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34 entrevista Realeza cubana

cubana - pressfolios-production.s3.amazonaws.com · em Havana, Buena Vista Social Club era o nome de uma antiga casa de shows onde os músicos locais se encontravam, tocavam e dançavam

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entrevista

Realezacubana

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Tyara de La-Rocque Divulgação

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Orquestra foi recebendo a adição de novos integrantes desde a união dos veteranos para o projeto que resultou no premiado álbum de estreia do grupo

É quase impossível ouvir a canção “Guanta-

namera” e não mexer ao menos o dedão

do pé. Quando “Chan Chan” é a batida na

vitrola, fica difícil recusar uma dança a dois no sa-

lão. E se Ibrahim Ferrer estiver cantando “Cande-

la”, é muito fácil se deixar hipnotizar. O compasso

alegre e contagiante da música de Cuba é sem-

pre um convite a viver momentos de pura emo-

ção. A mistura de vários ritmos, herdados dos co-

lonizadores espanhóis e dos escravos negros da

África, como a salsa, o merengue, mambo e rum-

ba, por exemplo, faz da música cubana uma das

mais sinestésicas, charmosas e envolventes. Com

tanta efervescência e diversidade cultural presente

em Cuba, manter uma classificação exata para o

estilo de música deste país seria extremamente

injusto.

Referência no cenário musical cubano, os artis-

tas da Orquestra Buena Vista Social Club ganha-

ram espaço e destaque, além de darem visibilida-

de mundial à arte e cultura da Cuba natal de Fidel

Castro. Com carisma e simplicidade de sobra, o

Buena Vista, até hoje, encanta e arranca aplau-

sos de pé por onde passa. Na década de 1940,

em Havana, Buena Vista Social Club era o nome

de uma antiga casa de shows onde os músicos

locais se encontravam, tocavam e dançavam.

Sem grandes pretensões iniciais, mas com muita

propriedade em termos musicais, talentos como

Omara Portuondo, Rúben González, Ibrahim Fer-

rer, Compay Segundo, entre outros nomes de

peso da música cubana, puderam revelar nesse

ambiente preciosidades artísticas em instrumen-

tos, vozes e composições.

Admirador ferrenho da música cubana, Ry Coo-

der, guitarrista e produtor musical, teve o desejo

de reunir músicos cubanos de vanguarda para

gravar um disco. Dado o passo, mal ele imagina-

va que pouco depois a ideia em ação seria o por-

tal de exposição da música cubana para o mundo

e a formação consolidada do Buena Vista Social

Club, que na verdade nunca havia existido con-

cretamente.

Retrato em celuloideQuarenta anos após o famoso clube fechar as

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portas, o diretor alemão Wim Wenders, outro fas-

cinado pela música popular cubana, resolveu do-

cumentar o momento histórico, com as cenas das

gravações em estúdio, depoimentos dos músicos

sobre suas vidas em Cuba e os momentos emo-

cionantes das apresentações do grupo em Ams-

terdã e Nova York. Considerado um dos principais

trabalhos de Wenders, o documentário recebeu

indicações ao Oscar de melhor documentário e

ganhou o prêmio Cinema Brasil de Melhor Filme

Estrangeiro, em 1999.

A cadência da música cubana se espalhou pelo

mundo, os ouvidos e corpos cederam ao mag-

netismo percussivo da sua sonoridade e o mer-

cado pop não fez diferente. Em 2005, o projeto

Rhythms del Mundo – o último com a participa-

ção de Ibrahim, que faleceu naquele ano – uniu

os músicos do Buena Vista e as vozes de Ferrer e

Omara em rearranjos de hits do mainstream mun-

dial. U2, Maroon 5, Quincy Jones e os modernos

Radiohead, Franz Ferdinand e Arctic Monkeys se

renderam às peculiaridades do balanço cubano e

viram suas obras ganharem outros ares, provando

que a tipicidade latina extrapolou o caráter folclóri-

co e tornou-se referência cosmopolita.

É difícil dimensionar aos menos atentos à his-

tória recente da música no mundo a grandeza de

um grupo que, com o seu som, rompeu fronteiras

políticas e tornou-se um cartão-postal mais lumi-

noso que a ensolarada Havana. Representando a

linguagem sonora de um povo que viveu revolu-

ções, as dores de um sistema político hermético

– sobre o qual ainda hoje é incômodo conversar,

mesmo para o grupo – e outras limitações decor-

rentes desse período, o grupo de artistas que so-

mou seus talentos representa também a soma de

tantos sentimentos e memórias afetivas cubanas,

que nunca sucumbiram ao ranço dos momentos

mais difíceis. Falar de Buena Vista é passear pela

história cultural de um país inteiro.

