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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 399 ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL PROCESSO E A GARANTIA DE CELERIDADE: O SANEADOR NO NOVO CPC 416 PROCEDURE AND THE WARRANTY OF CELERITY: THE PRE TRIAL DECISION IN THE NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE Cristiano Aparecido Quinaia 417 Tiago Ramires Domezi 418 Jair Antonio Pena Jr. 419 Resumo Processo e procedimento não se confundem. Este é o meio pelo qual se concretizam os atos das partes e do juiz para a instauração, instrução e resolução da lide. Nesse contexto, ganha relevância o estudo do saneamento, concebido como ato decisório, etapa ou atividade de regularização do processo. O Novo Código de Processo Civil assegura aos litigantes o direito à integral solução da lide. Antes dele, a Constituição Federal de 1988 consagrou o direito à razoável duração do processo e aos meios que assegurem a celeridade na tramitação. Emerge nesse contexto o estudo do saneador no novo diploma processual brasileiro, o conteúdo de sua decisão, e as 416 Artigo submetido em 06/03/2017, pareceres de análise em 04/03/2017, 10/03/2017 e 13/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017. 417  Mestrando em Direito Constitucional – Sistema Constitucional de Garantia de Direitos, mantido pela Instituição Toledo de Ensino, Bauru/SP. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Advogado. Contato: [email protected]. 418 Bacharel em Direito - Instituição Toledo de Ensino (2013). Especialista em Direito Civil e Processual Civil - Instituição Toledo de Ensino (2015). Mestrando em Direito Constitucional pelo Núcleo de Pós-graduação Stricto Senso mantido pela Instituição Toledo de Ensino. Advogado. Contato: [email protected]. 419  Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (2004). Mestrando em Direito Constitucional - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público. Contato: [email protected].

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 399

ANAIS DO

SIMPÓSIO BRASILEIRO

DE PROCESSO

CIVIL

PROCESSO E A GARANTIA DE CELERIDADE:O SANEADOR NO NOVO CPC416

PROCEDURE AND THE WARRANTY OF CELERITY:THE PRE TRIAL DECISION IN THE NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE

Cristiano Aparecido Quinaia417

Tiago Ramires Domezi418

Jair Antonio Pena Jr.419

ResumoProcesso e procedimento não se confundem. Este é o meio pelo qual se

concretizam os atos das partes e do juiz para a instauração, instrução e resolução da lide. Nesse contexto, ganha relevância o estudo do saneamento, concebido como ato decisório, etapa ou atividade de regularização do processo. O Novo Código de Processo Civil assegura aos litigantes o direito à integral solução da lide. Antes dele, a Constituição Federal de 1988 consagrou o direito à razoável duração do processo e aos meios que assegurem a celeridade na tramitação. Emerge nesse contexto o estudo do saneador no novo diploma processual brasileiro, o conteúdo de sua decisão, e as

416 Artigo submetido em 06/03/2017, pareceres de análise em 04/03/2017, 10/03/2017 e 13/03/2017, aprovação comunicada em 13/03/2017.

417  Mestrando em Direito Constitucional – Sistema Constitucional de Garantia de Direitos, mantido pela Instituição Toledo de Ensino, Bauru/SP. Especialista em Direito Civil e Processual Civil. Advogado. Contato: [email protected].

418 Bacharel em Direito - Instituição Toledo de Ensino (2013). Especialista em Direito Civil e Processual Civil - Instituição Toledo de Ensino (2015). Mestrando em Direito Constitucional pelo Núcleo de Pós-graduação Stricto Senso mantido pela Instituição Toledo de Ensino. Advogado. Contato: [email protected].

419  Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (2004). Mestrando em Direito Constitucional - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público. Contato: [email protected].

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possibilidades de sua recorribilidade pela parte que se sinta prejudicada. O presente artigo tem por objetivo o estudo histórico do saneamento até sua configuração atual, apresentando uma possível interpretação de sua aplicação e a forma de impugnar a decisão proferida para esse fim.

Palavras-chave: Processo; Procedimento; Saneamento; Celeridade; Preclusão.

