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Fernandes, J. A., Martinho, M. H., Tinoco, J., & Viseu, F. (Orgs.) (2013). Atas do XXIV Seminário de
Investigação em Educação Matemática. Braga: APM & CIEd da Universidade do Minho.
XXIV SIEM 495
Criatividade matemática e flexibilidade de representação na resolução
de problemas para além da sala de aula
Nuno Amaral1, Susana Carreira
2
1EB 2,3 das Naus, Lagos, [email protected]
2Universidade do Algarve e Unidade de Investigação do Instituto de Educação da
Universidade de Lisboa, [email protected]
Resumo. Nesta comunicação pretende-se examinar a criatividade
matemática associada à flexibilidade de representação, a partir de
resoluções produzidas por participantes no Campeonato de Matemática
SUB12 a um dos problemas da edição 2012/2013. Procurámos evidências
da relação entre a criatividade expressa nas resoluções e a flexibilidade
representacional manifestada, numa atividade que decorre para além da
sala de aula, tendo em conta que os ambientes escolares são muitas vezes
restritivos para o desenvolvimento da criatividade matemática. Concluiu-se
que a representação tabular, sendo claramente apropriada para a
compreensão do problema e para a construção da respetiva solução,
assumiu elementos específicos e distintivos num dado espetro de resoluções,
permitindo afirmar que cada participante fez criativamente uma utilização
própria e flexível desta forma particular de representação matemática.
Palavras-chave: criatividade; resolução de problemas; flexibilidade
representacional; representações matemáticas; competição matemática.
Criatividade matemática para além da sala de aula
A criatividade pressupõe a manifestação de ideias ou produtos originais e inovadores
adequados ao contexto e cultura onde o fenómeno se manifesta (Starko, 2010) e deve
ser entendida através das habilidades e prontidão de qualquer indivíduo para criar algo
de novo (Gusev & Safuanov, 2012).
Neste estudo, a criatividade é entendida, na atividade de resolução de problemas de
matemática, no sentido em que desta resultam resoluções originais, diferentes e
perspicazes, no contexto específico em que a atividade decorre (isto é, com alunos de
determinado nível etário, para além da sala de aula, no âmbito de uma competição
matemática). A criatividade traduz-se, nesse contexto, na originalidade de produtos
únicos e novos, do ponto de vista de quem os constrói, diferentes dos restantes quando
comparados com os demais, num determinado grupo alvo, e perspicazes na revelação
do pensamento matemático que conduziu à solução, de forma clara, compreensível e
esclarecedora para quem examina a resolução (por ex., o professor, os colegas, o leitor a
quem se dirigem).
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A criatividade é uma característica inerente ao saber matemático e embora seja, muitas
vezes, associada à genialidade ou a habilidades excecionais, ela pode ser amplamente
estimulada na população escolar em geral (Mann, 2005; Pelczer & Rodríguez, 2011;
Silver, 1997). A criatividade dos alunos nem sempre é visível em sala de aula. No
entanto, defendemos que os alunos têm imensas capacidades latentes de inovação,
pensamento criativo e formas alternativas de ver as coisas que precisam de ser
estimuladas para se revelarem. Por isso, é importante um clima que inclua atividades e
tarefas criativas, designadamente que suscitem desafio e curiosidade, cujas resoluções
estimulem o raciocínio e a comunicação matemática e em que seja dada liberdade de
resolução e expressão. Devem ser atividades e tarefas pensadas, não só com o propósito
de estimular os alunos com melhor desempenho em matemática, mas também aqueles
que têm potencial matemático e que se veem impedidos de manifestarem as suas
capacidades em contextos curriculares restritivos, centrados em regras formais e
algoritmos (Kattou, Kontoyianni, Pitta-Pantazi & Christou, 2011). A liberdade de
trabalhar matematicamente é fundamental, uma vez que a criatividade se evidencia
quando os alunos têm a possibilidade de encontrar e utilizar os seus próprios métodos
de resolução (Pehkonen, 1997). Pode ter-se todos os recursos necessários para pensar de
forma criativa mas sem um ambiente favorável, gratificante e promotor de ideias novas,
é muito difícil ou praticamente impossível a qualquer indivíduo exibir a criatividade que
tem dentro de si (Sternberg, 2007).