Em uma breve e concorrida entrevista concedida à

Revista Leal Moreira, o Buena Vista Social Club (em es-

pecial o trompetista Manuel “Guajiro” Mirabal, da forma-

ção original da banda) falou sobre a última passagem

pelo Brasil, em outubro e novembro de 2011, Amazônia,

diversidade musical e, claro, cultura e música cubanas. »»»

Os shows da orquestra Buena Vista Social Club encantam pela emoção, história e forte apelo de uma cultura rica e reconhecida no mundo inteiro

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A cantora Omara Portuondo, remanescente da orquestra original, é reverenciada pelo que representa na música latino--americana. Aqui, ela recebe o carinho da brasileira Vanessa da Mata.

A música cubana é marcante, revela um povo que a vê como formadora de sua própria identidade, não há como desvinculá-la disso. O estilo afro-caribenho mundialmente conhecido da Orquestra Buena Vista Social Club mostrou ao mundo, de forma intensa e poética, não apenas o ritmo musical cubano, mas a história e cultura do povo de Cuba. Vocês poderiam explicar, brevemente, a relação que existe entre a música, cultura e história cubanas no Buena Vista Social Club?

Achamos que a música e a história cubanas são

muito ricas; mostra disso é o projeto Buena Vista

Social Club, como um grupo de músicos reunidos,

que em uma sessão de gravação puderam resumir

em um CD parte do nosso talento, da nossa varie-

dade de gêneros, grandeza musical e, além disso,

contar parte da história de Cuba também, desde a

dança até o som. Mostramos nossa música e histó-

ria em forma de acordes e sons que, em conjunto,

dão ao mundo de presente o Buena Vista.

Uma das principais características da música e cultura cubana é a diversidade. O Brasil também é um país de muita diversidade musical e cultural. Nessa última turnê de vocês no Brasil, em outubro passado, vocês passaram por centros urbanos bra-sileiros: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Recife e Porto Alegre. O que chama mais atenção de vocês na cultura e música brasileiras?

Brasil e Cuba são dois países que têm muita ri-

queza cultural e um dos pontos de encontro é a

música. Tanto os brasileiros como os cubanos são

muito rítmicos; o cubano com a clave, o brasilei-

ro com o pandeiro, o bumbo. Tudo isso pudemos

comprovar em nossas apresentações no gigante

da América do Sul, com muitos coros, aplausos e

ovações.

O Buena Vista Social Club foi um espaço de músi-ca e dança onde se reunia a boemia de Havana. Ape-sar de ter durado poucos anos, entre as décadas de

A capa do álbum “Buena Vista Social Club” (1997) mostra o músico

Ibrahim Ferrer em uma caminhada descompromissada pelas ruas de

Havana. A foto, do arquivo pessoal do artista, foi feita na época em

que a casa de dança Buena Vista Social Club era a sensação na capi-

tal cubana, nos idos da década de 1940. Win Wenders ficou fascina-

do pela imagem e a usou para compor o cartaz do filme homônimo,

lançado em 1999. O apelo histórico e a elegância do retratado foram

decisivos na escolha.

1. Chan Chan

2. De Camino A La Vereda

3. El Cuarto De Tula

4. Pueblo Nuevo

5. Dos Gardenias

6. Y Tú Qué Hs Hecho

7. Veinte Años

8. El Carretero

9. Candela

10. Amor De Loca Juventud

11. Orgullecida

12. Murmullo

13. Buena Vista Social Club

14. La Bayamesa

Set list do disco

Leia mais

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1940 e 1950, o local está até hoje vivo na memória dos cubanos. Qual a principal influência negativa para a cena musical cubana com o fechamento do clube, ordenado pelo presidente de Cuba Fidel Cas-tro, na época?

A verdade é que entendemos mais de música

que de política... Muitos de nós não vivemos esse

momento...

No Rio, vocês chegaram a visitar a velha guarda de escolas de samba, que são uma espécie de Bue-na Vista do samba carioca. Como foi esse encontro histórico e de ritmos, com direito até a feijoada?