Abstract

The process and procedure are not confused. This is the means by which the acts of the parties and the judge are concretized to establish, instruct and resolve the dispute. In this context, the study of sanitation, designed as a decision-making act, stage or activity to regularize the process, becomes relevant. The New Code of Civil Procedure ensures that litigants have the right to a total solution of the dispute. Before it, the Federal Constitution of 1988 enshrined the right to a reasonable length of time and means to ensure speed in the proceedings. It emerges in this context the study of the sanatorium in the new Brazilian procedural law, the content of its decision, and the possibilities of its recrimination by the part that feels impaired. The objective of this article is the historical study of sanitation up to its present configuration, presenting a possible interpretation of its application and the way to challenge the decision pronounced for this purpose.

Keywords: Process; Procedure; Sanitation; Celeridade; Preclusion.

Sumário

1- Introdução. 2 - O Regime de Preclusões. 3 - Celeridade Processual. 4 - Organização e Saneamento. 5 - Função saneadora no Novo CPC. 6 - Natureza jurídica do pedido de esclarecimento. 7 - Conclusão. Referências.

1 – Introdução

Entender a importância do saneamento e o seu regime preclusivo implica, antes de tudo, compreender a diferença entre o processo enquanto instrumento jurisdicional e o procedimento que é sua concretização em sucessão coordenada de atos.

Processo, assim, foi compreendido por Bülow420 como a relação jurídica de direito público que se estabelece entre as partes e o juiz, que é distinta da relação de direito material que vincula os interesses do credor e devedor.

420 BULOW, Oskar Von. Teoria de Las Excepciones procesales y los presupuestos procesales. Traducción de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Imprenta: Buenos Aires, Ed. Juridicas Europa-America, 1964.

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O processo, assim, possui pressupostos de existência e validade, que fogem ao âmbito do presente trabalho, mas que possibilitam a identificação dos protagonistas processuais.

Neste sentido, para Arruda Alvim421 “o processo se constitui numa relação jurídica que se concretiza no procedimento”.

Procedimento, por sua vez, tem conteúdo concreto, imediato, representando a marcha de atos concatenados praticados por autor, juiz e réu, que conduzem à instrução e resolução da controvérsia.

Conforme sintetiza Grinover, Dinamarco e Cintra422, “a soma dos atos do processo, visto pelo aspecto de sua interligação e combinação e de sua unidade teleológica, é o procedimento”.

A importância da atuação das partes na instrução, e a do juiz, no saneamento, afloram a indispensabilidade do estudo do procedimento. Caso contrário, a garantia da razoável duração do processo esvazia-se em meio a prática desordenada de atos.

O saneamento pode acelerar o procedimento, conduzindo a instrução para dirimir apenas as questões controvertidas, bem como, auxiliar o magistrado na compreensão de causas complexas mediante convocação das partes para diálogo compartilhado.

2 – O Regime de Preclusões

Pontes de Miranda423 já lecionava o que podemos compreender como o princípio da preclusão, segundo o qual, “quando se adota o princípio da ordenação legal – ou se permitem dentro de certo período atos processuais que também poderiam ser de outro, ou só se permitem em determinado ou determinados períodos”.

A finalidade da preclusão não é prejudicar a parte, mas, conduzi-la a uma solução integral e tempestiva da causa, pois sem esse instituto, o procedimento eterniza-se na utilização de todos os meios recursais cada qual em defesa do seu interesse, em prejuízo dos escopos sociais do processo.

O regime de preclusões do Novo CPC eliminou o Agravo Retido e limitou as hipóteses de recorribilidade imediata pelo Agravo na forma de Instrumento com o viés de separar as instâncias.

421 Manual de direito processual civil. Vol 1 .6ª. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 363 422 Teoria Geral do Processo. 9ª. ed . São Paulo: Editora Malheiros, 1993, p. 279. 423 Comentários ao código de processo civil: Arts. 154-281. 3. ed. rev. e aument. Atualização legis-

lativa de Sergio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1996. v. 3, p. 117.

