Crítica aos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais e Parâmetros Curriculares Nacionais +) e o Ensino de Sociologia - no contexto da crise estrutural do capital, a partir da teoria

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    NotascrticasaosParmetrosCurricularesNacionais(PCNePCN+)

    eoensinodeSociologianocontextodacriseestruturaldocapital,

    apartirdateoriamaterialista

    Eddie Orsini (CESPEB - FE - UFRJ) [email protected] de agosto de 2012

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    A crise da Educao e a crise estrutural do capital

    Partimos do estudo de Canrio (2008) sobre o trnsito da educao de uma "era de

    promessas" (poca de crescimento econmico) para uma "era de incertezas", quando

    este crescimento no to marcante e no capaz de oferecer oportunidades de

    educao e de emprego.

    Este quadro configura uma crise, maior que esta dificuldade de crescimento. Em O

    capitale nos Grundrisse (MARX, 1985 e 2011), podemos ver que capitale capitalismo

    so conceitos diferentes. De maneira que trata-se da crise estrutural do capital, que

    "arrasta trabalho e educao ladeira abaixo".

    1. Paradigmas: da Ontologia do ser socialA teoria da alienao em MarxO ser social um complexo de linguagem, trabalho e pensamento abstrato, que

    emerge quando este complexo de complexos surge como um todo e, simultaneamente,

    se desenvolve ao longo dos sculos, suprindo e criando as necessidades do "ser

    objetivo".

    O trabalho emerge enquanto momento predominante deste complexo de complexos,

    por ser momento de sntese, quando a linguagem e o pensamento abstrato podem tantoganhar a materialidade como a espirituosidade caractersticas do ser humano. Este tem

    os objetos de sua carncia fora de seu corpo orgnico, e tambm, ao mesmo tempo,

    sujeito e objeto para si e para outros, tanto do conhecimento como do fazer. Assim,

    "com a escolha da pedra inicial comea a cincia" (LUKCS, 1969, p. 14). O fato de a

    sociedade de classes interpor uma srie de necessidades alienadas entre o produtor e o

    trabalho no anula a relao entre produo e consumo. (A diferena que a teleologia1

    do trabalho assume elementos que no so postulados pelo produtor.) O que, sob o

    capital, assume um carter reificado e fetichista. Como se d, aqui, a relao entresujeito e objeto? Mszros comenta:

    Neste processo de alienao, o capital degrada o trabalho, sujeito real da reproduo social, condio de objetividade reificada mero 'fator material de produo' e com isso derruba, nosomente na teoria, mas na prtica social palpvel, o verdadeiro relacionamento entre sujeito

    e objeto. Para o capital, entretanto, o problema que o 'fator material de produo' no podedeixar de ser o sujeito real da produo. Para desempenhar suas funes produtivas... o trabalho forado a aceitar um outro sujeito acima de si, mesmo que na realidade este seja apenas um

    pseudo-sujeito (2006b, p. 126, negrito nosso).

    1

    No trabalho sempre postulada uma teleologia, uma "prvia-ideao" (LESSA, 2006), por meio delinguagem e pensamento, que se objetiva e se subjetiva, como veremos melhor.

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    A relao-capital uma devastadora ruptura ontolgica do ser social e de sua

    sociedade. Como no pensar a educao sem estes fatos como embotadores do sentidos

    humanos que poderiam ser construdos?2

    legtimo pensar a educao como um campo especfico, mas no se pode ser

    realista ao anular as determinaes gerais da produo sobre a educao. Marx criticou

    a unilateralidade da economia poltica ao tratar a produo, na qual aquela ainda

    reconhecia o consumo produtivo. Mas apenas das coisas, no em seu carter

    contraditrio para o ser social, pois a produo consumo produtivo tambm porque o

    indivduo, simultaneamente, "ao produzir desenvolve suas faculdades, [mas] tambm

    as gasta" (NETTO, 2012, p. 244, negrito nosso). E a produo como momento

    predominante clara aqui:

    O consumo tambm imediatamente produo, do mesmo modo que na natureza o consumodos elementos e das substncias qumicas produo da planta. claro que, por exemplo, naalimentao, uma forma de consumo, o homem produz seu prprio corpo, mas isso igualmentevlido para qualquer outro tipo de consumo, que, de um modo ou de outro, produza o

    homem. [Esta ] a produo consumidora. Apenas diz a Economia essa produo idntica aoconsumo uma segunda [produo] nascida do aniquilamento do produto na primeira. Naprimeira o produtor se coisifica, na segunda, a coisa criada por ele que se personifica . [...]A produo mediadora do consumo, cujos materiais cria e sem os quais no teria objeto. Mas oconsumo tambm mediador da produo ao criar para os produtos o sujeito, para o qual so

    produtos. [No h estradas sem viajantes...] ... Ao dissolver o produto, o consumo lhe d seu

    retoque final (finishing stroke), pois o produto no apenas a produo enquanto atividadecoisificada, mas [tambm] enquanto objeto para o sujeito em atividade. E... o consumo peidealmente o objeto da produo, como imagem interior, como necessidade, como impulso e comofim. O consumo cria os objetos da produo de uma forma ainda mais subjetiva. [...] ... o consumoreproduz a necessidade. ... mas no somente o objeto que a produo cria para o consumo.Determina tambm seu carter, d-lhe seu acabamento (finish). Do mesmo modo que o consumodava ao produto seu acabamento, agora a produo que d o acabamento do consumo. ... umobjeto determinado, que deve ser consumido de uma certa maneira , esta por sua vez mediada

    pela prpria produo. A produo no produz, pois, unicamente o objeto do consumo, mastambm o modo de consumo, ou seja, no s objetiva, como subjetivamente . (Id., p. 245-6,negrito nosso.)

    O pensamento advindo do ponto de vista do capital no pode captar esta relaorecproca entre produo e consumo, porque partidrio da liberdade idealizada pelo

    liberalismo tem de escamotear o carter contraditrio da produo no que diz respeito

    a ser, coadunado ao processo de trabalho, um processo de dominao no qual o nico

    objetivo vivel, sob esta estrutura social, a autovalorizao, ao que o produtor e os

    valores de uso ficam totalmente subsumidos. Com este trecho e o que est expresso nos

    2 "Para o ouvido no musical a mais bela msica no tem sentido nenhum, ' nenhum objeto, porque o

    meu objeto s pode ser a confirmao de uma das minhas foras essenciais (...), porque o sentido de umobjeto para mim [...] vai precisamente to longe quanto vai o meu sentido." (MSZROS, 2006a, p. 190)

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    Manuscritos de 1844 (MARX, 2006), vemos como no s os valores de uso (bens

    materiais), mas todos os valores (at mesmo os estticos) tm seu momento

    predominante de criao na produo. O trabalho alienado, reduzido autovalorizao,

    principalmente pela diviso vertical do trabalho, perde seu carter de constituidor de

    valores e sentidos propriamente humanos, produzindo tanto necessidades alienadas

    como o comum embotamento dos sentidos humanos, que em seu carter teortico

    mutilado. Algo devastador para a educao. Assim,

    A articulao da distribuio inteiramente determinada pela articulao da produo. Aprpria distribuio um produto da produo, no s no que diz respeito ao objeto, podendoapenas ser distribudo o resultado da produo, mas tambm no que diz respeito forma, pois omodo preciso de participao na produo determina as formas particulares da distribuio,

    isto , determina de que forma o produtor participar na distribuio. [Consequentemente, noconsumo, ou seja, no consumo produtivo.] (NETTO, 2012, p. 249, negrito nosso.)

