de Yahweh é ittam (com eles), com Abraão, Isaque e Jacó. Na primeira instância, o pacto é citado quando Deus Yahweh iniciou suas atividades redentoras em favor da descendência dos patriarcas. A segunda instância registra as palavras de Yahweh enquanto garante a Moisés, o mediador, que seu pacto com os patriarcas é a razão básica pela qual ele, Yahweh, de fato, "tirará os israelitas de sob o jugo dos egípcios" (Ex 6.6).

2 Neste livro, Moisés, como mediador do pacto e vice-gerente de Deus Yahweh, não será estudado em profundidade. Isto foi feito no meu livro prévio, Messianic Revelation in the Old Testament (Grand Rapids: Baker, 1990), 189-253 (Revelação Messiânica no Velho Testemento, LPC). Ver esp. 253, onde é dito no sumário, "Moisés foi um mediador messiânico no velho pacto. Ele cumpriu as três principais funções...profeta, sacerdote e rei".

3 Ver, por exemplo, as declarações de Martin Noth: "A forma final apresentada do livro de Êxodo...tem sido declarada como o resultado de um processo muito complicado envolvendo a evolução das tradições assim como desenvolvimento literário...Temos aqui a fonte do escritor de ...J, ...E, e ...P". Noth considera as narrativas que relatam o êxodo, a caminhada pelo deserto e os eventos do Siani como narrativas separadas e que os aspectos da lei são fixados "muito vagamente ao seu contexto para mostrar qualquer sinal de ter pertencido a uma das fontes narrativas". Ver Exodus: A Commentary, trad. J. S. Bowden (London: SCM, 1961), 12-17.

4 Walther Eichrodt, Theology of the Old Testament, trad. J. A. Baker (Philadelphia: Westminster, 1961), 1:36-45. Outro problema sério com a elaboração de Eichrodt sobre o pacto em Êxodo é que ele acredita que os editores bíblicos estenderam "aos patriarcas, a base histórica do relacionamento pactual de Israel e fizeram disto, a uma certa extensão, um rival do pacto Mosaico" (49). Para Eichrodt, então, não existe, na verdade, razão para acreditar que Yahweh realmente pactuou com os patriarcas e que o pacto feito com eles é uma fator histórico poderoso que une os relatos dos patriarcas em Gênesis com as experiências de Israel no Egito, no deserto e na terra prometida de Canaã.

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Como em outros contextos,5 pode-se discernir a presença do pacto como um tema principal das referências a vários elementos que são apresentados.Em primeiro lugar devemos observar a fórmula pactual central: Eu sou o Senhor (Ex 3.14; 6.2,6, 29; 7.5, 17; 12.12); E sou seu Deus ou o Deus de seus pais (Ex 3.6, 15, 16; 4.5; 5.3; 6.7; 7.16; 9.1, 13; 10.3); Eu sou ou serei com você (Ex 3.12; 4.12). Deus Yahweh repetidamente lembrou aos israelitas de que ele era o Suserano soberano, seu Deus pessoal e que sendo com eles, permaneceria seu Senhor presente. Assim, de acordo com estas declarações a respeito de si mesmo e das repetidas garantias de que era o Deus de seus pais, consequentemente era também seu Deus. E sendo esse Deus, estaria sempre com eles. "Meu povo", uma frase que é repetida freqüentemente, expressa, de forma eloqüente, o relacionamento pessoal entre Deus Yahweh e os israelitas. De fato, essa frase expressa de forma positiva o vínculo pactual de vida e amor que Deus Yahweh havia estabelecido entre si mesmo e o povo.Em segundo lugar, a promessa a respeito da semente do pacto é, imediatamente, lembrada (Ex 1.7). Deus Yahweh havia garantido a Abraão, quando confirmou seu pacto com ele, que este teria uma semente numerosa (Gn 15.5; 22.17). Esta garantia a respeito da semente suscitou a resposta de fé em Abraão de que Yahweh iria, de fato, ser seu escudo e recompensa (seu protetor presente e contínuo e mantenedor no futuro). Sob o governo providencial de Deus Yahweh, sua promessa a Abraão foi cumprida: "mas os israelitas eram frutíferos e se multiplicaram grandemente e tornaram-se excessivamente numerosos, tanto que a terra estava se encheu deles" (Ex 1.7). Esta declaração de Moisés indica que não somente a dimensão redentora do pacto foi cumprida mas o mandato envolvido no contexto mais amplo da vida pactual, o pacto da criação, também foi obedecido (ver Gn 1.26; 9.7).Os dois fatores, a fórmula e a semente, assim também, fatores tais como a atividade soberana de Yahweh sobre o Egito e sua provisão de um líder mediador, Moisés, garantem a qualquer leitor/estudante das Escrituras que o pacto de Deus Yahweh, como um meio administrativo e também redentor, foi um tema central e dominante no relato Mosaico das experiências de Israel enquanto no Egito por 400 anos e, especialmente, nos últimos anos quando Deus Yahweh demonstrou suas prerrogativas reais e poder de uma forma miraculosa e magnificente.Deus Yahweh revelou, sem sombra de dúvida, que ele era o Senhor soberano; era, de fato, El Shaddai (Gn 17.1) e 'el elyôn (Gn 14.18). O fato de que fez isto, indica que o tema do reino é um fator importante no relato das experiências de Israel no Egito. Várias realidades que evidenciam o reinado de Deus Yahweh e o fato de que exerceu seu reinado sobre o Egito como também sobre as áreas geográficas vizinhas, devem ser considerados.Considere, primeiro, que sob o governo providencial de Deus Yahweh, um movimento internacional havia levado ao domínio do Egito, uma casa real que não era continuidade da dinastia sob a qual José havia se tornado um vice-gerente e Jacó e sua família haviam sido bem vindos (Gn 47.11-12; 12; Ex 1.8).6 Esta 5 Rever, no cap. 3, a discussão a respeito do pacto da criação que, embora não citado diretamente, é

apresentado por uma referência a seus elementos.

6 Estou muito consciente da discussão contínua sobre a extensão da estada de Israel no Egito (215 anos ou 430 anos) e das visões diferentes sobre a data do êxodo de Israel do Egito. Minha preferência sempre foi, e

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mudança no cenário internacional e seus efeitos sobre o Egito, montaram o palco para a partida eventual de Israel do Egito como uma nação nascente. De fato, o governo de Deus Yahweh sobre as nações, que o salmista cantou (Sl 47.9; 95.3; 96.10; 98.2; 99.1; 102.12, 15) e os profetas falaram (Is 19.1-17; 23.6-9; 40.15-17; Jr 10.7), evidenciou a presença do reino no relato Mosaico.O governo soberano de Deus Yahweh foi revelado quando a vida de Moisés foi poupada tanto como bebê quanto como príncipe; na sua aceitação na família de Reuel (Ex 2.18-22); e no seu chamado e comissionamento. O reinado de Deus Yahweh sobre a criação e sobre o Egito como uma nação, foi demonstrado nas pragas que devastaram o Egito e no endurecimento do coração de Faraó. De fato, o reino de Deus, em todos os seus aspectos--Deus, o Rei, seu reinado e seu domínio cósmico--é o fator e tema principal juntamente com o pacto.O terceiro fio do cordão dourado é o mediador, agente pactual e do reino de Deus Yahweh. Assim como expliquei no Revelação Messiânica no Velho Testamento, a segunda pessoa da Trindade estava presente em teofanias, como o Anjo do Senhor e através de outros meios (o pilar, a nuvem e a rocha).7 Ele permaneceu pré encarnado; consequentemente, estava presente de outras formas.8 Um tipo de Jesus Cristo mediador foi preparado, chamado e comissionado a servir como agente do reino de Deus Yahweh e como um administrador pactual dentro do pacto criacional e do pacto restaurador redentor da graça.Os três fios, tecidos integralmente juntos e unindo a revelação dada no livro de Gênesis, servem para unir o material de Gênesis ao que é revelado no livro de Êxodo e aos outros livros do Pentateuco. Assim como em Gênesis, existe progressão na palavra e obra reveladora de Deus Yahweh no que nos é revelado em Êxodo. Não existe repetição cíclica, mas uma progressão linear dentro do curso da história que é dirigida e controlada soberanamente.

O Desafio Egípcio Inicial ao Reinado e Pacto de Yahweh--Ex 1.1-2.10Sob a administração pactual redentora e criacional de Yahweh, a semente patriarcal, os Israelitas, "foram frutíferos e multiplicaram-se grandemente, tornando-se excessivamente numerosos". Este aumento e enchimento da terra alarmou o novo governador do Egito.9 Para diminuir o crescimento de Israel, uma

ainda é, pela data primitiva (1440 +/- a.C.). A discussão que suporta a data primitiva é bem apresentada por Leon Wood, A Survey of Israel's History (Grand Rapids: Zondervan, 1970), 83-109. Os argumentos que suportam a data posterior podem ser revistos no John Bright A History of Israel, 3ª ed. (Philadelphia: Westminster, 1981). Bright reviu a história do Egito, do Império Hitita, e de Canaã (107-23) e, então, referindo-se à evidência para a data primitiva, declara que "uma data preferivelmente bem no século décimo terceiro, talvez mais tarde no reino de Ramassés II, parece plausível" (123-24).

7 .Messianic Revelation, cap. 8, 212.53 (Revelação Messiânica, LPC).

8 Ver meu artigo "That Final Question", em The Law and the Prophets, ed. John H. Skilton (Nutlhey: Presbyterian and Reformed, 1974), 253-71.

9 Alan Cole corretamente comenta que Gênesis 1.21-22 é citado pelos termos em Êxodo 1.7 "frutífero...multidão...numeroso. Este aumento foi interpretado como a bênção prometida de Deus na criação" (Exodus [Downers Grove: IVP, 1973], 53). Considero como infeliz o fato de Childs aprovar a visão de Vriezen de que um editor sacerdotal final reteve a fórmula tradicional (patriarcal) no versículo 6 e, então, "habilidosamente a entrelaçou com seu próprio material tradicional no versículo 7" (Book of Exodus, 3). Ambos, Childs e Vriezen, ignoram o fato de que Moisés uniu ambos os pactos, o criacional e o Abraâmico,

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escravidão severa foi iniciada, a qual, no entanto, sob a providência de Yahweh, não decresceu a população. Antes, os israelitas continuaram a crescer e se espalhar (Ex 1.12). Enquanto a inveja, ódio e temor dos egípcios cresciam,10 a opressão cruel também aumentava. A luta entre Yahweh, Senhor pactual dos israelitas, e o rei do Egito, auto proclamado como terrestre-divino, tornou-se mais intensa. As bênçãos de Yahweh sobre seu povo não cessaram por causa do capricho e desejo do monarca auto proclamado.O rei do Egito impôs um método mais drástico para restringir o crescimento de Israel. Fez um ataque direto sobre a semente do pacto; todos os bebês machos israelitas deveriam ser mortos pelas parteiras ao nascerem. O rei egípcio estava, obviamente, sob a influência do regime satânico que governa o reino parasita. Houve ataques prévios lançados contra a semente da mulher: Caim contra Abel; Ismael e Hagar contra Isaque; os filhos de Jacó contra seu irmão José. Todos os esforços prévios para destruir a semente pactual, haviam falhado. O esforço do rei egípcio também falhou. Deus Yahweh continuou sua preservação através de parteiras tementes a Deus (Ex 1.17). Porque temiam a Deus, desobedeceram ao agente de Satanás e deixaram os bebês meninos viverem.A ação de Deus Yahweh contra o decreto do rei egípcio foi ser bondoso com as parteiras tementes a ele. Elas foram abençoadas com filhos (Ex 1.21). Assim, Yahweh continuou a realizar suas promessas pactuais a respeito da semente numerosa que surgiria de Abraão e sua descendência. Esta bênção contínua levou o rei do Egito a um terceiro esforço em controlar o aumento da semente pactual. Ele ordenou que todos os bebês recém-nascidos fossem jogados no rio Nilo, onde se afogariam ou seriam mortos por crocodilos. Yahweh novamente prevaleceu sobre o rei usando um princesa da corte egípcia. Através dela, Deus levou a semente pactual para o palácio do rei.Deus Yahweh estava, de fato, sustentando e cumprindo seu pacto com seu povo através do seu controle soberano sobre todos os aspectos do seu reino cósmico, ele trouxe parteiras e uma princesa para seu serviço. O rio Nilo se transformou em um meio para a preservação de um bebê israelita que foi escolhido por Deus Yahweh para se tornar um agente e servo mediador.

A Preparação do Mediador--Ex 2.11-4.31Deus Yahweh, Senhor do reino cósmico, executando seu plano através da manutenção e realização do pacto, levantou um agente mediador que serviria como um representante direto e como um administrador dentro do pacto da criação e do pacto restaurador redentor da graça. Deve ser lembrado que enquanto Deus Yahweh preparava seu agente mediador, seu adversário

quando iniciou seu relato do modo como Israel tornou-se um povo numeroso que se tornaria um reino de sacerdotes e uma nação santa, (Ex 19.5-6).

1 0 Umberto Cassuto mostrou o aumento de Israel como devido à graça divina e que "esta prosperidade e fecundidade...provocou inveja, ódio e suspeita. A escravidão e opressão impostas deveriam interromper a multiplicação, de acordo com o rei do Egito mas o rei do universo disse 'eles devem se multiplicar ainda mais'". A Commentary on the Book of Exodus, trad. Israel Abrahams (Jerusalem: Magnes), 1967, 9-11. David Baron, na sua discussão sobre o Salmo 105, chamou a atenção ao que o salmista escreveu e cantou: "o Senhor mudou os corações dos inimigos de Israel no Egito para que odiassem seu povo" (Sl 105.25) (Israel in the Plan of God [Grand Rapids: Kregel, 1983], 177, repr. de The History of Israel [London: Morgan & Scott, 1925]).

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poderoso, Satanás, buscava destruir o povo pactual através da escravidão brutal contínua (Ex 2.23). Enquanto o governador egípcio fazia isto e o povo gemia e clamava a Deus (Ex 2.23b), esse lembrou-se do seu pacto com os patriarcas, Abraão, Isaque e Jacó (Ex 2.24).11 Demorou um tempo para preparar este agente mediador. Desde o tempo do seu nascimento, seu salvamento do rio Nilo, sua criação como um filho na sua casa paterna, educação, desenvolvimento de práticas de liderança e amadurecimento real do palácio do Egito, até sua fuga para o deserto, transcorreu um período de quarenta anos (At 7.23). A miséria do povo continuava a aumentar em intensidade; eles eram sujeitos a espancamentos (Ex 2.11) e estavam tornando-se impacientes e contenciosos (Ex 2.13).Moisés foi levado por Yahweh para a área deserta de Midiã ao leste do Egito. Sob esta liderança providencial de Yahweh, Moisés foi capaz de escapar do Egito. O assassinato de um supervisor egípcio cruel por Moisés não foi sancionado por Deus Yahweh como evidenciado pela necessidade de Moisés em escapar do Egito; ele não podia contar com a proteção divina contínua nas cortes reais do Egito. Foi no deserto, no entanto, tendo se tornado um membro da família de Reuel através do casamento e trabalhando como um pastor, que Moisés foi preparado por Deus Yahweh para o serviço mediatório.12 Dessa forma, Moisés teve experiência na vida familiar, aprendeu o modo de lidar com o ambiente do deserto e desenvolveu práticas de liderança (como um pastor). Depois de oitenta anos de preparação e amadurecimento (Ex 7.7), ele foi chamado e comissionado para servir como agente profético, sacerdotal e real de Yahweh no Egito.Moisés foi comissionado pelo próprio Deus, que fez uma aparição teofânica a ele no deserto. Moisés foi chamado para servir como um agente messiânico do pacto. Deveria servir a Deus Yahweh a ao povo escravizado como um porta-voz (profeta) em nome de Deus, como um advogado (sacerdote) em favor do povo, e como uma pessoa real ao desafiar Faraó e preparar os israelitas para uma saída drástica do Egito. Existem vários fatores importantes nesse comissionamento que exigem atenção.1. As Escrituras identificam o Anjo do Senhor, que apareceu em "chamas de fogo de dentro de um arbusto" (Ex 3.2 NIV), como Yahweh (quando o Senhor viu, Ex 3.4 NIV) e como Deus ('elohîm) o chamou. Foi o próprio Deus que condescendeu a chamar, se dirigir e comissionar Moisés. Na verdade, Moisés teve um mandato direto do Rei do reino cósmico e Senhor pactual dos descendentes escravizados dos patriarcas.2. Deus Yahweh, que falou como o Anjo do Senhor de dentro do arbusto, era o Santo. Sua presença fez com que o lugar onde apareceu a Moisés fosse uma área santificada.13 Assim, Moisés deveria chegar-se para mais perto e tirar suas sandálias. Embora Deus Yahweh houvesse condescendido em aparecer e falar a

1 1 A forma do verbo zakar, lembrar, é qal imperfeito, waw-consecutivo; e é um dos vários verbos (Deus ouviu, Deus salvou, Deus sabia) que dão expressão não somente ao seu "relacionamento paternal...seu sofrimento angustiado...criaturas destruídas" (Cassuto Exodus, 29), mas expressam a realidade que Deus Yahweh estava sempre atento sobre seu povo pactual enquanto armava o cenário para sua libertação miraculosa do aprisionamento que o Egito havia lhe infligido através da escravidão brutal.

1 2 Discuti o chamado de Moisés como um agente messiânico com bastante detalhes no meu livro Messianic Revelation, 197-211 (Revelação Messiânica, LPC).

1 3 Ver Cole, Exodus, 65.

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Moisés, ele não permitiu a Moisés pensar ou agir de forma que Deus colocasse de lado seu status ímpar de Deus--totalmente separado em essência da realidade criada. Moisés, desta vez, também não deveria pensar que havia ganho estatura para entrar livremente em um relacionamento direto e pessoal com o soberano e majestoso Deus Yahweh. Através da remoção das sandálias, Moisés tinha que indicar que, primeiramente, percebia sua posição como servo.