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Ao juízo de primeiro grau incumbe a direção e instrução do processo, com a ampla participação das partes: diálogo e saneamento compartilhado. No segundo grau, caberá a revisão do julgado e de todas as decisões proferidas, de uma só vez, por meio da Apelação.

A parte que se sinta prejudicada por decisão ou despacho do qual não caiba recurso imediato por Agravo de Instrumento, poderá sustentar sua irresignação em sede de razões ou contrarrazões ao recurso de apelação que venha a ser interposto em face da sentença final.

De acordo com Chiovenda424, a preclusão consiste na perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual, por “não ter observado a ordem assinalada pela lei para a prática de uma faculdade” ou “a parte ter realizado atividade incompatível com o exercício da de uma faculdade; de ter a parte já exercida validamente a faculdade”.

Temos, assim, três espécies de preclusão: temporal, lógica ou consumativa.

Sem o regime preclusivo, a parte poderia a todo momento postular a mesma questão, pleitear contra ato já praticado, ou até mesmo após o decurso de prazo, o que por óbvio, geraria insuportável insegurança.

A ideia de tempo e processo é íntima, de tal sorte que Carnelutti425 advertia que “la palabra tiempo se entiende ante todo como duración, esto es, como distancia entre el inicio y el fin ce um desarrollo y, por tanto, como necesidad de espera”.

O tempo do processo é a duração entre o início e o fim do procedimento, sendo imperioso o regime de preclusão para o cumprimento de sua finalidade, sobretudo, na sociedade atual de consumo na qual tudo se processa dinamicamente.

3 – Celeridade Processual

Na Itália, em 1994, quando entrava em vigor o novo Código de Processo Civil, advertia um processualista milanês, a importância de se detectar onde encontram-se os óbices a um processo sem dilações indevidas:

Os problemas mais graves da Justiça Civil, pelo menos na Itália, dizem respeito, de outra parte, não à estrutura, mas à duração do processo, dizem respeito aos tempos de espera, aos ‘tempos mortos’, muito mais que aos tempos de desenvolvimento efetivo do juízo 426.

424 Coisa julgada e preclusão. Ensaios de Direito Processual Civil, 1993, p. 233.425 Derecho Procesal Civil y Penal. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas, 1971, p.176. 426 TARZIA, Giusepe. O novo processo civil de cognição na Itália. REPRO, São Paulo, n. 79, jul.-set.

1995, p. 63.

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Na sucessão de atos coordenada pelo legislador se opera o contraditório, a ampla defesa e a eficácia da decisão judicial a partir de seu poder de restauração ou transformação da realidade da vida humana, conforme assinala a doutrina:

Impõe-se por consequência, rever a habilidade do procedimento para realizar a finalidade processual, sua flexibilidade para atender os interesses em jogo e a segurança com que se garantem os direitos questionados. Inclui-se, de logo, nos parâmetros de durabilidade do processo, o tempo prudente e justo para que a decisão jurisdicional renda a eficácia esperada, ou seja, a razoabilidade se estende não ao tempo de afirmação do direito em litígio, senão à própria execução da decisão, à realização de seu conteúdo, à aplicação efetiva do direito 427.

A duração do processo sem dilações indevidas adentrou o ordenamento jurídico com status supralegal, por meio do Decreto Presidencial n. 678/1992 que promulgou o ingresso do Pacto de São José da Costa Rica, em cujo texto expressamente se consignou a garantia no artigo 8, item 1.

As reformas processuais desencadeadas em 1994 com a inclusão da antecipação da tutela no ordenamento jurídico buscavam cada vez mais promover a tramitação jurisdicional célere, fosse por meio da previsão de procedimentos especializados ou por meio de técnicas diferenciadas.

Nessa senda, algum tempo adiante foi promulgada a Emenda Constitucional n. 45 de 2004, responsável por promover a Reforma do Judiciário.

