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Cultura Cultura Jornal Angolano de Artes e Letras NOVO REI DO SAMBO SOBE AO TRONO RUY MINGAS PERSONALIDADE LUSÓFONA 2016 PAULO KUSSY METEMPSICOSE DA ILUSÃO HISTÓRIA HOMENAGEM Pág.12 BENGUELA QUADRICENTENÁRIA LUANDA AO SABOR DAS ONDAS DO JAZZ Pág. 15 “DESCOMPASSO” DE ONOFRE DOS SANTOS - Págs. 6 e 7 LETRAS Pág.2 Págs. 8 e 9 Lourenço Kañgoma, 42 anos, foi entronizado no final do mês de Abril, como novo rei do Sambo, no município da Tchikala Tcholohanga. As cerimónias tiveram início no dia 26 de Abril, com a trasladação do crânio do falecido rei, do cemitério real para o local sagrado “Akokoto”, acompanhadas de batuques e danças de Tchinganji. As terras que hoje correspondem a cidade quadricentenária de Benguela foram desde a Pré-História um ponto de confluên- cia de povos e de disputas territoriais. Benguela actual tem origem na antiga feitoria e sede da capitania fundada em 1617 por Manuel Cerveira Pereira que em 17 de Maio do mesmo ano desembarcou na Baía das Vacas, actual Baía de Santo António. O secretário de Estado da Cultura, Cornélio Caley, abriu a quarta celebração em Angola do Dia Internacional do Jazz, no Sábado, dia 29, recuperando as raízes dessa arte de criar a música chamada Jazz, da grande viagem pela alma e a geografia mundial que foi o tráfico negreiro. Paulo Kussy já atingiu o nervo do silêncio. A metempsicose da ilusão plástica. Cada tela encaixa peixes de seda, ouro e prata puríssima na memória de um palco de Ballet. MIXTAPE – FITAS MAGNÉTICAS reproduz essa ilusão reconfigurada de silêncio em silêncio, em que cada forma expele um fio de música a formar paisagens de Reincarnação e Dor, Anulação do Eu, Reintegração Dual, Horizontalidade sem Fim, até à próxima mostra (ou possessão lunática), ao próximo Uivo do Artista. “Descompasso”, da autoria de Onofre dos Santos disponibiliza ao público um produto cultural que transmite conhecimento de âmbito histórico, memórias da sua experiência pessoal, e uma exposição discursiva das suas ideias e do enredo de elevada delícia de se ler, incluindo a diossincrasia linguística na expressão do português articulado no nosso quase perfeito quadrilátero nacional, que é Angola. ARTES Págs. 3 a 5 ECO DE ANGOLA Pág.10 ARTES HOMENAGEM Pág.2 ARTES 8 e 9 Págs. U PERSONALIDADE L Y MINGA RU USÓFONA 2016 PERSONALIDADE L Y MINGAS USÓFONA 2016 aulo K P o do silêncio v iu o ner ting ussy já a aulo K ose da ilusão plástica. C empsic . 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CulturaCulturaJornal Angolano de Artes e Letras

NOVO REI DO SAMBO SOBE AO TRONO

RUY MINGAS PERSONALIDADE LUSÓFONA 2016 PAULO KUSSY

METEMPSICOSE DA ILUSÃO

HISTÓRIA

HOMENAGEM

Pág.12

BENGUELAQUADRICENTENÁRIA

LUANDA AO SABOR DAS ONDAS DO JAZZ

Pág.15

“DESCOMPASSO”DE ONOFRE DOS SANTOS

-

Págs.6 e 7LETRAS

Pág.2Págs.8 e 9

Lourenço Kañgoma, 42 anos, foi entronizado no �nal do mês de Abril, como novo rei do Sambo, no município da Tchikala Tcholohanga. As cerimónias tiveram início no dia 26 de Abril, com a trasladação do crânio do falecido rei, do cemitério real para o local sagrado “Akokoto”, acompanhadas de batuques e danças de Tchinganji.

As terras que hoje correspondem a cidade quadricentenária de Benguela foramdesde a Pré-História um ponto de con�uên-cia de povos e de disputas territoriais. Benguela actual tem origem na antiga feitoria e sede da capitania fundada em 1617 por Manuel Cerveira Pereira que em 17 de Maio do mesmo ano desembarcou na Baía das Vacas, actual Baía de Santo António.

O secretário de Estado da Cultura, Cornélio Caley, abriu a quarta celebração em Angola do Dia Internacional do Jazz, no Sábado, dia 29, recuperando as raízes dessa arte de criar a música chamada Jazz, da grande viagem pela alma e a geogra�a mundial que foi o trá�co negreiro.