As atividades de resolução de problemas, para além da sala de aula, de que é exemplo o
Campeonato de Matemática SUB12®, destacam-se pelas oportunidades de realização do
potencial intelectual e criativo dos alunos e pelo importante papel que desempenham no
apoio à educação matemática dos jovens em sala de aula (Koichu & Andzans, 2009).
Oferecem circunstâncias para o desenvolvimento do poder matemático dos alunos, para
além daquelas que existem no contexto escolar, tendo em conta os níveis de aptidão de
cada um. São contextos que permitem, não apenas estimular as capacidades de
resolução de problemas, comunicação e raciocínio, como também atrair os alunos para a
matemática (Freiman & Lirette-Pitre, 2009). Disponibilizam o tempo de que os alunos
precisam para o desenvolvimento da criatividade matemática que, muitas vezes, não
existe na sala de aula. Prestam um serviço importante à educação matemática e a um
grande número de alunos promissores, com potencial talento matemático, constituindo
um complemento natural ao trabalho realizado na escola (Koichu & Andzans, 2009).
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Nesta perspetiva, as competições matemáticas surgem como parceiros da escola, ou
seja, como promotores de uma aprendizagem paralela e complementar àquela que é
intencionada pelo currículo escolar.
Flexibilidade de representação e criatividade na resolução de problemas
Conhecer e lidar com representações e ser capaz de representar matematicamente,
constitui uma competência que aumenta a capacidade de pensar matematicamente
(Boavida, Paiva, Cebola, Vale, & Pimentel, 2008; NCTM, 2007; Ponte & Serrazina,
2000). O acesso a uma variedade de representações e a capacidade de as pôr em
funcionamento contribui para o desenvolvimento da compreensão de conceitos
matemáticos (Berthold & Renkl, 2005; Harries, Lopez, Reid, Barmby & Suggate, 2008)
e para fortalecer o raciocínio matemático (Ponte & Velez, 2011).
As representações não são produtos estáticos, na medida em que refletem o processo de
raciocínio e o conhecimento utilizado pelos alunos na construção de relações ou de
conceitos matemáticos (Steele, 2008). Podem ser caraterizadas como construções
inerentes à descrição de conceitos, através de componentes concretos, verbais,
numéricos, gráficos, contextuais, pictóricos e simbólicos, que retratam aspetos dos
conceitos e que, ao mesmo tempo, permitem interpretar, comunicar e discutir ideias
(Tripathi, 2008).
Os alunos que são capazes de recorrer a uma variedade de representações, com vários
sentidos complementares, são mais inclinados a resolver problemas de forma criativa e
inovadora (Sheffield, 2009). A flexibilidade de representação é uma caraterística dos
alunos que fazem escolhas adequadas de representações matemáticas, tendo em conta as
tarefas em mão (Nistal, Dooren, Clarebout, Elen & Verschaffel, 2009). No entanto, as
tarefas, só por si, não definem a flexibilidade de representação, pois o conhecimento e o
domínio representacional também devem ser tomados em conta (Nistal et al, 2009).
Nesta investigação, entende-se a flexibilidade de representação como a capacidade de
selecionar, combinar, usar e adaptar representações úteis, de acordo com as
caraterísticas dos problemas a resolver.
As representações matemáticas são centrais na resolução de problemas e a sua
construção, de acordo com o conhecimento matemático dos alunos, é uma etapa crucial
do processo de resolução (Stylianou, 2008). O conhecimento matemático, conjugado
com a liberdade para pensar profundamente e construir representações, permitem que os
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alunos testem e explorem com mais detalhe as suas próprias representações e
estabeleçam conexões significativas, de modo a que os problemas façam sentido para si
(Benko & Maher, 2006). Dar espaço para que os alunos possam construir as suas
representações aumenta o sucesso na resolução de problemas, proporciona o
desenvolvimento de métodos próprios de resolução e leva a que considerem e apreciem
representações alternativas (NCTM, 2007; Ponte & Serrazina, 2000).
A facilidade de utilização e adaptação de múltiplas representações e a habilidade de
alternar entre diversas representações é parte de uma variabilidade cognitiva que
permite resolver problemas com maior rapidez e precisão (Heinze, Star, & Verschaffel,
2009). Cada forma de representação exprime elementos do raciocínio utilizado,
subjacente à escolha da estratégia e à forma da sua comunicação (Preston & Garner,
2003). Quando os alunos são pensadores flexíveis, desenvolvem representações
geralmente muito ricas (Steele, 2008). À medida que refletem sobre as suas ações, as
suas representações podem evoluir para versões cada vez mais sofisticadas.
