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Notas Soltas sobre a História Regional e Local e o Património Cultural Alexandre António da Costa Luís [email protected] Universidade da Beira Interior Centro de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra ABSTRACT is article consists of several loose notes which, basically, are addressed to the exposure of a general assessment on the regional and local history, underlining that it should not be qualified as “minor story” and also reinforcing the idea that it plays an extreme relevant role regarding the inventory, study and preservation of the heritage, specially the cultural one. Moreover, in what concerns the heritage, the text emphasizes its dimension of nuclear increment and identitary features characterization of the Portuguese memory wires, integrating, with no doubt, the list of the foundations of our sovereignty. KEYWORDS History, Regional and Local History, Heritage, Identity, Sovereignty. RESUMO O artigo é composto por várias notas soltas que se destinam, no essencial, a expor uma apreciação genérica sobre a história regional e local, sublinhando que esta última não deve ser qualificada de “história menor” e cimentando ainda a ideia de que lhe cabe um papel de avultada relevância no que concerne ao levantamento, estudo e preservação do património, mormente cultural. De resto, a respeito do património, o texto destaca a sua dimensão de fator nuclear de incremento e de caracterização dos traços identitários e dos fios da memória portugueses, integrando, sem dúvida, a lista dos fundamentos da nossa soberania. 1

CS3 Luis Alexandre Historia Regional Local

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  • Notas Soltas sobre a Histria Regional e Local e o Patrimnio CulturalAlexandre Antnio da Costa [email protected] da Beira InteriorCentro de Histria da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra

    AbstrACt

    This article consists of several loose notes which, basically, are addressed to the exposure of a general assessment on the regional and local history, underlining that it should not be qualified as minor story and also reinforcing the idea that it plays an extreme relevant role regarding the inventory, study and preservation of the heritage, specially the cultural one. Moreover, in what concerns the heritage, the text emphasizes its dimension of nuclear increment and identitary features characterization of the Portuguese memory wires, integrating, with no doubt, the list of the foundations of our sovereignty. Keywords

    History, Regional and Local History, Heritage, Identity, Sovereignty.

    resumo

    O artigo composto por vrias notas soltas que se destinam, no essencial, a expor uma apreciao genrica sobre a histria regional e local, sublinhando que esta ltima no deve ser qualificada de histria menor e cimentando ainda a ideia de que lhe cabe um papel de avultada relevncia no que concerne ao levantamento, estudo e preservao do patrimnio, mormente cultural. De resto, a respeito do patrimnio, o texto destaca a sua dimenso de fator nuclear de incremento e de caracterizao dos traos identitrios e dos fios da memria portugueses, integrando, sem dvida, a lista dos fundamentos da nossa soberania.

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  • PALAvrAs-ChAve

    Histria, Histria Regional e Local, Patrimnio Cultural, Identidade, Soberania.

    Ao longo do seu j aprecivel percurso, a histria tem apresentado vrias acees e sido classificada de distintas maneiras. Com efeito, no que concerne a este ltimo aspeto, concretamente em relao s situaes em que o juzo de valor privilegiou a forma, a exposio, a esttica, a histria foi, amiudadamente, encarada como uma arte, uma forma literria ou uma narrativa (Mendes 1987: 12). E se certo que a escrita em histria reflete, pelo menos em parte, um discurso pessoal, decorrente da interpretao de quem escreve (cf. Mattoso 1997), tambm no menos verdade que, hoje em dia, muitos so aqueles que sustentam a ideia de que a histria, enquanto pesquisa da realidade histrica, constitui uma cincia humana e social (cf. Mendes 1987), independentemente das vozes que consideram que a mesma rene alguns traos peculiares. Assim, os conhecimentos cientficos que tem gerado so, por norma, o resultado de uma construo do historiador, mormente do seu vincado labor de pesquisa (cartogrfica, iconogrfica, documental, bibliogrfica) e de rigor metodolgico, de preferncia sempre na busca de aproximaes cada vez mais objetivas realidade vivida pelos homens num tempo e espao especficos. Nesse sentido, de referir que a objetividade se constri paulatinamente, resultando, em boa medida, de revises incessantes em redor do trabalho histrico produzido, de sucessivas e laboriosas verificaes.Acrescente-se que ningum ficar indiferente funo social exercida pela histria, incidindo sobre vertentes que vo desde a formao da conscincia e coeso nacionais correspondente ao integradora geracional. Claro est que a histria contribui decisivamente para o conhecimento e/ou o reconhecimento aprofundado da identidade ptria, entre outras dimenses, bem como para a colocao de freios aos extremos do nacionalismo, do bairrismo ou do mero desapego. Em matria de identidade lusada, adite-se que os estudos levados a cabo por distintas mas complementares esferas do saber, onde figura necessariamente a histria, tm chegado a concluses algo contrastantes, emergindo Portugal como pas plural/homogneo, uno/diverso. Pois bem, florescendo, como sabido, vrios tipos de histria, isto , histrias dentro da histria, e ingressando progressivamente na temtica central do presente artigo, no difcil perceber que todo e qualquer programa traado para uma monografia local ou regional possui certos limites. Realmente, conforme lembra Jorge Alarco, a variabilidade da histria local [e regional] e a diversidade dos dados disponveis no permite o estabelecimento de um plano rgido que, alis, violentaria os interesses intelectuais de cada um (Alarco 1987: 53). Por outro lado, uma evidncia que a histria de um pas no se faz sem o auxlio daquela. Ou seja, executar um trabalho de histria local e regional no sinnimo de rejeitar o dilogo com a histria geral (e vice-versa), antes pelo contrrio. Em abono da verdade, deve aquele ser, dentro do possvel e em funo da pertinncia da amostra, integrado na histria global, contribuindo para o enriquecimento do fundo histrico. Claro que, no mbito da histria regional e local, se aprende a lidar com as condicionantes impostas pelo fator

