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O JOGO DURO CONTRA O CÂNCER culto à vida: Como uma mulher de 23 anos e equipes de voluntários agem para evitar a metástase www.zoomnews.es por Thiago Cury Luiz “Eu sempre tive uma infância nor- mal. Aos dez anos, fui ao hospital aqui em Getulina e o médico me encami- nhou para Promissão. O começo foi a fase mais difícil. Logo em seguida à cirurgia, meu rosto inchou muito. Depois eu fui me acostumando aos remédios e exames. Como eu tinha pouca idade, a noção sobre a gravida- de da doença era pequena”. A lembrança de Suzana Maria Gar- cia, hoje com 23 anos, é de quando ela tinha apenas dez. A doença à que se refere é um câncer na tireoide. A be- nignidade do tumor foi constatada em fevereiro de 2002, quando o resultado da biopsia foi emitido pelo laboratório e lido pelo médico responsável. Só que a saga da menina Suzana havia começado um ano antes: aos nove anos de idade, ao passar a mão no pescoço, sentiu o dedo encontrar um caroço. Naquele tempo, ela já tinha os cabelos lisos e pretos, a pele parda, os olhos de jabuticaba. Hoje, é possível perceber a timidez no jeito de olhar, na fala curta, calma e baixa e cicatrizes na região da garganta. A vaidade pagou preço alto. A sobrevi- vência, definitivamente, vale qualquer sacrifício. O combate da pequena moça con- tra a doença começou com sessões de radioterapia e aplicações de injeção de iodo, já em 2002, no Hospital Ama- ral Carvalho, em Jaú, referência no centro-oeste paulista no tratamento do câncer. Justo ela, a caçula da prole de oito irmãos, passando por um dos testes mais ingratos da vida. Mas é como se o enfrentamento fosse uma vocação. E ela, claro, encarou. Foram duas cirurgias: 2002 e 2005, para extrair caroços na região do pes- coço. Era uma semana de recuperação no hospital, em que não se permite a ingestão de sólidos. Após esse perí- odo, aos poucos a alimentação foi sendo retomada. “No início, só pode consumir líquido. Depois de uma se- mana internada, voltei para casa. São mais 60 dias em recuperação”, recorda Suzana.

CULTO À VIDA

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Reportagem publicada no Getulina Jornal, na edição de 11 de janeiro de 2015, aborda o câncer sob dois olhares: paciente e voluntário. Na versão impressa, por questões de espaço, o trecho que trata do município foi suprimido. Aqui é possível ler a matéria na íntegra.

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O JOGO DURO CONTRA O CÂNCERculto à vida:Como uma mulher de 23 anos e equipes de voluntários agem para evitar a metástase

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por Thiago Cury Luiz

“Eu sempre tive uma infância nor-mal. Aos dez anos, fui ao hospital aqui em Getulina e o médico me encami-nhou para Promissão. O começo foi a fase mais difícil. Logo em seguida à cirurgia, meu rosto inchou muito. Depois eu fui me acostumando aos remédios e exames. Como eu tinha pouca idade, a noção sobre a gravida-de da doença era pequena”.

A lembrança de Suzana Maria Gar-cia, hoje com 23 anos, é de quando ela tinha apenas dez. A doença à que se refere é um câncer na tireoide. A be-nignidade do tumor foi constatada em fevereiro de 2002, quando o resultado da biopsia foi emitido pelo laboratório e lido pelo médico responsável.

Só que a saga da menina Suzana havia começado um ano antes: aos nove anos de idade, ao passar a mão no pescoço, sentiu o dedo encontrar um caroço. Naquele tempo, ela já tinha os cabelos lisos e pretos, a pele parda, os olhos de jabuticaba. Hoje, é possível perceber a timidez no jeito de olhar, na fala curta, calma e baixa e cicatrizes na região da garganta. A vaidade pagou preço alto. A sobrevi-vência, definitivamente, vale qualquer sacrifício.

O combate da pequena moça con-tra a doença começou com sessões de radioterapia e aplicações de injeção de iodo, já em 2002, no Hospital Ama-ral Carvalho, em Jaú, referência no centro-oeste paulista no tratamento do câncer. Justo ela, a caçula da prole de oito irmãos, passando por um dos testes mais ingratos da vida. Mas é como se o enfrentamento fosse uma vocação. E ela, claro, encarou.

