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Lua Nova, São Paulo, 90: 331-366, 2013 TEORIA E HISTÓRIA NA SOCIOLOGIA BRASILEIRA: A CRÍTICA DE MARIA SYLVIA DE CARVALHO FRANCO* André Botelho Para Nísia * Este estudo é parte de pesquisas mais amplas ainda em curso, financiadas pelo CNPq e pela Faperj, que também vem envolvendo orientações acadêmicas. Agra- deço a Maurício Hoelz Veiga Jr., Paloma Malaguti e Pedro Cazes. O estudo foi apresentado no GT Pensamento social brasileiro, durante o 36º Encontro Anual da Anpocs (2012), a cujos membros também sou grato. Em Homens livres na ordem escravocrata, Maria Sylvia de Carvalho Franco investiga as relações entre homens livres no Vale do Paraíba, ao longo do século XIX, com o obje- tivo principal de mostrar como, no Brasil, se constituiu um princípio mais geral de coordenação das relações sociais, que chama de “dominação pessoal”, desdobrada no Estado e nas práticas de mercado. Com sua pesquisa, a autora não intentou, porém, caracterizar ou qualificar esse tipo de associação moral que ligava homens livres pobres e fazendeiros como marca de uma sociedade tra- dicional, ou atrasada, ou ainda incompatível com os pro- cessos de mudança social e o dinamismo que o capitalis- mo ia assumindo também entre nós. Em verdade, toda argumentação do livro visa, ao contrário, desmontar essa visão sobre a sociedade brasileira.

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    TEORIA E HISTRIA NA SOCIOLOGIA BRASILEIRA: A CRTICA DE MARIA SYLVIA DE CARVALHO FRANCO*

    Andr Botelho

    Para Nsia

    * Este estudo parte de pesquisas mais amplas ainda em curso, financiadas pelo CNPq e pela Faperj, que tambm vem envolvendo orientaes acadmicas. Agra-deo a Maurcio Hoelz Veiga Jr., Paloma Malaguti e Pedro Cazes. O estudo foi apresentado no GT Pensamento social brasileiro, durante o 36 Encontro Anual da Anpocs (2012), a cujos membros tambm sou grato.

    Em Homens livres na ordem escravocrata, Maria Sylvia de Carvalho Franco investiga as relaes entre homens livres no Vale do Paraba, ao longo do sculo XIX, com o obje-tivo principal de mostrar como, no Brasil, se constituiu um princpio mais geral de coordenao das relaes sociais, que chama de dominao pessoal, desdobrada no Estado e nas prticas de mercado. Com sua pesquisa, a autora no intentou, porm, caracterizar ou qualificar esse tipo de associao moral que ligava homens livres pobres e fazendeiros como marca de uma sociedade tra-dicional, ou atrasada, ou ainda incompatvel com os pro-cessos de mudana social e o dinamismo que o capitalis-mo ia assumindo tambm entre ns. Em verdade, toda argumentao do livro visa, ao contrrio, desmontar essa viso sobre a sociedade brasileira.

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    Viso persistente e que, aos olhos da autora, se renovava com a autoridade das cincias sociais, especialmente a partir da adoo de paradigmas do funcionalismo norte-america-no, em diferentes perspectivas, sobre a modernizao que a autora acaba reunindo sob a designao de sociologias do desenvolvimento. Maria Sylvia de Carvalho Franco tem em vista, portanto, a ento influente teoria da modernizao de Talcott Parsons, mas tambm a traduo da sociologia webe-riana a partir desta tradio e sua transplantao direta para o estudo da realidade latino-americana, em geral, e brasilei-ra, em particular. Perspectivas que, a seu ver, transformavam relaes histricas em modelos abstratos, isolando variveis e construindo sries temporais desconectadas dos processos histricos concretos e variveis. Essa posio se desdobra em diferentes nveis no conjunto da sua obra sociolgica, apare-cendo tambm como tema recorrente nas vrias entrevistas que a autora tem concedido ao longo de muitos anos.

    A hiptese geral da pesquisa em que o presente estudo se insere que a crtica de Maria Sylvia de Carvalho Franco s interpretaes da sociedade brasileira identificadas com as teorias da modernizao da sua poca, recoloca em debate as relaes mais amplas entre teoria e histria na sociologia brasileira, com efeitos tericos heursticos para pensarmos a contemporaneidade. Espcie de denominador comum a essas interpretaes, constituindo-as e deformando-as, seria o modo disjuntivo como as relaes histricas foram toma-das como polaridades conceituais antitticas, como tradi-o e modernidade, a que a autora se contrape. Assim, em sua obra, Maria Sylvia de Carvalho Franco recoloca em questo o problema da historicidade da vida social para a sociologia, em uma anlise fina que busca esclarecer as cone-xes de sentido que o processo histrico-social engendra entre categorias e relaes sociais.

    As concluses da sua tese de doutorado Homens livres na velha civilizao do caf, orientada por Florestan Fernan-

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    des, defendida em 1964 perante a comisso examinadora composta por Antonio Candido, Srgio Buarque de Holan-da, Octavio Ianni e Francisco Iglesias, alm do orientador, e publicada como livro cinco anos depois, com o ttu-lo Homens livres na ordem escravocrata, parecem ter levado a autora a questionamentos tericos mais amplos e pro-fundos sobre o problema da historicidade da vida social. desse tema que se ocupa especialmente em sua tese de livre-docncia, defendida em 1970 junto ao Departamento de Cincias Sociais da Universidade de So Paulo, intitula-da O moderno e suas diferenas. Por isso, preciso reconectar a interpretao substantiva do Brasil feita em Homens livres na ordem escravocrata a essas formulaes tericas contem-porneas e posteriores. Quanto a estas, concentrar-me-ei na sua interpretao de Max Weber, e seu esforo em res-significar o sentido histrico das construes tpico-ideais, a seu ver, indevidamente transformadas em modelos abs-tratos e recursos de generalizao a-histricos. Um breve contraponto com a interpretao de Fernando Henrique Cardoso a respeito do carter patrimonial e estamental da sociedade brasileira nos ajudar a situar de modo menos abstrato as ponderaes tericas da autora.

    Maria Sylvia de Carvalho Franco esteve ligada Univer-sidade de So Paulo desde 1949, quando ingressou no curso de Cincias Sociais, nele se bacharelando em 1952. Entre 1955 e 1969, integrou como assistente a cadeira de Sociolo-gia I, sob a direo de Florestan Fernandes, que reunia ain-da Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Renato Jar-dim Moreira, Marialice Foracchi, Celso Rui Beisiegel, Len-cio Martins Rodrigues Neto, entre outros. Sua pesquisa de doutoramento foi defendida em 1964 e publicada como livro apenas cinco anos depois, como j citado, pelo Insti-tuto de Estudos Brasileiros (IEB), da prpria USP. Embora possuam a mesma estrutura geral de captulos, com apenas algumas alteraes internas a eles, as duas verses do tra-

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    balho guardam algumas diferenas de redao, sendo as mais importantes encontradas na introduo, que foi, em sua maior parte, suprimida da verso em livro. Nela, Maria Sylvia de Carvalho Franco realiza uma discusso detalhada e articulada dos temas da herana portuguesa, expanso ultramarina e escravido. verdade que, num tipo de inter-textualidade muito prpria obra sociolgica da autora, em que inclusive algumas partes dos seus escritos mais antigos reaparecem parcial ou quase integralmente em publicaes posteriores, a discusso sobre a escravido colonial moder-na e o surgimento do capitalismo, suprimida da introdu-o do livro de 1969, seria retomada, entre outros escritos, como tema do artigo Organizao social do trabalho no perodo colonial, publicado na revista Discurso, em 1978, e apresentado em um seminrio na Unicamp nos anos 1980. Para Maria Sylvia de Carvalho Franco, a demora na publica-o da tese sugere bem sobre o teor da pesquisa realizada e sobre as resistncias que enfrentou. Do lado conservador, foi recusado por ser marxista; pela esquerda, foi recusado por no ser ortodoxo (Franco, 1988, p.16) como ava-liou em seu Memorial Acadmico apresentado para o Con-curso de Professor Titular do Departamento de Filosofia da USP, em 1988, para onde se transferira em 1970, durante a interveno da ditadura militar naquela universidade. Nas dcadas de 1970-80, Maria Sylvia de Carvalho Franco seguiu lecionando, pesquisando e orientando trabalhos no Departamento de Filosofia da USP, transferindo-se para a Unicamp no final dos anos 1980, e, mesmo aposentada, tem produzido em diversos campos da filosofia e publicado arti-gos na imprensa de grande circulao at o presente.