3. Deus Yahweh se identificou como "Eu sou". Ele fez isto inicialmente, referindo-se a si mesmo como o "Deus de seu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó" (Ex 3.6 NIV). Deus Yahweh era o mesmo Soberano imutável que havia aparecido e pactuado com os ancestrais patriarcais de Moisés e dos israelitas. Esta verdade moveu Moisés a esconder sua face; ele parou de olhar a chama mas continuou a escutar atenciosamente.14 E então, depois de uma conversa adicional, Deus Yahweh se identificou como 'ehyeh 'aser 'ehyeh (Eu sou o que sou, Ex 3.14). Esta frase tem gerado muita discussão teológica e filosófica, não somente sobre o modo correto de traduzi-la, mas também com relação a uma interpretação adequada e entendimento da mesma.15

A frase deve ser considerada no contexto na qual foi falada. Quando isto é feito, fatores adicionais no comissionamento de Moisés podem ser realçados. Tendo se feito conhecido como 'anokî 'elohê 'abîka (Eu sou o Deus de seus pais, Ex 3.6), especificamente de Abraão, Isaque e Jacó, continuou identificando-se com a descendência, garantindo a Moisés que ele ra'oh ra'etî (tendo visto eu certamente vi, Ex 3.7) a aflição do meu povo que está no Egito. Ele também garantiu a Moisés

1 4 Ver Cassuto, Exodus, 33.

1 5 Ver ibid., 37-38; Cole, Exodus, 69-70. Childs reviu o problema de Ex 3.14 e referiu-se brevemente ao "debate quente" sobre Moisés, a confiança do texto (é uma inserção posterior?) e o modo como a frase deve ser considerada em relação ao contexto precedente e seguinte (Exodus, 60-64). Seguindo uma análise da crítica da forma de Êxodo 3.13-15, Childs conclui que Deus está dizendo mais do que "Eu sou um ser auto-suficiente, incompreensível". Deus está dizendo que se revelará e as suas intenções nos seus atos futuros e que a sua realidade "não será diferente do que a conhecida na sua revelação" (60-76).

Gerhardus Vos, em seu estudo sobre o nome "Jehovah", concluiu que era derivado da revelação dada em Êxodo 3. 'Ehyeh foi finalmente mudado da primeira para a terceira pessoa Yahweh. Ele, então, discutiu os possíveis significados da frase hebraica, que ele traduziu como "Eu sou o que sou". Ele rejeitou quatro interpretações apresentadas e enfatizou a imutabilidade e fidelidade de Deus a suas promessas a seu povo (Biblical Theology, [Grand Rapids: Eerdmans, 1980]. 114-19).

Um dos esforços mais recentes na luta com a frase foi feito por John I. Durham, Exodus: Word Biblical Commentary (Waco: Word, 1987). Na sua seção de tradução, traduziu "Eu sou Aquele que Sempre É" (35). Nos seus comentários, deu ênfase não a um ser conceitual, abstrato mas Deus como o "É-sendo Um", i.e., um ser ativo que está sempre presente (39). A discussão de Durham é útil até certo ponto. Sua crença de que um editor posterior inseriu esta declaração para enfatizar o "Eu estou sempre aqui" de Yahweh, pode ser entendida como se implicasse que Deus Yahweh não falou, de fato, a Moisés a respeito do seu nome no contexto de garantir a ele e aos israelitas sobre a sua fidelidade e promessas imutáveis.

Pode-se concluir a partir dos esforços dos tradutores gregos do Antigo Testamento que a frase era difícil de se traduzir. Eles, em uma tentativa honesta de fazer uma versão grega aceitável do hebraico, traduziram-na como "Eu sou aquele que é". Esta tradução não deve ser entendida como uma declaração filosófica pelos tradutores da Septuaginta, mas como uma "afirmação religiosa". Ver John William Wevers, Notes on the Greek Text fo Exodus (Atlanta: Scholars, 1990), 33-34. Bernard Grossfeld, em um estudo sobre O Targum de Êxodo, escreveu no n. 16, 8-9, que "o Targum não traduz o texto hebraico. Em seu lugar, reproduz o hebraico in toto". Ele adiciona que umas poucas versões Onqelos tem incluído traduções como "Eu serei, concernente ao qual Eu serei", e "Eu serei com todo aquele que eu serei". Ver The Targum Onqelos to Exodus (Wilmington: Michael Glazier, 1988).

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sama'tî (Eu tenho ouvido) o seu clamor na presença dos que os escravizavam. Deus, então, informou a Moisés que ele era o Deus da salvação de Israel através do uso de três termos específicos. 'ered (eu desci), um termo antropomórfico que enfatiza a presença direta de Deus Yahweh em circunstâncias opressivas. Ele está presente para o propósito de hassêlô (libertá-lo, i.e., Israel) das mãos dos egípcios. Ele não estava indo apenas salvá-los da escravidão, estava também ha alotî (eu vou faze-los ir de) da terra da opressão e conduzindo-os a uma terra de abundância (Ex 3.8). Esses termos dão uma bela expressão à presença pactual e ação salvadora de Deus: presente com eles, fará com que saiam da escravidão para a liberdade e gozem do melhor do reino cósmico de Deus Yahweh, leite e mel.4. Deus Yahweh, tendo revelado seus propósitos, informou a Moisés que ele seria o agente salvador pactual. Ele deveria servir como o representante ativo e presente de Deus Yahweh (Ex 3.10).A resposta de Moisés, em forma de pergunta, foi mî 'anokî (quem sou eu para confrontar Faraó e libertar Israel? Ex 3.11).16 Deus respondeu com uma frase pactual chave: 'ehyeh 'immak, "Eu estou com você" ou "Eu estarei com você" . Ele, então, procedeu a dar a Moisés um sinal que daria garantia absoluta num futuro próximo: ele o povo liberto retornariam ao mesmo lugar onde estavam conversando naquele momento. 5. Deus Yahweh, tendo, desta forma, assegurado a Moisés de que ele era o Eu Sou, também lhe garantiu, através deste nome, que ele seria um Deus sempre presente que, certamente, iria libertar seu povo das aflições/escravidão e os tiraria do Egito. Moisés, então, perguntou sobre como ele deveria identificar Deus aos escravos sofredores. A resposta foi, "Eu Sou quem Sou". Diga a eles que o Deus presente, libertador, salvador, Deus de seus pais (Ex 3.15), é o seu Deus! Ele seria a eles o que havia sido para Abraão, Isaque e Jacó. Para os patriarcas, ele foi fiel a cada promessa dada; ele não havia mudado em nenhum aspecto. Sua palavra, suas promessas, seu plano para seu povo escolhido não haviam mudado. Ele era e seria o mesmo ontem, hoje e amanhã. Na verdade, Moisés e Israel deveriam entender que quando Deus dizia que era "Eu sou, de fato, o verdadeiro eu sou", que seu Deus era sempre presente, imutável e fiel Senhor pactual. Seu nome era, de fato, Yahweh.6. Deus Yahweh não se identificou como o Criador soberano, todo poderoso. Ele não se referiu a si mesmo diretamente, neste contexto, como 'el elyon ou 'el sadday. No entanto, ele se identificou, indiretamente, como o Rei cósmico soberano que tinha controle completo sobre as forças da natureza e mesmo sobre o mais poderoso governador humano vivente naquele tempo. Deus Yahweh assegurou a Moisés que um obstinado Faraó seria compelido a libertar os filhos pactuais quando o Egito fosse infligido com kol niple'ota (todos os prodígios, grandes eventos e forças cósmicas, Ex 3.20). E ainda mais, quando Deus Yahweh exibisse seu senhorio sobre os aspectos criacionais e sobre Faraó, ele também influenciaria as mulheres egípcias a serem generosas com as mulheres israelitas

1 6 Moisés poderia ser interpretado como se sugerisse que ser um "eu sou" não tivesse, necessariamente, importância para a atividade econômica e política. O "eu sou" de Moisés é, de fato, uma indicação da sua fraqueza e incapacidade para servir como um libertador de um povo escravizado. Seu "eu sou" tornou-se significativo somente com a presença imediata, com as diretrizes e suporte do divino "Eu sou".

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que deveriam mostrar obediência a Yahweh, requerendo das primeiras ouro, prata e vestimenta (Ex 3.21-22).Podemos sumariar esta discussão sobre o comissionamento de Moisés, enfatizando que quando Deus Yahweh o chamou e comissionou, ele se revelou como o santo, sempre presente, imutável e fiel Deus de seu povo e como o Soberano absoluto sobre o reino cósmico, especificamente sobre as grandes forças dentro da criação e sobre o governador e nação mais poderosos da a terra naquele tempo. Além disso, neste comissionamento de Moisés, o cordão dourado é tecido de forma mais firme e inquebrável. O reino cósmico de Deus é o palco abrangente. O pacto de Yahweh, tanto a estrutura criacional quanto o vínculo de vida e amor redentor/restaurador com todos os seus elementos constituintes, serviram como meios administrativos quando o mediador foi chamado e comissionado.Mais quatro detalhes na preparação de Moisés para seu papel mediatório pactual a ser realizado no Egito, são registrados.Moisés recebeu três 'otôt (sinais). O primeiro sinal a dar credencial a Moisés aos olhos dos israelitas (Ex 4.1) foi na área da dimensão orgânica da vida cósmica. Foi dito a Moisés para tomar um pedaço morto de madeira, um bastão, e jogá-lo no chão. Ele assim o fez; o bastão transformou-se em uma cobra. Quando ele o pegou de volta, transformou-se em um bastão novamente (Ex 4.2-5). Este controle poderoso, divino sobre os aspectos naturais do reino cósmico deveria evocar a crença em Israel de que ele era, de fato, o Senhor pactual libertador, protetor, sustentador e vivo.O segundo sinal foi na área da saúde e bem estar pessoal (Ex 4.6-7). A mão de Moisés, sob a direção providencial de Deus Yahweh, tornou-se leprosa e então tornou-se limpa e saudável novamente. Moisés teve que, obedientemente, colocar sua mão dentro de seu manto duas vezes--ações que, normalmente, não causavam lepra nem purificação. As ações revelavam o controle completo de Deus Yahweh sobre a vida humana--saúde, aflições e restauração do bem estar.O terceiro sinal, a transformação da água em sangue, lidava com um dos mais importantes fatores da vida egípcia--água em um país desértico. Este sinal não foi realizado no deserto de Midiã; Moisés tinha que ser assegurado de que isso poderia ser feito como foi, de fato, mais tarde.Moisés, tendo recebido as garantias, através de sinais, que Deus Yahweh era, de fato, o Senhor pactual soberano dos patriarcas, novamente referiu-se à sua própria insignificância e incapacidade: "Eu sou pesado de boca e pesado de língua" (Ex 4.10 RA). Deus Yahweh referiu-se a si mesmo como o Criador. Ele deu habilidades para falar, ouvir e ver. Moisés não contestou que o Deus pactual de Israel era o Criador de todos os aspectos da vida. Mas Deus Yahweh reconheceu a habilidade de precária de Moisés para falar uma vez que lhe assegurou que Arão iria, inicialmente pelo menos, falar por ele, assim como Moisés iria falar por Deus (Ex 4.13-17). Enquanto Deus Yahweh, compassivamente, foi de encontro às necessidades de Moisés, ele não o dispensou de realizar as responsabilidades que lhe haviam sido dadas.Moisés, tendo recebido sinais e a garantia da assistência de Arão, procedeu em direção ao Egito depois que o Senhor repetiu seu comando para Moisés retornar àquela terra. Deve ser notado que Deus Yahweh lembrou Moisés que maravilhas

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seriam efetuadas e que Faraó seria endurecido (Ex 4.18-23). Mas Moisés tinha que efetuar um outro ato pactual importante. Moisés teve que perceber que Deus Yahweh era sério quando comandou que os filhos deveriam ser circuncidados. Ele não havia circuncidado seu primogênito. Ele, o mediador pactual que deveria servir como o libertador humano de Israel, o primogênito de Yahweh, e que iria testemunhar a matança dos primogênitos do Egito, tinha que identificar-se com o Egito, na perda do primogênito, ou com Israel, o primogênito reivindicado por Deus Yahweh para a vida e serviço entre as nações. Moisés foi confrontado por Yahweh com a ameaçada da morte. Sua esposa, Zípora, provavelmente não percebendo ou entendendo o propósito divino da circuncisão, havia se oposto à circuncisão de seu filho. Assim, Moisés teve que superar as resistências às demandas pactuais em sua família. Zípora condescendeu relutantemente. Moisés foi poupado; ele teve o sinal pactual que falava da remoção da imundície (Js 5) e aplicada a continuação da vida pelo derramamento de sangue. Ele teve que cumprir um requisito chave para a vida e serviço pactual.17

A última coisa que deu segurança a Moisés e o fez pronto para se colocar diante de Faraó foi a fé do povo. O texto da Escritura registra que depois que Arão se encontrou com Moisés e ouviu dele o que Deus havia dito e feito (Ex 4.27-28), eles juntaram os líderes (pais e anciãos). Tendo ouvido o que havia sido dito a Moisés e depois de verem os sinais do bastão/serpente e da mão leprosa/saudável (Ex 4.30), eles acreditaram que o Senhor estava ciente da miséria em que estavam. Eles se curvaram diante do Senhor e o adoraram.Moisés e Arão foram, então, preparados para ir de encontro aos desafios diante deles. Eles foram a Faraó.18

Os Poderes Antitéticos no Egito--Ex 5.1-10.29

1 7 Para várias tentativas de interpretação deste episódio, ver Cassuto, que se refere a três coisas para o auxílio no entendimento desta passagem: (1) semelhança com a experiência de Balaão de encontrar o oposto anjo do Senhor; (2) elo entre declarações contextuais com relação a todos os homens mortos (Ex 4.19) e Israel como primogênito a viver; (3) a importância da circuncisão para a vida e serviço pactual (Exodus, 58-61). Cole também enfatiza a importância da circuncisão; aqui, ela serve como um elo de conexão entre o sinal para os patriarcas e um sinal para Moisés e o povo no Sinai (Exodus, 78-79). Childs, que estava muito preocupado com as visões críticas a respeito das redações editoriais, acredita que o redator desejava enfatizar a circuncisão (Exodus, 95-101). Assim, se alguém consulta um estudioso judaista inclinado ao conservadorismo, um crítico literário inclinado ao liberalismo ou um estudioso evangélico conservador, verifica que existe concordância no fato de que a circuncisão do filhos de Moisés é o assunto central. Não existe concordância sobre o modo como esta circuncisão deve ser entendida. Durham, no entanto, sugeriu que o problema real era que o próprio Moisés não era propriamente circuncidado, provavelmente apenas parcialmente de acordo com o costume egípcio. Durham, tristemente, parece negligenciar o fato de que o mais certo é que Moisés tenha sido circuncidado ao oitavo dia quando ainda estava na casa de seus pais. Durham também dá muita importância a um ritual pré-nupcial que exigia tocar as genitais do pai com o prepúcio partido.

Recentemente, Pamela T. Reis deu uma explicação nova: Deus fez uma ameaça à vida de Moisés "permitindo-lhe mergulhar em uma depressão profunda causada por um personalidade íntima em choque associada à falha em aceitar totalmente sua identidade judaica". Quando ele informou Zípora de que era um hebreu, em fúria, por causa da sua duplicidade anterior, ela circuncidou "seus filhos em uma imitação burlesca do ritual israelita". Essa violência sacudiu Moisés para fora de sua depressão. Ver esta explicação um tanto forçada, escrita sob o título de "The Bridegrrom of Blood", Judaism 40 (1991): 324-31.

1 8 Vários detalhes a respeito do caráter de Moisés e significado messiânico foram descritos no Messianic Revelation, 190-211 (Revelação Messiânica, LPC).

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Poucas passagens nas Escrituras apresentam o confronto entre o reino de Deus Yahweh e o reino parasita de Satanás e seus coortes tão graficamente como Êxodo 5.1-10.29. Israel, o povo escravizado, era a nação nascente que representava o reino de Deus. O Egito, a nação poderosa que tinha controle sobre vastas áreas além de suas fronteiras, representava o reino parasita satânico.19

Moisés e Arão eram os representantes e agentes do reino de Deus Yahweh; Faraó simbolizava o reino parasita satânico.20 A vantagem, humanamente falando, estava com Faraó, com o Egito e com o reino parasita de Satanás. Deus Yahweh havia levado os Israelitas para a terra (Gn 45.8; 46.3-4; 50.19-21; Sl 105.17-24) como um clã familiar. Eles nunca foram um povo organizado enquanto estavam lá; não tinham meios econômicos, políticos ou militares à sua disposição. Tornaram-se um povo escravizado. Os egípcios, sob o seu Faraó, eram ricos, organizados, poderosos e capazes de controlar as nações vizinhas. Essa situação deu a Deus Yahweh e a seu agente Moisés, o palco no qual exibiriam quem era, de fato, o Rei do cosmos, Senhor das nações e protetor fiel, mantenedor e libertador do povo.

O Desafio de Faraó a Deus Yahweh--Ex 5.1-21Faraó, quando confrontado por Moisés e Arão que colocaram a exigência do seu Senhor diante dele (Ex 5.1-2), imediatamente desafiou a Yahweh. Sua resposta expressava o tamanho do seu desdém por Yahweh e rejeição a ele: mi yehwâ (quem é Yahweh) que eu deveria obedecê-lo? lo' yada 'tî (eu não conheço--notar a enfática negativa lo') e lo' 'asaleeâ (eu não os deixarei ir). Moisés e Arão responderam com uma declaração contendo quatro pontos. "Ele é o Deus dos Hebreus". (Anote isto Faraó: eles tem um Deus; você não é seu senhor).21 "Ele se encontrou conosco". (Não estamos aqui diante de você, Faraó, por nossa própria autoridade ou a pedido dos israelitas). "Ele quer ter povo sacrificando a ele no deserto" (i.e., longe do seu controle e ambiente religioso). Finalmente, "Yahweh tem o poder, como o Senhor da criação, para lhe golpear com pragas ou espada". A resposta de Faraó foi dispensar os representantes de Yahweh e exibir sua prerrogativa real. Os israelitas deveriam continuar a trabalhar como escravos; eles

1 9 Stuart Fowler, The State in the Light of the Scriptures (Potchefstroom: Porchefstroom University, 1988), 33, corretamente mostra que "Existem dois reinos no mundo em um relacionamento antitético um com o outro". Ele refere-se aos princípios governamentais dos reinos e à hostilidade implacável entre eles. No entanto, ele deu referências apenas do Novo Testamento (Mt 13.36-43; Jo 15.19-27; 2 Co 6.14-17; Ef 2.1-3) e omitiu referências no Antigo Testamento a estas realidades.