Os ambientes que possibilitam o uso de múltiplas representações e que promovem esse
uso de forma flexível, como por exemplo o SUB12, são considerados eficazes em
privilegiar a compreensão de noções matemáticas. Neste contexto, a liberdade para usar
múltiplas representações permite que os alunos as escolham e explorem, de acordo com
o seu grau de experiência e de conhecimento (Ainsworth, 1999). Incentivar
sistematicamente os alunos a usarem várias representações, pode aumentar a
consciência de que há uma diversidade de representações possíveis na resolução de um
problema (Friedlander & Tabach, 2001). Por outro lado, encorajar os alunos a refletir
ativamente sobre a adequação de representações específicas para situações particulares,
é um meio para o desenvolvimento da flexibilidade de representação (Nistal et al.,
2009).
Campo empírico e procedimentos metodológicos
O Campeonato de Matemática SUB12 (para alunos de 5.º e 6.º ano), promovido pelo
Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade
do Algarve, inclui duas fases distintas: a fase de apuramento, que é constituída por 10
problemas e decorre através da Internet; e a fase final, na qual os alunos finalistas
participam num torneio presencial. Na fase de apuramento, de janeiro a junho,
quinzenalmente, os participantes têm acesso aos problemas publicados no website do
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campeonato e enviam as suas resoluções por e-mail ou através de um formulário de
resposta disponível na página, podendo enviar ficheiros em anexo. O presente estudo
tem como objetivo investigar a relação entre a flexibilidade de representação e a
criatividade matemática, fixando-se num tipo particular de representação matemática, a
tabela, utilizada por participantes no Campeonato, num dos problemas da fase de
apuramento.
A incidência num tipo específico de representação – a representação tabular – justifica-
se pelo problema proposto, que envolve uma contagem sistemática associada a uma
sequência de números naturais. Embora este problema tenha sido resolvido por diversos
processos pelos participantes no campeonato, é claro que a representação tabular
constitui uma representação adequada que apoia a obtenção da solução, sobretudo no
caso de resolvedores que não dispõem de um conhecimento mais sofisticado, como
cálculo combinatório ou progressões aritméticas, por exemplo. Por outro lado,
interessou-nos saber em que sentido a construção de uma tabela pode ser original e
revelar flexibilidade representacional, uma vez que, à partida, a noção de tabela parece
relativamente inocente e, quase poderia dizer-se, indiscutível. Tendo em conta que o
nosso propósito é compreender a criatividade matemática à luz dos parâmetros
originalidade e flexibilidade de representação, optámos por considerar uma amostra de
resoluções de 9 participantes em que a representação matemática essencial para
solucionarem o problema foi a tabela. O pequeno número de resoluções consideradas
foi intencional, na medida em que quisemos perceber como, num conjunto reduzido de
produções do mesmo “género” (i.e., centradas na utilização de tabelas), se distinguem
variações e particularidades que podemos relacionar com originalidade (dentro da
identidade do tipo geral de representação tabular) e com flexibilidade (face à
intencionalidade e à estruturação colocada na construção de cada tabela). O objetivo não
se traduz numa avaliação ou medição da criatividade matemática dos 9 participantes ou
das suas produções; pretende-se, antes, dar corpo a uma visão qualitativa e relativa da
presença da criatividade matemática. Em certo sentido, pretendemos estudar a
criatividade inclusiva (do pequeno-c, em vez do grande-C) que nos deixe ver a
diversidade na aparente uniformidade (Beghetto & Kaufman, 2009).
Tradicionalmente, os estudiosos da criatividade têm-se centrado em
resultados criativos classificados como Grande-C (eminente) ou pequeno-c
(quotidiano). A criatividade Grande-C centra-se em exemplos de rasgos de
grande expressão criativa (por exemplo, o teorema de Pitágoras, a poesia de
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Dickinson, as composições de Mozart). Em contraste, a criatividade
pequeno-c concentra-se mais na criatividade da vida quotidiana, acessível a
quase toda a gente (Runco & Richards, 1998). Um exemplo de criatividade
do dia-a-dia poderia ser a forma criativa com que alguém organiza as
plantas e flores no seu jardim, um arranjo que recebe elogios de amigos e
familiares (Beghetto & Kaufman, 2009, p. 40).
