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REITOR Antonio Celso Alves Pereira VICE-RE1TORA Nilcéa Freire I ~l/t;·~ ~ ~ UNIVERSIDADE DO ESTADO "UERJ ~ DO RIO DE JANEIRO <b ts:L <f> I - •• ~-~ r; •••..•• .....,.,.~.t -.~ - - '" . - - -- - - . EDITORA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CONSELHO EDITORIAL Elon Lages Lima Gerd Bombeim Ivo Barbieri (Presidente) Jorge Zahar (in memoriam) Leandro Konder Pedro Luiz Pereira de Souza Reinhart Koselleck CRÍTICA E CRISE Uma contribuição à patogênese do mundo burguês TRADUÇÃO DO ORIGINAL ALEMÃO Luciana Vil/as-Boas Castelo-Branco (OnTRAPonTO

CRÍTICA ECRISE · CRITICA E CRISE 5 1, 111 111 ' onservam o poder espiritual do juízo moral. Nesse ... lre crítica intelectual e censura moral. Um século depois, Schiller

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REITOR Antonio Celso Alves PereiraVICE-RE1TORA Nilcéa Freire

I~l/t;·~~ ~ UNIVERSIDADE DO ESTADO

"UERJ ~ DO RIO DE JANEIRO<b ts:L <f>

I

-

•• ~-~ r; •••..••.....,.,.~.t

-.~- - '" .- - -- -- .

EDITORA DA UNIVERSIDADE DO

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CONSELHO EDITORIAL

Elon Lages LimaGerd BombeimIvo Barbieri (Presidente)Jorge Zahar (in memoriam)Leandro KonderPedro Luiz Pereira de Souza

Reinhart Koselleck

CRÍTICA E CRISEUma contribuição à

patogênese do mundo burguês

TRADUÇÃO DO ORIGINAL ALEMÃO

Luciana Vil/as-Boas Castelo-Branco

(OnTRAPonTO

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SEGUNDO CAPITULO

I ).ulvcnto da inteligência burguesa tem como ponto de partida o11110 interior privado ao qual o Estado havia confinado seus sú-dllos. Cada passo para fora é uma passo em direção' luz, um atodo l'S larecimento. O Iluminismo triunfa na medida em que ex-1,.llIdeo foro interior privado ao domínio público. Sem renun-I i.u à sua natureza privada, o domínio público torna-se o fórum,LI sociedade que pérmeia todo o Estado. Por último, a sociedadeh,ll rá à porta dos detentores do poder político para, aí também," igir publicidade e permissão para entrar.

A cada passo do Iluminismo, desloca-se o limite da competên-I ia, que o Estado absolutista havia tentado traçar cuidadosamen-Ic, entre o foro interior moral e a política. A próxima tarefa destainvestigação é mostrar como a sociedade burguesa, emergente e.1 U toconfiante, já o havia deslocado. Para tal demonstração, vol-raremos mais uma vez à Inglaterra, o país em que a burguesiamoderna alcançou pela primeira vez seus traços característicos eque serviu de modelo ao continente. Apreciaremos como se davaa atividade extra-estatal de julgar, constitutiva da burguesia, as-sim como sua eficácia específica.

Em 1670, sob o domínio absolutista dos Stuart, Iohn Locke,pai espirital do Iluminismo burguês, começou a traballiar em seuEnsaio sobre o entendimento humano. O Ensaio foi concluído du-rante o exílio de seis anos na Holanda e pôde ser publicado naInglaterra depois da queda de Jaime lI. Nessa obra, que seria umdos escritos sagrados da burguesia moderna, Locke também tratadas leis q~ deveriam orientar a vida dos cidadãos. Deste modo,segundo ele, entrou em um território que requer especial cuida-do para evitar a obscuridade e a confusão. 1

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til I( I I N II A ItT K o S E L L I! 'K

Locke distingue três espécies de leis: em primeiro lugar, "a Leidivin ? que regulamenta o que é pecado e o que é dever" (TheDivine Law the Measure of Sin and Duty) e se anuncia ao homempela natureza ou pela revelação; em segundo, "a Lei civil, que re-gulamenta o crime e a inocência" (The Civil Law the Measure ofCrimes and Innocence), ou seja, a lei do Estado, ligada à coerção,cuja tarefa consiste em proteger o cidadão; em terceiro lugar,Locke enuncia a lei especificamente moral (The PhilosophicalLaw the Measure ofVirtue and Vice),' que é a medida do vício eda virtude.

