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Fernandes, J. A., Martinho, M. H., Tinoco, J., & Viseu, F. (Orgs.) (2013). Atas do XXIV Seminário de Investigação em Educação Matemática. Braga: APM & CIEd da Universidade do Minho. XXIV SIEM 495 Criatividade matemática e flexibilidade de representação na resolução de problemas para além da sala de aula Nuno Amaral 1 , Susana Carreira 2 1 EB 2,3 das Naus, Lagos, [email protected] 2 Universidade do Algarve e Unidade de Investigação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, [email protected] Resumo. Nesta comunicação pretende-se examinar a criatividade matemática associada à flexibilidade de representação, a partir de resoluções produzidas por participantes no Campeonato de Matemática SUB12 a um dos problemas da edição 2012/2013. Procurámos evidências da relação entre a criatividade expressa nas resoluções e a flexibilidade representacional manifestada, numa atividade que decorre para além da sala de aula, tendo em conta que os ambientes escolares são muitas vezes restritivos para o desenvolvimento da criatividade matemática. Concluiu-se que a representação tabular, sendo claramente apropriada para a compreensão do problema e para a construção da respetiva solução, assumiu elementos específicos e distintivos num dado espetro de resoluções, permitindo afirmar que cada participante fez criativamente uma utilização própria e flexível desta forma particular de representação matemática. Palavras-chave: criatividade; resolução de problemas; flexibilidade representacional; representações matemáticas; competição matemática. Criatividade matemática para além da sala de aula A criatividade pressupõe a manifestação de ideias ou produtos originais e inovadores adequados ao contexto e cultura onde o fenómeno se manifesta (Starko, 2010) e deve ser entendida através das habilidades e prontidão de qualquer indivíduo para criar algo de novo (Gusev & Safuanov, 2012). Neste estudo, a criatividade é entendida, na atividade de resolução de problemas de matemática, no sentido em que desta resultam resoluções originais, diferentes e perspicazes, no contexto específico em que a atividade decorre (isto é, com alunos de determinado nível etário, para além da sala de aula, no âmbito de uma competição matemática). A criatividade traduz-se, nesse contexto, na originalidade de produtos únicos e novos, do ponto de vista de quem os constrói, diferentes dos restantes quando comparados com os demais, num determinado grupo alvo, e perspicazes na revelação do pensamento matemático que conduziu à solução, de forma clara, compreensível e esclarecedora para quem examina a resolução (por ex., o professor, os colegas, o leitor a quem se dirigem).

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Fernandes, J. A., Martinho, M. H., Tinoco, J., & Viseu, F. (Orgs.) (2013). Atas do XXIV Seminário de

Investigação em Educação Matemática. Braga: APM & CIEd da Universidade do Minho.

XXIV SIEM 495

Criatividade matemática e flexibilidade de representação na resolução

de problemas para além da sala de aula

Nuno Amaral1, Susana Carreira

2

1EB 2,3 das Naus, Lagos, [email protected]

2Universidade do Algarve e Unidade de Investigação do Instituto de Educação da

Universidade de Lisboa, [email protected]

Resumo. Nesta comunicação pretende-se examinar a criatividade

matemática associada à flexibilidade de representação, a partir de

resoluções produzidas por participantes no Campeonato de Matemática

SUB12 a um dos problemas da edição 2012/2013. Procurámos evidências

da relação entre a criatividade expressa nas resoluções e a flexibilidade

representacional manifestada, numa atividade que decorre para além da

sala de aula, tendo em conta que os ambientes escolares são muitas vezes

restritivos para o desenvolvimento da criatividade matemática. Concluiu-se

que a representação tabular, sendo claramente apropriada para a

compreensão do problema e para a construção da respetiva solução,

assumiu elementos específicos e distintivos num dado espetro de resoluções,

permitindo afirmar que cada participante fez criativamente uma utilização

própria e flexível desta forma particular de representação matemática.

Palavras-chave: criatividade; resolução de problemas; flexibilidade

representacional; representações matemáticas; competição matemática.