O projeto derivado da reforma constitucional foi inicialmente apresentado perante o Congresso Nacional em 26 de março de 1992. Em meio a outras modificações, foi inserido o inciso LXXVIII ao catálogo do artigo 5º da Constituição Federal com a seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

O que objetiva o constituinte – cujas palavras nunca são inúteis – é a inserção da aceleração da tramitação entre as garantias expressas da cláusula magna do due process of law.

A celeridade por si só não é atributo exclusivo de uma legítima prestação jurisdicional, pois nem todas as situações tuteláveis privilegiam o tempo pela substância, e vice-versa.

4 – Organização e Saneamento

427 ALARCON, Pietro de Jesús Lora; LENZA, Pedro; TAVARES, André Ramos (orgs). Reforma do Judiciário: analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 34.

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Sanear origina-se do latim428 sanus, que se traduz para o português como sadio, significando algo que esteja limpo; organizado; que não prescinde de reparo ou esclarecimento; pronto para ser concluído.

Sanear o processo significa organizar, entre as matérias processuais e materiais, aquelas que exijam continuidade em fase instrutória e aquelas que já estejam suficientemente provadas.

Evita-se, com o saneamento, a prática de atos desnecessários que causam o elastério do procedimento em etapas posteriores, violando a garantia429 de razoável duração do processo e da celeridade da tramitação.

Diz-se, assim, que o processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento disposto às pessoas para a tutela dos direitos consagrados na legislação material, e não mero atributo técnico do exercício do poder.

Por tal razão, cunhando a feliz expressão acesso à ordem jurídica justa, Kazuo Watanabe430 destacou entre os elementos-chave, “a remoção dos obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo a uma Justiça que tenha tais características”.

O saneamento entra nesse plano, na eliminação dos obstáculos, na fixação dos remédios que deverão ser utilizados pelo juiz e pelas partes para a preparação da sentença, prevenindo-se o desvairado litígio e desconcentração da atividade cognitiva para atos e fatos impertinentes ao deslinde da causa.

Conforme destaca Manoel Arruda Alvim431, o saneamento também trata de questões de admissibilidade de julgamento do mérito, e, por serem preliminares, devem ser examinadas antes e separadamente da questão principal.

Com suas peculiaridades, todos os diplomas processuais brasileiros dispuseram acerca do saneamento: o Código de Processo Civil de 1939 no art. 293; o CPC de 73 trazia a obrigatoriedade do saneador em seu art. 331 e, agora, o Novo Código de Processo Civil também sobre ele dispõe no art. 357, em capítulo dedicado exclusivamente às suas providências.

428 Consulta disponível em: http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/sanear/. Acesso em 03.01.2017.

429 De acordo com a Constituição Federal de 1.988: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

430 Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 128. 431  O Saneador no Código de Processo Civil de 1940, p. 54. Disponível em: http://www.revistajustitia.

com.br/revistas/4a221d.pdf. Acesso em 03.01.2017.

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A importância do mecanismo, portanto, vem de longa data, por meio do qual sempre se buscou racionalizar a atividade instrutória e cognitiva, tornando possível ao juiz especificar as questões que carecem de prova, ou, em relação aos fatos provados, julgar antecipadamente a lide.

O antecedente histórico, de acordo com Celso Agrícola Barbi432, é o Decreto n. 3 de 29 de maio de 1907, que “criou em Portugal, para certos casos, um despacho destinado a conhecer das nulidades, o qual deveria ser proferido após a fase dos articulados, mas antes da colheita das provas”.

De lá para cá, contamos com mais de um século de evolução na ciência processual, razão pela qual os velhos institutos precisam ser (re)lidos à luz da influência que o constitucionalismo reflete na realidade de todos os ramos do direito.

O processualismo brasileiro possuiu três códigos: CPC 39, CPC 73 e o recente aprovado CPC 2015, cada qual com tendências políticas próprias de cada época, valendo-se das técnicas então conhecidas pela doutrina e jurisprudência pátrias.

5 – Função saneadora no Novo CPC

Fixada a premissa de que o saneamento é mecanismo essencial da tramitação do procedimento, emerge a curiosidade científica em determinar quando e como ocorre, indagando se trata-se de decisão ou mero despacho, ou, em verdade, representa uma etapa da marcha do processo.