Ao traçar essas distinções, Locke submete a relação entre asleis morais e as leis políticas, tal como Hobbes a havia formula-do, a uma profunda revisão. Mediante a separação entre lei divi-na e lei civil, concede novamente um caráter obrigatório às reli-giões e, ao mesmo tempo, provoca uma ruptura entre o direitonatura..!,e o direito político, reunidos por Hobbes a fim de justifi-car o Estado. Mas, sem deter-se nestas questões, chama delibe-radamente a atenção para a terceira espécie de lei que, de ummodo inteiramente novo, aparece ao lado da lei divina e da leicivil. Trata-se da lei dos filósofos, ou, como também a chama, alei "da opinião ou da reputação" - a lei da opinião públ ca, quepossuiria surpreendente autoridade. Embora fosse a mais co-mentada e discutida de todas as formas de lei, o seu significado ea sua origem ainda não teriam sido compreendidos." A novidadeda Philosophical Law, a lei especificamente civil, já se revela nofato de que Locke seria sempre obrigado a defendê-Ia dos ata-ques nas reedições de seu Ensaio?

Locke mostra empiricamente que as leis morais civis ori-ginam-se do foro interior da consciência humana, que Hobbeshavia excluído do domínio de influência do Estado. Embora ossúditos tenham abdicado de todo seu poder para colocá-lo à dis-posição do Estado, e por isso não possam agir contra um cidadãoalém do que é autorizado pelas leis do país, "(ainda assim) elespreservam a capacidade de formar uma opinião boa ou má, deaprovar ou reprovar os atos daqueles com quem convivem e dia-legam".' Os cidadãos não têm nenhum poder executivo, mas

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, 111 111 ' onservam o poder espiritual do juízo moral. Nesse" ,1.1, 1.0 ke está de acordo com Hobbes, mas - prossegue -

r u 1'1' prios cidadãos que estabelecem, pela sua aprovação ouI , 11'1lisa, o que deve ou não ser chamado de virtude: "ComI ,Ipl'ovação ou desapreço eles estabelecem entre si aquilo que

11111"'1'<10 de virtude e de vício.?" Para Locke, as opiniões dos ci-I I,I.\I)~sobre a virtude e o vício não estão confmadas ao domínioI, I unvicções e opiniões privadas: os juízos morais dos cidadãosII 'li c.iráter de lei. Desta forma, a moral de convicção, excluída,I" I',slado por Hobbes, é duplamente alargada.

1'111 autorização estatal, as leis da moral civil só existem, comoI I \ I 11 bbes, de maneira tácita e secreta, mas já não se restringem111 indiVtduos enquanto tais: adquirem caráter obrigatório geraluuxliante o consentimento secreto e tácito dos cidadãos ("by aI', re! and tacit consens").' O portador da moral secreta não é

ru.iis o indivíduo, mas a sociedade, a "society" que se forma nos"ciub:", onde os filósofos se dedicam a investigar as leis morais."lls idadãos não se submetem apenas ao poder estatal: juntos,lnrmam uma sociedade que desenvolve suas próprias leis morais,que se situam ao lado das leis do Estado. Assim, a moral civil-.rinda que, conforme sua natureza, tacitamente e em segredo-entra no espaço público. Além disto, pode-se perceber uma se-I-\undamodificação a que Locke submete a moral de convicçãollobbesiana: as leis morais civis, secretamente em vigor, não serestringem mais à convicção, mas determinam o valor moral dasações. Os próprios cidadãos estabelecem o que, em Hobbes, cabiaexclusivamente ao soberano, isto é, "a marca do valor" de todasas ações, "e dão o nome de virtude às ações entre eles julgadasmeritórias, e de vício àquelas que consideram censuráveis"."

A legalidade da lei filosófica não e.~ousa na qualificação doseu conteúdo; funda-se no ato d/vontade de que se origina. Nãoé mais o soberano quem decide, mas os cidadãos. Estes, ao emiti-rem seu juízo, constituem as leis morais, como os negociantes de-terminam um valor de mercado. O que o judgement dos cidadãosestabelece nos diferentes países como vício ou virtude não é deci-sivo para a legalidade da moral; conforme a época, o lugar e as