Foram duas cirurgias: 2002 e 2005, para extrair caroços na região do pes-coço. Era uma semana de recuperação no hospital, em que não se permite a ingestão de sólidos. Após esse perí-odo, aos poucos a alimentação foi sendo retomada. “No início, só pode consumir líquido. Depois de uma se-mana internada, voltei para casa. São mais 60 dias em recuperação”, recorda Suzana.

4Como uma mulher de 23 anos e equipes de voluntários trabalham para evitar a metástase

em getulina, os voluntáriosnão arredam o pé da luta

“Eu sempre tive uma infância normal. Aos dez anos, fui ao hos-pital aqui em Getulina e o médico me encaminhou para Promissão. O começo foi a fase mais difícil. Logo em seguida à cirurgia, meu rosto inchou muito. Depois eu fui me acostumando aos remédios e exames. Como eu tinha pouca idade, a noção sobre a gravidade da doença era pequena”.

A lembrança de Suzana Maria Garcia, hoje com 23 anos, é de quando ela tinha apenas dez. A doença à que se refere é um cânc-er na tireoide. A benignidade do tumor foi constatada em fevereiro

Culto à vida: o jogo duro contra o câncer

a cidade em que ela escolheu viver

de 2002, quando o resultado da biopsia foi emitido pelo laboratório e lido pelo médico responsável.

Só que a saga da menina Suza-na havia começado um ano antes: aos nove anos de idade, ao passar a mão no pescoço, sentiu o dedo encontrar um caroço. Naquele tempo, ela já tinha os cabelos lisos e pretos, a pele parda, os olhos de jabuticaba. Hoje, é possível perce-ber a timidez no jeito de olhar, na fala curta, calma e baixa e cicatrizes na região da garganta. A vaidade pagou preço alto. A sobrevivência, definitivamente, vale qualquer sacrifício.

Mas há botecos, gente feliz, receptiva e conversadeira, que não se constrange em especular a vida alheia ou dar “bom

dia” a um desconhecido

Embora ela tenha nascido em Marília-SP e morado em Sabino-SP e Nova Andradina-MS, quando Suzana fala em “casa”, ela se refere a Getulina, município do interior paulista situado a 458 km da ca-pital do Estado e que é apelidada por seus moradores e por quem a visita de “Cidade Sorriso”. Devido à população carcerária de mais de 1.600 detentos, Getulina ultrapassa a marca de 10 mil habitantes. Para ser mais exato, são 10.675 pessoas espalhadas por quase 679 km² de área, o que faz do território [área urbana + zona rural] o 101º maior de São Paulo, num total de 645 mu-nicípios, tudo segundo dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística].

A modesta Getulina, fundada como povoado em 1917 e emanci-pada 18 anos mais tarde, fica pró-xima ao entroncamento de duas rodovias importantes para o Es-tado e o país: a Marechal Rondon [SP-300], que liga, a leste, parte do interior à capital e, no sentido opos-to, permite o deslocamento para Mato Grosso do Sul, entrando por Três Lagoas; além da Transbrasilia-na [BR-153], estrada que nasce em Aceguá, na fronteira do Rio Grande com o Uruguai, e morre em Mara-bá, importante cidade paraense, e permite aos moradores daqui a che-gada ao triângulo mineiro, Goiânia, Brasília e ao interior dos Estados do Sul.

Para se ter uma ideia mais exata da sua localização, em um raio de

120 km é possível chegar a São José do Rio Preto, Bau-ru, Marília, Araçatuba e Lins, as maiores cidades do seu entorno. É para esses lugares que os getulinenses vão quando querem comprar algo mais sofisticado ou preci-sam de um médico especialista ou quando querem uma diversão que ainda não tenha virado tédio. Por aqui não há semáforo, boates, shopping, prédio com mais de dois andares. Mas há botecos, gente feliz, receptiva e con-versadeira, que não se constrange em especular a vida alheia ou dar “bom dia” a um desconhecido.