O CPC de 39 dispunha:

Art. 293. Decorrido o prazo para contestação, ou reconvenção, se houver, serão os autos conclusos, para que o juiz profira o despacho saneador dentro de dez (10) dias.

Art. 294. No despacho saneador, o juiz: I – decidirá sobre a legitimidade das partes e da sua representação,

ordenando, quando fôr o caso, a citação dos litisconsortes necessários e do orgão do Ministério Público;

II – mandará ouvir o autor, dentro em três (3) dias, permitindo-lhe que junte prova contrária, quando na contestação, reconhecido o fato em que se fundou, outro se lhe opuser, extintivo do pedido;

III – pronunciará as nulidades insanáveis, ou mandará suprir as sanáveis bem como as irregularidades;

IV – determinará exames, vistorias e quaisquer outras diligências, na forma do art. 295.

Parágrafo único. As providências referidas nos números I e II serão determinadas nos três (3) primeiros dias do prazo a que se refere o artigo anterior.

432 Despacho saneador e julgamento do mérito, p. 148. Disponível em: http://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/viewFile/400/372. Acesso em: 03.01.2017.

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ANAIS DO SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PROCESSO CIVIL 406

Para o legislador da época o saneamento realizava-se em único momento, por meio de um despacho no qual o juiz resolvia as pendências e determinava a supressão das nulidades sanáveis.

Esta técnica se devia em grande parte à visão autocrática que se tinha da figura do magistrado à época, como o diretor do processo, a quem incumbia resolver as pendências sem a preocupação com prevenção e aceleração.

Às partes incumbia o ônus de requerer em prosseguimento nos autos, cumprindo com exatidão as disposições legais, sob pena de não o fazendo, perderem a oportunidade pelo sistema rígido de preclusões.

Conforme acentuava Manoel de Arruda Alvim433 “o juiz não é obrigado, absolutamente, a conhecer do mérito”, sendo lícito concluir que também não havia esforço para o processo seguisse seu curso natural.

A extinção anômala, sem solução do mérito, não era prevenida pelo juiz, até porque a visão que imperava era de confusão entre imparcialidade e neutralidade, logo, não poderia o magistrado exortar às partes sobre defeitos nos atos praticados, com o risco de quebrar este equilíbrio.

Naquele pretérito sistema, do despacho saneador cabia o recurso de agravo nos próprios autos, consoante a previsão contida no art. 851, IV, do CPC 39. Trata-se do antecedente do que depois conhecemos como agravo retido, que poderia ser interposto por simples petição e aguardava a interposição de apelação para que dele o Tribunal conhecesse.

Já no regime do CPC 73 o legislador foi cauteloso, evitando a qualificação de despacho ou decisão ao conteúdo decisório por meio do qual o juiz saneava o processo, consoante se verifica da redação:

Art. 331. Se não se verificar nenhuma das hipóteses previstas nas seções procedentes, o juiz, ao declarar saneado o processo:

I - decidirá sobre a realização de exame pericial, nomeando o perito e facultando às partes a indicação dos respectivos assistentes técnicos;

II - designará a audiência de instrução e julgamento, deferindo as provas que nela hão de produzir-se.

Em outros dispositivos, porém, o legislador rezava acerca do despacho saneador, conforme se constata dos artigos 22, 264 e 338, causando certa confusão entre a doutrina e a jurisprudência. Vejamos.

433 O Saneador no Código de Processo Civil de 1940, p. 61. Disponível em: http://www.revistajustitia.com.br/revistas/4a221d.pdf. Acesso em 03.01.2017

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Se sob a égide do CPC 39 havia previsão expressa acerca da recorribilidade do despacho saneador por meio do agravo no auto do processo, por seu turno, o CPC 73, nada dispunha e, para piorar, rezava expressamente que despachos eram irrecorríveis:

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 3o São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.

Art. 504. Dos despachos de mero expediente não cabe recurso.

Para os portugueses434, de mero expediente eram os despachos que se “destinam a prover o andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes”.

