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Antigo Testamento II Históricos e Poéticos 57 O LIVRO DE CANTARES 1. Esboço do Livro Título (1.1) I. O Primeiro Poema: O Anelo da Noiva pelo Noivo (1.22.7) A. A Expressão do Anelo da Noiva (1.2-4a) B. O Apoio das Amigas da Noiva (1.4b) C. A Pergunta da Noiva (1.5-7) D. O Conselho das Amigas da Noiva (1.8) E. A Presença e a Fala do Noivo (1.9-11) F. O Amor Mútuo entre a Noiva e o Noivo (1.122.7) II. O Segundo Poema: A Busca e o Encontro dos Dois Amados (2.83.5) A. A Noiva Percebe a Vinda do Noivo (2.8,9) B. Os Pedidos do Noivo (2.10-15) C. O Amor Irrestrito da Noiva pelo Noivo (2.16,17) D. A Perda e o Achado do Noivo (3.1-5) III. O Terceiro Poema: O Cortejo Nupcial (3.65.1) A. A Aproximação do Noivo (3.6-11) B. O Amor do Noivo pela Noiva (4.1-15) C. A Reunião dos Noivos (4.165.1) IV. O Quarto Poema: A Noiva Teme Perder o Noivo (5.26.3) A. O Sonho da Noiva (5.2-7) B. A Noiva e Suas Amigas Conversam sobre o Noivo (5.8-16) C. O Lugar Onde Encontra-se o Noivo (6.1-3) V. O Quinto Poema: A Formosura da Noiva (6.48.4)

CT - Livro de Cantares

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Introdução ao AT - P 2.

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  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 57

    O LIVRO DE CANTARES

    1. Esboo do Livro

    Ttulo (1.1)

    I. O Primeiro Poema: O Anelo da Noiva pelo Noivo (1.22.7)

    A. A Expresso do Anelo da Noiva (1.2-4a)

    B. O Apoio das Amigas da Noiva (1.4b)

    C. A Pergunta da Noiva (1.5-7)

    D. O Conselho das Amigas da Noiva (1.8)

    E. A Presena e a Fala do Noivo (1.9-11)

    F. O Amor Mtuo entre a Noiva e o Noivo (1.122.7)

    II. O Segundo Poema: A Busca e o Encontro dos Dois Amados (2.83.5)

    A. A Noiva Percebe a Vinda do Noivo (2.8,9)

    B. Os Pedidos do Noivo (2.10-15)

    C. O Amor Irrestrito da Noiva pelo Noivo (2.16,17)

    D. A Perda e o Achado do Noivo (3.1-5)

    III. O Terceiro Poema: O Cortejo Nupcial (3.65.1)

    A. A Aproximao do Noivo (3.6-11)

    B. O Amor do Noivo pela Noiva (4.1-15)

    C. A Reunio dos Noivos (4.165.1)

    IV. O Quarto Poema: A Noiva Teme Perder o Noivo (5.26.3)

    A. O Sonho da Noiva (5.2-7)

    B. A Noiva e Suas Amigas Conversam sobre o Noivo (5.8-16)

    C. O Lugar Onde Encontra-se o Noivo (6.1-3)

    V. O Quinto Poema: A Formosura da Noiva (6.48.4)

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 58

    A. A Descrio da Noiva pelo Noivo (6.4-9)

    B. O Noivo e Seus Amigos Conversam sobre a Noiva (6.10-13)

    C. Outras Descries da Noiva (7.1-8)

    D. O Amor da Noiva pelo Noivo (7.98.4)

    VI. O Sexto Poema: A Suprema Beleza do Amor (8.5-14)

    A. A Intensidade do Amor (8.5-7)

    B. O Desenvolvimento do Amor (8.8,9)

    C. O Contentamento do Amor (8.10-14)

    2. Preliminares

    O ttulo hebraico deste livro pode ser traduzido literalmente por O Cntico dos Cnticos, expresso esta que significa O Maior Cntico (assim como Rei dos reis significa O Maior Rei). portanto, o maior cntico nupcial j escrito.

    Salomo foi um escritor prolfico de 1005 cnticos (1Rs 4.32). Seu nome consta no

    versculo inicial, que tambm fornece o ttulo do livro (Ct 1.1), e em seis outros trechos do

    livro (Ct 1.5; 3.7,9,11; 8.11,12). O escritor tambm identifica- se com o noivo; possvel

    que o livro tenha sido originalmente uma srie de poemas trocados entre ele e a noiva. Os

    oito captulos do livro fazem referncia a pelo menos quinze espcies diferentes de animais

    e vinte e uma espcies de plantas.