Criatividade matemática para além da sala de aula

A criatividade pressupõe a manifestação de ideias ou produtos originais e inovadores

adequados ao contexto e cultura onde o fenómeno se manifesta (Starko, 2010) e deve

ser entendida através das habilidades e prontidão de qualquer indivíduo para criar algo

de novo (Gusev & Safuanov, 2012).

Neste estudo, a criatividade é entendida, na atividade de resolução de problemas de

matemática, no sentido em que desta resultam resoluções originais, diferentes e

perspicazes, no contexto específico em que a atividade decorre (isto é, com alunos de

determinado nível etário, para além da sala de aula, no âmbito de uma competição

matemática). A criatividade traduz-se, nesse contexto, na originalidade de produtos

únicos e novos, do ponto de vista de quem os constrói, diferentes dos restantes quando

comparados com os demais, num determinado grupo alvo, e perspicazes na revelação

do pensamento matemático que conduziu à solução, de forma clara, compreensível e

esclarecedora para quem examina a resolução (por ex., o professor, os colegas, o leitor a

quem se dirigem).

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A criatividade é uma característica inerente ao saber matemático e embora seja, muitas

vezes, associada à genialidade ou a habilidades excecionais, ela pode ser amplamente

estimulada na população escolar em geral (Mann, 2005; Pelczer & Rodríguez, 2011;

Silver, 1997). A criatividade dos alunos nem sempre é visível em sala de aula. No

entanto, defendemos que os alunos têm imensas capacidades latentes de inovação,

pensamento criativo e formas alternativas de ver as coisas que precisam de ser

estimuladas para se revelarem. Por isso, é importante um clima que inclua atividades e

tarefas criativas, designadamente que suscitem desafio e curiosidade, cujas resoluções

estimulem o raciocínio e a comunicação matemática e em que seja dada liberdade de

resolução e expressão. Devem ser atividades e tarefas pensadas, não só com o propósito

de estimular os alunos com melhor desempenho em matemática, mas também aqueles

que têm potencial matemático e que se veem impedidos de manifestarem as suas

capacidades em contextos curriculares restritivos, centrados em regras formais e

algoritmos (Kattou, Kontoyianni, Pitta-Pantazi & Christou, 2011). A liberdade de

trabalhar matematicamente é fundamental, uma vez que a criatividade se evidencia

quando os alunos têm a possibilidade de encontrar e utilizar os seus próprios métodos

de resolução (Pehkonen, 1997). Pode ter-se todos os recursos necessários para pensar de

forma criativa mas sem um ambiente favorável, gratificante e promotor de ideias novas,

é muito difícil ou praticamente impossível a qualquer indivíduo exibir a criatividade que

tem dentro de si (Sternberg, 2007).

As atividades de resolução de problemas, para além da sala de aula, de que é exemplo o

Campeonato de Matemática SUB12®, destacam-se pelas oportunidades de realização do

potencial intelectual e criativo dos alunos e pelo importante papel que desempenham no

apoio à educação matemática dos jovens em sala de aula (Koichu & Andzans, 2009).

Oferecem circunstâncias para o desenvolvimento do poder matemático dos alunos, para

além daquelas que existem no contexto escolar, tendo em conta os níveis de aptidão de

cada um. São contextos que permitem, não apenas estimular as capacidades de

resolução de problemas, comunicação e raciocínio, como também atrair os alunos para a

matemática (Freiman & Lirette-Pitre, 2009). Disponibilizam o tempo de que os alunos

precisam para o desenvolvimento da criatividade matemática que, muitas vezes, não

existe na sala de aula. Prestam um serviço importante à educação matemática e a um

grande número de alunos promissores, com potencial talento matemático, constituindo

um complemento natural ao trabalho realizado na escola (Koichu & Andzans, 2009).

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Nesta perspetiva, as competições matemáticas surgem como parceiros da escola, ou

seja, como promotores de uma aprendizagem paralela e complementar àquela que é

intencionada pelo currículo escolar.