2 0 Gary North expôs corretamente o caso nas declarações iniciais da introdução de seu livro. Ele escreveu sobre "um conflito entre duas religiões". De um lado existia o que ele descreveu como "Religião Poderosa", "a religião de Faraó, que era o representante de Satanás". "A segunda era a religião do domínio...de Moisés, o representante de Deus". Ver Moses and Pharaoh Dominion Religion Versus Power Religion (Tyler: Institute for Christian Economics, 1985), 1. North expõe corretamente o caso embora as explicações e conclusões tiradas sejam difíceis de seguir e, em várias instâncias, de aceitar.

2 1 É amplamente conhecido que os governadores egípcios eram considerados algum tipo de deidade. Usualmente eram considerados filhos dos deuses. Jack Finegan, Let My People Go (New York: Harper & Row, 1963), citou várias referências de antigos documentos egípcios que, inequivocamente, afirmavam este fato. Como exemplo, podemos citar a declaração de Finegan: "De acordo com isto, Ramassés II foi o filho do sol e filho de Heron. Que o rei egípcio era filho do deus sol é, naturalmente, uma doutrina muito antiga" (11). Ver também a citação dos documentos egípcios, 24-25, "filho de Ra...recebeu vida para sempre...bom deus".

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deveriam, agora, juntar a palha necessária para fazer tijolos duráveis; deveriam trabalhar ainda mais pesado para não terem tempo ou energia para clamarem e buscarem alívio sob o pretexto da adoração. Os servos de Faraó, superintendentes do povo, obedeceram seu senhor egípcio (Ex 5.10-14).O apelo dos capatazes de Israel (Ex 5.15-16) por alívio, somente fortaleceu a resolução de Faraó em desafiar a Yahweh mantendo as demandas severas de produção (Ex 5.15-18). Moisés e Arão foram, então, confrontados pelos capatazes de Israel, que os acusaram de serem a causa da suas cargas e aflições adicionais. (Ex 5.19-21).O desafio de Faraó a Yahweh aumentou o sofrimento dos israelitas que, por sua vez, afetou profundamente sua fé em Yahweh e sua adoração a ele. Eles clamaram como escravos oprimidos. As influências satânicas, exercidas através de Faraó, superaram a bênção da fé e o regozijo da adoração. O povo israelita mal percebeu que uma batalha espiritual colossal estava sendo empreendida entre Deus e Satanás, entre a semente da mulher (Gn 3.14-16), Moisés e Arão, representando a semente numerosa que Yahweh havia prometido aos patriarcas, e Faraó, representando a semente (servos) de Satanás. Esta batalha espiritual estava sendo pelejada nos aspectos políticos, industriais, econômicos e sociais da vida diária. O sofrimento opressivo dos israelitas nas áreas dos mandatos social e cultural criacional pactual afetaram seriamente o mandato de comunhão. Ao invés de submissão humilde contínua e esperança em Yahweh para o alívio da sua miséria nas situações sociais e culturais, o contrário, na verdade, foi o que aconteceu.

O Desafio de Deus Yahweh a Faraó--Ex 5.22-10.29No relato do conflito entre o reino de Yahweh e o domínio parasita de Satanás registrado em Êxodo 5.22-10.29, quatro realidades dominantes são reveladas: as afirmações repetidas de Yahweh, as atividades mediatórias de Moisés e Arão, as respostas de Faraó e a exibição da soberania divina.Deus Yahweh, repetidamente, reafirmou sua intenção de revelar sua mão poderosa a Faraó. Depois de várias exibições do poder divino, Faraó cederia e deixaria o povo escravizado ir (Ex 6.1-2; 7.4; 9.15; 10.16). Yahweh, no entanto, também continuou a reafirmar quem ele era. Ele era o Senhor pactual dos patriarcas (Ex 6.2-5); ele era o "Eu sou", o libertador certo do seu povo que cumpria fielmente suas promessas pactuais (Ex 6.68; 7.17). Deus Yahweh repetiu sua firme intenção em libertar seu povo exigindo que Faraó deixasse o povo ir (Ex 6.1, 28-29; 7.16; 8.2, 20; 9.1, 13; 10.3). Na maioria destes contextos, Yahweh declarou que queria que seu povo sacrificasse a ele, o adorasse e fizesse isto em liberdade. Consequentemente, Yahweh repetidamente se declarou como aquele que exigia justamente a submissão e adoração do povo escravizado, uma demanda que Faraó. como o oponente feroz de Yahweh, não reconheceria.Deus Yahweh, nesta confrontação com Faraó, fez conhecido o fato de que reivindicava os descendentes de Abraão, Isaque e Jacó como seu povo particularmente selecionado e que ele, o Soberano sobre o reino cósmico, iria certamente provar que era o Senhor da criação, Senhor sobre o Egito e o Deus que poderia e executaria o julgamento sobre o monarca humano resistente e arrogante e seu reino. Ele faria conhecido o fato de que era um Senhor pactual fiel

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que conhecia seu povo, tinha compaixão por ele e, certamente, traria salvação física e espiritual a ele.O segundo fator dominante a ser considerado é Moisés como agente mediador de Deus Yahweh.22

Enquanto Deus Yahweh prosseguia com seu plano de humilhar Faraó e libertar os israelitas, Moisés, por um tempo, continuou a hesitar. Mesmo depois da reafirmação poderosa de Yahweh a respeito do seu procedimento pactual com Abraão, Isaque e Jacó, Moisés permaneceu inseguro. Na verdade, Deus garantiu a Moisés de que continuaria a se revelar como 'el saddây, mas que iria, então, dar uma demonstração mais completa e clara do nome do que havia dado aos patriarcas. Ele disse a Moisés "pelo meu nome Yahweh, eu não me fiz conhecido a eles" (Ex 6.3 NIV). Através desta declaração, Yahweh informou a Moisés que, embora as promessas pactuais tivessem sido declaradas como certas com relação ao cumprimento, os patriarcas não haviam testemunhado isto. Eles não tinham experimentado completamente que Deus era o imutável e sempre fiel "Eu sou" (Ex 3.14). Moisés, agora, deveria experimentar o que os patriarcas não tinham tido o privilégio de testemunhar: a nação a surgir do lombo de Abraão, a grande libertação do Egito, e a possessão da terra prometida (Gn 15).23 Moisés argumentou duas vezes: se os israelitas (i.e., seu povo) não me escutarem, por que Faraó (que lhe rejeita) escutará? E, então, depois de ouvir o comando de ir a Faraó, Moisés defende sua inadequabilidade: "meus lábios gaguejantes". Yahweh prevaleceu sobre Moisés assegurando-lhe que ele, Yahweh, o havia feito para ser como Deus a Faraó. Faraó teria uma impressão salientada da estatura divina de Moisés porque tinha Arão como seu porta-voz. O resultado da conversa entre Yahweh e Moisés foi que, com a idade de oitenta anos, Moisés, assim como Arão, "fizeram exatamente como o Senhor os havia comandado" (Ex 7.6). A partir daí, Moisés e Arão serviram pronta e efetivamente como agentes mediadores de Yahweh.Moisés e Arão não foram intimidados pela performance dos homens sábios, mágicos e feiticeiros de Faraó. Através das suas "artes secretas" (Ex 7.11), eles foram capazes de transformar bastões em serpentes. Indubitavelmente, o poder

2 2 Ver a minha discussão sobre Moisés, citada na n. 18. Vários aspectos da obra de Yahweh através de Moisés são também estudados no meu ensaio "That Final Question", 253-71.

2 3 Várias explicações desta frase são apresentadas em comentários. Cassuto declara categoricamente que se Yahweh pretendesse dizer que os patriarcas nunca souberam ou usaram o nome, ele teria dito, "meu nome Yhwh eu não fiz conhecido" ou "mas meu nome Yhwh não foi conhecido por eles" ao invés do que o texto diz, "Eu não fui conhecido por eles". Cassuto continua: "pelo meu nome, em meu caráter como expresso por esta designação, eu não fui conhecido por eles, isto é, não foi dado a eles reconhecerem-me como aquele que cumpre suas promessas" (Exodus, 78-79). Childs, em geral, concorda com Cassuto: "Agora Deus se revela a Moisés que se lembra do seu pacto" (Exodus, 115). No entanto, Cole declara que o nome não tinha sido usado pelos patriarcas (Exodus, 84) e, por essa razão, oferece algumas poucas explicações improváveis, embora não pareça dar muito crédito à posição de que a declaração sustenta a divisão do material de Êxodo em fontes. Enquanto isso, J. Coert Tylaarsdam pressupõe que o editor de P escreveu que os patriarcas não conheciam o nome (Exodus: The Interpreter's Bible, ed. George H. Buttrick [New York: Abingdon, 1951-1957], 1:898). Keil e Delitzsch declaram que Deus Yahweh anunciou ao povo através de Moisés "que, doravante, ele se manifestaria a eles de uma forma muito mais gloriosa do que aos patriarcas". Eles adicionaram que isto, no entanto, não significava "que os patriarcas ignoravam completamente o nome Jeová" (Biblical Commentary on the Old Testament Pentateuch [Grand Rapids: Eerdmans, 1949], 1:467).

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satânico, exercido através destes homens doutos egípcios, teve grande influência no domínio criacional bem como nos aspectos espirituais da vida cósmica. Esta realidade deve ser reconhecida; as Escrituras testificam da influência poderosa e sempre presente que Satanás e seus coortes podem exercer. Tentativas para encontrar explicações "naturalísticas" para os feitos milagrosos registrados no livro de êxodo não são somente desencaminhadoras e impossíveis, mas também irrelevantes.24 A verdade é que Faraó e sua corte desafiaram Moisés e Arão: ainda mais, Satanás, através de Faraó, estava desafiando, contrariando e, ao mesmo tempo, imitando a Deus Yahweh. Nesta situação, Moisés e Arão tiveram que se colocar firmemente e agir de forma positiva como agentes de Yahweh na presença de um agente satânico ousado e obstinado. Certamente não é verdade que a competição entre os dois poderes espirituais permaneceu não resolvida. Deus Yahweh prevaleceu e superou completamente a Faraó, seus homens e seu mestre Satanás. Isto foi exibido no aspecto natural e criacional do reino cósmico. o bastão de Arão transformou-se em uma serpente (ou era uma serpente monstruosa?)25 que engoliu as dos egípcios. Deus Yahweh demonstrou que era, de fato, o Senhor soberano sobre seu reino cósmico. Satanás, tendo recebido espaço para exercer sua vontade malevolente, tirou vantagem disto transformando os bastões dos egípcios em serpentes, mas isto tornou-se não somente uma desvantagem mas, também, uma derrota desastrosa.Na seção seguinte, será dada atenção específica ao endurecimento do coração de Faraó. Nos referiremos, agora, às respostas verbais de Faraó e mencionaremos, particularmente, seu reconhecimento de que estava sendo confrontado por alguém maior do que até mesmo Arão e Moisés. Faraó exibiu uma ambivalência, indicando que, na verdade, era insistente quanto ao fato de ser Faraó, filho dos deuses egípcios (na realidade, uma ferramenta de Satanás), e também descobrindo ser necessário reconhecer a presença e poder de Deus Yahweh, o Senhor pactual de Israel e governador soberano sobre o reino cósmico.26

2 4 Ver Durham, Exodus, 91-92.

2 5 Ibid., 79-93.

2 6 J. Dwight Pentecost continua a apresentar a idéia de que existem vários reinos. Lembre-se de que ele escreveu que existia um reino. Ver Thy Kingdom Come (Wheaton: Victor, 1990), 11-19, esp. 15, onde ele cita dois aspectos do reino. Ele, então, pressupõe um número de reinos: (1) o celestial (angélical), 21-25; (2) reino de Satanás, 25; (3) reino de Deus, 26; (4) o reino terreno, que era uma teocracia, 28-32; (5) dois reinos, de Satanás na terra, 37 e o reino celestial de Deus na terra, 37-38, que era administrado através de leis diferentes em dispensações específicas, e.g., lei da consciência (Gn 4-6), 40-44; lei do governo (Gn 9-11), 46-50; lei da promessa, dada a Abraão através de quem um desenvolvimento significante do reino do céu de Deus na terra foi alcançado, 51. Este programa desenvolvido através de Abraão alcançaria sua expressão mais completa no reino teocrático feito com Israel, 82, que seria administrado pela lei de Deus, 88-94. Quando Pentecost discutiu a experiência de Israel no Egito, ele citou o reino das trevas, presumivelmente o de Satanás (ou poderia ser um reino humano, i.e., egípcio); o reino celestial de Deus; o reino do céu na terra, a teocracia, 82-85. Em vez de dizer que existe a presença de um número de reinos, é preferível falar do que as Escrituras apresentam: existe um reino de Deus que inclui os anjos, o mundo criado (cosmos) e as nações. Satanás recebeu espaço para exercer domínio no que pode ser referido como um reino parasita. O reino cósmico de Deus veio a ser simbolizado pela teocracia como um tipo do reino restaurado, consumado e abrangente de Deus. A nação egípcia foi um símbolo e serva do reino parasita que, constantemente, é dominado por Deus através do seu reinado soberano.

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Deus Yahweh ordena a Faraó: sallah et-'ammî. O verbo salah no piel é mais corretamente traduzido como "enviar, despachar".27 Em alguns contextos, essa forma verbal tem sido traduzida como "deixar ir", "deixar ir livremente" (ver, e.g., Ex 22.4; 1 Sm 5.11; 2 Sm 3.21, 23, 24), mas em cada uma destas passagens, aquele que tem o controle é reconhecido como tendo enviado ativamente e não meramente abandonado as atividades controladoras ou sustentadoras. "Soltar" poderia ser uma conotação preferível quando os homens tinham que libertar animais que tinham sob controle.(ver Gn 8.7-8; Lv 14.7; Jó 30.11). O entendimento correto de salah na declaração de Arão e Moisés é "enviar". Faraó, tendo o domínio completo sobre todos os aspectos da sociedade no Egito, é desafiado a exercer esse privilégio pela ação de, consciente e ativamente, enviar Israel ao deserto para a adoração. Não seria meramente uma liberação; Faraó foi invocado a exercer seus poderes reais em obediência ao comando do Senhor soberano do reino cósmico, do qual o Egito era apenas uma pequena parte.28

Faraó, "considerando-se um deus, e...assim considerado pelos seus súditos",29

falou arrogantemente: "Quem é Yahweh para que eu deva obedecê-lo? Eu não conheço Yahweh...e não enviarei Israel" (Ex 5.2). Faraó exibiu seu poder sobre os israelitas; ele demandou um aumento na produção; adicionou peso às obrigações dos israelitas. No segundo encontro, quando Moisés e Arão deram uma demonstração do poder de Deus Yahweh sobre as realidades criadas, um bastão transformou-se em uma serpente monstruosa. Faraó, através dos seus homens sábios, mágicos e feiticeiros, exibiu um poder similar--bastões transformados em serpentes. Faraó parecia ter poderes divinos, mas estava sob influência satânica. Exibições similares dos "poderes sobrenaturais" (poder satânico) aparentes de Faraó foram feitas no terceiro encontro, quando a água se transformou em sangue, e no quarto encontro, quando os sapos apareceram (Ex 8.7). Mas, neste quarto encontro (Ex 7.25-8.15), Faraó e seus profissionais não foram capazes de eliminar o problema. A primeira concessão de Faraó foi dita: "ha tîrû 'el - yehwâ" (o verbo atar está no hiphil imperfeito--origina a súplica a ser feita a Yahweh, Ex 8.4 TM, 8.8 NIV). Faraó reconheceu seu poder limitado e que somente Yahweh era capaz de livrá-lo do problema dos sapos. Ele também declarou, nesta primeira concessão, que enviaria Israel para oferecer sacrifícios a Yahweh. Faraó, no entanto, uma vez livre do seu problema, exibiu sua rebeldia continuada. No quinto encontro, quando os piolhos apareceram, os mágicos de Faraó admitiram que um poder maior estava presente e atuante--o dedo de Deus--e que este era maior do que eram capazes de executar. Nenhuma resposta verbal é registrada; o texto declara que ele continuou a ser duro no seu coração (Ex 8.15 TM, 8.19 NIV). No sexto encontro, só Moisés é citado; Faraó recebe o comando de enviar o povo

2 7 Ver BDB, 1018, col. 2; 1019, col. 1.

2 8 Ver a dissertação de M. Dijkstra, "Verdreven, Vrygelaten of Gevlucht" ("Expulsos, Libertos ou Fugidos") no Nederlands Theologische Tijdschrift 45/1 (1991): 1-15. Dijkstra procura descobrir se os israelitas foram libertos, se fugiram ou se foram expulsos. De uma forma preferivelmente circundante compelida pelo seu desejo de dar crédito às recentes descobertas arqueológicas e de aderir à prática de atribuir várias seções do texto bíblico às fontes J, E, e P, ele não dá nenhuma resposta definitiva. O resultado da leitura da sua dissertação é que pode se aceitar que cada fonte tem sua ênfase ímpar e, consequentemente, Israel foi expulso, foi liberto e escapou.