A distinção também não resolvia a celeuma, pois entre despacho e decisão a diferença é o conteúdo decisório que as decisões possuem, ao passo que todos os despachos são apenas de mero impulso oficial.

Por isso, em 2006, por força da Lei n. 11.276, o artigo 504 do CPC 73 recebeu nova redação, passando a dispor: “Art. 504. Dos despachos não cabe recurso”.

Mas, e o despacho saneador, afinal, qual era sua natureza? Se o saneamento possuía conteúdo decisório sob a égide do CPC 73, então, não há como negar sua natureza de decisão interlocutória.

Esse, inclusive, o entendimento de José Joaquim Calmon de Passos435, para quem o saneamento “é decisão sempre interlocutória, insuscetível de pôr fim ao processo, que apenas resolve, com força preclusiva, questões incidentes”.

De tal sorte, sob a vigência do CPC 73 admitia-se plenamente o questionamento da decisão de saneamento pela via do Agravo de Instrumento, sem o qual poderia cogitar-se a respeito da preclusão da matéria.

Este era, talvez, o mais tormentoso tema acerca do saneador, uma vez que o reconhecimento da preclusão da decisão, por um lado, suscitava a aceleração do procedimento e impedia que posteriormente pudesse ser invalidado maliciosamente pela parte que se omitiu, de outro revés, ensejaria aceitar que matérias de ordem pública ficam acobertadas pela preclusão.

434 SOUSA PINTO. Despacho de 15-05-2012. DESPACHO MERO EXPEDIENTE. Noção, alcance. Notificação 105º RGIT não o é. Recurso, admissibilidade. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=4989&codarea=57. Acesso em: 03.01.2017.

435 Comentários ao Código de Processo Civil. Ed. For., 1ª ed., vol. III. p. 442.

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Galeno Lacerda436, pioneiro no estudo do saneador, lembrava-nos que o reconhecimento da preclusão do saneador estava ligado à origem de nossa família jurídica, se romana ou germânica: no primeiro, as decisões interlocutórias eram irrecorríveis, logo, não podiam ser objeto de preclusão; no segundo, acobertava-se pelo manto da coisa julgada.

Tratando-se de matéria de ordem pública, a jurisprudência paulista inclinava-se no sentido de não reconhecer a preclusão da matéria pelo saneamento, que poderia ser revisitado posteriormente, conforme colhemos do seguinte aresto:

1. A falta de apreciação das preliminares da contestação não constitui motivo para cogitar de vício na decisão de saneamento, pois a matéria deverá ser necessariamente enfrentada na sentença, sem qualquer prejuízo ao processo.

2. Houve deferimento das provas expressamente requeridas, e não consta, até o momento, tenha ocorrido requerimento de produção de depoimento pessoal pelo agravante.

3. A falta de fixação dos pontos controvertidos não gera nulidade processual, até porque será suprida na própria audiência de instrução e julgamento (Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento n. 2051327-62.2014.8.26.0000. Relator Desembargador Antonio Rigolin. 31ª Câmara de Direito Privado, DJ 13.05.2014).

Essa posição melhor inclinava-se ao contexto do CPC 73 que previa a possibilidade de que as questões de ordem pública fossem reconhecidas, em qualquer tempo e grau de jurisdição, senão vejamos:

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de

desenvolvimento válido e regular do processo; V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de

coisa julgada; Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a

possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; § 3o O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição,

enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.

Em suma, importa destacar que o CPC 73 teve grande parte de sua sobrevida sob a égide da Constituição Federal de 1988, que contemplava, entre outras, a garantia do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Portanto, nascia o gérmen da ideia de prevenção do magistrado, de induzimento do processo à solução natural de mérito, mitigando a redução do saneador em apenas um ato processual.

436 Despacho Saneador. Porto Alegre: Fabris, 1990, p. 154.

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De início, ao juiz incumbia adotar providências preliminares, consoante prescrevia o art. 323 do CPC 73, para que no prazo de 10 (dez) dias fossem adotadas as regularizações necessárias do processo.