Este estudo integra-se num paradigma interpretativo de investigação, adotando uma
abordagem qualitativa, uma vez que nos interessa compreender o fenómeno da
criatividade matemática no contexto em que ele acontece, privilegiando-se
essencialmente os produtos enviados pelos participantes no campeonato por via
eletrónica. Na investigação qualitativa os dados são geralmente descritivos e a fonte
direta é o ambiente natural em que se produzem. Neste caso, os dados foram obtidos a
partir das resoluções de alguns participantes, a um problema da fase de apuramento, que
foram publicadas na página web do SUB12 (http://www.fctec.ualg.pt/matematica/5estrelas/).
Análise de dados
O problema considerado não exige a aplicação de conteúdos curriculares específicos
(Fig. 1). Deste modo, os participantes tiveram de conceber e pôr em prática as suas
próprias estratégias e representações para resolver o problema. A situação colocada no
problema das chaves e dos cadeados apela a um raciocínio indutivo, na medida em que
é preciso testar, uma a uma, cada chave em todos os cadeados para saber qual o cadeado
que lhe corresponde. O problema refere ainda uma situação limite (a pior das hipóteses)
em que só se encontra o par chave-cadeado na última tentativa, quando todos os
cadeados, menos um, já foram testados e rejeitados. O raciocínio indutivo pode sugerir
uma ordenação das chaves, v1, v2, …, v20, e dos cadeados, d1, d2, …, d20, e uma
estratégia que estabelece todos os testes feitos com a chave v1 (em 19 cadeados), com a
chave v2 (em 18 cadeados), etc., considerando que só o último cadeado combinará com
a chave que está a ser testada. Assim, trata-se de pensar organizadamente no número de
testes que irá ser realizado com cada chave e isso permitirá chegar ao total de testes: a
soma dos primeiros 19 números naturais.
Figura 1: Problema 7 do SUB12, edição 2012/13.
XXIV SIEM 501
O uso de ferramentas comuns, disponibilizadas pelo computador (Word, Excel,
PowerPoint), a que muitos participantes recorrem na resolução dos problemas é
revelador das capacidades e competências destes alunos – matemáticas e tecnológicas
(Jacinto & Carreira, 2008). O recurso ao computador conjuga dois aspetos poderosos –
por um lado, é um meio de tornar a comunicação eficiente e, por outro, acentua o poder
da visualização e organização da informação na atividade matemática dos alunos, o que
se torna evidente nas formas de representação propostas. Desta forma, a comunicação
matemática é destacada para primeiro plano, tendo por base formas eficazes de
representação de ideias e processos matemáticos.
As resoluções apresentadas pelos participantes (ver Anexo) mostram que
compreenderam o problema, uma vez que identificaram a informação importante e o
objetivo a atingir. Foram capazes de definir e aplicar um plano, escolher uma estratégia
e selecionar as representações e os recursos digitais adequados à sua execução. No que
diz respeito ao raciocínio matemático produzido, as resoluções mostram a explicação
dos processos e resultados, através de deduções formais e informais, expressas nas
representações utilizadas.
As resoluções selecionadas associam e combinam a tabela, como elemento central, com
representações icónicas, designadamente imagens, e representações simbólicas, em
particular relacionadas com números e expressões numéricas, conjugadas com
linguagem natural, na descrição e registo do processo desenvolvido. Em cada caso, a
combinação das representações utilizadas é reveladora do modelo conceptual que está
na base da solução do problema.
Em todas as resoluções, o recurso a tabelas funciona essencialmente para organizar a
informação e transformá-la, de modo a revelar regularidades e a gerar uma imagem (ou
modelo) da situação. No entanto, cada tabela é única, revelando diferenças
significativas ao nível da forma, organização e representação da informação e
evidenciando caraterísticas do raciocínio próprias de quem a construiu.