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  • geogrfico e no se dispensa a prtica de coordenadas-chave como, por exemplo, a delimitao espacial, a periodizao, a interdisciplinaridade, a formulao de perguntas ao passado a partir de questes do presente e, consequentemente, a necessidade de saber fazer falar as fontes, cujo conceito cada vez mais amplo, ou a averiguao do que ou no essencial. No entanto, realmente importante reconhecer que, ao se enveredar por uma determinada escala de observao, esta escolha acaba, forosamente, por condicionar aquilo que ser visto pelo historiador, podendo, contudo, o conhecimento produzido apresentar numerosas vantagens e possibilidades tpicas da perspetiva micro e at pr em dvida certezas usualmente firmadas pela viso macro, digamos assim, mas sem deitar por terra a ocorrncia de compatibilidades. Claramente, a reduo de escala de anlise, quer em termos geogrficos quer temticos, tem contribudo para o enriquecimento do saber histrico atual. Olhando atentamente para a histria regional e local, fica evidente que a mesma permite a explorao de outros ngulos e dimenses de abordagem relativos aos atores, realidades e representaes, chegando-se, no raramente, a conhecimentos virgens, uma vez que se descortinam novos contornos nos objetos estudados, incluindo a revelao de protagonistas annimos da evoluo histrica, a captao e reconstituio de vivncias ou de uma variedade de experincias at a invisveis ou ento pouco valoradas, tudo isto com bvias repercusses na narrativa elaborada pelo historiador. De entre a lista de virtudes, no podemos olvidar que a histria regional e local possibilita uma anlise mais prxima e profunda de fenmenos circunscritos. Mas tambm neste gnero de histria, que recusamos qualificar de histria menor, de pequena histria ou de parente pobre, devem existir cautelas especiais em relao aos excessos interpretativos praticados e que, por vezes, tendem a confundir simples indcios com provas efetivas. De qualquer modo, faz hoje todo o sentido aguardar da prtica da variao de escalas, bem como da respetiva articulao, a recolha de importantes benefcios heursticos, facilitando inclusivamente a compreenso do fenmeno crescente da globalizao.Perspetivando o caso luso, a pesquisa em histria regional e local tem sido despertada em diversos momentos e variados contextos ao longo dos tempos, remontando, no mnimo, aos finais de Setecentos, como se infere do processo legislativo referente demarcao das provncias e de parte da produo historiogrfica dos memorialistas da Academia das Cincias de Lisboa (Torgal et al. 1996: 422). Em termos gerais, descortina-se facilmente que a aposta no mencionado tipo e campo de historiografia tem registado uma interessante expanso. Contudo, devemos precisar que este surto relativo histria regional e local no exclusivo do espao portugus, pois contempla outros pases. Alis, ressalta, com grande vulgaridade, que o progresso historiogrfico se processa mais rapidamente no quadro das naes com pujante atividade cientfica noutros domnios do saber. Regressando a Portugal, sem surpresa, as instituies acadmicas, as autarquias e os museus so largamente responsveis pelo impulso e a difuso da histria regional e local, sendo tambm digno de nota no s o salutar aumento da cifra de estudiosos envolvidos na citada rea de estudo, mas tambm a abordagem de um nmero cada vez mais amplo e diversificado de temticas, em cuja lista prosperam domnios complementares como a histria econmica e social, a histria das mentalidades, dos costumes, a histria poltica, a histria militar,

