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Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Sociais e Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado
Sueli Weber
Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na
comunidade Assuriní do Trocará
Belém – Pará 2015
1
Sueli Weber
Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e
seus significados na comunidade Assuriní do Trocará
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, Linha de Pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia, do Centro de Ciências Sociais e Educação, da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Drª. Nazaré Cristina Carvalho.
Belém – Pará 2015
2
Dados Internacionais de Catalogação na publicação Biblioteca do Curso de Mestrado em Educação – UEPA – Belém – Pará
N244s Weber, Sueli
Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará / Sueli Weber; Orientadora: Nazaré Cristina Carvalho – Belém, 2015. 144 f.; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2015.
1. 2. 3. 4. 5. . I. Carvalho, Nazaré Cristina. (Orient.) II. Título.
CDD 21 ª ed.: 371.3079
3
Sueli Weber
Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e
seus significados na comunidade Assuriní do Trocará
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, Linha de Pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia, do Centro de Ciências Sociais e Educação, da Universidade do Estado do Pará, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Drª. Nazaré Cristina Carvalho.
BANCA EXAMINADORA
................................................................................................................... Profª. Drª. Nazaré Cristina Carvalho – Orientadora Doutora em Educação Física e Cultura
................................................................................................................... Profª. Drª. Laura Maria Silva Araújo Alves – Examinadora Externa – UFPA Doutora em Psicologia da Educação
................................................................................................................... Profa. Dra. Denise de Souza Simões Rodrigues – Examinadora Interna – UEPA Doutora em Sociologia
Examinada em: ......./ ......./ 2015.
Belém – Pará 2015
4
Aos meus pais, pelo que sou!
Ao filho, irmão e tio, Raul Ernesto Weber, in
memoriam, que ensinou a todos nós o amor
incondicional e o sorriso fácil.
5
AGRADECIMENTOS
Muitos são os agradecimentos. A elaboração de uma dissertação, embora
possa parecer, não é uma tarefa solitária. Este estudo é fruto da colaboração de
muitas pessoas, de muitas opiniões sempre bem-vindas. Minha gratidão a todos que
contribuíram para a realização e conclusão desta pesquisa.
A Deus, Nossa Senhora, todos os Santos, Anjos e Almas Iluminadas. Ao
Albertino e à Layde, in memoriam, que me protegem, principalmente nos momentos
em que coloco à prova minhas convicções.
Aos meus pais, Rosalino Domingos Weber e Enedina dos Santos Weber,
pelo amor que me dedicam, pela paciência e persistência dos ensinamentos. A
saudade me acompanha.
Aos meus filhos, Ricardo e Fernanda, que a vida seja sempre doce.
Obrigada por terem me escolhido!
Aos meus irmãos, cunhados e sobrinhos, é sempre bom estar com vocês.
Ao Cacique Purakê, em seu nome agradeço ao povo Assuriní do Trocará
que colaborou para a realização desta pesquisa. À Morossopia, professora da
Língua Assuriní, que contribuiu de forma incansável nas traduções.
Às crianças Assuriní, por me permitirem conhecer seu brincar e seus
brinquedos relatados em suas histórias e vivências repletas de imaginação,
criatividade e saberes. Seus rostos, olhares e sorrisos povoam e povoarão sempre
minhas memórias.
À Profª. Ana Célia Lima Bezerra, para mim, D. Ana, minha vida profissional
devo à generosidade de seus ensinamentos. Estas breves linhas expressam minha
gratidão, por cada palavra e, principalmente, pelo seu apoio nos momentos de
sorrisos e lágrimas. O bem-querer e a admiração que sinto transcendem minha
existência.
À minha orientadora, Profª. Drª. Nazaré Cristina Carvalho – Cris, seu sorriso,
seus ensinamentos, sua paciência e suas “peias” me fizeram seguir em frente. Sou
eternamente grata por cada orientação, por cada vírgula corrigida, pelo seu olhar
sensível e, principalmente, por dividir seu conhecimento.
À Profª. Drª. Denise Simões, pois esta jornada não teria tido a menor graça
sem a sua companhia, minha admiração.
6
À Profª. Drª. Laura Maria Alves, obrigada por fazer parte desta trajetória,
suas contribuições foram de suma importância para a conclusão desta pesquisa.
À bela Giselle Ribeiro, mulher admirável, de palavras encantadoras e ações
bondosas. Sou eternamente grata.
Às minhas amigas e sempre gurias – Sandra Bentes, Bethânia Vinagre e,
Socorro Hage, que fazem minha vida ser cheia de sorrisos. À Ana Clarice, agradeço
pela delicadeza com que me recebeu durante as estadias em Tucuruí. Em especial,
agradeço a Suely Belém Gustavo e Gabriella que contribuiram de forma significativa
para que eu pudesse concluir este trabalho.
À Gorete, Jéssica, Ivone, Júlia e Gláucia, amizades construídas ao longo do
mestrado. Essa caminhada sem vocês não teria sido tão cheia de sorrisos, lágrimas,
discussões e principalmente novos aprendizados, é muito bom tê-las em minha vida.
Ao Rafa, por seu jeito doce e sorriso cativante. Seus saberes tecnológicos
foram imprescindíveis.
Ao Prof. Celso Michiles e à Profª. Nathália Cruz, meu agradecimento, em
especial, pelas sugestões e olhares apurados. Ao Prof. Manu pela delicadeza do
ensinar.
Aos meus alunos, que alimentam minha esperança com seus olhares e
sorrisos.
A todos os professores e colaboradores do Mestrado em Educação que, de
forma direita ou indireta, contribuíram nesta jornada.
7
“Lembrar-me da minha infância é aguçar
meu olfato ao fechar os olhos. É lembrar as
guloseimas feitas por minha mãe. É sentir
saudade do meu cachorro Rex. É reviver, é
sorrir, é sentir o cheiro do pasto molhado e o
gosto da guabiroba. Lembrar-me da minha
infância é sentar no balanço feito por meu
pai, e balançar, balançar bem alto, através
da minha imaginação. Lembrar-me da minha
infância é lembrar-me de ser feliz!”
(Su Weber)
8
RESUMO
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará, 2015, 144 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade do Estado do Pará, Belém – Pará, 2015. Esta pesquisa tem como questão central desvelar os saberes presentes nos brinquedos e brincadeiras das crianças indígenas da comunidade dos Assuriní do Trocará localizada no Estado do Pará, a 3,5º graus ao sul do Equador, no Posto Indígena de Trocará, no município de Tucuruí, as margens do Rio Tocantins. Para os aportes teóricos deste estudo, considerou-se como questão problema: Quais saberes e práticas culturais da etnia Assuriní do Trocará se apresentam nas brincadeiras e brinquedos das crianças dessa comunidade? Os objetivos propostos para o referido estudo são: Investigar de que forma os saberes e as práticas culturais se apresentam nas brincadeiras e brinquedos das crianças da comunidade Assuriní do Trocará; Verificar as brincadeiras e os brinquedos que compõem a cultura lúdica dessas crianças; identificar os saberes que se apresentam através da cultura do brincar das crianças Assuriní do Trocará; Analisar a dimensão educativa dos brinquedos e brincadeiras nas práticas culturais da comunidade. O caminho metodológico caracterizou-se como uma pesquisa de campo, com abordagem qualitativa. Os sujeitos da pesquisa são 19 (dezenove) crianças Assuriní do Trocará, sendo 10 (dez) meninos e 09 (nove) meninas, com idades entre 08 (oito) e 12 (doze) anos. Para a coleta de dados, primeiramente, realizou-se um levantamento bibliográfico, depois, foram empregadas técnicas diversas entre elas: a observação, as cirandas de conversa e os registros fotográficos como ilustrações do estudo. Para a análise, buscou-se a orientação no método da Análise de Conteúdo. Com este estudo, desvelou-se que a natureza está presente na cultura e nos saberes das crianças Assuriní do Trocará. Elas criam e recriam novos conhecimentos a partir da observação dos adultos e da convivência com seus pares. A incorporação desses saberes que perpassam as relações culturais e a convivência, exercem o processo de aprendizagem sem teoria nos procedimentos do cotidiano, construindo conhecimento e fazendo educação. Utilizam-se dos elementos da natureza para brincar, e dela também retiram materiais para a construção de seus brinquedos. Palavras-chave: Criança indígena. Brincadeira. Brinquedo. Assuriní do Trocará.
9
ABSTRACT WEBER, Sueli. Indigenous children of the Amazon: toys and games and their meanings in Assuriní community Trocará, 2015, 144 f. Dissertation (Master in Education), Pará State University, Belém - Pará, 2015. This research has as a central issue unveil the knowledge present in the toys and games of indigenous children in the community of Trocará the Assuriní located in Para State, to 3.5 ° degrees south of the Equator in the Indian Post of Trocará in the municipality of Tucuruí, the Tocantins River margins. For the theoretical framework of this study, it was considered as a matter problem: What cultural knowledge and practices of the Assuriní Trocará ethnicity present in games and toys for children of this community? The proposed objectives for this study are: To investigate how knowledge and cultural practices are presented in plays and children's toys of the Assuriní Trocará community; Check the games and toys that make up the play culture of these children; Identify the knowledge that arises through culture of playing children Assuriní the Trocará; Analyze the educational dimension of toys and games in community cultural practices. The methodological approach was characterized as a field research with a qualitative approach. The research subjects are nineteen (19) children Assuriní the Trocará, and ten (10) boys and 09 (nine) girls, aged eight (08) and twelve (12) years. To collect data, first, there was a literature review, then, several techniques were employed including: the observation, conversation sieves and photographic records as study illustrations. For the analysis, we sought guidance in the method of content analysis. With this study, it was unveiled that nature is present in the culture and knowledge of children's Will Trade Assuriní. They create and recreate new knowledge from observation of adults and coexistence with their peers. The incorporation of this knowledge that cross cultural relations and coexistence, have the learning process without theory in everyday procedures, building knowledge and making education. Use is made of the elements to play with, and it also remove materials to build his toys. Keywords: Indigenous Children. Play. Toy. Assuriní the Trocará.
10
OAPOTAWA1
WEBER, Sueli. Kanomia Akwawa Kaiapewara: semoraitawa osemoarai oapo osera nonga, oreretuma Assurimia Tukarapewará, 2015, 144 f. Opyhy ete ô orowereka (O rosemo`enawa Oroseape), oré, 2015. Oré orapotan araka orose orosemaenawa a`éramo oromosywan arape petetinga konomitoa pé. Oropatatareté semo`enawa oroseapé a`eramo orowereka petetinga manatara a`eramo konomitoa ose`gonkan osepituwa aka turia pé oré serenga we orowereka oroseope iaro`eté oro`se`enga oro`eape. Sene morayroa sene mo`é aka, ose`eng we sene apé ij`etyng`eng me i`i aka ore opé a`eramo orowereka oro`senga oroseope. Orereysa nokwahawihi se`enga turia se`enga ropi sowe ose`eng aka goa. Konomipipia sowe opotân ore se`enga, porahaitawe, ipitupawawe, ose`eng we aka konomia no`etyhy konomua Assurimia Tukarapewará. Oré oropotam oro`semioa ikatoeté oreape oresemioa a`eramo oré kato`eté araka oresenai`yma we, oroka we koto`ité oro`seopé orama`esowa araka orekaréhé tá ikato oreope. Upan: Konomia akwawa. Semo`enawa. Semo`arasa. Assurimia Tukarapewará.
1 O resumo foi traduzido para a língua Assuriní por Morossopia, professora da referida língua, na
comunidade Assuriní do Trocará.
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GLOSSÁRIO
Atawyma Assuriní – andar manquejando
Hoeton Assuriní – cheiro
Ipìrangawa Assuriní – sereia
Irinaia Assuriní – semente pequena
Iwaia Assuriní – menina
Kamuteya Assuriní – seio pequeno
Kamya Assuriní – leite do seio
Kanarina Assuriní – passarinho
Kirinaía Assuriní – cabelo enrolado
Kominaywa Assuriní – cipó do feijão
Kussameia Assuriní – moça
Morossopia Assuriní – formiguinha
Mukinaia Assuriní – fruta preta
Muretenaywa Assuriní – pessoa boa
Puraquê Assuriní – peixe elétrico
Raisatinga Assuriní – semente branca
Tanaia Assuriní – formiga preta
Thyeté Assuriní – machado
Toitinga Assuriní – dente branco
Turiangawa – sou branca
Tywinaiwa – ombro
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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Olhar Assuriní 20
Figura 2 – Mais olhares 22
Figura 3 – Iraratinga Assuriní: o indiozinho voador 23
Figura 4 – Localização da Aldeia Assuriní do Trocará 46
Figura 5 – Acesso à Aldeia 47
Figura 6 – O cuidar Assuriní 56
Figura 7 – Crianças assinando o termo de consentimento 63
Figura 8 – A cultura expressa nos traços de Iwaia 68
Figura 9 – Crianças com adornos Assuriní 70
Figura 10 – A pesca faz parte do cotidiano das crianças Assuriní 72
Figura 11 – Criança Assuriní e sua autonômia 78
Figura 12 – Cirandas de conversa 81
Figura 13 – Ser criança Assuriní é ser livre 82
Figura 14 – Toihara Assuriní é seu brinquedo voador 83
Figura 15 – Crianças Assuriní e o prazer de brincar 86
Figura 16 – A pequena Assuriní e seu jabuti/brinquedo 88
Figura 17 – Crianças voltando da mata com folhas de inajá 90
Figura 18 – Crianças construindo brinquedos com a folha do inajá 91
Figura 19 – Brinquedos de argila 92
Figura 20 – Meninas Assuriní e suas bonecas 93
Figura 21 – Brincadeiras das crianças Assuriní 96
Figura 22 – Brincando de escolinha 97
Figura 23 – O rio é um brinquedo 99
Figura 24 – A criança e a mata 101
13
SUMÁRIO
1 DESAFIOS DE UMA TRAJETÓRIA EM CONSTRUÇÃO 14
1.1 Um apreender sobre crianças, seus brinquedos e brincadeiras 15
1.2 O encontro com as crianças Assuriní e a máquina fotográfica: um
brinquedo fascinante
19
1.3 Iraratinga Assuriní: o indiozinho voador 22
1.4 Objeto, Objetivos e Questões Norteadoras 26
1.5 Estruturação do Texto 35
2 CAMINHOS DESENHADOS E TRILHADOS 37
2.1 Percurso Metodológico 37
2.2 Aldeia do Trocará: lócus da pesquisa
2.3 Trajetória do povo Assuriní do Trocará
2.4 Infâncias e crianças
45
48
52
2.4.1 Crianças Assuriní: interpretes da pesquisa 54
2.5 Instrumentos de Coleta e Análise de Dados 58
3 ASPECTOS CULTURAIS DA ETNIA ASSURINÍ DO TROCARÁ 64
3.1 O conceito de cultura 65
4 O BRINCAR E OS BRINQUEDOS DAS CRIANÇAS ASSURINÍ
77
4.1 Ser criança indígena: seus saberes e significados 77
4.2 A criança Assuriní seus brinquedos e brincadeiras 82
4.3 A relação das crianças Assuriní com o rio e a mata 97
4.3.1 O brincar e a mata 100
CONSIDERAÇÕES 106
REFERÊNCIAS 111
APÊNDICES
120
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 14
1 DESAFIOS DE UMA TRAJETÓRIA EM CONSTRUÇÃO
Quando as crianças brincam E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma, Começa a se alegrar.
E toda aquela infância Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém. Se quem fui é enigma,
E quem serei visão, Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.
(Fernando Pessoa)
A temática do brincar e sua importância na construção social e cultural da
criança tem sido, há muito tempo, um interesse pessoal. Lembro-me da minha
infância, em nossa casa no interior do sul do país, a família se reunia próximo ao
fogão à lenha, que ficava na grande cozinha da nossa casa, principalmente nas
noites mais frias. Meu pai um homem forte, trabalhador e muito simples, nos contava
as histórias de sua vida, mais precisamente de sua infância. Lembro que ele relatava
a perda precoce do pai, e com isso a pobreza que o impossibilitava de ir à escola.
Ele na sua narrativa nos contava de nunca ter tido seus próprios brinquedos,
observava as crianças que brincavam sempre com muita alegria.
Os escassos momentos que lhe sobravam após o trabalho no campo, para
brincar criava seus brinquedos, com gravetos, pedrinhas, ossos e outras coisas que
apreciam e lhe despertavam o seu interesse. Na minha infância, que já era prodiga
com o trabalho árduo dos meus pais, aquelas histórias me emocionavam. Mais
tarde, sempre ouvindo suas narrativas me provocaram o interesse em conhecer e
compreender a infância, a criança, seus direitos ao brincar, suas brincadeiras e os
seus brinquedos.
Depois disso, durante o Curso de Formação de Professores na Universidade
do Estado do Pará, as disciplinas que envolviam ludicidade e corporeidade sempre
foram vistas com muito interesse. Logo após concluir o curso, no efervescer de uma
dinâmica interior de vontades, desejos e projetos de aplicar conhecimentos
adquiridos em situações transformadoras, a convite da Coordenação do Curso de
Pedagogia de uma instituição de ensino superior da cidade de Belém, me foi
ofertada a possibilidade de assumir a coordenação de uma brinquedoteca. Uma
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 15
instância de complementação e aprofundamento para tudo o que eu havia estudado
e me encantado durante a graduação.
Em cinco anos, essa vivência foi um marco para um despertar de interesses,
sentimentos, vontade de saber mais, aprofundar, pesquisar sobre o brincar, e os
brinquedos. Novos conhecimentos sobre esta temática e suas diversas formas de
manifestação foram construídos a partir das relações e das vivências com os
frequentadores da brinquedoteca: crianças da comunidade do entorno da faculdade,
alunos do colégio anexo a ela, professores e alunos do Curso de Pedagogia que
utilizavam o espaço em suas pesquisas.
Todas as dificuldades enfrentadas se tornaram insignificantes, em relação à
alegria e ao prazer vivenciado nesses anos e ao conhecimento adquirido, por meio
das observações e das interações realizadas com as crianças e seus pares.
Observar, de forma empírica, como as crianças se comportavam durante as
brincadeiras, os risos, as expressões, deixava-me fascinada e cada vez mais
instigada a compreender esse mundo mágico do brincar e dos brinquedos. Com a
vida acadêmica, e a necessidade de aprofundar conhecimento, o olhar foi tomando o
viés científico da compreensão do brincar, do brinquedo e da criança que brinca. E
foi assim que eu me fiz pesquisadora deste objeto de estudo.
1.1 Um apreender sobre crianças, seus brinquedos e brincadeiras
Brincar - a primeira concepção que temos desta palavra está diretamente
ligada à criança, à infância e parece ser o nosso cordão umbilical, nos conectando
com um estado de felicidade, de alegria despreocupada, por isso, é possível
encontrar nos dicionários o significado de “divertir-se infantilmente”. “Minha Pátria é
minha infância: por isso vivo no exílio”, os versos de Cacaso podem se multiplicar no
campo dos significados, a infância como um país, um estado maior, um estado
maior porque irriga a humanidade de felicidade sem compromissos com o
entendimento.
Chateau (1987) instiga a imaginar como seria um mundo sem crianças.
[...] perguntar por que a criança brinca, é perguntar por que é criança. Não se pode imaginar a infância sem seus risos e brincadeiras. Suponhamos que, de repente, nossas crianças parem de brincar, que não tivéssemos mais perto de nós este mundo infantil que faz a nossa alegria e o nosso
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 16
tormento, mas um mundo triste de pigmeus desajeitados e silenciosos, sem inteligência e sem alma (CHATEAU, 1987, p. 14).
A afirmação de Chateau (1987) não é uma mera divagação, mas algo que,
na dinâmica da sociedade dos dias atuais, é uma preocupação de todos os
segmentos que trabalham ou estudam a criança e a infância. Observo no cotidiano,
principalmente dos grandes centros urbanos, que nossas crianças perdem cada vez
mais os espaços lúdicos do brincar. As escolas, creches, jardins de infância mais
parecem espaço de confinamento, e, muito embora ofereçam brinquedos, às vezes,
não são suficientes para que possam expressar livremente a criatividade. Contrários
a isso, Ferronato e Batista (2013) esclarecem:
Dessa forma, o próprio professor sente-se como ser humano, portanto, finito e que, por sua postura pessoal e profissional, é capaz de permitir que a criança brinque como modo de elaborar as perdas. Brincar é reconhecer nossa finitude, ou seja, que somos mortais e que temos que produzir algo novo no mundo para que nossa vida faça sentido. E aqui está um dos fundamentos da sabedoria da criança: ela brinca para romper com sua finitude, para criar tempo e para produzir sentidos em sua vida. Se brincar é um direito da criança, então, os adultos precisam proporcionar oportunidades e espaços onde ela possa usufruir deste direito: BRINCAR! (FERRONATO & BATISTA, 2013, p. 154, grifo do autor).
O mundo moderno entrega pseudomotivos para o não compromisso com
esse direito que é da criança, entre eles destaco a falta da segurança pública,
ausência de tempo dos pais, a potencial interação com o universo digital em
detrimento às brincadeiras tradicionais que limitam as crianças ao convívio em
lugares mais espaçosos, como parques infantis ou praças públicas, onde possam se
expressar com liberdade. Conforme define Chateau (1987).
Uma criança que não sabe brincar, uma criança miniatura de velho, será um adulto que não saberá pensar. A infância é, portanto, a aprendizagem necessária à idade adulta. Estudar na infância somente o crescimento, o desenvolvimento das funções, sem considerar o brinquedo, seria negligenciar esse impulso irresistível pelo qual a criança modela sua própria estátua. (CHATEAU,1987, p. 14).
Nesta afirmação, Chateau (1987) nos faz perceber a importância do brincar
para a vida adulta. É no brincar durante a infância, é no interagir com seus pares
que a criança conhece, compreende e se expressa no mundo, possibilitando uma
construção de saberes que serão fundamentais na sua vida adulta.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 17
Para Moyles (2002, p. 21) “[...] o brincar, em todas as suas formas, tem a
vantagem de proporcionar alegria e divertimento”. Entre o estudo feito, encontro
afirmações, de forma empírica, que a criança não gosta mais de brincar com os
brinquedos tradicionais e que, com o advento da tecnologia, seu interesse é muito
mais pelo que é digital e virtual do que pelo que é experimento e manipulação.
Pela minha experiência, convivendo com crianças no espaço da
brinquedoteca, pude verificar que isto não é a realidade definitiva, muito pelo
contrário, as brincadeiras e os brinquedos ofertados às crianças naquele espaço
eram todos brincadeiras e brinquedos tradicionais, feitos de madeira, pano,
barbante, corda, lata, ou seja, brinquedos simples, muitos deles feitos com
elementos reutilizáveis, e com um significado único para aquele que o constrói.
Diante disso, observei que as crianças, naquele ambiente, apresentavam
comportamentos de interação, socialização, alegria, criatividade, fascinação diante
das possibilidades que elas tinham de criar, de modificar, de reorganizar, de se
divertir e, consequentemente, de crescer e se desenvolver cognitiva e
emocionalmente. Isto porque quando a criança brinca, usa a imaginação, constrói e
desconstrói possibilidades para seu prazer. Maluf (2009) nos diz que a criança
é curiosa e imaginativa, está sempre experimentando o mundo e precisa explorar todas as suas possibilidades. Ela adquire experiência brincando. Participar de brincadeiras é uma excelente oportunidade para que a criança viva experiências que irão ajudá-la a amadurecer emocionalmente e aprender uma forma de convivência mais rica (MALUF, 2009, p. 21).
Todas essas construções foram, de certa maneira, determinando um novo
olhar e uma nova percepção sobre o que seja a criança, a infância, e os fatores
determinantes para a sua formação, crescimento e desenvolvimento. Este
conhecimento foi bem traduzido e sensibilizado por compreender que a criança faz
acordar as suas emoções, curiosidades e sensações diante das brincadeiras e de
seus brinquedos.
Em andanças realizadas para conhecer novos lugares, novas paisagens,
diferentes gostos, cores e sabores, ao passar por uma comunidade indígena, no
Estado do Paraná, uma cena despertou minha atenção: crianças indígenas
brincavam em volta de árvores próximas as suas moradias, corriam, subiam,
escondiam-se nas árvores, e, em seguida, traziam nas mãos pequenos revólveres
de plástico; possivelmente, aqueles brinquedos foram levados para as crianças
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 18
indígenas pelas comunidades brancas, por ocasião das festas de fim de ano,
quando são doadas cestas básicas e brinquedos aos povos indígenas.
Em março de 2013, surgiu a oportunidade de realizar uma viagem para a
cidade de Tucuruí, no interior do Estado do Pará. Momento em que foi possível ter
conhecimento sobre uma comunidade indígena localizada próximo à cidade, os
Assuriní do Trocará, a uma distância de 23 quilômetros do centro de Tucuruí. Os
dados adquiridos sobre os Assurini, fomentaram ainda mais o interesse em
conhecer a cultura das brincadeiras e brinquedos das crianças, agora, de uma
comunidade indígena.
Nesta perspectiva, de modo a conhecer e entender como a cultura do
brincar se processa e se estabelece na comunidade indígena Assuriní do Trocará,
na Amazônia, e, assim, aprofundar os conhecimentos acerca da cultura lúdica em
um contexto cultural e identitário diferente daqueles já vivenciados, ou seja,
pesquisar os saberes e práticas culturais que se apresentam nas brincadeiras e
brinquedos das crianças indígenas, pertencentes a uma realidade cultural ainda
pouco conhecida e explorada, foi que durante uma semana do mês de maio de 2014
estive na comunidade Assuriní do Trocará para efetuar o primeiro contato.
1.2 O encontro com as crianças Assuriní e a máquina fotográfica: um
brinquedo fascinante
O primeiro encontro foi excepcionalmente gratificante naquilo que foi
possível observar em termos, não só de conteúdo, mas pela experiência
compartilhada com as crianças Assuriní do Trocará. No decorrer de 2014 e 2015,
outros contatos foram realizados para ratificar as observações realizadas e melhor
concluir os objetivos deste trabalho.
E lá eu estava, naquele espaço, fascinante. Tudo parecia tão novo. Naquele
momento, eu não sabia ao certo o que encontraria e como poderia efetivar a minha
pesquisa. Eu carregava uma máquina fotográfica pendurada no pescoço e, mal
sabia que aquele objeto, incorporado culturalmente no nosso dia a dia,
especialmente de um pesquisador, seria o canal de aproximação entre mim e as
crianças. Apenas o pensamento de Chacal (2007) me acompanhava, naquele lugar
tão diferente ao meu olhar.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 19
A objetividade da fotografia é uma falácia, erram os que acham que ela retrata o real. O que há é que quando o fotógrafo diz olha o passarinho! Uma ave de asas longas sai de dentro do olho da câmera com uma paleta de cores e um embornal de pinceizinhos. Sobrevoa a cabeça do fotógrafo e pousa sobre o seu ombro esquerdo de lá, pinta a cena (CHACAL, 2007, p. 88).
Poetizando Chacal. Quando a paleta vibra na máquina, dentro do fotógrafo o
coração dispara também para procurar os mais finos pincéis do embornal e as mais
lindas cores da paleta, para que seja ali pintado o mais belo e imaginário quadro
sobressaindo no sorriso do fotografado a emoção do momento, a alegria de estar ali
e a realização do real eternizado.