    Esses dois campos foram investigados e mencionados por Salomo em numerosos

    outros cnticos (1Rs 4.33). Finalmente, h referncias geogrficas no livro de lugares de

    todas as partes da terra de Israel, o que sugere que o livro foi composto antes da diviso da

    nao em Reino do Norte e Reino do Sul. Salomo deve ter composto este livro no incio do

    seu reinado, muito antes de sua execrvel poligamia. Liturgicamente, Cantares de Salomo

    veio a ser um dos cinco rolos da terceira parte da Bblia hebraica, os Hagiographa (Escritos Sagrados). Cada um desses rolos era lido publicamente numa das festas anuais dos judeus.

    3. Propsito

    Este livro foi inspirado pelo Esprito Santo e inserido nas Escrituras para ressaltar a

    origem divina da alegria e dignidade do amor humano no casamento. O livro de Gnesis

    revela que a sexualidade humana e casamento existiam antes da queda de Ado e Eva no

    pecado (Gn 2.18-25). Embora o pecado tenha maculado essa rea importante da experincia

    humana, Deus quer que saibamos que a dita rea da vida pode ser pura, sadia e nobre.

    Cantares de Salomo, portanto, oferece um modelo correto entre dois extremos atravs da

    histria: (a) o abandono do amor conjugal para a adoo da perverso sexual (isto ,

    conjuno carnal de homossexuais ou de lsbicas) e prtica heterossexual fora do casamento

    e uma abstinncia sexual, tida (erroneamente) como o conceito cristo do sexo, que nega o

    valor positivo do amor fsico e normal conjugal.

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 59

    Tanto Cantares de Salomo como o ttulo alternativo O Cntico dos Cnticos vm do

    primeiro versculo do livro. O cabealho Cntico dos Cnticos uma traduo literal do

    hebraico shir hashirim. Essa linguagem coloca a nfase na qualidade superlativa - portanto o

    cntico descrito como o melhor ou o mais excelente cntico (Gn 9.25; x 26.33; Ec 1.2).

    Na Vulgata (Bblia latina) o livro chamado de Cnticos.

    Nas escrituras hebraicas, Cantares o primeiro de cinco livros curtos chamados

    "Rolos" (Megilloth). Os outros quatro so Rute, Lamentaes, Eclesiastes e Ester. Cada um

    desses livros era lido em um dos grandes festivais anuais judeus, sendo que Cantares era

    usado na poca da Pscoa dos judeus.

    4. Forma Literria

    Cantares um exemplo da poesia hebraica lrica; por isso que as tradues para as

    lnguas modernas so dispostas de forma potica (cf. Berkeley, RSV; Moffatt). Este antigo

    poema hebraico no tinha rima ou mtrica como em nossa forma ocidental.

    Existe muito mais um equilbrio e um ritmo de pensamentos do que de slabas ou

    sons. As linhas so distribudas de tal forma que o pensamento apresentado de maneiras

    diferentes, pela repetio, ampliao, contraste ou resposta, como em 8.6: Porque o amor forte como a morte, e duro como a sepultura o cime; as suas brasas so brasas de fogo,

    labaredas do SENHOR.

    5. Sugestes de Interpretao

    Os estudiosos no conseguem concordar acerca da origem, do significado e do

    propsito de Cntico dos Cnticos -Cantares. As lricas erticas, a ausncia do tom religioso e a trama obscura os deixam desconcertados e lhes desafiam a capacidade

    imaginativa. Os recursos da erudio moderna descobertas arqueolgicas, recuperao de

    corpos extensos de literatura antiga, percepes da psicologia e da sociologia oriental -no

    tm produzido consenso acadmico visvel (ROWLEY, 1977, p. 89).

    5.1. Alegrica

    As mais antigas interpretaes judaicas registradas (Mishn, Talmude e Targum)

    encontram nele um retrato de amor de Deus por Israel. Isso responde pelo uso do livro na

    Pscoa, que celebra o amor de Deus selado na aliana. No satisfeitos com aluses gerais ao

    relacionamento entre Deus e Israel, os rabinos lutavam para descobrir referncias

    especficas histria de Israel. Os Pais da Igreja reinterpretaram Cntico dos Cnticos,

    vendo nele o amor de Cristo pela Igreja ou pelo cristo como indivduo. Os cristos tambm

    tm contribudo com interpretaes detalhadas e imaginativas, conforme atestam os

    cabealhos tradicionalmente encontrados na KJV, contendo resumos interpretativos como

    "O amor mtuo de Cristo e sua Igreja" ou "A Igreja professa sua f em Cristo".