Na resolução 1, (ver Anexo) o participante recorreu a ícones representativos de
cadeados e chaves, combinados com representações simbólicas, traduzidas em
sequências de números naturais, por ordem decrescente, organizados numa tabela de
três colunas. A primeira coluna refere-se a cadeados e indica o número de cadeados a
testar; a segunda coluna refere-se a chaves e indica o número de chaves por testar; a
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terceira coluna refere-se ao número de tentativas atribuídas a cada caso, usando ícones
representativos de cadeados-com-chave. A justificação dada por palavras – “a última
chave pertence ao último cadeado” – repete-se sucessivamente após a indicação do
número de tentativas e é um elemento importante para justificar o número total de
tentativas.
A resolução 2 (ver Anexo) revela uma tabela com duas colunas, ainda que esta tabela
tenha um caráter eminentemente gráfico. Na verdade, a primeira coluna é preenchida
por uma sucessão de ícones representativos de cadeados excluídos (com a letra X a
vermelho) seguida de uma outra sucessão de cadeados aprovados (com a letra V a
verde), num total de 20 cadeados. De uma linha para a seguinte, diminui um cadeado
excluído e aumenta um cadeado aprovado. Na coluna 2, representam-se as tentativas
falhadas (correspondentes ao número de cadeados excluídos), gerando uma sequência
de números naturais por ordem decrescente. Ao lado da tabela, é dada a explicação da
racionalidade da mesma e do modo como esta permitiu obter o total de tentativas.
No conjunto das resoluções 3, 4, 5 e 6, (ver Anexo) a organização da informação
representada nas tabelas é semelhante, tratando-se agora de tabelas de dupla entrada.
Numa das dimensões são representadas as chaves e, na outra, os cadeados. Nas células
das tabelas a informação registada tem diferentes sentidos e propósitos. A tabela da
resolução 3 indicia o teste de cada chave (numerada) em cada um dos cadeados
(numerados) e assume que o par é encontrado na última tentativa. Assim, a organização
dos pares é indicada pelos elementos da diagonal, preenchidos a negrito (chave 1 -
cadeado 20, chave 2 - cadeado 19, …, chave 20 - cadeado 1). A tabela pode ser lida ao
longo de cada uma das duas entradas (por linhas ou por colunas). A tabela da resolução
4 tem uma estrutura idêntica mas assinala com um X cada combinação falhada entre a
chave p e o cadeado q. Assim, ficam registadas as tentativas falhadas e a solução do
problema é obtida, contando-se o número de células marcadas com um X. Numa coluna
adicional é colocado o número de tentativas falhadas (por cada cadeado testado) e, por
fim, é calculado o total. A tabela 5 usa uma ideia análoga à anterior mas recorre à cor
vermelha para registar as tentativas falhadas e à cor verde (com um V) para indicar a
tentativa que tem sucesso. Todas estas tabelas recorrem a alguma forma de
representação visual traduzida por destaques com cores, letras ou ícones. A tabela da
resolução 6, igualmente de dupla entrada, inscreve em cada célula o número de
tentativas falhadas, à medida que estas se vão sucedendo, tendo em conta que a última
XXIV SIEM 503
tentativa em cada sequência foi a que teve sucesso. Assim, a função da tabela usada na
resolução 6 é a de realizar a contagem ininterrupta de tentativas falhadas. É de notar
que, nesta tabela, as duas dimensões não são legendadas (colunas ou cadeados),
parecendo evidenciar o facto de que estas são comutáveis, pois é indiferente considerar-
se cada uma das chaves a testar os vários cadeados ou cada um dos cadeados a testar as
várias chaves. Neste caso, sobressai uma estratégia de contagem sistemática em vez de
uma estratégia de adição do número de tentativas feitas até acontecer cada
emparelhamento.
Observando as resoluções 7, 8 e 9, (ver Anexo) percebe-se que os participantes usam
uma maior quantidade de texto para explicar a forma como organizaram a informação
representada nas suas tabelas. Em todas elas, é facilmente compreensível a estratégia e o
raciocínio utilizado para chegar à solução do problema, devido à forma como explicitam
o significado da tabela construída. As resoluções 7 e 8 apresentam tabelas com uma
estrutura idêntica à das tabelas usadas nas resoluções 1 e 2. No entanto, dispensam
elementos figurativos e concentram-se no registo do número de tentativas (por cada
chave testada nos vários cadeados). A tabela da resolução 9 destaca-se das anteriores
por introduzir a ideia de soma acumulada, isto é, na coluna destinada ao número de
tentativas, vai sendo feita a adição de todas as tentativas falhadas nos ensaios anteriores.
