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PASSADOS MAIS DE 15 ANOS DESDE QUE SE DESENVENCILHOU DA GUERRA, A CROÁCIA, A QUEM COUBE O MAIOR QUINHÃO DE COSTA ADRIÁTICA NA PARTILHA, UM DOS MARES MAIS PUROS DO MUNDO, ESTÁ EMPENHADA COMO NUNCA EM FAZER DO TURISMO, MAIS DO QUE UMA MERA VOCAÇÃO, UMA PRIORIDADE. AFINADA A ESTRATÉGIA, ITÁLIA, GRÉCIA OU TURQUIA QUE SE CUIDEM Texto de João Miguel Simões | Fotografia de Pedro Sampayo Ribeiro MIX CROATA Parque Nacional de Plitvice; Dubrovnik (pág. ao lado)

Croácia-Rotas & Destinos Jul 2010

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PASSADOS MAIS DE 15 ANOS DESDE QUE SE DESENVENCILHOU DA GUERRA, A CROÁCIA, A QUEM COUBE O MAIOR QUINHÃO DE COSTA ADRIÁTICA NA PARTILHA, UM DOS MARES MAIS PUROS DO MUNDO, ESTÁ EMPENHADACOMO NUNCA EM FAZER DO TURISMO, MAIS DO QUE UMA MERA VOCAÇÃO,UMA PRIORIDADE. AFINADA A ESTRATÉGIA, ITÁLIA, GRÉCIA OU TURQUIA QUE SE CUIDEM Texto de João Miguel Simões | Fotografia de Pedro Sampayo Ribeiro

MIXCROATA

Parque Nacional de Plitvice;Dubrovnik (pág. ao lado)

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CROÁCIA

A Croácia não perdoa à vizinha Eslovénia os entraves que esta tem colocadoà sua entrada na União Europeia mas, mesmo sem fazer parte, há já umacolagem, cada vez mais notória, ao Ocidente.Por muitos anos, e até por uma compreensível afinidade histórica e proximidade

geográfica, o país, que sempre dependeu do turismo, definia muito a suaestratégia de promoção em função do que julgava ser o seu maior diferencialpara uma clientela germânica, até perceber que, mudados os tempos e as vontades, o seu apelo não está mais no naturismo, mas sim no seunaturalismo e na sua história. A começar na costa dálmata, pejada de ilhas, banhada pelo Adriático que

Cousteau, paz à sua alma, não hesitou um dia em classificar como um dosmais limpos do planeta, graças ao seu elevado índice de salubridade, havendozonas onde o grau de poluição é quase zero. Mesmo sem praias de areia, a corda água, a sua transparência e temperatura cálida são trunfos suficientes parafazer com que a Croácia esteja a disputar, não tarda taco a taco, o mercadocom outras rivieras no Sul da Europa. Com a vantagem de ser mais barata,menos conhecida e de, feitas as contas, possuir um invejável patrimóniohistórico, fruto da sua permanência no Império Austro-Húngaro ou no Ducadode Veneza, que lhe dá um cachet muito especial.Não admira, por isso, que a cada Verão cresça o número de portugueses,

sobretudo jovens, que, às vezes ainda sem grande convicção, e outros já repetentes,se decidem pela Croácia como destino de férias. Este percurso clássico, umaespécie de mix croata, vai ao encontro do fenómeno recente que, ou muitonos enganamos, ou está longe de ser uma moda passageira.

Zagreb a dois temposRecordo terem-me contado, em visitas anteriores, que a predilecção doszagrebinos por flores é tão grande que, no período de racionamento, haviafilas no mercado de Dolac, na parte alta da capital, junto à pequena igreja deSanta Maria, para as comprar. Muito tempo se passou desde então, mas láestão elas, as flores, em primeiro destaque – assim como as viria a encontrar,já fora do coração histórico, a sul do rio Sava, no festival floral que, entre Maioe Junho, atrai milhares de pessoas ao lago e ao parque de Bundek.Zagreb é uma cidade construída com alguma pompa, com claras reminiscências