    O valor da alegoria apresentado em alguns comentrios catlicos romanos

    modernos.

    Desde a poca do Talmude (150 a 500 d.C.) era comum entre os judeus classificar

    este livro como uma msica alegrica do amor de Deus por seu povo escolhido. Seguindo

    esse padro, os cristos viram essa idia no contexto do amor de Cristo pela igreja. J.

    Hudson Taylor, seguindo o pensamento de Orgenes, encontrou a uma descrio do

    relacionamento do crente com o seu Senhor. (Union and Communion, s.d.)

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 60

    natural que a interpretao alegrica tenha encontrado adeptos entre os homens

    devotos e estudiosos desde antigamente at os dias de hoje. O amor terreno imutvel o

    nosso relacionamento humano mais precioso e significativo. Sabemos que o nosso

    relacionamento com Deus deveria ser ao menos to perfeito e de to excelente qualidade

    quanto esse, ento empregamos as nossas melhores ilustraes humanas na tentativa de

    descrever o amor e a resposta humano-divina.

    Mas apesar do que foi dito a favor de uma interpretao alegrica do livro, este ponto

    de vista contm um defeito decisivo. Adam Clarke, o deo dos comentaristas wesleyanos,

    est entre aqueles que expem essa fraqueza.

    Se essa maneira de interpretao (alegrica) fosse aplicada s Escrituras em geral, (e

    por que no, se legtimo aqui?) a que estado a religio logo chegaria! Quem poderia ver

    qualquer coisa certa, determinada e estabelecida no significado dos orculos divinos,

    quando fantasia e imaginao devem ser os intrpretes padro?

    Deus no entregou a sua palavra vontade do homem dessa maneira (...) nada

    (deveria ser) recebido como a doutrina do Senhor a no ser o que deriva daquelas palavras

    claras do Altssimo (...) Alegorias, metforas e figuras de linguagem em geral, nas quais o

    desgnio est claramente indicado, que o caso de todas aquelas empregadas pelos autores

    sacros, deveriam ilustrar e aplicar de forma mais clara a verdade divina; mas extrair fora

    significados celestiais de um livro santo onde no existe tal indicao, com certeza no o

    caminho para se chegar ao conhecimento do Deus verdadeiro, e de Jesus a quem Ele enviou.

    (The Holy Bible with a Commentary and Citical Notes, p. 845).

    Ao contrrio da opinio de alguns estudiosos, parece questionvel que a interpretao

    alegrica entre os judeus tenha sido um fator importante para a incluso de Cantares no

    cnon do Antigo Testamento. O cnon foi finalmente aprovado por volta do fim do primeiro

    sculo d.C., e as interpretaes alegricas que so conhecidas h mais tempo aparecem no

    Talmude (do sculo II ao sculo V).

    Gottwald diz: " provvel que a interpretao alegrica tenha surgido aps a

    canonicidade, e no antes dela". (IDB, IV, p. 422). verdade que Orgenes e outros pais da

    igreja mantiveram a interpretao alegrica de Cantares. Mas Orgenes aplicou este mesmo

    mtodo a outros livros da Bblia, e ns j no aceitamos essa interpretao como vlida para

    eles. Ento por que seria necessrio aceit-La no caso de Cantares de Salomo?

    Meek escreve: "A interpretao alegrica poderia fazer com que o livro significasse

    qualquer coisa que a imaginao frtil do intrprete pudesse inventar, e, no final, as suas

    prprias extravagncias seriam a sua runa, de forma que hoje esta escola de interpretao

    praticamente desapareceu" (1956, p. 93).

    5.2. Literal

    Com base nas premissas expressas acima est claro que o mtodo alegrico deve ser

    rejeitado por ser um caminho inaceitvel de interpretar a Bblia. Por essa razo s aceitamos

    os mtodos que nos permitem extrair o significado das palavras com base no sentido claro

    delas, como foram escritas. Fundamentado nisso, o Cantares de Salomo est falando do

    amor humano entre um homem e uma mulher. Foi esse amor que estava faltando quando

    Deus disse: "No bom que o homem esteja s; far-Ihe-ei uma auxiliadora que lhe seja

    idnea" (Gn 2.18). Mas mesmo quando Cantares interpretado de maneira literal, existe

    uma grande variedade de interpretaes.