Em todas as resoluções (à exceção da tabela que funciona como ferramenta de
contagem), bastou aos participantes adicionarem sucessivamente o número de tentativas
ensaiadas, para cada caso, para responderem à questão colocada no problema.
Conclusões
De uma forma geral, tendo em conta o contexto e a pequena amostra selecionada, todas
as resoluções revelam originalidade, uma vez que não há duas formas de representação
tabular que se possam considerar iguais, dada a singularidade visível em cada uma delas
(Starko, 2010). Combinam representações simbólicas, icónicas e verbais, unindo estes
elementos representacionais a um dispositivo central – a tabela – para organizar e
representar informação. Recorrem a imagens, destaques com cores e outro tipo de
inscrições, revelando estratégias interessantes e próprias de quem as produziu (Preston
& Garner, 2003). É facilmente reconhecida a flexibilidade de representação, através da
forma como a tabela é construída e moldada, em cada caso, ajustando-se e adaptando-se
aos propósitos de cada indivíduo para resolver o problema, resumindo o raciocínio feito
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e permitindo reconstruí-lo de forma clara. Para além da subtileza específica de cada
uma das tabelas, a flexibilidade de representação começa pela adequação das
representações tabulares utilizadas pelos participantes, revelando o seu domínio de
conhecimento matemático para a resolução do problema (Ainsworth, 1999; Benko &
Maher, 2006). As formas de representação escolhidas e transportadas para o contexto do
problema revelam também um evidente sentido estético na expressão das resoluções, o
que constitui uma caraterística de alunos matematicamente criativos.
Resolver problemas, para além da sala de aula, usando as ferramentas tecnológicas
disponibilizadas pelo computador, estimula os participantes a procurar formas eficazes e
simultaneamente interessantes de comunicarem as suas resoluções, contribui para a
riqueza das representações que produzem e para o desenvolvimento da sua criatividade
matemática (Heinze, Star, & Verschaffel, 2009). Parece evidente que as tecnologias
usadas têm valor pedagógico na resolução de problemas de matemática, exibindo o
desenvolvimento de competências tecnológicas, associadas à representação, inovação e
criatividade, não se traduzindo numa utilização trivial das tecnologias (Jacinto &
Carreira, 2008).
As tecnologias usadas permitiram aos participantes recorrer a formas de representação
eminentemente visuais, como as cores, as imagens e os destaques, para darem corpo ao
seu raciocínio matemático. A criatividade matemática pode, portanto, ser encarada de
um ponto de vista micro-analítico, isto é, a forma como diferentes indivíduos dão corpo
e fazem uso de uma estrutura tabular – uma representação geralmente vista como
genérica ou indiferenciada – para resolverem e exprimirem o seu pensamento
matemático, constitui uma importante evidência de originalidade e de flexibilidade
representacional. Em geral, parece resultar da análise apresentada que aquilo que é
novo, único e diferente, em cada uma das resoluções apresentadas, não se resume a
simples detalhes superficiais mas reveste-se de sentido matemático e está associado à
capacidade de cada um de criar e reinventar a representação tabular e, portanto, à sua
flexibilidade representacional.
A interação entre a tecnologia, o raciocínio matemático e a comunicação matemática,
parece igualmente ter influência na promoção de resoluções matemáticas pessoais,
inventivas e distintivas. Este fenómeno está em sintonia com as características do
Campeonato de Matemática SUB12, uma vez que possibilita aos participantes a
liberdade de usar os seus próprios processos e recursos, nomeadamente, digitais.
XXIV SIEM 505
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Reconhecimento
Este trabalho teve o apoio e foi desenvolvido no âmbito do projeto de investigação
Problem@Web – Projeto n.º PTDC/CPE-CED/101635/2008, financiado pela Fundação
para a Ciência e Tecnologia.
XXIV SIEM 507
ANEXO
Resoluções de participantes com representação tabular
Resolução 1
Resolução 2
508 XXIV SIEM
Resolução 3
Resolução 4
XXIV SIEM 509
Resolução 5
Resolução 6
510 XXIV SIEM
Resolução 7
Resolução 8
XXIV SIEM 511
Resolução 9