A cidade está cravada num buraco, razão pela qual se avistam as casas e, especialmente, a igreja católica – a maior – de longe. Outro sintoma da baixa altitude é o forte calor e a ausência de vento em algumas épocas do ano, especialmente no verão. É comum o forasteiro sentir repulsa do suor que vai brotando da pele e es-correndo pelo corpo. É justamente esse clima quente e o agronegócio que fazem Getulina estar envolta por campos verdejantes: a monocultura de cana-de-açúcar substituiu os pés de café de outrora, e agora é ela quem

dá as cartas por aqui. A “Cidade Sorriso”, que já foi quatro vezes mais po-

voada durante o período áureo da economia cafeeira, guarda da época próspera só as ruas de paralelepípedo, cujas lajotas são milimetricamente quadradas, a arqui-tetura externa de algumas casas, com portões baixos, escada que dá acesso a uma pequena varanda, encima-da por arcos, e portas e janelas de madeira. A rua prin-cipal [como os moradores se referem à Rua Dr. Carlos de Campos, em que se concentra boa parte dos estabe-lecimentos comerciais daqui] é mais uma herança de uma época que prometia muito, mas muito pouco se concretizou.

Inevitável também não falar da praça central, úni-co lugar de encontro da moçada aos sábados à noite. Nela foi construído um dos primeiros prédios da cida-de, a Igreja Matriz, católica, cartão postal do município. Como foi do feitio de muitas cidades do Brasil, calcado na tradição cristã, ao se fundar um município, cons-truíam-se a sede do governo e o templo de orações. Ge-tulina, claro, seguiu a cartilha.

É bem no centro da cidade, nas cercanias da Igreja Matriz e da Pra-ça 9 de Julho, que está o Grupo Ge-tulinense de Combate ao Câncer, o refúgio inicial de Suzana ao des-cobrir a doença. Ela foi a primeira paciente encaminhada a Jaú e uma das primeiras assistidas pelos vo-luntários.

Fundado em 28 de janeiro de 2002, o Grupo presta atendimento a 69 pessoas de Getulina e Guaim-bê, fornecendo remédios, exames, cestas e, se necessário, alguns obje-tos específicos, como sonda gástri-ca, próteses e bolsas de colostomia [em caso de cirurgia intestinal]. “O nosso trabalho vai além da doença. A nossa preocupação é dar assis-tência ao paciente enquanto o seu tratamento é feito”, conta Jucelen Penachio de Carvalho, uma das 39 voluntárias do Grupo.

Após um início difícil, com a equipe mal tendo um espaço ade-quado para atender os pacientes e planejar as atividades, hoje o Grupo está estabelecido em uma casa anti-ga alugada, daquelas que os cômo-

dos dão na sala, o piso externo é de ladrilho pintado e o forro é amadeirado. É ali, na esquina da Praça com a Dom Pedro II, que os integrantes recebem doações e vendem produtos novos e usados doados pela comu-nidade ou produzidos pelos próprios voluntários e co-laboradores. Além disso, uma vez por ano, são organi-zados eventos para arrecadar fundos, como o Pedágio, Bazar do Artesanato, Chá Beneficente, a Noite Italiana e a Barraca do Pastel.

Porém, como se trata de uma doença cujos custos são elevados, é necessário planejar outras formas de receitas. O Leilão de Gado, promovido todos os anos pela Igreja Matriz, viabiliza o cumprimento das metas. Porque a doença, além de judiar do corpo e do espírito, exige do bolso um preço com o qual muitos não con-seguem arcar. Fora isso, outras instituições religiosas também contribuem doando vestuários. Supermerca-dos, demais comerciantes e empresários da cidade ofe-recem contribuições em dinheiro.

“Cada vez que o paciente passa pelo procedimento quimioterápico, ele precisa fazer um exame de sangue. Pelo SUS [Sistema Único de Saúde] costuma levar um mês para sair o resultado. Em casos de doença, precisa demorar no máximo dois dias. Para agilizar o processo, nós custeamos esse exame, já que o paciente não pode esperar. Além disso, nós arcamos com exames de diag-nóstico e biópsia”, explica Jucelen.