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 61

    5.3. Tipolgica

    Para evitar a subjetividade da interpretao alegrica e honrar o sentido literal do

    poema, esse mtodo destaca os principais temas do amor e da devoo, em vez dos detalhes

    da histria. No calor e na fora da afeio mtua dos dois apaixonados, os intrpretes

    tipolgicos vem insinuaes do relacionamento entre Cristo e sua Igreja. A justificativa

    para essa idia baseia-se em paralelos com poemas de amor rabes, que podem ter

    significados esotricos ou msticos; com o uso que Cristo fez da histria de Jonas (Mt

    12.40) ou da serpente no deserto (Jo 3.14); e com as bem-conhecidas analogias bblicas do

    casamento espiritual (e.g., Jr 2.2; 3.1ss.; Ez 16.6ss.; Os 1-3; Ef 5.22-33; Ap 19.9).

    So inegveis os benefcios devocionais das interpretaes alegricas ou tipolgicas

    de Cntico dos Cnticos. Questiona-se, porm, a inteno do autor.

    Qualquer leitura alegrica perigosa porque as possibilidades de interpretao so

    ilimitadas. Estamos mais propensos a descobrir nossas idias do que a discernir o propsito

    do autor. Alm disso, o texto no fornece indcios de que Cntico dos Cnticos deva ser lido

    em outro sentido, que no o natural.

    5.4. Cultual

    Com a descoberta das antigas liturgias de culto do Oriente Prximo, emergiu uma

    teoria que interpretava o Cantares como um ritual pago que havia sido secularizado ou at

    se adaptado para o louvor de Jav. Mas Gottwald ressalta que "existiriam problemas

    terrveis" se aceitssemos esta interpretao (IDB, IV, p. 423).

    5.5. Lrica ou cntico de Amor

    Em dcadas recentes, alguns estudiosos tm visto Cntico dos Cnticos como um

    poema ou uma coleo de poemas de amor, talvez, mas no necessariamente, ligados a

    celebraes de casamento ou ocasies especficas. Tenta-se dividir Cntico dos Cnticos em

    alguns poemas independentes. Mas percebe-se um tom dominante de unidade na

    continuidade do tema, nas repeties que soam como refres (e.g., 2.7; 3.5; 8.4), na

    estrutura encadeada que liga cada parte anterior, preparaes nos captulos 1-3 para a

    consumao do relacionamento amoroso em 4.9-5.1; nas implicaes dessa consumao em

    5.2-8.14.

    Pode-se sentir a mensagem de Cntico dos Cnticos no tom da poesia lrica. Embora

    o movimento seja evidente, s se v um esboo nebuloso da trama. O amor do casal to

    intenso no incio como no fim; assim, a fora do poema no est num clmax apotetico

    (ainda que o ponto central seja a cena de consumao, 4.9-5.1), mas nas repeties criativas

    e delicadas dos temas de amor um amor almejado quando separados (e.g., 3.1-5) e

    plenamente desfrutado quando juntos (e.g., cap. 7), vivenciado no esplendor do palcio

    (e.g., 1.2-4) ou na serenidade do campo (7.11ss.) e reservado exclusivamente para o

    companheiro da aliana (2.16; 6.3; 7.10). um amor to forte quanto a morte, que a gua

    no consegue extinguir nem uma enchente, afogar, um amor que se d de bom grado, a

    qualquer custo (8.6s.).

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 62

    5.6. Ritos Litrgicos

    Uns poucos estudiosos procuraram iluminar passagens obscuras do Antigo

    Testamento comparando-os com os costumes religiosos da Mesopotmia, Egito ou Cana.

    Um exemplo a teoria de que Cntico dos Cnticos deriva de ritos litrgicos do culto a Tamuz (cf. Ez 8.14), deus babilnio da fertilidade. Esses ritos celebravam o casamento

    sagrado (gr. hieros gamos) de Tamuz e sua consorte, Istar (Astarte), que produzia a

    fertilidade anual da primavera. (WHITE, 1956, p. 24). A cultura ocidental moderna mostra que a religio pag pode deixar um legado de terminologia sem influenciar crenas

    religiosas (e.g., nomes dos meses), mesmo assim, parece altamente questionvel que os hebreus aceitassem a liturgia pag, com gosto de idolatria e imoralidade, sem uma reviso

    completa de acordo com a f caracterstica de Israel (WHITE, ibid., p. 24). Cntico dos Cnticos no carrega marcas de uma reviso desse tipo.

