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LEI 7.716/89 CRIMES DE PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO
CONTEXTO HISTÓRICO
Até a primeira metade do século XX acreditava-se que havia diferentes raças
humanas, umas hierarquicamente superiores a outras, e que existiriam raças puras e absolutas.
Porém, com o amadurecimento dos estudos culturalistas pós-II Guerra Mundial e por meio de
pesquisas realizadas nas últimas décadas, tanto no âmbito da Antropologia quanto no da
Biologia, comprovou-se que esse pensamento é equivocado.
No Brasil, o pensamento dos colonizadores era o de que o homem negro era como
um bem a ser negociado, e não um ser humano como eles. Mesmo após a abolição da
escravatura, lamentavelmente, o negro ainda era visto como um ser inferior, e o que pode ser
percebido é que a discriminação não ocorria somente com eles, mas também com pessoas de
diversas etnias ou por outros motivos como: opção sexual, ideias políticas e crença
(infelizmente, fortes resquícios desse pensamento podem ser notados em todo o mundo nos
dias de hoje). Era preciso tomar uma atitude para tentar controlar o preconceito que essas
pessoas sofriam. E foi o que ocorreu, a Constituição Federal de 16 de julho de 1934
incorporou a expressão “raça” ao dispor sobre o princípio da igualdade, consoante o art. 113,
n.1:
Art. 113. 1 – Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem
distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe
social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas; (...)
Essa mesma fórmula fora adotada pelo art. 141, § 1.º, da Constituição Federal de 18
de setembro de 1946, observando-se, porém, na parte final do § 5.º do mencionado artigo, a
expressão” preconceitos de raça” como limitativa do direito à livre manifestação do
pensamento, nos seguintes termos:
Art. 141. § 5.º Não será, porém, tolerada, propaganda de guerra, de processos
violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de
classe
Então, em 03 de julho de 1951, foi promulgada a Lei 1.390, denominada Lei Afonso
Arinos, que incluía às contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de
raça e de cor. Foi o primeiro dispositivo a tratar positivamente os crimes raciais e de
preconceito no ordenamento penal brasileiro. Em 1967, a Constituição trouxe em seus artigos
a repreensão expressa quanto ao preconceito racial. No mesmo ano, foi promulgada a “Lei de
Imprensa”, que estabeleceu espécie de delito vinculado a exteriorização do preconceito ou da
discriminação. Em 1983, a “Nova Lei de Segurança Nacional” estabeleceu em seu art. 222:
Art.222– “Fazer, em público, propaganda: (...)
II – de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de
perseguição religiosa;
Pena: detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 1º – A pena é aumentada de um terço quando a propaganda for feita em local
de trabalho ou por meio de rádio ou televisão.
§ 2º – Sujeita-se a mesma pena quem distribuiu ou redistribui: a) fundos
destinados a realizar a propaganda de que trata este artigo; b) ostensiva ou
clandestinamente boletins ou panfletos contendo a mesma propaganda.
§ 3.º – Não constitui propaganda criminosa, a exposição, a crítica ou o debate
de quaisquer doutrinas
Por fim, em 20 de dezembro de 1985, foi promulgada a lei Nº 7.437/1985, a qual
modificou a “Lei Afonso Arinos.” A Lei de 1985 manteve a natureza contravencional das
infrações de cunho racista, reprimindo, simultaneamente, outras formas de discriminação (em
razão de sexo ou de estado civil), mas padecendo do mesmo casuísmo ou simplesmente
reproduzindo artigos das lei anterior, não contribuindo, pois, com sensíveis inovações ao
tratamento da matéria.
I - INTRODUÇÃO
A lei 7.716/89, inicialmente, definia crimes resultantes de discriminação de raça ou
de cor. No entanto, foi alterada pela lei 9.459/97, de forma a ampliar a aplicação daquela lei
para quando houver também discriminação ou preconceito em virtude de etnia, religião e
procedência nacional.
Elaborada um ano após a promulgação da Constituição da República, esta lei possui
forte influência constitucional. Afinal, além do fundamento da dignidade da pessoa humana,
apoia-se, principalmente, em dois preceitos constitucionais, quais sejam:
Art. 3.º [...]