Arte Nova e um traçado que lhe vale comparações com Viena ou Budapeste,com quem sempre teve afinidades e de quem sempre se sentiu mais próxima,por declarada oposição às suas vizinhas nas ex-repúblicas jugoslavas. Mas nãotem o frenesim habitual nas grandes capitais europeias, cultiva o hábito da

bicicleta e, a contrariar a tez “germânica”, insiste no hábito de encerrar o expediente por volta das 16 horas para que se possa ficar a ver a vida passarnas muitas esplanadas que a tomaram de assalto.Não longe da Catedral da Assunção, no coração de Kaptol, a Tkalciceva,

uma rua destinada aos peões, é a prova viva do culto dos zagrebinos pelos cafése um dos pólos de animação nocturna, graças a bares como o Cica. Aliás, o centro recupera agora um pouco da sua movida, sobretudo nas artériascomerciais Ilica, Preradoviceva ou Dežmanova, onde se sucedem lugares damoda como o Eli’s Caffè, o Alcatraz, o Apartman ou o Velvet. Para quem chega a Zagreb sem saber ao certo ao que vai, a rua Radi´eva,

uma espécie de fronteira, mais ou menos espontânea, entre os bairros de Kaptole de Gornji Grad (Alta-Zagreb), é uma lição de História. Acontece que Kaptole Gornji Grad foram, outrora, duas cidades reais distintas, que disputavamterras e privilégios, cuja união administrativa só se deu em meados do séculoXIX. E se dúvidas houvesse de que estas duas partes de Zagreb já viveramseparadas por grossas muralhas protectoras, bastava olhar para a Porta de Pedra(Kamenita Vrata), a única porta medieval da cidade, datada do século XIII,mas reconstruída em 1842. O que impressiona, porém, é este lugar de passagem,mas mergulhado num silêncio devoto, abrigar um altar e imagens como a deSanto António (Sv. Antun em croata), invadidos, diariamente, por flores e orações, numa prova inequívoca de que o Papa João X sabia o que estava a fazer quando chamou o primeiro rei croata, Tomislav, de “seu querido filho”.Uma visita à capital croata não fica completa sem uma passagem por outros

marcos incontornáveis como a praça Markov, endereço do Parlamento e daparamentada Igreja de São Marco Evangelista; sem andar no funicular Uspinjaca,que liga a Alta à Baixa-Zagreb; sem admirar o Teatro Nacional Croata na praçaMaršala Titã; ou sem perceber, de olhos postos num mapa, que o centro urbanobeneficiou de um alinhamento em forma de U – a “Ferradura de Lenuzzi” –de forma a que parques e praças alternem com importantes monumentos. Apenas resisti a regressar a Mirogoj. Não por falta de interesse, que este

é, sem sombra de dúvida, um dos cemitérios mais monumentais de toda a Europa, mas por estar mais focado na nova geografia da cidade. Precisamenteaquela que se estende a sul do rio Sava, em bairros do pós-guerra, como NoviZagreb e o lago Jarun, onde se concentram agora novidades arquitectónicascomo o Museu de Arte Contemporânea (MUS, www.msu.hr), reinauguradoem finais de 2009 num edifício de ponta que custou 60 milhões de euros, ou o estádio Zagreb Arena.Por ironia, boa parte dos zagrebinos ainda não se deu conta do imenso

AHÁ QUEM COMPARE, E COM RAZÃO, ZAGREB A VIENA OU BUDAPESTE, O QUE NÃO É DE ESTRANHAR SE PENSARMOS QUE,DURANTE MUITOTEMPO, FEZ PARTE DO IMPÉRIO AUSTRO-HÚNGARO

A Igreja de São João Evangelista (em cima, à esq.), fica a poucos passos do mercado de Dolac(em cima, ao centro), onde, além das flores, se vendem produtos frescos. Ainda na cidadealta, a rua Tkalciceva (em cima, à dir.) vive num constante vaivém graças aos seus muitoscafés. A melhor vista sobre Zagreb (em baixo, à esq.) é avistada junto ao funicular, não longeda praça principal (em baixo, à dir.), onde continua, solene, a estátua equestre de Jelacic.

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potencial do MUS e de como este tem trunfos de sobra para se tornar, a breveprazo, uma das suas atracções mais visitadas: não só pelo acervo, que éfrancamente bom, mas também enquanto apostarem em exposições temporáriascomo a que está patente este Verão, dedicada aos britânicos Gilbert & George.Já Jarun, no sudoeste, revela, com os seus dois lagos (um para a prática desportivae outro para nadar) e impressionante contingente de bares e lounges hip, comoo Aquarius, a toda a volta, uma outra Zagreb: mundana, hedonista e feliz.