Paulo Kussy já atingiu o nervo do silêncio. A metempsicose da ilusão plástica. Cada tela encaixa peixes de seda, ouro e prata puríssima na memória de um palco de Ballet.MIXTAPE – FITAS MAGNÉTICAS reproduz essa ilusão recon�gurada de silêncio em silêncio, em que cada forma expele um �o de música a formar paisagens de Reincarnação e Dor, Anulação do Eu, Reintegração Dual, Horizontalidade sem Fim, até à próxima mostra (ou possessão lunática), ao próximo Uivo do Artista.

“Descompasso”, da autoria de Onofre dos Santos disponibiliza ao público um produto cultural que transmite conhecimento de âmbito histórico, memórias da sua experiência pessoal, e uma exposição discursiva das suas ideias e do enredo de elevada delícia de se ler, incluindo a idiossincrasia linguística na expressão do português articulado no nosso quase perfeito quadrilátero nacional, que é Angola.

ARTES

Págs.3 a 5ECO DE ANGOLA Pág.10 ARTES

HOMENAGEM Pág.2

ARTES 8 e 9Págs.

UY MINGAS PERSONALIDADE L

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USÓFONA 2016PERSONALIDADE LY MINGAS

USÓFONA 2016

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9 a 22 de Maio de 2017 | Nº 134 | Ano VI • Director: José Luís Mendonça • Kz 50,00

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2 | HOMENAGEM 9 a 22 de Maio de 2017 | Cultura

Propriedade

Sede: Rua Rainha Ginga, 12-26 | Caixa Postal 1312 - Luanda Redacção 222 02 01 74 |Telefone geral (PBX): 222 333 344Fax: 222 336 073 | Telegramas: ProangolaE-mail: [email protected]

CulturaJornal Angolano de Artes e LetrasUm jornal comprometido com a dimensão cultural do desenvolvimento

Nº 134/Ano VI/ 9 a 22 de Maio de 2017E-mail: [email protected]: www.jornalcultura.sapo.aoTelefone e Fax: 222 01 82 84

CONSELHO EDITORIAL

Director e Editor-chefe:José Luís MendonçaEditor:Adriano de MeloSecretária:Ilda RosaAssistente Editorial:Coimbra Adolfo (Matadi Makola)Fotografia:Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação:Jorge de SousaAlberto Bumba Sócrates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:

Angola: António Fonseca, Carlos Mariano Manuel, Está-cio Camassete, Gildo Pimentel, Mário Araújo, PaulaRussa, Victor Burity da Silva

Normas editoriais

O jornal Cultura aceita para publicação artigos literário-científicos e re-censões bibliográficas. Os manuscritos apresentados devem ser originais.Todos os autores que apresentarem os seus artigos para publicação aojornal Cultura assumem o compromisso de não apresentar esses mesmosartigos a outros órgãos. Após análise do Conselho Editorial, as contribui-ções serão avaliadas e, em caso de não publicação, os pareceres serãocomunicados aos autores.

Os conteúdos publicados, bem como a referência a figuras ou gráficos jápublicados, são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.

Os textos devem ser formatados em fonte Times New Roman, corpo 12,e margens não inferiores a 3 cm. Os quadros, gráficos e figuras devem,ainda, ser enviados no formato em que foram elaborados e também numficheiro separado.

Conselho de Administração

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Administradores Executivos

Victor Manuel Branco Silva Carvalho

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Olímpio de Sousa e Silva

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PERSONALIDADE LUSÓFONA 2016RUY MINGAS

O nacionalista emérito, músico e diplomata, Ruy Mingas, foi distinguido com o PrémioPersonalidade Lusófona 2016, pelo MIL - Movimento Internacional Lusófono, numa ceri-mónia que decorreu no dia 18 de Abril de 2016 na Sociedade Geografia de Lisboa.Ruy Mingas foi o primeiro cidadão da CPLP a receber em Junho de 2010 o Prémio de Ar-te, Cultura e Letras da Academia Francesa de Educação e é agora o primeiro angolano aser reconhecido como cidadão do mundo, empenhado em contribuir para os valores decidadania que o MIL defende, nomeadamente, as liberdades, relações culturais, sociais,económicas e políticas entre os povos do espaço lusófono.Representou a Liga Africana neste acto, Arlette Jardim, Vice-Presidente para a área Social.Estiveram presentes outras personalidades de destaque, nomeadamente o Embaixa-dor de Angola junto da CPLP, Luís de Almeida, o adido Cultural de Angola em Portugal,Luandino de Carvalho, bem como outras individualidades.