    Esta, ento, a cadeia causal primria da subsuno real do trabalho ao capital,

    diferentes "papis" na produo que j condicionam a distribuio, o consumo e a

    reproduo, sobretudo, da fora de trabalho. Com isso j temos uma definio

    subjacente de educao: trabalho sobre si, que jamais pode ser reduzido s formalidades

    intrnsecas forma capital.3 uma postura internalizada pelo ser social. Vemos, assim,

    que os bens simblicos (na verdade, mesmo os materiais) precisam, para serem

    "consumidos", de uma postura internalizada. Bourdieu (2002, 2011) aborda a forma

    pela qual os bens simblicos demandam capital cultural e social por parte de quem deve

    apropriar-se deles um trabalho prvio acumulado. A linguagem decerto cumpre um

    papel aqui, mas ela mesma deve ser entendida como "uma atividade" (WILLIANS,

    1979, p. 27), pois constantemente automediada. Assim, s faz sentido, para o ser

    social, pensar a linguagem articulada aos outros dois elementos do "complexo de

    complexos". Isto necessrio, mas insuficiente, pois ainda deve ser articulado

    totalidade da produo (produo-distribuio-consumo, em trplice interao

    recproca). Com isto temos a totalidade da vida social, que tanto objetivao do

    sujeito como subjetivao dos objetos humanos. O trabalho aparece como momento

    nico, pois "Ningum v o que est oculto nele [no homem], mas apenas o que suas

    obras revelam." (MSZROS, 2006a, p. 267). No supreende que toda a polissemia de

    sentidos seja chamada de "cultura" cultivar. Por destruir a relao, no momento

    3

    "A aprendizagem a nossa prpria vida, desde a juventude at a velhice, de fato at quase a morte;ningum passa dez horas sem nada aprender" (MSZROS, 2006a, p. 267).

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    predominante, o capital realiza uma ruptura no complexo de complexos do ser social,

    produzindo analfabetismo funcional na chamada "era de informao", pois nem a

    grande reestruturao flexvel da produo removeu as fraturas imanentes do capital

    entre: 1) produo e controle; 2) produo e consumo; 3) produo e circulao

    (MSZROS, 2006b, p. 94-132). Com esta trplice fratura, o capital pde reproduzir

    sua hegemonia, mas s at o momento que se desenvolve at seu limite intensivo (em

    oposio ao extensivo), pois encontra em si uma barreira a si a crise estrutural

    condicionando a crise atual da educao.

    2. A pedagogia da competncia: "sociedade ps-industrial" ou crtica da acumulaoflexvel ao fordismo-taylorismo?

    Nos documentos PCN e PCN+, temos uma permanente tenso entre linguagem e

    trabalho. Salvaguardando-se da crtica materialista, os autores dizem estruturar o

    currculo por meio da categoria trabalho; mas o que vemos a linguagem assumir este

    lugar. Trata-se a educao como linguagem (esta no considerada uma atividade), um

    "a priori lingustico-cultural..." (PCN+, s/d p. 47), no qual o professor um mediador

    entre o patrimnio humano e o "aluno". Pelo documento, tenta-se afastar o processo do

    "ensino de banqueiro", como mera transmisso de saber; mas dado o que j apontamos

    nas duas sees de abertura, isto fracassar inevitavelmente.

    O documento nem se esfora em esconder a origem subjetiva da pedagogia das

    competncias: o empresariado europeu e a Unesco. Mas sua origem objetiva um tanto

    distorcida. Tal pedagogia nasce do vazio existencial da educao formal como se d sob

    o capital, de seu dualismo imanente; preparaopara o trabalho, oupara os postos de

    saber e pesquisa to importantes para a vlvula de escape do capital em que a educao,

    aqui, no se pode ver livre tanto de uma "cincia abstratamente material" (MARX,

    2004, p. 111-112) como de um trabalho abstrato que pouco, ou nada, desenvolve os

    sentidos humanos. Nasce da crise do fordismo (e estrutural do capital), pois, maneira

    do capital de no resolver uma contradio sequer, mas apenas deslocando-as com a

    elevao das operaes tem-se o desenvolvimento tpico do capital, enviesado, em que

    o processo de trabalho passa a ser progressivamente integrador do que Marx chamou de

    "trabalhador coletivo", demandando uma postura mais inteligente entre o produtor e o

    corpo inorgnico, integrando trabalho improdutivo e produtivo (LOJKINE, 1990). Nos

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    PCNs, o termo "ps-industrial" j diz com clareza o que est por trs do debate bem

    abstrato das competncias.