Para mim e naquele momento também “fotógrafa”, o que eu queria era
convencer pela arquitetura da argumentação da palavra do quadro pintado pela
máquina fotográfica e mostrar através desse argumento a vida vivida na
cotidianidade de uma comunidade de diferentes matizes e neste reflexo poético.
Sentei-me num banquinho localizado à disposição de todos que por ali chegam.
Muito sorrateiramente algumas crianças começavam a se aproximar com um olhar
de curiosidade. Iam chegando: uma, duas, três, se aproximando, caladas e
observadoras. Elas chegavam devagar, e quando eu olhava para elas nada diziam,
apenas sorriam e corriam. Dali a pouco retornavam, olhavam, sorriam e sumiam
entre as árvores e as casas da comunidade, num claro brincar de esconde-esconde.
Entendi, naquele momento que essa seria a forma para o início de uma
comunicação, ainda sem palavras, mas com muita clareza através dos gestos e
expressões. E foi muito naturalmente que esboçamos um sorriso e iniciamos um
diálogo, na verdade, um monólogo. “Oi! Tudo bem? Qual o teu nome? Que idade tu
tens?”. Como já disse, era um monólogo, elas não me respondiam. Entreolhavam-
se, sorriam, se esgueiravam, quase se escondendo uma atrás da outra,
demonstrando uma timidez própria da criança.
Percebi o quanto olhavam e se encantavam com a máquina fotográfica.
Perguntei se queriam tirar uma fotografia, e balançavam a cabeça como sinal
afirmativo. Ali se estabelecia a nossa primeira e real comunicação. Aproximavam-se
mais e mais e os olhos, num brilho sorridente, pareciam aceitar nosso convite para a
brincadeira. Pereira (2009) corrobora esta compreensão.
Uma linguagem estava explícita ali, entre dois seres de universos distintos, mas próximos, que brincavam. A brincadeira então é repleta de gestos e
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 20
sons que se inter-relacionam, formando um fenômeno que, movido pelo desejo e pela intencionalidade de quem brinca, deixa entrar aquilo que é reconhecido sem falas, sem letras, talvez por qualquer ser humano que se reconheça brincante (PEREIRA, 2009, p. 18).
Comecei a tirar fotos de todas as crianças – meninos e meninas – que
estavam à minha volta. Fotografava e mostrava para que elas se vissem, se
percebessem (Figura 1). Entreolhavam-se, sorriam e olhavam a fotografia e
voltavam a olhar o outro, quase querendo “se” ou “não se” reconhecer naquela
imagem.
Figura 1 – Olhar Assuriní.
Fonte: Arquivo pessoal (2014).
Queriam mais fotos, queriam ver seus rostos de novo. Umas saiam
correndo, logo voltavam com mais duas ou três crianças. E mais cenas eram
registradas. Num dado momento, eram mais ou menos dez crianças ao meu redor e
todas já falavam, já sorriam, já gargalhavam, numa interação muito boa, queriam
brincar. A máquina fotográfica, naquele instante, se tornou um brinquedo, permitindo
uma prazerosa brincadeira entre nós.
A cada “click”, a cada nova fotografia revelada, nos era permitida uma
aproximação. Era o início de um diálogo, e não mais um monólogo. Quando
perguntava seus nomes e idades já me respondiam. Aos poucos começamos uma
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 21
interação. Sendo essa a primeira ciranda de conversa, que girava em torno das
fotografias, aproveitei o interesse delas e falei sobre o porquê de estar ali.
De forma simples, fui dizendo que gostaria de conhecê-las, de saber suas
histórias, de saber do que gostavam de brincar, de conhecer suas brincadeiras e
seus brinquedos. Foi nesse primeiro contato que se estabeleceu uma comunicação,
uma relação que nos foi permitida pelo brincar. Sobre isto, Pereira (2009, p. 23)
citando Santa Roza (1993, p. 92) diz que “o brincar é antes de tudo um movimento,
a ação de engrenagem que vai girar infinitamente no sentido de originar
interpretações e leituras” e completa:
Essa engrenagem denota um movimento que é interno e externo, ao mesmo tempo, possibilitando ao brincante navegar nesse fluxo imaginativo. E é nesse fenômeno que a criança encontra alimento para a sua condição humana e seu crescimento como sujeito de cultura, na busca de dar significado à sua vida e buscar novas maneiras de experienciá-la. Não é à toa que as crianças repetem certas brincadeiras [...]. Não há brinquedo que não esteja ligado a essa dimensão existencial de busca. Dar significado é uma atividade genuinamente nossa, e ressignificar – dar novos significados – é a demonstração da mobilidade humana de reelaborar e estabelecer novas conexões entre as ações que fazemos. [...]. Cada ato, na esfera do brincar, é uma amostra de que a vida não é estática (PEREIRA, 2009, p. 23).
As ações desse brincar estão em constante movimento onde surpresas e
atos se manifestam através da cultura de cada povo. As crianças queriam repetir as
fotografias, pelo fato de quererem se ver mais bonitas ou quem sabe, para dar novos
significados às suas vidas, como anuncia Pereira ressignificar.
Um fato observado. Havia certa alegria vaidosa em se tornar a ver. E era por
isto que chamavam outras crianças, para que, as já fotografadas, se mostrassem às
outras, possibilitando brincar com a sua imagem e, nesse movimento, navegar no
fluxo imaginativo próprio. Benjamin (2004), observa que:
Sabemos que para a criança ela é a alma do jogo; que nada a torna mais feliz do que o “mais uma vez”. [...] Para ela, porém, não bastam duas vezes, mas sim sempre de novo, centenas de milhares de vezes. [...] A criança volta a criar para si todo o fato vivido, começa mais uma vez do início. (BENJAMIN, 2004, p.101, grifo do autor).
A repetição desejada pela criança deve ser compreendida de maneira lúdica,
conforme esclarece Benjamin (2004, p. 102, grifo do autor) quando diz que “a
essência do brincar não é um ‘fazer como se’, mas um ‘fazer sempre de novo’,
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 22
transformação da experiência mais comovente em hábito”. E mais fotos eram tiradas
(Figura 2).
Figura 2 – Mais olhares.
Fonte: Arquivo pessoal (2014).
A interação com as crianças Assuriní cada vez mais se intensificou, ao ficar
mais tempo observando-as e compartilhando da companhia de cada uma delas. As
crianças começaram a revelar, mesmo que de forma tímida, suas predileções, seus
brinquedos e comportamentos, o que me fez perceber o quanto nós é que somos
diferentes naquele espaço de encantamento. O brincar, os brinquedos e as
brincadeiras fazem parte da infância de todos nós, uns com mais ou menos
possibilidades, alguns de forma mais intensa, outros de forma mais amena, por
razões que fogem das vontades íntimas delas.
1.3 Iraratinga Assuriní: o indiozinho voador
Após três dias de convivência na comunidade com as crianças Assuriní,
sentei-me à sombra de um pé de ingá, com uma prancheta, algumas folhas de papel
e caneta, olhava, pensava, observava em diversas direções, anotava, riscava, fazia
interrogações. Ao mesmo tempo, o olhar viajava os 180° que era possível, girando a
cabeça para um lado e outro, buscando algo que prendesse e interessasse naquele
momento. Já eram 15h, a comunidade estava quieta. Grande parte dos adultos se
encontrava na cidade e as crianças brincavam. Algumas mais próximas de onde eu
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 23
estava, outras bem mais longe, aproveitavam a sombra das árvores ou a sombra
das casas.
No olhar de busca constante pelo infinito dos campos, vi um menino, tão
pequeno àquela distância que nem dava para mensurar seu tamanho ou idade. Logo
depois descobri o nome do pequenino, era Iraratinga, de cinco anos. De pequena
estatura, Iraratinga é um típico indiozinho: cabelos lisos, pele cor de jambo maduro e
olhos ligeiramente puxados; vestia uma bermuda e camiseta; pés descalços; corria
ao sol do Trocará (Figura 3). O menino corria solto pelo campo onde se misturava ao
mato rasteiro. Algumas vezes, ele corria pelo chão batido de terra que circunda as
casas, noutras, surgia por detrás de uma árvore.
Figura 3 – Iraratinga Assuriní: o indiozinho voador.
Fonte: Arquivo pessoal (2014).
Ele aparecia e desaparecia por trás de casas, de árvores, do mato. Sozinho,
Iraratinga brincava de correr e em suas mãos ele carregava um pedaço de peça de
ventilador velho, que certamente fora deixado pelos adultos para ser jogado fora,
mas que para ele era de grande significado.
O meu entendimento do verbo “brincar” se estica, ganha lonjuras de
compreensão. Toma um corpo todo novo. Porque brincar cresceu no tamanho bem
maior que o meu olhar. Foi nesse instante que um poeta veio me dizer baixinho que
o brincar não é mais verbo, brincar agora é quase um camaleão. Como o poeta me
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 24
disse isso? Foi assim que Manoel de Barros (2008) me explicou melhor o que seria
brincar para as crianças.
O menino que era esquerdo viu no meio do quintal um pente. O pente estava próximo de não ser mais um pente. Estaria mais perto de ser uma folha dentada. Dentada um tanto que já se havia incluído no chão que nem uma pedra um caramujo um sapo. Era alguma coisa nova o pente. O chão teria comido logo um pouco de seus dentes. Camadas de areia e formigas roeram seu organismo. Se é que um pente tem organismo. O fato é que o pente estava sem costela. Não se poderia mais dizer se aquela coisa fora um pente ou um leque. As cores a chifre de que fora feito o pente deram lugar a um esverdeado a musgo. Acho que os bichos do lugar mijavam muito naquele desobjeto. O fato é que o pente perdera a sua personalidade. Estava encostada às raízes de uma árvore e não servia nem mais nem para pentear macaco. O menino que era esquerdo e tinha cacoete pra poeta, justamente ele enxergava o pente naquele estado terminal. E o menino deu para imaginar que o pente, naquele estado, já estaria incorporado à natureza como um rio, um osso, um lagarto. Eu acho que as árvores colaboravam com a solidão daquele pente (BARROS, 2008, p. 23).
E assim, o pequeno indiozinho deu para imaginar e transformou um velho
pedaço de ventilador no seu mais novo brinquedo. Ele corria e corria entre as casas
e a mata, e o meu pensamento também corria junto e foram se esmiuçando,
explorando tantos elementos daquele brincar e registrando a riqueza daquilo que me
era dado ver: o prazer, a alegria, a liberdade.
Reporto-me a Benjamin (2002, p. 92) quando diz que a criança é aquela que
pode fazer saltar de “um simples pedacinho de madeira, uma pinha ou uma
pedrinha” as mais diferentes figuras. O prazer de Iraratinga era correr, correr e ver a
velha hélice de encontro ao vento, girar com toda a velocidade que ele imprime no
correr. Parece até uma inutilidade, mas para Iraratinga o prazer não era o vento,
naquele momento de calor, mas o movimento que a hélice fazia ao encontrar o
vento.
Iraratinga corria o mais rápido que podia. No dizer de Huizinga (2007) “ele
próprio era a liberdade”, aquela criaturinha, tão pequena, diríamos “um toquinho de
gente”, corria o mais rápido que podia e parecia não se cansar porque não parava.
Outras vezes, surgia de repente, por trás das arvores e descansava, mas ainda não
estava satisfeito. Voltava a correr com seu brinquedo preferido do momento. Para
Brougère (2010, p. 9), “a criança que manipula um brinquedo possui entre as mãos
uma linguagem a decodificar. A brincadeira pode ser considerada como uma forma
de interpretação dos significados contidos no brinquedo”.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 25
Naquela observação, eu tentava interpretar qual linguagem Iraratinga queria
decodificar. Mas eu também sabia que apenas ele, no seu brincar, tinha a
compreensão daquela representação. De qualquer modo, tentei interpretar com mais
acuidade a brincadeira de Iraratinga e em Brougère (2010) encontrei a resposta.
Os brinquedos podem ser definidos de duas maneiras: seja em relação à brincadeira, seja em relação a uma representação social. No primeiro caso, o brinquedo é aquilo que é utilizado como suporte numa brincadeira; pode ser um objeto manufaturado, um objeto fabricado por aquele que brinca, uma sucata, efêmera, que só tenha valor para o tempo da brincadeira, um objeto adaptado. Tudo, nesse sentido, pode se tornar um brinquedo e o sentido de objeto lúdico só lhe é dado por aquele que brinca enquanto a brincadeira perdura. No segundo caso, o brinquedo é um objeto industrial ou artesanal, reconhecido como tal pelo consumidor em potencial, em função de traços intrínsecos (aspecto, função) e do lugar que é destinado no sistema social de distribuição dos objetos. Quer seja ou não utilizado numa situação de brincadeira, ele conserva seu caráter de brinquedo, e pela mesma razão é destinado à criança. (BROUGÈRE, 2010, p. 66-67).
A experiência vivenciada com Iraratinga, o pequeno indiozinho da
comunidade Assuriní do Trocará, quando brinca com o a hélice do velho ventilador,
correndo pelos campos abertos na sua comunidade, o “faz de conta”, segundo
Brougère (2010), daquela brincadeira, só fazia sentido naquele espaço e naquele
tempo em que ele brincava. A frivolidade de que fala o autor, se dá no instante em
que Iraratinga deixa de lado a sucata, não dando mais importância ao objeto,
tornando-o sem utilidade.
E aquela sucata/brinquedo ou brinquedo/sucata foi o objeto da brincadeira
pela decisão de Iraratinga de brincar, apenas dele. E foi exatamente o cenário
montado pelo indiozinho, no campo a céu aberto, o vento que lhe convidou a agir e
dar sentido ao seu brincar. Pela manipulação da sucata, na imaginação e na forma
da invenção ou criação do brinquedo, Iraratinga articula a ação no momento que sai
correndo pelos matos com seu brinquedo em suas mãos, criado pela sua
capacidade de imaginar, fazia com que as hélices do ventilador rodassem contra o
vento produzindo mais vento, mais frescor. Ninguém arriscaria dizer o que Iraratinga
sente ao criar uma função para aquela sucata e nem qual o nível de emoção e
significado do seu deleite pelo movimento da hélice, pelo vento que sente ao rosto,
pela imaginação voando no ar ou simplesmente exibindo-se aos seus amigos com a
sua criação.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 26
Os brinquedos também podem ser elaborados em fábricas ou construídos
por profissionais/artesãos que a isso se dedicam. No caso do menino Iraratinga, o
brinquedo surgiu pela sua imaginação, sua criação, sua capacidade de transformar
um simples, e velho pedaço de ventilador em algo que pela sua imaginação voava
ao sabor do vento.
Como nos fala Vygotsky (2009, p. 11) “[...] a imaginação, como base de
toda a atividade criadora, manifesta-se igualmente em todos os aspectos da vida
cultural [...]”. Isto quer dizer que a criança, ao manipular o brinquedo, se projeta e,
ao mesmo tempo, exprime uma relação com códigos sociais e culturais dos quais se
apropria. Cada brinquedo, com seu referencial e simbologia, é interpretado de
acordo com a cultura onde a criança está inserida, no caso de Iraratinga, a cultura
indígena. Por isso, é possível dizer que a brincadeira se constitui um fator de
assimilação, e, ao mesmo tempo em que assimila, destrói qualquer distância
cultural.
1.4 Objeto, Objetivos e Questões Norteadoras
O brincar é uma atividade lúdica que ocorre nos mais diversos tempos e
lugares entre crianças dos mais diferentes povos, onde cada cultura, possui suas
especificidades, mesmo que os brinquedos sejam industrializados, ou por elas
construídos com qualquer sucata encontrada, até um pedaço de madeira que foi
retirado da natureza e transformado em brinquedo. Huizinga (2007), nos fala que a
atitude lúdica já estava presente antes da existência da cultura ou da linguagem
humana [...]. Neste sentido, os brinquedos e brincadeiras tornam-se um campo fértil
para a pesquisa, no sentido de trazer particularidades das atitudes lúdicas
encontradas no brincar nas mais diversas infâncias.
Qualquer brinquedo e brincadeira elaborados e vivenciados pela criança se
tornam um campo fértil de investigação para trazer à tona particularidades, da
infância, da criança, do que gostam de brincar, o que gostam de fazer, como se
relacionam, como criam e como recriam suas experiências. Crianças em seus mais
diversos tempos e espaços, precisam ser percebidas enquanto sujeito social e
histórico, sendo suas infâncias marcadas significativamente pelas formas de
organização da sociedade e pelas condições de existência e de inserção das
crianças.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 27
Reconheço que compreender a cultura lúdica dos Assuriní do Trocará é
uma possibilidade de ampliar conhecimentos sobre os saberes dessa etnia, e
particularmente sobre as crianças dessa comunidade, uma vez que tais saberes só
podem ser observados e analisados a partir das ações e reações cotidianas dos
sujeitos, revelando desse modo suas interpretações sociais e culturais construídas
pelo compartilhamento, pela vivência com seus pares. Brougère (2010) diz que a
criança participa ativamente da construção de sua própria cultura e de sua história,
modificando-se e provocando transformações nos demais sujeitos que com ela
interagem.
Parte-se aqui do pressuposto que se pode descobrir e interpretar valores e
saberes intrínsecos através das brincadeiras e dos brinquedos produzidos pelas
crianças Assuriní do Trocará. Tais preocupações e reflexões orientaram a opção por
aprofundar e sedimentar este estudo no contexto territorial amazônico, cujo objeto
de investigação são as brincadeiras e os brinquedos da criança da etnia Assuriní do
Trocará, não esquecendo suas possibilidades de criação, invenção, aproveitamento
do existente na constante construção e reconstrução da sua cultura lúdica. Sem
perder de vista sua identidade e pertencimento à terra e à natureza das quais suas
práticas são nascedouras. Considerando que os saberes podem ser compreendidos
a partir das realizações, representações e interpretações cotidianas dos sujeitos,
construídas e compartilhadas na realidade vivida, uma vez que as vivências e as
experiências adquiridas nas brincadeiras e nas construções dos seus brinquedos
cruzam diferentes tempos e espaços.
Nesta perspectiva, esta pesquisa procura responder à seguinte questão:
Quais saberes e práticas culturais da etnia Assuriní do Trocará se apresentam nas
brincadeiras e brinquedos das crianças dessa comunidade? Para contribuir no
processo investigativo da pesquisa foram formuladas questões norteadoras que têm
como objetivo dar corpo à formatação do objeto de estudo: a) Do que brincam, como
brincam e para que brincam as crianças da etnia Assuriní do Trocará?; b) Quais os
artefatos que identificam como brinquedos?; c) Como os saberes se apresentam nas
brincadeiras e brinquedos das crianças dessa comunidade?
Para responder a estas questões, foram elaborados os seguintes objetivos:
a) Investigar de que forma os saberes e as práticas culturais se apresentam nas
brincadeiras e brinquedos das crianças da comunidade Assuriní do Trocará; b)
Verificar as brincadeiras e os brinquedos que compõem a cultura lúdica dessas
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 28
crianças; c) Identificar os saberes que se apresentam através da cultura do brincar
das crianças Assuriní do Trocará; d) Analisar a dimensão educativa dos brinquedos
e brincadeiras nas práticas culturais da comunidade.
Para uma compreensão de como as brincadeiras e os brinquedos indígenas
têm se configurado no âmbito acadêmico e científico, portanto, epistemológico,
realizou-se uma busca no banco digital de teses e dissertações da Comissão de
Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES) e de duas universidades
públicas no Estado do Pará – Universidade Federal do Pará (UFPA), e Universidade
do Estado do Pará (UEPA) – no período delimitado entre os anos 2000 e 2014. Foi
utilizada para a pesquisa do Estado da Arte as palavras-chave brinquedos e
brincadeiras indígenas.
Os estudos sobre as crianças dos mais diversos lugares e etnias por muito
tempo não foram priorizados pelos pesquisadores, até que nas últimas décadas as
crianças têm ganhando espaço e legitimidade em diversos estudos que começaram
a percebê-las como sujeitos sociais. Margaret Mead (1975), questionava o pouco
interesse da antropologia pela infância. Sendo ela uma pesquisadora sobre infância,
diz que a escassez da pesquisa com a infância se daria por conta da cultura oriental
dos pesquisadores, que não consideravam a criança um ser social completo.
A relevância da temática deste estudo se dá pela necessidade de novas
pesquisas direcionadas ao brincar da criança indígena. A região amazônica abriga
diversas comunidades indígenas, muitas delas completamente desconhecidas para
as instituições oficiais, entretanto cada uma com seus saberes e suas diversidades
culturais, hábitos e atitudes. Entretanto, percebe-se que de forma institucionalizada
ainda é irrelevante as pesquisas que abordam temáticas acerca do resgate desse
conhecimento tão necessário a essa região. Isto se dá até mesmo pela falta de
motivação, tendo em vista as dificuldades quanto as questões de infraestrutura e
acesso as comunidades indígenas mais longínquas para a realização de estudos
dessa natureza.
Para melhor organização do estado da arte elaboramos dois quadros onde
está especificado: o nome do o autor, o título, a instituição de ensino, o objetivo, o
campo de atuação, o local da pesquisa e o ano de defesa das teses e dissertações
que foram consultadas, no banco de dados da Comissão de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Nível Superior (CAPES), Universidade Federal do Pará (UFPA) e na
Universidade Estadual do Pará (UEPA).
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 29
Quadro 1 – Teses que mais se aproximaram da categoria “brinquedos e brincadeiras indígenas”.
AUTOR, TÍTULO DO TRABALHO E IES
OBJETIVO
CAMPO
LOCAL DA PESQUISA
ANO
João Luiz da Costa Barros
“Brincadeiras e relações interculturais na escola Indígena: um estudo de caso na etnia Sateré-Mawé” UNIMEP
Analisar as relações interculturais que se estabelecem na educação escolar indígena, e como foco o brincar das crianças indígenas na escola e em contextos sociais específicos.
Educação
Iranduba/AM
2012
Rogério Correia da Silva
“Circulando com meninos: infância, participação e aprendizagens de meninos indígenas Xakriabá” UFMG
Investigar a infância das crianças indígenas Xacriabá, caracterizando as formas de sociabilidade, a transmissão do conhecimento e o aprendizado da criança indígena Xacriabá.
Educação
Norte de Minas Gerais, próximo à cidade de Januária, no Vale do São Francisco
2011
Roberto Sanches Mubarac Sobrinho
“Vozes infantis: as culturas das crianças Sateré-Mawé como elementos de (des)encontros com as culturas da escola” UFSC
Compreender como as crianças Sateré-Mawé vivem e constroem suas culturas da infância.
Educação
Área urbana de Manaus/AM
2009
Marília Raquel Albornoz Stein
“Kyringüé mboraí: os cantos das crianças e a cosmo-sonia Mbyá-Guarani” UFMG
Refletir sobre o protagonismo das crianças Mbyá como agentes sociais corresponsáveis pela construção do modo de ser Mbyá-Guarani.
Música
RS
2009
Alceu Zoia
“A comunidade indígena Terena do Norte de Mato Grosso: infância, identidade e educação” UFG
Analisar a infância e a educação na comunidade indígena Terena.
Educação
Norte de MT
2009
Miriam Lange Noal
“As crianças Guarani-Kaiowá: mitã reco na aldeia Pirakuá/MS” UNICAMP
Conhecer as crianças Guarani-Kaiowá inseridas no cotidiano da aldeia Pirakuá, evidenciando suas especificidades étnicas.
Educação
Bela Vista/MS
2006
Yumi Gosso
“Pexe oxemoarai – brincadeiras infantis entre os índios Parakanã” USP
Investigar o lugar da brincadeira nas atividades das crianças indígenas Parakanã e descrevê-las no contexto do modo de vida desses índios.
Psicologia
Sudeste do PA
2004
Ângela Nunes Machado Pereira
“Brincando de ser criança: contribuições da etnologia indígena brasileira à antropologia da infância” ISCTE
Investigar o cotidiano das crianças Xavantes, a implementação de um projeto educacional e como as crianças vivem o processo de transformação cultural.
Antropologia
Social
MT
2003
Fonte: Banco de dados da Capes/UFPA/UEPA.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 30
Quadro 2 – Dissertações que mais se aproximaram da categoria brinquedos e brincadeiras indígenas.
AUTOR, TÍTULO DO TRABALHO E IES
OBJETIVO
CAMPO
LOCAL
DA PESQUISA
ANO
Sheila Alves de Araújo
“A criança Indígena nos estudos Acadêmicos no Brasil (2001-2012)” UFPA
Investigar as concepções de infância para as diversas etnias indígenas presentes nas produções acadêmicas no Brasil no período de 2001 a 2012.
. Educação
Bibliográfica e Documental
2014
Carine Monteio de Queiroz
“As crianças indígenas Kaimbé e suas culturas lúdicas em Massacará” UFBA
Investigar como as crianças indígenas Kaimbé lidam com seu contexto de desenvolvimento, compartilhando criativamente a cultura do brincar.
Psicologia
Região semiárida da BA
2012
Luciano Silveira Coelho
“Infância, aprendizagem e cultura: as crianças Pataxó e as práticas sociais do Guarani” UFMG
Colocar em relevo alguns aspectos fundantes das aprendizagens das crianças Pataxó em suas práticas cotidianas.
Lazer
Terra Indígena Fazenda Guarani, próxima a Carmésia/MG
2011
Marcelo do Nascimento Melchior
“Watébrémi Xavante: uma aproximação ao mundo da criança indígena” UCDB
Compreender as crianças Xavante no dia a dia da aldeia Sangradouro.
Educação
General Carneiro/ MT
2008
Levindo Diniz Carvalho
“Imagens da infância: brincadeiras, brinquedos e culturas” UFMG
Compreender como crianças de diferentes contextos socioculturais experienciam a prática da brincadeira, suas dinâmicas e significados.
Educação
Os Pataxós habitam em MG e as crianças moradoras do bairro Taquaril em Belo Horizonte/MG
2007
Clarice Cohn
“A criança indígena: a concepção de infância Xikrin de infância e aprendizado” USP
Discutir o modo como as crianças Xikrin concebem a infância e o desenvolvimento infantil, assim como o aprendizado.
Antropologi
a Social
Sudoeste do PA
2000
Fonte: Banco de dados da Capes/UFPA/UEPA.
A tese “Brincadeiras e relações interculturais na escola indígena: um estudo
de caso na etnia Sateré-Mawé” (BARROS, 2012) analisa as relações interculturais
que se estabelecem na educação escolar indígena com o foco no brincar das
crianças na escola e em contextos sociais específicos. A partir da análise dos dados,
o autor concluiu que a educação das crianças indígenas possui características
diferenciadas e que a chegada da escola na aldeia deve se constituir enquanto um
espaço de trocas, em respeito ao modo de vida dos indígenas, seus valores, seus
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 31
costumes e suas brincadeiras e, sobretudo, enquanto possibilidades da
interculturalidade.
A tese “Circulando com meninos: infância, participação e aprendizagens de
meninos indígenas Xakriabá” (SILVA, 2011) se utiliza da descrição da vida das
crianças Xakriabá, detalha as redes sociais e de interações nas quais elas estão
inseridas e que promovem seu cuidado e sua educação ou a educação através do
cuidado, explicitado nas práticas corporais específicas voltadas à infância. O papel e
a forma como a criança aprende por meio da observação, a forma como ocorre a
participação e o engajamento da criança nas atividades cotidianas. A descrição das
atividades familiares e comunitárias de que as crianças participam, como as tarefas
domésticas e o trabalho na roça, fornece elementos para analisar não somente a
relevância de tais aspectos, mas também a forma como operam.