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  • o patrimnio cultural, o quotidiano, etc. Sublinhe-se igualmente, isto apesar da produo historiogrfica portuguesa em apreo continuar a denotar certas carncias em termos de reflexo terica e metodolgica, faltando-lhe, acima de tudo, um pendor mais sistemtico, as opes que muitos investigadores, de modo particular aqueles que legitimamente qualificamos de profissionais, tm vindo a desenvolver aquando da feitura do seu trabalho, sobretudo as que traduzem o investimento na seleo e no uso de metodologias e ferramentas melhoradas e atualizadas pela dinmica tecnolgica em curso, algumas ainda recentes, certo, mas j com crditos firmados, contribuindo, no fundo, para a gradual renovao da histria. Neste particular, tocam-se, embora nem sempre com a profundidade mais desejvel, em pontos essenciais como a histria-problema, a sofisticao e redimensionamento da pesquisa, o trabalho intenso com as fontes, o exerccio de comparar a documentao, o cruzar da informao ou a relao, liberta de hierarquias preconceituosas, entre as diversas escalas historiogrficas (local, regional, nacional e inclusive internacional). A explicao para esta aperfeioada performance da histria local e regional decorre, em boa medida, do facto de muitos dos estudos em causa terem sido ou serem elaborados no mbito das diferentes provas de natureza acadmica, que vo desde o grau de licenciatura ao de mestrado, chegando tambm ao de doutoramento e mesmo ps-doutoramento, refletindo, por conseguinte, a exigncia prpria do meio universitrio. Face a esta evoluo operada no seio do gnero de histria aqui descrito, no difcil perceber o medrar da competio, por vezes tratando-se ainda de situaes de forte rivalidade pessoal, entre historiadores profissionais e eruditos locais ou domsticos dotados de uma roupagem de amador e empirista. Diga-se que estes ltimos tendem, na conduo das suas investigaes, a revelar um certo e nefasto desconhecimento de metodologias de referncia ou mesmo bsicas. Por outro lado, sem pretendermos, necessariamente, desvalorizar o esforo produzido por estes historiadores locais, at porque no estamos presos a impulsos corporativos, somos, todavia, obrigados a realar que muitos, dispondo, portanto, da condio de amadores e de eruditos, reitere-se, preferem cultivar uma histria monumental ou de antiqurio do que uma histria crtica, para empregarmos a conhecida classificao de Nietzsche (Torgal et al. 1996: 423). Na realidade, ao percorrermos este universo de estudiosos indgenas, acharemos bastantes elementos que demonstram uma srie de dificuldades em dominar os meandros da histria explicativa e problematizante, da aplicao escrupulosa dos conceitos operatrios, da correta elaborao de hipteses e/ou modelos, preferindo antes alimentar uma histria de franco pendor narrativo e descritivo. No fundo, o que pretendemos frisar que a histria, nos seus diferentes tipos e reas de estudo, no propriamente uma tarefa de amadores. Seja como for, o verdadeiro historiador, dispondo, partida, de uma eficiente e especializada formao universitria, deve reunir diversas competncias e capacidades, as quais, diga-se, s a longo prazo e por meio de um labor aturado e rigoroso sero adequadamente aperfeioadas. Concretizando um pouco melhor, para alm de deter competncia tcnico-cientfica e aptido para manusear os conceitos operatrios, deve ainda apresentar esprito crtico, revelar abertura interdisciplinaridade e/ou transdisciplinaridade, socorrendo-se, por exemplo, da geografia regional, da histria rural, da arqueologia rural, da arqueologia industrial, do patrimnio local, da histria da tradio oral (Nunes 1996: 74 e 77), possuir erudio e uma slida cultura geral e histrica. Cremos igualmente que o investigador da histria local e regional deve tomar