    , sem dvida, a pedagogia da hegemonia; totalmente antagnica pedagogia

    omnilateral do trabalho, que para alm das vertentes burocrticas no aceita a

    cincia abstratamente material nem o trabalho abstrato. E, assim, estruturado um

    currculo que se afasta da cincias de referncia e se entrega a uma espcie de

    "pragmatismo": preciso saber fazer. Pode parecer um paradigma que tenta superar a

    oposio entre teoria e prtica comum s sociedades de classe; mas justo o contrrio.

    Muitas so as referncias a "autonomia" e "agente" nos PCNs, mas poucas a

    "classe" e "contradies". Usa-se a palavra "aluno" e "educando" desconsiderando as

    grandes tenses terico-metodolgicas. Somos produto de uma relao incontrolvel(capital), na qual as aes/produtos se voltam contra os produtores, o trabalho alienado;

    mas a alienao no homognea se fosse, o problema da alienao nem poderia ser

    colocado. O ser social, mesmo reduzido a "atividade abstrata e uma barriga"

    (MSZROS, 2006a, p. 134) no deixa de se objetivar (mesmo que pouco possa

    contempl-la), nem de se subjetivar nos objetos humanos, um ser automediador. So

    conhecidas as passagens de Gramsci (o homofaber como tambm homo sapiens, 1999,

    p. 17-19 e p. 54-55) e de Freire, que afirma que o educando no "sem luz", vazio, masumser cultural. Isso parece no ser considerado pelos documentos na importncia que

    tm: o documento, de maneira pretensiosa, quer "ensinar a viver". No que o trabalho

    sobre si no possa ensinar-aprender a viver melhor, mas as pessoas que sobrevivem em

    tal adversidade no tm nada a ensinar sobre como viver? A instituio escola

    reduzindo educao educao formal...

    Gramsci comenta que o educando, em sua relao com o objeto, ao apreender uma

    nova propriedade, faculdade sua ou do objeto mesmo que talj tenha sido descobertano deixa de ser uma descoberta. Sabemos como nossas vidas mudaram aps certas

    descobertas! Isso o carter automediador. Uma educao que no se coloque coisas

    assim, dificilmente poder ter sucesso em internalizar nos indivduos o produto do

    trabalho. Assim, como o capital move-se "s costas" dos produtores, as personificaes

    de saber movem-se nos seus universos particulares longnquos ao universo do trabalho.

    De maneira acrtica, afirma-se: "O aluno pode trazer, da comunidade para dentro da

    Escola, diversas manifestaes culturais com as quais se identifica" (PCN+, s/d, p. 85).

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    A maioria dos professores das escolas pblicas tem origem nas camadas mdias (SAES,

    s/d, p. 4-6), nas quais a hegemonia do capital slida. Assim est expresso no currculo

    formal (o que j constava do "currculo oculto"): que o capital e personificaes de

    saber no se interessam pela cultura das personificaes de trabalho. Mas no se trata de

    um erro terico: uma postura ideolgica. Aqueles que formularam este documento

    esto condicionados no s pela literatura "ps-industrial", mas tambm, sobretudo,

    pela existncia determinada pelo trabalho alienado. produto da relao-capital.

    3. Do "despotismo de fbrica" como causa da pedagogia da competncia incorporao crtica da cultura letrada pelo proletariado.

    A pedagogia da competncia diz querer socializar as "cincias e suas tecnologias"

    por meio de algumas competncias. Os "problemas" intrnsecos a estas j foram

    bastante comentados por outros. Marx muitas vezes "cantou" o "triunfo da propriedade

    mvel"; assim, perguntamos: da ascenso do capital a sua crise estrutural, a cincia e a

    tecnologia so as mesmas?