Plitvice, a força da naturezaDa capital até ao Parque Natural de Plitvice, grande bandeira do turismocroata, são cerca de duas horas de estrada. Quem vê, hoje, a transparência e o belíssimo azul dos seus lagos, só muito dificilmente não se convence deestar a ser testemunha de uma grande lição dada pela Natureza. Entre 1991 e 1995, Plitvice, Património Mundial da UNESCO desde 1979,

esteve no centro de acesas disputas territoriais entre a Guarda Nacional Croata,por um lado, e o Exército Federal e os guerrilheiros sérvios, por outro. Porduas vezes, primeiro em 1996 e depois em 1997, estive aqui e muitas dasferidas continuavam abertas, por muito que na época se sentisse já uma vontadeimensa de desfrutá-lo em toda a sua plenitude. À terceira, diz-se, é de vez;talvez por isso, este meu regresso, tantos anos depois, teve um sabor especial.Plitvice é um dos sete parques nacionais da Croácia – 7,5% do seu território

está sob protecção ambiental – e teve a “infelicidade” de se encontrar numaregião que, durante a guerra, se tornou, qual espinho cravado no orgulhocroata, uma espécie de república sérvia autónoma, a Krajina. A Croácia acabou por recuperar a região, é certo, mas, ao contrário de outras

partes do país, onde já quase não havia traços de uma guerra, ficou com um“outro país” dentro das suas fronteiras, completamente destroçado e semvivalma – está em curso uma campanha governamental para atrair cidadãosnacionais para a região, oferecendo os alicerces de casas geminadas, que cadafamília completará de acordo com as suas posses e necessidades. Quis uma

cruel ironia do destino que a mais visitada e preciosa atracção natural da Croáciativesse ficado, durante quatro penosos anos, nas mãos dos rebeldes sérvios.Quinze anos depois, regozijo-me por reencontrar o parque de boa saúde,

com novas trilhas de várias horas e diferentes graus de dificuldade, uma crescenteinfra-estrutura de apoio (como restaurantes e hotéis), os passadiços em madeirade castanheiro recuperados e barcos que permitem fazer uma transição maisrápida entre os lagos superiores, os mais afectados, e os da parte baixa.Situado num vale aninhado entre duas montanhas densamente florestadas,

Mala Kapela e Pljesivica, a sudeste do maciço central da Croácia, Plitvice cobreuma área de 200 quilómetros quadrados, dos quais cerca de dois estão ocupadospor 16 lagos, ligados por 92 cascatas e quedas de água. É um lugar de belezaavassaladora, com uma grande variedade de espécies animais e vegetais (muitosanimais fugiram espavoridos durante a guerra), mas o que o torna verda-deiramente único passa por um fenómeno natural bastante singular que, peloscálculos feitos, tem vindo a decorrer nos últimos 4000 anos, a um ritmoincansável, que não pára de mudar a fisionomia da área. Tecnicamente falando,os lagos e as cascatas deste parque resultaram do labor milenar das águas dosrios que correm na região e que não se cansam de desgastar e rasgar as entranhasda terra e das rochas por onde passam, deixando atrás de si um rasto decarbonatos de cálcio e de magnésio que, em conjunto com um tipo especialde alga, estão na origem de uma matéria a que se dá o nome de travertino.Esta matéria, por sua vez, vai ficando depositada no fundo, acabando por criarverdadeiras barreiras naturais que condicionam as formas dos lagos, dispostosem diversos patamares, e provocam o aparecimento de quedas de água e cascatas. A visão conjunta dos lagos, de um azul-esverdeado opaco, emoldurados por

encostas de formas generosas, de onde se precipitam compactas cortinas deágua em queda vertiginosa, não deixa ninguém indiferente. Diante de tamanhagrandeza é inevitável sentirmo-nos esmagados por uma obra notável da naturezaque a engenharia dificilmente igualaria. Mas, se me é permitido o remoque,acrescentarei que a sensação de êxtase só não é total porque, sobretudo nos

A MEIO CAMINHO ENTRE A CAPITAL E A COSTA DÁLMATA, O PARQUENACIONAL DE PLITVICE REVELA O ESPLENDOR DA CROÁCIA NATURAL

Alvo das disputas territoriais entre croatas e sérvios, o Parque Nacional de Plitvice (pág. ao lado) é a prova viva da capacidade regeneradora da Natureza e mantém-se como uma das principaisatracções do país. Nesta pág.: na capital, o café Velvet, que também é uma loja; o lago Jarun; e o novo Museu de Arte Contemporânea.

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SE SPLIT CONSEGUE A PROEZA DE SER UMMUSEU AO AR LIVRESEM SE TORNARNUNCA MAÇADORAOU EXCESSIVA, JÁHVAR, AO LARGO,SURGE, COM A SUABAÍA PERFEITA, COMOUM CONTRAPONTOMAIS MUNDANO E VOLTADO PARA O DOLCE FAR NIENTE

meses de Julho e Agosto, o fluxo de visitantes é enorme. O turismo é absolu-tamente necessário à manutenção deste parque e faz todo o sentido que algotão precioso seja partilhado com a Humanidade; apenas se pede, e espera, quenão se perca de vista a preocupação de o fazer de forma sustentada.