    Em trabalho anterior (Botelho, 2007), sugeri que a obra sociolgica de Maria Sylvia de Carvalho Franco cons-titui o ponto de chegada mais consistente em termos teri-co-metodolgicos da formao de uma sociologia poltica no Brasil. Formada entre os anos 1920-70, essa vertente

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    bastante heterodoxa do ponto de vista doutrinrio e pol-tico envolve ensaios de Oliveira Vianna e pesquisas acad-micas realizadas, entre outros, por Victor Nunes Leal, Lus de Aguiar da Costa Pinto, Maria Isaura Pereira de Queiroz, alm da prpria Maria Sylvia de Carvalho Franco. Investi-gando diferentes fenmenos polticos, como cls rurais, clientelismo, lutas de famlias, voto de cabresto e domina-o pessoal, os trabalhos analisados convergem, no plano terico-metodolgico, para uma abordagem que se quer diferencialmente sociolgica da poltica. Por abordagem sociolgica entende-se aqui a nfase nas bases sociais do Estado e da vida poltica, em suas relaes com a estrutura social e as condies de protagonismo dos atores sociais, no lugar de uma lgica institucional autnoma que viria a caracterizar, em grande medida, o desenvolvimento da cincia poltica no Brasil (Lamounier, 1982). Ao articu-larem aquisio, distribuio, organizao e exerccio de poder poltico estrutura social, aqueles trabalhos recu-sam a ideia de que as instituies seriam por si mesmas capazes de transformar a dinmica social e, portanto, pudessem constituir variveis autnomas na explicao do Estado e da vida poltica.

    Ao aproximar Homens livres na ordem escravocrata dessa sequncia sociolgica cognitiva e no institucional ou poltico-ideolgica flagrei a possibilidade de, estabele-cendo uma viso diacrnica das ideias sociolgicas, entre outras coisas, problematizar alguns aspectos reificados nas anlises da histria das cincias sociais no Brasil. No caso de Maria Sylvia de Carvalho Franco, por exemplo, fica relativamente claro o quo problemtica pode ser uma abordagem exclusiva ou preponderantemente insti-tucional de sua produo, uma vez que seu pertencimen-to cadeira de Sociologia I da USP dificilmente pode ser traduzido diretamente em termos de orientao intelec-tual e realizao cognitiva. O pertencimento institucional

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    parece poder ajudar a entender, no mximo, a definio de uma agenda intelectual e as disputas que se desenro-lam em torno dela, mas, ainda assim, de modo limitado, uma vez que outros fatores contextuais de ordens mui-to diversas tambm atuam na modelagem das trajetrias como as clivagens sociais de origem socioeconmica (Pulici, 2008) e de gnero (Spirandelli, 2009), j aborda-das em relao Maria Sylvia de Carvalho Franco. A pers-pectiva institucional ajuda menos ainda, por outro lado, a esclarecer os sentidos tericos heursticos de uma obra. Sendo esse o caso, como neste estudo, o corpo a corpo com a obra e com os arquivos de documentos continua sendo recurso incontornvel na pesquisa do pensamento social ou de teoria social comparada.

    A sociologia poltica de Maria Sylvia de Carvalho Franco no apenas discrepa da orientao vigente na cadeira de Sociologia I, como pode mesmo ser considerada uma crtica potente dos pressupostos de grande parte dos trabalhos nela desenvolvidos. Em importante artigo sobre a sociologia poltica forjada nesse espao institucional, Bra-silio Sallum Jr. (2002) mostra como as pesquisas realizadas por Florestan Fernandes e seu grupo de alunos e assisten-tes, especialmente Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, no apenas estabelecem a associao entre domina-o poltica e conflito de classes, como as articula s ques-tes da dependncia e do desenvolvimento econmicos. Ora, o argumento crucial deste estudo que a sociolo-gia poltica de Maria Sylvia de Carvalho Franco pode ser entendida como um tipo de contraposio crtica persis-tente ideia, presente nas teorias da modernizao, de que as inovaes modernizadoras funcionariam como variveis sistmicas interligadas e intercambiveis de modo (relati-vamente) independente dos seus contextos histricos. O que recoloca em discusso, de maneira pungente, a relao entre teoria e histria na sociologia.

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    Homens livres na ordem escravocrata: uma unidade contraditriaA primeira, e talvez, mais decisiva caracterstica da pesqui-sa de doutoramento de Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens livres na velha civilizao do caf, que permite pro-blematizar a naturalizao de suas relaes com a orien-tao intelectual de Florestan Fernandes e da cadeira de Sociologia I da USP, a recusa da autora em tratar a escravido como um modo de produo que teria estru-turado a sociedade brasileira, determinando todo o seu desenvolvimento posterior1. Naquele mbito, no incio da dcada de 1960, apareceram os principais resultados de um programa consistente de investigao liderado por Florestan Fernandes sobre escravido e racismo. Dentre as pesquisas estavam Capitalismo e escravido no Brasil meri-dional (1962), de Fernando Henrique Cardoso, As meta-morfoses do escravo (1962), de Octavio Ianni, e A integrao

    1 Os trabalhos de Maria Sylvia de Carvalho Franco anteriores ao doutorado so dedicados, sobretudo, a questes de ordem metodolgica e de socializao de estudantes na pesquisa cientfica, em funo, talvez, de ter assumido a discipli-na de Mtodos e tcnicas de investigao sociolgica, substituindo Florestan Fernandes, na qual dirigiu uma pesquisa sobre a clientela da Faculdade de Fi-losofia, cujos procedimentos e concluses foram apresentados em um boletim da cadeira de Sociologia I, intitulado Os alunos do interior na vida escolar e social da cidade de So Paulo: tcnica e resultados de uma pesquisa de treina-mento. Nesse estudo, a autora reflete sobre o pensamento cientfico no Brasil, afirmando que aqui faltaram as condies e os estmulos sociais para sua difu-so, e aborda a formao e o treinamento de pesquisadores em cincias sociais. Segundo ela, a nica chave para realizar o tipo de civilizao para o qual ten-demos est na capacidade de refletir na procura de solues para problemas inditos e somente a experincia do trabalho forma o aluno para a reflexo e para a atividade criadora (Franco, 1962). Para a autora, o aproveitamento de tcnicos qualificados no um problema diante das condies de desenvol-vimento do pas da dcada de 1950. Defende, ento, que podem as Cincias Sociais numa instituio universitria alargar seus horizontes e libertar-se das contingncias da simples transmisso de conhecimentos e da produo indivi-dual (Franco, 1962). A anlise desse material, como indicam estas passagens, aponta em geral para a concordncia de Franco com as orientaes cientficas mais gerais associadas cadeira de Sociologia I sobre o ensino da Sociologia no Brasil. Sobre o assunto, ver Arruda (1995).

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    do negro na sociedade de classes, tese de ctedra apresenta-da pelo prprio Florestan em 1964 e publicada no ano seguinte. Juntas, estas e outras pesquisas constroem a tese segundo a qual a escravido constituiria uma instituio essencial que articularia a totalidade da sociedade brasi-leira e cujos elementos componentes permanecem em tenso na vida social mesmo no perodo ps-abolio. Assim, o eixo das anlises extrapola a questo racial: o negro, ao ocupar um posto desprivilegiado na sociedade, resultado das desvantagens histricas definidas pela escra-vido, torna-se objeto privilegiado para a compreenso das condies histricas e sociais de formao do povo, entendido como conjunto de aspirantes a novos sujeitos sociais (Bastos, 1987; Arruda, 1995; Brasil Jr., 2011).

    Para Maria Sylvia de Carvalho Franco, por sua vez, embora seu trabalho seja justamente sobre uma socieda-de forjada no regime escravocrata, a escravido seria antes parte de um sistema socioeconmico mais amplo, parte em que se pode encontrar, nem mais nem menos que em outra do sistema considerado, relaes sociais em cujo cur-so se procede unificao dos diferentes e contraditrios elementos nele presentes (Franco, 1997, p.13,). A nfase analtica da pesquisa recai, igualmente, sobre as formas sociais assumidas pela grande propriedade fundiria no Brasil, especialmente no seu carter quase autrquico, e na existncia, no interior dos latifndios, de reas ociosas do ponto de vista da produo agrcola economicamente rentvel direcionada para a exportao (1997, p.14). Essa estrutura socioeconmica desenvolvida desde a Colnia teria originado a formao de um grupo social especfico entre senhores e escravos, estes ltimos os responsveis diretos pela produo agrrio-exportadora.