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  • conscincia da sua posio perante o espao que se prope abordar. Por outras palavras, o seu trabalho, expressivamente voltado para a compreenso do percurso histrico e da identidade de uma dada comunidade/regio, poder sair assinalavelmente beneficiado caso participe do correspondente quotidiano, numa relao de crescente familiarizao homem-meio. Claro est que o historiador, devidamente articulado com a comunidade/regio, estar mais apto a definir solues para alguns dos seus principais desafios, auxiliando-a na procura incessante da sua identidade e nos indispensveis exerccios de descoberta e de preservao do respetivo patrimnio, assduos fatores de integrao, desenvolvimento e afirmao (Nunes 1996: 78).No muito anos atrs, Raquel Vilaa observava que o conceito de patrimnio atingiu uma acepo ampla, mesmo vaga e difusa, e por isso no menos polmica, abrangendo tambm as coisas menores e at as imaterialidades (Raquel 2000: 31). De facto, especialmente importante salientar o abandono da viso mutilada do patrimnio cultural que florescia no tempo do Estado Novo e que encarava aquele como sinnimo de monumentos (edifcios, objectos ou documentos), ou seja, de smbolos da grandeza nacional que cabia ao Estado preservar (Nunes 1993: 5). Felizmente, a partir da Revoluo de 25 de Abril de 1974, concretizou-se um salto qualitativo e quantitativo nesta matria, visto que depressa se passou a sustentar que o patrimnio cultural portugus constitudo por todos os bens materiais e imateriais que, pelo seu reconhecido valor prprio, devam ser considerados como de interesse relevante para a permanncia e identidade da cultura portuguesa atravs do tempo (Nunes 1993: 5). Alis, acontecimentos como a integrao de Portugal na hoje denominada Unio Europeia contriburam no s para o amadurecimento dos estudos, mas tambm para o incremento de polticas afetas defesa e valorizao do patrimnio cultural, cujo conceito, como se disse, apresenta um ntido alargamento. De resto, temos vindo at a assistir a uma aposta cada vez mais declarada na articulao entre os vrios domnios que compem a realidade patrimnio, designadamente o natural e o cultural.Anotemos que o patrimnio, em todas as suas dimenses, entrou na linguagem dos polticos, homens de cultura e cidados comuns (Pereira 2010: 1). De mais a mais, estar atento ao Patrimnio cultural e sua fora constitui um modo de combater o esquecimento e a indiferena, recorda, com determinao, Guilherme dOliveira Martins (Martins 2009: 47). Nesse sentido, o investigador dedicado histria regional e local no pode, de modo algum, depreciar o valioso papel que lhe cabe assumir no mbito da concretizao de um levantamento e de um estudo, que se desejam, tanto quanto possvel, exaustivos, do patrimnio ligado ao espao que aborda, tendo ainda presente que o patrimnio de uma povoao, freguesia ou concelho, por exemplo, est longe de se limitar aos seus monumentos (Alarco 1987: 25). Ora, Portugal, municiado de uma experincia vivencial j multissecular, rene um legado histrico, cultural e patrimonial rico e diversificado, constituindo a sua anlise mas tambm a sua salvaguarda imperativos inalienveis para a correta afirmao da comunidade lusa, na medida em que estamos na presena de uma herana que contribui decisivamente para o incremento e a caracterizao dos nossos traos identitrios e fios da memria, seja escala local, regional ou nacional. Sobretudo em relao

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  • a esta ltima dimenso espacial, torna-se hoje cada vez mais evidente que o conhecimen-to do respectivo patrimnio, verdadeiro elo de ligao entre o passado e o futuro, passando naturalmente pelo presente, vingando, no fundo, como valioso veculo de transmisso, conservao e reproduo da memria e operando como factor essencial do entendimento e potenciao da nossa especificidade colectiva, acaba por constituir um claro sustentculo da soberania portuguesa, da sua legitimao existencial e preparao dos tempos vindouros (Lus e Lus 2010: 211-212).