A tese “Vozes infantis: as culturas das crianças Sateré-Mawé como
elementos de (des)encontros com as culturas da escola” (SOBRINHO, 2009) reflete
sobre a importância da valorização da cultura Sateré-Mawé através das
brincadeiras, dos rituais, das músicas tradicionais e da língua, e como neste "entre-
lugar", o espaço urbano, são construídas estratégias para garantir os jeitos próprios
de ser, de viver e construir suas culturas da infância da etnia Sateré-Mawé e, ainda,
de se relacionar com o mundo e com a "escola do branco". A pesquisa demonstra a
importância de olhar e compreender a infância sob o ponto de vista das crianças
Sateré-Mawé.
A tese “Kyringüé mboraí: os cantos das crianças e a cosmo-sônica Mbyá-
Guarani” (STEIN, 2009) reflete sobre o protagonismo das crianças Mbyá como
agentes sociais corresponsáveis pela construção do modo de ser Mbyá-Guarani e
problematiza o estudo da música nos moldes ocidentais, no sentido de descrever
etnograficamente categorias êmicas Mbyá relacionadas ao âmbito sonoro, centrada
na sociocosmologia Mbyá indicada pelo termo "cosmo-sônico". A partir da análise
músico-performática, textual e músico-estrutural de três âmbitos de performance
musical de que as crianças participam – as apresentações dos mboraí (cantos
sagrados) pelos grupos de cantos e danças tradicionais Guarani, as gravações em
diversos CDs e as performances cotidianas dos kyringüé mboraí (cantos das
crianças) – apresenta os significados que os Mbyá compartilham e negociam sobre
estas performances, sobre ser criança e sobre sua musicalidade.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 32
A tese “A comunidade indígena Terena do Norte de Mato Grosso: infância,
identidade e educação” (ZOIA, 2009) investiga a comunidade indígena Terena do
norte de Mato Grosso e analisa a infância e a sua educação. Tendo como ponto de
partida a história de lutas deste povo, o autor buscou perceber como os processos
educativos iam se desenvolvendo, permeados pelas inúmeras dificuldades pelas
quais passaram. A criança é muito valorizada e vista como um agente social e
político e é nela que estão depositadas as esperanças de manutenção da cultura, da
língua e das tradições. E, dentro destas questões, a escola – comunitária,
intercultural, bilíngue, específica e diferenciada – passa a assumir um lugar de
destaque nas aldeias, como local de resistência e reorganização do povo indígena.
A tese “As crianças Guarani-Kaiowá: mitã reco na aldeia Pirakuá/MS”,
(NOAL, 2006) teve como proposta conhecer as crianças Guarani-Kaiowá inseridas
no cotidiano da Aldeia Pirakuá, Bela Vista/MS, evidenciando suas especificidades
étnicas, registrando e descrevendo como vivem suas infâncias no espaço histórico e
coletivo da aldeia: como brincam, como são inseridas no mundo dos adultos, com
que e como se relacionam, o que verbalizam, o que fazem, o que não fazem. A
pesquisadora relata que mesmo diante de crianças que, resguardadas todas as
situações de pobreza e de perdas, impingidas por um processo colonizador
massacrante, ainda possuem o direito de, sendo crianças, serem sujeitos de suas
experiências, de seus aprendizados, de suas liberdades.
A tese “Pexe oxemoarai: brincadeiras infantis entre os índios Parakanã”
(GOSSO, 2004) investiga o lugar da brincadeira nas atividades das crianças
indígenas Parakanã e descreve-as no contexto do modo de vida desses índios. O
autor relata que as crianças Parakanã passam a maior parte do seu tempo
brincando em seu próprio mundo. A partir de dois ou três anos, começam a brincar
em grupo sem supervisão de adultos. Elas não só representam a vida adulta que
observam livre e abundantemente, mas parecem recriá-la, como se fosse uma
cultura peculiar, específica: a cultura da brincadeira.
A tese intitulada “Brincando de ser criança: contribuições da etnologia
indígena brasileira à antropologia da infância” (NUNES, 2003) propicia um balanço
bibliográfico sobre as contribuições mais significativas, internacionais e brasileiras,
estabelecendo um diálogo entre a antropologia da infância e os estudos etnológicos
sobre sociedades indígenas no Brasil, através de um estudo etnográfico realizado
entre os índios Xavante, do Mato Grosso. O estudo concentra-se na análise de
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situações cotidianas decorrentes da introdução da educação escolar oficial, em
confronto com a tentativa de implementação de um projeto educacional idealizado
pelos próprios índios, e está especialmente atento à maneira como as crianças
vivem esse processo de transformação cultural e à dinâmica que elas próprias lhe
imprimem.
A dissertação cujo título é “A criança indígena nos estudos acadêmicos no
Brasil (2001-2012)” (ARAÚJO, 2014), apresenta estudos catalogados em um
inventário, que levou em consideração os seguintes elementos: tipo de estudo, ano,
título, autor e assunto que abordava cada uma das pesquisas. A autora analisa as
categorias existentes dentro da concepção étnica de infância indígena, a saber:
“liberdade”, “brincadeiras” e “educação”.
A dissertação de Queiroz (2012), “As crianças indígenas Kaimbé e suas
culturas lúdicas em Massacará”, apresenta a participação ativa das crianças nos
processos de transmissão, conservação e mudança cultural, ou seja, como agentes
nos grupos de pares que integram e, também, nas sociedades em que vivem. A
observação foi a técnica utilizada para ir ao encontro das meninas e meninos
Kaimbé nas áreas abertas do seu território, em momentos de interações livres,
quando transitam com autonomia e criatividade entre as diversas culturas, infantis e
adultas, locais, regionais, nacionais e, até mesmo, internacionais, acessando de
forma inovadora o mundo que as cerca, um ambiente que é físico e simbólico,
cultural e político.
A dissertação “Infância, aprendizagem e cultura: as crianças Pataxó e as
práticas sociais do Guarani” de Coelho (2011) destaca alguns aspectos fundantes
das aprendizagens das crianças Pataxó em suas práticas cotidianas. Coelho (2011)
relata aspectos fundantes no engajamento das crianças Pataxó em seis práticas
presentes na aldeia: a caça, o trabalho agrícola, a produção e venda do artesanato,
as tarefas domésticas, o futebol e as brincadeiras; relata também que o
envolvimento das crianças Pataxó em seu cotidiano é facilitado pela sua
proximidade como os adultos e pelo acesso aos diferentes espaços da aldeia.
Concluiu que as crianças Pataxó estão envolvidas diariamente em um interessante e
complexo ambiente que lhes proporciona inúmeras aprendizagens que independem
de um ensino deliberado para acontecer.
O trabalho de dissertação “Watébrémi Xavante: uma aproximação ao mundo
da criança indígena” de Melchior (2008), descreve o dia a dia da criança Xavante na
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aldeia: como brinca, como é inserida no mundo dos adultos, com quem e como se
relaciona, o que faz o que não faz. A partir desse olhar, compreende a criança como
um ser ativo e importante dentro do grupo, no qual é respeitada pelos adultos e,
desse modo, se insere no processo educativo próprio do grupo étnico. Relata que a
criança Xavante possui características específicas, expressas nas brincadeiras, nas
interações com os demais membros.
A dissertação intitulada “Imagens da infância: brincadeiras, brinquedos e
culturas”, de Carvalho (2007), mostra como crianças de diferentes contextos
socioculturais experimentam a prática da brincadeira, suas dinâmicas e significados.
Carvalho (2007) busca a compreensão do brincar como linguagem infantil que
significa o mundo, contribui para a constituição de um modo de ver da criança em
sua singularidade, suas formas de apreender e se relacionar com seus pares e seu
entorno, mas, principalmente, para a elaboração das imagens construídas sobre as
múltiplas infâncias na contemporaneidade.
A dissertação “A criança indígena: a concepção de infância Xikrin de infância
e aprendizado” de Cohn (2000) retrata o processo de desenvolvimento infantil entre
os Xikrin, através de sua própria concepção de criança e de crescimento, realiza
uma análise que foca o modo como as crianças intervêm ativamente nesse
processo. A dissertação da ênfase à antropologia contemporânea, que recupera os
estudos sobre a infância e da participação ativa da criança em sua inserção na vida
social, quando recusa a visão da socialização como meio de incutir em "imaturos",
que imitam e miniaturizam a vida adulta, valores e comportamentos socialmente
aceitos.
As teses e dissertações analisadas muito contribuíram para a reflexão, ao
perceber as crianças como seres sociais plenos, que participam diretamente dos
processos de transmissão, conservação e mudança cultural, ou seja, são agentes
nos grupos que integram e, também, nas sociedades em que vivem. Estudar suas
brincadeiras e brinquedos faz compreender como se dá a construção histórica da
criança em uma determinada sociedade. Segundo Kramer (2007, p. 17) “as crianças
não formam uma comunidade isolada; elas são parte do grupo e suas brincadeiras
expressam esse pertencimento. Elas não são filhotes, mas sujeitos sociais; nascem
no interior de uma classe, de uma etnia de um grupo social”. Nesse sentido, Pereira
(2009) chama a atenção para o fato de que:
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[...] as brincadeiras são uma linguagem que perpassa toda a nossa experiência de vida. Também nelas a criança se encontra e delas se apropria para se constituir como ser humano. São gestos, sons, expressões, inflexões, declarações e imagens que se inter-relacionam, gerando um fenômeno complexo, imbricado nos modos mais íntimos de estar no mundo (PEREIRA, 2009, p. 23).
Se as brincadeiras perpassam por toda a nossa experiência de vida,
podemos dizer que também contribuem para o entendimento, formação e
consolidação dos saberes humanos. O ato de brincar é historicamente e socialmente
construído, constituindo-se como um processo intermitente da prática educativa,
inserido nos mais diversos contextos sociais.
1.5 Estruturação do texto
Está dissertação de mestrado estrutura-se em quatro partes. Como primeira
sessão, “Desafios de uma trajetória em construção”, trata sobre a trajetória
acadêmica e a motivação para a escolha da temática, seguida de uma ligeira leitura
e um autoquestionamento sobre o que é a criança, por que ela brinca, e como se
expressa no mundo dos adultos. Discorre ainda essa sessão sobre o objeto,
objetivos e questões norteadoras e registra o Estado da Arte, que é a investigação
nos bancos de dados das instituições científicas e acadêmicas sobre a categoria
estudada “brinquedos e brincadeiras indígenas”.
A segunda seção “Caminhos desenhados e trilhados” define a metodologia
utilizada na condução da pesquisa e o próprio caminho da investigação com o
emprego do método. Ao problematizar as questões metodológicas detém-se na
busca do que se quer produzir e, assim, delimita-se o campo, o universo a ser
estudado e a dinâmica que mais convêm ao estudo de uma pesquisa. Observar,
registrar, analisar e observar novamente, redefinir registros, sintetizar, são ações
inesgotáveis a cada momento de encontro com os participantes, crianças da
comunidade Assuriní do Trocará, cuja amostragem foi definida pela metodologia
empregada. Ainda na segunda sessão localiza-se e caracteriza-se a comunidade
Assuriní do Trocará, sua situação geográfica, sua constituição política e
socioeconômica e parte de sua história, para que se possa compreender o
comportamento e as relações crianças e adultos, crianças e crianças, crianças e
brinquedos e brincadeiras.
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Na seção três que tem como título os “Aspectos culturais da etnia Assuriní
do Trocará”, procura-se compreender o termo cultura, uma vez que a cultura se
concebe como uma inter-relação de costumes hábitos e crenças, modos e
concepções de vida dos Assuriní do Trocará. A seção quatro: “O brincar e os
brinquedos das crianças Assuriní”, trata de como a criança ao manipular um
brinquedo, se apropria, se projeta e se exprime, numa reação e relação com os
códigos sociais e culturais. Os momentos de interação com as crianças Assuriní, nas
observações, olhares e compartilhamento das suas preferências por brincadeiras e
predileções por brinquedos.
Quando brincam expressam as práticas vivenciadas nas inter-relações com
seus iguais expressando aquilo que é percebido do mundo ao seu redor, entretanto
não descuidando inteiramente dos valores, crenças, hábitos e da herança cultural
que foram ensinadas pelos que vivem na comunidade Indígena Trocará, que de
alguma forma tentam manter sua identidade. Nesse olhar percebe-se que a criança
indígena se torna agente ativo de transformação, elaboração e recriação da cultura,
sem descuidar de valores intrínsecos ao seu povo.
Para abordar o entendimento sobre os saberes acerca da infância, da
criança, da cultura de seus brinquedos e de suas brincadeiras, como aporte teórico
para fundamentação desse trabalho, definiu-se Ariès (1981), Benjamin (2002),
Brandão (2002), Brougère (2004, 2010), Callois (1990), Charlot (2000), Cohn (2005),
Del Priori (2013), Geertz (1989), Huizinga (2007), Kramer (2007), Nunes (2010),
Oliveira (2000), Pereira (2009), Silva (2010), Thompson (1995), Vygotsky (2009),
entre outros, que ajudam a perceber as várias formas de olhar a criança ao longo da
história e de como ela está inserida na sociedade atual, como um ser social
participante, revelando seus papéis de produtora e disseminadora da cultura através
de seus brinquedos e brincadeiras.
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2 CAMINHOS DESENHADOS E TRILHADOS
Aprendimentos
O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer.
Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim falou que só sabia que não sabia de nada.
Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas
das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado
sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o idioma que as rãs falam com as águas
e ia conversar com as rãs.
(Manoel de Barros)
Toda metodologia de pesquisa é um caminho a percorrer. Um caminho
primeiramente do pensamento, na construção da abordagem prática, na busca de
uma realidade, para alcançar os objetivos que se propõe à realização de um estudo.
E o caminho aqui escolhido, ou talvez, que me escolheu foi o caminho da pesquisa
qualitativa, pelo contato direto e iluminado com essas crianças e seus brinquedos e
brincar.
2.1 Percurso Metodológico
O caminho da investigação busca as bases no desenvolvimento de um
estudo mais profundo, científico, planejado e metodologicamente estruturado acerca
de determinado assunto. Como um trabalho científico, este estudo está embasado
em teorias identificadas em autores com vasta referência acadêmica sobre as
metodologias de pesquisa. Aborda um nível de realidade que não pode ser
quantificado, afinal, trata-se de uma pesquisa com crianças indígenas, seu universo
de brincadeiras e brinquedos, em um contexto de significados não quantificáveis,
pois envolve sentimentos, desejos, alegrias, atitudes, medos, reservas e ações das
relações consigo mesmo, com o outro e com o ambiente.
A pesquisa científica sempre se apresenta de um lado como unidade e de
outro como diversidade e, neste contexto, entende-se que o conhecimento não se
constrói de uma única maneira. Assim sendo, o científico não se reduz a uma única
forma de conhecer e, neste aspecto de desdobramento próprio das ciências sociais,
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constitui-se, em diversas formas que se desdobram em inúmeras faces e
possibilidades.
Na defesa de que o objeto da pesquisa não deve se limitar a mostrar apenas
o que é, e como o acontecimento vem ocorrendo, foi utilizado neste estudo diversas
formas de registro como a observação, a ciranda de conversas, a fotografia como
elemento ilustrativo, instrumentos estes fundamentais e significativos para registrar e
descrever a demanda do que as crianças indígenas da comunidade Assuriní do
Trocará tinham a nos mostrar com referência aos seus brinquedos e brincadeiras.
Todo o possível foi observado e registrado: a dinâmica, as significações e os
comportamentos das crianças durante suas atividades lúdicas.
A prática da pesquisa com crianças não tem sido um processo muito
comum, e, conforme relata Cruz (2008).
No entanto, mesmos nas pesquisas, procurar captar o ponto de vista das crianças é recente. Há poucos anos um levantamento realizado por Rocha (1999) mostrava o quanto as crianças ainda eram pouco ouvidas, predominando as vozes dos adultos, como apontava a autora, em geral, são realizadas pesquisas sobre crianças e não com crianças. (Cruz, 2008, p. 12, grifo do autor).
As categorias de análise adotadas neste estudo foram: “criança indígena”;
“brinquedo”; “brincadeira”; que fazem parte da realidade do universo estudado, uma
vez que tais categorias envolvem a dinâmica de vivência de seu cotidiano.
Campos (2008) orienta a observar as crianças e nos colocarmos como
parceiros de suas brincadeiras, ou seja, participando com elas nas suas atividades e
construindo uma relação mais igual, que inspire confiança receptiva. Desde o
primeiro momento, as crianças Assuriní já eram partícipes da pesquisa e, ao me
reportar ao primeiro encontro com elas, percebi que a máquina fotográfica foi o
elemento que permitiu a interação e facilitou uma relação de igual.
Quando optei pela abordagem qualitativa era para que pudesse retirar deste
trabalho o que são os dados reais e o que são os dados subjetivos e analisáveis, a
partir da convivência com as crianças Assuriní do Trocará na observação de seus
valores, crenças e saberes. E neste convívio com as crianças essa subjetividade
também foi real na medida que se percebia e registrava a timidez no comportamento
das crianças na nossa presença, mas totalmente desinibidas quando com seus
pares.
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As crianças Assuriní do Trocará são alegres, extrovertidas, travessas e
interativas no convívio da sua comunidade, pois, conforme afirma Minayo (2003, p.
22) “a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e
relações humanas, um lado não perceptível e não captável, em equações, médias e
estatísticas”. E completa que:
[...] os fundamentos da pesquisa qualitativa são os próprios princípios clássicos, utilizados nas ciências da natureza: a) o mundo social opera de acordo com as leis causais; b) o alicerce das ciências e a observação sensorial; c) a realidade consiste em estruturas e instituições identificáveis [...] para fornecer generalizações e regularidades; d) o que é real são os dados brutos; os valores e crenças são dados subjetivos [...] (MINAYO, 2003, p. 22-23).
Há uma evidência e uma chave para entender o quanto a abordagem
qualitativa revela seu verdadeiro potencial, isto se dá quando as partes essenciais
do processo de pesquisa são encadeadas de forma a ocorrer a análise e
interpretação dos dados sem percalços, partindo de um processo que flui
naturalmente, respeitando o lócus da pesquisa e seus participantes num processo
ético, pois, de acordo com Flick (2009, p. 51), “os princípios da ética da pesquisa
postulam que, os pesquisadores evitem causar danos aos participantes envolvidos
no processo por meio do respeito e da consideração por seus interesses e
necessidades”. Estabelecer, portanto, um fio condutor de respeito entre as partes
desta pesquisa, se tornou o desejo maior que me ocorreu desde que ancorei meu
objeto de estudo naquele ambiente de encantarias indígenas e infantis.
No percurso da pesquisa com as crianças da etnia Assuriní do Trocará, meu
pensamento se aproxima do que afirmam Ghedin e Franco (2008).
À medida que a pesquisa qualitativa favorece que a cotidianidade seja percebida, valorizada, mostra-se como gestadora e germinadora dos papéis sociais, vai possibilitando aos pesquisadores a apropriação das relações entre peculiaridades e totalidade, entre o indivíduo e o ser humano genérico, entre a cultura e a história. (GHEDIN E FRANCO,2008, p. 62).
O ambiente natural é fonte direta dos dados, pois assim, quando participei
com as crianças Assuriní do banho de rio, entendi que estava inteiramente livre de
referencial teórico sobre a ação do brincar no rio, e um outro saber estava sendo
construído bem dentro de mim. Era a percepção sobre a liberdade e o domínio que
as crianças apresentavam enquanto nadavam, mergulhavam, pulavam dos galhos e
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brincavam de mãe na água2 – numa sintonia sem igual com a natureza – me
identifiquei com a abordagem qualitativa de Bogdan e Biklen (1982 apud LÜDKE &
ANDRÉ, 1986, p. 11) quando afirmam que:
1) A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento [...] eles ocorrem naturalmente sem qualquer manipulação intencional do pesquisador [...]; 2) os dados coletados são predominantemente descritivos, deve ser um material rico em descrições pessoas, situações, acontecimentos, inclui aí entrevistas, depoimentos, fotografias desenhos. Todos os dados da realidade são importantes [...] 3) há maior preocupação com o processo do que com o produto o significado imprimido pelas pessoas, é foco de atenção especial, e os dados coletados a tendência de uma análise mais indutiva.
O contado direto com a situação que estava estudando, foi uma referência
inicial para a pesquisa qualitativa, pois forneceu aquilo que mais convém ao
pesquisador naquele momento, elaborar a descrição dos fatos a partir da
perspectiva dos intérpretes da pesquisa. As crianças Assuriní do Trocará enquanto
senhores da ação, davam, com minuciosos elementos o que representa a natureza
para a sua concepção de vida infantil.
Foi possível assim relatar dados com precisão, descrição e analise do
comportamento dessas crianças diante das brincadeiras que realizam nos diversos
espaços da aldeia. Alegria constante, relações consentidas e inclusivas com seus
iguais, sempre com a liberdade de escolha do que e com quem brincar. Essa
qualidade de dados permite pela observação e registro dizer com certeza que as
crianças Assuriní do Trocará usam a natureza como seu espaço de brincadeiras,
tais como o rio, o igarapé, a mata, o campo de futebol e as próprias moradias.
Além da abordagem qualitativa, considerando o foco da pesquisa, optei pela
Etnometodologia que propiciou o apoio necessário para a pesquisa alcançar os
objetivos estabelecidos e desejados, considerando a natureza do problema adotado
e as questões que pretendia discutir.
A Etnometodologia historicamente é tão antiga quanto à espécie humana e,
de acordo com Melo (2009), desde os primórdios da humanidade, os homens,
movidos pela necessidade de sobrevivência, buscaram desenvolver etnométodos,
ou seja, um conjunto de procedimentos lógicos próprios para resolver seus
problemas cotidianos. Usam o raciocínio lógico prático criam maneiras
especificamente de olhar, perceber, descrever, explicar, contar, medir as coisas da 2 Mãe na água: brincadeira infantil chamada de pega-pega, dentro da água.
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sua cotidianidade construindo métodos próprios de vida e convivência,
diferentemente do modelo-padrão da lógica científica das civilizações ocidentais.
O olhar foi sobre um determinado contexto – o das crianças da comunidade
Assuriní do Trocará – que por sua amplidão, fez nascer um entrelaçado de
elementos que une o prático e o teórico, o social e o individual, o religioso e o
cultural, o dito e o não dito. Atravessa vivências, experiências, possibilidades,
memórias, vidas, ambientes, claros e sombras que, é preciso buscar interpretar e
reinterpretar. Este método, o estudo de cultura de povos, revela crenças, tradições,
hábitos, manifestações, estudando também a interação desses povos, as ideias, as
técnicas, as habilidades que lhes são concernentes.
Embora a Etnometodologia seja o método escolhido desta pesquisa,
observei a necessidade de um suporte nessa categoria de estudo e desta forma,
busquei os elementos etnográficos como: observar, perguntar e interpretar, para
poder alcançar aquilo que foi objetivado no estudo, no que se refere a criança, a
brincadeira e aos brinquedos, pois, conforme afirma André (2008).
É evidente que a escolha de uma determinada forma de pesquisa depende antes de tudo da natureza do problema que se quer investigar e das questões, qualidades e os limites de uma metodologia para que se saiba mais claramente o que está sendo ganho e o que está sendo sacrificado. (ANDRÉ, 2008, p. 52).
O observar conduz necessariamente ao ato de perguntar, uma investigação
que possibilite o diálogo, o registro das falas interativas, de cunho coletivo
denominadas nesta pesquisa como cirandas de conversa. A observação permite,
ainda, desenvolver a investigação onde o fenômeno acontece, onde é feita, no ir e vir,
no ver e no viver com os participantes. É o participar junto aos sujeitos, perceber
suas ferramentas, seus movimentos do fazer diário nas suas relações com seus
pares, com o social, nos seus comportamentos. E depois? Perguntar... Perguntar,
através dos diálogos realizados durante as cirandas de conversa aos intérpretes
desta pesquisa as crianças Assuriní do Trocará. E foi isso o que foi realizado
durante os períodos que lá estive.
O terceiro elemento foi a interpretação. Interpretar, de forma criteriosa, nos
mínimos detalhes sobre o entorno desses sujeitos e do observado, momento em que
se coloca a percepção a serviço de uma visão holística, num contexto de totalidade
das relações entre as pessoas, e as pessoas com o cenário, ou seja, com o meio.
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Essa Interpretação deve conter uma compreensão da realidade, da interação com o
meio, principalmente do universo estudado – as crianças da comunidade Assuriní do
Trocará – sabendo ver, ouvir, registrar, avaliar, reavaliar e descrever os significados
das relações, segundo o olhar e a vivência de seus atores.
Melo (2009) diz que a Etnometodologia, se dá a partir de observações da
realidade social. Sendo que as construções dos sujeitos, têm um significado
específico e um sentido de relevância para os indivíduos que vivem, pensam e agem
dentro dessa realidade e concluiu que o mais importante é trabalhar com os
registros de 1º grau. O registro de 1º grau é a ação, o acontecimento em um
contexto social em que estão contidas as experiências de vida dos sujeitos que
vivenciam a ação social, isto porque nenhum objeto de conhecimento deve ser
percebido como se estivesse isolado do mundo ou fora de uma situação de vivência
coletiva.
Na comunidade dos Assuriní do Trocará a vivência coletiva não é
exclusividade de crianças ou de adultos porque é de tal forma uma ação social de
total integração, sem que se perceba o que deve ser um ato especifico do adulto e o
que deva ser o ato especifico das crianças. De certa forma, estas relações se
confundem e se fundem. Exemplo disso é o ato do cuidar do outro. Observei que as
mães cuidam de todos, sem separar seus filhos ou os filhos dos outros, assim são
as crianças no cuidar constante de outras crianças. Os maiores cuidam dos menores
sejam irmãos, primos, amigos ou outros. Eles tomam para si essa responsabilidade
social nos momentos de atividades propostas pelos adultos da aldeia, nas
brincadeiras ou simplesmente no andar nos caminhos da aldeia e da floresta.
O que tem significância para a Etnometodologia é entender que existem
diferentes formas culturais de organizar a vida cotidiana dos homens em sociedade,
principalmente compreender como os fatos são socialmente construídos. E, muito
mais que isso: como as sociedades e os homens por si mesmos conseguem
visualizar estas atividades e torná-las compreensíveis para si e para os outros.
A Etnometodologia dá ênfase às práticas observadas e descritas. Por outro
lado, a fala também é um elemento constitutivo da ação, portanto, transmitir um
significado é algo mais que utilizar palavras, literalmente é agir, é ação. Assim, a
fala, ou seja, o discurso é uma prática social e, por isso, incorpora elementos que
não são simplesmente palavras soltas e isoladas, mas são elementos contextuais,
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 43
construídos pela vivência, pensamento, experiência, ou seja, que estão
condicionados por um contexto sócio histórico específico.
Nas cirandas de conversa com as crianças Assuriní identifiquei a ação pela
palavra, enquanto relatoras do seu próprio discurso social, ao descreverem as suas
relações com a natureza expressando as suas histórias de coragem e de seus
medos diante dos animais da floresta, das lendas do rio e dos igarapés. Relatando
suas habilidades como pescadores e caçadores.