Split, ocidente versus orienteNos canteiros que enfeitam o longo passeio marítimo, conhecido por Riva,foram plantadas várias ervas aromáticas, com destaque para a alfazema, quedeixa o ar adocicado. Aberto para o concorrido porto, onde desde há muitose embarca para ir veranear em Vis, Hvar ou Bra, e sobranceiro à praça catitada Republike, que lembra a de São Marcos em Veneza, o Riva, mais do queum lugar de passagem, é um ponto para se estar. Com várias esplanadasperfiladas, abrigadas sob uma pesada artilharia de toldos enfunados ao vento,frente ao casario nobre carcomido, este passeio não se livrou da polémicarecente, tendo sido, inclusive, alvo de boicote, pois muitos dos filhos de Splitnão gostaram nada do que foi feito para o modernizar. Terão a sua quota-partede razão, mas, que não me ouçam, eu gostei do que vi.Mas esta é a Split que se agiganta para lá das frondosas muralhas, e que não

pára de crescer, ainda que se diga – não obstante o cada vez mais pesadocontingente hoteleiro e o número crescente de autocarros, que devem ficarconfinados à zona do porto para não atrapalhar as vistas – estar a evitar cometeros mesmos erros e despautérios que Dubrovnik. O seu maior encanto, pormuitas voltas que se dê, está intramuros, no palácio de Diocleciano, o imperador de origem humilde nascido em Salona, hoje território croata, queteve um dos reinados mais longos e que foi preponderante para assegurar a sobrevivência do domínio romano por mais uma época. Suprema ironia: eleque foi o último imperador pagão, ao ponto de não ter hesitado em mandarmatar a mulher e filha convertidas ao cristianismo, assegurou a estabilidadenecessária à transição para o Império Bizantino.A entrada faz-se por uma galeria subterrânea, que nos remete, em menor

escala, para o Grande Bazar de Istambul, mas, à excepção de algumas galerias

que permanecem ao abrigo das paredes com dois metros de espessura, e quesão determinantes para termos a noção aproximada do que teria sido estefabuloso palácio rectangular, nada se compara ao privilégio de errar pelas ruase vielas que permanecem no seu perímetro e que, desde muito cedo, aindaantes de Cristo descer à terra, começaram a ser habitadas pelos refugiados deSalona. Essa particularidade deu-lhe uma atmosfera única, pois, além de casasparticulares, há agora lojas, bares e até hotéis a espreitar em cada esquina. No pátio interior de Peristil, entre colunas e esfinges egípcias e o antigo

mausoléu de Diocleciano convertido em igreja, a sensação de estarmos nummuseu a céu aberto é total, ainda mais se a isto juntarmos a mistura babilónicade línguas que se escuta entre os que, embevecidos, se sentam, ao lusco-fusco,nos degraus ocupados pelo Café Luxor. Por uma feliz coincidência, o burburinhonão chega a ser estridente, como se, tacitamente, ninguém quisesse serdesmancha-prazeres. E se alguma voz se eleva, é para cantar e nos deliciar.

Hvar, a cidade-ilhaPara além de um ferry para viaturas, que demora o dobro do tempo, existe umserviço regular de catamarã que liga, em uma hora, Split à cidade de Hvar.Por pouco mais de três euros por cada trajecto é possível fazer uma viagemcómoda e sossegada, até certo ponto, assim consiga fazer orelhas moucas aosque entram em clima de festa em mar alto.Depois de Dubrovnik, Hvar é a grande coqueluche da costa dálmata e um

íman para atrair, a cada nova temporada estival, mais e mais jet set a bordo deiates e veleiros. Colonizada pelos gregos da ilha de Paros (que significa farol,sendo Hvar o sinónimo em croata), esta cidade dá-se ares de “Pequena Veneza”,o que não é de estranhar: integrou, durante boa parte da sua existência, oducado veneziano (os italianos chamavam-lhe Lesina, ou seja “floresta”) e aindahoje marca uma fronteira invisível, mas perceptível, entre o modus vivendimais “germânico” do Norte da Croácia e o seu tempero assumidamentemediterrânico.Logo à chegada, torna-se igualmente claro que a vida da cidade – que no

pico do Verão passa de 3000 habitantes para uma média diária de 30.000visitantes! – se organiza em torno da baía, disputada por hotéis, cafés, bares e até clubes de praia, com as excepções por conta da praça contígua, a Pjaca,e da fortaleza altaneira, sem dúvida alguma o melhor ponto para se ter umavisão de águia sobre Hvar. Ao largo, várias ilhas, que mais parecem carapaças de tartaruga, compõem,

juntamente com o casario e os pináculos, um cenário tão acima de suspeitaque a lenda da sua formação, associada a um susto que Zeus terá pregado a Neptuno, ao surpreendê-lo em pleno acto amoroso, só torna mais delicioso.Mas Hvar não é apenas a cidade que faz as vezes de porto de entrada,