    5.7. Dramtica

    A presena de dilogos, monlogos e coros tem levado estudiosos de literatura, tanto

    antigos (e.g., Orgenes, c. 240 d.C.) como modernos (e.g., Milton), a trat-lo como um

    drama. Duas formas de anlise dramtica tm dominado:

    (a) Dois personagens principais, Salomo e a sulamita, identificada por alguns com a filha

    do fara, com a qual Salomo se casou por convenincia (1Rs 3.1).

    (b) Trs personagens, incluindo o pastor, que ama a virgem, bem como Salomo e a

    sulamita. A trama gira em torno da fidelidade da sulamita a seu amado rude, apesar das

    tentativas suntuosas de Salomo em cortej-la e conquist-la.

    O ponto de vista dos trs personagens foi desenvolvido primeiramente por Ibn Ezra,

    popularizado por J. F. Jacobi (1771), e explicado de maneira detalhada e cuidadosa por

    Heinrich Ewald (1826). (MEEK, op cit., p. 93). Mesmo Meek, que rejeita esse ponto de

    vista, escreve: "Se o livro deve ser interpretado literalmente, existem dois amantes, um rei e

    um pastor". (Ibid., p. 94). Em 1891 Driver escreveu: "De acordo com [...] [esse] ponto de

    vista [...] aceito pela maioria dos crticos e intrpretes modernos, existem trs personagens,

    isto : Salomo, a serva sulamita e seu amante pastor". (CHARLES, 1891, p. 410). Esta

    perspectiva foi defendida e desenvolvida mais recentemente por Terry (The Song of Songs,

    s.d.), e Pouget (The Canticle of Cnticles,1948).

    De acordo com a interpretao dos trs personagens, a jovem mulher era a nica filha

    entre vrios irmos que pertenciam a uma me viva morando em Sunm.

    Ela se apaixonou por um belo jovem pastor e eles ento noivaram. Enquanto isso, em

    uma visita pela vizinhana, o rei Salomo foi atrado pela beleza e graa da jovem. Ela foi

    levada fora para a corte de Salomo ou simplesmente sob um impulso do momento (cf.

    6.12) que veio dela mesma em acordo com os servos do rei. Aqui o rei tentou cortej-la,

    mas foi rejeitado. Por causa da urgncia que sentia, Salomo tentou fascin-la com sua

    pompa e esplendor. Mas todas as suas promessas de jias, prestgio e a mais alta posio

    entre suas esposas no conquistaram o amor da jovem. De modo imperturbvel ela declarou

    o seu amor pelo seu amado do campo. Finalmente, reconhecendo a profundidade e a

    natureza do seu amor, Salomo permitiu que a moa deixasse sua corte. Acompanhada pelo

    seu querido pastor, ela deixou a corte e retomou ao seu humilde lar no campo.

    As duas concepes tm fraquezas: a ausncia de instrues dramticas e a

    complexidade decorrente, caso a sulamita esteja reagindo corte de Salomo com

    lembranas de seu amado pastor. Um obstculo importante a todas as interpretaes desse

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 63

    tipo a escassez de indcios de dramas formais entre os semitas e, em particular, entre os

    hebreus.

    6. Autoria do livro

    J que as opinies diferem entre si to amplamente no que tange interpretao,

    natural que exista pouca concordncia entre os estudiosos quanto a autoria do livro.

    O ponto de vista tradicional, baseado em 1.1, que o livro foi escrito pelo rei

    Salomo.

    Mas a linguagem do versculo pode ser entendida como de Salomo, para Salomo,

    ou sobre Salomo.

    Muitos estudiosos rejeitam essa posio tradicional tendo por base que o livro possui

    palavras em aramaico que no existiam em Israel nos tempos de Salomo. Como resposta,

    algum pode dizer que, em vista do contato de Israel com o mundo afora, tais termos

    poderiam ter sido facilmente aprendidos e usados nesse perodo.

    Se aceitarmos a interpretao dos trs personagens adotada neste comentrio, a

    autoria de Salomo questionada com base em fundamentos psicolgicos.

    Argumenta-se que no seria muito comum o rei Salomo contar a histria de sua

    rejeio por essa jovem, pela qual ele teria se apaixonado. Mas no seria sustentvel que um

    homem com a mente e disposio filosfica como as de Salomo poderia ter escrito o

    Cntico como o temos hoje? No provvel que ele o teria feito de imediato.

