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CTP 00 Coração,cabeça e estômago - atelie.com.br · novela passional, onde se situam as produções mais típicas desse escritor5. Outro dado relevante . No Dicionário de Camilo

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Coração, Cabeça e Estômago e a Geometria da Composição – Jean Pierre Chauvin . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Nota Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

Coração, Cabeça e Estômago

Advertência do Autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61Preâmbulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

Primeira ParteCORAÇÃO

Sete Mulheres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71A Mulher que o Mundo Respeita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97A Mulher que o Mundo Despreza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

Segunda ParteCABEÇA

Jornalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165Páginas Sérias da Minha Vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177

Sumário

8 m coração, cabeça e estômago

Terceira ParteESTÔMAGO

De Como Me Casei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219O Editor ao Respeitável Público . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251

Anexos

Da Segunda Edição – O Editor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269Coração, Cabeça e Estômago: Romance de Camilo Castelo Branco – A . A . Teixeira de Vasconcelos (1862) . . . . . . . . . . 271

Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 315

n 9

[…] quem me diz a mim que eu não tenha o póstumo regalo de ser impresso e lido?

Silvestre da Silva [p . 183]

Convidei-te para o passeio através de Ca-milo como remédio contra o estilo redon-do dos jornais, que somos forçados a ingerir

todos os dias . Monteiro Lobato1

Breve Retrato

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco nasceu em Lis-boa no dia 16 de março de 1825 . Órfão de mãe aos dois anos e de pai, aos dez, foi criado por uma tia que morava no vi-larejo de Samardã, em Trás-os-Montes . Foi lá que o menino recebeu as instruções de um padre, amigo de sua irmã mais velha, o que lhe possibilitou concluir sua formação escolar no ambiente doméstico .

1. Monteiro Lobato, A Barca de Gleyre, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1944, p . 259 (carta a Godofredo Rangel, 23 de janeiro de 1915) . Sou muito grato a Thiago Mio Salla, que me sugeriu consultar a correspondên-cia de Monteiro Lobato – franco admirador da obra camiliana, que lhe ser-via de modelo e inspiração .

Coração, Cabeça e Estômago e a Geometria da Composição

Jean Pierre Chauvin

10 m jean pierre chauvin

Aos dezesseis, casou-se com uma jovem da região, tendo permanecido com ela por um ano . Camilo residiu em Vila Real durante alguns anos, até que em 1850 conheceu Ana Plácido – que estava em vias de se casar com outro homem . No final de 1860, Ana e Camilo foram presos sob a acusação de adultério . Durante os meses em que o escritor viveu no cárcere, há notícia de que tenha publicado quatro romances, dentre os quais Amor de Perdição, redigido em apenas duas semanas . Após a saída da prisão, Camilo continuou a escrever muito e em ritmo veloz .

No ano de 1885, o romancista foi nomeado Visconde de Correia Botelho – título outorgado pelo rei Dom Luís I . No mesmo ano, ficou cego e passou a apresentar outros sin-tomas de saúde fragilizada . Em 1o de junho de 1990, tendo recebido a visita de um oftalmologista, descobre que não recuperaria a visão . A notícia foi um golpe tremendo, que Camilo não pôde suportar . Enquanto o médico deixava a re-sidência, acompanhado por Ana Plácido, o romancista sui-cidou-se com um tiro de revólver .

Obras em Série

Por muito tempo, esses e muitos outros episódios colhi-dos na trajetória dramática de Camilo Castelo Branco indu-ziram seus biógrafos a estabelecer relações imediatas entre a vida do homem e algumas das cenas representadas em sua ficção . Embora possamos encontrar paralelismos entre bio-grafia e arte literária, o estudo de sua obra, do ponto de vis-ta da crítica literária, concentra-se no exame dos elementos internos das narrativas ficcionais, e não no caráter suposta-mente instável do escritor .

Lembremos que Camilo Castelo Branco foi um dos escri-tores que maior quantidade de obras publicou em sua épo-

coração, cabeça e estômago e a geometria . . . n 11

ca e lugar . Recenseamentos realizados por seus estudiosos trazem números impressionantes: sugerem a marca de cen-to e trinta e sete obras, distribuídas em romances, novelas, peças de teatro, poemas, artigos de crítica, crônicas, corres-pondências, artigos em jornal – sem contar a biografia do Marquês de Pombal, por ocasião do centenário da morte do estadista .

O empenho em compor numerosos livros refletia moti-vações de ordem financeira: Camilo escrevia para sobrevi-ver – algo raro em seu tempo . Uma das consequências foi a multiplicidade de gêneros, temas e estilos recobertos por sua ficção . Abel Barros Baptista observa que:

Camilo surge-nos como um autor que constrói a respectiva obra na acumulação de títulos de circunstância, escrevendo conforme lhe pedem, assumidamente capaz de escrever sobre tudo e confes-sadamente disposto a escrever sobre tudo e, em especial, mais su-jeito aos gostos, sempre primários e mesquinhos, de um público de senhoras ociosas2 .