    Assim, sem minimizar a importncia que a escravido assume na formao da populao livre, a nfase analtica na questo fundiria, na mesma medida em que aproxima

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    a pesquisa de Maria Sylvia de Carvalho Franco do ensaio de Oliveira Vianna e da tradio bastante heterodoxa que sua perspectiva favorece (Botelho, 2007), afasta-a das pesqui-sas tpicas dos seus colegas da chamada escola sociolgica paulista, e do seu prprio orientador, as quais tomam as relaes entre senhores e escravos como eixo explicativo da formao social brasileira (Bastos, 2002). Se Franco recusa tomar a escravido como modo de produo, porm, sua abordagem s ganha inteligibilidade a partir da sugesto da presena simultnea, no interior do latifndio, da produo para a subsistncia e para o mercado como prticas consti-tutivas uma da outra. Questo que se desdobra teoricamen-te em sua tese de livre-docncia, O moderno e suas diferenas (1970), at a afirmao de que na sociedade brasileira, os critrios extraeconmicos de categorizao dos indivduos em sociedade aparecem, reiteradamente, perturbados pelos critrios de diferenciao social fundados em situao econ-mica (Franco, 1970, p.177). Em todo caso, em passagem da tese de doutorado, Maria Sylvia de Carvalho Franco no dei-xa dvidas quanto ao interesse de ordem prtica pelo mundo rural como crucial no encaminhamento do seu trabalho:

    O que me levou nos rumos deste trabalho foram os complicados problemas da estrutura agrria que to agudamente se fizeram sentir em vrios momentos da histria brasileira e que to vivamente so experimentados nos dias presentes. Em especial, parecem-me importantes os estudos que tragam contribuio para o conhecimento do trabalhador rural, elucidando as condies sociais que presidiram sua constituio como tipo humano e expondo as presses que dificultam a sua integrao na sociedade como um ser autnomo (Franco, 1964, p.46).

    O grupo estudado pela autora o dos homens livres pobres, homens a um s tempo:

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    [...] destitudos da propriedade dos meios de produo, mas no da sua posse, e que no foram plenamente submetidos s presses econmicas decorrentes dessa condio, dado que o peso da produo, significativa para o sistema como um todo, no recai sobre seus ombros (Franco, 1997, p.14).

    Pela dupla expropriao a que esse grupo social estaria submetido, a autora fala de homens a rigor dispensveis, desvinculados dos processos essenciais sociedade, uma vez que a agricultura mercantil baseada na escravido simulta-neamente abria espao para sua existncia e os deixava sem razo de ser (1997, p.14). A autora no deixa de afirmar, ainda, as dificuldades decorrentes da dinmica social forma-da a partir da existncia desse contingente de homens livres pobres para a constituio de uma sociedade de classes no Brasil (Franco, 1997, p.237).

    Maria Sylvia de Carvalho Franco, porm, recusa peremptoriamente qualquer ideia de ambiguidade ou dualidade para explicar a estrutura social produzida pelo latifndio e a situao paradoxal dos homens livres pobres associada diretamente a ela. Na verdade, justamente com o intuito de se contrapor a essa ideia que a autora pe em movimento sua pesquisa emprica e suas reflexes histri-cas e tericas. Para ela, no Brasil, ao contrrio do que teria ocorrido noutros contextos histricos, a simultaneidade das duas modalidades de produo para a subsistncia e para o mercado no apenas indicava que se tratava de prticas interdependentes, uma vez que encontrariam sua razo de ser na atividade mercantil, mas propriamen-te constitutivas uma da outra (Franco, 1997, p.11).

    A pesquisa realizada por Franco refere-se velha civilizao do caf, compreendida na regio do Vale do Paraba fluminense e paulista do sculo XIX. Sua circuns-crio emprica comarca de Guaratinguet, uma rea mais pobre da regio paulista, foi orientada, como afirma,

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    pela inteno de capturar os nexos de recorrncia entre estabilidade e mudana social, uma vez que nela as trans-formaes vindas com o caf se fizeram sentir de maneira mais branda, conservando-se as caractersticas anteriores (1997, p.17). O objeto original da pesquisa de doutora-mento, porm, no seria Guaratinguet, e, sim, a cidade de Roseira, tambm no Vale do Paraba, conforme indica uma carta de Florestan Fernandes a Roger Bastide, datada de 21 de junho de 1957, na qual d notcias das novidades na ctedra: Maria Sylvia passou a interessar-se por um estu-do de comunidade [sic], que toma por objeto a cidade de Roseira. Para este projeto, consegui reunir auxlio de trs fontes diferentes, que daro a Maria Sylvia a possibilidade de conduzir o trabalho at o fim. Vale observar ainda que Lucila Hermann, sob cuja direo Maria Sylvia de Carvalho Franco trabalhou ao lado de Fernando Henrique Cardoso no Instituto de Administrao da USP, na dcada de 1950, realizou importante anlise histrica intitulada Evoluo da estrutura social de Guaratinguet num perodo de trezentos anos, publicada em 1948, a que Maria Sylvia de Carvalho Franco recorre em sua argumentao. O material primrio de sua pesquisa composto basicamente por atas, correspondn-cias e processos criminais da Cmara de Guaratinguet do perodo de 1830 a 1899. Dele, mobiliza com destaque os processos-crime, e especialmente a partir da anlise dos depoimentos dados polcia contidos nesses relatos que a autora procura recuperar as situaes vividas (Franco, 1997, p.18) pelos homens livres e pobres indcio bastante significativo da influncia de Antonio Candido, ento liga-do cadeira de Sociologia II, a que a prpria Maria Sylvia de Carvalho Franco faz meno recorrentemente (voltare-mos a esse aspecto nas consideraes finais do estudo).

    Para Maria Sylvia de Carvalho Franco, os homens livres pobres ganham inteligibilidade sociolgica no mbi-to da dominao marcada por relaes diretas, pessoais e

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    violentas, que formam uma rede de contraprestaes de toda sorte de servios prestados e favores recebidos. A esse respeito, Homens livres na ordem escravocrata apresenta con-tribuies notveis. Em primeiro lugar, mostra como a vio-lncia caracterstica das relaes de dominao pessoal constitutiva, tambm, das relaes de solidariedade social internas aos grupos considerados, como mostra de modo paradigmtico a anlise dos mutires como forma coope-rativa de trabalho entre os caipiras (Franco, 1997, p.21 e ss.).

    Em segundo lugar, sua anlise d ateno especial ao sentido sociolgico das componentes sociais intersubjetivas presentes nas relaes de dominao poltica pessoalizadas. A dominao pessoal sustentada nas relaes de contra-prestao pessoal, argumenta a autora, justamente por-que fundada numa identificao entre aqueles que delas participam como pessoas, categoria que cria uma aparn-cia de indistino social corroborada ainda pelo estilo de vida simples da regio, desde o incio do sculo XIX, quan-do a situao de penria material era praticamente genera-lizada (1997, p.115-9). Por isso, as relaes de dependncia aparecem antes como uma

    [...] inclinao de vontades no mesmo sentido, como harmonia, e no como imposio da vontade do mais forte sobre a do mais fraco, como luta. Em consequncia, as tenses inerentes a essas relaes esto profundamente ocultas, havendo escassas possibilidades de emergirem conscincia dos dominados (Franco, 1997, p.95).

    O compadrio, por exemplo, uma relao paradigm-tica da dominao pessoal porque permite ou mesmo exige uma quebra aparente das hierarquias sociais entre aqueles que, pelo batismo, so unidos ritualmente num parentesco divino (Franco, 1997, p.84-6). Essa aparncia de igualdade

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    conferida pela categoria pessoa aos homens livres pobres, por oposio aos escravos vistos como propriedade ou coi-sa, fundamental porque suas relaes com os senhores no so vividas diretamente como uma relao de domina-o. No apenas entre sitiantes e fazendeiros, mas tambm entre estes e seus agregados ou at mesmo com outras cate-gorias sociais virtualmente menos dependentes deles, como tropeiros e vendeiros, todas elas submetidas mesma trama de relaes de fidelidades pessoais (idem, p.65-114).