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circunstâncias dadas, podem declarar a virtude como vício ou ovício como virtude. A legalidade de suas opiniões morais consis-te, antes, no juízo dos próprios cidadãos: "Por toda parte, cami-nham juntos a virtude e o louvor, o vício e a censura." 10 Os meiosde coerção, necessários para conferir validade pública à lei, são oelogio e a censura: "Sua imposição é o Enaltecimento e o Descré-dito."!' Cada ato de julgar dos cidadãos, a distinção que fazementre o que deve ser considerado como bem ou mal, torna-se le-gal pela própria distinção. As opiniões privadas dos cidadãos sãoelevadas a leis em virtude de sua censura 'imanente. Por esta ra-zão, Locke também chama a lei da opinião pública de Law ofPrivate Censure [Lei da censura privada]Y Espaço privado e es-paço público não são de modo algum excludentes. Ao contrário,o espaço público emana do espaço privado. A certeza que o forointerior moral tem de si mesmo reside emsua capacidade de setornar público. O espaço privado alarga-se por força própria emespaço público, e é somente no espaço público que as opiniõesprivadas se manifestam como lei. --

Ao introduzir a lei da censura privada, Locke parecia - as-sim o acusaram - abrir todas as portas à arbitrariedade. Porisso, na reedição do seu Ensaio." procurou fundamentar melhora validade da Law of Opinion contra as objeções que se levanta-vam. Sua apresentação está longe de frxar o conteúdo das leiscivis; importa-se sobretudo em mostrar a formação e defmir aespécie de leis que, de fato, vigoram na vida social concreta. Doponto de vista do conteúdo, assegurava, os cidadãos observa-vam sobretudo os mandamentos divinos e as leis da natureza,que, no entanto, só passavam a ter validade legal com a aprova-ção ou a recusa da sociedade civil. Dizia também não ver nadasurpreendente nisso, "pois, de outro modo, eles condenariama si mesmos, se considerassem correto algo a que não conferis-sem louvor e incorreto algo que deixassem sem censura". 14 Paranão serem incorretos, os cidadãos são forçados a emitir seus juí-zos, e apenas mediante seus próprios juízos determinam o que émoralmente correto e incorreto no Estado. Forçado a dar umafundamentação mais acurada à sua concepção, Locke se depara

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111'1 tpl1iCicadoconstitutivo da legislação moral para a society.1111, 11'1 'ta as convicções morais em sua função social, mas não,1 1111111 -ira de Hobbes, para deduzir o Estado. Para a sociedadeI '1 Iltll te, as convicções se tornam um constante exercício do

1111 'I ()s cidadãos, diz Locke, devem declarar suas opiniões pri-"l.I l orno leis de caráter obrigatório universal, pois só no juízo

11111 uorno dos cidadãos constitui-se o poder da society e só no1 'I t io constante da censura moral esta se estabelece como lei.

I I valor oscilante das censuras privadas não representa uma ob-,. ~ .111 à sua legalidade, pois esta consiste, precisamente, no fato,I, ~'rem constantemente superadas."

I)0 mesmo modo que, em Bayle, a razão só se estabelece como1I"lf ncia suprema no processo eterno da crítica, em Locke asIIpiniões morais dos cidadãos só se elevam a leis de caráter obri-golt6riouniversal pelo exercício constante da censure. A razão ali-nhuda à crítica e a moral alinhada à censura tornaram-se, para a.uuoconsciência dos cidadãos, uma atividade única, que se le-gitimava por si mesma." Sua comunidade reside no juízo, nontdgement; que, por um lado, separa o mundo nos reinos do bem, do mal, ou do verdadeiro e do falso; mas, por outro, eleva oscidadãos, pelo exercício desta distinção e em função dela, à su-prema instância judicativa. Sem invocar as leis do Estado, mastambém sem possuir um poder político executivo próprio, a so-.iedade civil moderna desenvolve-se na alternância constante en-lre crítica intelectual e censura moral. Um século depois, Schillerdiria: "Só escaparemos do perigo de sofrer com o juízo alheio nomomento em que tivermos decidido o que somos e o que nãosomos.?" O juízo dos cidadãos, que se legitima a si mesmo comoverdadeiro e justo - isto é, a censura e a crítica -, torna-se opoder executivo da nova sociedade.

Em sua interpretação da lei filosófica, Loeke concedeu umainvesti dura política ao foro interior da consciência humana, foroque Hobbes havia subordinado a uma política do Estado. Asações públicas não se submetem apenas à instância ~tatal, mastambém à instância moraLdos cidadãos. Deste modo, Locke for-mulou uma ruptura decisiva com a ordem absolutista que esta-

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belecia a relação entre proteção e obediência: a moral não é maisuma moral formal de obediência, subordinada a uma política ab-solutista; ao contrário, ela afronta as leis do Estado.