A despeito da medicação, exames, roupas e comida, os donativos também abrangem outros equipamentos

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Luiz

REPORTAGEM ESPECIAL

Aristides Mercês, para homenagear a esposa que se chamava Getúlia, deu ao novo povoado o nome de Getulina

A partir da relação com a população local, os volun-tários dão assistência a pacientes e familiares. É o que se chama decomunidade participativa

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os dados do câncer no brasil

6Como uma mulher de 23 anos e equipes de voluntários trabalham para evitar a metástase

REPORTAGEM ESPECIALREPORTAGEM ESPECIAL

No total, envolvendo

cestas, frutas,

verduras, exames e

medicamen-tos, são 69

pessoas beneficiadas pelo traba-

lho do Grupo Getulinense de Combate ao Câncer

Culto à vida: o jogo duro contra o câncer

e objetos, como colchões, andadores, muletas e benga-las. Para quem está limitado em virtude da doença ou da cirurgia, são providenciadas e emprestadas cadeiras específicas.

Nesse aspecto, outra conquista do Grupo ocorreu em 2013. Após a elaboração do Projeto Sobrevida Maior e Melhor, os voluntários entraram com pedido junto à Vara Judicial da Comarca de Getulina para receber os valores das penas aplicadas aos condenados. O edital público também contemplou outras entidades do mu-nicípio que se interessaram e se enquadraram nas exi-gências legais, como o Berçário Creche “Cel. Joaquim Barbosa de Moraes” e o Núcleo de Apoio à Criança e ao Adolescente de Getulina [Projeto de Educação Am-biental “Recicle-se”].

Com base na primeira versão do Projeto, foi possí-vel adquirir duas cadeiras de rodas, duas cadeiras de banho, dois andadores e um suporte de alimentação e soro. Na segunda versão, os voluntários compraram quatro caldeirões de 50 litros, um fogão industrial, um liquidificador, dez jarras e 20 bandejas.

Mas para viabilizar o repasse judicial, os trâmites são rigorosos: foi preciso juntar documentação exigi-da pela Resolução nº 154⁄12 do Conselho Nacional de Justiça [CNJ] e pelo Provimento nº 01⁄13 da Correge-doria Geral de Justiça, além de obter parecer favorável do Ministério Público. Após a compra dos materiais, o Poder Judiciário exige uma prestação de contas, para certificar se o dinheiro solicitado e repassado foi inves-tido devidamente.

Mas um grupo de combate ao câncer não se faz só de... combate ao câncer. O trabalho de assistência de-senvolvido junto ao paciente é um dos pilares da enti-dade. É um trabalho de fundo que exige dedicação dos que se propuseram a ajudar e que, por isso, tem papel importante no dia a dia do paciente. É como se a ma-ratona de tratamento necessitasse de um auxílio, que transcende a ingestão de medicamentos.

Jucelen, mulher a quem a média dos brasileiros pre-cisa olhar para cima de tão alta e de fala cadenciada que adquiriu nos tempos de educadora e gestora de escola, cita como funciona essa atuação mais secundária, po-rém não sem relevância. “Nós doamos 21 cestas básicas [uma vez por mês] e 37 caixas contendo legumes, frutas e verduras [a cada 15 dias]. Cada uma delas é destinada para a família que tem um ente com câncer. No total, envolvendo cestas, frutas, verduras, exames e medica-mentos, são 69 pessoas beneficiadas pelo trabalho do Grupo Getulinense de Combate ao Câncer”.

Se é nos braços da família e no conforto de um lar que o paciente encontra o seu maior refúgio, o Grupo também se incumbe de auxiliá-lo quando falta um teto a quem mais precisa: alguém sem casa e doente. “A nos-sa equipe já ajudou a construir casa para uma paciente. Ela era arrimo de família e, com a doença, não tinha condições financeiras para reformar a sua casa que es-tava em péssimo estado. Nós fizemos um mutirão para auxiliar a família nesse sentido”, lembra a voluntária.

O câncer se trata de um conjunto de mais de 100 doenças, cujo elemento co-mum é o crescimento desordenado de células que ocupam o espaço de teci-dos e órgãos. Essa multiplicação celular dá origem aos tumores malignos, que têm uma alta probabilidade de se espa-lhar pelo corpo. Quando isso ocorre, atribui-se ao paciente o estágio mais avançado do câncer, que é a metástase. Os casos benignos dificilmente levam risco ao doente, pois não têm como ca-racterística se alastrar pelo organismo.