No CPC 73 além da decisão, o saneador contemplava a designação pelo juiz de audiência preliminar, com o objetivo de conciliar as partes, para, após, marcar a audiência de instrução.

Na prática, essa audiência preliminar possibilitava o diálogo entre as partes e o melhor aparelhamento dos autos, com a especificação do seu objeto, a descrição dos fatos, aproximação do juiz em relação aos fatos.

Por fim, o CPC 2015 alterou profundamente o regime processual, mitigando bastante a noção de formalismo, dispondo em diversos artigos sobre o dever do juiz em prevenir as nulidades e adequar o procedimento à realidade de direito material:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

IX - determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais.

Pode-se afirmar, assim, que o saneamento no Novo CPC não é uma fase, mas, uma atividade, que tem como ápice, a decisão de organização do processo, que deverá contemplar os seguintes requisitos:

Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:

I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória,

especificando os meios de prova admitidos; III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.

Assim, o legislador objetivou em definitivo que o processo acabe com resolução do mérito, e não sucumba em meio de preclusão ou nulidades que poderiam ter sido sanadas, dicção esta afirmada, inclusive, pela norma fundamental do artigo 4º do Novo Códex.

O saneamento é o limiar entre tudo o que magistrado recebe e a frutífera solução da controvérsia que advém com a prolação da sentença, é a fase intermediária e essencial do procedimento.

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Marinoni437 esclarece que o saneamento tem duas funcionalidades bastante nítidas: “retrospectiva” para corrigir os vícios ocorridos; “prospectiva”, com a fixação da matéria a ser provada, a especificação das provas e seus respectivos ônus.

A todo tempo ao juiz é válido e é imposto o dever de buscar a solução integral da lide, com a participação das partes, dividindo o ônus da condução do processo aos interessados que são o autor e o réu.

Assim, “não existe entre os sujeitos processuais (técnicos processuais) submissão, mas, sim interdependência”, e o contraditório não como a mera posição reacionária, mas, “como garantia de influência” 438.

Para tanto, o CPC 2015 consagra o que ficou conhecido como “saneamento compartilhado”, isto é, a possibilidade de que as partes sejam convocadas para esclarecer ao juiz as questões que pretendam resolver e os respectivos meios de prova, confira-se:

Art. 357 [...]. § 3o Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.

A finalidade do dispositivo é evitar que as partes aleguem, futuramente, o cerceamento da defesa, ou, que o magistrado chegue ao final da instrução com alguma dúvida a respeito dos fatos.

Quanto melhor instruído o processo, e mais especificado o seu objeto, maior é a probabilidade de que ao final a sentença resolva integralmente a lide.

6 – Natureza jurídica do pedido de esclarecimentoO CPC 2015 não previu expressamente o cabimento ou não de recurso em

face da decisão que saneia o feito, por seu turno, dispõe que uma vez proferida, poderá (e/ou deverá) ser objeto de pedido de esclarecimento a ser formulado pelas partes:

Art. 357 [...]. § 1o Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.

Esses esclarecimentos assemelham-se, quanto ao objeto e finalidade, aos Embargos de Declaração, na busca pelo aclaramento de alguma pontuação que impregna e impede a legibilidade da decisão interlocutória.437 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel.Novo curso de

processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 232.

438  NUNES, Dierle José Coelho. Comparticipação e Policentrismo. Tese (Doutorado). Faculdade Mineira de Direito. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2008, p. 153.

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Assim, consoante a doutrina439 que participou da elaboração do anteprojeto do Novo CPC, “questões que digam respeito à prova oral, pericial ou à delimitação equivocada do objeto da prova, seja de matéria de direito controvertida, somente poderão ser suscitadas por meio desse pedido de esclarecimento ou ajuste”.

Não é a primeira vez que o legislador previu o cabimento de recurso ou pedido de esclarecimento ao mesmo juiz que prolatou a decisão: A Lei de Execuções Fiscais – 6.830/80 – contempla os chamados embargos infringentes, nas causas de pequeno valor conforme previsão no art. 34.