2 9 Ver Cassuto, Exodus, 66.

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para a adoração. Enxames densos de moscas caíram sobre os egípcios, mas não sobre os israelitas, quando Faraó se recusou a obedecer (Ex 8.20 TM, 8.24 NIV). Faraó estava preparado para ir de encontro à demanda de Deus Yahweh--parcialmente. Os israelitas poderiam ser desobrigados do trabalho por um tempo a fim de adorarem, mas deveriam fazer isto na terra do Egito (Ex 8.21 MT, 8.25 NIV). Esta oferta foi recusada por Moisés, então Faraó concordou em enviá-los um pouco além. Faraó, agora, pediu oração a Yahweh por si mesmo (Ex 8.24 TM, 8.28 NIV). Uma vez que Yahweh havia removido as moscas, Faraó deixou de cumprir suas concessões (Ex 8.28 TM, 8.32 NIV). O sétimo encontro resultou em uma praga somente no rebanho egípcio. Nenhuma resposta verbal é registrada; nenhuma resposta de qualquer tipo foi dada (Ex 9.7). Nenhum progresso foi feito no oitavo encontro, tumores nas pessoas e animais (Ex 9.8-12).

A pressão sobre Faraó foi aumentada no nono encontro. Faraó foi informado sobre a terrível tempestade de granizo na qual Deus Yahweh revelaria que ele e só ele é Deus (Ex 9.14), mostraria seu poder e teria seu nome proclamado em toda a terra (Ex 9.16). Quando Yahweh fez como havia avisado, Faraó fez um concessão adicional hata'tî (eu pequei, Ex 9.27). Ele confessou a hassadîq (justiça) de Yahweh; Yahweh era correto e justo e ele e seu povo eram harsa îm (malfeitores). Prometeu enviar os israelitas para sacrificarem e adorarem. No entanto, uma vez livre da tempestade, novamente se recusou. Quando avisado, no décimo encontro, sobre os gafanhotos que chegariam, os homens de Faraó constrangeram-no a ceder. Quando Moisés e Arão foram trazidos diante deles, ele concordou em deixar somente os homens irem (Ex 10.10). Logo que os gafanhotos vieram e devoraram o que havia restado depois da tempestade de granizo, Faraó fez uma confissão mais específica do pecado contra Deus e seus agentes mediadores Moisés e Arão. Ele também pediu oração--não para si mesmo, mas para que a praga dos gafanhotos fosse tirada (Ex 10.17). O coração de Faraó, na sua resposta, é registrado como tendo sido endurecido por Yahweh. Os israelitas permaneceram sob escravidão cruel.

O décimo primeiro encontro entre Faraó e Moisés aconteceu a pedido do rei. Três dias de escuridão para todo o Egito, exceto para os israelitas, o moveu a permitir que todo o povo fosse, contudo, de mãos vazias (Ex 10.24). A isto Moisés respondeu que animais eram requeridos animais para o sacrifício. Faraó mandou que Moisés nunca mais aparecesse diante dele novamente. Ele não teve intenção de consentir, a despeito de suas concessões para Israel e seu reconhecimento crescente do controle soberano de Deus Yahweh sobre todos os aspectos da vida criacional e nacional. Também reconhecia que Deus Yahweh podia ser um Deus perdoador, mas ele, o rei desafiado, teria perdão nos seus próprios termos e um deles era continuar a lucrar com o trabalho escravo israelita.30

3 0 Childs referiu-se ao elemento de concessão de Faraó que revelou o enfraquecimento gradual da sua resistência à partida de Israel (Exodus, 155). Mas Childs também lembra aos seus leitores que, desde o início Yahweh informou a Moisés e Arão de que Faraó não enviaria os israelitas para fora do Egito (Ex 7.3) ainda que Faraó e o Egito sofressem uma série de golpes severos. Consequentemente, parece claro que o reconhecimento de Faraó do controle de Deus Yahweh sobre os elementos da natureza e suas concessões (i.e., dar tempo para a adoração na terra; então, só os homens podiam ir; então, todo o povo podia ir mas de mãos vazias) não indicaram um enfraquecimento básico de sua intenção em manter os israelitas como seus escravos.

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Nos resta, neste estudo de Êxodo 5.1-10.29, considerar três temas teológicos que estão encaixados nesta passagem: a soberania divina revelada através das pragas; a soberania divina em tensão com a responsabilidade humana como revelado no endurecimento do coração de Faraó; e a soberania divina revelada nos propósitos de Yahweh no seu procedimento com Faraó e com o Egito.

Primeiramente, as pragas deveriam ser consideradas como a própria Escritura as descreve: sepatîm gedolim (grandes julgamentos, Ex 7.4). Deus Yahweh julgaria a Faraó e ao Egito como culpados e este veredicto exigiria grandes atos de castigo. De fato, Faraó e o Egito eram culpados diante de Deus Yahweh e seu povo por causa do tratamento severo à semente da mulher, semente dos patriarcas, o povo especificamente escolhido de Yahweh para servir como meio de bênção às nações. Sob controle satânico, os Israelitas tornaram-se econômica, industrial, política e militarmente lucrativos para o Egito. Nesta situação, o povo de Deus Yahweh não poderia servir como um canal de bênção como Deus Yahweh pretendia. Antes, Satanás, através de Faraó, buscava dizimá-lo, conferir-lhe a ineficácia e, eventualmente, destruir a semente da mulher que estava destinada a esmagá-lo.

O relato escriturístico dos grandes atos de julgamento de Yahweh referem-se a elas como 'ototo e môpetâ (meus sinais e milagres, Ex 7.3).31 Os sinais indicariam o controle de Yahweh sobre os elementos da natureza e os milagres a autoridade absoluta de Yahweh e seu poder sobre toda a criação, causando vários aspectos e elementos a aparecerem e atuarem de forma incomum e até mesmo não natural em algumas instâncias (e.g., a água transformando-se em sangue; três dias de escuridão). No entanto, estudiosos tem escrito muito nas suas tentativas de entender o texto bíblico e seu conteúdo; muitos tem abordado o texto com influências e métodos histórico-tradicionais, crítico-formais e literários. Os resultados destes esforços tem sido divergências a respeito da origem do texto, da confiabilidade dos relatos e até mesmo da possibilidade de que Israel, como um povo, estivesse no Egito e tivesse sido liberto por causa dos atos miraculosos e assombrosos de julgamento que Deus Yahweh trouxe sobre o Egito.32

Comentaristas e teólogos de várias escolas de pensamento tem discutido as pragas individuais. Não será necessário fazer isto aqui. Quatro temas teológicos, no entanto, deveriam ser discutidos.

3 1 James Plastaras, The God of Exodus (Milwaukee: Bruce, 1966), corretamente chamou a atenção às pragas como sinais e maravilhas, cada uma dando um aspecto específico, porém complementar, das obras redentoras de Deus--como sinais, deveriam dizer alguma coisa; como maravilhas, eram eventos que inspiravam admiração. No entanto, falar delas como sacramentos reais, revela a visão de sacramentos Católica Romana que é muito mais ampla e abrangente do que a visão dos Protestantes, 123.

3 2 Neste livro, não serão dados tempo, esforço e espaço para uma revisão das muitas explicações possíveis oferecidas pelos estudiosos críticos. O leitor pode consultar Cassuto, Exodus, 92-140; Childs, Exodus, 130-70, esp. 130-51; e a seção de Durham sobre Forma/Estrutura/Ambiente, Exodus, 94-96, 102-3, 107-8, etc. para cada praga; Finegan, Let My People Go, fez a pergunta: "As pragas representam acontecimentos que são fisicamente possíveis?" Ele prosseguiu a apresentar uma base histórica possível naturalística para cada praga, 47-57. Rylaarsdam considerou o relato bíblico como sendo um registro do modo como as histórias cresciam e eram artificialmente tecidas (Exodus, 838-39). John J. Davis apresenta essas opiniões críticas na "Introduction to the Plagues" e "The Purposes of the Plagues". Ver Moses and the Gods of Egypt, 2ª ed. (Grand Rapids: Baker, 1986), 92-98. Davis cita Joseph Free, que expôs cinco aspectos ímpares das pragas: (1) intensificação, (2) predição, (3) discriminação, (4) ordem, (5) propósito moral.

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Primeiramente, as pragas, enquanto requeridas por Deus Yahweh através de seus agentes, Moisés e Arão, estavam dentro do domínio cósmico natural; alguns aspectos desse domínio eram considerados como dádivas divinas específicas dos deuses para os egípcios. O rio Nilo tinha um caráter sagrado; vários animais também; pensava-se que o céu estrelado exibia traços ou aspectos da deidade. O controle soberano de Deus Yahweh foi mostrado sobre todos esses. Faraó, filho da deidade, e as deidades que representava, eram completamente impotentes na presença dos sinais e sob a calamidade dos atos assombrosos que Yahweh executou sobre o Egito. Assim, Faraó, seu país, seu povo e, especialmente, suas deidades, foram desafiados e ficou provado que eram completamente ineficazes no seu controle dos poderes, leis e aspectos materiais do cosmos.

Segundo, os sinais e maravilhas trabalhados por Deus Yahweh estavam dentro do ambiente cósmico no qual ele havia dado o mandato à humanidade para exercer o domínio, cultivar e fazer frutífero. Mas o que na verdade aconteceu no contexto do pacto da criação foi que a pessoa mais poderosa e influente na terra naquele tempo, o Faraó do Egito, era totalmente impotente no exercício de qualquer domínio, influência ou poder. Moisés e Arão, os agentes pactuais divinamente escolhidos, que haviam sido especificamente chamados para ministrarem dentro da esfera do pacto da redenção, exerceram aquela influência e controle. Eles, no entanto, o fizeram através do comando de Deus Yahweh, o Rei Criador do cosmos, que incluía a nação do Egito em todos os seus aspectos.

O que fez das pragas, os sinais e maravilhas de Deus Yahweh havia dito que eram, foi o seu controle completo em executá-las. Ele informou a Moisés qual praga viria. Ele determinou a ordem delas.33 Além disso, determinou a cronometragem, o dia específico quando cada uma apareceria. Deus Yahweh determinou a intensidade de cada praga e como e o que cada uma faria ao Egito. Determinou a duração de cada uma e fez com que cada praga cessasse no tempo designado. Deus Yahweh determinou qual seria o efeito total de cada praga sobre vários aspectos da vida egípcia. Foi este controle divino de ordem, tempo, intensidade, efeito e duração de cada um dos eventos cósmicos, as pragas, que dá razão a citá-las como sinais e atos assombrosos de Yahweh.

3 3 Ver Keil e Delitzsch, que referiram-se às pragas como milagres penais. As primeiras nove estavam, do modo como as viram, em três grupos de três cada: "este agrupamento não é um arranjo meramente externo...mas é fundamentado nos próprios fatos e no efeito que Deus pretendia que as pragas produzissem" (Pentateuch, 1:473). É difícil considerar seriamente o que Martin Noth escreveu sobre os narradores terem aumentado o número das pragas quando, através da tradição oral, as muitas tradições foram passadas às gerações posteriores. Noth viu discrepâncias dentro da forma final da narrativa, sugerindo isso como uma prova adicional das três fontes originais e de uma série de edições redatoriais. Ver Exodus: A Commentary, trad. J. S. Bowden (London: SCM, 1961), 69. Archie C. C. Lee também admitiu que a narrativa das pragas refletem várias fontes e tentou, sem êxito, encontrar uma chave para qual praga veio de qual fonte considerando a ordem na qual foram referidas no Salmo 105--uma ordem que considera seguir a relação que Gênesis 1 apresenta da origem dos elementos cósmicos. Ver "Genesis 1 and the Plagues Tradition in Ps CV", Vetus Testamentum 40/3 (1990): 257-63. Ziony Zevit, depois de rever dois modos possíveis de interpretar as pragas, a saber, como desastres naturais e como ataques sobre o panteão egípcio, concluiu que as dez pragas foram usadas pelo Senhor para provocar o pensamento de que ele era o Deus da criação. Ele vê as dez pragas seguindo os dez comandos da criação de Gênesis 1. Ziony admite que esta terceira explicação requer especulação. Ver "Three Ways to Look at the Tem Plagues", Bible Review 6 (1990): 16-23, 42, 44.

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Terceiro, a demonstração do poder soberano, autoridade e controle de Yahweh em realizar seus sinais e maravilhas dentro do contexto do pacto da criação foi o meio direto de realizar suas promessas incluídas no seu pacto redentor/restaurador. O fato de que a semente da mulher e dos patriarcas estava física e espiritualmente escravizada deve ser claramente entendido. Faraó, como agente de Satanás, exercia opressão espiritual. Os poderes do domínio parasita de Satanás eram fortes; eles haviam humilhado os israelitas e os feito submissos às influências más tão predominantes no Egito. Dito de forma simples: através do exercício soberano do poder e autoridade dentro do domínio criacional, natural do cosmos, Deus Yahweh preparou Israel para a libertação física, social, cultural e espiritual.34

Quarto, deve ser dito claramente o que foi citado antes: o pacto criacional é o relacionamento básico entre Yahweh e sua criação, o qual inclui todos os aspectos do cosmos. Além disso, para realizar as intenções e metas do seu reino, Deus Yahweh fez preparações para trazer livramento e liberdade através da realização ou administração das suas promessas pactuais redentoras, planos e propósitos. Assim, deveríamos ver o modo como Deus Yahweh, sendo o Governador soberano do seu reino cósmico, traz redenção através do pacto criacional e pacto redentor. Deus, exercendo seu reinado dentro de todo o complexo do seu reino, chama, comissiona e usa seus agentes mediadores para realizarem seus planos e propósitos pactuais. Na verdade, o Cordão Dourado é o fator abrangente e unificador no relato das pragas, humilhando e enfraquecendo o Egito e seu rei e fazendo sua bravura nacional inefetiva.

Nos voltamos agora para uma consideração sobre a demonstração de Yahweh da sua soberania, poder e autoridade sobre Faraó, pessoalmente.

Em Êxodo, existem dezoito referências ao endurecimento do coração de Faraó. Há também uma referência a isto em Romanos 9.17-18. O termo hebraico usado para expressar este endurecimento é hazaq, o qual é usado oito vezes no piel, sendo que Yahweh é o sujeito em sete vezes; aparece três vezes no qal com Faraó como o sujeito (ou é dito que o seu coração estava em uma condição de endurecimento). O termo significa estar ou crescer firme ou forte, ou fortificar. Em ambos, o piel e hiphil, significam fazer ou causar ser muito forte. É interessante notar que as formas piel e hiphil são usadas com Yahweh como o sujeito e uma vez com Faraó. Por esta razão, o texto revela que Yahweh foi um agente ativo no processo de firmar e fortificar o coração de Faraó na sua resistência a ele. (Faraó também é citado, mas não do mesmo modo intenso).

O verbo qasâ aparece duas vezes, ambas no hiphil. Yahweh é o sujeito uma vez (Ex 7.3). Faraó é o sujeito em Ex 13.15; o coração de Faraó é o objeto em Ex 7.3 mas em Ex 13.15 ele, pessoalmente, é descrito como duro (obstinado NIV).

O termo kabed é usado no hiphil uma vez com Yahwen como sujeito (Ex 10.1) e quatro vezes com Faraó como sujeito (Ex 8.11, 28, [TM]; 9.7, 34). É usado no qal estativo uma vez para descrever o coração de Faraó (Ex 7.14). O termo kabed significa, geralmente, ser pesado, opressivo, ou grave mas, em vários contextos, deve ser entendido como referindo-se a "ter honra". Este último sentido 3 4 Ver Vos, Theology, 110-12, que discutiu a "libertação do cativeiro estrangeiro" de Israel e "libertação do

pecado".

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mencionado não transmite a intenção do texto; antes, a idéia de pesado, sombrio e insensível é o pensamento em Êxodo 7.14 (qal) e ser feito pesado, sombrio e insensível ou não responsivo (hiphil) como em Êxodo 8.11, 28 (TM) 9.7, 34.35

Essa revisão dos três termos e uma nota do sujeito dos verbos, claramente revela que ambos, Yahweh e Faraó, eram agentes ativos na insensibilização, fortificação da resistência obstinada e condição endurecida do coração de Faraó. Mas, o relato deste condicionamento inicia com Yahweh informando a Moisés que 'ahazzeq 'et-libbô (Eu farei o coração de Faraó firme e forte [em sua resistência], i.e., eu endurecerei seu coração, Ex 4.21). Isto foi o que Deus Yahweh disse a Moisés depois de ter lhe falado no arbusto em chamas, onde lhe havia assegurado de que ele, Deus Yahweh, sabia que o rei do Egito não enviaria os israelitas para fora do Egito a não ser que uma mão poderosa o compelisse (Ex 3.19). Cassuto formulou ao que se referiu como "a primeira vista, um problema difícil". O problema pode ser descrito como se segue: (1) "Se é o Senhor quem faz forte (ou endurece) o coração de Faraó", o último não deveria ser culpado ou sofrer retribuição. (2) "Se o Senhor sabe a priori o modo como Faraó agirá, segue-se que é impossível, para o último, agir de outra forma" e seria injusto puni-lo por suas ações.36

O "problema" foi discutido e as soluções oferecidas chegaram de várias formas. Cassuto começa sua solução chamando os leitores a perceberem que não se deve pensar em termos de assuntos filosóficos como o relacionamento entre a vontade livre do homem e a presciência de Deus ou da "justificação da recompensa ou castigo para as obras humanas que o próprio Deus ocasionou". Antes, desde que a Torá é anterior ao tempo da lógica grega, esta lógica moderna não deveria ser aplicada. Preferivelmente, se alguém considera o modo como o hebraico antigo se expressa, então deve ser visto que Faraó foi punido pela crueldade com Israel e não por se endurecer e que sua intransigência não foi "computada a ele como iniquidade". Consequentemente, não existe, realmente, um problema.37

W. Eichrodt, em sua discussão da "Providencie e Liberdade", assume a abordagem de que um aparente choque frontal de conceitos está presente. Mas, escreve Eichrodt, "Desde o começo, a crença de Israel no poder de Deus na história e vida individual foi muito acima do cumprimento em larga escala dos seus decretos, os quais fizeram uso até mesmo da teimosia humana para seus próprios fins". Eichrodt prosseguiu dizendo que "não é simplesmente que Deus permite um homem pensar assim e não de outro jeito; ele mesmo está atuante dentro destes atos de liberdade pessoal". E ele adicionou que tentar explicar isto "em termos de vontade permissiva de Deus" não fará justiça aos fatos, nas tentativas de se

3 5 Childs, Exodus, 170-75, fez uma revisão breve dos três verbos usados e dos sujeitos de cada forma do verbo. Ele deu seguimento fazendo a seguinte declaração: "Uma figura preferivelmente clara da distribuição entre as fontes também emerge". O que ele prosseguiu mostrando não é nada claro; cada fonte suposta tem variações e paralelos. Um caso muito mais forte pode ser feito pela unidade do relato, vindo de um autor que usou os três termos para dar expressão vívida à influência de Yahweh sobre Faraó, o papel de Faraó em sua resistência e o processo complexo real envolvido no endurecimento de Faraó e resistência obstinada a Yahweh.