Melo (2009) ressalta que a Etnometodologia só teve condições objetivas
para surgir enquanto um paradigma teórico efetivo das Ciências Sociais ganhando
contornos mais completos e definitivos, quase nos fins da década de sessenta do
século passado, com os estudos do sociólogo norte-americano Harold Garfinkel
empreendidos desde 1946 e que culminaram com a publicação da obra Estudos em
Etnometodologia, em 1967, considerado o livro fundador, a Bíblia da
Etnometodologia. Essa teoria surge com uma nova perspectiva teórico-
metodológica, e significou uma ruptura com a ordem científica dominante,
particularmente com as abordagens positivistas e funcionalistas. Para Garfinkel
(2006) citado por Melo (2009), a sociologia não devia ser entendida como uma
ciência positivista em que os fatos, de acordo com Durkheim, são estabelecidos a
priori por uma estrutura estável, independentemente da História e de maneira
objetiva, mas que tivesse uma postura interpretativa que valorizasse a subjetividade,
em que, descrever uma situação é construí-la.
Assim, é possível dizer que a partir dessa ruptura, passou a ser estudada
com mais profundidade, como mais do que uma teoria específica ou mesmo um
método, e passou a ser considerada:
[...] como uma perspectiva de pesquisa, ou seja, um ponto de vista epistemológico que dá prevalência às diferentes formas culturais dos homens comuns de se expressarem através de suas práticas cotidianas, as diferentes formas culturais dos membros de uma determinada comunidade, baseados em conhecimentos do senso comum, exercitarem os seus saberes práticos para viver, conceber e atuar no mundo em que convivem (MELO, 2009, p. 5).
Do contato com as crianças Assuriní percebi que elas utilizam de forma
natural e espontânea as suas práticas, quando reproduzem o comportamento do
adulto, por exemplo, ao entrarem na mata utilizando-se de terçados, apropriando-se
das linhas de anzóis e das varas de pesca, com a mesma destreza e habilidade que
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utilizam os adultos da comunidade. Assim sendo, baseados em suas práticas
diárias, desenvolvem seus conhecimentos sobre o mundo circundante.
Os saberes culturais determinam o conjunto de conhecimentos que um grupo
ou sociedade tem das coisas ou de um objeto com o qual se relacionam
cotidianamente. Neste sentido, consiste em toda e qualquer habilidade teórico-
prática acerca de algo, resultante da experiência prática que os indivíduos, grupos,
classes e instituições estabelecem com a sociedade em sua identidade cultural,
diferenciando-se entre si e entre grupos.
Quando se diz que os povos indígenas do centro do país ou das margens
dos rios da Amazônia possuem um conhecimento tradicional sobre ervas medicinas,
sobre localização, sobre fenômenos da natureza ou sobre animais, significa dizer
que são conhecedores práticos diante das dificuldades e de suas necessidades em
viver a cotidianidade das aldeias, de curar suas doenças, de localizar-se na mata, de
identificar tempos de chuvas, sol, secas, ventanias ou mesmo de conhecer as
etapas biológicas dos animais, sem dizer que são exímios biólogos, ambientalistas,
ou farmacologistas. De acordo com Melo (2009).
[...] a Etnometodologia se interessa por esses saberes práticos enraizados na cultura, ou seja, pelos conhecimentos adquiridos pelos indivíduos, resultantes de suas atividades cotidianas de vida, isto é, obtidos como produto de sua aprendizagem na chamada “escola da vida” e, ao mesmo tempo processo que organiza, produz cultura, forma e transforma o mundo social em que vivem e convivem. (MELO, 2009, p. 6, grifo do autor).
Quando se problematiza as questões metodológicas em uma pesquisa
científica, principalmente nas pesquisas sociais, não há como descartar a reflexão
sobre o que se busca e o que se quer produzir. Em uma pesquisa de campo, como
foi o caso deste trabalho, se fez necessário balizar limites e possibilidades, para que
se pudesse focar o assunto de forma clara e fundamentada e não divagar em
temáticas que, mesmo superficialmente relativas, divergem do campo de estudo
proposto.
O rigor que existe neste estudo tem que caminhar passo a passo, com a
intuição, com a sensibilidade, e discernimento do pesquisador para fazer uma
descrição interpretativa com absoluta fidedignidade, ou seja, é preciso fazer parte do
grupo, sem invadir sua cultura, mantendo um distanciamento necessário e, ao
mesmo tempo, uma aproximação possível para capturar momentos significativos
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que possam ajudar a resinificar o entendimento sobre a criança Assuriní, seus
brinquedos e brincadeiras. Certamente essa não é uma situação fácil de afastar as
ideias preconcebidas que se tem sobre determinada categoria, entretanto, é
infinitamente necessário.
Foi nesta perspectiva de pesquisa que se trabalhou, não sobre, mas com as
crianças Assuriní e mantive com elas a dinâmica necessária para os registros que
dessem qualidade e credibilidade ao trabalho. Desde a proposta da pesquisa até
sua realização, não só pela análise dos dados, mas de todo o processo que se
estabelece. É necessário lembrar que, como enfatiza Cohn (2005, p. 45), “a criança
é um sujeito social pleno e como tal deve ser considerado e tratado”. As crianças
Assuriní do Trocará se revelam pelas suas atitudes e ações da cotidianidade de um
referencial de pleno pertencimento a sua comunidade, pois o que se observa é que
na sua liberdade de crianças e pelos seus brinquedos e brincadeiras existe uma
identidade de inter-relação com a natureza e dela fazem seu parque de diversões no
seu dia a dia.
2.2 Aldeia Trocará: lócus da pesquisa
A região de origem do povo Assuriní do Trocará localizava-se nas
proximidades do rio Xingu, este território era dividido com o povo Parakanã, porém,
por conflitos internos entre si e com outros povos, os Assuriní do Trocará se
deslocaram para o leste, onde fixaram moradia. Em 1980 houve uma grande
enchente que deixou a aldeia submersa e, em decorrência dessa inundação, a
comunidade perdeu suas plantações, casas e animais, vários índios morreram
vítimas de doenças como a malária e tiveram que mudar para terras mais altas para
reconstruírem a comunidade.
Atualmente a aldeia Assuriní do Trocará se localiza exatamente a 3,5º graus
ao sul do Equador, no Posto Indígena de Trocará, no município de Tucuruí, no
estado do Pará, às margens do Igarapé Trocará, afluente do rio Tocantins, em uma
área de 21.722 hectares, com perímetro de 74 Km, entre os municípios de Tucuruí e
Baião, tendo suas terras atravessadas pela Trans-Cametá. As suas proximidades
também estão localizadas as comunidades indígenas dos Araweté, dos Parakanã,
Xikrins e Suruís, todos localizados dentro do estado do Pará na faixa de terra onde
estão dois grandes rios brasileiros o rio Araguaia e o rio Xingu.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 46
O Estado do Pará está localizado na região norte, sendo o segundo maior
estado da região, fazendo limite ao sul com o estado do Mato Grosso, ao sudeste
com o Tocantins, ao leste com o Maranhão, ao nordeste com o Oceano Atlântico, ao
norte com o Amapá e o Suriname, a noroeste com a Guiana e Roraima, e a
sudoeste com o Amazonas e o Mato Grosso. O Estado ocupa uma área territorial de
1.247.689,515 km2 e tem clima tropical quente e úmido.3 Abaixo (Figura 4) apresenta
o mapa contendo a localização da Aldeia Assuriní do Trocará.
Figura 4 – Localização da Aldeia Assuriní do Trocará.
Fonte: Google Maps (2015).
No que tange à terra do Trocará, Beltrão (2012, p. 14) afirma que “estão
garantidas oficialmente para o usufruto exclusivo dos índios que as habitam. Quando
falamos em usufruto, dizemos que são terras para o uso eterno dos indígenas”. Na
década de 1970 foram iniciados os estudos para demarcação da Terra Indígena
Trocará, sendo esta situação fundiária totalmente regularizada na década de 1980,
quando as terras foram homologadas pelo Decreto nº 87.845, de 22 de novembro de
1982, registrada no Cartório de Imóveis de Tucuruí, Baião e no Serviço de
Patrimônio da União no Pará.
A população que vive na Terra Indígena Trocará se distribui em três núcleos,
identificados como: Trocará, Oimutawara e Ororitawa. A divisão em núcleos foi uma
estratégia dos líderes da comunidade para evitar que madeireiros invadam suas
3Disponível em:
<TP://geoftp.ibge.gov.br/documentos/cartografia/areaterritorial/pdf/areas_2001_15.pdf>. Acesso em: 09.2014.>
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 47
terras. As terras dos Assuriní do Trocará podem ser acessadas por via terrestre em
aproximadamente dez horas de viagem, em ônibus intermunicipal, ou em carro
particular, com uma média de oito horas de viagem, saindo da cidade de Belém,
capital do Pará; e, por via aérea, em aproximadamente uma hora de voo, saindo de
Belém direto para o município de Tucuruí.
Do município de Tucuruí até a comunidade Assuriní do Trocará (Figura 5)
desloca-se mais 23 km pela Rodovia Transamazônica, em uma estrada de
condições precárias, sem asfalto, pista estreita e muitos buracos.
Figura 5 – Acesso à Aldeia Assuriní do Trocará.
Fonte: Arquivo pessoal (2014).
No período das chuvas alguns trechos se tornam praticamente intrafegáveis
devido à lama. Já no período da estiagem a rodovia possui trechos de muita poeira e
de muita serragem proveniente das madeireiras instaladas a margem da estrada, o
que dificulta o acesso a aldeia indígena Assuriní do Trocará.
Além destas dificuldades de infraestrutura para o deslocamento, outras
surgiram durante o período da realização do estudo, nem sempre havia a
disponibilidade do acesso por motivos culturais ou administrativos, por exemplo: nos
momentos dos festejos internos que são apenas para a participação do povo
Assuriní não a permissão na aldeia para a entrada de pessoas estranhas a
comunidade. Outra situação deu-se pelo administrador do Fundação Nacional do
Índio (FUNAI) responsável pela aldeia Assuriní, se encontrar em período de férias, e
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 48
devido aos protocolos legais também havia a dificuldade de emissão da permissão
ao acesso a comunidade.
2.3 Trajetória do povo Assuriní do Trocará
O termo “Asuriní” ou “Assuriní”, desde o século XX, vem sendo utilizada para
designar diferentes grupos Tupis que residem em regiões localizadas entre os rios
Xingu e Tocantins. O referido termo começou a ser empregado para denominar este
povo em particular na década de 50, pelos funcionários do Serviço de Proteção ao
índio (SPI) durante os trabalhos de pacificação, sendo que, em artigos e relatórios
que tratam dessa etnia foi encontrado a nomenclatura Asuriní como forma de
autodenominação do grupo que reside na Comunidade Trocará. Quando se
questionou à Morossopia, professora da língua Assuriní na aldeia, qual a forma
correta do termo, a mesma informou que a escrita realizada pela comunidade é com
“ss”, ou seja, “Assuriní”, por respeito a tradição e a cultura escrita deste povo,
optamos neste estudo pela nomenclatura Assuriní.
De acordo com Andrade (1985), os Assuriní do Trocará são uma etnia
classificada como integrante do tronco linguístico Tupi-Guarani. Ao longo dos anos,
essa etnia vem perdendo muito de sua cultura, entre elas a língua materna, embora
seja feito um trabalho de resgate da língua, através da escola Wararaawa Assuriní
onde as crianças são alfabetizadas na língua portuguesa e na língua Assuriní.
Embora um dos objetivos da escola seja o de resgatar a Língua Assuriní,
tive o cuidado de fazer uma observação bem singular a esse respeito, e não
consegui perceber nas crianças menores e nem nas crianças mais velhas, uma
manifestação de que se comunicam na sua língua materna. Fato é que, ao
perguntar o significado de seus nomes na língua Assuriní, nem uma das crianças
participantes desta pesquisa foi capaz de responder o significado. Foi preciso
solicitar a Morossopia, professora da Língua Assuriní, o significado do nome de cada
criança participante desta pesquisa. Pedrazzani e Leitão (2006) afirmam que:
[...] é necessário um programa de recuperação da língua materna e de algumas práticas tradicionais, por intermédio da escola e envolvendo toda a comunidade. O registro de todas as possibilidades de conhecimentos e o uso dessas narrativas como material no aprendizado da escrita (português e Asuriní) certamente irá provocar o sentimento de unidade necessário para prosseguirem como índios e não como regionais, se assim o quiserem (PEDRAZZANI & LEITÃO, 2006, p.14, grifo do autor).
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Segundo estudo realizado para avaliação de impactos ambientais e
socioculturais da Usina Hidrelétrica (UHE) Tucuruí na Terra Indígena Trocará – Povo
Assuriní e elaboração de Proposta de Ação Compensatória (2006), foi realizada uma
pesquisa sociolinguística que procurou identificar o grau de proficiência da língua
nativa de cada membro da comunidade Assuriní, revelou que de uma população de
quatrocentas e quatorze pessoas, apenas 15% falavam a língua nativa com
proficiência, sendo que destes apenas 11% a falam como primeira língua e apenas
cinco crianças com menos de sete anos têm proficiência plena na língua nativa
(CARVALHO, 2006).
Sob a perspectiva das manifestações culturais da comunidade Assuriní do Trocará podem ser descritos como empobrecidos em grande medida, o distanciamento da língua afastou-os, das demais manifestações culturais, as quais foram desaparecendo sob os olhos desesperançosos dos estudiosos e, talvez até sem consciência, dos olhos dos próprios índios (CARVALHO, 2006, p. 77).
Os Assuriní do Trocará representam uma etnia que sofreu todas as
consequências do processo de ocupação dos empreendimentos realizados na
região. Toda essa movimentação interferiu na cultura e nos rituais do povo Assuriní.
Neste sentido, Laraia (1978) diz que os Assuriní já não queriam mais praticar os
rituais, pois exigiam a perfuração de lábios. O significado mágico-religioso e ideal
estético de outrora, dava lugar a vergonha por ser considerado um costume
selvagem e como consequência, logo foi abandonado pelos mais jovens que são os
que mantêm intensos contatos com a população de Tucuruí e com quem querem
assemelhar-se.
Desde o início da década de 1960, conforme nos relata Laraia (1978), os
Assuriní já produziam farinha para comercializar em Tucuruí, esse contato contribuiu
para a mudança de costumes e de hábitos alimentares, ou seja, ao colocarem a
venda seu produto abriu igualmente as portas ao consumo de bens que não
produziam, mas que tornaram indispensáveis no seu novo modo de vida.
Pedrazzani e Leitão (2006) afirmam que outro impacto ocorrido na vida dos
Assuriní sem nenhuma dúvida, foi a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
Embora seu território não tenha sido diretamente atingido pelas obras da barragem,
os Assuriní receberam em sua vizinhança a explosão da cidade de Tucuruí. As
instalações básicas para a construção da hidrelétrica e para a manutenção de seu
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 50
funcionamento provocaram alterações profundas na estrutura socioeconômica de
toda a região e, mesmo não tendo sido alagados, os impactos sofridos pelos
Assuriní vieram de todos os lados, traduzidos por diversos problemas, além dos
tradicionais impactos ambientais, a caça e a pesca realizada por não-índios dentro e
fora da área contribuem para a diminuição das espécies, da mesma forma que sua
reprodução e ocorrência torna-se cada vez mais difícil dada a devastação das matas
do entorno, o que, por sua vez, desequilibra os aspectos de produção e distribuição
de alimentos entre os índios.
A movimentação da pequena povoação que rapidamente se transformou em
polo de importância nacional gerou impactos irreversíveis na vida daquela
comunidade que se encontrava, infelizmente, localizados tão próximos do local. O
contato com os moradores da cidade de Tucuruí também propiciou o deslocamento
de muitos Assuriní que passaram a morar e trabalhar na cidade. O que vem a
corroborar com a fala de Gomes (2012) quando diz que embora alguns grupos
indígenas vivam uma cultura com tradições rígidas.
Em contrapartida, há povos indígenas que mudaram muito rapidamente, até em menos tempo. Aprenderam o português com rapidez e fluidez, adotaram elementos da sociedade brasileira e, embora a maioria habitando em suas terras, muitos dos líderes já vivem em cidades [...]. Muitos já se instalaram nas cidades e vivem condições de pobreza – alguns, porém, empregados –, criam seus filhos no sistema cultural dominante da sociedade brasileira, mas tentam manter sua identidade e transmiti-la com dignidade para seus filhos e descendentes (GOMES, 2012, p.12-13).
Os Assuriní que permanecem na Aldeia Trocará retiram sua subsistência da
produção de macaxeira, da caça, da pesca e da coleta de frutos da mata. Os
homens vão para a mata caçar, quando a caça é um animal grande como veado,
anta, jacaré ou porcão4, é dividida com toda a comunidade; já as menores como
tatu, cutia ou paca, fica para a família; às vezes as mulheres também vão para a
mata para caçar e pescar.
Hoje, a terra indígena Trocará constitui uma das poucas reservas de mata em
toda a região, cercada pelos pastos das fazendas de gado, consequentemente, alvo
de invasão por moradores do entorno que penetram na área para caçar e pescar,
sendo este um dos motivos da caça e da pesca já não são serem mais tão
abundantes na aldeia. Outras formas de subsistência dos Assuriní é o cultivo do
4 Porcão: nome dado pelos Assuriní ao porco do mato de grande porte.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 51
milho e da macaxeira e a comercialização de frutos como o açaí e a bacuri, óleo de
andiroba, copaíba, mel de abelha que retiram da mata, também produzem e vendem
artesanatos confeccionados pelas mulheres da comunidade.
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas o extrativismo ainda é fonte de
subsistência dessa etnia, sendo que, algumas famílias da comunidade recebem do
governo a Bolsa Família, e alguns idosos recebem a aposentadoria rural por idade,
benefício instituído pela Lei nº 8213/1991, que garante o pagamento de um salário
mínimo aos homens com idade superior a 60 anos e mulheres com idade superior a
55 anos. As mulheres Assuriní que dão à luz recebem o salário-maternidade (Lei
8213/91), a também famílias que recebem verbas assistenciais do governo, como
Bolsa-família, vale gás e outros, todos esses benefícios contribuem para a
subsistência das famílias Assuriní.
2.4 Infâncias e crianças
Os estudos sobre a criança e sua infância, principalmente no Brasil, pode-se
dizer que são recentes, mas são fundamentais para que se reconheça e caracterize
o que seja esta fase da vida do indivíduo. Sobre a concepção de infância, como
categoria social, estudos surgiram com similaridades e diferenças.
Fato é que as crianças existiram, existem e existirão sempre, mas não
podemos esquecer que existem muitas culturas e sociedades, onde a ideia de
infância pode apresentar-se de forma diferente. Em sua obra Cohn (2005) questiona:
O que é ser criança? O que é infância? Quando ela acaba? Cohn (2005) diz que
tudo isso pode ser pensado de forma diferente em contextos socioculturais dos mais
diversos.
Afinal como já diz Margaret Mead, crianças existem em toda parte, e por isso podemos estudá-las comparando suas experiências e vivencias; mas essas experiências e vivências são diferentes para cada lugar, e por isso temos que entendê-las em seu contexto sociocultural [...] (COHN, 2005, p. 26).
Nesse sentido se constitui o campo sociológico de estudo da infância da
criança, considerando que a criança é digna de ser estudada em si mesma, suas
produções, suas relações sociais, seus brinquedos e brincadeiras.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 52
Ariès (1981) nos apresenta a ideia de infância como uma construção social
do mundo ocidental. Ela não existe desde sempre, e o que hoje estendemos por
infância foi sendo elaborado ao longo do tempo na Europa, seja no sentido da
composição familiar ou das noções de maternidade e paternidade, seja no cotidiano
e na vida das crianças.
A falta de uma história da infância e seu registro histórico tardio são um
início da incapacidade por parte do adulto de ver a criança em sua perspectiva
histórica. Somente nos últimos anos o campo historiográfico rompeu com as rígidas
regras de investigação tradicional, institucional e política, para abordar temas e
problemas vinculados à história social. A estrutura social as questões políticas e
econômicas dos povos colaboram para que o conceito de criança fosse mudando ao
longo dos tempos, aumentando o interesse dos estudiosos que passaram a
perceber a criança como um sujeito social. Sobre isto, Kramer (1982) mostra que:
A mudança de concepção de infância foi compreendida como sendo eco da própria mudança nas formas de organização da sociedade, das relações de trabalho, das atividades realizadas e dos tipos de inserção que nessa sociedade têm as crianças. Assim entendidas a questão, não se trata de estudar a criança como um problema em si, mas de compreendê-la segundo uma perspectiva histórica. (KRAMER,1982, p. 18).
Kramer (2000, p. 13), diz que como sendo a primeira idade da vida humana,
“a infância mais que um estágio é categoria da história: existe uma história porque o
homem tem infância”. A criança desde a sua fase mais inicial, a primeira infância,
precisa de informações, de experiências em um contexto em suas relações sociais,
da sua história, das interações, das experimentações, de suas sensações para
desenvolver a imaginação criativa, pois a criação, a imaginação não parte de um
nada.
Os conflitos e desafios, as necessidades que surgem na vida da criança,
sejam frutos da sua vivência ou pertinentes ao seu ambiente é que estimulam a
atividade criativa, e essa criação emerge como algo de novo, mas a partir do que já
existe. A criança, assim como qualquer outro sujeito, ressignifica essa nova
necessidade e se manifesta com uma nova leitura, um novo simbolismo diante
daquele conflito. Ampliando suas relações sociais, incorporando saberes novos aos
já existentes, ela dá ressignificação à sua cultura.
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Cohn (2005) alerta para o que é ser criança e a infância podem ser
pensadas de formas diferentes, dependendo do contexto sociocultural. Portanto, a
antropologia da criança não pode prescindir de uma reflexão sobre o que ser criança
e de que infância se está falando. Para falarmos em criança e preciso entender o
lugar em que elas ocupam na sociedade, por isso:
Desde cedo, os antropólogos têm insistido na necessidade de abordar as culturas e sociedades como sistemas, o que significa dizer que qualquer evento, fenômeno ou categoria simbólica e social a ser estudado, deve ser compreendido por seu valor no interior do sistema, no contexto simbólico e social que é gerado. Por isso não podemos falar de criança de um povo indígena sem entender como esse povo pensa o que é ser criança e sem entender o lugar que elas ocupam naquela sociedade (COHN, 2005, p. 26).
Neste contexto pode-se perceber que não existe um conceito de criança que
seja universal pois, a forma de organização da sociedade, com diferentes classes
sócias, delega papeis sociais diferentes às crianças. Em cada papel social que essa
criança se apresenta ela está impregnada pela cultura da sua classe social. E de
acordo com Brougère (2010).
A impregnação cultural, ou seja, o mecanismo pelo qual a criança dispõe de elementos dessa cultura, passa, entre outras coisas, pela confrontação com imagens, com representações, com formas diversas e variadas. Essas imagens traduzem a realidade que a cerca ou propõem universos imaginários. Cada cultura dispõe de “banco de imagens”, consideradas como expressivas, dentro de um espaço cultural. E com essas imagens que a criança poderá se expressar, é com referência a elas que a criança poderá captar novas produções. (BROUGÈRE, 2010, p. 41).
Ao considerarmos as novas produções, indicadas por Brougère (2010),
acredita-se que sendo a criança um sujeito social, que ela será capaz de transformar
sua própria condição de sujeito, quando a criança participa ativamente da
construção da sua própria cultura e de sua história modificando-se e provocando
transformações nos demais sujeitos que com ela interagem.
A infância não é uma situação de linearidade, pois apresenta muitas
particularidades quanto ao seu desenvolvimento e dependendo da situação social,
econômica e cultural do grupo a que a qual pertence, esse desenvolvimento pode
ocorrer com maior ou menor intensidade. O caráter da formação da infância está na
linguagem, no comportamento, nas manifestações culturais e artísticas e em todas
aquelas manifestações que estão inculcadas através de suas brincadeiras.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 54
2.4.1 Crianças Assuriní: intérpretes da pesquisa
As crianças da etnia Assuriní, intérpretes desta pesquisa participam
ativamente da vida da comunidade. Mesmo tendo diferentes idades as crianças são
vistas sempre em grupos, seja andando pela comunidade, trabalhando, subindo nas
árvores em busca de frutas, pescando, correndo ou brincando. Kramer (2003)
defende a criança e reconhece o que é especifico da infância:
[...] seu poder de imaginação, fantasia, criação - e entende as crianças como cidadãs, pessoas que produzem cultura e são nelas produzidas, que possuem um olhar crítico, que vira pelo avesso a ordem das coisas, subvertendo essa ordem. Esse modo de ver as crianças pode ensinar não só entendê-las, mas também a ver o mundo a partir do ponto de vista da infância, pode nos ajudar a aprender com elas (KRAMER, 2003, p. 91).
Nessa concepção, esta pesquisa se propôs a olhar e ver, enquanto
observadora da criança Assuriní do Trocará essa subversão de ordem, citada por
Kramer e perceber que a criança que vive na Aldeia Trocará tem liberdade, cria
seus próprios brinquedos e brincadeiras, anda, corre, ri, se embrenha pelas matas
e rios e não é reprimida e nem repreendida, ela aprende na convivência e afazeres
diários, através dos gestos, dos olhares e das atitudes que lhes são transmitidos e
assim elas também nos ensinam.
É pelo núcleo de permanência, que a criança indígena vai descobrindo e
atribuindo valores positivos ou negativos ou ambivalentes ao que vê e observa, de
acordo com suas necessidades ou negações. Pela convivência com os adultos,
elas observam como vivem e como se manifestam diante de situações de um ritual
cotidiano, a criança vai internalizando condutas, comportamentos, modelos de ação
e reproduzindo-os nos momentos de semelhança. O que codifica a realidade para a
criança é o social, segundo sua história de vida e realidade vivenciada
Na sua liberdade de ação e criação ela compartilha, ela ajuda, ela ensina os
menores e ela também se responsabiliza por eles.
É uma liberdade enraizada na sua própria cultura, por que para seu povo é
fundamental que a criança seja livre, com o direito de estar em todos os lugares e de
ali permanecer se assim o quiser. Para Zoia (2009, p. 178), a diferença entre a
liberdade da criança indígena e da criança da cidade é que a liberdade da criança
indígena é segura, todos os espaços da aldeia são seguros. “Nas cidades elas estão
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mais propensas a perigos e à violência”. Não há imposição de atividades para a
criança indígena, a cultura da cidade impõe responsabilidades diversas, atividades
que podem impedir que a criança viva a infância em sua plenitude.
A criança na sociedade indígena Assuriní do Trocará é sinônimo de
brincadeiras, e a brincadeira se constitui em atividade própria do desenvolvimento
da criança, quer seja no aspecto biológico, pelo amadurecimento e crescimento,
quer seja pelo aspecto social e cultural onde a criança se insere, interage e constrói
sua identidade, adquire saberes pela convivência em grupo, internaliza regras,
valores, comportamentos, pois aprende a interpretar e resinificar o mundo no qual
cresce e pertence. A cultura do cuidado entre crianças é comum nos povos
indígenas, que tem como característica famílias que convivem próximas, realizam
suas atividades em parceria e desde cedo determinam responsabilidade as crianças.
Essa forma de convivência permite que crianças de diferentes idades
tenham a oportunidade de conviver de aprender, de incorporar a cultura e as regras
de convivência do seu grupo (Figura 6).