Flexibilidade de representação e criatividade na resolução de problemas

Conhecer e lidar com representações e ser capaz de representar matematicamente,

constitui uma competência que aumenta a capacidade de pensar matematicamente

(Boavida, Paiva, Cebola, Vale, & Pimentel, 2008; NCTM, 2007; Ponte & Serrazina,

2000). O acesso a uma variedade de representações e a capacidade de as pôr em

funcionamento contribui para o desenvolvimento da compreensão de conceitos

matemáticos (Berthold & Renkl, 2005; Harries, Lopez, Reid, Barmby & Suggate, 2008)

e para fortalecer o raciocínio matemático (Ponte & Velez, 2011).

As representações não são produtos estáticos, na medida em que refletem o processo de

raciocínio e o conhecimento utilizado pelos alunos na construção de relações ou de

conceitos matemáticos (Steele, 2008). Podem ser caraterizadas como construções

inerentes à descrição de conceitos, através de componentes concretos, verbais,

numéricos, gráficos, contextuais, pictóricos e simbólicos, que retratam aspetos dos

conceitos e que, ao mesmo tempo, permitem interpretar, comunicar e discutir ideias

(Tripathi, 2008).

Os alunos que são capazes de recorrer a uma variedade de representações, com vários

sentidos complementares, são mais inclinados a resolver problemas de forma criativa e

inovadora (Sheffield, 2009). A flexibilidade de representação é uma caraterística dos

alunos que fazem escolhas adequadas de representações matemáticas, tendo em conta as

tarefas em mão (Nistal, Dooren, Clarebout, Elen & Verschaffel, 2009). No entanto, as

tarefas, só por si, não definem a flexibilidade de representação, pois o conhecimento e o

domínio representacional também devem ser tomados em conta (Nistal et al, 2009).

Nesta investigação, entende-se a flexibilidade de representação como a capacidade de

selecionar, combinar, usar e adaptar representações úteis, de acordo com as

caraterísticas dos problemas a resolver.

As representações matemáticas são centrais na resolução de problemas e a sua

construção, de acordo com o conhecimento matemático dos alunos, é uma etapa crucial

do processo de resolução (Stylianou, 2008). O conhecimento matemático, conjugado

com a liberdade para pensar profundamente e construir representações, permitem que os

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alunos testem e explorem com mais detalhe as suas próprias representações e

estabeleçam conexões significativas, de modo a que os problemas façam sentido para si

(Benko & Maher, 2006). Dar espaço para que os alunos possam construir as suas

representações aumenta o sucesso na resolução de problemas, proporciona o

desenvolvimento de métodos próprios de resolução e leva a que considerem e apreciem

representações alternativas (NCTM, 2007; Ponte & Serrazina, 2000).

A facilidade de utilização e adaptação de múltiplas representações e a habilidade de

alternar entre diversas representações é parte de uma variabilidade cognitiva que

permite resolver problemas com maior rapidez e precisão (Heinze, Star, & Verschaffel,

2009). Cada forma de representação exprime elementos do raciocínio utilizado,

subjacente à escolha da estratégia e à forma da sua comunicação (Preston & Garner,

2003). Quando os alunos são pensadores flexíveis, desenvolvem representações

geralmente muito ricas (Steele, 2008). À medida que refletem sobre as suas ações, as

suas representações podem evoluir para versões cada vez mais sofisticadas.

Os ambientes que possibilitam o uso de múltiplas representações e que promovem esse

uso de forma flexível, como por exemplo o SUB12, são considerados eficazes em

privilegiar a compreensão de noções matemáticas. Neste contexto, a liberdade para usar

múltiplas representações permite que os alunos as escolham e explorem, de acordo com

o seu grau de experiência e de conhecimento (Ainsworth, 1999). Incentivar

sistematicamente os alunos a usarem várias representações, pode aumentar a

consciência de que há uma diversidade de representações possíveis na resolução de um

problema (Friedlander & Tabach, 2001). Por outro lado, encorajar os alunos a refletir

ativamente sobre a adequação de representações específicas para situações particulares,

é um meio para o desenvolvimento da flexibilidade de representação (Nistal et al.,

2009).