3 6 Cassuto, Exodus, 55.

3 7 Ibid., 55-57.

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chegar a uma resolução. Na Bíblia, não existe indicação de que acreditar na ação de Deus foi determinante na escolha ou ação de um homem e que isto levou "ao simples determinismo"; o homem era visto como responsável por suas ações enquanto, em todos os tempos, a capacidade para a própria determinação é insistentemente mantida.38

Enquanto muito do que Eichrodt escreveu deveria ser considerado seriamente, a discussão é falha na sua colocação do problema no contexto da crença de Israel e no entendimento do seu relacionamento pactual com Deus. Consequentemente, para Eichrodt, dizer que Israel acreditava não é dizer que o que eles acreditavam era, na realidade, verdadeiro.

Gerhard Von Rad expõe sua visão em linhas similares, até certo ponto, às de Eichrodt. Na seção "O Milagre no Mar Vermelho", ele afirma, inegavelmente, que "a frase 'Yahweh libertou seu povo do Egito' é confessional em caráter". Enquanto o próprio evento da libertação do Egito nunca foi espiritualizado, a narrativa do evento foi trabalhada teologicamente até alcançar uma harmonia sublime. A visão de Von Rad é que os detalhes do relato vieram de recontadores e redatores que desejavam glorificar um ato de Deus.39 Uma vez que o problema foi introduzido por estes últimos escritores, não precisamos gastar tempo e energia nele.

Comentários recentemente escritos nem sempre ofercem muita luz ao problema. Durham, enquanto tem comentários extensivos sobre cada praga individual, refere-se brevemente ao endurecimento do coração de Faraó como um elemento para mover-se adiante do relato para a Páscoa e libertação efetiva. Para alcançar este movimento progressivo, a presença poderosa de Yahweh foi requerida na obstinação divinamente induzida de Faraó.40

Childs, em seu amplo excurso, afirma corretamente que a chave para o problema do endurecimento não foi descoberta (i.e., pelos estudiosos críticos) a despeito dos esforços repetidos. Voltar-se para empreendimentos psicológicos não provê solução. E enquanto Childs admite que buscar uma solução através da divisão do material entre vária fontes não tem alcançado sucesso, ele, todavia, segue esta rota mas não chega a uma solução melhor do que dizer "o endurecimento foi o vocabulário usado pelos escritores bíblicos para descrever a resistência que preveniu os sinais de alcançarem sua tarefa designada".41

Cole também apelou para a forma do pensamento hebraico, pela qual Deus poderia ser visto como a causa primeira de tudo sem, em nenhum sentido, negar a

3 8 Theology, 2:178-79.

3 9 Gerhard Von Rad, Old Testament Theology, trad. D. M. G. Stalker (London: Oliver & Boyd, 1963), 1: 175-76 (Teologia do Antigo Testamento, ASTE). Porque os detalhes adicionados pelos redatores aumentam o problema, Von Rad não discute o problema; ele está interessado somente na confissão original de Israel: "nos tirou do Egito com poderosa mão, e com braço estendido, e com grande espanto, e com sinais, e com milagres" (Dt 26.8).

4 0 Durham, Exodus, 55-56. Ele é bem vago quando se trata de expressar se "o elemento" foi introduzido pelo narrador ou se é uma referência ao que transpirou efetivamente no curso da humilhação e derrota de Faraó e preparo para a libertação de Israel.

4 1 Childs, Exodus, 170-75. Parece correto dizer que Childs deveria ter resumido suas desculpas com a declaração que usou quando se referiu aos esforços prévios repetidos: eles "tem sido menos do que satisfatórios".

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realidade e responsabilidade moral do agente humano envolvido.42 No entanto, a questão é, como Cole disse, basicamente de natureza teológica. Que este endurecimento aconteceu com o envolvimento de Deus Yahweh e de Faraó, não deve ser negado; "o problema não é de história e fato". É realidade histórica que Faraó estava com o coração endurecido; isto não se refere à emoção mas à mente, inteligência e resposta de Faraó. Assim, pode ser concluído, continuando o que Cole escreveu, que Faraó argumentou consigo mesmo; Faraó chegou à sua própria conclusão, fraco em compreensão como pode ter sido. Faraó agiu como um pessoa no poder, admirado e acreditado pela população egípcia. Faraó concluiu, depois de ver cada praga cessar, que a perda do trabalho escravo de Israel constituiria em uma perda enorme para todos os aspectos da vida egípcia. Ele pode ter sido fraco em entendimento na sua consideração dos repetidos chamados para deixar Israel ir e dos problemas e devastações que as pragas produziram. Ainda assim, ele foi suficientemente astuto para concluir que o trabalho escravo poderia e iria assisti-lo no trabalho para superar os reveses causados pelas pragas.

Keil e Delitzsch, em contraste com os autores citados acima, estavam corretos quando afirmaram que Faraó não iria submeter sua própria vontade à vontade de Deus. Assim, seu endurecimento "foi fruto do pecado...conseqüência do espírito determinado...orgulho e um abuso contínuo e sempre crescente da liberdade da vontade" que continua a ser uma aspecto da natureza humana.43

O que devemos concluir depois da breve revisão de alguns teólogos e comentaristas representativos?

Primeiro, devemos considerar o texto como vindo da pena de Moisés, que foi uma pessoa chave em todo o cenário. O próprio texto testifica essa autoria e, consequentemente, não há razão para buscar soluções em diferenças de pontos de vista, como sustentado por fontes, narradores e redatores. Este texto afirma claramente que ambos, Yahweh e Faraó, estavam envolvidos no "endurecimento do coração".

Segundo, o texto nos informa claramente que Deus Yahweh tomou a iniciativa (Ex 4.21). Antes mesmo de Faraó ter sido confrontado por qualquer sinal ou maravilha, Deus Yahweh revelou a Moisés o que iria acontecer. Isto, no entanto, não foi revelado a Faraó--nem que os milagres penais iriam ser efetuados e tampouco que Deus Yahweh iria influenciá-lo para resistir.

Terceiro, o texto deixa claro que Deus Yahweh estava em controle completo, soberano sobre todos os aspectos da situação. Moisés e Arão eram seus agentes; eles falaram e agiram como Yahweh havia comandado. Os elementos e forças no cosmos estavam sob o controle real de Deus Yahweh. Eles responderam à sua vontade e poder. Estando no controle soberano do cosmos, Deus Yahweh estava, soberanamente, dirigindo todos os eventos na nação egípcia. Faraó, embora um representante do reino parasita satânico, também estava sob a vontade e governo de Yahweh. Faraó, embora oponente de Deus Yahweh, não era uma exceção.

4 2 Cole, Exodus, 77.

4 3 Keil e Delitzsch, Pentateuch, 1:455.

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Quarto, o texto bíblico é consistente em enfatizar o controle soberano de Deus Yahweh sobre todos os aspectos do cosmos e eventos nele. Os salmistas cantaram, "seu reino domina sobre tudo" (Sl 103.19) e do governo soberano de Yahweh sobre o Egito durante o tempo das pragas (Sl 78.42-52; 105.26-38). O sábio escritor de Provérbios disse, "O coração do rei está nas mãos do Senhor; ele o dirige como um curso de águas para onde quer" (Pv 21.1). Mais impressionante é a declaração de Paulo sobre o Senhor levantando e, então, endurecendo a Faraó (Rm 9.17-18).

Quinto, não é realmente importante perguntar o que veio primeiro, a ação de Faraó ou a de Deus Yahweh. Baron, citando um "antigo escrito alemão" e Agostinho, apresentou a idéia de que o povo começa o processo e que Deus, então, responde através do endurecimento retirando a graça.44 O texto bíblico afirma qual é o plano de ação de Deus Yahweh. Ele executará os grandes atos de julgamento e, enquanto faz isto, envolve Faraó. O governador egípcio experimentará os julgamentos, um por um, e, enquanto experimenta, ele resiste, cede, recua e continua rejeitando a Deus Yahweh e se rebelando contra ele. Assim, o envolvimento é mútuo embora deva ser enfatizado que Yahweh inicia a ação trazendo os "milagres penais" e, no processo de revelação destes, Yahweh e Faraó, em oposição ardente, interagem simultaneamente.

Sexto, o texto bíblico deixa claro que Faraó, não aceitando ou acreditando que estava sob a vontade e controle soberanos de Deus Yahweh, tomou decisões, fez concessões e movimentos contraditórios como uma pessoa que tinha a habilidade de assim agir de acordo com sua própria compreensão, desejos e metas. Ele, de forma pensada, calculada e persistente, desafiou a Moisés, Arão e a Deus Yahweh. Desobedeceu, resistiu e se rebelou. Estas ações foram o resultado de seu juízo insensível, seu coração pesado e duro e vontade continuamente obstinada. Assim, Faraó deve ser visto como responsável por seu estado de mente e coração e pelas decisões que fez e ações que realizou. Faraó se fez culpado diante de Deus Yahweh e se fez ainda mais merecedor do castigo divino. E este castigo também foi executado pelo Rei soberano do cosmos de acordo com sua boa vontade e propósitos.

Uma última declaração: Deus Yahweh realizou sua vontade soberana a respeito de Faraó e do Egito. Ele exibiu o fato de que era o Rei do reino cósmico e que sabia como, sábia e efetivamente, cumprir suas promessas e metas pactuais.

Nos voltamos agora para uma consideração sobre a soberania de Deus Yahweh como revelada nos sinais e maravilhas (e como citado--milagre penais). Existem seis fatores intimamente relacionados a serem considerados.

Primeiro, Deus Yahweh havia prometido libertar a descendência de Abraão, Isaque e Jacó do Egito (Gn 15.14; Ex 3.16; 6.6-7). A promessa havia sido dada 400 anos antes de Yahweh se referir a ela quando comissionou Moisés. Encarando a oposição de uma nação poderosa, Deus Yahweh iria demonstrar sua autoridade e poder soberanos através do cumprimento da sua promessa. Não somente sua fidelidade e veracidade tinham que ser demonstradas, mas a soberania de Deus Yahweh seria vindicada na libertação do Egito. É interessante notar que quando o povo escravizado ouviu sobre a intenção de Deus Yahweh,

4 4 Baron, Israel, 177-78.

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eles acreditaram e adoraram (Ex 4.31). Quando a opressão e o sofrimento aumentaram e os porta-vozes dos escravos expressaram dúvida, Deus Yahweh repetiu sua promessa de libertação com palavras de garantia a respeito do que sua mão poderosa poderia fazer e faria (Ex 5.19-6.1).

Segundo, Deus Yahweh declarou a Moisés que iria redimir Israel com um braço estendido e atos poderosos e, desse modo, exibir seu governo soberano sobre eles e sobre o Egito a fim de que pudessem saber que "Eu sou Yahweh, seu Deus" (Ex 6.7; 10.1-2). Durante o longo período da estada de Israel no Egito, seu conhecimento de Deus e sua fé nele haviam diminuído severamente. De forma soberana, Deus Yahweh iria fazer com que o conhecimento de Israel dele e sua fé nele, fossem revividos.

Terceiro, não era intenção de Deus Yahweh destruir o Egito; ele havia dito a Abraão que iria julgar (ou punir, Gn 15.14 NIV) o Egito. Ele disse a Moisés que iria estender sua mão e golpear os egípcios (Ex 3.20). O salmista, mais tarde, cantou do Egito (Rahab) tendo sido esmagado (Sl 89.10) e Isaías citou Yahweh cortando e perfurando o Egito (Is 51.9). Mas este esmagamento, perfuração e corte não culminariam no fim da existência nacional do Egito. Deus Yahweh golpeou forte. Ele perfurou e cortou profundamente, feriu severamente mas controlou seus atos de julgamento de forma soberana a fim de que o Egito sofresse grandemente, fosse humilhado e enfraquecido a tal ponto que não poderia mais continuar a manter o povo pactual em escravidão. É interessante notar que, a despeito das muitas derrotas e reveses no curso de toda a sua experiência histórica, o Egito nunca havia caído em esquecimento. O poderoso Egito, que protegeu e nutriu a descendência patriarcal até esta ser numerosa o suficiente para se tornar uma nação independente e viável que havia provado ser um lugar de segurança para Jesus como bebê, tem sempre tido o privilégio, sob o controle soberano de Deus Yahweh, de continuar como uma nação identificável.

Quarto, Deus Yahweh falou sobre sua intenção em subjugar Faraó, fazendo-o reconhecer sua dependência em Deus Yahweh. Isto aconteceu quando Faraó, o filho dos deuses egípcios, pediu que Deus Yahweh removesse os vários atos de julgamento (ver e.g., Ex 8.8; 9.27-28). Assim, Faraó demonstrou sua própria fraqueza humana. Ele e povo egípcio vieram, de fato, a reconhecer que o Deus de Moisés e dos israelitas, e somente ele, era o único Senhor soberano (Ex 7.5; 8.22; 9.14; 10.16-17).

Quinto, o testemunho bíblico é consistente em apresentar Satanás como o grande oponente de Deus Yahweh. Foi feita um referência prévia ao fato de Faraó servir como agente de Satanás. Faraó estava sendo usado por Satanás para esmagar a semente pactual da mulher e dos patriarcas. Deus Yahweh demonstrou que seu governo soberano era também sobre o reino parasita satânico. Deus Yahweh explicitamente disse a Moisés que ele deveria dizer a Faraó que Deus Yahweh o havia levantado para mostrar seu poder a ele e que o nome de Deus Yahweh fosse proclamado em toda a terra (Ex 9.16; cf. Rm 9.17). Assim, Faraó não estava, na realidade, sob o controle de Satanás. Na última peleja, por mais que Satanás tivesse tentado controlar a Faraó, ele seria derrotado, Faraó humilhado e o poder e nome de Deus Yahweh proclamado e reconhecido em toda a terra.

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Sexto, o desejo de Deus Yahweh é que ele seja glorificado como o Senhor de tudo o que existe. Ser glorificado é ser reconhecido e honrado enquanto todo poder, autoridade, majestade e santidade lhe são atribuídos. Quando a derrota final de Faraó estava para acontecer nas areias e águas do mar, Deus Yahweh declarou esse propósito culminante e abrangente de exibir sua soberania sobre Israel, sobre a natureza, a nação do Egito e sobre o agente de Satanás, Faraó: "Eu ganharei glória para mim mesmo através de Faraó e todo seu exército e os egípcios saberão que eu sou Yahweh" (Ex 14.4). De fato, o nome de Deus Yahweh foi proclamado entre as nações e a glória foi atribuída a ele. Seus propósitos foram realizados!

Existe mais uma declaração bíblica importante a ser considerada--uma de grande significado. Refere-se ao conhecimento contínuo de Deus Yahweh e seu procedimento a favor de seu povo (Ex 10.1-2).45 A tarefa dos pais, em todas as gerações, em instruir seus filhos, deve ser enfatizada. Esta tarefa é citada em vários contextos das Escrituras, entre eles, Êxodo 10.1-2; 12.26-27; Deuteronômio 4.9; 6.7; Salmos 78.1-8. Vários aspectos importantes desta tarefa dos pais devem ser salientados.

Primeiro, desde o começo da existência humana, quando Deus Yahweh criou Adão e Eva como macho e fêmea, eles foram ordenados a serem frutíferos e a se multiplicarem (Gn 1.28; 9.1). Assim, um homem e uma mulher, unidos pelo casamento, tornando-se uma só carne, deveriam formar uma união duradoura que seria o modo criacional ordenado para os filhos nascerem e receberem um ambiente social estável no qual cresceriam, seriam nutridos e amadureceriam. O mandato social como ordenança criacional foi citado em capítulos prévios. Consequentemente, não é por acaso, mas por intenção divina, que famílias são formadas e filhos surgem dentro deste contexto. Assim, no reino cósmico de Deus Yahweh criado por intenção e comando, filhos são uma herança e parte necessária e tem o papel de tornarem-se adultos progenitores, assim como seus pais. Obediência pactual a respeito de gerar filhos e nutri-los é um requerimento absoluto dentro do reino cósmico que Deus Yahweh designou e criou. Não deveria, portanto, ser surpresa para nenhum leitor ou estudante das Escrituras descobrir que Deus Yahweh reivindica os filhos como seus agentes reais que, enquanto nutridos e maduros, devem realizar os mandatos espiritual, social e cultural.