    Ainda que no veja na dominao poltica exatamente uma contrapartida para a fragilidade dos laos socioecon-micos que ligam os senhores rurais ao vasto contingente de homens livres pobres, a pesquisadora tambm considera a poltica uma rea privilegiada para observar as relaes de dependncia dos grandes proprietrios em relao aos seus vizinhos menores (1997, p.90). Mais do que isso, divisa na importncia central assumida na vida poltica por essa relativa sujeio do senhor, traduzida numa srie de obrigaes de sua parte, o principal motivo que desautori-zaria uma caracterizao da dominao pessoal em termos de uma relao patrimonial tpica, tal como definida por Max Weber (Franco, 1997, p.91) questo a qual voltare-mos adiante com mais vagar. A autora no deixa de enfati-zar ainda a desigualdade de poder envolvida nas relaes de dominao pessoal, sustentando, ademais, que esse tipo de situao constituiria uma base social pouqussimo propcia para a orientao racional da ao (idem, p.29).

    Em suma, a pesquisa de Maria Sylvia de Carvalho Franco mostra como a dominao pessoal se constituiu num prin-cpio mais geral de coordenao das relaes sociais, testado em diferentes nveis complementares. Ela est presente no modo como os homens livres pobres se relacionam entre si (discutido no captulo 1 do livro) e no modo como eles se relacionam com a sociedade inclusiva, mostrando como a dominao pessoal constitui tcnica de dominao poltica

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    nas associaes com os fazendeiros (captulo 2). Dominao pessoal que se desdobra no Estado, pois incorporada de modo constitutivo s instituies fundidas entre pblico e privado (captulo 3), e nos nexos entre a estrutura inter-na das fazendas cafeeiras e o exterior, atravessados pelos circuitos do capital produtivo, comercial e financeiro, cujo movimento, ao mesmo tempo, franqueou-lhes a prospe-ridade e levou-as falncia (captulo 4). Desse roteiro, depreende-se seu intuito, exitoso em seus termos, a meu ver, em demonstrar a unidade contraditria que, deter-minada na gnese do sistema colonial, sustentou, com suas ambiguidades e tenses, a maior parte da histria brasilei-ra (Franco, 1997, p.11). Como recordaria ainda em outra oportunidade, o exame do cotidiano dos homens livres pobres permitiu elucidar que a brutalidade no se restrin-giu imediatez da escravido: sua prpria figura resultou da inclemncia inerente ao capitalismo, regenerador dessa instituio e base da crueza espraiada por toda a organi-zao socioeconmica (Franco, 1997, p.17). Ao dirigir o foco para o homem livre, portanto, visava esquivar-se das interpretaes tendenciosas, tal como atribuir a violn-cia s mazelas do atraso brasileiro, ao sistema escravista, absolvendo o capitalismo ento considerado etapa necess-ria ao progresso histrico (idem, p.18).

    O moderno e suas diferenas: tradio e modernidadeUnidade contraditria, portanto, constitui, talvez, a cate-goria mais prxima de uma sntese analtica da interpreta-o substantiva de Maria Sylvia de Carvalho Franco sobre a formao da sociedade brasileira, afinal disso que trata Homens livres na ordem escravocrata. No cabendo aqui fazer uma histria do conceito, limito-me a chamar a ateno para o fundamental: essa caracterizao sociolgica ati-nente historicidade prpria da formao da sociedade que permite, em primeiro lugar, explicitar o contexto inte-

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    lectual mais amplo do perodo e o debate interno prpria cadeira de Sociologia I da USP, em que a tese/livro tomava parte e marcava uma posio prpria da autora. ela ainda que, em segundo lugar, permite a Maria Sylvia de Carva-lho Franco fazer a crtica terica mais detalhada e consis-tente das vises disjuntivas entre tradio e modernidade, correntes, a seu ver, nas teorias da modernizao em sua poca. Essa crtica, ponto de chegada da anlise realizada em Homens livres na ordem escravocrata ganha o primeiro pla-no da narrativa e status de tema prprio na tese de livre--docncia, O moderno e suas diferenas (1970), bem como em outros textos, a exemplo do artigo Sobre o conceito de tra-dio, publicado pelo Centro de Estudos Rurais e Urbanos (CERU/USP), em 1972, instituio criada por Maria Isaura Pereira de Queiroz, da cadeira de Sociologia II, em 1964.

    Mobilizando materiais presentes na tese de livre-docncia, Maria Sylvia de Carvalho Franco discute, nesse artigo, aspectos cruciais da sociologia poltica de Max Weber, como a distino entre os conceitos de dominao e poder. Seu objetivo justamente sugerir como a sociologia do desenvolvimento estaria empregando as noes de tradicional e moderno e outras correlatas como oposies disjuntivas a partir de uma interpretao equivocada da teoria weberiana, filtrada via sociologia funcionalista norte-americana, em cujas teorias da dualidade, ademais, a autora v semelhanas com a teoria do desenvolvimento desigual, de razes marxistas (Franco, 1972, p.25). Na tentativa de marcar, portanto, a distncia que sepa-ra o trabalho de Weber daqueles que ainda hoje invocam a sua herana, a autora sugere que de imprecises tericas e falta de rigor resultaria a ideia de obstculos mudana, de resistncia de traos supostamente tradicionais, que estaria retardando a transformao para uma sociedade moderna, quando, na verdade, argumenta, esses elementos permane-cem, so produzidos e reproduzidos no interior de um sistema social (Franco, 1972, pp.33 e 40).

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    O mesmo tipo de preocupao terica, associada discusso de outras questes afins, j formava as linhas principais de sua tese de livre-docncia, no por acaso, como se pode perceber, intitulada O moderno e suas dife-renas. Entre os temas nela abordados, destacam-se o par comunidade e sociedade na sociologia alem (espe-cialmente em Weber e Tnnies), sua reelaborao e a de outros conceitos clssicos no Brasil; bem como a tese da mudana social como uma passagem necessria da sociedade tradicional moderna e, sobretudo, a impropriedade terica dessa distino e do conjunto de proposies feitas em torno dela para o caso brasileiro. O sentido desse empenho parece claro: formular uma crtica incorporao das premissas bsicas da socio-logia do desenvolvimento, uma vez que, a seu ver, esta aplicava teorias como se fossem verdades que pudessem ser desligadas do contexto de conhecimento em que ori-ginalmente se inscreviam (Franco, 1970, p.X).

    A preocupao com a historicidade da vida social impli-ca, seletivamente, uma releitura de Max Weber e do modo de construo dos conceitos tpico-ideais na sociologia. Para Maria Sylvia de Carvalho Franco, a construo de tipos-ide-ais estaria relacionada ordem dos fenmenos empricos e histricos observveis, buscando reter o essencial para a compreenso do sentido e tambm para a explicao causal. Conceitos como o de estamento, por exemplo, ao qual vol-taremos adiante, seriam construes tpico-ideais nas quais a matria histrica informaria a prpria construo do concei-to, segundo uma seleo do essencial. Para a autora:

    Afinal, a proposio dos tipos ideais como tcnicas de conhecimento adequado cultura respeita a historicidade de suas formaes sociais particulares, captando-as como totalidades constitudas pela atividade organizadora do esprito mas, por isto mesmo, abriga uma teoria da histria que

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    silencia sobre os nexos necessrios que as encadeiam ao longo de uma linha de desenvolvimento (Franco, 1970, pp.50-1).

    Porque os tipos-ideais devem apreender o feixe de signi-ficaes que do sentido ao processo social, Franco aponta para o carter de totalidade que eles encerram. Nesse sen-tido, eles no poderiam ser entendidos como modelos, j que os elementos que os compem no so independentes entre si, mas relacionados a uma articulao historicamente determinada, que lhes confere todo seu carter significativo. A interpretao dos tipos-ideais no funcionalismo norte-ame-ricano de Talcott Parsons, tendo vista sua viso linear mais ampla do processo histrico, como se as sociedades moder-nas devessem convergir para um nico padro societrio, incorreria neste erro crucial: tomando os tipos numa srie linear desconectada dos processos histricos, eles pareciam poder funcionar como variveis sistmicas interligadas, inter-cambiveis e generalizveis, o que discrepava inteiramente, segundo a autora, da historicidade implicada na construo weberiana. Nesse mesmo erro bsico incorreria a sociolo-gia do desenvolvimento latino-americana ao incorporar acriticamente o funcionalismo parsoniano. Maria Sylvia de Carvalho argumenta, com base na leitura do livro de Par-sons publicado em 1936, The structure of social action, que:

    [...] o mrito de Weber foi ter introduzido conceitos gerais no conhecimento do social; sua falha foi no ter chegado generalizao completa. Este ponto de vista epistemolgico (a generalizao em si mesma como meta das Cincias Sociais), completamente alheio a Weber e expressamente rejeitado por ele, fornece as bases para desfigurar seu pensamento (Franco, 1970, p.51).