As causas do câncer podem ser in-ternas, externas ou inter-relacionadas. As externas têm a ver com o ambiente em que se vive e hábitos ou costumes socioculturais. Já as internas são, majo-ritariamente, heranças genéticas, sen-do já pré-determinado o modo como o corpo se defende das ações externas. São raros os tumores provocados, ex-clusivamente, por questões de heredi-tariedade.

Para se ter uma ideia, mais de 80% dos casos de câncer têm origem no meio ambiente, ou seja, os fatores de risco são provenientes de toda a reali-dade externa que nos cerca: rua, casa, trabalho e os produtos que consumi-mos e com os quais interagimos. Por exemplo, os pulmões expostos à fuma-ça do cigarro podem desenvolver cân-cer, bem como a pele colocada ao sol sem os devidos cuidados.

Dentre os fatores que podem trazer prejuízos à saúde estão o tabagismo, a radiação solar, o alcoolismo, fatores ocupacionais [especialmente os que afetam os trabalhadores que atuam em condições insalubres – forte expo-sição a produtos químicos e nocivos], hábitos alimentares [de acordo com a Organização Mundial da Saúde, é re-comendado consumir cinco gramas de sal por dia – o equivalente a uma tampa de caneta cheia – e evitar o cozimento em altas temperaturas, como é o caso da fritura], hábitos sexuais [privilegiar relação higiênica e com preservativo] e medicamentos [clornafazina, melfalan, fenacetina, entre outros].

De forma geral, são definidos 23 tipos de câncer: anal, bexiga, boca, colorretal, colo do útero, esôfago, es-tômago, fígado, infantil, laringe, leu-cemia, linfoma de Hodgkin, linfoma não-Hodgkin, mama, ovário, pâncreas, pele melanoma, pele não melanoma, pênis, próstata, pulmão, testículo, tu-mores de Ewing. O tratamento de to-das as modalidades de câncer, basica-

mente, varia entre quatro alternativas: cirurgia, radioterapia, quimioterapia e transplante de medula óssea. Em suma, as melhores formas de combater o câncer ainda são a preven-ção e a detecção precoce.

Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva [INCA], no ano de 1979, quando os índices começaram a ser medidos, morreram 301.491 mu-lheres no Brasil, sendo que 25.376 foram vítimas de câncer [8,4% do total de óbitos]. Em 2012, último ano tabulado, o país apresentou 509.885 mortes de mulheres, das quais 86.040 perderam a vida por causa do câncer [16,8%]. Já do lado dos homens, 409.085 deles morreram em 1979, sendo que 30.794 entraram para as estatísticas de vítimas fatais do câncer [7,5%]. Há três anos, os dados registraram 670.743 mortes masculinas no país, sendo o câncer responsável por 98.033 dos falecimentos [14,6%].

Entre 1979 e 2012, o tipo de câncer que mais matou mulheres no país foi o de mama, com 257.617 mortes re-gistradas. A anomalia nos brônquios e pulmões fez 140.651 vítimas. O câncer de estômago vitimou mais de 124 mil mu-lheres nesse intervalo de 34 anos. Entre os homens, no perí-odo de 1979 a 2012, o câncer de brônquios e pulmões foi o que mais interrompeu vidas: 311.039. A patologia no estô-mago vitimou mais de 240 mil homens no mesmo intervalo de tempo. Já a próstata é responsável por mais de 225 mil homens mortos nessas mais de três décadas.

Levando-se em conta o último ano de medição [2012], nota-se equilíbrio entre número de mortos por câncer nos brônquios e pulmões e próstata, os dois que mais interrom-pem vidas masculinas: 14.214 e 13.354, respectivamente. O dado denota que a preocupação com a próstata deve aumen-tar. Dentre os diversos fatores que contribuem para o cresci-mento desse tipo de câncer, o preconceito em fazer o exame preventivo, certamente, encabeça a lista. Nas mulheres, ten-do como referência o ano de 2012, o câncer que mais matou foi o de mama, com 13.591 vítimas. A doença nos brônquios e pulmões vitimou mais de nove mil mulheres em 2012.