Segundo, desde o começo da intenção revelada de Deus Yahweh em iniciar seu pacto redentor/restaurador gracioso, ele ordenou que seu pacto deveria ser continuado e administrado através da semente--descendência--filhos gerados e nascidos de pais e mães casados. Deus Yahweh deixou isto claro quando disse, depois que o pecado havia sido introduzido, que o papel de gerar filhos da mulher iria continuar, que ela deveria continuar a olhar para seu esposo com desejo e que ele deveria fazer sua parte como o cabeça da família (Gn 3.15-20). E, através da semente, a vitória prometida sobre Satanás, a redenção da escravidão do pecado e do reino parasita de Satanás seriam alcançados. Assim, todos os pais deveriam perceber que Deus Yahweh colocou uma segunda reivindicação pactual sobre a descendência e ordenou um segundo papel pactual, i.e., serem agentes no 4 5 Uma revisão da maioria dos comentários virá confirmar o que descobri; poucos se referem a este fator

importante em algum detalhe; uma referência é feita usualmente a isto, repetindo-se o que o texto diz.

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trabalho de redenção de Yahweh assim como agentes na realização dos mandados criacionais.

Terceiro, as Escrituras nos informam que filhos são portadores da imagem de Deus Yahweh. Isto estava implícito quando foi revelado que o macho e a fêmea, criados à imagem de Deus, deveriam ser frutíferos; deveriam ter descendência portadora de imagem. Somos instruídos que Deus, tendo criado a humanidade à sua imagem, abençoou o macho e a gêmea e eles tiveram um filho, Sete, que era, precisamente, à imagem e semelhança de seus pais (Gn 5.1-2). Consequentemente, a imagem de Deus foi passada à descendência de Adão e Eva. Não somente Sete, mas toda a descendência é à sua imagem, como somos assegurados através da leitura de Gênesis 9.4-9. Deus Yahweh revela que o assassinato de seres humanos, o derramamento de seu sangue, é proibido porque todas as pessoas são criadas à imagem de Deus. E Deus Yahweh, assim, continua sua reivindicação ímpar sobre toda a descendência humana portadora da sua imagem.

Das Escrituras aprendemos que as pessoas entendiam que deveriam considerar sua descendência como membros íntimos da unidade da família. Por exemplo, Noé e sua esposa levaram seus filhos e noras com eles na arca (Gn 6). Através deles, o trabalho de Noé e, ainda mais importante, os propósitos de Deus Yahweh para a humanidade, seriam alcançados (Gn 9.24-27). Não deve ser surpresa para ninguém o fato de que, do começo ao fim das Escrituras é registrado que a descendência era grandemente desejada assim como considerada importante na obra de Yahweh. Reconhecer esta verdade bíblica é entender o desejo intenso de Abraão e Sara, Raquel e Ana de terem descendência. E, quando os filhos nasceram, é registrado que houve júbilo e um senso de ser abençoado (Gn 4.1-2; 21.1-7 [Sara disse, "Deus me deu motivo para rir"], 29.31-30.24; 1 Sm 2.1-10).

O sacramento da circuncisão também enfatizada a reivindicação ímpar e específica sobre a descendência nascida àqueles que eram incluídos, por eleição, fé e obediência, no pacto da redenção/restauração. Seria através da descendência de Sem, Terá, Abraão, Isaque, Jacó, Judá e Davi que as promessas do amor redentor e vida eterna seriam alcançadas e administradas. Assim, Deus Yahweh colocou uma reivindicação dupla,46 a criacional (que está sobre todos os filhos, i.e., reivindicação universal) e a reivindicação pactual redentora/restauradora sobre a descendência dos crentes pactuais. Somado a isto, enquanto toda a descendência deve ser obediente aos mandatos criacionais, os descendentes dos crentes devem ser obedientes também aos mandatos do pacto redentor/restaurador.

Se alguém percebe a importância do papel da descendência dentro do reino de Deus e, especificamente, na administração dos pactos criacional e redentor/restaurador, então não é difícil entender a incumbência colocada sobre os pais a respeito da instrução de seus filhos. Deus Yahweh deixa claro que sua eleição de Abraão envolvia yesawveh 'et-banayw (instrução autoritária de seus filhos), e de seus servos, para manterem o caminho de Yahweh (Gn 18.19). Antes

4 6 Uma terceira reivindicação por Yahweh sobre a descendência do seu povo foi colocada sobre o primogênito, à qual, uma referência será feita na próxima parte deste capítulo. Ver também Messianic Revelation, 218-21, 487 (Revelação Messiânica, LPC).

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das últimas três pragas atingirem o Egito, Yahweh instruiu Moisés a incumbir os pais da instrução de seus filhos (Ex 10.1-2). Quando a ordenança da Páscoa foi dada a Moisés, a incumbência foi repetida: os pais deveriam instruir seus filhos (Ex 12.26-27). Isto foi repetido quando Yahweh revelou sua reivindicação específica sobre o primogênito (Ex 13.8, 14). Moisés, quando renovou o pacto à margem leste do rio Jordão, repetiu a incumbência de ensinar os filhos. Quando a lei foi repetida, foi dito aos pais para imprimirem em seus filhos o que Yahweh havia feito e revelado. Os poetas inspirados responderam a esta incumbência cantando nos lares e lugares de adoração que iriam instruir seus filhos de tal modo que os netos de seus netos iriam, certamente, receber a mesma instrução que seus antepassados haviam recebido (Sl 78.1-8). Isto deve ser entendido: quando os pais cumprissem sua tarefa pactual--instruir seus filhos--eles não seriam guias injustos e jovens e mulheres não oprimiriam o povo de Yahweh (Is 3:12). Então, a cena que Zacarias descreve sobre velhos e crianças felizes gozando das bênçãos de Yahweh iria, de fato, tornar-se uma realidade (Zc 7.4, 7). Neste contexto, pode-se entender a razão pela qual as mães trouxeram seus filhos a Jesus (Mt 19.13-15; Mc 10.13-16; Lc 18.15-17). Também deve ser considerada a instrução de Paulo aos pais a respeito da sua influência sobre os filhos (Ef 6.4) e sua referência a Timóteo tendo recebido boa instrução de sua mãe e avó (2 Tm 1.5-7).

A incumbência aos pais da instrução de sua descendência, incluía o que deveria ser o conteúdo desta instrução. Deveria ser dito à descendência quem Deus Yahweh era; sobre seu governo soberano sobre toda a vida, sobre seu caráter. (O salmista enfatizou o caráter santo de Yahweh no Sl 77.13). Eles deveriam ser instruídos sobre o que Deus Yahweh havia feito para libertar seu povo e o modo como havia feito isto (Ex 10.1-2; 12.26-27; Sl 78.4-8). Deveriam ser instruídos sobre o modo de vida pactual, que requeria obediência à vontade revelada de Deus (Dt 4.9; 6.7-8). Os salmistas, repetidamente, referiram-se ao caráter, obras e vontade de Deus Yahweh (ver Sl 19; 25.4-15; 105; 106.7-12; 114.1-3; 135.8-9; 136.10-15). A motivação e propósito desta instrução era que a descendência viesse a conhecer Yahweh pessoalmente; quem ele é; o que tem feito; e qual é sua vontade. Este primeiro propósito envolvia o segundo: que a descendência amasse, obedecesse e servisse a seu grande Deus. Um terceiro propósito também estava envolvido: que o conhecimento de Yahweh, seu senhorio, seu pacto(s), incluindo as estipulações, promessas e advertências, continuasse a ser sustentado de geração a geração. E, finalmente, um aspecto certo dos propósitos de Deus era que ele sempre tivesse um povo que seria uma bênção às nações e, através do qual, poderia trabalhar para apresentar o Messias e preparar para sua gloriosa e consumadora segunda vinda.

Concluindo, deve ser dito que os pais que desejam honrar, obedecer e servir a Deus Yahweh, que desejam que seus filhos, vizinhos e todas as pessoas conheçam e amem a Deus Yahweh, que tem um desejo profundo e espontâneo de louvar e exaltar a Deus Yahweh, deveriam ser fortemente motivados a serem agentes mediadores pactuais fiéis de Yahweh, primeiramente no seu casamento e contexto familiar.

Redenção Realizada--Ex 11.1-18.27

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O livro de Êxodo pode, certamente, ser citado como o livro do Antigo Testamento par excellence do evangelho da libertação do pecado e restauração em liberdade para amar, servir e viver de forma agradecida diante do Senhor pactual soberano. A parte de Êxodo que registra particularmente este evangelho da salvação do Antigo Testamento é Êxodo 11.1-18.27. Quatro temas principais são desenvolvidos nesta parte do relato do evangelho do Antigo Testamento: a necessidade da morte, a experiência efetiva da libertação, a manifestação majestosa da realeza soberana, e o antegozo da consumação assegurada.

A Necessidade da MorteHouve três eventos históricos à época da libertação de Israel e saída do Egito quando a morte tornou-se uma realidade necessária. Para se entender a razão pela qual é correto falar da necessidade da morte, é necessário lembrar da declaração de Deus Yahweh antes da queda: kî beyôm 'akalkâ mimmennû môt tâmut (porque no dia em que você comer dela, morrendo você morrerá ou certamente morrerás) (Gn 2.17). O comentário do Novo Testamento que explica esta declaração do Antigo Testamento é: "O salário do pecado é a morte" (Rm 6.23).47 Deus Yahweh havia deixado claro para Adão e inspirou Paulo a entender muito bem o que havia pretendido comunicar. Desobedecer a este comando, rejeitar seu modo de vida, afastar-se da sua comunhão de amor, traria o resultado inevitável da morte. E, como discutido previamente, a morte deve ser entendida adequadamente neste contexto.48 Refere-se, especificamente, à separação de Deus Yahweh, a única fonte de vida e amor, para uma cessação eventual da vida animada (i.e., respiração e circulação sangüínea iriam cessar, fazendo com que o corpo físico se deteriorasse e voltasse ao pó). Adão e Eva imediatamente experimentaram a realidade da morte espiritual: sua separação de Deus Yahweh e a quebra da comunhão íntima com ele. Eles não experimentaram imediatamente a realidade da morte física uma vez que Yahweh deteve isto deles e, assim, eles foram capazes de serem restaurados para a vida espiritual e comunhão através da iniciativa de Deus Yahweh. O efeito certo do pecado, no entanto, sempre permaneceu: separação de Deus e a separação dos aspectos internos e externos da pessoa humana. O primeiro poderia e seria dominado através da experiência real da morte espiritual, isto é, separação de Deus por alguém aceitável a Deus como um substituto. Deus Yahweh proveu para esta experiência de morte, enviando seu Filho para morrer como um substituto para os pecadores arrependidos, confessos e crentes.

4 7 Comentaristas e teólogos do Antigo Testamento, como regra, não tem discutido a morte e sua relação com o pecado em muitos, se é que com algum, detalhes. Eichrodt (Theology) pode ser tomado como um exemplo. No vol. 1, existem umas poucas referências à pena de morte (77-79); no vol. 2 existem referências à morte em sua discussão de nepes (136); sheol e túmulo (210-33); a lei (259); pecado, sua origem, conseqüências, e sua remoção (400-83). Suas declarações são gerais: por exemplo, "A vida é um dom de Deus sobre a qual, os homens não tem controle" (497); "Deus retira o fôlego da vida" (244); "a morte não quebra a comunhão [de Deus] com [o crente]" (259); e "a morte, como resultado do pecado, é tratada de forma ambígua" (406).

4 8 Ver a discussão no cap. 5 acima.

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Os três eventos nos quais a morte teve um papel importante são a morte dos primogênitos do Egito, a morte do cordeiro pascal, e a morte dos perseguidores egípcios. Os filhos primogênitos do Egito, tanto os nascidos da nobreza como os de escravos, morreram quando o último ato de julgamento contra o Egito foi requerido por Deus Yahweh. Os primogênitos do Egito deveriam morrer por causa do pecado persistente e da rebelião de Faraó, demonstrados especificamente em sua recusa em despachar Israel do Egito, o primogênito de Deus Yahweh (Ex 4.22). A razão pela qual Yahweh se referiu a Israel como seu primogênito deve ser entendida. Israel foi escolhido por Deus Yahweh para servir como seu representante privilegiado e amado entre todas as nações da terra. Ser o primogênito de Deus Yahweh era ser agente específico pactual profético sacerdotal e real em nome do Rei cósmico Yahweh. Através do primogênito, o programa de reino de Deus Yahweh seria executado e seus propósitos e metas alcançados.49 No entanto, Faraó se recusou a reconhecer o reinado soberano de Deus Yahweh sobre o Egito como também seu relacionamento específico com Israel e seus propósitos para ele. Faraó assumiu prerrogativas que somente Deus Yahweh poderia reivindicar justamente. Ele apresentou-se como o governador soberano; seu filho mais velho, como o filho sucessor dos deuses, iria controlar o destino de Israel. Consequentemente, o golpe desferido contra o primogênito de Faraó, assim como o de todas as famílias egípcias, foi o golpe mais devastador que Faraó poderia receber. Significava que ele e seu filho mais velho não eram o que alegavam ser. Ele foi forçado a reconhecer que o Deus que podia passar sobre a terra e "ferir cada primogênito--de homens e animais" (Ex 12.12-29)50 era, de fato, capaz de trazer julgamento sobre todos os deuses do Egito e seus agentes e filhos humanos. Assim, a morte de todo primogênito, a cessação efetiva de sua vida animada física, foi necessária para fazer Faraó perceber que ele não tinha a prerrogativa de manter e controlar o agente pactual eleito de Deus Yahweh entre as nações. Esta separação dos machos mais velhos das famílias foi uma conseqüência direta da separação espiritual de Faraó de Deus Yahweh (assim como do povo egípcio) como evidenciado pela sua rebelião de coração endurecido contra Deus Yahweh e sua rejeição a ele.O primogênito de Israel também foi considerado parte da população egípcia. Estes primogênitos também estavam sob a ameaça de morte física. Deveria ser entendido que ninguém que vivia no Egito--egípcio, israelita ou membros de outras nações--poderia esperar ficar isento da ameaça de morte. Ninguém poderia ser considerado justo, pelos seus próprios méritos, diante de Deus Yahweh. Por esta razão, para que todos os primogênitos de Israel continuassem vivendo, deveriam ser protegidos da morte por um sinal divinamente imposto--a saber, o sangue no portal da casa em que viviam (Ex 12.7). Para que o sangue servisse como sinal, a vida tinha que ser confiscada. Um tipo especificamente prescrito de cordeiro tinha

4 9 Van Groningen, Messianic Revelation, 218-21 (Revelação Messânica, LPC). Ver também Keil e Delitzsch, Pentateuch, 1:457-58.

5 0 Cassuto corretamente lembra seus leitores de que os primogênitos dos animais, aos quais um caráter divino era atribuído, também deveriam morrer e, assim, seria mostrado que todos os deuses do Egito estavam sujeitos a Deus Yahweh (Exodus, 133).

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que ser abatido para se obter seu sangue.51 A carne tinha que ser comida por todos que participariam na libertação que aconteceria depois da morte dos primogênitos egípcios e da continuação da vida dos primogênitos de Israel. Yahweh também mandou que os cordeiros pascais fossem abatidos anualmente por toda a história de Israel a fim de que o dom da vida e da liberdade da escravidão física e espiritual do Egito fossem lembrados (Ex 12.14-20).O terceiro evento no qual a morte ocorreu foi no mar (Ex 14.21-28). Os israelitas, no seu caminho até Canaã através do deserto, foram guiados por Yahweh para a margem oeste do mar onde foram "encurralados entre o deserto e o mar".52 Deus Yahweh sabia que Faraó não estava completamente submisso a ele; assim, seu coração foi endurecido mais uma vez (Ex 14.4, 8). Ele enviou seu exército para perseguir, capturar e fazer com que os israelitas voltassem para a escravidão. Deus Yahweh deu aos israelitas uma rota de escape miraculosa53 que se tornou uma armadilha mortal para o jactante exército egípcio, seus oficiais, cavalos, carruagens e tropas. O texto é misterioso e realístico: "nenhum deles sobreviveu" (Ex 14.28). Faraó, pessoalmente, e todo o Egito não foram somente humilhados em submissão, eles tiveram que perceber que estavam completamente vencidos; toda a habilidade de exercer o poder e a influência estava removida. Assim, o agente e servo representativo terreno do reino parasita satânico foi totalmente derrotado. A semente de Satanás foi esmagada. E, neste esmagamento por morte, a vida e a liberdade foram dadas com garantia aos israelitas em fuga.

A Libertação ExperimentadaDeus Yahweh, quando chamou e comissionou Moisés no local do arbusto em chamas, havia revelado a ele que, tendo visto a miséria de Israel e tendo ouvido seu clamor, tinha descido para resgatá-los (Ex 3.7-8a). Depois da humilhação de Faraó, tendo tirado a vida de todo primogênito e poupado o de Israel, esse, na verdade, expulsou Moisés, Arão e todos os israelitas. Ele concordou com tudo o que havia sido demandado uma vez que ordenou: "Saia! Vá! Adore! Leve os rebanhos e manadas! Abençoa-me" (Ex 12.31-32). Faraó não apenas expressou seu desejo de que eles fossem, mas que o povo egípcio ansiava que eles se apressassem e saíssem (Ex 12.33).

5 1 Ver Van Groningen, Messianic Revelation, 221-25 (Revelação Messiânica, LPC).

5 2 Israel estava entre o deserto que estava a leste do Nilo mas a oeste do Mar Vermelho; assim, Israel ainda estava em território egípcio.

5 3 Childs reviu a discussão iniciada por Noth em que ele declarou que a travessia do mar estava no coração da tradição do êxodo que, Noth sugeriu, não estava conectada com a Páscoa e nem com as tradições das pragas. No entanto, Childs vê alguma conexão, mas as soluções sugeridas aos problemas levantados pelos escritores que postulam uma variedade de fontes para as "tradições do êxodo", não são de grande ajuda. Aparte dos materiais de Êxodo atribuídos às várias fontes, ele acha que a linguagem mitológica da "batalha do mar e da travessia do Mar Vermelho foi influenciada pela travessia do rio Jordão". Finalmente, Childs também acredita, incorretamente, que um papel eventualmente dado à Páscoa no culto de Israel "afetou fortemente a figura da tradição do mar" (Exodus, 221-24).