    Mszros comenta que, frente s suas crises e aos desafios da totalidade do

    trabalho, o capital centrou sua ofensiva sobre a "linha de menor resistncia" (2006b, p.634-700, p. 896-980), da qual a obsolncia planejada s uma parte:

    A razo pela qual tal mudana absolutamente vivel, nos parmetros do sistema deproduo estabelecido, que consumo e destruio vm a serequivalentes funcionais do ponto devista perverso do processo de 'realizao' capitalista. Desse modo, questo de saber se

    prevalecer o consumo normal isto , o consumo humano de valores de uso correspondentes snecessidades ou o 'consumo' por meio da destruio decidida com base na maior adequao deum ou de outro para satisfazer os requisitos globais da auto-reproduo do capital sobcircunstncias variveis. (Id., p. 679, negrito nosso)

    Com isso temos no s a "produo de descartveis", mas o infernal complexoindustrial-militar. Isto , os meios de produo no so mais meios propriamente ditos,

    mas incorporam o esprito da "produo destrutiva", produzindo tanto bens como

    necessidades alienadas e destrutivas do ser social. Cabe a pergunta: os meios de

    educao disponveis continuam a ser apenas meios? Temos, ento, uma cincia que

    nem se coloca os problemas sociais da produo, e at se rebaixa. Ao contrrio do que

    Adorno imagina, no a cincia que emerge como grande fora produtiva, mas uma

    "tecnologizao da cincia" (MSZROS, 2004; p. 195)

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    O documento pode insistir no conhecido fetichismo, que, produto do

    estranhamento, da ruptura ontolgica operada, das fraturas da produo do capital, tem

    "espao" para afirmar que objetivo da educao: que se "avalie o impacto das

    tecnologias no desenvolvimento e na estruturao das sociedades" (PCN, p. 21). Como

    se a tecnologia, ou a alta da produtividade do trabalho pudessem,sozinhas, desempregar

    pessoas. Afirma ainda que a insistncia do capital em separar produtores e corpo

    inorgnico estaria produzindo um mundo "desencantado", isto , cada vez mais

    "racionalizado". A arbitrria identificao weberiana de razo (rgo eminentemente

    coletivo) com a lgica do valor (que s pode postular a contabilidade a regateio da

    empresa privada e os particularismos que cortam tal estrutura de extrao de trabalho

    excedente e dominao). Com isto, s restaria educao adequar-se "competiointernacional" (Id., p. 55), dando o mercado como estrutura permanente.

    Vemos que, sob o capital, a educao no s produo da fora de trabalho, mas,

    sobretudo, internalizao dos imperativos do capital. O ser automediador e o tempo que

    deveria ser aberto (pois automediador) torna-se, para os PCNs, o tempo, como o

    capital permite, de sua tirania; nunca o tempo como "um simples pseudnimo da vida"

    (MSZROS, 2007, p. 23) o tempo como espao para o desenvolvimento das

    faculdades humanas, pois mesmo ele no pode sersocializado com a elevao daprodutividade. O desenvolvimento do ser social, como a educao, no pode ser s

    trabalho sobre si como atividade e produto autnomo, mas deve ser tambm

    internalizao do determinismo do capital (que tem seu momento predominante no

    processo em que o trabalho dominado pelo trabalho); deve ocorrer sob o "despotismo

    de fbrica" e sob a tutela do "educador", que os autores postulam como um

    "emancipador" (PCN+, p. 10), quando a "emancipao humana" s pode ser resultado

    da ao autnoma e de massa dos prprios "produtores livremente associados". Masesta no a primeira utopia educacional.4 Assim, a educao s pode ser redentora se

    for substantiva no pode ser meramente adjetiva, como a atual Sociologia que se faz

    como crtica ideologia, desconhecendo suas cadeias causais empricas esubstantivas.