Figura 6 – O cuidar Assuriní.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
Ao conviver com os mais velhos e com os seus pares, realizam trocas de
experiências que possibilitam a ação prática propiciando a aprendizagem de
habilidades e comportamentos que refletem na vida adulta. Uma aprendizagem que
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estabelece um padrão de educação pela incorporação das regras de convivência
respeito e responsabilidade. Nunes (2002) relata:
Tanto no rio como todos os outros lugares, e a qualquer momento, as crianças, meninas e meninos, são constantemente chamadas a cuidar dos seus irmãos menores, até mesmo os de colo. Nem sempre as mulheres estão junto das crianças que cuidam dos bebês, porém, pela necessidade de amamentá-los essa ausência não dura muito. [...] Nessas situações são as crianças, as que cuidam dos bebês, que ficam atentas à sua manifestação de fome e que procuram a mãe ou quem possa resolver o problema. [...] As crianças estão também por ali, cuidando dos irmãos menores, cantarolando, seguindo as conversas que as mulheres têm com quem passa, olhando tudo o que se faz, e tentando fazer também. Essa constante presença das crianças não atrapalha o trabalho dos adultos. Pelo contrário, é-lhes de muita utilidade e parece que gostam de que as crianças participem. (NUNES, 2002, p. 76).
A criança tem a oportunidade sem a educação formal – institucional,
incorporar valores, hábitos e atitudes que contribuem para o convívio comunitário no
respeito e responsabilidade de um futuro cidadão indígena adulto. As crianças têm a
permissão de andar livremente pelo espaço da comunidade, oportunizando, assim,
observá-las dentro do seu próprio espaço de convivência. A mata, a beira dos rios,
os terreiros em volta das suas casas, são espaços de convivência e de
aprendizagem e lugares de suas brincadeiras, onde manuseiam e constroem seus
brinquedos (quaisquer que sejam os tipos, origem e/ou qualidade) os quais se
constituem também em espaços lúdicos de aquisição de saberes transmitidos entre
seus pares e de saberes construídos a partir da imaginação e criação dessas
crianças.
Desde cedo as crianças Assuriní participam com sua mãe das atividades
domésticas comuns a todos, como lavar os utensílios e a roupa no igarapé, estendê-
la ao sol em cordas próximas às casas, abanar o fogo, e outras atividades do
gênero, vão à mata com os pais ou com adultos em busca de caça e de pesca, mas
igualmente vão sozinhos ao rio para pescar, sobem em árvores, apanham o fruto
maduro para comer, ou seja, as crianças participam em situações que alinham os
afazeres diários e suas brincadeiras.
Conforme dados repassados pela representante do núcleo da saúde
indígena na comunidade Assuriní do Trocará, vivem na aldeia 47 famílias, sendo
220 crianças com até 12 anos de idade. Para que fossem observadas em sua
totalidade seria necessária uma permanência na comunidade por um período de
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 57
tempo mais longo e contínuo, no entanto, para esta pesquisa teve que ser
metodologicamente estruturada para períodos curtos de permanência, por este
motivo delimitou-se, dessa forma, um universo de dezenove (19) crianças, cujas
idades variam entre oito (08) e doze (12) anos, sendo dez (10) meninos e nove (09)
meninas, numa amostragem com idades próximas pelo motivo das crianças serem,
reservadas e só a partir dessa idade se comunicam de forma mais espontânea,
relatando, assim, suas experiências, vivências e como se relacionam com seus
brinquedos e brincadeiras preferidas. Para melhor compreensão das crianças
interpretes da pesquisa (quadro 03), destacamos o gênero, a idade o nome e
significado na língua Assuriní.
Quadro 3 – Gênero, idade, nome e significado do nome das crianças participantes.
GÊNERO E IDADE NOME SIGNIFICADO DO
NOME
Menino – 10 (anos) de idade Atawyma Assuriní Andar manquejando
Menino – 09 (anos) de idade Hoeton Assuriní Cheiro
Menina – 09 (anos) de idade Ipìrangawa Assuriní Sereia
Menina – 09 (anos) de idade Irinaia Assuriní Semente pequena
Menina – 10 (anos) de idade Iwaia Assuriní Menina
Menina – 08 (anos) de idade Kamya Assuriní Leite do seio
Menino – 10 (anos) de idade Kamuteya Assuriní Seio pequeno
Menina – 12 (anos) de idade Kanarina Assuriní Passarinho
Menina – 08 (anos) de idade Kírinaia Assuriní Cabelo enrolado
Menino – 10 (anos) de idade Kominaywa Assuriní Cipó do feijão
Menina – 09 (anos) de idade Kussameia Assuriní Moça
Menino – 11 (anos) de idade Mukinaia Assuriní Fruta preta
Menino – 10 (anos) de idade Muretenaywa Assuriní Pessoa boa
Menino – 11 (anos) de idade Raisatinga Assuriní Semente branca
Menina – 12 (anos) de idade Tanaia Assuriní Formiga preta
Menino – 09 (anos) de idade Thyeté Assuriní Machado
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Menino – 09 (anos) de idade Toitinga Assuriní Dente branco
Menina – 11 (anos) de idade Turiangawa Assuriní Sou branca
Menino – 11 (anos) de idade Tywinaiwa Assuriní Ombro
Fonte: Dados coletados na pesquisa.
2.5 Instrumentos de Coleta e Análise de Dados
As técnicas de pesquisa são estratégias utilizadas nas relações entre o
pesquisador e o objeto de pesquisa. A primeira técnica utilizada para ter acesso ao
objeto pesquisado foi a da observação, entendida como processo concreto e
concentrado nos aspectos sociais constituindo-se, nesta pesquisa, elemento básico
para o registro dos acontecimentos. Utilizou-se também o registro através de
imagens fotográficas apenas para fins de ilustração da pesquisa.
Optei por usar o termo ciranda de conversa para substituir o termo roda de
conversa, que para Afonso e Abade (2008) significa:
Roda de Conversa é uma forma de se trabalhar incentivando a participação e a reflexão. Para tal, buscamos construir condições para um diálogo entre os participantes através de uma postura de escuta e circulação da palavra bem como com o uso de técnicas de dinamização de grupo. (AFONSO E ABADE, 2008, p. 19).
Essa técnica se constitui em um instrumento a mais de possibilidade de
aproximação entre o pesquisador e o participante, no caso, as crianças da etnia
Assuriní do Trocará que sempre estão a nossa volta, formando um círculo, uma
ciranda. Por este motivo se deu a escolha da nomenclatura “ciranda”, cujo
significado, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, é “dar voltas, rodar, andar,
cantar cantigas”. Ciranda de conversa é uma ação interativa, lúdica, colocando as
crianças em condições de igualdade.
A ciranda de conversa deu suporte para identificar os saberes das crianças
Assuriní ao dialogarem sobre seus brinquedos e brincadeiras. Essa metodologia é
um meio de pesquisa no qual as interações são privilegiadas e têm o potencial de
acrescentar profundidade e dimensão ao conhecimento.
Gaskell (2010) sintetiza as características centrais da entrevista de grupo:
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1 - uma sinergia emerge da interação social. Em outras palavras o grupo é mais do que a soma das suas partes. 2 - é possível observar o processo do grupo a dinâmica da atitude e da mudança de opinião e a liderança de opinião. 3 - em um grupo pode existir um nível de envolvimento emocional que raramente é vista em uma entrevista a dois (GASKELL, 2010, p. 73).
Essa técnica facilitou as falas das crianças intérpretes desta pesquisa. Sendo
a timidez uma característica das crianças Assuriní, ao serem perguntadas durante
as cirandas de conversa, por estarem em grupo, permitiu que mesmo
envergonhadas se posicionassem com falas da realidade, de forma criteriosa e
respeitosa, pois se sentiam importantes neste processo. Essa confiabilidade
estabelecida reforçou a conduta do grupo com a expressão da verdade. Isto
favoreceu a reflexão sobre todos os fatos ali colocados, que permitiu um registro
mais seguro dos acontecimentos.
Desde a proposta de pesquisa, até sua realização, não só na análise dos
dados, mas em todo o processo que se estabeleceu em decorrência das opções
metodológicas, é necessário enfatizar que se procurou como alerta Cohn (2005, p.
45, grifo do autor), “tratar as crianças em condições de igualdade e ouvir delas o que
fazem e o que pensam sobre o que fazem sobre o mundo que as rodeia e sobre ser
criança, e evitando que imagens ‘adultocêntricas’ enviesem suas observações e
reflexões”. Para isso foi necessário que se disponibilizasse para a criança não
apenas os elementos físicos e materiais dos instrumentos, mas nós mostrássemos
como pessoa igual, trabalhando em parceria. Conforme afirma Campos (2008).
O pesquisador também precisa levar em conta a desigual relação de poder entre adultos e crianças, combinada com as também desiguais relações étnicas e de gênero, que muitas vezes levam as crianças a fornecerem as respostas que julgam serem as esperadas e não aquelas que refletem honestamente seu ponto de vista. Uma das formas de tentar superar essa distância [...] é colocar-se como parceiro falando sobre si próprio, procurando mostrar-se como pessoa. (CAMPOS, 2008, p. 38).
O contato direto do pesquisador com o objeto pesquisado é uma
característica importante, pois é nesse devir que surge uma quantidade significativa
de dados a serem descritos. São fatos, ações, falas, outras formas de linguagem,
novas expressões, uma vez que, o trânsito livre entre observação e análise e entre
um referencial teórico e uma análise empírica, também é fato fundamental para
quem pesquisa, permitindo a análise do fato empírico à luz da teoria.
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 60
Quanto à observação, está se distingue em três fases, a saber: 1) descritiva,
porque registra a orientação para o campo, descreve o específico e o não
específico, o que é mais complexo e o que é necessário; 2) focalizada, a qual deve
buscar o essencial, é “o foco”, o que é importante para aquele caso; e por último, 3)
seletiva, que se concentra no final do processo procurando mais informações,
indícios ou práticas que foram evidenciadas na etapa da busca do foco (FLICK,
2009).
A metodologia escolhida, por proporcionar a aproximação do pesquisador
com o sujeito da pesquisa, facilita o aprofundamento do tema em foco, com
flexibilidade e o uso de outras técnicas, ou seja, da triangulação para assegurar a
fidedignidade das informações. A confiança estabelecida reforçou a conduta do
grupo durante a ciranda de conversa e permitiu um registro mais seguro dos
acontecimentos.
Outro instrumento importante é o uso de fotografias no trabalho científico
como um aporte de informações em que os dados visuais são indicadores de
análise. Neste trabalho, entretanto, as fotografias foram utilizadas apenas como
ilustração. A fotografia é muito útil quando se quer demostrar o objeto estudado, e
tem sido uma prática usada em larga escala como forma de apoio às diversas
esferas de pesquisa. Para Belz (2011).
Em termos gerais, a fotografia científica trata sobre o registro fotográfico de temas que são muito pequenos, muito distantes, muito rápidos ou muito difíceis de ver a olho nu, registro de aspectos físicos e ecológicos de ambientes naturais e seres vivos e para registros antropológicos. (BELZ, 2011, s/p).
Loizos (2010, p. 137) infere que “estes registros não estão isentos de
problemas, ou acima de manipulação, e eles não são nada mais que
representações, ou traços, de um complexo maior de ações passadas”. Entretanto, o
mesmo autor (Ibidem) considera que a imagem oferece “um registro restrito, mas
poderoso das ações temporais e dos acontecimentos reais, concretos, materiais”.
Para enriquecer as análises dos diversos elementos coletados tanto pela
observação, pelas falas e outros ilustrativos, optou-se por empregar no estudo a
técnica da análise de conteúdo, uma vez que essa técnica dá uma atenção especial
às diferentes fases, representações e significados registrados e anotados durante o
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processo de coleta. Somente através da análise desse conteúdo foi possível
identificar as várias mensagens, muitas vezes sublimadas nos registros.
A análise de conteúdo, segundo Bardin (1977, p. 30), “é um conjunto de
técnicas de análise das comunicações”. Nesse tipo de estudo, as técnicas mais
adequadas são aquelas que, de algum modo, relacionam frontalmente pesquisador
e pesquisado. Isto porque a necessidade do falar e ouvir, observar, perceber e
analisar o fato, é o cerne da técnica. O pesquisador deve se munir de instrumentos
de apontamentos para que os acontecimentos possam ser registrados em tempo
real com o maior número de detalhes possível. De certo, uma dinâmica importante
no processo de coleta em que se pôde obter informações significativas relativas à
pesquisa.
Para a análise dos dados foi utilizada a categorização. De acordo com
Bardin (1977, p. 147) “a categorização é uma operação de classificação de
elementos. Um conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento
segundo o gênero, ou seja, uma analogia, com os critérios previamente defendidos”.
Para Franco (2007, p. 59), “a criação de categorias é o ponto crucial da análise do
conteúdo” e ressalta que é perfeitamente possível e necessária a criação de
categorias, enquanto procedimento de pesquisa, no âmbito de uma abordagem
metodológica crítica e epistemologicamente apoiada numa concepção de ciência
que reconhece o papel ativo do sujeito na produção do conhecimento.
Franco (2007) informa ainda que na análise de conteúdo, de acordo com a
concepção de ciência, o sujeito é um componente ativo na realidade do seu contexto
e suas mensagens expressam representações sociais, a partir de elaborações
mentais construídas socialmente. Isto se dá na dinâmica que estabelece entre a
atividade psíquica do sujeito pesquisado e o objeto do conhecimento. Portanto, a
relevância desta pesquisa se constituiu na possibilidade de revelar os saberes da
comunidade indígena Assuriní do Trocará, especialmente os saberes das crianças,
revelando seus valores, suas culturas em relação a seus brinquedos e brincadeiras.
Considerando que um trabalho desta natureza requer um protocolo
metodológico junto às instituições nacionais reguladoras dos serviços
correspondentes, foi considerado junto a representação indígena dos Assuriní do
Trocará providências para que de forma legal se pudesse estabelecer os tramites
para o trabalho. Neste sentido esta pesquisa foi autorizada pelo representante da
Fundação Nacional do Índio (FUNAI) conforme Portaria 141-10 – PRES. Sr. Bruno
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Henrique Rocha; pelo Sr. Purakê Assuriní, Cacique da Aldeia Assuriní do Trocará;
pelos responsáveis das crianças e pelas crianças participantes desta pesquisa
(Figura 7). As autorizações se encontram nos Apêndices deste estudo.
O respaldo dessa pesquisa também se dá pela Lei nº 8.069, 13 de julho de
1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que dispõe sobre a proteção
integral à criança e ao adolescente, diz em suas disposições preliminares:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente. Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Figura 7 – Crianças assinando o termo de consentimento.
Fonte: Arquivo pessoal (2015),
Considerando o Capítulo I do Eca está pesquisa se adequa perfeitamente as
exigências nele estabelecidas uma vez que o universo pesquisado foram crianças
de 08 a 12 anos de idade. No Capítulo II do Estatuto da Criança e do Adolescente
que trata Do Direito à Liberdade, ao Respeito e a Dignidade, no seu:
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
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Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II - opinião e expressão; III - crença e culto religioso; IV - brincar, praticar esportes e divertir-se; V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI - participar da vida política, na forma da lei; VII - buscar refúgio, auxílio e orientação. Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Assim, este trabalho procurou atender aos aspectos éticos da pesquisa com
crianças. Teve a preocupação de esclarecer de forma respeitosa e transparente aos
responsáveis é às próprias crianças o motivo da permanência na aldeia, o objetivo
deste estudo e como seria as suas participações, deixando-as livres para escolher
se desejavam participar ou não. Desta forma, as crianças interpretes quiseram e
consentiram estar neste estudo, tendo o respeito as suas opiniões e expressões
asseguradas.
As execuções das técnicas de coleta de dados se deram da forma mais
natural possível, respeitando o tempo e espaço das crianças e a suas
disponibilidades em querer estarem próximas durante as cirandas de conversa. O
maior desafio durante a pesquisa se deu pela característica das crianças indígenas,
por serem reservadas e tímidas no momento de suas falas, porém, durante todo o
processo de coleta de dados que se realizou, por muitas idas e vindas à comunidade
Trocará, as crianças sempre estiveram próximas, sendo as primeiras em nos
receber. As crianças se sentiam orgulhosas e importantes em darem seus nomes,
em assinar o termo de consentimento, mesmo de forma contida demostravam
alegria em contar as suas histórias de como brincam, do que brincam e como
constroem seus brinquedos.
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3 ASPECTOS CULTURAIS DA ETNIA ASSURINÍ DO TROCARÁ
A vida do índio é de certo modo uma ininterrupta cerimônia ritual.
São um povo para o qual o idoso é o dono da história,
o homem adulto é o dono da aldeia, a mulher, a dona da prática das tradições no
dia a dia e da casa, e a criança...
...a criança a dona do mundo. Uma criança de uma aldeia indígena goza da
mais plena liberdade que já pude testemunhar.
(Orlando Villas Boas)
O Brasil é um país com uma grande diversidade cultural, e apresenta
configuração própria, seja pela continentalidade, diversidade étnica, seja pela
diversidade geográfica, de paisagem, de clima, ou pela heterogeneidade
populacional, pois não existem grupos humanos sem cultura e não existe um só
indivíduo que não seja portador de cultura.
Originariamente a palavra cultura deriva do latim, deriva do termo colere
(cultivar ou instruir) e do substantivo cultus (cultivo, instrução). Etimologicamente
surge como o cultivo de algo, como grãos e animais. Sendo a palavra cultura ainda
utilizada para designar o desenvolvimento da pessoa humana por meio da educação
e da instrução. Brandão (2002) afirma que:
Cultura, uma palavra universal, mas um conceito científico nem sempre aceito por todos os que tentam decifrar o que os seus processos e conteúdos querem significar, e que misteriosamente existe tanto fora de nós, em qualquer dia do nosso cotidiano, quanto dentro de nós, seres obrigados a aprender, desde crianças pela vida afora, a compreender suas várias gramáticas a “falar” suas várias linguagens (BRANDÃO, 2002, p. 16-17, grifo do autor).
Conceituar a palavra cultura não é uma tarefa fácil do ponto de vista da
etimologia, entretanto ela pode ser interpretada como um conjunto de modos de ser,
de viver, pensar, falar, sentir e de agir de uma dada sociedade, e que consegue se
perpetuar no tempo ou que se modifica, muitas vezes por processos não
identificados, que alteram de uma forma ou outra, alguns elementos, mas que não
chegam a descaracterizar os modos e concepções existentes. É nisso que se
constitui o conjunto de conceito de culturas, os quais existem, independentemente
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das pessoas e dos comportamentos. Tudo se constitui na conjugação e na interação
de tudo o que existe e acontece a sua volta num complexo sistema de significados.
Ao procurar compreender a cultura é inevitável a relação teórica entre vários
autores, diante disso, organizo este arcabouço teórico acerca da cultura
considerando o que pode ser fortalecido com Brandão (2002) que discute a cultura
nas suas relações sociais. O aprofundamento da discussão sobre cultura está
pautado nos estudos teóricos desenvolvidos a partir de Geertz (1989) e Thompson
(1995) para que assim se possa esclarecer de que forma a cultura perpassa pelo
objeto desta pesquisa.
Geertz (1989) e Thompson (1995) tratam a cultura como um conjunto de
elementos que a constituem e a definem, sendo que, Geertz (1989) discute a cultura
na concepção simbólica (interpretativa) e Thompson na concepção estrutural da
cultura, e neste sentido faz críticas à forma como Geertz (1989) absorve tal
simbolismo em seus estudos. Aponta-os como insuficientes nas relações sociais
estruturadas, nas quais os símbolos estão sempre inseridos. Porem reconhece as
contribuições presentes na abordagem de Geertz (1989), e retoma-o para
aprofundar ou tentar suprir as fragilidades apontadas.
3.1 O conceito de Cultura
Jean-Jacques Rousseau, pensador e filósofo que viveu entre 1712-1778
escreveu vários livros sobre as relações sociais. Conforme Brandão (2015) este
estudioso influenciou cientistas sociais e influencia até hoje alguns antropólogos.
Esta influência chegou a Geertz (1989, p. 225) quando este autor em seus estudos,
enfatiza que “acreditando que os seres humanos, ao saltarem da natureza para o
mundo da cultura, criaram eles próprios teias e tramas de símbolos e significados”.
O conceito de cultura construído por Geertz é essencialmente semiótico. Para ele,
[...] o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas uma ciência interpretativa, à procura de significados. (GEERTZ, 1989, p. 15).
Esta concepção se concretiza, a partir de significados elaborados e
compartilhados em relações especificas ou não, as ações do acontecer da cultura e
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das teias tecidas pelos sujeitos. Essa abordagem da cultura enquanto uma teia de
significados me remete a perceber um universo diverso e complexo de atividades
desenvolvidas pelos Assuriní nas suas vivências cotidianas. E essas vivências
cotidianas acontecem em espaços diversos como os pátios das casas, na mata, nos
rios, nas festas, nas brincadeiras, nas reuniões, enfim, em todos espaços da aldeia
onde toda a comunidade se encontra e vivencia suas experiências, e que ao mesmo
tempo estão e são enredados por uma teia de significados tecida por todos, e que
chamamos de cultura.
No universo simbólico dos Assuriní os padrões culturais mesmo que
aparentemente sejam entendidos como um amontoado de símbolos e significados
conforme afirma Geertz (1989), são ordenados e nesta ordenação é que a cultura
encontra seus pilares e dá sentido de vida à comunidade. As crianças quando
pintam seus corpos, estão externando e empregando de forma absoluta, estratégias
para a construção continua dos sistemas de significados e elas nem sempre
percebem a profundidade e os significados presentes na pintura corporal. As
palavras de Geertz (1989) corroboram com esta afirmação pois,
[...] é por intermédio dos padrões culturais, amontoados ordenados de
símbolos significativos, que o homem encontra sentido nos acontecimentos
através dos quais ele vive. O estudo da cultura, a totalidade acumulada de
tais padrões, é, portanto, o estudo da maquinaria que os indivíduos ou
grupos de indivíduos empregam para orientar a si mesmos num mundo que
de outra forma seria obscuro. (GEERTZ,1989, p. 228).
Quando os índios Assuriní do Trocará pintam seus corpos seja com
grafismos, seja com desenhos assimétricos ou cobrindo a totalidade do seu corpo
com a tinta do urucum5 e do jenipapo6, eles procuram tornar a sua cultura
compreensível para eles, comunicável entre eles e para a sociedade não indígena.
Entretanto, é inexplicável a relação que existe entre o pintar-se ou pintar o outro com
tintas e cores para aquele determinado momento. Isto nada mais é do que a
manifestação ancestral de saberes culturais, em um constante processo de
5 Urucum: é o fruto do urucuzeiro ou urucueiro de onde se extrai a tinta vermelha e que também serve
como tempero no cozimento dos alimentos. 6Jenipapo: fruto do jenipapeiro, com polpa aromática e comestível, de que se fazem compotas, doces,
xaropes, licores etc., e de onde se extrai a tinta preta utilizada pelos indigenas na pintura corporal.
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reinvenção e ressignificação onde as ideias se movimentam na criação e recriação
da cultura.
As crianças Assuriní reproduzem sua cultura de maneira lúdica no momento
em que estão realizando os traços em seu próprio corpo ou no corpo de outras
crianças. Em dia de festejos na aldeia, algumas formas de desenhos que são
traçados nos corpos dos Assuriní, traduzem a alegria do momento. Em outras
ocasiões eles também cobrem seus corpos com desenhos, que representam
simbolicamente animais que vivem na mata e que são caçados e utilizados na
alimentação da comunidade.
As relações socioculturais entre os Assuriní acontecem nos diversos
espaços da aldeia, onde circulam uma densa e complexa rede de saberes que se
entrelaçam e se estabelecem no cotidiano dos diversos grupos, seja o grupo de
homens, mulheres, jovens, crianças, grupos de pescadores e caçadores que, como
relata Geertz (1989).
É rematadamente social: social em sua origem, em suas funções, social em suas formas, social em suas aplicações. Fundamentalmente, é uma atividade pública – seu habitat natural é o pátio da casa, o local do mercado e a praça da cidade. Ás implicações desse fato para a análise antropológica da cultura [...] são enormes, sutis e insuficientemente apreciadas. (GEERTZ 1989, p. 225).
Vivenciei um desses momentos quando realizava minhas andanças pela
aldeia, percebi de longe crianças que brincavam. Alguns meninos davam
cambalhotas e plantavam bananeira, e uma menina que se encontrava sentada em
um banco em frente a uma residência fazia pintura corporal em uma criança menor
(fig.08). Ao me aproximar, percebi que a menina segurava em suas mãos um
pequeno cestinho que continha uma tinta vermelha - urucum e com um pedaço de
madeira bem fininho, fazia desenhos de forma bem traçada, precisa, fina e delicada.
Foi então que perguntei a menina: qual era seu nome e o que estava
fazendo, e ela respondeu que se chamava Iwaia, e que brincava de pintar os seus
irmãos menores. Curiosa para entender o significado daquele momento, indaguei o
porquê daquela pintura, e Iwaia Assuriní falou: “porque gosto, fica bonito, faz parte
da minha cultura”. Há necessidade aqui de se esclarecer que fiquei surpresa com a
sua resposta, principalmente ao perceber a sua compreensão em relação ao
significado da pintura para o seu povo.
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Figura 8 – A cultura expressa nos traços de Iwaia.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
Aproveitei aquele momento de aproximação e perguntei como ela sabia que
a pintura faz parte da sua cultura, e a menina respondeu: “eu sei, e a professora
Morossopia também fala”. As palavras de Iwaia refletem um profundo conhecimento
da cultura do povo Assuriní demonstrando que:
Ali, onde os fios da vida transformados em memórias, em palavras, em gestos de sentimentos recobertos do desejo da mensagem, recriam a cada instante o mundo que entre nós inventamos desde que somos seres humanos, e com este estranho nome: cultura (BRANDÃO, 2002, p. 16, grifo do autor).
O diálogo travado com Iwaia mostra que a cultura do povo Assuriní se dá por
meio dos ensinamentos que são repassados no cotidiano da aldeia na simbiose de
conhecimentos que se amalgamam e entrelaçam através do olhar, do falar e do
fazer. Geertz (1989) ao falar sobre cultura procura descobrir os elementos que
sustentam sua construção social, uma vez que a cultura é coletiva e seus
significados também, entendendo que cultura não é algo isolado ou privado de um
grupo ou povo.
A interpretação antropológica do autor reconhece a cultura a partir da
perspectiva semiótica – de símbolos e significados vividos pela sociedade, ou seja,
“um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das
quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas
atividades em relação à vida” (GEERTZ, 1989, p. 66). Ao me reportar à criança
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indígena quanto aos seus brinquedos e brincadeiras, procuro compreender seus
significados, suas relações com o meio em que vivem, com sua diversidade cultural.
A brincadeira, entendida em seu aspecto livre, possui uma função simbólica e
funcional, e as crianças, quando brincam, utilizam os signos produzidos pela cultura
as quais pertencem. Aprofundando esta afirmação Geertz (1989) nos diz que a
cultura tem impacto no conceito de homem quando:
Vista como um conjunto de mecanismos simbólicos para controle do comportamento, fontes de informação extrassomáticas, a cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsicamente capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam um por um. Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção as nossas vidas (GEERTZ, 1989, p. 64).