Campo empírico e procedimentos metodológicos

O Campeonato de Matemática SUB12 (para alunos de 5.º e 6.º ano), promovido pelo

Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade

do Algarve, inclui duas fases distintas: a fase de apuramento, que é constituída por 10

problemas e decorre através da Internet; e a fase final, na qual os alunos finalistas

participam num torneio presencial. Na fase de apuramento, de janeiro a junho,

quinzenalmente, os participantes têm acesso aos problemas publicados no website do

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campeonato e enviam as suas resoluções por e-mail ou através de um formulário de

resposta disponível na página, podendo enviar ficheiros em anexo. O presente estudo

tem como objetivo investigar a relação entre a flexibilidade de representação e a

criatividade matemática, fixando-se num tipo particular de representação matemática, a

tabela, utilizada por participantes no Campeonato, num dos problemas da fase de

apuramento.

A incidência num tipo específico de representação – a representação tabular – justifica-

se pelo problema proposto, que envolve uma contagem sistemática associada a uma

sequência de números naturais. Embora este problema tenha sido resolvido por diversos

processos pelos participantes no campeonato, é claro que a representação tabular

constitui uma representação adequada que apoia a obtenção da solução, sobretudo no

caso de resolvedores que não dispõem de um conhecimento mais sofisticado, como

cálculo combinatório ou progressões aritméticas, por exemplo. Por outro lado,

interessou-nos saber em que sentido a construção de uma tabela pode ser original e

revelar flexibilidade representacional, uma vez que, à partida, a noção de tabela parece

relativamente inocente e, quase poderia dizer-se, indiscutível. Tendo em conta que o

nosso propósito é compreender a criatividade matemática à luz dos parâmetros

originalidade e flexibilidade de representação, optámos por considerar uma amostra de

resoluções de 9 participantes em que a representação matemática essencial para

solucionarem o problema foi a tabela. O pequeno número de resoluções consideradas

foi intencional, na medida em que quisemos perceber como, num conjunto reduzido de

produções do mesmo “género” (i.e., centradas na utilização de tabelas), se distinguem

variações e particularidades que podemos relacionar com originalidade (dentro da

identidade do tipo geral de representação tabular) e com flexibilidade (face à

intencionalidade e à estruturação colocada na construção de cada tabela). O objetivo não

se traduz numa avaliação ou medição da criatividade matemática dos 9 participantes ou

das suas produções; pretende-se, antes, dar corpo a uma visão qualitativa e relativa da

presença da criatividade matemática. Em certo sentido, pretendemos estudar a

criatividade inclusiva (do pequeno-c, em vez do grande-C) que nos deixe ver a

diversidade na aparente uniformidade (Beghetto & Kaufman, 2009).

Tradicionalmente, os estudiosos da criatividade têm-se centrado em

resultados criativos classificados como Grande-C (eminente) ou pequeno-c

(quotidiano). A criatividade Grande-C centra-se em exemplos de rasgos de

grande expressão criativa (por exemplo, o teorema de Pitágoras, a poesia de

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Dickinson, as composições de Mozart). Em contraste, a criatividade

pequeno-c concentra-se mais na criatividade da vida quotidiana, acessível a

quase toda a gente (Runco & Richards, 1998). Um exemplo de criatividade

do dia-a-dia poderia ser a forma criativa com que alguém organiza as

plantas e flores no seu jardim, um arranjo que recebe elogios de amigos e

familiares (Beghetto & Kaufman, 2009, p. 40).

Este estudo integra-se num paradigma interpretativo de investigação, adotando uma

abordagem qualitativa, uma vez que nos interessa compreender o fenómeno da

criatividade matemática no contexto em que ele acontece, privilegiando-se

essencialmente os produtos enviados pelos participantes no campeonato por via

eletrónica. Na investigação qualitativa os dados são geralmente descritivos e a fonte

direta é o ambiente natural em que se produzem. Neste caso, os dados foram obtidos a

partir das resoluções de alguns participantes, a um problema da fase de apuramento, que

foram publicadas na página web do SUB12 (http://www.fctec.ualg.pt/matematica/5estrelas/).