A explicação de Willem H. Gispen é fiel às Escrituras. Ele escreveu que o relato da travessia através do Mar Vermelho é, de um ponto de vista literário, um dos mais belos nas Escrituras. Essa travessia do mar foi, de fato, uma realidade nacional e espiritual da mais alta ordem e prefigurava a grande vitória obtida no Calvário para o povo de Deus. Gispen adicionou que nenhum argumento bem fundamentado pode ser colocado contra a historicidade deste evento miraculoso. Ver Exodus Korte Berklaring der Heilige Scrift (Kampen: Kok, 1951), 145.

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Os israelitas começaram sua jornada à liberdade. Como um povo escravo, eles não foram de mãos vazias. Deus Yahweh demonstrou que assim como havia trazido redenção através da administração do seu pacto da salvação graciosa, ele também era o Soberano do cosmos e seus tesouros. Ele, através da administração do seu pacto criacional, proveu os israelitas com todas as necessidades para a vida, serviço, defesa e adoração enquanto estes se moviam para dentro do deserto entre o Egito e Canaã. Ele havia garantido a Moisés, quando o chamou, que o povo egípcio seria "disposto favoravelmente" (Ex 3.21-22; 11.2-3) a dar tudo o que fosse requisitado pelas mulheres israelitas--prata, ouro, vestimenta. O texto nos informa que quanto as mulheres pediram, receberam. Na verdade, elas receberam tanto que os egípcios, temendo a morte para todos assim como havia acontecido com seus primogênitos, na verdade, desfizeram-se de seus tesouros a uma tal extensão que é dito que Israel saqueou o Egito (Ex 12.36).54 Assim, da mesma forma como Deus Yahweh havia endurecido o coração de Faraó, ele abrandou os corações do povo egípcio a tal extensão que estes desistiram de seus tesouros em favor dos israelitas em retirada. Novamente, Deus Yahweh demonstrou que era, de fato, o governador soberano sobre o reino cósmico e exerceu seu governo régio sobre um rei déspota, uma nação angustiada, as riquezas de uma terra e sobre um povo escravizado. Ele proveu os israelitas com riqueza abundante de forma soberana, compassiva, misericordiosa e magnânima. Sua promessa pactual a Abraão foi cumprida (Gn 15.14).Os israelitas, antes de experimentarem efetivamente sua libertação final do Egito, foram ordenados a dar respostas que iriam lembrá-los do que haviam recebido e também honrar e glorificar seu Deus. Deus Yahweh procedeu duramente com os egípcios trazendo morte e, assim, ganhando glória para si mesmo e um reconhecimento, pelos egípcios, de que era Yahweh (Ex 14.4). Os israelitas receberam instrução sobre o modo como eles, como protegidos de Yahweh (da morte), enriquecidos (pelos tesouros egípcios), e povo pactual liberto (da escravidão), deveriam também fazer isto.Eles deveriam celebrar a Páscoa anualmente de acordo com as instruções dadas. Assim, deveriam comemorar o fato de terem sido protegidos pelo sangue e poupados da entrada da morte em suas famílias.Eles também receberam o comando de consagrarem a Yahweh, todos os machos primogênitos. A frase qaddes lî (piel imperativo de qadas, separar) não deveria deixar dúvidas sobre o que Yahweh estava demandando. Com autoridade real, ele reivindicou especificamente todos os primogênitos machos, humanos e animais. Enquanto separados especificamente por Yahweh, todos os primogênitos deveriam ser considerados consagrados a Yahweh como possessões santas. E ele os reivindicaria como seus, para devoção específica nas tribos (Nm 3.12).

5 4 Cassuto escreveu que muitas interpretações diferentes deste incidente "tem sido apresentadas", "ambas, depreciativas e apologéticas", mas superficiais (Exodus, 44). Childs referiu-se a algumas das explicações sem apoiá-las; ele viu o saque dos egípcios pelos escravos em partida como se segue: "Visto à luz de todo o Antigo Testamento, o fato dos egípcios terem sido saqueados é outro sinal da eleição de Israel". Infelizmente, Childs acrescentou "que constituía a fé de Israel" (Exodus, 175-77).

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Os israelitas também foram ordenados a celebrar por todas as gerações futuras, como uma última ordenança, a Festa dos Pães Asmos (Ex 12.14).55 Esta festa seria celebrada conjuntamente com a celebração do cordeiro pascal. Comer o cordeiro pascal marcava o começo da semana da celebração. Era um ato comemorativo distinto do fato do Senhor ter realmente passado por sobre as casas onde o sangue de um cordeiro estava espargido. Depois de comer o cordeiro, os israelitas deveriam passar uma semana em que parariam com todo o trabalho, exceto o de preparar refeições com pão sem fermento. No Novo Testamento, o fermento era o símbolo da hipocrisia (Lc 12.1), malícia e fraqueza (1 Co 5.8). É possível mas não provável, que o fermento representasse isto na vida israelita primitiva. Ele não é referido como tal. Antes, o fermento indicava o pão levedado, i.e., tornava sua textura menos pesada e dura; o fermento fazia com que o pão fosse mais saboroso e agradável de se comer. Consequentemente, a Festa dos Pães Asmos deve ser entendida como uma lembrança da vida desagradável, intragável e difícil que o povo havia experimentado como escravos no Egito. O cordeiro pascal apontava para o modo como eles haviam sido libertos; os pães asmos apontavam para do que haviam sido libertos. Assim, as duas festas estavam apropriadamente combinadas em uma celebração de uma semana.Os israelitas também deveriam responder à sua libertação por Yahweh através da narração do que Deus Yahweh havia feito. Isto deveria ser feito pelos pais quando os filhos perguntassem a razão pela qual a Páscoa era celebrada (Ex 12.26) e inquirissem sobre a consagração dos primogênitos (Ex 13.14). A instrução deveria assegurar que a memória do que Deus Yahweh havia feito quando libertou Israel da escravidão, continuaria de geração a geração.56

Concluímos que a vida no reino para o povo pactual requeria obediência ao comando de Yahweh sobre a instrução dos jovens em empenharem-se nas festividades de adoração.Deus Yahweh havia declarado a Moisés que quando fosse a Faraó, ele, Deus, estaria com ele (Ex 3.12). Isto foi um aspecto central e permanente do pacto de Deus Yahweh com seu povo: Eu sou seu Deus: Eu estarei contigo (Gn 15.1; 17.7; 26.3; 31.3). Deus Yahweh, de fato, estava com Moisés e Arão quando foram ordenados repetidamente a abordarem e desafiarem a Faraó. Uma vez que o povo estava, de fato, em seu caminho, Deus Yahweh fez da fórmula pactual--E sou seu Deus; Eu estou contigo--uma realidade visível através de uma presença teofânica. O texto bíblico nos informa que welo-naham 'elohîm derek (e Deus não os conduziu, qal perfeito de nahâ, no caminho). Assim, quando Faraó besallah (quando ele enviou) o povo de Israel para fora, Deus Yahweh os conduziu (Ex 3.17)57 através de uma rota mais longa rumo ao Mar Vermelho ao invés de uma

5 5 Durham, infelizmente, aceita a visão crítica de que a observação do ritual comandada por Yahweh foi tomada de um outro contexto pelos redatores sacerdotais, e que isto foi feito por causa de propósitos litúrgicos e não refletiu a sequência de eventos históricos e seus inter-relacionamentos (Exodus, 158).

5 6 Ver parte II, para. 5 acima.

5 7 Não é necessário tentar seguir todas as discussões a respeito da rota efetiva que Israel seguiu. É claramente dito que os escravos libertos, a uma certa altura, voltaram no seu caminho e é certo que Yahweh os guiava. A maioria dos lugares por onde viajaram, ponto de partida e chegada, está registrada em Números 33. Nem todos os lugares citados previamente em Êxodo, estão incluídos. Muitos dos lugares

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mais curta através de território filisteu. Eles estavam equipados para batalha (Ex 13.18), indubitavelmente porque haviam recebido equipamento militar quando os egípcios foram saqueados, mas Yahweh não considerou sábio que os escravos libertos fossem engajados em batalha tão cedo, logo depois de terem sido libertos da escravidão. Indubitavelmente, os homens não haviam sido organizados ou preparados, de forma alguma, para a guerra. O texto prossegue nos informando o modo como Deus Yahweh estava com eles e como os guiou. wayhwâ holek (e Yahweh ia adiante deles [qal particípio ativo de halak, ir]). Note que a forma do verbo indica ação contínua--ele estava indo adiante deles constantemente, todo o tempo. Ele fez isto aparecendo em uma nuvem durante o dia e em um pilar de fogo à noite.58 O texto repete, "Nem o pilar da nuvem durante o dia nem a coluna de fogo durante a noite deixaram seu lugar em frente ao povo". Aqui novamente, Deus Yahweh demonstrou seu senhorio sobre o reino cósmico enquanto, administrando seu pacto da criação, dava garantia constante da sua presença, provia proteção contra o sol durante o dia e luz à noite, e dava direção em um caminho não conhecido aos escravos libertos. Enquanto os israelitas viajavam ou permaneciam acampados, eles tinham a garantia constante do princípio Emanuel pactual: Deus está conosco.

A MANIFESTAÇÃO DA REALEZA SOBERANA

Deus Yahweh fez manifestações miraculosas do seu poder real e autoridade sobre todos os aspectos do seu reino cósmico quando realizou seu programa redentor para Israel. Referimo-nos a esta soberania sobre Faraó no endurecimento do seu coração; sobre a natureza causando um ato de julgamento atrás do outro; sobre a nação do Egito quando lhes trouxe medo, fazendo-os prontos a expulsarem Israel com presentes generosos; e sobre o reino parasita satânico quando sua influência através de vários canais egípcios foi frustrada. Yahweh manifestou seu poder e autoridade real sobre o cosmos quando trouxe a nuvem e a coluna de fogo para seu serviço a favor do povo no deserto. O evento do êxodo e os eventos subsequentes imediatos, deram uma demonstração maravilhosa da sua realeza soberana. É explicitamente declarado que Yahweh, através desses atos, buscava glória para si mesmo assim como um reconhecimento do seu senhorio sobre tudo (Ex 14.4). O episódio histórico culminante em todo o evento do êxodo, aconteceu no Yam-Sup (Mar Vermelho, Ex 13.18). A cena tem proporções dramáticas. A força militar de Faraó estava atrás, o mar à frente, o povo liberto no meio. Então, como nunca antes ou depois, a coluna de nuvem e fogo moveu-se da frente para detrás dos israelitas: isto deu-lhes luz mas escuridão aos seus perseguidores (Ex 14.18-19). Os israelitas aterrorizados foram assegurados de uma grande libertação. Em nome de Yahweh, Moisés disse, 'al-tira'û hityasebû wûre'u (não temam, permaneçam firmes [hithpael imperfeito de yasab, e vejam]). Acalmem seus corações, fortaleçam suas pernas

citados são difíceis de se localizar. Ver as notas de comentário de Gerard Van Groningen, "Numbers", no Evangelical Commentary on the Bible, ed. Walter Elwell (Grand Rapids: Baker, 1989), 104-5.

5 8 Ver Van Groningen, Messianic Revelation, 232-34 (Revelação Messiânica, LPC), para uma discussão sobre o pilar de nuvem e fogo.

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permanecerem de pé, e mantenham seus olhos abertos! A promessa de Deus Yahweh era que, por causa do seu controle absoluto sobre a nação mais poderosa, sua casa real e poder militar, o completamente inesperado iria acontecer. Cada egípcio que os perseguia e lhes causava terror seria aniquilado para todo o sempre. Os israelitas só tinham que confiar e obedecer; Deus Yahweh iria realizar seus propósitos: derrotar, humilhar e incapacitar o inimigo e libertar seu povo escolhido da escravidão e da ameaça de serem subjugados novamente pela autoridade e poder egípcio.Um milagre aconteceu, mas não antes de Moisés levantar seu bastão e estender sua mão sobre o mar (Ex 14.16, 21). Um vento forte se levantou em resposta aos atos de Moisés; Deus Yahweh, assim, preparou uma rota seca através do mar.59

Os antigos escravos marcharam através dela de forma desimpedida. Faraó, divinamente endurecido, e seus seguidores pensaram que poderiam, também, se beneficiar do milagre glorioso. Ele se tornou o meio do julgamento. O bastão levantado e braço estendido de Moisés, uma segunda vez, foi o sinal para o retorno das águas à sua posição normal. Os egípcios confusos e, agora, aterrorizados (Ex 14.25) tentaram fugir mas sem sucesso. Deus Yahweh havia soberanamente proposto remover qualquer ameaça adicional de escravidão para seu povo. Os israelitas libertos ficam profundamente marcados pela salvação que Yahweh lhes havia dado; eles viram o grande poder de Yahweh (Ex 14.31). Naquele tempo e lugar, Israel temeu; o povo estava cheio de espanto, reverência e admiração pelo seu Deus pactual. Além disso, wayya'amînû (eles colocaram a confiança) em ambos, Yahweh e seu servo Moisés que agiu como mediador pactual.Esta libertação de Israel e derrota e domínio do Egito deram expressão culminante ao reinado absoluto de Yahweh. Ele, e somente ele, era Rei. Tudo o que compunha a nação do Egito, o povo de Israel e os elementos da natureza e forças usadas no drama no Mar Vermelho, estavam, acima de qualquer dúvida, incluídos no reino de Deus. Consequentemente, ninguém precisa se surpreender com o fato de Davi cantar sobre a grandeza de Yahweh, dos seus atos poderosos, do seu esplendor glorioso, da sua majestade quando meditava sobre a obra maravilhosa de Deus Yahweh (Sl 145.3-6). Ele prosseguiu cantando sobre a glória do reino de Yahweh, o seu esplendor e do seu domínio duradouro (Sl 145.11-13). Para Davi, de fato, existia um reino, o reino cósmico, no qual a monarquia teocrática era uma representação terrena, um símbolo para aquele tempo.Davi não foi o primeiro a louvar Deus Yahweh em canção. Moisés e sua irmã Miriã compuseram uma hassîrâ (canção, Ex 15.1-21). Vários temas foram tecidos juntos a fim de que toda a experiência da sua libertação fosse comemorada e celebrada. Os temas da canção podem ser dispostos como se segue:

5 9 Childs comenta que "a libertação no mar foi efetivada por uma combinação do maravilhoso e do ordinário"--o maravilhoso: água dividida por um bastão; águas empilhadas como um parede poderosa; o pânico causado pelo relance ardente de Yahweh; o ordinário: um vento leste soprou; egípcios afogados em uma mar normal; a lama no fundo do mar parou as rodas das pesadas carruagens. Israel, em uma reflexão teológica, de acordo com Childs, não procurou fragmentar um grande ato de redenção em partes (Exodus, 238). O comentário de Gispen, "Yahweh fez uso dos meios naturais" (Exodus, 153), é mais útil do que o de Childs.

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O Louvor O Inimigo Dominado

Yahweh: Redentor e Rei

Os Atos de Yahweh

O Povo Redimido

As Reações da Nação

v. 1bv. 1c

v. 1ev. 2a

v. 2bv.3

v. 4avv. 4b,5

v.6vv. 6b, 7, 8

v. 9v. 10a

v. 10bv. 11

v. 12v. 13 vv. 14, 15,

16avv. 16b, 17

v. 18v. 21c

v. 22bv. 23c

Uma breve consideração dos seis temas, nos ajudarão na apreciação da resposta do povo liberto. Mas, atenção séria deve também ser dada ao papel de Moisés e Miriã, que compuseram a canção e guiaram o povo no canto. Aqui, observamos Moisés em uma atividade profética ímpar: ensinando e guiando a adoração.60

1. A intenção do reconhecimento de Yahweh é expressa pelos termos "cantar" e "louvar". O canto é dirigido a Yahweh; ele é o objeto do louvor por causa do que ele é e do que faz. Muito pouco é expresso sobre eles mesmos--somente que são redimidos (v. 13b). Sua libertação é entendida como implícita nas referências a Yahweh, a seu inimigo e às nações que observavam.

2. Existem quatro referências diretas ao inimigo egípcio, mas o Egito não é citado diretamente. Seus meios e poderes militares são reconhecidos, mas estes são facilmente conquistados pelo poder e majestade de Deus Yahweh. A ostentação do inimigo (v.9) foi negada pelo fôlego de Yahweh que abriu o mar.

3. Deus Yahweh é o sujeito principal, mais freqüentemente repetido. A pessoa de Deus é descrita como amorosa e compartilhadora. Ele é a força dos crentes e o Salvador. Ele é o verdadeiro Rei; é um lutador

6 0 Dizer, como Childs, que a canção retratava a fé do povo (Exodus, 238) está correto; a implicação de que a canção surgiu entre o povo não é correta, o texto diz que Moisés cantou (i.e., os ensinou) e Miriã cantou para as mulheres (Ex 15.21).

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enquanto conduz seu povo à vitória; é o fiel (v.3). Ele é majestoso em poder, incomparável em sua santidade, glória e operador de maravilhas excelente. Ele é para sempre e sempre, o Rei que reina.

4. Os atos de Deus Yahweh são os mais citados a seguir. Mas as referências à derrota e aniquilação do inimigo também o são na mesma freqüência--ambos, quatro vezes. Dessa forma, a pessoa de Yahweh é o tema central, principal; o que ele fez e o que aconteceu ao inimigo são colocados em contraste. Deus Yahweh tomou todo o poder militar do Egito como se fosse apenas uma pedra em sua mão e a arremessou para dentro do mar (vv. 1, 4). Ele despedaçou os inimigos, golpeando-os com sua mão direita e os fez desaparecer como se fossem queimados até virarem cinza; ele teve apenas que soprar e a libertação veio pelo mesmo meio que a destruição (vv. 10-12).