No fim de novembro de 2014, o INCA e o Ministério da Saúde divulgaram documento mensurando as estimativas para o ano que terminou há pouco, já que os dados concre-tos só sairão adiante. Para 2014, a tendência é que se regis-trem 576 mil novos casos, número que deve se repetir em 2015. O que mais preocupa pela maior incidência é o câncer de pele do tipo não melanoma [182 mil]. Em seguida, vêm os tumores de próstata [69 mil], mama feminina [57 mil], cólon e reto [33 mil], pulmão [27 mil], estômago [20 mil] e colo do útero [15 mil].

O câncer de tireoide, o mesmo de Suzana, é mais comum em mulheres. Para 2014, a probabilidade de incidência na mulher, em estimativa, é oito vezes mais do que em homens. Enquanto para cada 100 mil homens surge apenas um novo caso, com as mulheres oito de cada 100 mil apresentam no-vas aparições desse tipo da doença. De todo modo, a ocor-rência é baixa, fazendo com que o câncer de tireoide seja considerado raro, inclusive em níveis mundiais.

Para dar atendimento a todos os pacientes, o Ministério da Saúde investiu R$ 2,1 bilhões, em 2013, superando em 26% o montante de 2010. Em números previstos para 2014, essa quantia deve chegar a R$ 4,5 bilhões. Todo esse inves-timento está diluído nos 277 hospitais habilitados a realizar diagnóstico e tratamento do câncer no país.*Todos os dados são encontrados no site oficial do INCA: www.inca.gov.br5

Thiago Cury Luiz

Apesar de pouco aquecido, o comércio getulinense costuma fazer doações ao Grupo

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w.fjuventude.pt7 Como uma mulher de 23 anos e equipes de voluntários trabalham para evitar a metástaseCulto à vida: o jogo duro contra o câncer

as ligas de voluntáriosdo hospital amaral carvalho

REPORTAGEM ESPECIAL

Como o cân-cer envolve paciência e persistên-cia, pois o

tratamento normalmen-te é longo, é inevitável

que a engre-nagem para

atender pacientes e familia-res seja,

igualmente, enorme

REPORTAGEM ESPECIAL

Se hoje Suzana conta a sua histó-ria e o Grupo Getulinense de Com-bate ao Câncer atua com efetividade é porque uma estrutura bem maior e complexa foi projetada. Como o câncer envolve paciência e persis-tência, pois o tratamento normal-mente é longo, é inevitável que a engrenagem para atender pacientes e familiares seja, igualmente, enor-me. Aqui entra José Eduardo Nada-let.

José Eduardo trabalha há 36 anos no Hospital Amaral Carvalho de Jaú, uma das referências brasilei-ras no tratamento contra o câncer. Nos últimos 19 anos, dedica-se à Coordenação das Ligas de Combate ao Câncer, tudo vinculado ao Hos-pital. O trabalho dele não é coisa pouca: levantar e manter 105 nú-cleos espalhados pelos Estados de São Paulo [102: Jaú + 101 cidades], Mato Grosso do Sul [2: Bataguassu e Brasilândia] e Minas Gerais [1: Mu-zambinho]. Considerando todos os Grupos, são 4.500 voluntários que dão assistência a 25 mil pacientes. Evidentemente, o atendimento do Amaral Carvalho ultrapassou essa marca no último ano: 2.100 fun-cionários trataram de, aproxima-damente, 90 mil pessoas. O fluxo diário chegou a dois mil pacientes.

O princípio dessa história toda, antes da constituição das Ligas, teve planejamento e muita gen-te prestativa. “Em 1993, algumas mulheres, esposas de médicos aqui de Jaú, resolveram criar a entidade Anna Marcelina, primeiro grupo de voluntários, para auxiliar as pes-soas que estavam em tratamento no Hospital Amaral Carvalho, in-dependente da cidade de origem. Vimos que foi muito interessante o trabalho das voluntárias, e resol-vemos, então, em 1996, expandir essa atuação para as demais cidades que encaminham seus pacientes para Jaú. A diretoria me chamou e pediu para que eu montasse e trei-nasse essas voluntárias, formando a maior rede voluntária de combate

ao câncer do Brasil”, recorda José Eduardo, com voz de locutor de rádio e empolgação de quem faz o que gosta há quase duas décadas.