é também o nome de toda uma ilha, esguia como uma lança apontada a terrafirme. São vários os pontos de interesse, mas uma das excursões mais comunspassa por ir até Stari Grad, a leste, a escassos 16 quilómetros.O caminho, bastante acidentado, permite vislumbrar não só a costa recortada,

com encostas sulcadas até ao mar, como espreitar algumas das baías e praiasde cartão-postal, ao largo das quais ficam ancorados muitos dos iates e veleirosde luxo que navegam por estas águas de um azul estonteante. Mas, para quemfaz o trajecto entre finais de Junho e princípios de Julho, há um outro atractivo,que passa por admirar as alfazemas em flor, dispostas por vários socalcos ganhosa duras penas ao solo pedregoso. A Croácia, é bom dizê-lo, é uma das principaisprodutoras mundiais de alfazema, sendo Hvar o epicentro dessa cultura,

Em Split (pág. ao lado, em cima, ao centro) é obrigatório ficar a ver a vida passar no Luxor(em cima, à dir.) e nas suas muitas esplanadas (em baixo, à dir.). A ilha de Hvar (nesta pág. e na pág. ao lado, em cima e em baixo, à esq.) recebe velejadores e jet set atraídos pelas suas praias e ambiente festivo.

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CROÁCIA

MAIS DO QUE APENAS UMA COSTA PEJADA DE ILHAS, BANHADA POR UMADRIÁTICO QUE LEMBRA O MAR DAS CARAÍBAS, A CROÁCIA POSSUIOUTROS ENCANTOS, QUE PASSAM PELA HISTÓRIA, NATUREZA E BOA VIDA

Uma das ruas no centro de Dubrovnik e o Parque

Natural de Plitvice

ao ponto de ter abastecido, durante anos, a indústria de perfumes francesa.Sob os auspícios da UNESCO desde 2008, Stari Grad, fora da agitação dos

festivais de música e teatro estivais, continua bastante pacata, com ares decidadezinha adormecida. O núcleo histórico está vedado aos carros e mantém uma disposição que

lembra as típicas choras gregas, mas Stari Grad, para já a salvo de maioresconfusões, está a investir no melhoramento da sua infra-estrutura, contandocom vários cafés-galeria muito aprazíveis, bem como trilhas para quem querpedalar a ilha. É, todavia, na sua baía, onde um dedo de mar avança pelacidade antiga como quem fura um bolo, que nos surge como uma Hvar em miniatura.Mais modesta, sobretudo em património, Jelsa é outro ponto importante

de escala na costa de Hvar, contando com bons restaurantes de peixe que se perfilam no seu porto. À volta, algumas das praias que estão a catapultarHvar como uma alternativa de riviera dálmata, capaz de rivalizar com a italianaou a turca.Mas é agora hora de zarpar para Sucuraj e de voltar costas a Hvar. A viagem

de ferry até ao continente não demora muito mais do que 30 minutos, aindaque o próximo destino se encontre fundeado no extremo de uma quase-ilha,a península de Pelješac, já na riviera de Dubrovnik.

Ston, afrodisíacaPara chegar a Ston, uma pequena cidade medieval, há que atalhar. Para o conseguir, nada melhor do que um “corta-mato” por território da Bósnia--Herzegovina. Não chega a haver um controlo efectivo dos passaportes, emboraseja obrigatório tê-los à mão, para desgosto de todos aqueles que gostariam deaproveitar o inesperado bónus para conseguir um carimbo para a sua colecção. Esta espécie de soft border, um resquício do mapa complicado da antiga

Jugoslávia, funciona também como um amuse-bouche para o que se seguiráem Ston. Rodeada de montanhas espessas e adornada por baías recortadas,Ston, de um lado, e Mali (Pequena) Ston, do outro, são uma boa surpresa

para quem ali vai apenas para cumprir parte do programa. A “Grande” Ston,em boa verdade, resume-se a meia dúzia de ruas traçadas à esquadria, com umpunhado convincente de casas brasonadas, mas o que causa maior espanto é a extensão da muralha que, a lembrar a da China – com a devida liberdadepoética –, sobe e desce a montanha, ligando as duas Ston ao jeito dos quebra--cabeças em que é preciso unir os vários pontos para formar um desenho. Com um total de 5,5 quilómetros, estas muralhas são as mais extensas da