5. A redenção de Israel é comemorada quando a garantia de que Yahweh behasdeka (em sua fidelidade pactual) ga'altta (redimiu) o povo é expressa. Não existe referência direta ao pacto de Deus Yahweh com a descendência de Abraão, mas uma das características pactuais enfáticas de Yahweh é citada. Em seu amor pactual infalível e para sempre fiel, Deus Yahweh pagou o preço redentor para libertar seu povo, o qual conduziria no futuro como os guiou através do mar (v.13). Enquanto o inimigo era dominado, aniquilado, depositados como pedras nas profundezas do mar, o povo pactual de Yahweh era guiado para sua herança prometida, onde seriam estabelecidos seguramente e Yahweh em seu santuário, entre eles (vv. 13b, 16-17).

6. As nações vizinhas da herança prometida certamente ouvirão sobre a derrota do Egito e a redenção de Israel. Isto as fará tremer em angústia; elas estarão aterrorizadas e desvanecidas. Quatro nações com as quais Israel interagiria no futuro são mencionadas: Filístia, Edom, Moabe e Canaã. O povo pactual redimido de Deus Yahweh, guiado e implantado por ele, pode e se tornará invencível porque seu Deus Yahweh yimlak le olam wa ed (reinará para sempre por todo o tempo).

Nessa resposta poética à grande vitória alcançada por Deus Yahweh sobre o jactante Egito, a idéia central e dominante é expressa de várias maneiras mas é declarada de forma culminante na última linhas: "Deus Yahweh é rei" (Ex 15.18). Ele está reinando e tem demonstrado seu reinado sobre os elementos e forças da natureza, sobre as nações e sobre seu povo escolhido. De fato, o reino de Yahweh era uma realidade presente. Não deveria ser esperado para algum tempo futuro. Yahweh estava reinando, demonstrando seu amor pactual, sua perícia militar, sua posição e caráter exaltados e sua autoridade, poder e habilidade para vencer seus oponentes.Esse registro histórico da jornada do Israel redimido nos seus primeiros estágios através do deserto até o Monte Sinai, onde Moisés havia sido comissionado (Ex 3.12), narra dois temas básicos: a infelicidade do povo e a paciência de Yahweh. O povo começou a murmurar três dias após a sua libertação porque não tinha encontrado água fresca (Ex 15.24). Mais tarde, eles discutiram com Moisés quando estavam sedentos (Ex 17.2). Murmuraram porque perderam os vegetais frescos que haviam comido no Egito (Ex 16.1-3); até pensaram que era melhor

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estarem mortos do que mal alimentados. O povo tinha problemas e disputava entre si e buscava a Moisés para lhe servir de juiz (Ex 18.13-16). A ingratidão do Israel redimido não deveria ser esquecida porque os escritores dos salmos os lembravam do fato. O Salmo 106 inclui referências à rebelião no Mar Vermelho (v. 7), ao esquecimento dos feitos de Deus e dos desejos do povo que "testavam a Deus" (v. 14 NIV).61

De fato, Deus Yahweh era testado pelo seu povo que, ao invés de expressar gratidão, louvor e adoração enquanto marchavam pelo deserto, queixava-se a Moisés e contra Deus. O que um rei soberano deveria fazer aos súditos que esqueciam os milagres feitos em seu favor por um Senhor soberanamente amoroso, compassivo e misericordioso? As respostas iniciais de Yahweh demonstraram uma grande paciência. Ele entendeu as necessidades do seu povo; ele os acomodou em seus ajustes totalmente estranhos. Ele revelou sua soberania, poder e autoridade reais em nada menos do que quatro formas específicas.Primeira, ele os supriu com água. A água amarga de Mara foi adoçada. Moisés só teve que jogar um pedaço de madeira na água e um milagre foi realizado (Ex 15.25). Yahweh, tendo lhes dado água, os instruiu sobre qual deveria ser a sua atitude e resposta: o povo deveria escutá-lo e, obedientemente, seguir todos os comandos e decretos que colocara diante deles (Ex 15.25-26). Não é dito explicitamente o que requeriam; no entanto, deve ser entendido que, pelo menos em um breve sumário, foram instruídos sobre o modo de vida pactual que seria explicado de forma mais completa no Sinai. Pode se aceitar que as leis sobre a saúde estavam incluídas, assim como também uma demanda para a submissão espiritual e moral. O povo foi assegurado de que quando fosse o povo pactual, redimido e obediente, gozariam de saúde; nenhuma praga, como as que acontecera no Egito, os afligiria. A saúde física foi assegurada enquanto a devoção espiritual e a retidão moral fossem praticadas.Deus Yahweh supriu água uma segunda vez a um povo desobediente e murmurador e de uma forma ainda mais dramática e maravilhosa. Moisés guiou o povo à rocha de Horebe, que significa desolação, e, lá, na área estéril e seca da península do Sinai, usando o bastão que havia atingido o Nilo, Moisés golpeou a rocha. Tão miraculosamente quanto a água do Nilo havia se transformado em sangue, a rocha seca proveu uma corrente de água fresca: Deus Yahweh era o Senhor soberano sobre o deserto estéril! Ele podia e produziu água fresca e límpida de onde não havia água alguma.Segunda, o povo se tornou faminto por comida nutritiva e saborosa. No oásis de Elim, onde tiveram água, o povo desejou carne e outras comidas rotineiras. Morrer como escravos parecia preferível do que morrer de fome por causa da falta de comida sadia, não que não podia se obter prontamente no deserto. Deus Yahweh deu uma demonstração da sua glória (Ex 16.10) e garantiu ao povo de que eles teriam carne e comida diária. Direções foram dadas quanto à coleta e preparação da comida--maná, pão que Yahweh faria cair do céu (Ex 16.4).62 Este pão caiu do céu por quarenta anos; ele proveu alimento aos viajantes do deserto. Em resposta

6 1 Ver também Sl 78.40-41; 1 Co 10.9-10.

6 2 Ver Van Groningen, Messianic Revelation, 235-37, esp. nn.62, 63 (Revelação Messiânica, LPC).

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ao desejo por carne, Yahweh também a proveu em abundância. Ele assim o fez miraculosamente, como é evidenciado pela escolha do momento e quantidade.Terceira, Yahweh guiou os israelitas para uma percepção de que ele era, de fato, o Senhor das nações e que ele determinava o resultado das aventuras militares. Isto foi exibido quando os amalequitas entraram na área do deserto onde Israel estava acampado. Nenhuma razão foi dada para este ataque (Ex 17.8-16).63

Moisés planejou a estratégia: Josué64 deveria comandar os soldados; Moisés, Arão e Ur deveriam ir ao cume do morro, de onde poderiam assistir a batalha. Enquanto as mãos de Moisés estavam levantadas em súplica devota a Deus Yahweh, Israel, sob Josué, era vitorioso sobre os amalequitas. O altar que Moisés construiu, chamando-o de "Yahweh é a minha Bandeira", era um memorial à vitória que veio do trono de Yahweh (Ex 17.16). Assim, Moisés reconheceu que Yahweh, Rei das nações, havia demonstrado seu desejo e poder soberanos em favor de Israel e contra os amalequitas. Note também que, por causa do seu ataque sobre Israel, que havia ganho a bênção da liberdade só recentemente, os amalequitas foram colocados sob uma maldição que seria executada através de guerra contínua contra eles e até que estivessem completamente removidas "da memória" (Ex 17.14, 16).65

Quarta, o relato da visita de Jetro e do conselho que deu a Moisés poderiam ser considerados, basicamente, como um evento social (Ex 18). Ele era o sogro de Moisés; tendo ouvido que Moisés e Israel estavam na área do Sinai, ele trouxe sua filha, a esposa de Moisés, e os filhos a ele.66 Jetro, um sacerdote, quando ouviu sobre os atos de julgamento sobre o Egito e os sofrimentos de Israel e sobre

6 3 Amaleque era um neto de Esaú (Gn 36.12). Seus descendentes aumentaram rapidamente; seu território natal era na área de Cades, no centro-norte da península do Sinai e parte oeste do Neguebe (Gn 14.7). O comentário de Keil e Delitzsch de que os amalequitas, assim como outros descendentes de Esaú, estavam dispostos a atacarem a "Israel como a nação de Deus e, se possível, destruí-la. O comando divino para exterminar Amaleque, aponta para isto" (Ex 17.14) (Pentateuch 2:78). Cassuto corretamente mostrou que, como um povo beduíno, os amalequitas vagavam sobre uma área vasta ao sul de Canaã. Desejando prevenir problemas futuros, uma tropa de guerreiros atacou a retaguarda da tropa israelita (Dt 25.18), onde se encontravam os fracos e os cansados (Exodus, 204).

6 4 Josué, não identificado antes mas posteriormente como um descendente de Efraim, a respeito de quem Jacó havia profetizado que sua tribo seria grande (Gn 48.19), foi escolhido como o comandante do seu grupo escolhido de lutadores israelitas (Ex 17.8-9).

6 5 Childs discute brevemente o que os estudiosos tem visto como dificuldades específicas com Ex 17.15-16 (Exodus, 311). Existe o problema do termo kesyâ. A LXX oferece a frase "com uma mão secreta". Ver John H. Wevers, Notes on the Greek Text, 272. A maioria dos estudiosos entendem ks como sendo uma forma abreviada de kisse, trono, que dá razão para a NIV traduzir "mãos foram levantadas ao trono do Senhor". Esta tradução é apoiada pelo contexto: mãos haviam sido levantadas em súplica (Ex 17.11-12). O nome dado ao altar foi yehwâ nissî (Yahweh é meu levantador ou bandeira); embora traduzido como "Yahweh é a minha bandeira", o pensamento é que Yahweh levantou ao alto (seu povo), ele deu-lhes vitória. O pensamento do trono soberano de Deus Yahweh está embutido.

O segundo problema que Childs se refere é a relação do v. 16b com os vv. 15 e 16a. Ele discute os aspectos etiológicos envolvidos. Depois de rever algumas soluções críticas, ele opta por uma estrutura etiológica para o v. 16. Sua solução não esclarece o texto; o v. 16 declara o modo como Yahweh irá eliminar Amaleque da memória através de gerações de guerra.

6 6 Não é registrado quando Zípora voltou para seu pai. Ela acompanhou Moisés parte do caminho (Ex 4.20). A visão de Pamela Reis de que o casamento foi dissolvido depois da resposta irada de Zípora à confissão de Moisés, não dá margem ao fato de Jetro ter trazido Zípora e os filhos de Moisés uma vez que os israelitas estavam fora do Egito (Reis, "Bridegroom of Blood").

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o modo como Deus proveu (Ex 18.8-10), louvou, reconheceu e adorou a Deus Yahweh como o Senhor soberano (Ex 18.9-12). Assim, a visita social tornou-se um tempo para louvor e adoração. Jetro, evidentemente vindo de uma sociedade bem organizada que também vivia em condições desérticas, aconselhou a Moisés sobre o modo de organizar um sistema judicial (Ex 18.13-26). A designação de juizes em vários graus e níveis de responsabilidades provou ser um modo muito eficiente de se lidar com assuntos que requeriam ação judicial. Este sistema, introduzido de acordo com o conselho de Jetro, certamente teve a aprovação divina uma vez que foi integrado à vida israelita e serviu efetivamente a causa da justiça e da paz.67 Embora Moisés não tivesse recebido uma revelação direta de Deus Yahweh sobre o modo de administrar a justiça, pode-se tomar como certo de que foi sob a provisão de Deus Yahweh que Jetro veio a Moisés e o aconselhou, como fez.

Um Passo Rumo à ConsumaçãoA época Mosaica da revelação68 pode ser considerada como tendo quatro estágios. A revelação do primeiro estágio, com suas respostas e conseqüências, é dada em Êxodo 1.1-18.27. Este estágio apresenta a conexão inseparável da revelação de Deus Yahweh do seu reino, pacto e agente mediador entre a época patriarcal e toda a época Mosaica. Ele, particularmente, prepara para os estágios 2 (revelação no Sinai), 3 (revelação no deserto), e 4 (revelação à margem leste do rio Jordão). O que é revelado no primeiro estágio da época Mosaica não é, basicamente, uma nova revelação; antes, dá evidência para o caráter orgânico, progressivo, histórico, realístico e adptável da revelação. Este estágio indica um grande passo rumo à consumação do reino de Deus Yahweh.69 Isto pode ser prontamente observado quando se considera os assuntos básicos introduzidos em Gênesis e explicados posteriormente em Êxodo 1.1-18.27.Deus Yahweh repetidamente revelou que era e é o Rei soberano, o Governador onipotente, controlador de todo o reino cósmico. Todos os aspectos estavam sob seu governo positivo: os descendentes dos patriarcas, seus agentes pactuais, Moisés e Arão, a nação egípcia, o coração de seu governador, todos os elementos, forças e leis da natureza e, não menos do os outros, o reino parasita de Satanás.70 Nesta revelação do seu reinado, suas virtudes de onipotência, sabedoria, compaixão, retidão, justiça, paciência, bondade, misericórdia, graça, 6 7 Estudiosos tem diferido quanto às nuanças deste episódio mas, como Durham sugere, um

desenvolvimento inicial do sistema legal e judicial através do qual a lei pactual, a ser promulgada brevemente em forma verbal e escrita, foi administrada (Exodus, 249-53).

6 8 Ver Vos, Theology, em sua explicação das épocas de revelação; ele também citou o princípio da periodicidade (16). Ver o esboço de Época nas páginas precedentes deste livro.

6 9 Ver novamente a discussão de Meredith Kline sobre o assunto da "Intrusão", na qual cita o relacionamento dos atos de julgamento de Deus com o julgamento final. Ver The Structure of Biblical Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), 154-71. Ver, novamente também, a avaliação crítica de Greg Bahnsen sobre a intrusão ética de Kline em Theonomy in Christian Ethics (Nutley: Craig, 1977), 581-84.

7 0 J. Dwight Pentecost indica que considera o reino parasita de Satanás como "um reino de escuridão", isto é, uma entidade separada; ele não está dentro do reino cósmico de Deus Yahweh (Thy Kingdom, 82-83). Note também que, na ânsia de desenvolver sua visão da terra pactual Abraâmica, a Palestina, Pentecost fez apenas uma breve referência à obra real redentora que Deus Yahweh executou em favor de Israel e seu julgamento sobre o Egito.

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glória majestosa e santidade alcançaram uma expressão mais clara. Esses foram expressos particularmente quando lembrava seu pacto e administrava as duas partes integrantes dele, a criacional e a redentora; quando chamou e preparou seu agente mediador, Moisés, para confrontar a Faraó e guiar os israelitas, quando trouxe julgamento sobre todo o Egito; quando preparou seu povo para a libertação da escravidão e para a liberdade; e quando protegeu, alimentou e os guiou na primeira parte da jornada à terra prometida.A Antítese que Deus Yahweh havia colocado entre a semente da mulher e Satanás e sua semente é completamente revelada. O cerne das confrontações entre Egito e Israel, entre Faraó e Moisés, eram evidências cósmicas da confrontação espiritual de Satanás diante de Deus Yahweh. Satanás buscava domínio para seu reino parasita; isto requeria a morte da semente pactual e a frustração da administração de Deus Yahweh do seu pacto redentor/restaurador e criacional. O confronto foi prolongado através de exibições sucessivas dos sinais miraculosos de Deus Yahweh, as pragas, e o endurecimento repetido do coração de Faraó.O julgamento imposto a Faraó, a seu país e à sua tropa militar, revela uma perspectiva tripla. Retrospectivamente, indicou que o castigo imposto sobre o Egito era análogo ao julgamento trazido sobre o cosmos no tempo de Noé. As circunstâncias, o Sitz im Leben, foram diferentes; os assuntos básicos não. No tempo de Noé, esforços satânicos haviam sido feitos para destruir a semente da mulher, subjugando as mulheres (Gn 6.1-4). O dilúvio universal acabou com os esforços de Satanás no tempo de Noé. O julgamento trouxe castigo assim como, também, purificação.A perspectiva presente dá evidência aos esforços satânicos em destruir Israel através de condições severas de escravidão e, particularmente, tentando destruir os meninos. O julgamento através das pragas e, por último, através das águas do Mar Vermelho terminou com os esforços satânicos de destruir o povo do reino pactual de Deus Yahweh.A perspectiva futura estava evidente na libertação da escravidão e liberdade para adorar a Yahweh e para herdar a terra prometida como um ato simbólico inicial do Éden ou paraíso restaurado.71 Assim como Deus Yahweh chamou seus agentes mediadores, Noé e Moisés, para representá-lo e agir como seus servos, assim um agente mediador maior viria--o Cristo. Ele, em sua vida, morte, ressurreição e ascensão à mão direita de Deus o Pai, iria desferir o golpe do julgamento esmagador sobre Satanás e seu reino parasita.As três perspectivas dão evidência clara de que o confronto no Egito entre Faraó-Satanás e Moisés-Deus Yahweh, foi, de fato, um passo72 rumo à consumação do reino cósmico glorioso de Deus Yahweh. As três perspectivas também trazem a 7 1 Deve-se questionar seriamente se a libertação de Israel do Egito como um paradigma para os refugiados

políticos contemporâneos encontrarem segurança em uma terra de liberdade como Anastasia Lott apresentou em sua dissertação "Exodus as a Soteriological Paradigm Journey-Struggle-Hope-Covenant Fulfilment", African Ecclesial Review 32 (1990): 29-41.

7 2 O uso da frase "um passo adiante" não deve ser entendida como se transmitisse a idéia de que não existe relacionamento algum entre o julgamento de Deus Yahweh sobre o Egito e o julgamento final. Nem deve ser entendido como um aspecto integral do julgamento final executado progressivamente. O termo "passo" deve ser visto como indicando um movimento progressivo na história rumo ao julgamento final. O julgamento sobre o Egito foi um precursor, um sinal, tipo do julgamento final.

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um foco mais claro, as metas, os meios e os resultados certos do governo de Deus Yahweh do seu reino, administração do seu pacto e trabalho através do seus mediadores pactuais, competentemente equipados, escolhidos graciosamente, Noé e Moisés, que foram tipos e precursores do mediador governador-servo divino, Jesus Cristo.