    No deve nos escapar o fato de esse empenho de Maria Sylvia de Carvalho Franco lev-la inclusive a questionar os

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    limites da metodologia weberiana, de que, ademais, em parte ela prpria se utiliza em sua pesquisa histrico-socio-lgica. Limites, para a autora, particularmente sensveis quando se tratasse de apreender o processo de mudan-a social, como no caso da sociologia da modernizao e, noutra chave, do seu prprio trabalho (Franco, 1970, p.51). Formulao que, primeira vista, parece recolocar a crtica de Florestan Fernandes sobre os limites do tipo ideal ao tratar a questo da induo e da generalizao na sociologia no livro clssico Fundamentos empricos da explica-o sociolgica (de 1959). Confrontada a leitura da autora do tipo ideal, porm, a de Fernandes parece mais prxima ainda da de Parsons2.

    No se trata aqui de recuperar a longa anlise de Maria Sylvia de Carvalho Franco sobre a apropriao de Weber por Parsons e deste pelo que enfeixa sob a desig-nao de sociologia do desenvolvimento. E embora tam-bm no possamos comparar mais detidamente aqui os projetos, vale apontar, ainda assim, a importncia do seu esforo terico que, guardadas as propores, tm afini-dades muito significativas com o do socilogo judeu-ale-mo refugiado e radicado nos Estados Unidos, Reinhard Bendix, na sociologia norte-americana. Resumidamente, a sociologia histrica forjada por Bendix, expressa em seu incontornvel Construo nacional e cidadania, de 1964, procura formular alternativas consistentes: (1) crena na universalidade dos estgios evolutivos, sugerindo a impor-tncia da compreenso de que o momentum dos eventos passados e a diversidade das estruturas sociais conduzem a diferentes caminhos de desenvolvimento, mesmo quando as mudanas de tecnologia so idnticas; (2) opinio de que tradio e modernidade so mutuamente excluden-

    2 Para a aproximao entre Florestan Fernandes e Talcott Parsons, ver Brasil Jr. (2011).

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    tes, sugerindo que a inter-relao causal entre essas dimen-ses um problema de pesquisa emprica que no pode ser substituda por dedues lgicas, na medida em que os indcios contestam a hiptese de um processo de moderni-zao uniforme; e, por fim, (3) concepo de mudana social como intrnseca s sociedades, chamando a ateno para a combinao de mudanas intrnsecas com respostas a estmulos extrnsecos (Bendix, 1997).

    Tendo isso em vista, e para dizer o mnimo, tanto Bendix como Maria Sylvia de Carvalho Franco partem da valorizao da perspectiva histrica que identificam e recu-peram na sociologia de Max Weber para criticar os usos a-histricos que a sociologia da modernizao e a sociologia do desenvolvimento estariam fazendo dos seus conceitos. Em especial, na vertente funcionalista liderada por Talcott Parsons, o equvoco maior dessas abordagens seria, para ambos os autores, tomar tipos ideais como generaliza-es tericas. E a valorizao da perspectiva histrica tem o intuito, igualmente num e noutro autor, de permitir a crtica s perspectivas tericas disjuntivas sobre tradio e modernidade e oferecer vises alternativas sociologia, histrica em ambos os casos, mas comparada, no caso de Bendix (ainda que Franco estenda a sua crtica tambm sociologia do desenvolvimento de Gino Germani). Bastan-do lembrar, para corroborar a convergncia sugerida, que esta problemtica que estrutura as pesquisas da sociloga brasileira, ocupa toda a terceira parte de Construo nacional e cidadania, intitulada justamente Reavaliao dos concei-tos de tradio e modernidade (Bendix, 1997, p.329 e ss.). No pode ser desconsiderado ainda o fato de Franco ter dedicado grande parte da sua pesquisa e reflexo terica obra de Max Weber e sua recepo no Brasil empenho presente tanto em suas teses como em seus artigos acad-micos, como reconhece em seu Memorial acadmico (Franco, 1988, p.11), embora ao mesmo tempo estranhe a identifi-

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    cao da sua interpretao como weberiana (1988, p.19) enquanto Bendix (1986) nos legou o fundamental Max Weber: um perfil intelectual, publicado em 19603.

    Para dar uma viso ao mesmo tempo mais objetiva e matizada das consequncias dessa discusso sobre as rela-es entre teoria e histria em Maria Sylvia de Carvalho Franco, vale voltar sua anlise da formao social brasileira e sua recusa em equacionar essa experincia em termos de patrimonialismo. Para tanto, pode-se comparar, ainda que brevemente, suas anlises com a tese de doutorado de seu colega de ctedra, Fernando Henrique Cardoso, defendida em 1961, sob o ttulo de Formao e desintegrao na sociedade de castas: o negro na ordem escravocrata do Rio Grande do Sul, e publicada no ano seguinte com o ttulo Capitalismo e escra-vido no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul4. Investigando a configurao social da sociedade escravista numa regio onde o trabalho escra-vo no havia assumido a proporo que tomou nas reas da plantation do pas, Cardoso buscava conciliar, na tese, a perspectiva terica de seu orientador Florestan Fernandes, ento mais prxima ao funcionalismo, com a perspectiva marxista, cultivada no grupo de estudos dO Capital de Marx, da USP, entre meados dos anos 1950 e incio dos 1960, a que esteve ligado (Lahuerta, 1999). Mas, tambm, cumpre lembrar, mostrava-se preocupado em discutir a forma patrimonialista de dominao poltica engendrada naquela experincia social, aproximando-se de modo pr-prio a Max Weber.

    3 Discutindo a recepo de Weber na tradio intelectual brasileira, Werneck Vianna identifica a interpretao de Maria Sylvia de Carvalho Franco inscrita no que nomeia paradigma paulista a uma perspectiva que confere centralidade explicativa s razes agrrias de nossa formao social e ao patrimonialismo de base societal (Vianna, 1999, p.179). Para a recepo da sociologia alem em geral no Brasil, consultar Villas Bas (2006).4 Retomo aqui sinteticamente a longa argumentao comparativa feita por Maurcio Hoelz Veiga Jr. (2010).

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    A tese de Cardoso busca esclarecer o papel da domi-nao patrimonialista na formao do Rio Grande do Sul e seus desdobramentos e impasses na constituio de uma sociedade de classes no Brasil. A relao entre escravido e dominao patrimonialista aponta, em seu trabalho, para a formao de uma sociedade estamental e de castas, pouco flexvel e de reduzida plasticidade para enfrentar os dina-mismos da expanso do capitalismo, enrijecida pelas formas autocrticas de poder que constituam estruturas tradicio-nais distintas daquelas necessrias a uma ordem competitiva. Para Cardoso, a sociedade rio-grandense no apenas se orga-nizou nos moldes de uma estrutura patrimonialista, como s posies assimtricas na estrutura social correspondiam formas de comportamento reguladas por rgidas expectati-vas de dominao e subordinao (Cardoso, 1977, p.84). E, como esclarece o prprio autor em longa nota explicativa, ele procurou utilizar em sua anlise o conceito de patrimo-nialismo em sua formulao clssica weberiana (Cardoso, 1977, pp.100-1). O conceito de patrimonialismo assume, assim, teor explicativo na particularizao do capitalismo mercantil-escravista no Brasil (Cardoso, 1977, pp.16-7).