As práticas lúdicas das crianças Assuriní demonstram a existência de padrões
culturais que reafirmam sua ancestralidade, e remetem a construção de indivíduos
integrados as vivências e sociabilidades próprias da vida adulta. Os Assuriní quando
brincam, quando constroem seus artefatos para a sobrevivência, estão sob a direção
de instruções decodificadas, ou seja, está na condição do índio Assuriní, pois este
indivíduo ao nascer já encontra estes símbolos no complexo sistema de uso de sua
cultura, e ao morrer deixa-o para seus descendentes. É o que Geertz (2013) chama
de descrição inteligível num contexto complexo, e acrescenta:
Como sistemas entrelaçados de signos interpretados (o que eu chamo de símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições, ou os processos, ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível, isto é, descritos com densidade (GEERTZ, 2013, p. 10).
O mundo que transformamos da natureza em nós e para nós, é o que
denominamos de cultura e por isso os homens transformam os seus mundos e a si
mesmos. Geertz (1989) representa está transformação do homem natural para a
cultura da seguinte forma:
Somando tudo isso, nós somos animais incompletos/ e inacabados que nos completamos e acabamos através da cultura [...] Os castores constroem diques, os pássaros constroem ninhos, as abelhas localizam seu alimento, os babuínos organizam grupos sociais e os ratos acasalam-se à base de formas de aprendizado que repousam predominantemente em instruções
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codificadas em seus genes e evocadas por padrões apropriados de estímulos externos – chaves físicas inseridas nas fechaduras orgânicas. Mas os homens constroem diques e refúgios, localizam o alimento, organizam seus grupos sociais ou descobrem seus companheiros sexuais sob a direção de instruções codificadas em diagramas e plantas, na tradição da caça, nos sistemas morais e nos julgamentos estéticos: estruturas conceptuais que moldam talentos amorfos (GEERTZ,1989, p. 61-62).
É no processo dialético que existe o reconhecimento das culturas. Nas
relações humanas, nas relações com a natureza, se constitui a construção cultural
dos Assuriní, passando pela elaboração e compreensão de símbolos e significados
que demandam dos seus diversos saberes. Em um momento de descontração
quando as mulheres Assuriní se sentam nas tardes, sob as arvores ou a porta de
suas casas para conversarem, aproveitam para limpar e separar as sementes,
dentes de animais, penas de pássaros e assim construir os adornos e artesanatos
de argila.
Esse também é um momento onde repassam sua cultura às crianças que
estão a sua volta, manipulando e brincando com os diversos elementos que são
utilizados na preparação destes objetos. É um processo de transmissão dos saberes
espontaneamente, as crianças se apropriam do conhecimento, inicialmente de forma
lúdica, pois nesta fase da vida, nada é sério, mas tudo é de verdade. Assim nesta
apropriação de saberes, aprendem a construir colares, pulseiras, cocares e demais
adornos característicos do povo Assuriní e construir também a transmissão da
cultura do seu povo.
Figura 9 – Crianças com adornos Assuriní.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
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Se estabelecem aí relações entre as crianças que vão criando e recriando a
natureza no seu dia a dia, onde a cultura e a educação estão presentes. Há de se
concluir, corroborando com o pensamento de Geertz (1989), quando esclarece que
é a relação do homem com a natureza e os acontecimentos que ele, homem produz,
que se dá a cultura, e isto só pode se concretizar com o entender de que a cultura
jamais aconteceria se não houvesse o homem e, semelhantemente e
significativamente o homem não existiria sem a cultura.
A cultura é um acontecimento eminentemente humano pois, o homem
aprende através dos símbolos, mas também aprende pelos gestos impregnados de
sentidos e por palavras que são a representação das ideias. Somos diferentes
porque vivemos aquilo que nos é dado viver e nós, precisamos todos os dias criar e
recriar, transformar nosso ambiente natural e nos transformar para nos adaptar a
essa natureza. Brandão (2002), retoma esse pensamento ao dizer que:
Pois sendo, como todos os outros seres vivos sujeitos da natureza, acabamos nos tornando uma forma da natureza que se transforma ao aprender a viver. Sem cessar e sem exceção, entre todas as comunidades humanas do passado e de agora, transformamos seres do mundo de natureza: e unidades de uma espécie: indivíduos, em sujeitos do mundo da cultura: pessoas (BRANDÃO, 2002, p. 21, grifo do autor).
A cultura é importante quando serve de ponte entre o que são realmente os
homens, e o que eles se tornam diante do conjunto de mecanismos de controle de
comportamento. Brandão (2015) afirma que tornar-se humano é torna-se indivíduo,
isto ocorre quando o homem se apropria dos padrões culturais e outros significados
que damos forma, objetivo e direção as nossas vidas. A cultura modelou o homem
como espécie única, e através dos tempos vai remodelando este homem sem que
este perca a sua individualidade.
Thompson (1995) distingue o conceito de cultura entre dois usos básicos,
concepção descritiva e a concepção simbólica. A concepção descritiva apresenta
esta definição clássica:
Cultura ou Civilização, tomada em seu sentido etnográfico amplo, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e todas as demais capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade. A condição de cultura, entre as diversas sociedades da espécie humana, na medida em que é possível de ser investigada nos princípios gerais é um tema apropriado para o estudo do pensamento e da ação humanos (THOMPSON, 1995, p. 171).
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Esse conceito descritivo de cultura concebe uma inter-relação de costumes,
de crenças, de hábitos, que intrinsicamente estão relacionados aos indivíduos
pertencentes a uma sociedade. Quanto a concepção simbólica Thompson (1995) diz
que pode ser entendida como:
Cultura é o padrão de significados, incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças. (THOMPSON,1995, p. 176).
Thompson (1985, p. 165) também esclarece que os estudos dos fenômenos
culturais “é uma preocupação de importância central para as ciências sociais” pois
deve ser pensado como o estudo do mundo sócio histórico constituído como um
campo de significado, pois a vida social é muito mais que uma questão de:
objetos e fatos que ocorrem como fenômenos de um mundo natural: ela é, também, uma questão de ações e expressões significativas de manifestações verbais, símbolos, textos e artefatos de vários tipos, e de sujeitos que se expressam através desses artefatos e que procuram entender a si mesmos e aos outros pela interpretação das expressões que produzem e recebem. (THOMPSON, 1995, p.165).
Em relação a esta concepção, ressalto aqui um fato ocorrido durante a
pesquisa de campo, relacionado à criança Assuriní. Ao passar pela casa de
Atawyma menino com idade entre 08 a 09 anos e perguntei a sua mãe, que se
encontrava na porta de sua casa, onde estava Atawyma, ela respondeu de forma
simples, que estava cozinhando um feijão e ele quis comer peixe e foi até o rio
pescar, mas logo voltaria. Na frente da casa se encontravam vários indígenas, os
homens limpavam uma espingarda, algumas senhoras conversavam e uma jovem
dava de mamar ao seu filho. No meio do terreiro havia um fogo armado e sobre ele
uma lata, onde o feijão estava sendo cozido. Como já conhecia o caminho para o rio
que a mãe de Atawyma falava, me dirigi com um grupo de crianças que sempre
estavam próximas, até a margem do rio que fica a pelo menos 700 metros da casa
de Atawyma.
Lá chegando, o encontrei sozinho (Figura 10), com seus apetrechos para
realizar a pescaria. Havia catado minhoca e estava preparando o anzol para iniciar o
seu ritual de pesca que aprendeu com os mais velhos. Fui me aproximando não só
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para fazer o registro, mas também vivenciar com Atawyma aquele momento
simbólico de entrega àquela ação que representava ao mesmo tempo, um momento
de ludicidade, de responsabilidade, de sobrevivência e de apropriação da cultura do
seu povo e da natureza.
Figura 10 – A pesca faz parte do cotidiano da criança Assuriní.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
Os Assuriní mantêm sua expressão cultural através da transmissão dos seus
saberes, sendo alguns desses, conhecimento da natureza, da religiosidade, das
suas formas de organização social e de produção, assim como a perpetuação da
língua mãe. Thompson (1995) enfatiza que:
Ao receber e interpretar formas simbólicas, os indivíduos estão envolvidos em um processo continuo de constituição e reconstituição do significado, e este processo é, tipicamente, parte do que podemos chamar de reprodução simbólica dos contextos sociais. O significado que é carregado pelas formas simbólicas e reconstituído no curso de sua recepção. Isto é, o significado das formas simbólicas, da forma de como é recebido e entendido pelos receptores, pode servir de várias maneiras, para manter relações sociais estruturadas características dos contextos dentro dos quais essas formas
são produzidas e/ou recebidas. (THOMPSON,1995, p. 202).
As relações que ocorrem entre sujeitos, produzidos por indivíduos situados
em contextos sociais específicos, carregam traços de sua condição social. São as
concepções herdadas que fazem com que adultos e crianças se comuniquem e se
relacionem com a vida, sem teorias sistemáticas, aconselhamentos e escolarização
pragmática. A criança olha, enxerga, sente, assimila e reproduz e assim vai
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perpetuando sua cultura, e construindo sua individualidade sobre a direção dos
padrões culturais do seu povo.
As crianças são introduzidas em um mundo que já existe antes delas
nascerem e que continuará na sua vida adulta, e permanecerá mesmo após sua
morte. Esses pequenos precisam se apropriar desse espaço comum, que logo
estará sobre sua responsabilidade, construído no constante inter-relacionamento de
histórias singulares e histórias coletivas.
Percebe-se nesse contexto a concepção estrutural da cultura de Thompson, a
qual dá ênfase tanto ao caráter simbólico dos fenômenos culturais como ao fato de
estarem sempre em contextos sócio estruturados.
O estudo das formas simbólicas – isto é, ações, objetos e expressões significativas de vários tipos – em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro dos quais e por meio dos quais essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas. (THOMPSON, 1995, p.181).
Nos rituais e festas realizadas na aldeia os índios mais velhos que pouco se
comunicam na língua portuguesa, fazem questão de fazer os discursos de abertura
com cânticos na língua Assuriní, sendo este, um momento de compartilhamento e
celebração que contribui na formação dos seus indivíduos, através da transmissão
dos seus saberes, da sua tradição e apreensão da cultura.
Em Brandão (2002) o mundo relacional do dia a dia é ao mesmo tempo, o
cenário das experiências interpessoais e só pode existir através dos gestos de
intercomunicação entre pessoas. Brandão (2002) considera que:
Somos seres humanos o que aprendemos na e da cultura de quem somos e de que participamos. Algo que cerca e enreda e vai da língua que falamos ao amor que praticamos, e da comida que comemos à filosofia de vida com que atribuímos sentidos ao mundo, à fala, ao amor, à comida, ao saber, à educação e a nós próprios. (BRANDÃO, 2002, p. 141).
O homem no seu processo evolutivo, desenvolve formas para que a cultura
se manifeste e se desenvolva. É a partir do momento que surge a comunicação oral,
ou seja, a linguagem e o invento de ferramentas, sejam utensílios, sejam ideias,
sejam expressões do corpo, como a dança por exemplo, o homem se
instrumentaliza e torna-se sujeito capaz de produzir cultura, e é dotado de poder
criativo e simbólico, tudo o que ele cria possui um significado próprio. Dentro deste
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processo de criação da cultura, através do seu labor, o homem se transforma, e dá
significado às coisas.
É percebendo essa realidade e vivendo suas experiências do dia a dia que a
criança vai alterando sua relação com o mundo ao seu redor. Cohn (2005) nos
esclarece que a transmissão da cultura para o universo infantil deixa de ser apenas
como e quando, e passa a ser compreendida através de elementos consubstanciais
como objetos, relatos e crenças. É preciso perceber a criança como quem formula
conceitos sobre o que a rodeia e sobre o que lhe dá o sentido de mundo. Cohn
(2005) nos alerta ao dizer:
Portanto, a diferença entre as crianças e os adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não sabe menos, sabe outra coisa. Isso não quer dizer que a antropologia da criança recente se confunda com análises do desenvolvimento cognitivo; ao contrário, dialoga com elas. A questão, para a antropologia, não é saber em que condição cognitiva a criança elabora sentidos e significados, e sim a partir de que sistema simbólico o faz. (COHN, 2005, p. 33-34).
Nesse sentido, pode-se dizer que as crianças Assuriní tanto são produtos como
também são produtoras de cultura, porque elaboram sentido para o mundo,
compartilhando suas experiências elas ressignificam a cultura a qual pertencem. A
criança vivencia com espontaneidade e liberdade as tradições da comunidade,
tornando-se únicas em suas ações. Desde cedo elas vão aprendendo os costumes e
os valores do seu povo, o que lhes permite compreender e inserir-se no modo de
vida da sociedade Assuriní. Para dar ênfase a esse pensamento busquei apoio em
Brandão (2002).
Esparramadas pelos cantos do cotidiano, todas as situações entre pessoas e entre pessoas e a natureza –situações sempre mediadas pelas regras, símbolos e valores da cultura do grupo – têm, em menor ou maior escala a sua dimensão pedagógica. Ali, todos os que convivem aprendem, aprendem da sabedoria do grupo social e da força da norma dos costumes da tribo, o saber que torna todos e cada um, pessoalmente aptos, socialmente reconhecidos e legitimados para a convivência social, o trabalho, as artes da guerra e os ofícios do amor. (BRANDÃO, 2002, p. 20).
É no dia a dia, é nas relações do homem com a natureza e do homem com o
homem que a cultura vem sendo construída e vivenciada pelos povos e civilizações.
Nessa relação, os homens vão convivendo e aprendendo, se alimentam da
sabedoria do grupo social do qual pertencem. Um alimento do qual o benefício está
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em poder incorporar no seu cotidiano o saber que é de todos e de cada um ao
mesmo tempo, entretanto o saber é mediado pelos simbolismos, pelos valores e
regras que são regulados pelo grupo social, e que permitem inserir-se na vida da
comunidade. Participar e aprender é uma dimensão pedagógica que não se pode
excluir do processo de assimilação e transmissão da cultura. Seja nas sociedades
indígenas ou nas modernas sociedades tecnológicas essa dimensão pedagógica e
que dá a tessitura necessária para que exista cultura.
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4 O BRINCAR E OS BRINQUEDOS DAS CRIANÇAS ASSURINÍ DO TROCARÁ
“Para fazer um brinquedo é preciso usar a imaginação. A imaginação é um poder mágico que existe na nossa cabeça. Magia é transformar uma
coisa em outra pelo poder do pensamento.”
(Rubens Alves)
Ao se falar da criança nas sociedades urbanas, percebe-se um olhar
empírico sobre o ser criança. Geralmente, o adulto idealiza a criança como um ser
pequeno, um ser sorridente, um ser travesso, que virá a ser alguém quando crescer.
E, não raras vezes, rotulando-a de desobediente, que está à mercê de
ensinamentos dos adultos. Diferentemente da visão indígena, que percebe a fase
que corresponde à infância como um período de liberdade. Nunes (2002, p.65)
afirma que nas sociedades indígenas brasileiras, “[...] a liberdade experimentada no
período da infância permite as crianças uma melhor compreensão e partilha do
social”. As vivências que acontecem nas relações societárias que antecedem a
idade adulta quando então se estabelecem os limites necessários.
4.1 Ser criança indígena: seus saberes e significados
Ao chegar na aldeia Trocará as crianças são as primeiras a se aproximarem,
apesar da timidez e da desconfiança, a curiosidade pelos recém-chegados é maior,
e de forma carinhosa recebem os visitantes. Nunes (1999, p. 111) relata que: “[...]
estudar a sociedade sem estudar a criança dessa sociedade resulta em um estudo
incompleto. A criança vive e se expressa dentro dos limites que lhes são próprios,
que tem zonas de interseção como os limites e amplitudes com o qual convive”.
A criança tem suas particularidades, especificidades, suas verdades, seus
saberes, sua autonomia, características da infância nem sempre reconhecidas por
sociedades não indígenas. Isto nos faz pensar sobre o que diz Tassinari (2007), que
tal pensamento de incapacidade da criança não é:
[...] compartilhada pelas sociedades indígenas, que reconhecem a autonomia e a legitimidade das falas infantis. Daí a importância de pesquisar o que a criança indígena tem a dizer e as maneiras como as várias sociedades indígenas concebem a infância (TASSINARI, 2007, p. 2).
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Um bom exemplo da autonomia e do direito à fala e à participação da
criança indígena na sua sociedade é narrado por Lévi-Strauss, citado por Tassinari
(2007) sobre a tentativa de negociar um vaso com uma senhora indígena Kadiwéu7.
Quererá aquela índia vender-me este vaso? Por certo que quer. Infelizmente, não lhe pertence. Então a quem pertence? – Silêncio. Ao marido? – Não. – Ao irmão? Também não. – Ao filho? Nem a este tão pouco. Pertence à neta. A neta é a proprietária inevitável de todos os objetos que queremos comprar. Olhamos para ela – tem três ou quatro anos, acocorada perto do lume, entretida com o anel que lhe enfiei no dedo há alguns instantes. E começam então com a menina longas negociações nas quais os pais não participam de maneira nenhuma. Um anel de 500 réis deixa-a indiferente. Um broche de 400 réis decide-a (TASSINARI, 2007, p. 4).
A autonomia da criança Assuriní nas suas falas, no seu ir e vir (Figura 11)
são partilhados por todos na aldeia, pois permitem que a criança participe e
compartilhe da vida social. Nas relações sociais são elaborados e expressos os
novos conhecimentos e a reflexão sobre o mundo.
Figura 11 – Crianças Assuriní e sua autonomia.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
É nesse espírito livre, lúdico, espontâneo e sem amarras, onde é dada a
todas as crianças a permissão de estarem em todos os lugares da comunidade, nas
interações que se estabelecem na convivência, elas observam e aprendem com
7 Kadiwéu: grupo indígena que habita a Reserva Indígena Kadiwéu, a oeste do Rio Miranda, na
fronteira do Estado do Mato Grosso do Sul com o Paraguai.
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todos os integrantes da aldeia. Este é o cerne de todo um processo educacional,
afinal, o que pode parecer caótico e sem regras obedece a esquemas rigorosos de
construção e transmissão de saberes, e é desse modo que as crianças os
incorporam, e deles vão tomando consciência. De acordo com Nunes (2003).
As crianças, no contexto indígena, gozam de uma permissividade quase sem limites [...]. São onipresentes na aldeia e nas áreas circundantes e punições quase não acontecem [...]. E é extremamente essa aparente desordem ou falta de ordem, ou antes, uma ordem vivida de outro modo. (NUNES, 2003, p. 71-72).
Na liberdade, autonomia e permissividade do viver da criança indígena estão
contidas a aprendizagem e o modo de transmissão dos saberes e tradições da
cultura em que estão inseridas. A criança vive, participa, experimenta o dia a dia
envolto em conflitos, contradições, festejos e tristezas, e nestas relações de
aprendizagens diárias, emergem as responsabilidades, potencializando o seu
processo de ver, ouvir, sentir, entender, compreender e dar um novo significado ao
seu mundo.
Nunes (2002) nos conta um fato da sua vivência junto aos povos A´uwe-
Xavante que também retrata o ser criança indígena do povo Assuriní, quando se
observava as suas relações com os adultos da aldeia.
Lembro-me de um dia estar voltando do rio com uma mulher e sua filha de 4 ou 5 anos, a mãe levando uma cesta com roupa acabada de lavar, e a menina, atrás dela, levando uma bacia com alguns pratos de alumínio e uma panela, igualmente lavados. Ao subir o pequeno barranco, a menina derruba tudo no chão de areia. Ao ouvir o barulho, a mãe volta-se para ver o que tinha acontecido e depois olha para mim. A menina não fica nem um pouco constrangida, e, enquanto a mãe pousa sua carga no chão e continua a conversar comigo a menina vai levando as coisas de novo para o rio, para passar tudo pela água mais uma vez, fazendo boiar cada prato... A mãe não a apressou, não a reprendeu, tampouco precisou lhe dizer o que fazer numa situação daquelas. Quando tudo ficou pronto, a mãe levantou-se, pegou sua cesta, e lá foram as duas a caminho de casa. (NUNES, 2002, p. 75).
Nesse espaço de liberdade a criança se expressa sem nenhuma ordem
estabelecida, sem critérios determinados ou orientação desenhada em gestos,
expressões, sons, palavras, olhares, pinturas ou objetos manipulados, enfim, onde
ela, a criança, demonstra seu aprendizado como elemento pertencente e pertinente
à realidade do seu ambiente.
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Sobre as experiências de aprendizagem, Silva, Nunes e Macedo (2002, p.
43-44) explicam que:
O mundo e seus mistérios vão sendo descobertos aos poucos, em suas múltiplas e complexas dimensões. Há sempre novos conhecimentos a espera de ser descobertos e incorporados à experiência da vida de cada um. O aprendizado parece ser pensado, assim, como algo para toda vida: a cada etapa vencida, novos patamares de conhecimento e de experiências.
Nas experiências e vivências do dia a dia, as crianças Assuriní interpretam
símbolos que contribuem para que possam dar significado ao espaço onde vivem de
uma maneira própria, e isto acontece pela incorporação de componentes produzidos
e expostos a partir das relações sociais, dos afazeres e do brincar. Silva, Barbosa e
Kramer (2008, p.90) em seu artigo lembram “que as crianças não têm tido muitas
oportunidades de se colocarem como sujeitos, mesmo diante das conquistas atuais
no que diz respeito ao direito das crianças”. Para tal é necessário olhar sem
preconceitos a criança, e neste aspecto citam Bakhtin (2003).
[...] devo entrar em empatia com esse outro indivíduo, ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal qual ele o vê, colocar-me no lugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizonte dele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina fora dele. (BAKHTIN, 2003, p. 23).
Ao refletir sobre este postulado teórico filosófico procurei entender à criança
no seu mundo infantil indígena. Como se revelavam a partir dos seus valores
intrinsicamente afirmados, na condição de vida de seu povo, não modo original
como experimentam a vida social, na sua criatividade, no seu cotidiano, na
expressividade de seus brinquedos e suas brincadeiras. E foi durante uma das
cirandas de conversa realizada com as crianças, em baixo de uma árvore (Figura
12), que aproveitei o momento de descontração e perguntei a elas se sabiam o que
era ser criança.
O grupo ficou em silêncio, se olhavam, riam umas para as outras e nada
falaram. Naquele instante tive a sensação de que não iria obter nenhuma resposta,
foi quando, me enchi de coragem e perguntei novamente: Vocês são crianças? Foi
quando algumas verbalizaram e outras apenas sinalizaram com a cabeça em um
gesto positivo, “sim, somos crianças”. Sem perder o foco da conversa inicial, insisti e
perguntei o que achavam o que era ser criança.
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Figura 12 – Cirandas de conversa.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
Percebi olhos se esbugalharem e cabeças coçarem, e para meu alivio,
Ipirangawa respondeu: “é não ser grande”. Todas as demais crianças riram da sua
resposta, e continuaram caladas. Novamente indaguei: digam: O que vocês acham
que é ser criança? Ipirangawa voltou a falar: “é quando brinca”, após essa fala de
Ipirangawa as demais começaram a falar, outras apenas concordavam com os que
se manifestavam e sorriam. E assim as crianças Assuriní se manifestaram:
– É banhar no rio porque é gostoso;
– É jogar bola, é correr, é brincar de pipa;
– Ir para a escola para aprender;
– Meu irmãozinho é criança, então é ser pequeno;
– É ficar com a mãe, é brincar de carrinho, brincar de boneca e
casinha.
Importante ressaltar, que nas falas das crianças os elementos fundamentais
citados por elas, relacionados ao ser criança, estão o brincar e a liberdade.
Liberdade observada em todos os momentos deste estudo (Figura 13).
A liberdade de brincar na infância é a expressão de uma criança que diz:
“Quero ser livre para brincar com a vida! ” (FRANCO & BATISTA, 2013, p. 129).
Por este motivo compreender a infância, e, particularmente, a criança
indígena, deve levar a uma imersão para o conhecimento das concepções étnicas e
descobrir suas práticas e vivências e, assim, melhor identificá-la.
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Figura 13 – Ser criança Assuriní é ser livre.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
As crianças Assuriní do Trocará em sua liberdade, sem amarras, revelam
uma infância plena e experimentam o mundo como ele é, estão integradas
plenamente ao lugar em que habitam, são respeitadas e valorizadas no seu ser
criança.
4.2 A criança Assuriní seus brinquedos e brincadeiras
A criança quando brinca, utiliza na maioria das vezes objetos aos quais
chama de brinquedo. O brinquedo representa muito mais do que um objeto concreto
que é manipulado no momento de brincar. É a representação de todo um universo
imaginário e fictício. A imaginação é livre e a criança constrói um ou vários universos
para que seu brinquedo forneça suporte a sua imaginação. O brinquedo sendo o
ponto de partida da brincadeira, se constitui em um dos elementos dessa brincadeira
e os outros (elementos) são disponibilizados à criança de acordo com sua
imaginação, porque desta também faz parte o seu contexto de vida, suas
referências, a educação que lhe é concedida, suas relações sociais e culturais.
Segundo Pereira (2009).
A ficção ou imaginação é o tempero do brincar. Nesse universo as coisas acontecem diferentes da realidade. É uma outra realidade. A imaginação é marcada pela capacidade de conferir diferentes significados a algo dado.
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Lúdico vem daí, do latim ludere, que significa ilusão. Então, todo o gesto lúdico é imaginativo. (PEREIRA, 2009, p. 21).
A imaginação para Vygotsky (2009, p.11) “é precisamente a actividade
criadora do homem que faz dele um ser projectado para o futuro, um ser que
contribui para criar e que modifica o seu presente”. O cérebro reconhece uma
atividade que lhe possibilita identificar o que se chama de imaginação, fantasia,
irreal e que não se ajusta à realidade, sem nenhum valor prático. Como atividade
criadora a imaginação manifesta-se nas intenções, na vida social e cultural que da
possibilidade a criação artística, cientifica e técnica. A criação humana é produto da
imaginação.
A intencionalidade é o sentido que o brincante dá à brincadeira, isto é,
brinca-se com um determinado sentido e somente quem está brincando é que sabe
realmente sobre essa intencionalidade. Quando perguntei a Toihara se ele gostava
de brincar com sua pipa, o menino respondeu “é o meu avião”. É na brincadeira que
a criança pode agir de forma ativa (Figura 14), buscando soluções para a sua vida.
Assim, a criança tem a oportunidade de imaginar, de reelaborar e ressignificar suas
experiências e vivências, a partir dos brinquedos que manipula.
Figura 14 – Toihara Assuriní é seu brinquedo voador.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
WEBER, Sueli. Crianças indígenas da Amazônia: brinquedos, brincadeiras e seus significados na comunidade Assuriní do Trocará....................................................... 84
Conforme Brougère (2010, p. 42), “a representação desperta um
comportamento e a função se traduz numa representação, como por exemplo: rodar
e ter o aspecto de um veículo; pelúcia e função afetiva”. No contexto indígena,
particularmente o das crianças Assuriní do Trocará, observa-se que, pelo brinquedo,
a criança se estabelece no mundo da fantasia, da imitação, do imediato, e se
desprende do concreto, e pela função simbólica vai desvendando os significados de
tudo aquilo que as rodeiam. Quando as crianças Assuriní caminham pela trilha que
leva até o rio, elas correm em busca do brinquedo, fantasiando e imaginando, se
desprendem do concreto e se dão a possibilidade de vários significados no encontro
com o rio, que se transforma em um espaço de brincadeiras.
