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Criacionismo X Evolucionismo David Bärg Filho O título acima chama a atenção de muitas pessoas e é motivo de longas discussões por parte de pessoas de todos os tipos de formação, instrução e crença. Muitas vezes provoca fortes reações por parte de partidários de cada “lado”, mas será que tudo isto é necessário?!? Ou será que muitas vezes estamos falando da mesma coisa de formas diferentes ou de coisas totalmente diferentes tratadas da mesma forma?!? Em primeiro lugar, deixe-me compartilhar uma experiência de alguns anos atrás. Durante um almoço num laboratório de física nuclear na faculdade na qual estudei, eu era o único aluno em meio a meia dúzia de professores doutores, livres docentes e titulares. Num dado momento um dos professores, o mais crítico a respeito de religião dentre eles, me fez uma pergunta bem direta: “David, você acredita no criacionismo”. Confesso que naquele momento pensei que havia chegado o momento tão propagado no meio religioso a respeito da humilhação e deboche a que os criacionistas estavam fadados a viver no meio acadêmico/evolucionista. A minha resposta foi um simples “Sim” e então eu me tornei o ponto de convergência de uma dúzia de olhos arregalados que não conseguiam acreditar ou entender, embora soubessem da minha religiosidade. A continuação da minha resposta foi uma surpresa até para mim mesmo: “A Bíblia não dá respostas as todas as questões apresentadas pela ciência e eu não tenho como explicá- las baseado nela. Mas eu não posso aceitar que baseado nestas questões e evidências alguém afirme que o meu Deus não existe”. O silêncio durou alguns segundos até que o mais assertivo deles falou: “Eu levei muito anos para chegar a esta mesma conclusão”. Desde este acontecimento eu tenho meditado a respeito da minha resposta e do comentário deste professor. A primeira questão que podemos levantar é a seguinte: O que significa ser um criacionista? Em princípio muitos acham que isto indica que a pessoa é cristã, que crê num Deus pessoal e amoroso que criou tudo do nada e que a cada momento está preocupado com o nosso bem estar, mas isto não é necessariamente uma verdade. Uma pessoa que acredita que deus criou as leis físicas que deram origem ao Big Bang e depois deixou estas leis criarem tudo o que vemos e somos, sejam coisas boas ou más, por definição é um criacionista. Outra pessoa que acredita no panteísmo, ou seja, acredita que deus está em tudo e em todos, também é criacionista visto que tudo é deus e nada existe sem ele. Mesmo as pessoas que não são cristãs, mas que acreditam em deuses que criaram o Universo, também nesta categoria. Ou seja, simplesmente ser criacionista diz apenas que acreditamos que alguém criou o Universo, nada mais do que isto e ponto. A segunda questão é: O que significa ser um evolucionista? Talvez alguém já tivesse tocado neste assunto antes, mas este conceito começou a fazer parte da vida acadêmica, pessoal e religiosa das pessoas após a publicação do livro “A Origem das Espécies”, escrito por Charles Darwin. A base desta proposta é que devido as semelhanças químicas, anatômicas e biológicas que existem entre os serem viventes no planeta Terra, é possível afirmar que eles compartilham um ancestral comum e que

Criacionismo x Evolucionismo

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Artigo elaborado por David Bärg Filho para breves comentários da Lição da Escola Sabatina - Tema "No Princípio".

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Criacionismo X Evolucionismo David Bärg Filho