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer forma de discriminação.
Art. 5.º [...]
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito
à pena de reclusão, nos termos da lei;
Por tanto, se extrai três peculiaridades dos tipos penais em análise.
Primeiramente, a impossibilidade de concessão de liberdade provisória mediante
fiança, isto é, pagamento ou depósito de certo valor para aguardar em liberdade o transcurso
do processo.
Também merece atenção a imprescritibilidade dos crimes resultantes da lei em
questão. Ou seja, não sofrem influência de prazo prescricional, como forma de alerta para a
gravidade dessas condutas.
Por fim, importante destacar que qualquer lei que diga respeito a crimes resultantes
de racismo necessariamente deve cominar pena de reclusão. Logo, não é admitida, por força
de mandamento constitucional, a punição de atos de discriminação racial com as penas de
prisão simples e de detenção.
Para a configuração de qualquer crime de discriminação racial, faz-se necessário o
dolo do agente em segregar, vontade de mostrar-se superior a outro ser humano, por conta de
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Destarte, não haverá crime,
por exemplo, se o ânimo for de brincadeira (animus jocandi), crítica artística ou descrição.
II - TIPOS PENAIS
Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a
qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de
serviços públicos.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação
de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional.
Pena: reclusão de dois a cinco anos.
Os núcleos do tipo penal em questão são impedir (interromper, bloquear de forma
integral) e obstar (bloquear parcialmente).
O sujeito ativo é a pessoa que detém poder suficiente para impedir ou obstar esse
acesso, a exemplo de um examinador de um concurso, e o passivo a pessoa discriminada.
O elemento subjetivo é o dolo, bem como o dolo especial da autêntica manifestação
racista. Não existe na forma culposa.
Classifica-se como crime próprio, pois só pode ser praticado pelo encarregado
legalmente de permitir ou negar acesso ao cargo; formal, pois independe de qualquer prejuízo
para a pessoa discriminada; de forma livre, pois pode ser cometido por qualquer meio;
comissivo e instantâneo.
Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada.
Pena: reclusão de dois a cinco anos.
Os núcleos do tipo penal em questão são negar (recusar) e obstar (dificultar).
Cumpre esclarecer que para os fins deste tipo penal, emprego deve ser entendido
como o exercício de um trabalho com o fim de receber salário ou outra forma de remuneração
em empresa privada.
O sujeito ativo é o proprietário da empresa ou a pessoa responsável pela contratação
de pessoal e o passivo a pessoa discriminada.
Importante destacar que a responsabilidade penal é subjetiva, de modo que não se
pode inserir, automaticamente, como coautores desse delito, o dono, o presidente, o diretor,
quando a discriminação partir de empregado sem seu conhecimento ou ordem.
O elemento subjetivo é o dolo, bem como o dolo especial da autêntica manifestação
racista. Não existe na forma culposa.
Classifica-se como crime próprio, pois só pode ser praticado pelo encarregado
legalmente de permitir ou negar acesso ao cargo; formal, pois independe de qualquer prejuízo
para a pessoa discriminada; de forma livre, pois pode ser cometido por qualquer meio;
comissivo e instantâneo.
Neste crime, aplicam-se os mesmos conceitos do artigo antecedente, no entanto, nos
empregos e cargos referentes à empresas privadas.
Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a
servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Pena: reclusão de um a três anos.
Os núcleos são recusar (opor-se) ou impedir (interromper).
O tipo penal refere ao acesso (ingresso) a estabelecimento comercial (quaisquer
atividades comerciais) de cliente (pessoa que vale dos serviços, mediante pagamento) ou
comprador (pessoa que adquire algo pagando o preço).
O sujeito ativo é o comerciante ou o prestador de serviço, não importando se é
proprietário ou funcionário do estabelecimento. O passivo é a pessoa discriminada (cliente ou
comprador em potencial).
Pune-se o preconceito, a atitude segregacionista, não importando eventual alegação
do comerciante de que se recusou porque achou que o ofendido não teria condições
econômicas de comprar o produto.