    Ela deve postular a educao como toda a vida, com destaque para o momento do

    4 Nas palavras de Jos Mart: "Chega-se terra como cera, e o destino nos esvazia em moldes pr-estabelecidos. As convenes criadas deformam a existncia verdadeira. [...] As redenes vm sendoformais; necessrio que sejam essenciais. [...] A liberdade poltica no estar assegurada enquanto no

    se assegurar a liberdade espiritual. [...] A escola e o lar so as duas prises formidveis do homem" (apudMSZROS, 2007, p. 196).

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    trabalho, no qual temos os dois polos da riqueza (esta, ao contrrio do que o capital nos

    faz imaginar, no uma coleo de bens, muito menos de mercadorias), mas o conjunto

    do movimento de vir-a-ser do ser social, em que temos, de um lado, os objetos

    (objetivao) e, por outro, as necessidades (subjetivao dos objetos).

    Assim como o capital tratou de apagar sua gnese acumulao primitiva da

    histria, trata de esconder o que levou realmente as diferentes utopias educacionais a se

    sucederem, sem superarem suas contradies internas e dualismos.

    Naturalmente, as instituies de educao tiveram de ser adaptadas no decorrer do tempo, deacordo com as determinaes reprodutivas em mutao do sistema do capital. [A brutalidadeanterior, defendida at mesmo pelos mais sofisticados pensadores, teve de ser velada.] [...] Elasforam abandonadas no devido a consideraes humanitrias, embora tenha sido

    frequentemente racionalizadas em tais termos, mas porque uma gesto dura e inflexvelrevelou-se um desperdcio econmico, ou era, no mnimo, suprflua (MSZROS, 2007, p. 205,negrito nosso)

    O documento fala em autonomia, mas, como as determinaes do seu

    posicionamento poltico desbordam para seu posicionamento terico-metodolgico, s

    poder oferecer a ausncia de escolhas substantivas, e a aparente "independncia

    pessoal" que so os laos reificados que temos sob o capital; esta pretensa

    independncia nada mais que o gosto "pelo acaso", pela condio inconsciente em que

    a riqueza domina a sociedade.O advento do capital trouxe a produtividade que deu a alguns a capacidade de

    poderem escolher, genuna e substantivamente, por afastar as barreiras naturais

    possibilitando algo mais que a mera sobrevivncia. Mas apenas para alguns! Agora em

    sua crise estrutural ele no mais capaz de oferecer escolhas substantivas a muitos. A

    pedagogia da competncia critica o currculo anterior ("tecnicista") como "acmulo de

    informaes"; no entanto, o movimento pela democratizao criticou o mesmo

    currculo, justo por ter s informaes destitudas de sua cincia de referncia, com aqual os temas so estruturados em teorias e conceitos. O pauprrimo (em termos

    omnilaterais) currculo da ditadura no pode ser melhorado com competncias acrticas

    frente a si mesmas e s cincias de referncia. Por qu?

    Comentamos que o capital constitudo de fraturas (1 - produo e controle; 2 -

    produo e consumo; 3 - produo e circulao;MSZROS, 2006b, p. 94-132). A

    partir desta leitura e do real podemos, claramente, identificar que a ruptura fundamental

    ocorre entre produo e controle. Do contrrio, teramos que aceitar o absurdo de que o

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    trabalho deixa-se explorar e dominar mesmo que com algum controle desta relao

    (capital). Sabemos tambm que mesmo as classes dominantes no controlam esta

    relao, ainda que tenham o primado sobre o Estado. Que a regulao e a conscincia

    que aqui emergem so sempre post festum. Ento, um sociometabolismo alternativo,

    que s pode ser criado pelos verdadeiros sujeitos, produtores livremente associados,

    emergir apenas como um modo de produo em que a gesto do processo de trabalho

    (no qual temos tambm o trabalho dos educadores e educandos) e das macro-estruturas,

    mais abstratas, do sociometabolismo, estejam nas mos do trabalho, desalienando o

    sujeito e oprocesso, por meio da democracia direta; que enterrar o Estado e sua causa

    primria: o "despotismo de fbrica".