Análise de dados

O problema considerado não exige a aplicação de conteúdos curriculares específicos

(Fig. 1). Deste modo, os participantes tiveram de conceber e pôr em prática as suas

próprias estratégias e representações para resolver o problema. A situação colocada no

problema das chaves e dos cadeados apela a um raciocínio indutivo, na medida em que

é preciso testar, uma a uma, cada chave em todos os cadeados para saber qual o cadeado

que lhe corresponde. O problema refere ainda uma situação limite (a pior das hipóteses)

em que só se encontra o par chave-cadeado na última tentativa, quando todos os

cadeados, menos um, já foram testados e rejeitados. O raciocínio indutivo pode sugerir

uma ordenação das chaves, v1, v2, …, v20, e dos cadeados, d1, d2, …, d20, e uma

estratégia que estabelece todos os testes feitos com a chave v1 (em 19 cadeados), com a

chave v2 (em 18 cadeados), etc., considerando que só o último cadeado combinará com

a chave que está a ser testada. Assim, trata-se de pensar organizadamente no número de

testes que irá ser realizado com cada chave e isso permitirá chegar ao total de testes: a

soma dos primeiros 19 números naturais.

Figura 1: Problema 7 do SUB12, edição 2012/13.

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O uso de ferramentas comuns, disponibilizadas pelo computador (Word, Excel,

PowerPoint), a que muitos participantes recorrem na resolução dos problemas é

revelador das capacidades e competências destes alunos – matemáticas e tecnológicas

(Jacinto & Carreira, 2008). O recurso ao computador conjuga dois aspetos poderosos –

por um lado, é um meio de tornar a comunicação eficiente e, por outro, acentua o poder

da visualização e organização da informação na atividade matemática dos alunos, o que

se torna evidente nas formas de representação propostas. Desta forma, a comunicação

matemática é destacada para primeiro plano, tendo por base formas eficazes de

representação de ideias e processos matemáticos.

As resoluções apresentadas pelos participantes (ver Anexo) mostram que

compreenderam o problema, uma vez que identificaram a informação importante e o

objetivo a atingir. Foram capazes de definir e aplicar um plano, escolher uma estratégia

e selecionar as representações e os recursos digitais adequados à sua execução. No que

diz respeito ao raciocínio matemático produzido, as resoluções mostram a explicação

dos processos e resultados, através de deduções formais e informais, expressas nas

representações utilizadas.

As resoluções selecionadas associam e combinam a tabela, como elemento central, com

representações icónicas, designadamente imagens, e representações simbólicas, em

particular relacionadas com números e expressões numéricas, conjugadas com

linguagem natural, na descrição e registo do processo desenvolvido. Em cada caso, a

combinação das representações utilizadas é reveladora do modelo conceptual que está

na base da solução do problema.

Em todas as resoluções, o recurso a tabelas funciona essencialmente para organizar a

informação e transformá-la, de modo a revelar regularidades e a gerar uma imagem (ou

modelo) da situação. No entanto, cada tabela é única, revelando diferenças

significativas ao nível da forma, organização e representação da informação e

evidenciando caraterísticas do raciocínio próprias de quem a construiu.

Na resolução 1, (ver Anexo) o participante recorreu a ícones representativos de

cadeados e chaves, combinados com representações simbólicas, traduzidas em

sequências de números naturais, por ordem decrescente, organizados numa tabela de

três colunas. A primeira coluna refere-se a cadeados e indica o número de cadeados a

testar; a segunda coluna refere-se a chaves e indica o número de chaves por testar; a

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terceira coluna refere-se ao número de tentativas atribuídas a cada caso, usando ícones

representativos de cadeados-com-chave. A justificação dada por palavras – “a última

chave pertence ao último cadeado” – repete-se sucessivamente após a indicação do

número de tentativas e é um elemento importante para justificar o número total de

tentativas.