O título acima chama a atenção de muitas pessoas e é motivo de longas discussões por parte de pessoas de todos os tipos de formação, instrução e crença. Muitas vezes provoca fortes reações por parte de partidários de cada “lado”, mas será que tudo isto é necessário?!? Ou será que muitas vezes estamos falando da mesma coisa de formas diferentes ou de coisas totalmente diferentes tratadas da mesma forma?!? Em primeiro lugar, deixe-me compartilhar uma experiência de alguns anos atrás. Durante um almoço num laboratório de física nuclear na faculdade na qual estudei, eu era o único aluno em meio a meia dúzia de professores doutores, livres docentes e titulares. Num dado momento um dos professores, o mais crítico a respeito de religião dentre eles, me fez uma pergunta bem direta: “David, você acredita no criacionismo”. Confesso que naquele momento pensei que havia chegado o momento tão propagado no meio religioso a respeito da humilhação e deboche a que os criacionistas estavam fadados a viver no meio acadêmico/evolucionista. A minha resposta foi um simples “Sim” e então eu me tornei o ponto de convergência de uma dúzia de olhos arregalados que não conseguiam acreditar ou entender, embora soubessem da minha religiosidade. A continuação da minha resposta foi uma surpresa até para mim mesmo: “A Bíblia não dá respostas as todas as questões apresentadas pela ciência e eu não tenho como explicá-las baseado nela. Mas eu não posso aceitar que baseado nestas questões e evidências alguém afirme que o meu Deus não existe”. O silêncio durou alguns segundos até que o mais assertivo deles falou: “Eu levei muito anos para chegar a esta mesma conclusão”. Desde este acontecimento eu tenho meditado a respeito da minha resposta e do comentário deste professor. A primeira questão que podemos levantar é a seguinte: O que significa ser um criacionista? Em princípio muitos acham que isto indica que a pessoa é cristã, que crê num Deus pessoal e amoroso que criou tudo do nada e que a cada momento está preocupado com o nosso bem estar, mas isto não é necessariamente uma verdade. Uma pessoa que acredita que deus criou as leis físicas que deram origem ao Big Bang e depois deixou estas leis criarem tudo o que vemos e somos, sejam coisas boas ou más, por definição é um criacionista. Outra pessoa que acredita no panteísmo, ou seja, acredita que deus está em tudo e em todos, também é criacionista visto que tudo é deus e nada existe sem ele. Mesmo as pessoas que não são cristãs, mas que acreditam em deuses que criaram o Universo, também nesta categoria. Ou seja, simplesmente ser criacionista diz apenas que acreditamos que alguém criou o Universo, nada mais do que isto e ponto. A segunda questão é: O que significa ser um evolucionista? Talvez alguém já tivesse tocado neste assunto antes, mas este conceito começou a fazer parte da vida acadêmica, pessoal e religiosa das pessoas após a publicação do livro “A Origem das Espécies”, escrito por Charles Darwin. A base desta proposta é que devido as semelhanças químicas, anatômicas e biológicas que existem entre os serem viventes no planeta Terra, é possível afirmar que eles compartilham um ancestral comum e que