    Ento, parece-nos bvio que a pedagogia da competncia, frente crescenteautodestrutividade do capital, trata de afastar dos educandos os dois lados da riqueza o

    trabalho, enquanto uma necessidade em desaparecimento, e os saberes criados dos

    produtores, pois o que lhes ser colocado como substantivo para uma alternativa

    societria a capacidade de fazer e saber necessrios a um projeto de autonomia

    verdadeiro: a questo dagesto. E a cultura, que por mais de 2 mil anos conviveu com a

    diviso hierrquica do trabalho, que transformou o arteso medieval em proletrio sem

    po e sem corpo inorgnico, com o que s poderia ser a "carcaa do tempo", no podeservir a uma produo fundada e fundante de valores para alm "deste literal estado de

    coisas".

    A verdade realista que a cincia e a tecnologia existentes esto profundamente incrustadasnas determinaes que hoje prevalecem na produo, por meio das quais o capital impe sociedade as condies necessrias de sua existncia instvel. Em outras palavras, a cincia e atecnologia no so jogadores bem treinados e em boa forma que, sentados no banco de reservas,ficam espera do chamado dos treinadores socialistas esclarecidos para virar o jogo. Em seu modoreal de articulao e funcionamento, esto inteiramente implicadas num tipo de progresso

    simultaneamente produtivo e destrutivo. [...] A cincia e a tecnologia no sairo de sua situao

    extremamente problemtica por qualquer 'experincia do pensamento', (...) mas somente se foremradicalmente reconstitudas como formas de prtica social. (MSZROS, 2006b, p. 265)

    Isto demanda uma incorporao crtica dos saberes produzidos nas sociedades de

    classe, por parte dos produtores, em que se educar no para o trabalho, mas pelo

    trabalho. E que, se a educao mudana, no pode deixar de ser mudana no nico

    sentido marcante da histria: as revolues, ou a mudana no apenas da escola. Assim,

    precisamos no s denunciar o "despotismo de fbrica", mas buscar mediaes de

    autogesto.

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    A cultura "popular" marcantemente oral. A passagem da linguagem oral escrita

    s possvel pelo trabalho articulado aos dois outros complexos humanos, mas

    considerando-se o trabalho como laboratrio do ser social. Assim, a escola deve buscar

    a realidade do ser social (enquanto linguagem, trabalho e pensamento) e cotej-la com o

    legado "erudito", no esperando encontrar em nenhum dos dois lados a verdade. Alm

    de no homognea, a alienao est tanto do lado dos que pensam (distante do trabalho)

    como dos que fazem (no qual os outros dois complexos esto subsumidos inerente

    falta de significado da produo de mercadorias). A verdade estar na sntese destes

    dois lados, desde que se coloque para alm do capital. Logo, ao contrrio do

    recomendado pelos PCNs, o trabalho entre as cincias da linguagem e as humanas

    uma conditio sine qua non para que se passe em aproximaes sucessivas e mediaes da forma predominantemente oral/popular para a erudita/escrita. Isto demandar o uso

    intensivo de recursos didticos e s pode ser feito assumindo-se o axioma de que o ser

    social automediador, ao qual se deve oferecerescolhas substantivas.

    O que "est em jogo" para a educao? a estrutura de mediaes de segunda

    ordem que formam um ciclo vicioso (MSZROS, 2006b, p. 94-132) e a insistncia do

    capital cultural em voltar a sua origem, to comentada por Bourdieu (2011, p. 304-307).