Pelo brinquedo, a criança procura infinitas possibilidades de agir e de alargar
vivências, de libertar-se, construindo, assim, a cultura da infância, uma cultura
lúdica, onde predomina a liberdade.
Os brinquedos, de acordo com o tempo e o espaço onde são utilizados,
podem ser definidos em relação à brincadeira ao qual servem de suporte, tanto pode
ser um brinquedo comprado como pode ser um brinquedo feito pelas próprias mãos
por aquele que brinca. Neste caso, qualquer coisa que se torne um brinquedo, pelo
sentido lúdico que expressa, só é sentido e percebido por quem brinca e,
simultaneamente, enquanto perdure o brincar ou a brincadeira.
O brinquedo e o brincar são indispensáveis, pois ao brincar a criança constrói
conhecimento. Oliveira (1989) ratifica essa ideia afirmando ainda:
As crianças ensinam que uma das maiores qualidades do brinquedo é a sua não-seriedade. O brinquedo não é sério para as crianças porque permite a elas fazer fluir sua fantasia, sua imaginação. Justamente por não ser sério, ele se torna importante. É a não-seriedade que dá seriedade ao brinquedo. (OLIVEIRA, 1989, p. 8).
Os brinquedos proporcionam às crianças uma variedade de experiências
lúdicas fundamentais para todas as formas do seu desenvolvimento, a criança
identifica e se descobre utilizando o brinquedo de várias maneiras, expandindo seu
conhecimento sobre o objeto.
Benjamin nos diz que (2002, p. 93) “a criança quer puxar alguma coisa e
torna-se cavalo, quer brincar com areia e torna-se padeiro, quer esconder-se torna-
se bandido ou guarda”. A criança precisa de informações, de experiências, em suas
relações sociais, em suas histórias, nas interações, das experimentações, de suas
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sensações para que possa desenvolver a imaginação criativa, pois a criação, a
imaginação não parte de um nada. É percebendo essa realidade e vivendo suas
experiências que a criança vai alterando sua relação objeto-situação.
As crianças da comunidade indígena Assuriní do Trocará brincam como
todas as crianças, em seus momentos lúdicos se expressam, se divertem,
constroem e compartilham saberes. Charlot (2009) nos fala que:
[...] o homem só tem um mundo porque tem acesso ao universo dos significados, ao “simbólico”, e nesse universo é que se estabelecem as relações entre o sujeito e os outros, entre o sujeito e ele mesmo. Assim, a relação com o saber, forma de relação com o mundo, é uma relação com sistemas simbólicos, notadamente, com a linguagem. (CHARLOT, 2009, p. 97, grifo do autor).
A relação com o saber é a relação do sujeito com o mundo, com os outros e
com ele mesmo. No processo de inventar e criar brinquedos e brincadeiras, a
criança constrói novos saberes a partir da sua percepção, do que é aprendido na
prática diária das suas ações, significando e, ao mesmo tempo, ressignificando tais
práticas, todas relacionadas ao contexto em que estão inseridas, fortalecendo ou
transformando seus saberes. Charlot (2002) nos fala desse conhecimento solidário e
construtor de coletividade da seguinte forma:
O saber é construído em uma história coletiva que é a da mente humana e das atividades do homem e está submetido a processos coletivos de validação, capitalização e transmissão. Como tal, é o produto de relações epistemológicas entre os homens (CHARLOT, 2002, p. 63).
Cada brincadeira e brinquedo construído tem seu simbolismo e seu
significado. Para isso, é preciso entender que as interpretações das formas
simbólicas demandam de codificações existentes nas produções e podem ser
encontradas nas manifestações sociais e lúdicas como forma de exacerbação dos
saberes. As crianças desde pequenas acompanham o costume dos adultos e das
crianças com mais idade, e assim vão assimilando, dando significado,
compreendendo sua cultura e reconhecendo seus papeis dentro da sociedade que
estão inseridos.
É importante que se reconheça a criança indígena como um ser atuante, um
ser ativo nas suas relações e na sua ação do cotidiano, na sua vivência lúdica
internaliza conceitos e o faz naturalmente. Quando se expressa e se comunica
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oralmente com o emprego da linguagem própria que é capaz de estruturar e traspor
pensamentos e assim o identifica como um saber explicitado de valores, práticas e
crenças coletivas naquilo que é a sua real visão do mundo do qual ela é
pertencente. Sobre isto, Nascimento (2006) diz que:
A criança aprende experimentando, vivendo o dia a dia da aldeia e, acima de tudo acompanhando a vida dos mais velhos, imitando, criando, inventando, sendo que o ambiente familiar, composto por grupo de parentesco, oferece a liberdade e a autonomia necessária a experimentar e criar infantil. (NASCIMENTO, 2006, p. 8).
As crianças no seu ambiente doméstico aprendem as lições necessárias
para sua convivência e sobrevivência, pois podem observar, perceber, sentir, discutir
e contar com a ajuda de outras crianças mais velhas e de adultos. Sendo que essas
lições acontecem muitas vezes na forma de brincadeiras. Em seus momentos livres
e lúdicos pelos espaços da aldeia, percebe-se o desprendimento e a
espontaneidade quando as crianças brincam.
Figura 15 – Criança Assuriní e o prazer do brincar.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
Suas brincadeiras têm forma, significado e objetivos que lhes conferem uma
compreensão sobre as coisas e sobre o mundo que só a elas diz respeito,
expressando seu olhar diferentemente do olhar dos adultos. As brincadeiras e os
brinquedos aparecem como fator de assimilação de elementos culturais e de
socialização da criança construídos no ato lúdico.
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As crianças Assuriní do Trocará fazem do rio o seu espaço do brincar onde
constroem a partir da imaginação individual e temporal os mais variados tipos de
brincadeiras, o mergulhar na procura de peixes, subir nos troncos que ficam dentro
do rio e como se vê na imagem acima (Figura 15), o interpretar de um pulo
acrobático onde não existem regras definidas, o que importa é pular é criar.
Toda essa constatação verificada in loco encontramos nos dizeres de Noal
(2006) quando ele assim se refere a criança indígena.
As crianças, nessa concepção, têm o seu tempo e espaço para serem bebês, crianças pequenas, crianças maiores. Possuem o espaço e o tempo, não são comandados por eles. Portanto, podem brincar o quanto quiserem, podem ficar sujas, podem tomar banho de rio, podem comer no momento em que sentirem fome, podem dormir ao sentir sono [...]. São crianças que podem ser pessoas no espaço e no tempo que quiserem e da maneira como conseguirem (NOAL, 2006, p. 194).
Entre os saberes adquiridos está o conhecimento sobre a importância da
natureza e dos seus elementos. Elas observam, percebem, dão nomes, discutem
sobre os animais. Aprendem lições de vida na convivência com a mata.
Representam, imitam sons e movimentos corporais que identificam e simulam
animais com os seus hábitos, cantos e comportamentos. Charlot (2000, p. 63) assim
se manifesta: “essas relações de saber são necessárias para constituir o saber,
mas, também, para apoia-lo após sua construção: [...] enquanto uma sociedade
continuar considerando que se trata de um saber que tem valor e merece ser
transmitido”.
Carrara (2002) nos diz que é nos saberes apreendidos sobre a mata e
sobre os animais que as crianças indígenas identificam os que são utilizados como
alimentos, os que servem para rituais ou os que são matéria prima do pensamento,
dos mitos e do conhecimento indígena. Os filhotes dos animais – e aves e outras
espécies são capturados nas caçadas e servem para as suas brincadeiras. Mas
brincar não significa só transformar o animal em objeto lúdico, serve também, para
experimentar sensações olfativas, visuais, táteis e auditivas.
Enquanto Carrara nos lembra a atentar para esse observar sob o manuseio
pelas crianças com os pequenos animais, seja para seu deleite, ou, para
desenvolver suas percepções sensoriais, procurei fazer uma analogia com as
crianças Assuriní que se encontravam em um espaço da aldeia denominado de
Centro de cultura Teapykama Assuriní e aproveitavam a grande varanda, se
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protegiam do sol e brincavam com pedaços de papel e pedaços de lápis. Enquanto
realizavam seus desenhos e rabiscos, surge uma indiazinha de olhos grandes, que
tinha em suas mãos um pequeno jabuti. Ao encontrar com as demais crianças,
pegou um pedaço de lápis de cor e começou a pintar o casco do jabuti,
transformando-o em um brinquedo vivo (Figura 16).
Figura 16 – A pequena Assuriní e seu jabuti/brinquedo.
Fonte: Arquivo pessoal (2014).
Todas as crianças queriam tocar, sentir, cheirar e assim o jabuti era passado
de mão em mão, despertando espanto, admiração e sorrisos. Ao ser colocado no
chão as crianças admiravam o andar vagaroso do jabuti. Brougère (2004, p. 46) nos
diz: “Com o que se parece um brinquedo: com tudo e com qualquer coisa. Ao
contrário dos objetos cuja forma, com exceção da diversidade, segue uma norma, o
brinquedo pode ter uma grande variedade de formas de cores e de aspectos”. O
brincar entre as crianças Assuriní perpassam pelos saberes que lhes são dados.
Eles provêm das práticas observadas no mundo dos adultos, entretanto mesmo que
este comportamento e significado seja outro para os adultos, para a criança que cria
e transforma.
Ao conversar com as crianças durante uma das rodas de conversa,
perguntei se elas tinham brinquedos e que brinquedos eram. Essa pergunta tinha
como intuito saber quais eram os seus brinquedos, o tipo e a origem destes, e ao
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mesmo tempo perceber a relação delas com seus brinquedos, como expressavam
sua ludicidade em relação a eles. As crianças se animaram e começaram a falar: “a
gente tem brinquedo”; “têm carrinho, bola, pipa, boneca, ursinho, robô, helicóptero e
motinho”. Então indaguei: helicóptero? motinho? E Toitinga logo respondeu:
“helicóptero e motinho de plástico que a gente ganha do Sancler”. Nesse momento
de curiosidade, perguntei a elas quem era Sancler, e de forma espontânea e em
coro todos responderam: “O prefeito”.
A partir desta resposta, perguntei as crianças se eles gostavam dos
brinquedos que ganhavam do prefeito, e foram unânimes ao dize que sim, e o
menino Raisatinga, rapidamente respondeu “eu gosto mais do helicóptero porque é
mais bonito”; importante ressaltar que nem todas as crianças concordaram com ele.
Foi então que questionei se além desses brinquedos que ganhavam, se elas faziam
algum outro brinquedo, na mesma hora responderam que também faziam seus
brinquedos, em seguida perguntei do que faziam seus brinquedos, e Tanaia Assuriní
respondeu “eu faço brinquedo de inajá”, voltei a perguntar o que era inajá8, e ela me
falou que era “uma folha que se pega no mato”. E mais uma vez voltei a perguntar
se era só ela que construía seus brinquedos, e a resposta dada de forma enfática foi
que: “todo mundo” fazia seus brinquedos também.
Alguns tipos de brinquedos dependem do tipo de material disponível para a
sua construção, assim como o universo adulto pelo qual as crianças dialogam. O
inajá por exemplo, é uma palmeira que possui muitas utilidades para o povo
Assuriní, as crianças utilizam para construir brinquedos, e os adultos usam na
construção das casas, pois as folhas novas tem uma mobilidade que favorece a
manipulação. Benjamin (2002) nos diz que a criança não é nenhum Robinson
Crusoé, e que também não vivem isolados de um contexto ou de uma comunidade,
mas sim, fazem parte de um povo com os seus mudos diálogos de sinais entre elas
e este povo, e isto possibilita que os sinais sejam decifrados de forma segura.
Constatei nos dizeres de Benjamin (2002) este fundamento:
O brinquedo, mesmo quando não imita os instrumentos dos adultos, é confronto, e, na verdade, não tanto da criança com os adultos, mas destes com a criança. Pois quem se não o adulto fornece primeiramente à criança seus brinquedos? E embora reste a ela uma certa liberdade em aceitar ou recusar as coisas, não poucos dos mais antigos brinquedos (bola, arco,
8 Inajá: é uma palmeira tipicamente amazônica que se adapta ao solo seco, mas que gosta mesmo da
área mais úmida, à beira dos rios e igarapés.
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roda de penas, pipa) terão sido de certa forma impostos à criança como objetos de culto, os quais só mais tarde, e certamente graças a força da imaginação infantil, transformaram-se em brinquedos. (BENJAMIN, 2002, p. 96).
Tive a oportunidade de observar todo o processo de construção dos
brinquedos de inajá. Primeiramente, as crianças das mais variadas idades vão à
mata para apanhar as folhas ainda verdes da palmeira (Figura 17).
Figura 17 – Crianças voltando da mata com folhas do inajá.
Fonte: Arquivo pessoal (2014).
Silva (2002) nos revela que as crianças:
no domínio que aos poucos vão obtendo das novas vivências históricas de sua gente, recortam da realidade à sua volta o que lhes interessa, focalizando aí sua atenção e dando-lhe destaque, segundo critérios próprios do universo infantil. (SILVA, 2002, p. 54).
No caso da palha de inajá esse saber é muito anterior a manipulação para o
brinquedo. Acontece deste que a planta inicia seu crescimento na mata. Os adultos
já observam, cuidam, limpam seus limites para que na hora necessária e da planta
crescida ela seja cortada para o uso. Essa incorporação do saber é intuitivamente
assimilada pela criança e ela só corta a folha que esteja no tempo certo para a sua
manipulação (Figura 18).
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Figura 18 – Crianças construindo brinquedos com a folha do inajá.
Fonte: Arquivo pessoal (2014).
Essa forma de aprendizagem da criança Assuriní na concepção de Vygotsky
(2009), resulta da interação da criança com o seu meio, onde se estabelecem
relações que são sempre modificadas através dos signos e palavras que, por sua
vez, se constituem para as crianças no contato social com outras crianças ou com
outras pessoas, numa criação sem igual. O brinquedo é sem dúvida uma estratégia
atraente para a criança, no sentido de que pelo brinquedo existe estímulos de várias
ordens, tanto sensoriais, motores ou psíquicos que levam a criança a descobrir todo
um contexto que o cerca e a descobrir-se a si mesma.
Na brincadeira e na manipulação do objeto ela imagina toda ordem de
situações e cria as suas relações com o social e brincando afirma seu papel no
espaço social ao qual ela pertence. O brinquedo serve para à ação lúdica e
estabelece o desenvolvimento da expressão infantil amadurecendo no tempo
adequado e vivenciando situações especiais em momentos diferentes.
Os brinquedos das crianças Assuriní também são construídos de argila, e
ganham a forma diversos animais, entre eles estão o peixe, o jabuti, o tatu, o boto,
as crianças também constroem brinquedos no formato de utensílios domésticos
como pratos e panelas, elementos que estão presentes na cotidianidade da aldeia
(Figura 19). As crianças coletam a argila que utilizam nas suas brincadeiras na
margem do rio. No período das chuvas amazônicas, o mato cresce e dificulta o
caminho até o rio.
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Figura 19 – Brinquedos de argila.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
Nos diálogos com as crianças pude perceber os inúmeros saberes que elas
possuem, saberes que tem suas raízes provenientes da vivência do cotidiano e da
relação com os seus pares e os adultos. Carrara (2002) afirma:
Todo o aprendizado das crianças a respeito do ambiente em que vivem baseia-se em sua atenção, curiosidade, brincadeiras e questionamentos sobre as experiências de seus sentidos com animais e plantas durante as estações secas e chuvosas. Não só a mente como o próprio corpo e os sentimentos passam por experiências cotidianas (brincar na terra, na água, com plantas, animais, poder observá-los, tomar banho nos córregos e rios, procurar peixes, ser picado por insetos, participar de atividades produtivas, etc.). (CARRARA, 2002, p. 105, grifo do autor).
No brincar as crianças fazem uma ponte com tudo o que se estabelece ao
seu redor, com suas experiências intrínsecas e suas práticas extrínsecas, e com isso
direcionam seu percurso de vida e criação, e de certa forma são suas vivências
familiares com seus avós e mais particularmente com as avós que fortalecem seus
saberes. Assim sendo, buscam se entender e se encontrar consigo mesmas nos
conhecimentos que vão se articulando no cotidiano. Nunes (2002, p. 96) diz que, ao
brincar, “a criança relaciona-se com o seu mundo de dentro e com o de fora,
estabelecendo e elaborando pontes, ligações, percursos e direções fundamentais
para o entendimento de si mesma e de tudo o que acontece à sua volta”.
Segundo as crianças Assuriní, são as avós que lhes ensinam a construir os
brinquedos de argila e de palha de inajá. Durante a brincadeira de construção dos
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seus brinquedos, as crianças que já dominam a feitura destes, também ensinam
outras crianças, que normalmente são seus irmãos, primos e amigos.
[...] o grupo de brinquedo é uma microssociedade em que constituem redes de relações, em que papeis são atribuídos dinamicamente no desenrolar das interações, em que conhecimentos, regras e procedimentos são continuamente trocados, reformulados e repassados [...] Brincadeiras são como rituais que se transmite, repetidos ou recriados, em ambientes socioculturais distintos (CARVALHO & PONTES, 2003, p.16).
O brinquedo para a criança que brinca tem um significado e simbolismo
próprio. Ao mesmo tempo que o brinquedo em mãos da criança se torna um objeto,
onde ela exercita sua imaginação e formula conceitos de acordo com suas
vivencias, direta ou indiretamente aprendidas, é sempre um momento lúdico.
Quando a criança brinca e manipula o brinquedo, a sua imaginação vai criando e
recriando significados sobre aquele objeto.
Figura 20 – Meninas Assuriní e suas bonecas.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
Por isso que Brougère (2010) nos fala:
Contudo, os brinquedos parecem revelar a plenitude de suas potencialidades educativas na medida em que forem capazes de instigar nas crianças curiosidades e mistério, para que se sintam entretidas e instadas a criar e recriar formas expressivas, sem abdicar de se divertirem a todo tempo. (BROUGÈRE, 2010, p. 62).
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A criança pelo brincar pode desfazer-se do imediatismo funcional do objeto
deixando sua imaginação criar o que deseja. Ao se reunirem para brincar de casinha
as crianças elegem quais papéis irão desempenhar na brincadeira, as bonecas,
conforme a figura 20, criam “vida” se transformam em filhas, em irmãs evidenciando
no brincar dimensões da cultura e da vida social.
O brincar em grupo é uma constante entre as crianças da aldeia Trocará, e
segundo elas são brincadeiras de correr, jogar bola, tomar banho no rio, empinar
pipa, brincar de casinha, de pega-pega no rio, esconde-esconde, subir em árvore,
cabo de guerra, boneca e carrinho.
Huizinga (2007) em sua fala nos faz conhecer características que atribui ao
jogo, ao brincar. Sendo estas características o espirito de liberdade, intrínseco a
atividade de criar do homem, escapando dos limites do real. A ludicidade convida a
uma ação desprovida da obrigação. O desinteresse também se constituiu uma
característica proposta por busca à satisfação de necessidades imediatas e não
satisfações da vida comum, sem o interesse fora da vida o homem gozara de
liberdade só alcançada pela ludicidade. Vale ressaltar que a criança tem consciência
da sua brincadeira, sabe que na brincadeira está desempenhando um papel e que
pode modificá-lo. Huizinga (2007) diz que:
[...] à primeira das características fundamentais do jogo: o fato de ser livre, de ser próprio liberdade. Uma segunda característica, intimamente ligada à primeira, é que o jogo não é vida “corrente” nem vida “real”. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida “real” para uma esfera temporária de atividade com orientação própria. Toda criança sabe perfeitamente quando está “só fazendo de conta” ou quando está “só brincando”. (HUIZINGA, 2007, p. 11, grifo do autor).
Tendo seu tempo e espaço delimitado Huizinga (2007, p. 13) “lugares
proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas
regras. Todos eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à
prática de uma atividade especial”.
Sendo uma ordem específica e absoluta a última característica apontada por
Huizinga (2007).
[...] ele cria ordem e é ordem. Introduz na confusão da vida e na imperfeição do mundo uma perfeição temporária e limitada, exige uma ordem suprema e absoluta: a menos desobediência à esta “estraga o jogo”, privando-o de seu caráter próprio e de todo e qualquer valor. (HUIZINGA, 2007, p. 13, grifo do autor).
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Corroborando com o pensamento de Huizinga confronto-me, enquanto
observadora do brincar da criança Assuriní, com as características que esse autor
atribui às brincadeiras. As crianças Assuriní correm pelos campos, florestas e
caminhos da aldeia com total liberdade e de forma desinteressada e para sua
satisfação imediata eles jogam com suas forças, sorrisos e gritos o cabo de guerra,
numa festa (Figura 21). Neste momento do cabo de guerra o brincar naturalmente
contribui para a propriedade do grupo social, mas de outro modo e através de meios
totalmente diferentes da aquisição de elementos de subsistência.
Figura 21 – Brincadeiras das crianças Assuriní.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
O outro elemento muito interessante da fala de Huizinga (2007, p. 13) é o
isolamento e limitação. O jogo de futebol das crianças “se processa e existe no
interior de um campo, previamente delimitado, de maneira material ou imaginária,
deliberada ou espontânea”. O jogo das crianças e extremamente espontâneo e, não
existe nenhuma regra previa ou juiz que o controle. Eles simplesmente jogam.
Observei que algumas crianças quando cansadas ou suadas deixam o espaço do
jogo. Simplesmente porque não querem mais brincar. Aí está o elemento tempo. A
criança faz o seu tempo. Joga ou brinca quando quer.
A criança Assuriní também estabelece no seu brincar a ordem específica e
absoluta descrita por Huizinga (2007). O que é estabelecido enquanto a criança
brinca no seu mundo momentâneo de perfeição temporária e limitada precisa ser
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cumprido por todos os brincantes. Quando está jogando ou brincando não admite a
desobediência das regras estabelecidas e bane aquele que descumpre o que foi
estabelecido. Esse momento foi observando enquanto as crianças brincavam de
correr pelo campo que fica localizado no meio da aldeia. E um menino maior que se
encontrava no brincar de um grupo de crianças menores não cumpria o que havia
sido determinado entre eles, saia correndo antes do comando, o que levou o grupo
reclamar com ele e bani-lo da brincadeira.
Caillois (1990) nos diz que a forma como Huizinga (2007) aborda a questão
do jogo/do brincar é considerada importante, porém existe uma limitação, já que
Huizinga omite a descrição e a classificação dos próprios jogos, como se houvesse
uma uniformidade do que se sente durante o jogo. O termo “jogo” e “brincar” são
utilizados sem distinção, já que para Huizinga (2007, p. 3, grifo do autor), “a
diferença entre as principais línguas europeias (onde spielen, to play, jouer, jugar
significam tanto jogar como brincar”, concepção da qual comungo.
Caillois (1990) assim se manifesta sobre o jogo/brincar:
Todavia, é indiscutível que o jogo deve ser definido como uma actividade livre e voluntária, fonte de alegria e divertimento. Um jogo em que fossemos forçados a participar deixaria imediatamente de ser jogo. Tornar-se-ia uma coerção, uma obrigação de que gostaríamos de nos libertar rapidamente. Obrigatório ou simplesmente recomendado, o jogo perderia uma das suas características fundamentais, facto de o jogador a ele se entregar espontaneamente, de livre vontade e por exclusivo prazer, tendo a cada instante a possibilidade de optar pelo retiro, pelo silêncio, pelo recolhimento, pela solidão ociosa ou por uma actividade mais fecunda (CAILLOIS, 1990, p. 26).
Caillois (1990) apresenta em sua descrição, características acerca do jogo
que se estabelece dentro de limites de tempo e de lugar determinados por quem
brinca, características também explicitadas por Huizinga (2007). Característica
fundamental e essencial para ambos os autores, se refere à questão do jogar/do
brincar ser uma atividade livre, comportamento observado durante as brincadeiras
das crianças Assuriní.
Huizinga também nos revela em seu livro Homo Ludens (2007) que a
existência do brincar não pode ser negada, sua essência não é material, e sim
espiritual, vai além do mundo físico e transcende certos determinismos. Toda
atividade lúdica está impregnada no humano, faz parte de nossas vidas da mesma
forma que atividades tidas como sérias.
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Uma atividade diária na vida da comunidade do povo Assuriní é a atividade
da pesca e da caça com o arco e a flecha, a linha e o anzol. Tal atividade se torna
lúdica no momento em que a criança Assuriní, mesmo pescando ou caçando para a
sua sobrevivência ela brinca, ela joga. Seu arco e flecha, sua linha e seu anzol se
transformam no seu trabalho, no seu brinquedo, na sua brincadeira, no seu
aprendizado.
Confirmando o que diz Huizinga (2007), a antítese jogo e seriedade não é
algo imutável, da mesma forma que é correto dizer que o jogo é a não seriedade.
Pois o jogo tanto pode ser considerado como sério e não sério. Dentre as diversas
brincadeiras das crianças Assuriní, o brincar de escola, de ser professor, também
está presente. Ao caminhar pela aldeia, percebi algumas crianças sentadas sob a
sombra das árvores que brincavam de escola, onde uma menina maior exercia a
função de professora, e as crianças menores estavam no papel de alunos (Figura
22).
Figura 22 – Brincando de escolinha.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
Neste cenário da brincadeira de escola, pude perceber a integração da
escola Wararaawa Assuriní, no cotidiano da aldeia e na vida das crianças, elas
assimilam a experiência do processo educativo como se isso fosse situação corrente
da cotidianidade da comunidade. Nas suas brincadeiras elas incorporam e dão vida
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a uma escola fictícia, entretanto assumindo o comportamento de assimilação e
transmissão ao mesmo tempo.
As crianças não têm o habito ou natureza do convite. Mas a harmonia no
conjunto é uma ação socializadora, de liberdade e espontaneidade que reúne os
grupos em uma sintonia indescritível. Basta reunir duas sob a sombra de uma
árvore, outras chegam, se agregam e partem. Não há acordos ou discursos,
simplesmente partem para uma jornada lúdica como se tivessem um comando
único.
4.3 A relação das crianças Assuriní com o rio e a mata
O rio na aldeia Trocará dos Assuriní, tem papel fundamental na vida dos
moradores da aldeia, pois dele provém parte de sua subsistência, seja através dos
peixes que ali são pescados, seja pela água que fornece para beber, cozinhar, lavar
roupas e louças, higiene pessoal, para momentos de lazer. Para as crianças
Assuriní, o rio é mais um elemento incorporado as suas vivências lúdicas.
Na aldeia pude observar as crianças caminhando enfileiradas no estreito
caminho que dá acesso ao rio. Uma caminhada barulhenta entre risos e falas por
aqueles que já sentem a alegria e o prazer de brincar no rio, antes mesmo de
estarem diante dele. O rio é o brinquedo dessas crianças que caminham ao seu
encontro. Um caminho de onde se percebe a liberdade que elas gozem na aldeia, o
que as leva a descobrir espaços em que suas brincadeiras podem acontecer.
Nas sociedades indígenas brasileiras, de acordo com os relatos e trabalhos disponíveis, a fase que corresponde a infância é marcada pelo que consideramos ser uma enorme liberdade na vivência do tempo e do espaço, e das relações societárias que por meio destes se estabelecem, antecedendo ao período de transição para a idade adulta que, então, inaugura limites e constrangimentos muito precisos. [...] a liberdade experimentada no período da infância permite as crianças uma melhor compreensão e partilha social (NUNES, 2002, p. 65).