    Maria Sylvia de Carvalho Franco diverge da caracteri-zao da ordem pessoalizada dada por Fernando Henrique Cardoso, pois recusa qualificar a sociedade brasileira como tipicamente patrimonial e nega que sua camada senhorial seja estamental (o que certamente possui ressonncias quan-to ao seu entendimento tambm da obra de Florestan Fer-nandes). Sempre evocando sua compreenso de Max Weber, no primeiro caso, Franco objeta, em Homens livres na ordem escravocrata, que no se poderia falar da configurao de uma relao patrimonial tpica entre os homens livres, pois, nesta, o amplo e exclusivo aproveitamento da fora de trabalho do dependente, que insubstituvel, torna inelutvel preservar sua disposio e capacidade de bem servir, o que gera uma sujeio para o senhor, definindo obrigaes de sua parte

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    (Franco, 1997, p.91). No Brasil, prossegue a autora, somente no plano poltico verifica-se a conformao de uma solidarie-dade deste tipo, na qual os servios do cliente so vitais para os grupos dominantes e se conjugam aos deveres que estes devem assumir e cumprir. Quando, pois, estavam em jogo objetivos bsicos como apoio poltico versus auxlio econmi-co, consolidava-se a interdependncia (idem, ibidem), do contrrio, os compromissos revestiam-se de grande fragilida-de argumento que, alis, se aproxima bastante do exposto por Oliveira Vianna (citado em Botelho, 2007). Como ain-da fez questo de reforar na entrevista As ideias esto no lugar, publicada em Cadernos de Debates, em 1976, na medida em que nenhuma tradio, apenas costumes frouxos e com-promissos superficiais selaram o sistema de contraprestaes da dominao pessoal, no se poderia falar adequadamente em relao patrimonial, onde o amplo e exclusivo aprovei-tamento dos dominados como trabalhadores limita tradicio-nalmente sua explorao, de modo a no comprometer sua disposio de bem servir (Botelho, 2007, p.62). No Brasil, ao contrrio, nada restringiu a arbitrariedade do mais forte: o interesse material submetia sua razo os laos de estima e da afeio, atando-os ou destruindo-os (id., ibid.).

    Quanto caracterizao estamental da sociedade bra-sileira, Maria Sylvia de Carvalho Franco postula que nem do ponto de vista terico, nem na pesquisa emprica e his-trica ela se sustentaria. Anota a autora a caracterizao suficientemente precisa que a pesquisa histrica fizera de estamento:

    [...] referia-se a grupos em movimento para liberar-se das relaes hierrquicas do feudalismo e que se autorreconheciam como internamente homogneos, exigindo cartas de privilgios e liberdades. Constituam grupos que traavam novas divises na sociedade, que reclamavam direitos por oposio a outros grupos,

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    defendendo-se juridicamente. Eram formaes sociais que surgiam sobre a runa medieval, anunciando o processo de fundao da sociedade civil, afastando-se do juramento e das sanes transcendentes para aproximarem-se do contrato (Franco, 1997, p.10).

    Todavia, este rtulo teria cumprido, para a autora, importante tarefa na sociologia brasileira, tarefa que quali-fica de ideolgica, de separar o

    [...]economicamente irracional e improdutivo, o socialmente violento e preconceituoso, o politicamente reacionrio, do moderno, do progressista, do ltimo termo do milenarismo, ora escondido, ora confessado: o capitalismo como instncia civilizadora. Sociedade escravista e estamental, desrazo essencialmente diversa da sociedade de classes, do trabalho livre e da racionalidade capitalista (Franco, 1997, pp.10-1).

    A esse respeito, Maria Sylvia de Carvalho Franco obser-va em seu Memorial acadmico, que, investigando os vnculos entre a estrutura interna das fazendas cafeeiras e o exterior, atravessadas pelos circuitos do capital produtivo, financeiro e comercial, em vez de uma rgida sociedade estamental para no mencionar castas, acrescenta foi surgindo um mundo mvel e permevel, com estilos de vida fluidos, aliados a formas de dominao que sintetizaram a convivncia pessoal e os ajustamentos abstratos em todos os mbitos da vida, desde a esfera privada at os negcios pblicos (Franco, 1997, p.18).

    E a principal razo para a retomada em chave terica dessas questes na tese de livre-docncia parece suscitada pela pesquisa emprica e terica realizada seis anos antes para a tese de doutorado, e sua ideia de que, na sociedade brasileira, os critrios extraeconmicos de categorizao dos indivduos em sociedade aparecem, reiteradamente,

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    perturbados pelos critrios de diferenciao social funda-dos em situao econmica (Franco, 1970, p.177). Assim, voltando a Homens livres na ordem escravocrata, com esse argu-mento em mente, percebemos como a ideia de unidade contraditria, a que a autora chegou, remete a uma com-preenso sociolgica afinada historicidade do processo social, e que se a pessoalizao das relaes sociais e das prticas de poder no produz as mesmas sociedades que se formavam nas experincias histricas europeias, elas res-pondiam de modos prprios a determinaes mais gerais da expanso do capitalismo e da construo da sociedade moderna. O reconhecimento e a qualificao da historici-dade da vida social, preocupao que costura o conjunto da obra sociolgica de Maria Sylvia de Carvalho Franco, desau-torizaria, em suma, a reificao das noes de tradicional e moderno que, a seu ver, seriam noes normativas, reincor-poradas acriticamente nas interpretaes dos pases, quela altura, chamados subdesenvolvidos. Como boa praticante de uma sociologia histrica, tambm Franco parece estar dizendo a todo momento que, afinal de contas, a interao entre tradio e modernidade constitui, por si s, um pro-blema histrico de pesquisa, e, assim, no poderia ser subs-titudo por qualquer deduo lgica ou ideolgica. Como diz ironicamente em seu Memorial acadmico:

    Voltando ao modo genrico de pensar, em larga medida vigente nas Cincias Sociais, constatamos como no mais ntimo de seu corpus doutrinrio se evidencia o corte mtico entre o mundo moderno, capitalista, regido pela universalidade abstrata, travejado por relaes formais, transitivo em lutas sem sujeito, violento, rpido, e seu outro mundo comunitrio e tradicional imagem do passado ou figura do atraso tecido em laos pessoais, exposto ao sentimento, adstrito particularidade, harmonioso, inane (Franco, 1988, p.199)

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    Teoria e histria: um equilbrio delicado A relao entre teoria e histria na sociologia forma a pro-blemtica que confere unidade obra sociolgica de Maria Sylvia de Carvalho Franco. Seja na sua interpretao subs-tantiva do Brasil realizada em Homens livres na ordem escra-vocrata, seja em seus textos mais tericos, a autora dedicou--se, como vimos, a realizar: (1) uma anlise do processo de modernizao alternativa s perspectivas concorrentes e, em verdade, hegemnicas da mudana social da sua po-ca, reunidas pela designao mais genrica de sociologia do desenvolvimento; e (2) uma anlise crtica dos pressu-postos tericos dessas perspectivas, especialmente do modo a-histrico como as categorias weberianas substantivas, como a de patrimonialismo, e metodolgicas, como a do tipo ideal eram tomadas, sobretudo, via funcionalismo parsoniano, no Brasil e na Amrica Latina.

    Sugeri neste estudo como a categoria de unidade contraditria, fundamental na economia argumentativa de Homens livres na ordem escravocrata, constitui o elemen-to cognitivo interno que permite, noutros textos da autora, a explicitao da recusa conceitual da dicotomia tradio vs. modernidade, e que a autora v tratada como tipos de estruturas sociais contrapostos de modo dualista na socio-logia do desenvolvimento. Originada nas formas sociais assumidas pela grande propriedade agrria no Brasil, que concentrava duas modalidades de produzir, para a subsis-tncia e para o mercado, essa unidade contraditria ins-crita na gnese da sociedade brasileira, desdobra-se, do nvel da economia, no da organizao social, na sntese dif-cil das associaes morais e das constelaes de interesses, e desenvolve-se, no nvel da organizao poltica, na fuso das esferas pblica e privada. Ou seja, o mesmo processo de desenvolvimento capitalista que criou as condies para a classe burguesa impor-se no apenas social e economica-mente, mas tambm politicamente, ao conjunto da socie-

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    dade feudal, reeditou as formas modernas de escravido e gerou essa unidade contraditria entre relaes de interes-se, ligadas competio e ao conflito num mercado con-correncial, e associaes morais, fundadas em um jogo de privilgios e favores.