    Assim, beber na pedagogia do capital (do suposto "capital humano" que existiria semuma relao com seu corpo inorgnico) s pode ser uma regresso. Mas os recursos

    didticos, sem os axiomas presentes nesta crtica e, o principal, sem o verdadeiro sujeito

    em ao movimentos sociais jamais podero ser insumos do que deveria ser o

    objetivo da produo (o enriquecimento fsico e espiritual do "indivduo social") que

    no pode ocorrer s por uma estrutura distributiva "diferente", mas deve ser, desde a

    produo (que tambm distribuio de instrumentos) at o consumo como um todo

    orgnico e no qual uma das suas partes, por seu prprio devir, ative e se assente sobreas outras partes: da objetivao subjetivao (internalizao). Pois, de ambos os

    lados, o capital um bice ao enriquecimento do sujeito-trabalho, e dificilmente a

    escola modificvel apenas por uma ao local.

    Lembremos ainda: o trabalho s o outro lado do capital! Ento, o prprio processo

    de desalienar o trabalho j coloca o carter das necessidades para o ser social

    necessidades em desapario ou seja, seu carter igualmente histrico, no qual ele

    deixa de ser um meio para ser um fim em si, ou parte de um fim em si, que a

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    reproduo do indivduo social e sociedade, o que s pode ser sua abolio. Isto , sua

    libertao da particularidade arbitrria intrnseca ao capital, na qual podemos postular

    "uma outra base para a vida, uma outra para a cincia...",5 produzida pelas mediaes

    de segunda ordem, que tem sua origem no trabalho alienado e na forma particularista e

    negativa que a diviso horizontal do trabalho toma sob o capital e, sobretudo, a diviso

    hierrquica do trabalho. Isso s pode ser feito por um sujeito de verdade num devir

    omnilateral e orgnico: da objetivao subjetivao 6 e no somente com "uma

    dzia de competncias"; s pode ser feito pela riqueza para alm do fetichismo

    (imanente "produo de riqueza"), que , para alm das recomendaes da ONU e do

    FMI, a "riqueza da produo".

    Por fim, temos certeza em apontar o recuo (do complexo do trabalho para ocomplexo da linguagem) como uma engenhosa estratgia de defender o capital. Centra-

    se aqui, porque se se tivesse centrado no trabalho, deveria ter como "matria-prima" do

    ensino-aprendizagem muito mais que nos outros dois complexos as contradies do

    capital, pois, como vimos, o trabalho o momento no qual estas contradies no

    podem ser veladas por "jogos de linguagem", dada sua bruta materialidade e

    substantividade. Esta, a barbrie, muito conhecida pelos educandos, embora no tanto

    dos educadores, que teriam srias dificuldades de vel-las. Est claro: as contradiesso dialeticamente sintetizadas e superadas na prtica ou submetem-nos, na teoria e

    prtica, s suas ciladas, dominando-nos. A Sociologia deve exp-las e domin-las no

    s em sala de aula, mas por toda a sociedade, constituindo-se em uma radical opo pela

    autodeterminao, em que educandos e educadores concatenaro o que a "produo do

    separado" mutilou. Dito isso, parece que postular a interdisciplinaridade sem a

    socializao do tempo livre para o corpo discente e o docente no passa de mais uma

    utopia educacional!5 "... de antemo uma mentira." (Marx,. 2006, p. 112.)6 Por ser uma ruptura ontolgica devastadora (o capital), justo o texto no qual ela tratada maissistematicamente, por Marx, este apreendido como "idealista", na qual a complexa relao do autor coma Filosofia, reduzida ao paradigma positivista. Asseres como "O homem [o ser objetivo] s no se

    perde em seu objeto se este lhe vem a ser como objeto humano" (2004; p. 145) so reduzidas a uma ticasupostamente pr-materialista, quando, na verdade, trazem uma ontologia profunda. E asntese in statusnascendi do materialismo tomada como um momento meramente hegeliano. Mas advertimos que aqui

    j est presente o "ponto de Arquimedes" (o trabalho) da revoluo social: "A suprassuno doestranhamento-de-si faz o mesmo caminho que o estranhamento-de-si." (MARX; 2004; p. 103).Deixamos um convite afetuoso aos educadores para que vejam o fio condutor da unidade da obra de

    Marx, rara em um pensador, conforme abordado por Mszros, especialmente em A teoria da alienaoem Marx.

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