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através de mutações genéticas e principalmente da seleção natural, todas as espécies conhecidas se formaram. Basicamente, este é o lado biológico do assunto, mas quando Albert Einstein propôs a sua teoria da relatividade geral, no início do século passado, o lado físico da questão se tornou conhecido. Ele teve de introduzir uma contante para que a descrição do Universo apresentada por sua teoria se adequasse ao entendimento geral da época e sua própria; que o Universo era estático e eterno, ou seja, ele sempre foi assim e sempre será. Mas em 1929 o astrônomo Edwin Powell Hubble, descobriu que as galáxias estão se afastando umas das outras. Quando Einsten soube disto, ele só acreditou quando foi até o laboratório de Hubble para ver com os seus próprios olhos e então foi forçado a corrigir a sua teoria. A questão é que se todas as galáxias estão se distanciando, se nós passamos o “filme” de trás para frente, então em algum momento elas estavam no mesmo lugar. Destes acontecimentos e seus desdobramentos surgiu o termo Big Bang que teria sido o momento inicial desta expansão observada e medida por Hubble, ou seja o início do Universo. Estas observações da natureza, seja na área biológica, física ou astronômica, precisam ser interpretadas e modeladas de forma a constituírem uma teoria que não só explique os dados encontrados, como também faça previsões que possam ser medidas ou encontradas na natureza. A cada novo dado que corrobore uma teoria, esta ganha forma, mas se em algum momento um novo dado mostra que aquela teoria esta errada, existem apenas duas alternativas: Tentar mudar a teoria para que ela explique o novo dado ou se isto não for possível, abandoná-la por completo e propor uma nova que possa explicar todo o conjunto. Portanto, ser evolucionista nada mais é do que acreditar que tudo teve um começo e que de acordo com terminadas regras muda ou evolui, independente de qualquer juízo de valores a respeito de ser para melhor ou pior, simplesmente muda para um novo estado. Agora vem a terceira questão: É possível ser criacionista e evolucionista? Sim, com toda certeza, para isto basta ver o exemplo que citei acima da pessoa que acredita que deus criou as leis físicas e depois deixou que tudo seguisse o seu rumo, independentemente de onde isto iria levar. Apesar de parecer uma situação contraditória para muitos, é possível afirmar que uma boa parcela das pessoas se encontra nesta categoria, muitos cientistas, praticamente todos os não cristãos e até muitos cristãos. Esta última classe nos leva outras questões que finalmente nos levarão ao cerne da questão deste embate. Todo criacionista é cristão? Não, pois uma pessoa pode ser hindu, acreditar que o seu ou seus deuses criaram o Universo. Portanto, ser criacionista não pode ser usado como sinônimo de cristão. Todo cristão é criacionista? Se a definição de cristão for aquele que acredita no Deus da Bíblia, esta resposta deve ser sim, mas neste caso é necessário saber qual é o “sabor” de criacionismo aceito por cada cristão. Dentro deste contexto, o fato de ser cristão indica apenas a crença de que Deus da Bíblia criou o Universo, mas como ele fez isto pode ser uma questão de longas discussões. Vamos citar dois exemplos bem radicais: Os que acreditam que o Deus apenas deu o inicio ao processo com o Big Bang e através das eras surgimos e estamos aqui. Isto é o mesmo que as pessoas de outras crenças, apenas com outro deus. E os que acreditam que Deus criou do nada o Universo, a Terra e todos os seres viventes como são hoje, em sete dias literais de 24 horas a aproximadamente 6.000 anos e entre estes dois existe todo um espectro interpretações.

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Pode o cristão ser evolucionista? Sim, veja o primeiro exemplo do parágrafo anterior. Ele não se encaixa perfeitamente nesta categoria? pois Deus usou ou deixou que das leis da física, das mutações e da seleção natural nos fizessem o que somos hoje. Para continuarmos, nós teremos de ampliar um pouco o contexto da nossa análise e para isto eu vou contar uma história que li num livro chamado “Malicorne: Reflexões de um observador da natureza”, escrito por Hubert Reeves, um astrofísico. Neste livro ele conta, num dos apêndices, uma conversa entre ele, um ateu, e um físico muçulmano. Este físico fazia pesquisas com o intuito de provar que o Corão é cientificamente correto e o escritor foi perguntar o porquê disto. A resposta que obteve foi de que se ele conseguisse provar que o Corão é um livro cientificamente correto, isto seria mais um motivo para que as pessoas acreditassem nele. Então o escritor perguntou o que aconteceria se em suas pesquisas ele descobrisse algo que fosse contrário ao que o Corão diz. A resposta foi de que neste caso o Corão estava certo. Diante desta resposta o escritor se calou e depois chegou a conclusão de que o Corão tem um valor intrínseco independente de ser cientificamente correto ou não e portanto não precisa deste tipo de prova. Então ele se perguntou se o real motivo daquele físico não era encontrar provas para a sua fé e neste caso, será que ele realmente acreditava no Corão? visto que a fé não precisa de provas. Nós vimos anteriormente que a respeito unicamente da questão da criação do Universo, existem todos os tipos de interpretações e elas não necessariamente são excludentes, mas quando colocamos a Bíblia como um todo dentro desta questão, nós introduzimos um fator que não pode ser equacionado por qualquer equação matemática. Nós saímos da área da ciência exata e biológica, para entrar na área da moral, do amor, dos princípios e relacionamentos que é tratada pela ciência humana e também por algo que podemos chamar de ciência espiritual ou teológica. Nesta área é até possível utilizar da matemática como ferramenta, mas não é ela que determina os acontecimentos ou faz previsões. No máximo ela pode caracterizar ou indicar tendências, mas não determinar o que aconteceu ou acontecerá. Após muitos anos de reflexão e dentro deste contexto foi que eu entendi a resposta que eu dei aquela primeira pergunta. A Bíblia não é um livro científico, mas ela contém muitas verdades científicas. Deixe-me citar apenas um exemplo: Alguns anos atrás uma pesquisa liderada por um professor do Instituto de Física da USP descobriu que peixes de couro da costa brasileira possuem uma maior concentração de metais pesados do que os peixes escamas da mesma região. Não é o objetivo da Bíblia explicar cientificamente a sua afirmação de que não devemos comer peixes de couro, mas ela contém esta informação. O único objetivo da Bíblia é a nossa salvação de uma condição que ela define como pecaminosa e não atender as nossas curiosidades científicas ou não. As ciências devem ser céticas e amorais, ou seja, elas devem tratam apenas daquilo que podem ver, medir, testar e não emitir juízos de valor. É claro que podemos fazer uma analogia entre o apoio que uma ou outra teoria possui no meio acadêmico com as crenças em geral, mas em nenhum momento deve ser possível, nem desejável, introduzir este fator nas equações ou descrições. O único objetivo da ciência é a compreensão da natureza e fornecer este conhecimento para aplicações humanas científicas ou não.