    Justamente porque a autora recusa a ideia de dualida-de integrada (Franco, 1997, p.11), talvez, valesse a pena comparar a noo da unidade contraditria de desen-volvimento desigual, mas combinado, to associada pro-duo intelectual da cadeira de Sociologia I (Lahuerta, 1999; 2008). Essa comparao permitiria formular uma viso mais completa das relaes entre histria e teoria na sociologia de Maria Sylvia de Carvalho Franco, e implica-ria, necessariamente, uma comparao detida entre as suas noes de capitalismo e escravido, bem como das rela-es histricas, empricas e conceituais estabelecidas entre esses termos e aquelas do grupo de Florestan Fernandes. Igualmente importante, nesse sentido, seria qualificar as crticas do grupo mais identificado cadeira de Sociologia I comparando-as sociologia histrica de Franco5.

    5 Nesse sentido, uma crtica importante a Maria Sylvia de Carvalho Franco feita por Juarez Brando Lopes sobre o texto Organizao social do trabalho no per-odo colonial, apresentado pela autora em seminrio da Unicamp, em 1980, cujo debate est publicado no livro Trabalho escravo, economia e sociedade. Lopes sugere que a nfase dada pela autora na funcionalidade da escravido ao capitalismo no lhe permitiria ver e qualificar as passagens do antigo regime para a sociedade burguesa de um ponto de vista mais sociopoltico, menos economicista. J a crtica de Paulo Arantes ao modo como Franco articula pobreza e pessoalizao aos requisitos de uma orientao capitalista da conduta parece equivocada, como observa Pedro Ca-zes, uma vez que com essa tica protestante caipira, Franco no estaria rebatendo os vnculos da dominao pessoal sobre o comportamento impessoal da prtica lu-crativa burguesa, como afirma Arantes (1992, p.72); mas, antes, mostrando como, at certo ponto, no h incompatibilidade entre o cdigo pessoalizado e violento do mundo rstico e as prticas capitalistas de organizao da produo (Cazes, 2010). Na entrevista que Llia Moritz Schwarcz e eu fizemos com Roberto Schwarz, por sua vez, h vrias indicaes importantes que permitem qualificar o debate entre a sua interpretao do favor na sociedade brasileira e a de Franco, inclusive seu ponto de vista sobre a acusao feita por Franco, na entrevista As ideias esto no lugar, de 1976, de que ele estaria repondo o dualismo em sua interpretao de Machado de Assis (ver Schwarcz e Botelho, 2008).

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    Como argumentei ao longo deste estudo, dadas as discrepncias significativas das anlises de Maria Sylvia de Carvalho Franco em relao aos trabalhos produzidos por Florestan Fernandes e seus demais orientandos e assisten-tes, bem como o sentido da sua crtica terico-metodol-gica, a perspectiva analtica histrico-sociolgica alternativa que Maria Sylvia de Carvalho Franco formula ganha inte-ligibilidade em relao orientao intelectual da cadeira de Sociologia I, a que pertencia institucionalmente. Sua obra sociolgica, antes problematiza que corrobora alguns dos pressupostos empricos, histricos e tericos dos traba-lhos do seu orientador Florestan Fernandes e de seu grupo como um todo. Se constrangimentos institucionais, entre outros, no permitiram (at o momento) que a autora pole-mizasse abertamente com seu grupo de origem, a anlise de sua obra indica uma viso crtica e uma proposio alterna-tiva, sobretudo pela forte nfase que d ao relacionamen-to entre teoria e histria na explicao sociolgica. Maria Sylvia de Carvalho Franco no se refere de fato a Florestan Fernandes em suas crticas, prefere reservar explicitamente a Gino Germani crticas que parecem implicitamente dire-cionadas igualmente a seu orientador. Ou que ao menos poderiam ser assim interpretadas, dada a identificao entre as obras dos dois principais socilogos da Amrica Latina de sua gerao, e a recepo igualmente importan-te neles, embora com distines em nada desprezveis, do funcionalismo norte-americano que cada um ao seu modo contesta e recria (Brasil Jr., 2011) o que a autora, por sua vez, tampouco reconhece.

    Mais do que a contraposio nomeada, porm, o que mais chama a ateno so os silncios de Maria Sylvia de Carvalho Franco em relao a Florestan Fernandes e seus outros discpulos. o caso da sua contraposio em rela-o no pertinncia da ideia de estamento, central em Florestan Fernandes, e de patrimonialismo, segundo a

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    interpretao de Fernando Henrique Cardoso, que compa-ramos sua, embora neste ltimo caso o debate seja, discre-tamente, nomeado. Tampouco nos textos reflexivos sobre sua trajetria intelectual, como seu Memorial acadmico e as muitas entrevistas que tem concedido, Franco se demora na orientao de Florestan. No Memorial acadmico, o contraste entre o silncio sobre Florestan Fernandes e sua avaliao da importncia de Antonio Candido para a sua formao, especialmente dOs parceiros do Rio Bonito, chega a ser algo constrangedor. Sobre Florestan, a quem dedicou, porm, Homens livres na ordem escravocrata (e, como se sabe, Maria Sylvia de Carvalho Franco aparece junto aos demais assis-tentes de Florestan na dedicatria de A revoluo burguesa no Brasil, de 1975), ela limitou-se, salvo engano, a observar, numa entrevista publicada em 1981, que, ao lado de Anto-nio Candido, ele teria sido outra influncia decisiva nos rumos da minha produo intelectual, para logo qualifi-car: Primeiro o mestre admirado, depois o opositor respei-tado. Nossas divergncias mantiveram-se na maior confian-a e lealdade, padro que hoje parece estar desaparecendo da cena universitria (Franco, 1988, p.9).

    So muitas as menes a Os parceiros do Rio Bonito, tese de doutoramento em cincias sociais apresentada em 1954 Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universi-dade de So Paulo, onde, at aquele momento, Antonio Candido desempenhava, havia dezesseis anos, a funo de assistente da cadeira de Sociologia II, e publicada em livro somente dez anos depois, em 1964. Em seu Memorial aca-dmico, por exemplo, a autora escreve que Os parceiros foi de importncia decisiva em seus esforos para coadunar reflexo e linguagem (1988, p.20), chamando-lhe a aten-o para a necessidade de escapar da linguagem cifrada do jargo sociolgico e de escrever de modo mais acessvel (1988, p.9). E nenhum outro livro da sociologia brasileira, exceo do seu prprio, analisado com tanto vagar e

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    cuidado no Memorial verdade que a anlise interrom-pida por um longussimo excurso sobre as razes aristo-tlicas das modernas cincias sociais de cerca de oitenta pginas. Vale citar uma passagem decisiva a respeito do livro clssico de Antonio Candido:

    diferena das introdues metodolgicas muito em voga na poca que repetiam assertivas dogmticas no jargo competente, a abertura de seu livro [de Antonio Candido] nos permite seguir, de verdade, uma atitude estudiosa, um olhar que busca alternativas tericas, que tateia, vacila, recusa e escolhe, face aos vrios caminhos oferecidos pelas cincias sociais [...] O caminho escolhido recusa a generalidade abstrata do socilogo, declinando, no mesmo passo, o recorte descritivo dos estudos de comunidade [...] Procedimento crucial, onde o pensamento rompe com o abstrato (emprico ou lgico), o que permitir ao pesquisador valer-se das representaes do caipira no enquanto dobrada sobre si mesma (fechada no bairro, como na precisa anlise da conscincia grupal que abre o primeiro captulo), mas como reflexo que se amplia sobre a sociedade brasileira (como os captulos sobre as transformaes) (Franco, 1988, pp.107-8).

    No tenho como comentar todas as cerca de oito pginas dedicadas por Maria Sylvia de Carvalho Franco anlise bas-tante fina do livro de Antonio Candido, nas quais, e por meio das quais, ela fala muito dela tambm, j que Os parceiros so evocados pela sua influncia em sua prpria trajetria inte-lectual reconstruda no Memorial. E o leitor ter acertado se tiver percebido a identificao, na citao feita acima, entre o plano apresentado do livro de Antonio Candido e o dela prpria, Homens livres na ordem escravocrata. Mas note mais o leitor, que a valorizao de Antonio Candido se d, talvez, sobretudo em funo da postura pioneira em evitar as solu-

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    es tericas fceis a generalidade abstrata do socilogo, como diz Maria Sylvia de Carvalho Franco. Ento, voltamos mais uma vez ao tema principal deste estudo.