A resolução 2 (ver Anexo) revela uma tabela com duas colunas, ainda que esta tabela

tenha um caráter eminentemente gráfico. Na verdade, a primeira coluna é preenchida

por uma sucessão de ícones representativos de cadeados excluídos (com a letra X a

vermelho) seguida de uma outra sucessão de cadeados aprovados (com a letra V a

verde), num total de 20 cadeados. De uma linha para a seguinte, diminui um cadeado

excluído e aumenta um cadeado aprovado. Na coluna 2, representam-se as tentativas

falhadas (correspondentes ao número de cadeados excluídos), gerando uma sequência

de números naturais por ordem decrescente. Ao lado da tabela, é dada a explicação da

racionalidade da mesma e do modo como esta permitiu obter o total de tentativas.

No conjunto das resoluções 3, 4, 5 e 6, (ver Anexo) a organização da informação

representada nas tabelas é semelhante, tratando-se agora de tabelas de dupla entrada.

Numa das dimensões são representadas as chaves e, na outra, os cadeados. Nas células

das tabelas a informação registada tem diferentes sentidos e propósitos. A tabela da

resolução 3 indicia o teste de cada chave (numerada) em cada um dos cadeados

(numerados) e assume que o par é encontrado na última tentativa. Assim, a organização

dos pares é indicada pelos elementos da diagonal, preenchidos a negrito (chave 1 -

cadeado 20, chave 2 - cadeado 19, …, chave 20 - cadeado 1). A tabela pode ser lida ao

longo de cada uma das duas entradas (por linhas ou por colunas). A tabela da resolução

4 tem uma estrutura idêntica mas assinala com um X cada combinação falhada entre a

chave p e o cadeado q. Assim, ficam registadas as tentativas falhadas e a solução do

problema é obtida, contando-se o número de células marcadas com um X. Numa coluna

adicional é colocado o número de tentativas falhadas (por cada cadeado testado) e, por

fim, é calculado o total. A tabela 5 usa uma ideia análoga à anterior mas recorre à cor

vermelha para registar as tentativas falhadas e à cor verde (com um V) para indicar a

tentativa que tem sucesso. Todas estas tabelas recorrem a alguma forma de

representação visual traduzida por destaques com cores, letras ou ícones. A tabela da

resolução 6, igualmente de dupla entrada, inscreve em cada célula o número de

tentativas falhadas, à medida que estas se vão sucedendo, tendo em conta que a última

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tentativa em cada sequência foi a que teve sucesso. Assim, a função da tabela usada na

resolução 6 é a de realizar a contagem ininterrupta de tentativas falhadas. É de notar

que, nesta tabela, as duas dimensões não são legendadas (colunas ou cadeados),

parecendo evidenciar o facto de que estas são comutáveis, pois é indiferente considerar-

se cada uma das chaves a testar os vários cadeados ou cada um dos cadeados a testar as

várias chaves. Neste caso, sobressai uma estratégia de contagem sistemática em vez de

uma estratégia de adição do número de tentativas feitas até acontecer cada

emparelhamento.

Observando as resoluções 7, 8 e 9, (ver Anexo) percebe-se que os participantes usam

uma maior quantidade de texto para explicar a forma como organizaram a informação

representada nas suas tabelas. Em todas elas, é facilmente compreensível a estratégia e o

raciocínio utilizado para chegar à solução do problema, devido à forma como explicitam

o significado da tabela construída. As resoluções 7 e 8 apresentam tabelas com uma

estrutura idêntica à das tabelas usadas nas resoluções 1 e 2. No entanto, dispensam

elementos figurativos e concentram-se no registo do número de tentativas (por cada

chave testada nos vários cadeados). A tabela da resolução 9 destaca-se das anteriores

por introduzir a ideia de soma acumulada, isto é, na coluna destinada ao número de

tentativas, vai sendo feita a adição de todas as tentativas falhadas nos ensaios anteriores.