No Rio, tivemos mesmo a oportunidade de vi-

sitar uma escola de samba. Foi impressionante,

pois pudemos ver, viver e sentir toda a energia

reunida naquele lugar: a bateria, as bailarinas, a

famosa feijoada. Foi um encontro muito frater-

nal entre duas culturas próximas, pois tanto eles

como nós temos variedade de ritmos, cadências,

formas de harmonizar. Achamos isso uma grande

experiência, pois vivemos bem de perto uma par-

te muito importante da cultura brasileira, pois uma

das razões pelas quais o Brasil é mundialmente

conhecido, e especificamente o Rio de Janeiro,

são os desfiles das escolas de samba.

A região Norte do Brasil, onde está localizada a Amazônia, também tem bastante riqueza cultural e diversidade nos estilos musicais. Algum de vocês já teve a oportunidade de conhecer a Amazônia? Pensam em fazer algum show no Norte do país?

Não estivemos na Amazônia e sempre gosta-

mos de viajar a lugares novos. Ficaríamos encan-

tados de poder descobrir este pedaço do Brasil.

A performance ao vivo da Orquesta Buena Vista Social Club é sempre elogiada pela imprensa de todo o mundo. Mesmo após 14 anos do lançamento do documentário “Buena Vista Social Club”, ainda

Redescoberta da música cubana após lançamento de disco e fi lme levou o grupo a turnês mundiais, como a que passou pelo Brasil no último mês

»»»

Ibrahim Ferrer

Juan de Marcos González

Rubén González

Compay Segundo

Ry Cooder

Joachim Cooder

Manuel “Puntillita” Licea

Orlando “Cachaito” López

Manuel “Guajiro” Mirabal

Eliades Ochoa

Omara Portuondo

Barbarito Torres

Amadito “Tito” Valdés

Pio Leyva

• Em 2003, o Buena Vista perdeu dois de seus integrantes mais famosos,

o pianista Rubén Gonzáles e o violonista e clarinetista Compay Segundo.

• Ibrahim Ferrer, talvez o mais conhecido dos músicos do grupo, morreu

aos 78 anos, em 2005.

• Em 2009, nova perda, dessa vez do baixista Orlando “Cachaito” López.

• Em julho deste ano, o grupo perdeu mais um integrante, o

violonista Manuel Galbán.

Muitos dos integrantes do Buena Vista aproveitaram o disco

e filme para voltar à música. Destacam-se Ibrahim Ferrer, que

lançou dois trabalhos individuais, Compay Segundo (que du-

rante 40 anos trabalhou como agricultor) e Omara Portuondo,

cantora conhecida do público brasileiro pela parceria recente

com Maria Bethânia.

Site oficial da banda: www.buenavistaosocialclub.com.

Formação original do grupo Perdas Solos

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hoje o DVD é muito comentado pelo público, tanto pela qualidade e conteúdo da produção, quanto pelo som da orquestra. O que vocês acham dessa repercussão posi-tiva existente até os dias atuais?

Acreditamos que a ideia da realização do documen-

tário apoiando o lançamento do disco foi genial, pois

o filme explicou um pouco ao mundo a carreira de-

senvolvida pelos membros originais, sua vida, como

se reuniram. O fato de tudo isso ter sido registrado

na tela grande foi muito importante, pois confirma as

grandezas como artistas e pessoas de cada um dos

integrantes da orquestra. Atualmente, além de todos

os sons, é como uma identidade mundial.

Atualmente, a orquestra une músicos cubanos vete-ranos e novos integrantes. Como é o trabalho dos artis-tas mais antigos com os novatos?

Para todos nós é, primeiramente, um grande privi-

légio compartilhar o cenário com grandes artistas, vir-

tuosos em seus instrumentos. Desde o primeiro mo-

mento, os membros veteranos do grupo brindaram os

mais novos com muito apoio e conselhos. O fato de

os integrantes mais recentes continuarem o trabalho

que vem sendo feito há um tempo é uma tarefa mui-

to difícil, pois apesar das gerações serem distintas, é

preciso manter o selo, a originalidade, a tradição de

nossa música, que é a essência da nossa orquestra.

E no caso dos mais atuais, acrescentar também o pe-

queno grão de areia ao longo dos espetáculos.

Baluartes de uma música reconhecida internacionalmente, artistas fi caram 50 anos separados