Curiosidade causa o emprego do termo estável. Preferiu o legislador evitar problemas doutrinários com o emprego dos conceitos de preclusão ou coisa julgada, valendo-se da ideia de estabilidade.

A estabilidade é um conceito utilizado pelo Novo CPC também no que diz respeito à tutela provisória antecipada concedida de forma antecedente, a qual, senão for objeto de recurso de Agravo de Instrumento, torna-se estável, admitindo-se seu questionamento apenas em ação própria, nos termos do art. 304.

Essa estabilização equivale “a deixar que o provimento concedido se torne imutável no bojo do próprio processo”, conforme destaca Olavo de Oliveira Neto440. A princípio, esta é a consequência oriunda da ausência do pedido de esclarecimento e a inexistência de recurso cabível contra conteúdo específico da decisão de saneamento.

Algumas questões que integram a decisão de saneamento são atacáveis pelo recurso de Agravo de Instrumento, por exemplo, distribuição do ônus da prova, exclusão de litisconsorte, consoante a redação do art. 1.015, VII, XI.

Assim, para as hipóteses passíveis de recurso imediato, é de rigor reconhecer-se a sua preclusão para as partes, caso não interposto no prazo e forma legais, sob pena de ser soterrada a discussão sobre elas.

Para as demais questões, a resposta deve ser no sentido de que a estabilidade disposta no código equivale à sua preclusão, ou seja, a impossibilidade de seu posterior questionamento.

O óbice enfrentado pela admissão desta estabilidade se dá em relação às questões de ordem pública - matérias das quais o juiz deve se pronunciar em qualquer tempo e grau de jurisdição (ex., prescrição, ilegitimidade).

Assim, as partes poderão arguir as demais questões resolvidas pelo saneador em sede de razões ou contrarrazões de apelação, em razão da extinção do Agravo

439  WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 626.

440 Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. Parte Geral. São Paulo: Verbatim, 2015, p. 646.

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Retido e a limitação taxativa das hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento.

Alinhado a este entendimento, Marinoni441 destaca que uma vez precluso o prazo para esclarecimentos, “seu conteúdo só poderá ser objeto de novo debate em juízo de segundo grau”, na forma do art. 1.009 do Novo CPC.

Consoante se verifica, o objetivo do legislador foi possibilitar o regular andamento do procedimento em primeiro grau sem interferências suscitadas pelas partes por meio de diversos e inoportunos recursos de Agravo de Instrumento, que outrora mitigavam a autoridade do juiz e retardavam o curso da marcha processual.

7 - Conclusão

O procedimento é a marcha do processo, é o seu aspecto extrínseco que se materializa nos atos praticados pelo juiz e pelas partes, sob um regime preclusivo que impede a prática de atos em duplicidade, depois de esgotado o prazo ou em contradição de comportamento anterior.

O saneador surgiu como técnica imprescindível para a regularização do procedimento, no momento em que o magistrado de posse da petição inicial e contestação podem prevenir eventuais nulidades determinando sua regularização, resolver questões incidentes e mirar as provas a serem produzidas.

No Novo Código de Processo Civil o saneamento pode ser compartilhado, ocasião em que o magistrado pode convocar as partes para comparecerem em audiência especialmente designada para esse fim.

Além disso, o juiz tem o dever de prevenção das irregularidades, razão pela qual o saneamento se torna uma atividade cujo ápice é a decisão que saneia o procedimento.

Desta decisão, as partes poderão pedir esclarecimentos no prazo comum de 05 (cinco) dias, como uma espécie de recurso interposto para o mesmo juiz da causa.

Algumas matérias contidas na decisão de saneamento são passíveis de recorribilidade imediata por meio do Agravo de Instrumento, previsto no art. 1.015 do Novo Código de Processo Civil.

Para os demais casos, as partes terão de aguardar eventual recurso de apelação para, em sede de razões ou contrarrazões, postular a reforma da decisão de saneamento, uma vez que o sistema de preclusão do Novo CPC pôs fim ao Agravo Retido.

441  Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 382.

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