Como os anteriores, classifica-se como crime próprio, pois só pode ser praticado pelo
encarregado legalmente de permitir ou negar acesso ao cargo; formal, pois independe de
qualquer prejuízo para a pessoa discriminada; de forma livre, pois pode ser cometido por
qualquer meio; comissivo e instantâneo.
Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em
estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.
Pena: reclusão de três a cinco anos.
Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena
é agravada de 1/3 (um terço).
O núcleo do tipo é recusar (opor-se), negar (proibir) ou impedir (interromper) a
inscrição ou ingresso (entrada) de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de
qualquer grau.
O sujeito ativo é o responsável pelo estabelecimento de ensino, podendo ser o
dirigente ou até o funcionário encarregado de receber a inscrição. Aplica-se, também neste
caso, a responsabilidade penal subjetiva. O passivo é a pessoa discriminada.
Se a vítima for menor de 18 anos, agrava-se a pena no patamar de 1/3, pois
pressupõe-se que o impedimento à educação, por motivo discriminatório, torna o crime mais
grave
Classifica-se na mesma forma do Art. 3º da Lei.
Demais tipos penais, Art. 7º ao 14º.
Os crimes dos artigos 7º ao 14º possuem natureza semelhante com o do artigo
anterior. A diferença entre eles está no estabelecimento no qual houve o impedido ou a recusa
de um sujeito em virtude de discriminação.
Logo, no art. 7º é hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer
estabelecimento similar;
Art. 8º restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao
público.
Art. 9º estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos
ao público.
Art. 10º salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou
estabelecimento com as mesmas finalidades.
Art. 11º entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou
escada de acesso aos mesmos.
Art. 12º uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus,
trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.
Art. 13º serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.
Art. 14º o casamento ou convivência familiar e social.
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
O núcleo é praticar (executar), induzir (dar a ideia) ou incitar (instigar, estimular) a
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, enquanto o passivo é a pessoa
discriminada.
Este tipo penal ainda gera diversos embates doutrinários sobre sua
constitucionalidade, pois sua redação é considerada demasiadamente aberta, de modo que
todos os crimes desta lei podem ser enquadrados nessa descrição.
Por essa característica, a Lei 7.716/89 contraria o princípio penal da taxatividade, eis
que qualquer conduta pode se adequar ao tipo em análise, bastando a vontade do poder
punitivo estatal.
Classifica-se como os demais crimes.
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas,
ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para
fins de divulgação do nazismo.
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa
Fabricar (construir), comercializar (negociar), distribuir ou veicular (transmitir,
difundir) símbolos (elemento gráfico), emblemas (figura simbólica), ornamentos (elementos
que embelezamento), distintivo (sinal distintivo de um grupo) ou propaganda (divulgação)
que utilizem a suástica (símbolo do nazismo) para divulgação do nazismo.
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, enquanto o passivo é a pessoa
discriminada.
Exige-se o dolo, e o fim especial de agir (dolo específico), que é a vontade de
discriminar a pessoa, com autêntica manifestação racista.
Caso ocorra a divulgação, por qualquer meio, de prática discriminatória, o juiz fica
autorizado, ouvido o Ministério Público, antes ou durante o inquérito policial, requerer a
busca e apreensão do material utilizado como instrumento do crime, para posteriormente ser
destruído, conforme os parágrafos 3º e 4º deste artigo.
III - EFEITOS DA CONDENAÇÃO
Sempre que houver condenação com base em crime previsto neta lei, deverá o juiz
impor a perda do cargo ou função pública quando sujeito ativo for funcionário público e a
suspensão temporária do funcionamento do estabelecimento particular.
No entanto, não são efeitos automáticos, devendo ser motivadamente declarados na
sentença.
IV – CONFRONTO COM A INJÚRIA RACIAL
Os crimes previstos nesta lei apesar de aparentarem semelhanças, se diferenciam da
injuria qualificada pela discriminação (Art. 140 § 3) em vários aspectos.
Inicialmente, o bem jurídico tutelado é distinto, pois, enquanto o crime de injúria
visa proteger a honra subjetiva, o bem jurídico protegido pela lei especial em questão é a
preservação da igualdade dos seres humanos perante a lei.