    Dito de outro modo, a articulao regular entre o patrimnio, a histria, a identidade e a sobrevivncia nacional no pode, naturalmente, ser menosprezada e, por conseguinte, votada ao desleixo, visto que os contornos da personalidade cultural portuguesa so, embora no exclusivamente, gravados e publicitados pelos valores patrimoniais (Saraiva 1996: 75 e ss.). Com efeito, se a aniquilao do patrimnio for bastante volumosa pode, num futuro mais ou menos longnquo, contribuir para a perigosa dissoluo da matriz histrica do povo luso e respetiva conscincia nacional, uma vez que favorece a emergncia de crises de amnsia que afetam o grau de agregao interna. Assim, no s o pas fica mais pobre, como o processo de fomento da sua individualidade perde fora. Em sntese, de mais a mais numa era fortemente influenciada pelo fenmeno da globalizao e, consequentemente, pela tendncia de derrubamento de inmeras e variadas fronteiras, as sociedades contemporneas, onde figura a nossa, no podem deixar de investir uma parte assinalvel dos seus recursos na conservao e divulgao do patrimnio, pois ele tornou-se fundamental na definio da identidade de uma determinada comunidade (Magalhes 2005: 22), isto , no zelo posto em torno da sua defesa e consistncia. Como se percebe, os traos identitrios de um povo encontram-se inscritos na sua cultura e o singular patrimnio reunido ao largo da sua existncia ajuda a definir a personalidade de uma coletividade, estado ou nao (Campillo Garrigs 1998: 23). No entanto, qualquer pretenso de salvar a globalidade dos bens produzidos ou simplesmente inventariados acabar por se revelar um objetivo claramente utpico, fruto de circunstncias como a insuficincia de meios existentes. Importa, assim, mover todo um apurado e criterioso trabalho de seleo, segundo determinados critrios (o histrico, o da originalidade, o tecnolgico, o funcional e o esttico), das criaes humanas a preservar. Claro est que o patrimnio cultural no deve ser apenas perspetivado segundo uma conceo elitista ou erudita, pois este caminho acabaria por discriminar e at por omitir o aprecivel legado de ndole popular.Por outro lado, urge igualmente reter que determinados bens culturais, pela sua natureza, estrutura ou localizao, esto em condies de serem positivamente utilizados como ferramenta econmica ativa ao servio do bem-estar das populaes e, porventura, da anulao ou, no mnimo, minorao de certas assimetrias regionais (cf. Greffe 1990). Precisamente, servindo aqui de inspirao, a Guarda e a sua regio, bem como as regies vizinhas [como a Cova da Beira], so potenciais elevadssimos de patrimnio cultural. Este pode ser um factor de desenvolvimento econmico e social, ao mesmo tempo que se transforma uma

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  • matria-prima, em estado de abandono e degradao, em recurso do presente e do futuro (Gaspar 2007: 161; Sequeira d.l. 1986: 95-97). No fundo, sendo Portugal um pas que tradicionalmente acolhe um nmero significativo de turistas, os quais contactam e perspetivam a nossa realidade de mltiplas formas, compreende-se a aposta na diversificao da oferta, viabilizando uma srie de possibilidades e recursos que se colocam ao dispor destes extensos contingentes de visitantes. Deste modo, h que louvar a estratgia do turismo cultural que vrias entidades pblicas ou privadas cuidam energicamente de incentivar, entre outras razes por constituir um excelente meio de angariao de riqueza para a nao e, consequentemente, de elevao do nvel de vida dos cidados. Sem dvida, nos ltimos anos, esta modalidade turstica tem vindo a afirmar-se cada vez mais no panorama interno, formando, incontestavelmente, uma alternativa vivel ao turismo convencional de praia, dinamizando reas como o Interior de Portugal, desprovido da beleza do mar.Devemos tambm assimilar a noo de que a manuteno/transmisso dos bens culturais deve ser encarada como um dos pilares do processo de humanizao do homem. Mais ainda: a eroso ou destruio de clulas do patrimnio de relevncia capital produz necessariamente um calamitoso efeito de depauperamento do tesouro patrimonial de todas as raas do orbe terrqueo. Por isso mesmo, a proteo de tamanho conjunto requer, crescentemente, o concurso da cincia e da internacionalizao do movimento, sem que isso signifique qualquer atitude de menosprezo para com o precioso auxlio fornecido pela histria regional e local em domnios como a inventariao, conservao, renovao, reabilitao, restauro e reconverso patrimonial. Ao certo, desde o ano de 1972, o programa Patrimnio Mundial, apoiado pela UNESCO, j classificou inmeros locais e continua a defender os bens culturais, naturais e mistos de excecional valor universal (Cruz 1999: 63-69). Em suma, tem ajudado a firmar a globalizao da importncia do patrimnio para o futuro das comunidades humanas, que se pretende prspero e harmonioso. refernCiAs bibLiogrfiCAs

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