    Ser mesmo possvel sociologia sem generalizao? A questo certamente no tem uma resposta unvoca, se que apropriado falar, nesse caso, at mesmo em respostas. De todo modo, do ponto de vista da anlise que propomos da obra sociolgica de Maria Sylvia de Carvalho Franco, o pro-blema talvez esteja menos na generalidade do que no tipo de generalidade apontada pela autora: a generalidade abs-trata que, ingenuamente ou no, simplifica e deforma a realidade. Assim, parece razovel, depreender que a autora no desconhece ou rechaa a relao tensa entre histria e teoria nas cincias sociais, mas defende o uso da histria para qualificar, ampliar ou restringir o alcance da teoria. Sejam quais tenham sido as razes da sociologia histrica formulada por essa autora, no se pode deixar de reconhe-cer quanto sua proposta convergente em termos cogniti-vos com a reao ao funcionalismo na sociologia histrica em geral. Reao que, como j foi mostrado, firmemente enraizada em rico material histrico, acabou por revalorizar o papel dos atores humanos individuais e coletivos como os criadores ltimos do mundo social em transformao (Stompka, 1998).

    E em estudo anterior (Botelho, 2009), discutindo o potencial terico heurstico da reconfigurao no disjuntiva da relao ao/estrutura na sociologia histrica de Maria Sylvia de Carvalho Franco, numa comparao com a obra de Maria Isaura Pereira de Queiroz, a quem aquela esteve ligada em diferentes frentes, mostrei que a autora consegue divi-sar tanto aspectos persistentes na organizao e reproduo social, como a prpria capacidade manifesta por indivduos e grupos sociais de agirem e, desse modo, de responderem criativamente ao contexto de estruturas em que se inserem. verdade que Maria Sylvia de Carvalho Franco procura

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    demonstrar os limites da mudana institucional decorrentes da generalizao da dominao pessoal como princpio de coordenao social, mas no deixa de considerar, porm, as foras sociais que compem dinamicamente a relao Esta-do/sociedade e, sobretudo, os atores sociais que as susten-tam como no caso do servidor pblico por ela analisado. Guardando importantes afinidades com a sociologia poltica de Max Weber (1992), as bases sociais da dominao pol-tica so importantes na pesquisa da autora, tendo em vista no apenas o problema da legitimidade, como tambm as razes de as prprias instituies ou outras formaes sociais serem compreendidas como resultados das aes e do entre-laamento de aes de homens comuns que, ao atriburem sentidos a suas aes, no deixam de levar em conta as pr-prias restries da sua situao6.

    Porque as velhas dicotomias entre tradio e moderni-dade, continuidade e mudana, sincronia e diacronia, ao e estrutura simplesmente no desapareceram, a despeito do avano coletivo da sociologia histrica, a tenso entre teoria e histria continua a interpelar as cincias sociais (Skocpol, 1984; Reis, 1998), em especial a sociologia pol-tica (Botelho, 2011; Alonso e Botelho, 2012). E a esta ten-so se deve, em grande medida, o sentido terico heurstico da obra de Maria Sylvia de Carvalho Franco. Seu interesse est para alm da conformao particular de diretrizes te-ricas gerais que encerra, das inevitveis adaptaes mais ou menos criativas a que contextos cognitivos tradicionalmen-te consumidores da teoria sociolgica parecem destinados sempre que confrontados a uma realidade emprica distinta dos centros da sociologia mundial. Mas na medida mesmo em que, como no caso de Homens livres na ordem escravocra-ta, a pesquisa emprica historicamente orientada provoca

    6 Sobre a sociologia poltica de Weber, consultar o livro clssico de Bendix (1986). Sobre a sociologia poltica de Maria Isaura Pereira de Queiroz, ver Botelho (2007; 2009) e Botelho e Carvalho (2011).

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    questionamentos consequentes prpria teoria social, e s possibilidades de combinao entre componentes empri-cos, histricos e analticos em geral, cumpre reconhecer sua capacidade de interpelao compreenso daquilo que, para recorrer a uma definio sinttica do objeto da socio-logia dada por Marcel Mauss (2003, p.187), simplesmente, constitui a vida propriamente social das sociedades.

    Esse reconhecimento no deve nos levar, porm, a ignorar duas questes relacionadas, uma de ordem geral sobre a obra sociolgica de Maria Sylvia de Carvalho Fran-co perante a sociologia brasileira, outra relativamente aos desenvolvimentos, por assim dizer, internos de sua obra, com as quais queremos concluir o presente estudo, mas que no podemos seno indicar para futuras investigaes. Comecemos pela ltima questo.

    As assertivas de Maria Sylvia de Carvalho Franco em estudos posteriores sobre a perenidade do seu diagnsti-co sobre a sociedade brasileira em conjunturas histricas to diferentes daquela do seu estudo emprico original res-tringem, talvez, a validade da sua viso de histria e teoria aqui discutida justamente em seus trabalhos das dcadas de 1960-70. Penso em alguns dos seus estudos acadmicos posteriores, como aquele sobre as tenses imprimidas pela sociedade brasileira industrializao que nela se proces-sava, em torno na dcada de 1950, em artigo publicado na Revue Tunisienne de Sciences Sociales (Franco, 1974), ou mes-mo nos muitos artigos de conjuntura poltica sobre o Brasil contemporneo, que vem publicando na grande imprensa, no quais, no limite, a realidade social parece deixar de ser um processo dinmico e se torna um estado constante.

    No entanto, do mesmo modo, o alcance prprio da crtica de Maria Sylvia de Carvalho Franco poder ser mais bem qualificado levando em conta que, como comea a ser demonstrado sistematicamente (Brasil Jr., 2011), a recepo da sociologia da modernizao norte-americana no foi

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    simplesmente passiva nas obras de Florestan Fernandes e seu grupo ou de Gino Germani, dois dos principais vezos da reno-vao da sociologia na Amrica Latina. Ao contrrio, impli-cou tradues intelectuais ativas nas quais, inclusive, alguns dos pressupostos bsicos do funcionalismo, como a concep-o de que as sociedades modernas convergiriam para um nico padro societrio, foram tensionados pela fora que a histria assumiu, ainda que progressivamente, nas suas expli-caes. Ao que tudo indica, porm, no estamos exatamen-te diante de uma questo de gradiente, de mais ou menos histria na explicao, mas de sentidos qualitativos distintos, assumidos pela histria na economia interna dos argumentos e, assim, na sociologia produzida por esses diferentes autores. E, assim, voltamos ao tema principal deste estudo.

    Andr Botelho professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Antropologia da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA-UFRJ) e pesquisa-dor do CNPq e da Faperj.

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    TEORIA E HISTRIA NA SOCIOLOGIA BRASILEIRA: A CRTICA DE MARIA SYLVIA DE CARVALHO FRANCO

    ANDR BOTELHO

    Resumo: Inserido em pesquisa mais ampla sobre as sequncias da sociologia poltica no Brasil, o trabalho destaca a obra sociolgica de Maria Sylvia de Carvalho Franco. Assimila-da produo da cadeira de Sociologia I da USP, pelo seu pertencimento institucional, a obra desta autora, porm, antes problematiza que corrobora alguns dos pressupostos da teoria do desenvolvimento associados aos trabalhos de Florestan Fernandes e seu grupo. A anlise de suas teses de doutorado (1964) e de livre-docncia (1970), entre outros textos, indica uma viso crtica, e uma proposio alterna-tiva, sobre a contraposio entre tradio e modernida-de na anlise da sociedade brasileira em virtude da gnese essencialmente moderna dessa experincia social.

    Palavras-chave: Sociologia Brasileira; Teoria Social Compara-da; Teoria e Histria; Tradio e Modernidade.

    THEORY AND HISTORY IN BRAZILIAN SOCIOLOGY: THE CRITIQUE OF MARIA SYLVIA DE CARVALHO FRANCOAbstract: As part of a broader research about the sequences of political sociology in Brazil, the article stress the sociological work of Maria Sylvia de Carvalho Franco. Although subsumed under the production of the chair of Sociology I of the University of So Paulo because of its institutional belonging, Francos work questions rather than confirms some of the presuppositions of development theory linked to the works of Florestan Fernandes and his research group. The analysis of her doctoral (1964) and associate professorship (1970) theses, among other texts, shows a critical view, and an alternative proposition about the contrast between tradition and modernity in the investigation of Brazilian society as a result of the essentially modern origin of this social experience.

  • Resumos / Abstracts

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    Keywords: Brazilian Sociology; Comparative Social Theory; Theory and History; Tradition and Modernity.

    Recebido: 07/03/2013 Aprovado: 10/06/2013