Europa, pelo que percorrê-las exige tempo e fôlego. Do alto, virado para o mar, alcanço não só a cidade medieval mas também as salinas, das quais seextrai, de forma artesanal, a flor de sal marinho que, mais ou menos refinado,tenta não quebrar a tradição secular – nos seus pergaminhos, estas salinasreclamam ser uma das mais antigas em funcionamento – e conquistar umavaga no cada vez mais disputado mercado gourmet. Já na baía abrigada da “Pequena” Ston, o que chama a atenção são os viveiros

de mexilhões e ostras, as mais afamadas em toda a Croácia. Quem se sente nodireito de estabelecer comparações diz que as ostras do Adriático, uma variedademais pequena que responde pelo nome de Ostrea Edulis, possuem uma carnemais rija e um sabor mais intenso do que as do Atlântico. Não vou tão longe,mas tão cedo não esquecerei o festim de ostras e de outros frutos do mar queme foram servidos no restaurante Villa Koruna.

Dubrovnik, o cartão-postalO mapa diz que de Ston a Dubrovnik são 50 quilómetros mas, ainda assim,a viagem dura mais de uma hora por estrada. A chegada tardia, que encarocomo uma contrariedade, acaba por se revelar providencial. Não só me colocaa salvo do vaivém de autocarros que, sobretudo nas manhãs de sábado (diaescolhido pelos cruzeiros no Adriático para fazerem escala na cidade), não dádescanso, como me permite vislumbrar, de longe, a parte antiga, amuralhadacomo num conto de Avalon. Ao contrário do que sucedeu na restante costa dálmata, Dubrovnik não

durou muito tempo nas mãos da “Sereníssima República” de Veneza e tomouas rédeas do seu destino enquanto Ragusa e assim foi até à chegada de Napoleão,primeiro, e da integração no Império Austro-Húngaro, a seguir. No século XX, foi testada várias vezes e muitas vezes se viu reduzida ao papel

ingrato de museu a céu aberto incapaz de sustentar os seus (que se viramforçados a emigrar para a América), por mais que Tito, ao leme da Jugoslávia,a tenha promovido a “Pérola do Adriático”. Nada, porém, comparado com o horror que se seguiu à declaração de

independência da Croácia em 1991. As montanhas em redor de Dubrovnik– Património Mundial da UNESCO – foram alvo de bombas incendiárias(ao que se crê, de fósforo), lançadas pelos sérvios durante uma ofensiva emOutubro do mesmo ano. O resultado foi a consumição pelo fogo de sete a dez hectares, numa faixa de 25 quilómetros até à fronteira com a Repúblicade Montenegro. A própria cidade não foi poupada, uma vez que a ofensivade Dezembro de 1991, que deixou o mundo chocado, provocou, segundonúmeros oficiais, o bombardeamento de 63% dos edifícios, a total destruiçãopelo fogo de mais 2,5% e fez com que todos os monumentos da cidade fossem,de uma maneira ou outra, afectados pelos ataques aéreos.Por ar, terra e mar, Dubrovnik foi atacada e isso, embora não desculpe de

todo a insistência com que nos recordam, a cada esquina, essas perdas, ajudaa perceber que o tempo passado ainda não tenha sido suficiente para apaziguara raiva. Aliás, e por muito que tenha sido feito um trabalho acelerado de

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Apesar das praias, a cidade de Hvar cultiva os clubes de dia, como Bonj Les Bains (à esq.).Mais a sul, Ston ganha fama pelas suas belíssimas ostras (ao lado, em cima, ao centro), ao passo que Dubrovnik (em baixo) se assume ainda como a “Pérola do Adriático” e apostaem lugares da moda, como o Gil’s (em cima, à esq.), sem esquecer atracções incontornáveiscomo o Stradun (em cima, à dir.).

DUBROVNIK FAZ QUESTÃO DE RECORDAR, A CADA ESQUINA, OS ATENTADOS QUESOFREU, MAS, LONGEDE SER AMARGA, ÉUMA CIDADE ALEGRE,CASAMENTEIRA E QUE, A CADA VERÃO,SE AFIRMA COMOPOTÊNCIA TURÍSTICA

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A decoração é exótica q.b., comtoques contemporâneos, e a ementa muito caprichada, comum menu de três pratos a €40.Lucin Kantun – Old SigurateO ambiente é clean, mas a comidaestá longe de ser simples, pois,ainda que servida em pequenasdoses de degustação, é executadacom capricho. Acessível.