Levando-se em conta apenas a sua produção romanes-ca, o novelista responde por dezenas de narrativas, produzi-das ao longo de quarenta e cinco anos de atividade . Dentre elas está Coração, Cabeça e Estômago, seu décimo sétimo ro-mance, publicado em 1862 pela Livraria de António Maria Pereira, em Lisboa . O livro alcançou a segunda edição em 1864 – um grande feito editorial, referido pelo autor em bre-ve prefácio ao volume: “A rapidez com que foi consumida a primeira edição deste romance é um dos raros exemplos que,

2. Camilo e a Revolução Camiliana, Lisboa, Quetzal Editores, 1988, pp . 18-19 .

12 m jean pierre chauvin

infelizmente para as letras de Portugal, podemos citar”3 . Cora-ção, Cabeça e Estômago costuma ser considerada pela crítica como obra de transição temática, o que tem suscitado uma longa discussão a respeito da expressão camiliana e de sua fi-liação ora à escola romântica, ora à realista4 . Como salienta-ram Benjamin Abdala Júnior e Maria Aparecida Paschoalin:

Podemos discernir uma linha de desenvolvimento da nove-la camiliana, apesar de sua irregularidade e de seus avanços e re-cuos estéticos . Presa ao gosto popular, ela oscila do romantismo à Herculano para as formas realistas de representação, passando pelo ultrarromantismo que permeia, mais ou menos, todas as suas produções . Este é o seu traço distintivo: sua força artística está na novela passional, onde se situam as produções mais típicas desse escritor5 .

Outro dado relevante . No Dicionário de Camilo Castelo Branco, Alexandre Cabral relembrava que “Coração, Cabeça e Estômago é um dos raros romances de Camilo, como ou-

3. “Da Segunda Edição”, em Camilo Castelo Branco, Coração, Cabeça e Estômago, 2a ed ., Lisboa, Livraria A . M . de Almeida, 1864, p . v .

4. “Em determinados romancistas, emerge um assento realista mar-cado pelo entrelaçamento da autoconsciência ficcional com um espelha-mento da realidade empírica . Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, Camilo Castelo Branco, na maior parte de suas dezenas de romances, e Almeida Garrett, em Viagens na Minha Terra, legaram lances antológicos desse registro . Simultaneamente, esses textos postulam uma re-presentação que se desdobra em representar a matéria social plasmada no mundo burguês-oitocentista e os mecanismos subjacentes a essa constru-ção, conjugando a remissão ao caráter ficcional (ilusório) com um manejo que busca causar impressão de realidade” (Moizeis Sobreira de Sousa, As Fontes Setecentistas do Romance Português, FFLCH/USP, 2014, p . 40) .

5. História Social da Literatura Portuguesa, São Paulo, Ática, 1982, p . 89 .

coração, cabeça e estômago e a geometria . . . n 13

tros dessa época, que não passou pelos rodapés dos jornais”6 . Por vezes, supôs-se que o romancista atendesse a várias eti-quetas, como sintoma de sua verve romanesca . Para Carlos Reis, não se tratava de um escritor eminentemente realista, já que:

O “Realismo” de Camilo não é um realismo de escola, é, noto-riamente, um Realismo de outra índole: é um Realismo rural que se manifesta nas falas da gente plebeia e um Realismo do quotidia-no refletido no diálogo das personagens que se confrontam entre si . Concorre ainda para essa impressão de Realismo causada no lei-tor a vis sarcástica própria de Camilo, que muitas vezes, através da charge mordaz, denuncia a artificialidade das situações e/ou per-sonagens7 .

Ora, o expediente de retratar a vida no campo não im-pediu que se produzissem obras de feição realista . Bastaria lembrar que Eça de Queirós ambientou A Cidade e as Ser-ras tanto na cidade quanto no campo, e nem por isso seu romance deixou de figurar como uma das obras capitais do Realismo português . A questão talvez seja outra, já que Ca-milo não se restringiu a escrever apenas sobre um tema, nem se mostrou preso a determinada escola literária .

Contrapondo-se a um lugar-comum reiterado por uma parcela da crítica, Paulo Motta Oliveira sugere estarmos diante de “um escritor que, sozinho, atende às necessidades dos mais diferentes livreiros construindo romances nos mol-

6. Dicionário de Camilo Castelo Branco, 2a ed ., Lisboa, Editorial Cami-nho, 2003, p . 246 .

7. Carlos Reis, Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea, Lisboa, Universidade Aberta, 1990, p . 79 .