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A grande controvérsia acontece quando, nós, seres com formação cultural, moral e acadêmica, com princípios, conceitos e preconceitos, lidamos com o ponto em questão. Muitos usam de interpretações de dados científicos ou textos bíblicos, para afirmar que a ciência ou a Bíblia estão erradas ou que são incompatíveis. Quando um cientista usa uma teoria, pesquisa ou dado para afirmar que Deus não existe, ele está extrapolando o escopo científico, que é a descrição da natureza. Na verdade, o fato de que não é necessário um fator ou constante que indique uma intervenção Divina na equação que descreve algo, não prova que Deus não existe, apenas que não é necessária a sua inclusão para a descrição do objeto de estudo. Da mesma forma, quando um cristão usa textos Bíblicos para afirmar que dados, medidas ou teorias estão errados, ele também está divergindo do objetivo primordial da Bíblia, que é a salvação do homem. Muitas vezes estes comentários, de ambas as partes, são feitos sobre informações ou interpretações parciais, equivocadas ou mesmo desinformadas o que só ajuda a aumentar um antagonismo que não precisa existir. Apenas para finalizar, eu gostaria de compartilhar afirmações que dois professores presentes naquele dia, fizeram em outras ocasiões. Num certo dia aquele que me fez a pergunta do início deste texto, estava tecendo comentários bem ruins a respeito da religião e outro disse a ele: “Não culpe a religião pelos erros das igrejas”. Muitas vezes os cristãos podem ser prepotentes e em nome de Deus interferir na ciência ou mesmo afirmar que ela está errada, assim como aconteceu com Galileu, que para não morrer teve de abdicar de suas descobertas, que depois se mostraram verdadeiras. Num outro almoço, quando apenas eu e o professor da pergunta estávamos almoçando, ele em tom de confidencia me disse que a vida era o que lhe deixava intrigado, pois o surgimento dela foge a qualquer equação, descrição ou teoria... Muitas vezes a ciência pode ser prepotente ao afirmar que é capaz de equalizar, descrever ou sistematizar tudo e que não há nada fora dela, mas são nestes momentos de reflexão que é possível ver que há mais do que podemos ver, sentir, tocar, medir ou verificar. Uma certeza eu tenho, um dia todos aqueles que sinceramente estiverem dispostos a aprender, poderão sentar aos pés dAquele que tudo fez e ouvir de seus lábios o como, o porque e o para que tudo foi feito. Ele que tudo pode, nos dirá qual forma desejou usar e nos explicará o porquê de suas decisões e nós perceberemos que o princípio fundamental que sempre norteou a suas ações foi unicamente o Amor. Então entenderemos que quem mais sofreu não fomos nós, mas sim Ele que como Pai nos viu sofrer, nos atacar uns aos outros, sermos intolerantes e sem amor pelo nosso próximo. Só então perceberemos que este tipo de assunto é totalmente secundário, num contexto aonde o sacrifício feito por Ele foi o mais supremo que todo o Universo poderia presenciar.