A natureza e seus elementos estão fortemente presentes na cultura do povo
Trocará. O brincar no rio e na mata é uma das formas de compreensão e apreensão
do mundo pela criança Assuriní. Elas demonstram uma certa intimidade com estes
ambientes. Perguntei a elas se tinham medo de brincar nesses espaços e a maioria
respondeu que não, outros responderam que tinham medo de boto, de onça, de
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cobra e jacaré. Desses animais a onça é a mais temida por eles, no entanto, sem
deixar de considerar os demais animais.
As crianças Assuriní sozinhas ou em grupo estão sempre pelas margens do
rio e do igarapé inventando novos percursos e a procura de algo que lhes
surpreenda: seja uma pedra, um peixe, um pedaço de madeira, ou um pedaço de
cipó que tenha a forma de cobra, ou qualquer outro objeto que possam transformar
em brinquedo e se deleitarem. Segundo Brougère (2010).
[...] o brinquedo é aquilo que é utilizado como suporte numa brincadeira; [...] que só tenha valor para o tempo da brincadeira [...]. Tudo, nesse sentido, pode se tornar um brinquedo, e o sentido do objeto lúdico só se lhe é dado por aquele que brinca, enquanto a brincadeira perdura. (BROUGÈRE, 2010, p. 67).
Ao brincar no rio as crianças, o transformam em um imenso brinquedo, que
lhes dá suporte para as mais diversas brincadeiras, pois para a criança tudo pode se
transformar em brinquedo, elas têm a capacidade de atribuir um valor lúdico as
coisas no momento em que brincam. As crianças quando vão para o rio ou igarapé
tomar banho (Figura 23), dizem que vão “banhar”, que nada mais é do que tomar
banho no rio.
Figura 23 – O rio é um brinquedo.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
Vale ressaltar que esse “banhar” se constitui em momentos de brincadeiras
vivenciadas na água, ao mesmo tempo são momentos prazerosos e lúdicos. No rio
as crianças observam o fundo do rio, pegam pedrinhas, gravetos ou outras coisas
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que lhe suscitem a curiosidade, brincam de “mãe” que é o brincar de pega-pega
dentro d’agua, uns atrás dos outros; as vezes nadam, ou mergulham ou
simplesmente correm pelo leito do rio para pegar alguém.
A “mãe” é o que corre atrás dos outros e quando esta pega, ou toca uma
criança, esta passa a ser a “mãe” e começa tudo novamente. Os mais rápidos e
espertos dificilmente se tornam a “mãe”, porque se esgueiram, mergulham no rio e
desaparecem aos olhos da criança que está sendo a “mãe” naquele momento.
Sentada à margem do rio percebi que os grupos de crianças que se formam
para os banhos e as brincadeiras são das mais diversas idades, o que não impedia
que brincassem juntas. Elas se olhavam, riam juntas, afundavam no rio ou corriam
para as árvores e de lá se jogavam, sem nenhum gesto de desagrado, briga ou
enfrentamento, totalmente livres para que cada uma inventasse sua própria
brincadeira e partilhasse sua invenção com as demais crianças. A relação do povo
Assuriní e principalmente da criança com o rio é muito intensa, é nele que adquirem
saberes que lhes são transmitidos nas experiências e vivências do brincar e na
busca da sobrevivência. No rio acontece a maior expressão de dependência da
natureza e de liberdade.
4.3.1 O brincar na mata
Caminhando pela mata junto com as crianças, um menino corria na frente de
todas as demais crianças e cantava uma canção bem alto. Perguntei ao menino
Paraiwa o que significava aquela música, e ele respondeu: “que era uma música
para espantar onça, para que a onça não chegue perto”. O menino sorriu, e seguiu
caminhando ao meu lado, com a maior naturalidade. Quero acreditar, que Paraiwa
não percebeu o meu rosto de espanto e desespero, ou, se percebeu, simplesmente
fingiu que não viu e continuou a falar,
Aqui na mata, tem onça, macaco, tatu, cutia, está vendo esse resto
de casca de coquinho aqui no chão? É o que sobrou do que a cutia
comeu a noite, quando passou por aqui. Também tem macaco,
quando a gente consegue pegar o macaco, a gente come, e do rabo
faz espanador para limpar a casa (Paraiwa Assuriní).
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As crianças e os adultos da aldeia Trocará estabelecem de uma maneira
mágica com a natureza, um vínculo do qual existem estreitos laços simbólicos entre
a natureza e a sociedade indígena, pois consideram esta pertencente a sua própria
família. As crianças brincam pela mata de correr, de caçar pequenos animais, de
subir nas árvores (Figura 24), de esconde-esconde, de apanhar frutas, de construir
casinha, de correr por entre as árvores onde levam nas costas ou encaixado na
cintura as crianças menores.
Figura 24 – A criança e a mata.
Fonte: Arquivo pessoal (2015).
Elas se apropriam dos espaços da comunidade, dando-lhes características
próprias, usam a imaginação, para que assim possam vivenciar suas descobertas e
manifestações lúdicas. Este pertencimento e aquisição de saberes é concretizado
através do contato direto com a natureza, e de uma visão que integra homem e
natureza harmonizando-os. Esta ideia é confirmada no pensamento de Carrara
(2002).
O conhecimento a respeito de animais e vegetais é produzido, transmitido e utilizado pelas crianças, homens e mulheres, que estão completamente embebidos por uma sociedade e uma cultura. Eles só podem entender uma ave, uma onça, uma cobra ou um jatobá por intermédio de um pensamento indígena que represente mentalmente esses elementos da natureza, na narrativa mítica, na oratória do conselho de anciãos, na pintura corporal, no ritual, na música [...]. (CARRARA, 2002, p. 100).
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As caminhadas pela mata fazem parte da rotina e da vida cotidiana das
crianças Assuriní. Para mim essas caminhadas quando possível de serem
realizadas junto as crianças, se constituíram em momentos de observação,
experiências, vivências, trocas de informações e saberes.
Durante um dos momentos de observação na aldeia, acompanhei-os em
uma incursão pela mata, nesse caminhar com as crianças, Iwaia Assuriní, uma
menina de dez anos que caminhava mais à frente, se adiantava em uma atitude que
me chamou a atenção. Por ser menina, não ser a maior em idade e tamanho
naquele grupo, Iwaia portava um terçado, que na aldeia, eles chamam de facão, no
entanto o apetrecho tinha quase a metade do tamanho dela, mas que o manejava
com destreza, em uma atitude de quem sabia o que fazia.
O caminho que seguíamos se constituía de uma pequena abertura pela
mata. O chão já estava marcado pelos pés dos que passavam por ali diariamente,
abrindo uma trilha na terra batida que demarcava a direção que se tinha que
caminhar. Mesmo com esse caminho aberto, o mato e alguns galhos das árvores
fechavam pequenas partes da trilha, o que dificultava um caminhar mais rápido.
Iwaia num gesto de certeza da sua importância no grupo e extrema
responsabilidade, portava aquele terçado abrindo, limpando o caminho do grupo que
seguia a uns dez metros atrás de si.
Ao mesmo tempo em que registrava na memória a ação que depois iria
transcrever, me reservava a uma preocupação e medo. É verdade que esta
preocupação estava na internalização de meus hábitos e costumes urbanos, onde
não seria capaz de deixar uma criança de dez anos de idade, portar de um artefato
tão perigoso e que pudesse se constituir num risco ao manuseio.
Entretanto, continuávamos nossa caminhada. Conversando com as outras
crianças e elas conversando e rindo entre si, assoviando e imitando os pássaros que
voavam entre as árvores grandes, juntavam pequenas pedras e gravetos pelo
caminho, subiam nas árvores e nos pequenos pés de goiaba para apanhar as frutas
ainda verde e pulavam entre os seus galhos.
Um menino portava um arco e flecha próprio para o seu tamanho, e
caminhava a procura de animais rasteiros ou, que estivessem pendurados nas
árvores, outros traziam em suas mãos baladeiras (estilingue) com as quais faziam
pontaria aos pássaros que pousavam nos galhos das árvores, sendo este, um
momento de relação entre o saber da caça e o prazer do brincar.
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Para Iwaia aquele andar pela mata também era um momento lúdico, porém,
indiferentemente a todos tomou sobre si a responsabilidade de levar o grupo até o
destino que nos esperava, o terreiro onde as mulheres ralavam a mandioca para
preparar a farinha. Nunes (2002) nos convida a interpretar essa relação da criança
com o meio quando assim se manifesta:
Para as crianças o dia a dia na aldeia vai se alternando entre algumas tarefas domesticas que observam, fazem sozinhas ou nas quais ajudam: lavar roupas e louças, tomar conta dos irmãos e irmãs menores, dar-lhes banho, levar água para casa, ajudar a preparar algum alimento, levar e trazer recados ou coisas, enxotar as galinhas de dentro das casas etc. Essas tarefas domésticas e outras atividades produtivas de que as crianças fazem parte são de verdade, elas as desempenham utilizando instrumentos de verdade e o resultado final também é de verdade. Tudo é permeado por um significado real e tem uma aplicabilidade concreta. No entanto, o fato de ser tudo de verdade não impede a presença do componente lúdico, ainda que por vezes esteja dissimulado pela responsabilidade que também é preciso assumir (NUNES, 2002, p.73-74).
É no brincar, que a criança Assuriní se relaciona com o mundo, por meio de
seus sonhos, das suas fantasias, vivencia a cultura do seu povo, e adquire novos
saberes. É nesta relação que a criança vai construindo pontes, estabelecendo
direções, percursos e fazendo ligações para um entendimento de si mesma e de
tudo que acontece a sua volta, fazendo consequentemente o registro de imagens
que vão enriquecer e dar significado na manipulação dos seus brinquedos e
brincadeiras. Em relação ao brincar, Brougère (2010) enfatiza que:
Na sua brincadeira, a criança não se contenta em desenvolver comportamentos, mas manipula as imagens, as significações simbólicas que constituem uma parte da impregnação cultural a qual está submetida. Como consequência, ela tem acesso a um repertório cultural próprio de uma parcela da civilização. Contudo o brinquedo deve ser considerado na sua especificidade: a criança na maior parte das vezes não se contenta em contemplar e registrar as imagens: ela as manipula na brincadeira e, ao fazê-lo, transforma-as e lhes dá novas significações. (BROUGÈRE, 2010, p. 49).
A construção da cultura lúdica se dá no conjunto de sua experiência lúdica
acumulada. A criança manipula as imagens e símbolos que estão no seu consciente,
aos quais ela se encontra submetida, isto é, mas a criança não quer apenas essa
manipulação, ela registra enquanto brinca e isto é que vai lhe conferir os significados
que vão se acumulando os quais ela transforma de acordo com as suas
necessidades.
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Na tentativa de visualizar os brincares das crianças Assuriní do Trocará,
elaborei um quadro com os brinquedos e brincadeiras observadas no decorrer da
pesquisa, relacionando-os com os saberes que deles provêm.
Quadro 4 – Brinquedos e brincadeiras das crianças Assuriní do Trocará.
BRINQUEDOS E SUAS CONSTRUÇÕES SABERES PRESENTES NOS BRINQUEDOS E
BRINCADEIRAS
Brinquedos construídos a partir da folha de inajá
A relação com a natureza; Aprendizado pela transmissão do conhecimento entre os mais velhos e as crianças Assuriní; Reconhecimento do tipo de palmeira e a forma de coleta da folha; Conhecimento das características da matéria prima como flexível, entretanto resistente;
Brinquedos de argila
Aprendizado pela transmissão do conhecimento entre os mais velhos e as crianças Assuriní; A relação com o rio e com o que ele pode oferecer para a sobrevivência da comunidade; Reconhecimento da matéria prima de melhor aproveitamento para a construção de artefatos e brinquedos; Construção de brinquedos representativos de elementos da natureza como os animais e artefatos culturais; Coleta e manipulação da argila;
O brincar na mata
Os saberes sobre tipos de vegetação, os animais que servem de alimentação, os caminhos para os rios e igarapés distinção das plantas medicamentosas, alimentícias e venenosas; Habilidade na utilização como objetos: facão o arco e a flecha;
O brincar no rio
Conhecimento das marés, das luas, das vias fluviais, os tipos de peixes, os tipos de plantas aquáticas, utilização da canoa e do remo; das correntezas e da profundidade;
Brincadeiras de correr, empinar pipa, subir nas árvores e cabo de guerra
Companheirismo, solidariedade; Conhecimento dos ventos;
O brincar de boneca – casinha
Saberes do cuidar: cuidar de si e do outro;
Danças, cantos e pintura corporal
Perpetuação dos saberes ancestrais; Conhecimento do significado do grafismo na sua etnia;
Fonte: Pesquisa de campo.
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A criança indígena é um ser ativo dentro do seu espaço sociocultural, em
suas particularidades e competências, ela é completa e é através da sua relação
social com o grupo que ela se insere neste, amplia sua visão de mundo e recria-o. E
é com o arco, a flecha, o anzol, os mergulhos, os pássaros que cantam e com os
macacos que gritam com seus berros estridentes, que as crianças Assuriní vão
apreendendo a vida, se deslumbrando, brincando e sendo parte de um povo que faz
da mata sua casa, sua vida, seu mundo, seu lar. Nas entranhas da floresta a criança
Assuriní vê a vida florescendo todo dia. E é nesse florescer do seu mundo que ela
significa e ressignifica os seus saberes, pelas de experiências vivenciadas em seu
tempo e espaço, através de seus brinquedos e das suas brincadeiras.
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CONSIDERAÇÕES
Nós não sabemos nada sobre infância, e com as nossas noções equivocadas, quanto mais avançamos
mais nos afastamos do caminho certo. Os mais sábios escritores dedicam-se ao que um homem deve saber, sem perguntar o que uma criança deve saber,
sem perguntar o que uma criança é capaz de aprender. Estão sempre à procura do homem na
criança, sem considerar o que este é antes de homem se tornar.
(Jean-Jacques Rousseau. In: Emílio, 1762)
A pesquisa da qual esta dissertação é resultado, é fruto de um antigo
interesse pessoal em conhecer a cotidianidade das crianças indígenas,
principalmente no que diz respeito aos seus brinquedos e brincadeiras. Ao longo do
tempo em que convivi com as crianças Assuriní do Trocará procurei compreender e
vivenciar o seu universo infantil, como se comportavam diante dos brinquedos e
brincadeiras, sejam industrializados ou artesanais feitos por suas mãos ou ainda
aqueles que a natureza lhes propiciava nas margens dos rios e no balanço das
árvores.
A primeira parte deste estudo apresenta uma investigação realizada no
banco de teses e dissertações da CAPES sobre a temática em questão. Delimitada
pelas categorias brinquedos e brincadeiras indígenas, compreendendo o período
que vai do ano de 2000 a 2014. Poucos foram os trabalhos identificados que tratam
especificamente do brincar e do brinquedo das crianças indígenas da Amazônia. A
segunda parte apresenta diferentes conceitos sobre infância, criança, cultura,
brinquedos e brincadeiras. “Navegamos por rios nunca antes navegados” e aportei
em autores que permitiram desvelar novas concepções de infância e de criança, o
que permitiu olhar para as crianças como seres históricos, sociais e produtores de
uma cultura própria. Com o aporte teórico fundamentado foi possível identificar e
analisar, conforme o propósito inicial, como os saberes e as práticas culturais se
apresentam nas brincadeiras e brinquedos das crianças da comunidade Assuriní do
Trocará.
As crianças não estabelecem padrões de comportamento, mas os saberes e
as práticas que elas manifestam nas brincadeiras e na construção de seus
brinquedos, revelam a intensidade daquilo que lhes é internalizado pela simbologia
da sua prática cotidiana, da qual elas estão inseridas, ao manipular os brinquedos, a
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criança se apropria se projeta, e exprime uma relação com os códigos sociais e
culturais do meio e contexto.
Desde cedo vão adquirindo informações e experiências no contexto das
relações sociais, das interações das experimentações lúdicas, nas sensações que
de sua imaginação criativa, e assim vão aprendendo, alterando, modificando a
relação objeto situação. No caso a relação brinquedos e brincadeiras com o
momento, o lugar as circunstâncias.
Brinquedos e brincadeiras são as primeiras formas de expressão da cultura,
pelo mundo lúdico das crianças Assuriní do Trocará, são elas também que revelam
os saberes e as práticas da comunidade. Aqui a dimensão educativa se expressa
pela dimensão da prática e da manipulação de brinquedos e brincadeiras.
Os saberes culturais determinam conhecimentos que um grupo ou
sociedade têm das coisas ou de um objeto, da sua cotidianidade. Consiste em toda
e qualquer habilidade teórico-prática acerca de algo, resultante da experiência
prática dos indivíduos. Quando se diz que os povos indígenas do centro do país ou
das margens dos rios da Amazônia possuem um conhecimento tradicional sobre
ervas medicinas, sobre localização, sobre fenômenos da natureza ou sobre animais,
significa dizer que são conhecedores práticos diante das dificuldades e de suas
necessidades em viver a cotidianidade das aldeias, de curar suas doenças, de
localizar-se na mata, de identificar tempos de chuva, sol, seca ou ventanias, ou
mesmo de conhecer as etapas de desenvolvimento dos animais, sem dizer que são
exímios biólogos, botânicos, ambientalistas, farmacologistas e muitos outros
conhecimentos vivenciados no seu dia a dia.
Nos caminhos desenhados e trilhados para uma metodologia que se
coadunasse ao tipo de estudo aqui proposto, está a Etnometodologia. O método
possibilitou obter as respostas pretendidas neste estudo, para melhor compreender
sobre as brincadeiras e os brinquedos que compõem a cultura lúdica das crianças
da etnia Assuriní do Trocará.
Esta pesquisa foi um mergulho de valorização, reconhecimento e reflexão
sobre os saberes existentes na comunidade indígena Assuriní do Trocará, lócus da
vivência com o povo indígena. E foi a partir das observações das relações culturais,
sociais, ambientais e pessoais, que percebi que a essência de ser criança
identificada na criança Assuriní é a de uma criança livre, que goza de plena
liberdade e autonomia vivenciar sua infância de forma lúdica, explorando e se
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relacionando harmonicamente com o meio em que vive, transformando as diversas
possibilidades em brinquedos e brincadeiras.
As crianças se manifestavam a respeito de seus brinquedos e brincadeiras
que compõem a cultura da infância dessa comunidade Assuriní do Trocará. Diziam
que seus brinquedos são carrinhos, bolas, bonecas, motinhas, pipas, mas também
os brinquedos construídos por elas mesmas, como brinquedos de argila e da folha
de inajá. Sendo está uma transmissão de saberes.
Suas brincadeiras estão relacionadas com o espaços e lugares da aldeia
que são os rios, as matas, por isso eles banham no rio, nadam, andam de canoa,
pescam, brincam de arco e flecha. Na mata sobem nas arvores, colhem frutos,
desbravam as matas, conhecem plantas e ervas medicinais. As meninas brincam de
casinha e fazem seus utensílios de argila como pequenas panelas, pequenos copos
e pequenos pratos. Acalantam bonecas de pano ou industrializadas que ganham da
comunidade externa. Na construção desses brinquedos de argila e folhas de inajá,
acontecem as relações interindividuais fomentando sempre um conhecimento novo
no processo de aprender a brincar e se constituindo assim seu universo e
simbologias da cultura lúdica infantil dos Assuriní do Trocará.
A aproximação mais sistemática com a realidade das construções
socioculturais, que refletem saberes existentes nos contextos das comunidades
indígenas contribuiu, sobremaneira, para identificar e compreender o processo
educativo a partir desses conhecimentos vivenciados. Embora o olhar e a atenção
estejam especificamente voltados para as ações do brincar, do brinquedo e da
criança indígena, não dá para excluir as relações que se atam e entrelaçam no
espaço da comunidade. Espaço onde brinquedos são construídos e brincadeiras
realizadas ao longo dos rios e das matas. Lugares onde as crianças nadam, pulam,
sobem e descem das árvores e se jogam nos igarapés sem medo, como pássaros
em plena liberdade. Momentos de um brincar que lhes proporciona alegria, riso,
liberdade e o aprendizado indispensável à vida na aldeia, à vida futura.
Mesmo no brincar onde utilizam os brinquedos industrializados que alguns
dizem serem seus preferidos, por achar que são mais bonitos do que aqueles que
elas constroem, é possível perceber a relação de respeito que se estabelece entre
elas ao correrem atrás de uma pipa ou de uma bola, e as regras explícitas ou
implícitas durante as brincadeiras de casinha, onde embalam suas bonecas e
ursinhos.
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Não se pode deixar de perceber o viver dessas crianças sem pressa, o
convívio delas com seus pais, avós e familiares, enfim, com todos os adultos é
calmo e tranquilo, pois em nenhum momento se observou a interferência desses
adultos no jeito de viver a infância. O olhar dos adultos sobre esses seres é como se
ali existisse uma completude e não necessitassem de conselhos, chamadas,
correções ou imposição de disciplinas. Ficou claro nas observações que realizei
durante os períodos de convivência na comunidade Assuriní e nos momentos em
que nos reuníamos nas cirandas de conversa, que as crianças, embora tímidas,
eram integradas, podia-se perceber das crianças que elas queriam participar da
pesquisa, elas sorriam, elas ficavam eufóricas para sair nas fotografias, era um
momento lúdico. Era um momento de ação.
Identificamos os saberes que se apresentam através da cultura nos
momentos de brinquedos e brincadeiras das crianças da etnia Assuriní do Trocará
aprendem, na observação de nas vivências, na construção de uma nova dimensão
de ver. E esse novo aprendizado mais que intrinsicamente acadêmico e científico,
amplia o conhecimento para abstrações e desperta para saberes nunca imaginados
por mim. Muito se pôde aprender com as crianças, modificar o olhar, e adotar novos
conceitos didáticos e pedagógicos na observação vivenciada, nessa renovação e
afirmação de vida, está a visão que eles têm de si mesmos, da sua forma de
respeito com o outro, de ser e agir de forma diferenciada, incentivando a autonomia
das crianças é que se vislumbra a construção da cultura, dos valores e da tradição
da comunidade Assuriní do Trocará.
É pela ludicidade, nas constantes formas e tipos de brincar, que a criança
interpreta significados, traduz, reelabora e adentra no aprendizado de um mundo de
ritos, de simbolismo, de representações, de relatos, de histórias e nelas se
encontram como parte da sociedade e da etnia. Percebe-se que a repetição é
fundamental ao aprendizado, ao escutarem os mais velhos as crianças ficam
extasiadas e vão aprendendo, descobrindo, se preparando nesta aprendizagem para
algum dia transmitirem tais saberes a outras gerações.
As crianças são seres respeitáveis no mundo do adulto. Eles são livres e
tem seu tempo e espaço a seu dispor. Seu aprendizado é pela experiência e
observação do mundo adulto, constroem valores, internalizam condutas e
comportamentos, interagem com outras crianças, aprendem e ensinam descobrem
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valores e desenvolvem seu senso social, moral e estético a partira de seus
brinquedos e brincadeiras.
Para responder o último objetivo deste trabalho, que é analisar a dimensão
educativa dos brinquedos e brincadeiras nas práticas culturais da comunidade
Assuriní, percebi que o processo educativo não formal está presente no cotidiano
dessas crianças, pois, uma vez compreendidas como produtoras de cultura, a
educação está inserida na sua cotidianidade. Uma educação se dá através das
práticas das pinturas corporais, da música, no resgate da língua materna na
construção dos brinquedos, nas brincadeiras, na relação com a natureza, que vão
sendo transmitidas, aprendidas e perpetuadas, constituindo um processo educativo
informal, não normativo, não sistemático, entretanto, tradicional.
A criança é o reflexo do seu contexto e seu comportamento corresponde
àquilo que espelha, porque para ela a brincadeira é um processo de relações com
seus iguais ou mesmo com os adultos, e este processo é uma relação de cultura. A
brincadeira não é inata, é transmitida pelos seus pares e pelos adultos, e a criança é
sempre induzida a tal comportamento que lhe é transferido, portanto, cultural.
Nas experiências e vivências do dia a dia as crianças Assuriní retiram uma
gama de imagens que dão significado à sociedade em seu conjunto, e isto acontece
pela incorporação de componentes produzidos e expostos nas variadas imagens
apresentadas não só por ela como também pelos adultos, mas constituída a partir
das relações sociais, pela interação e pela comunicação das culturas de ambas e
que acontecem em variados espaços, principalmente em casa, na vivência e
convivência familiar.
O conhecimento aqui registrado, as concepções novas adquiridas sobre
infância, criança indígena, brinquedos e brincadeiras foram importantes não só no
que diz respeito a pesquisa e à vida acadêmica, mas como mudança de paradigma
interior. Este estudo não se esgota aqui, nem o conhecimento, nem as
possibilidades futuras, posto que há poucos estudos sobre a cultura das crianças
indígenas, muito ainda necessita ser investigado sobre essas crianças, seja pela sua
cultura, pela sua educação formal ou informal, ou outros elementos culturais/sociais,
que oferecem vastas possibilidades aos pesquisadores que buscam aprender a
singularidade das representações infantis em diferentes sociedades indígenas da
Amazônia ou do Brasil.
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APÊNDICES
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APÊNDICE A – Roteiro de perguntas para as Cirandas de Conversa
Nome:
Significado indígena:
Idade:
1) O que é ser criança?
2) Do que você gosta de brincar quando está com seus amigos ou com outras
crianças?
3) Qual a brincadeira que você mais gosta?
4) Você não tem medo de brincar na mata ou no rio?
5) Vocês tem brinquedos? Que brinquedos?
6) Você que fez o brinquedo ou você ganhou? De quem?
7) Quem te ensinou a fazer esse brinquedo?
8) Você ensina os outros a fazer brinquedo? Quem?
9) Você gosta mais dos brinquedos que você faz ou que você ganha? Por quê?
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APÊNDICE B – Autorização Cacique Purakê Assuriní
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APÊNDICE C – Autorização responsável FUNAI Sr. Bruno Henrique Rocha
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APÊNDICE D – Autorização Criança Atawyma Assuriní
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APÊNDICE E – Autorização Criança Hoeton Assuriní
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APÊNDICE F – Autorização Criança Ipìrangawa Assuriní
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APÊNDICE G – Autorização Criança Irinaia Assuriní
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APÊNDICE H – Autorização Criança Iwaia Assuriní
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APÊNDICE I – Autorização Criança Kamya Assuriní
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APÊNDICE J – Autorização Criança Kamuteya Assuriní
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APÊNDICE K – Autorização Criança Kanarina Assuriní
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APÊNDICE L – Autorização Criança Kírinai Assuriní
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APÊNDICE M – Autorização Criança Kominaywa Assuriní
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APÊNDICE N – Autorização Criança Kussameia Assuriní
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APÊNDICE O – Autorização Criança Mukinaia Assuriní
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APÊNDICE P – Autorização Criança Muretenaywa Assuriní
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APÊNDICE Q – Autorização Criança Raisatinga Assuriní
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APÊNDICE R – Autorização Criança Tanaia Assuriní
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APÊNDICE S – Autorização Criança Thyeté Assuriní
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APÊNDICE T – Autorização Criança Toitinga Assuriní
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APÊNDICE U – Autorização Criança Turiangawa Assuriní
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APÊNDICE V – Autorização Criança Tywinaiwa Assuriní
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Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado Travessa Djalma Dutra, s/n – Telégrafo
66113-200 – Belém – Pará – Brasil www.uepa.br