A partir daí, a atuação dos mais de 100 núcleos, trei-nados e orientados pela base instalada no Amaral Car-valho, é padronizada e dividida em quatro frentes, que, se cumpridas, são capazes de assistir os pacientes com eficiência: 1] Medicamento. Se o Posto de Saúde oferece o remédio, a aquisição é gratuita. No entanto, aconte-cem casos em que é necessário comprar a medicação. É nessa hora que os Grupos de Voluntários atuam, com-prando em uma farmácia o que o médico prescreveu; 2] Alimentação. De acordo com a carência e o número de integrantes da família do paciente, os voluntários au-xiliam com cestas básicas e complementares. Nos casos de câncer de boca, laringe ou língua, o processo de ali-mentação é específico, e o Grupo passa a prestar auxílio especial; 3] Social. Os voluntários também trabalham no fornecimento de colchões especiais, para casos em que o paciente precisa ficar muito tempo deitado; en-caminhamento a consultas odontológicas; recolocação

do convalescente no mercado de trabalho; e fornecimento de roupas, calçados, escovas de dente; 4] Visita Domiciliar. A ida dos voluntários às casas dos pacientes tem duas finali-dades: a primeira é de ordem práti-ca, se a casa precisa de uma reforma, da construção de banheiro, ou seja, se a residência carece de qualquer reparo; a segunda é de caráter mais subjetivo, oferecendo uma palavra de apoio ao paciente e à família.

Todo esse esquema, dissemina-do por várias cidades e que é com-plexo por se tratar de doença tão agressiva, é gerenciado pelo próprio José Eduardo: duas vezes ao ano, ele e sua equipe passam por todos os Núcleos. Além disso, há os cur-sos e palestras ministrados em Jaú ou nas cidades que possuem um Grupo constituído. Há também os Encontros Regionais e o Dia do Vo-luntário, momento em que todos os Núcleos se encontram em Jaú para confraternização. No mais, a Coor-denação das Ligas produz um infor-

mativo e há o contato diário por telefone e e-mail.A amplitude do trabalho e o sentido de utilidade fa-

zem José Eduardo ter boas perspectivas. “Nós sabemos que, hoje, muitos pacientes de Getulina estão vivos gra-ças à atuação dos voluntários, mas não dá para precisar esse número. É certo que quando a equipe ajuda com medicamento, alimentação, apoio e carinho, a condi-ção do paciente mais carente se iguala à do rico. O que sabemos é que a qualidade de vida e as chances de cura aumentam”.

O panorama atual é positivo, mas nada que não pos-sa ser melhorado e expandido. A meta é colocar os Nú-cleos em regiões de São Paulo que não têm centros de excelência no tratamento do câncer, cujos pacientes se descolam para se tratar em Jaú. “Além das 105 cidades, eu cheguei a ir a outras 23, mas o projeto não prospe-rou. São poucas as cidades que precisam ter uma Liga. A região norte do Estado tem três centros importan-tes: Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Barretos. Na região leste, têm Sorocaba, Campinas, Piracicaba, São Paulo e Santos. Quem vem pra cá é o pessoal das regiões central, oeste, noroeste e sul. Eu vou voltar às 23 cidades que não deram certo e tentar em mais 10 ou 15 municípios. O ideal seria algo em torno de 150 no total. Nós chegaríamos, com isso, perto de 40 mil pacientes atendidos pelas Ligas, quase a metade do que o Hospi-tal Amaral Carvalho atende”, calcula José Eduardo.

9 Culto à vida: o jogo duro contra o câncer

suzana, os voluntários getulinenses e as ligas formam uma ciranda

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O trabalho executado faz com que o hospital

atenda pacientes de 500 municípios do Estado de São Paulo, além de quase 600 do restante

do país

O índice de desistência do trata-

mento nas cidades que possuem um

Núcleo de Combate é quase zero. Nos locais

em que não há Grupos,

mais de 10% dos

pacientes abandonam os cuidados

médicos

REPORTAGEM ESPECIAL

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A instituição que, hoje, é cha-mada de Amaral Carvalho, nasceu com o nome de Maternidade do Jahu. Domingos Pereira de Carva-lho e Anna Marcelina doaram, em 1915, o terreno e uma quantia em dinheiro para a construção do em-preendimento. No entanto, ele só foi inaugurado 21 anos mais tarde. O nome que vigora hoje passou a figurar em 1954, quando a Materni-dade se tornou hospital geral.