Em todas as resoluções (à exceção da tabela que funciona como ferramenta de

contagem), bastou aos participantes adicionarem sucessivamente o número de tentativas

ensaiadas, para cada caso, para responderem à questão colocada no problema.

Conclusões

De uma forma geral, tendo em conta o contexto e a pequena amostra selecionada, todas

as resoluções revelam originalidade, uma vez que não há duas formas de representação

tabular que se possam considerar iguais, dada a singularidade visível em cada uma delas

(Starko, 2010). Combinam representações simbólicas, icónicas e verbais, unindo estes

elementos representacionais a um dispositivo central – a tabela – para organizar e

representar informação. Recorrem a imagens, destaques com cores e outro tipo de

inscrições, revelando estratégias interessantes e próprias de quem as produziu (Preston

& Garner, 2003). É facilmente reconhecida a flexibilidade de representação, através da

forma como a tabela é construída e moldada, em cada caso, ajustando-se e adaptando-se

aos propósitos de cada indivíduo para resolver o problema, resumindo o raciocínio feito

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e permitindo reconstruí-lo de forma clara. Para além da subtileza específica de cada

uma das tabelas, a flexibilidade de representação começa pela adequação das

representações tabulares utilizadas pelos participantes, revelando o seu domínio de

conhecimento matemático para a resolução do problema (Ainsworth, 1999; Benko &

Maher, 2006). As formas de representação escolhidas e transportadas para o contexto do

problema revelam também um evidente sentido estético na expressão das resoluções, o

que constitui uma caraterística de alunos matematicamente criativos.

Resolver problemas, para além da sala de aula, usando as ferramentas tecnológicas

disponibilizadas pelo computador, estimula os participantes a procurar formas eficazes e

simultaneamente interessantes de comunicarem as suas resoluções, contribui para a

riqueza das representações que produzem e para o desenvolvimento da sua criatividade

matemática (Heinze, Star, & Verschaffel, 2009). Parece evidente que as tecnologias

usadas têm valor pedagógico na resolução de problemas de matemática, exibindo o

desenvolvimento de competências tecnológicas, associadas à representação, inovação e

criatividade, não se traduzindo numa utilização trivial das tecnologias (Jacinto &

Carreira, 2008).

As tecnologias usadas permitiram aos participantes recorrer a formas de representação

eminentemente visuais, como as cores, as imagens e os destaques, para darem corpo ao

seu raciocínio matemático. A criatividade matemática pode, portanto, ser encarada de

um ponto de vista micro-analítico, isto é, a forma como diferentes indivíduos dão corpo

e fazem uso de uma estrutura tabular – uma representação geralmente vista como

genérica ou indiferenciada – para resolverem e exprimirem o seu pensamento

matemático, constitui uma importante evidência de originalidade e de flexibilidade

representacional. Em geral, parece resultar da análise apresentada que aquilo que é

novo, único e diferente, em cada uma das resoluções apresentadas, não se resume a

simples detalhes superficiais mas reveste-se de sentido matemático e está associado à

capacidade de cada um de criar e reinventar a representação tabular e, portanto, à sua

flexibilidade representacional.

A interação entre a tecnologia, o raciocínio matemático e a comunicação matemática,

parece igualmente ter influência na promoção de resoluções matemáticas pessoais,

inventivas e distintivas. Este fenómeno está em sintonia com as características do

Campeonato de Matemática SUB12, uma vez que possibilita aos participantes a

liberdade de usar os seus próprios processos e recursos, nomeadamente, digitais.

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Reconhecimento

Este trabalho teve o apoio e foi desenvolvido no âmbito do projeto de investigação

Problem@Web – Projeto n.º PTDC/CPE-CED/101635/2008, financiado pela Fundação

para a Ciência e Tecnologia.

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XXIV SIEM 507

ANEXO

Resoluções de participantes com representação tabular

Resolução 1

Resolução 2

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Resolução 3

Resolução 4

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Resolução 5

Resolução 6

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Resolução 7

Resolução 8

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XXIV SIEM 511

Resolução 9

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