Esta confrontação levanta novamente o debate sobre a rela-ção entre a legislação privada e legislação pública. Qual instânciadecide? A instância moral dos cidadãos? A instância política doEstado? As duas juntas? Se são as duas, que relação se estabeleceentre elas? Locke não respondeu a estas perguntas, não delimi-tou nem explicou as duas instâncias. Como não definiu o con-teúdo das leis morais, mas as descreveu somente sob o aspectoformal de sua origem peculiar, parecia-lhe de todo possível queelas coincidissem com as lei divinas ou as estatais. Por isso, podiaadmitir que os diferentes poderes coexistissem, sem precisar de-limitá-los. O fato de não tê-Ios percebido como antagônicos éum dos traços de originalidade da sua teoria política." Com suadescrição, Locke forneceu a justificação para a forma de gover-no inglês, tal como prevaleceu desde 1688, com a ascensão dosWhigs, determinada economicamente. A colaboração entre a so-ciedade dirigente, representada no Parlamento, e o poder execu-tivo real impedia que o confronto sistemático se agravasse emum desacordo político interno." É claro que a legislação moraldo cidadão passa necessariamente a concorrer com a legislaçãopolítica quando ynbas não se distinguem apenas pela forma,mas também p 10 conteúdo. Aplicada ao mundo dos Estadosabsolutistas do continente a lei filosófica descrita por Lockedesempenhou li papel pólítico inteiramente diferente. Isto jáaparece quando se investiga a ação diversa de cada um dos pode-res que Locke delineou de uma maneira típica ao século XVIII.Para ele, a ação da legislação moral não só é maior do que ada legislação do Estado. É, também, distinta. Enquarito a legisla-ção do Estado se realiza diretamente pelo poder político, a legis-lação moral age indiretamente pela pressão da opinião pública.O poder político direto permanece reservado ao Estado, a Law ofOpinion não detém os meios estatais de coerção. Mas, ainda queos cidadãos tenham abdicado do poder político de que dispõem,aceitando a direção do Estado, sua Philosophical Law só aparen-

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11IIII 1Ill' é destituída de autoridade." A lei filosófica existe. SóI I 111,10 elogio e pela censura, mas, de fato, é muito mais eficien-I IIII S 'U efeito, pois ninguém pode escapar deste juízo moral.

11I1,tI '111 é capaz de evitar o juízo moral dos homens com quemuuviv ': "Nenhum homem que ofenda a opinião daqueles com1111'111 .onvive escapa à punição de sua censura e desapreço." AoIldll das instâncias estatais e religiosas, revela-se um terceiroI,,"kr, o mais poderoso, a que se submetem todos os cidadãos,, .rssim eles fazem aquilo que lhes preserva a boa reputação en-

II I' os seus e pouco consideram as leis de Deus ou do magistra-,111". I este modo, Locke não descreveu apenas a situação inglesa,IIIIIS a ação peculiar da legislação moral.

I\s leis do Estado agem diretamente, pelo poder de coerçãoI cr ido pelo Estado. A legislação moral age neste mesmo Esta-,liI, mas de maneira indireta e com maior força. A moral civil tor-11,1 se um poder público, que só age espiritualmente, mas cujorlcito é político, pois obriga o cidadão a adequar suas ações nãoli às leis do Estado mas, sobretudo, à lei da opinião pública. As-i111, cria-se um novo acesso à distinção crítica entre moral e polí-

Iica, a partir de um exemplo que, por causa da crescente influên-, ia inglesa no continente, viria a ter grande importância.

Reside na natureza da diferenciação entre legislação moral e .I .gislação política que, em virtude de sua origem e ação distintas,correspondentes à situação na Inglaterra, Locke não tenha neces-sariamente visto a possibilidade de uma sobreposição. Se, como110 continente, o conteúdo da moral civil e a legislação do Estadose se aram, então a Philosophical Law é de fato um fator políticoque age de maneira indireta, ao qual ninguém escapa; mas, demaneira direta, permanece - politicamente invisível - merojuízo. Em caso de conflito, isso trouxe uma dupla conseqüênciapara os cidadãos. Em primeiro lugar, um conflito aberto é supér-fluo, pois a legislação moral foi necessariamente aplicada, graçasà sua força invisível e ao seu maior alcance. Em segundo lugar,todo conflito, considerado de um ponto de vista moral, já estavadecidido. Pois, do momento em que a lei moral correspondesseao juízo dos filósofos e ao senso da sociedade - contanto que ela

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exercesse a censura -, a sociedade estava, de antemão, com a r,ZãO.21A mobilidade do juízo privado dos cidadãos lhes dá a certza de ter razão e a segurança invisível de alcançar sucesso. As seitenças que se superam constantemente formam a legalidade dprogresso, que deixa para trás todas as leis do Estado. A mobilidade dos juízes morais é o próprio progresso.