Outro marco histórico foi o fato de ter se tornado, em 1970, o pri-meiro centro hospitalar do interior de São Paulo especializado no trata-mento do câncer, algo que só se fa-zia com mais segurança na capital.

Como o Amaral Carvalho con-centra inúmeras atividades, como maternidade, atendimento a pa-cientes com câncer, hemonúcleo re-gional, clínicas e cirurgia, em 1980 é criada a Fundação Amaral Carva-lho, que concatena todos os campos de atuação.

Entre 2002 e 2010, o Hospital foi eleito pelos usuá-rios do SUS (Sistema Único de Saúde), em três opor-tunidades, um dos dez melhores do país. Contribuiu muito para essa posição a realização, em 2004, do pri-meiro transplante de medula óssea com células-tronco de cordão umbilical no Brasil. Em 2013, a instituição chegou a dois mil transplantes de medula óssea.

O trabalho executado faz com que o Hospital atenda pacientes de 500 municípios do Estado de São Paulo, além de quase 600 do restante do país. Em 2013, fo-ram mais de 74 mil pacientes atendidos e 983.408 pro-cedimentos feitos. Quanto às especialidades, o Amaral

Carvalho as divide em quatro: Cirúrgicas, Diagnósticos por imagem e laboratórios; Multidisciplinar; Oncolo-gia Clínica. Cada uma delas apresenta diversas especi-ficidades.

Outra característica do Hospital é a dedicação ao ensino e à pesquisa. Como a instituição trata de seis mil novos casos de câncer todos os anos, é necessário contar com equipe numerosa e de qualidade. Por isso, desde 1995 o Amaral Carvalho abre vagas para a Resi-dência Médica mediante concurso público. No campo da ciência, há o Centro de Pesquisas Clínicas. Do ano 2000 até hoje foram concluídos 95 estudos.

*Todas as informações são encontradas no site oficial do Hospital Amaral Carvalho: www.amaralcarvalho.org.br

Entre 2007 e 2010, o INCA, ór-gão vinculado ao Ministério da Saúde, fez um levantamento junto ao Hospital Amaral Carvalho, e foi constatado que nas cidades onde há o apoio dos voluntários o índice de cura é 12,4% maior em relação a um município que não conta com esse tipo de atividade. E mais: de acordo com números calculados pelo Hos-pital, o índice de desistência do tra-tamento nas cidades que possuem um Núcleo de Combate é quase zero. Nos locais em que não há Grupos, mais de 10% dos pacientes abandonam os cuidados médicos. Esses números interferem em chan-ces maiores ou menores de cura.

Jucelen se apega às probabilida-des para continuar o trabalho como voluntária e incentivar a equipe no mesmo sentido. “A família deposi-ta muita confiança na nossa equi-pe. Muitos chegam desesperados e encontram em nós um apoio. A gente vê que pode atender o pa-ciente naquilo que ele precisa. O nosso acompanhamento é constan-te. Sempre ligamos para perguntar como o paciente está, se está fazen-do o tratamento corretamente”.

Já Suzana continua resistindo. No meio disso tudo, além da luta contra o câncer, ela passou por transplantes das duas córneas por causa de uma doença degenerativa que a levaria à cegueira, retirou pe-dras da vesícula e teve uma gestação interrompida no 9º mês. Ao que pa-rece, a menina que se deparou com um caroço no pescoço aos nove anos tem resistido bem às intermi-tências da vida. Resta a ela acompa-nhamento médico e remédios para controle, procedimento a ser feito durante toda a vida. Enquanto con-tinua a subjugar o câncer, é tempo de ver Kêmelly, de 3 anos, e Fran-cisco, de 2, crescerem, os dois frutos do seu matrimônio com Wilson que já dura dez anos.

O Hospital Amaral Carvalho recebe doações a partir de R$ 10. Para tanto, os interessados devem fornecer dados cadastrais pelo site, e-mail ou telefone