    Mas no poderia um Salomo mais velho e mais sbio, ao lembrar dessas

    experincias, ter se sentido motivado a escrever esse relatrio? Ser que no existe um

    ponto de referncia, principalmente no fim da vida, a partir do qual a pessoa pode apreciar

    os fortes mpetos da atrao fsica, reconhecer as alegrias do amor humano e ao mesmo

    tempo dar um alto valor lealdade constante que coloca a integridade acima da fascinao

    pela nobreza e riqueza? Se foi psicologicamente possvel ao rei liberar com honra a jovem

    que ele poderia ter mantido pela fora, no parece impossvel o mesmo homem ter escrito a

    histria.

    O que devemos concluir? Dois estudiosos recentes e conservadores discordam.

    Woudstra (embora no aceite a interpretao dos trs personagens) escreve: "No existem

    bases suficientes para desviar-se desse ponto de vista histrico (a autoria de Salomo)",

    (The Wycliffe Bible Commentary, 1962, p. 595). Cameron confirma: "Se Ewald for seguido

    quando afirma que existe um amante pastor (...), a convico na autoria de Salomo

    fracamente sustentvel, e impossvel descobrir quem o autor". (Op. cit., p. 547).

    Conclui-se que de acordo com o ttulo pode significar ou que Cantares fora composto

    por Salomo ou a respeito dele. A tradio uniformemente favorece a primeira

    interpretao. Contudo, conforme o exposto acima alguns eruditos modernos, tm mantido

    que o grande nmero de vocbulos estrangeiros, encontrados no poema, no ocorreriam na

    literatura de Israel antes do perodo ps-exlico.

    Outros pensam, com Driver, que os contactos generalizados de Israel com naes

    estrangeiras, durante o reinado de Salomo, explicariam suficientemente a presena dessas

    palavras no livro. Se esse ponto de vista for aceito, e se for suposto que existem apenas dois

    personagens principais nos Cantares, parece no haver qualquer motivo substancial para pr

    de lado o ponto de vista tradicional sobre a autoria. Mas, se seguirmos Ewald, o qual

    afirmava que existe um pastor amante em adio, a crena na autoria de Salomo

    dificilmente pode ser mantida, e impossvel dizer quem foi o autor do livro.

  • Antigo Testamento II Histricos e Poticos 64

    7. Data do livro

    Datar o livro depende do ponto de vista que temos acerca do seu autor. Se Salomo

    escreveu o Cantares, precisa ser datado no sculo X a.C. Os eruditos que procuram dat-lo

    de acordo com a ocorrncia de palavras estrangeiras no texto situam o livro entre 700 a.C. e

    300 a.C.

    8. Caractersticas Especiais

    o nico livro na Bblia que trata exclusivamente do amor especificamente conjugal;

    uma obra-prima incomparvel da literatura, repleta de linguagem imaginativa; discreta,

    mas realista; tomada principalmente do mundo da natureza. As vrias metforas e a

    linguagem descritiva retratam a emoo, poder e beleza do amor romntico e conjugal, que

    era puro e casto entre os judeus, o povo de Deus dos tempos bblicos; um dos poucos

    livros do Antigo Testamento de que no se faz referncia no Novo Testamento; neste livro,

    consta apenas uma vez o nome de Deus, em Ct 8.6, mas a inspirao divina permeia o livro,

    principalmente nos seus smbolos e figuras.

    9. O Livro de Cantares ante o Novo Testamento

    Cantares de Salomo prenuncia um tema do Novo Testamento revelado ao escritor de

    Hebreus: Venerado seja entre todos o matrimnio e o leito sem mcula (Hb 13.4). O cristo pode e deve desfrutar do amor romntico e conjugal. Muitos intrpretes do passado

    abordam este livro primordialmente como uma alegoria proftica do amor entre Deus e

    Israel, ou entre Cristo e a igreja, sua noiva. O Novo Testamento no se refere a Cantares de

    Salomo sobre este aspecto, nem faz referncia a este livro. Por outro lado, vrios trechos

    bsicos do Novo Testamento descrevem o amor de Cristo igreja sob a figura do

    relacionamento marital (por exemplo, 2Co 11.2; Ef 5.22,23; Ap 19.7-9; 21.1,2,9). Da,

    pode-se considerar Cantares de Salomo uma ilustrao da qualidade de amor existente

    entre Cristo e a sua noiva, a igreja. um amor indiviso, devotado e estritamente pessoal, ao

    qual nenhum estranho tem acesso.