Para o cidadão no Estado absolutista, o pressuposto da instância puramente moral - ou seja, sua delimitação em relação àpolítica vigente - transformou-se em um ato de julgar", O cida-dão adotou a separação entre moral e política, subjacente ao sis-tema absolutista, mas transformou-a em uma resposta específicaà sua situação no Estado, pelo qual via limitada a sua esfera damoral. Os cidadãos não fizeram da subordinação da moral à polí-tica uma coordenação, como o fez Locke, mas radicalizaram aantinomia, levando a uma polarização que se tornaria sintoma efator de instigação da crise emergente.

Em seguida, mostraremos como os cidadãos desenvolveramseu reino moral e expressaram, mediante a polarização da morale da política, sua pretensão de soberania; mas, ao mesmo tempo- de maneira planejada ou de boa-fé, conforme seu grau deconsciência -, pareciam evitar odo conflito com o Estado.

I I ( ,::; I v

Duas formações sociais marcaram de maneira decisiva a épocado Iluminismo no continente: a república das letras e as lojas ma-çônicas. Desde o início, Iluminismo e segredo aparecem comogêmeos históricos. Devemos investigar separadamente a trajetó-ria de cada um; em primeiro lugar, as formas de organização e ostestemunhos da franco-maçonaria; em seguida, o desenvolvi-mento da república das letras, seguindo o fio condutor da suaconsciência crítica. Uma comparação entre estas formações, rela-tivamente independentes, demonstrará o surpreendente parale-lismo que existia entre elas. Em sua linguagem e comportamento,os dois grupos desenvolveram um estilo bem determinado. A se-melhança estrutural entre ambos indica que, a despeito das dife-

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11.11,1 va-se de uma resposta específica - elaborada, COllS-

.!tl .istema absolutista. Assim como para o Absolutismo,Idl' VII, para o Iluminismo do século XVIII a situação de

,11> I1 11'1\ uma influência duradoura sobre o seu curso ulterior.IIItI político do Iluminismo desenvolveu uma vertente pró-

I ,/11(' só alcançou sua verdadeira eficácia quando o sistemaIduusta já estava internamente minado.I I ,Ipogeu do poder absolutista, a época de Luís XlV, pertence

11 I i.mça à constelação em que nasceu a nova elite, compostaI \I ~'.llIPOSdiversos, até mesmo heterogêneos, cuja característica

1111111111 residia no fato de que se viam destituídos ou privados de1'1 "quer liberdade de decisão política no Estado moderno, re-

l'II"l'l1lado apenas pela pessoa do monarca absoluto. Nesta situa-',llil inicial estava o desafio omum que, a princípio, tornou-se oIh-mente de ligação da nova sociedade."

ma parte da nova classe possuía uma antiga tradição política'1"C, no entanto, parecia ter sido amputada com a dissolução das.ivscmbléias dos estados pelo Estado absolutista: trata-se da aris-tocracia que antes integrou a Fronda, fortaleceu-se de novo após.1 morte do Rei Sol e cultivou sua autonomia com nova COllS-

iência de si mesma. A ela pertenciam homens como o Duquede St. Simon, Boulainvilliers e, de certa forma, Montesquieu."A nobreza sempre lutou contra o monopólio do poder real,mas o suicídio político cometido levianamente em 4 de agostode 1789 prova que ela não era propriamente um fator inde-pendente, ao lado da burguesia ascendente.

Um grupo diametralmente oposto, mas poderoso, da novasociedade desenvolveu-se sob a Regência. Era formado por ne-gociantes, banqueiros, coletores de impostos e homens de ne-gócios. Eram burgueses que trabalhavam e especulavam, alcan-çavam riqueza e prestígio social e freqüentem ente compravamtítulos de nobreza; desempenhavam um papel de liderança naeconomia, mas de modo algum na política. "Seus mensageiroslevam suas ordens para toda a Europa" - assim era descrito ogrande negociante por um palestrante da Academia de Marselha- "e seu nome, num título circulante, faz com que girem e se