ONDE SAIRZAGREB

Eli’s Caffè – Ilica, 63, eliscaffe.comDos mais animados e trendiesda cidade, com degustação de lotes especiais nas primeirassextas-feiras de cada mês.

COMO IRA TAP (www.flytap.com) voa para Zagreb, via Bolonha, portarifas desde €179,26. Váriosoperadores dispõem de programasque incluem voos e sete noites dealojamento com pequeno-almoçopor apenas €477 em Julho. Os destinos mencionados nestareportagem estão ligados entre si por autocarros, ferriesou catamarãs.

ONDE FICARInforme-se junto do Turismo da Croácia da possibilidade de arrendar apartamentos nasvárias cidades sugeridas pois, regrageral, o preço por noite varia entreos €50 e €100. Em matéria dehotéis, na capital croata elegemoso refinado Regent Esplanade(www.regenthotels.com/zagreb,desde €159) e o recente WestinZagreb (www.westin.com/zagreb,desde €135); em Split, com aresde resort, Le Méridien Grand HotelLav (wwwlemeridien.com/split,desde €115); na Cidade de Hvar,o hotel de design Riva(www.suncanihvar.hr, desde€167); em Dubrovnik, o renovadoHotel Bellevue (www.hotel-bellevue.hr, desde €250) ou, com uma vista excelente, o HotelExcelsior (www.hotel-excelsior.hr,desde €250).

ONDE COMERZAGREB

Marcellino – Jurjevska, 71,www.marcellino.hrÉ o grande acontecimento

gourmet da cidade, a cargo do chef Mario Cerhak, mas um jantar para dois não sai pormenos de €150. No mesmoprédio abriu o Hugo, onde se pode degustar as suas criações a preços mais simpáticos.Zinfandel’s – Regent Esplanade,Mihanovi�eva, 1Se não puder ficar alojado na grande dama zagrebina doshotéis, não se poupe ao prazer de almoçar aqui (menu de doispratos desde €25) para degustaras criações do chef maltês JeffreyJ. Vella. No bistro do hotel, maisem conta, fazem o melhor štrukli,pastel recheado de queijo.SPLIT

Šperun – Šperun, 3Intimista, tem no prof. ZdravkoBanovi�um anfitrião de primeira,habituado a receber figurasilustres como o actor, e agora“trota-mundo”, Michael Palin.Buffet de especialidades dálmatase mediterrânicas, bom peixe frescoe preços muito razoáveis. HVAR

Restoran Luviji – Iza Katedrala,Cidade HvarPequeno restaurante de comidacaseira, gerido por uma famílialocal, onde as mesas são poucaspara apreciar especialidadesdálmatas e pratos como o esparguete de lagosta.STON

Villa Korcula – Solana Ston,Pelješki, 1, www.solanaston.hrDo mesmo proprietário dassalinas, é um restaurante deexcelência para degustar ostras.DUBROVNIK

Proto – Široka, 1, www.esculap-teo.hrDos mesmos proprietários do elegante Nautika, é ideal paracomer peixe e marisco da melhorqualidade. Serviço a condizer.Gil’s – No prestigiado guia GaultMillau, edição de 2010, ficouentre os três melhoresrestaurantes da Croácia.

pelos dois andares, que alternamos melhores DJs.SPLIT

Luxor – Kraj sv IvanaO nome tem que ver com a temática deste café, que foibuscar inspiração à esfinge no pátio de Peristil. Art Lounge Bar – Šubi�eva, 3É, dos espaços recentes, o maisimpressionante.Hedonist – Put Firule O espaço, com almofadascoloridas e cadeiras em forma deponto de interrogação, é pequenopara acolher a beautiful people.HVAR

Bar Adriana – Hotel Adriana,Cidade de HvarFica no último andar, com umavista incrível para a baía, e atraiuma clientela de clubbers.Carpe Diem Beach & CocktailBar – Riva, Cidade de HvarÉ, há anos, um lugar para ver eser visto, mas, no Verão, montamtambém um verdadeiro clube de praia, em Marinkovac (baía de Stipanska) sempre em clima de festa, com spa e restaurante.

Chuara – Frontão marítimo, JelsaÉ o lounge do momento, aberto,com pompa e circunstância, porum londrino de origem croata.DUBROBNIK

Gil’s Pop Lounge – SvDominika, www.gilsdubrovnik.comNão é só “o” restaurante dacidade, é também o cocktail-barmais chique e disputado.East-West – Banje Beach, FranaSupila, www.ew-dubrovnik.hrClube de praia de dia e à noitetransforma-se em disco.

Latino Club Fuego – Brsalje, 11Não se deixe levar pelo nome. É uma discoteca, junto ao Pile,muito concorrida, onde, regrageral, se termina a noite.

MAIS INFORMAÇÕESEm Portugal: Jervis Pereira, Rua daCova da Moura, 2, 5.º dto., 1350Lisboa, tel. 213 808 514Em Espanha: Oficina de Turismode Croacia, C/Claudio Coello, 22,Madrid, tel. 0034 917 815 514,www.oficinadeturismo.net

GUIA PRÁTICO

Agradecemos a colaboração da Oficina de Turismo de Croáciana realização desta reportagem.

Sedmica – Kaciceva, 7ALugar de culto, com uma clientelaessencialmente ligada às artes.Velvet – Dežmanova, 9,www.velvet.hrMisto de loja conceptual, a cargoda mais conhecida florista dacidade, Saša Šekoranja, e café.Lemon Bar & Club – Gajeva,10, www.lemon.hrDurante o dia, o café chiquepossui um serviço de esplanada,mas, à noite, a pista de dança é procurada pelo house.Aquarius – Aleja Matije Ljubeka,www.aquarius.hrÉ um dos spots incontornáveis de Jarun, não só pelo seu loungevirado para o lago, mas também

renovação, as marcas continuam visíveis, sobretudo em monumentos como o mosteirodominicano, onde se encontra uma das farmácias mais antigas da Europa, ou a catedral,que, à excepção da sala do tesouro, foi totalmente refeita por dentro e nunca mais teráde volta o seu esplendor barroco.Que esta minha observação mais crua dos factos não conduza ninguém a julgamentos

precipitados. Dubrovnik recuperou por inteiro a sua “joie de vivre” e é uma cidadealegre, casamenteira e festeira. Para comprová-lo basta calcorrear o Stradun, a ala de300 metros que funciona como eixo de gravitação na cidade antiga, em redor da qualse distribuem vários edifícios nobres medievais. Atrevo-me, porém, a dizer que, paralá do prazer de percorrer as muralhas ao entardecer (o que nos permite uma melhornoção desta sua geografia estratégica tão peculiar), o verdadeiro gozo está em metermo--nos pelas muitas ruazinhas perpendiculares que saem do Stradun e, através de escadariasíngremes e floridas, desembocam em outras paralelas, onde, com maior desafogo,podemos desfrutar de lojas, cafés, galerias e restaurantes pitorescos.Dubrovnik, como toda a Croácia, ainda não tem os seus preços inflacionados para

lá do razoável, mas nota-se, de dia para dia, que começa a haver um upgrade, de quelugares como o restaurante Gil’s é um bom exemplo, até para estar à altura de umaOprah Winfrey, que dizem ter andado à procura de casa no Stradun, ou do actorKevin Spacey, que arrendou uma vila privada do hotel Excelsior para comemorar o seu 50.º aniversário. Claro que hóspedes deste calibre raramente são vistos a deambular nas ruas da cidade

ou a tomar banhos de sol na praia municipal, Banje, junto ao portão de Ploce (existeuma outra, Sveti Jakov, 20 minutos a pé do centro, não sendo raros os hotéis, comoo Bellevue, que possuem a sua praia privativa), que os locais passaram a boicotar desdeque boa parte foi “cedida” ao clube East-West.Felizmente, não tenho esse problema: a minha preocupação resume-se a querer

desfrutar de Dubrovnik só a partir do momento em que esta se começa a esvaziar dosseus visitantes de meia jornada. Da última vez que aqui estive, num final chuvoso do Outono de 1997, retive a imagem de um coro a ensaiar na catedral esventrada e do Stradun, ao final do dia, iluminado por uma luz pardacenta que as suas pedrasgastas reflectiam. É essa mesma luz que revejo agora, já a madrugada vai alta, numStradun deserto, não fossem os poucos que ainda o atravessam a caminho dos barese discotecas, como o Latino Club Fuego, que ficam no Pile, a outra porta de entrada,ou saída. Sem pensar duas vezes, saco a máquina do bolso e faço a foto. Para mecontinuar a recordar de uma Dubrovnik capaz de sobreviver às maiores provações.Inclusive a das multidões. n

Se cidades como Dubrovnik (à esq.) surpreendem pela sua arquitectura medieval, portos como Jelsa (à dir.), na ilha de Hvar, proporcionam umas férias ao estilo mediterrânico

Regent Esplanade,Zagreb

Regent Esplanade,Zagreb

Le Méridien, Split

Riva Hotel, Hvar

Le Méridien, Split

© Rotas

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