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A cidade quadricentenária deBenguela localiza-se na costa Oestedo continente africano, no territó-rio de Angola, a sul da capital dopaís, Luanda. É a sede capital daprovíncia com o mesmo nome.Está implantada na Baía de Ben-guela a qual Diogo Cão deu o nome de“Angra de Santa Helena” em 1483 e ébanhada pelo oceano Atlântico emtoda a sua extensão. Situa-se entre oparalelo 12° 34’ 17’’ hemisfério aus-tral e o meridiano 13° 22’ 30’’ Lestede Greenwich.A grande maioria da população per-tence ao grupo etnolinguístico Ovim-bundu, que é de etnia bantu, de dife-rentes subgrupos - Mudombe, Muha-nha, Nganda, Lumbo, Quilengues, Mu-kuandos... - Para além de haver outrosgrupos etnolinguísticos de diferentesregiões de Angola, tais como: Kimbun-do, Nganguela, Galangue, Kuanhama,Bacongo, entre outras.A cidade de Benguela é um localcom uma grande franja de concentra-ção de cidadãos de origem europeia ede mestiços, quer resultante da misci-genação com a população nativa, quercom a de origem cabo-verdiana.Portanto, actualmente, a populaçãodo município de Benguela é diversifi-cada e miscigenada, sendo a sua dis-tribuição bastante influenciada pelopotencial de actividades económicasexistentes, havendo diversidade deidiomas, sendo o mais falado o Um-bundo, porém, com a Língua Portu-guesa como principal instrumento decomunicação, de socialização, de edu-cação e instrução para todos.O clima de Benguela é tropical ári-do, influenciado pela corrente friade Benguela e a sua temperatura mé-dia anual é de 24ºC, tendo duas esta-ções do ano, o Verão, que vai do mêsde Agosto/Setembro ao mês deAbril/Maio, sendo também o perío-do de chuvas que variam a sua inten-sidade e a sua frequência, e o tempoSeco, ou tempo do cacimbo (Inver-no), que vai do mês de Abril/Maio aomês de Agosto/Setembro, sendo umperíodo húmido e frio. A fauna do município de Benguela ésobretudo de pequeno porte devido,fundamentalmente as massas huma-nas socializadas concentradas por to-da a parte. Porém, há que destacar-seo insecto “matirindinde” que habita o

capinzal verdejante quando cessa operíodo chuvoso. Breve história de Benguela e en-

quadramento urbanístico inicial.As terras que hoje correspondem acidade quadricentenária de Benguelaforam desde a Pré-História um pontode confluência de povos e de disputasterritoriais. Os vestígios arqueológi-cos achados em vários pontos do es-paço territorial demonstram a exis-tência de antigas comunidades conhe-cedoras do fogo, que sempre que acorrente fria de Benguela jogava paraas praias algum cretáceo, os homensjuntavam-se para se alimentarem.Com as descidas do nível do mar, hácerca de quinze mil anos, chegaramaos antigos pântanos no actual cavacopovos nómadas (khoisan) que por ládeixaram o seu rasto. Por essa altura,provavelmente terão, também, vindopor essas terras os Mucuissis.Vai ser por volta do século XIV quese inicia a disputa dos territórios daregião, incluindo o da cidade de Ben-guela, e aparecem vindos do Planálti-co da Ganda e do Cubal, os Mundom-bes. Mais tarde chegam os Muganda edepois chegam os Ovimbundu que sefixam na costa a norte de Benguela ac-tual – entre o Egipto Praia e Porto Am-boim -, obrigando os Mdombes e osMucuissis a irem mais para sul. Vãoser esses povos que presenciam a che-gada do primeiro português – DiogoCão - em 1483 na Baía de Benguela:Angra de Santa Helena. Benguela actual tem origem naantiga feitoria e sede da capitaniafundada em 1617 por Manuel Cer-veira Pereira que em 17 de Maio domesmo ano desembarcou na Baíadas Vacas, actual Baía de Santo Antó-nio, a sul da cidade, tendo-se fixadonum terreno plano e alagadiço, per-corrido pelo rio Coringe e limitado anorte pelo rio Walo mais tarde de-signado de rio Marimbondo e até ac-tualmente de rio Cavaco. Os assaltos dos holandeses, ocorri-dos em 1639 e 1645, flagelaram a pe-quena feitoria, que ficou em seu poderentre 1645 e 1648. Assaltada e sa-queada por corsários franceses em1704, ficou praticamente em ruínasaté 1710. Sofreu ataques dos sobas vi-zinhos entre 1718 e 1760. Em 1779 a capitania-mor de Ben-guela (a actual cidade) passou a capi-tal de distrito, no tempo do governa-dor Sousa Coutinho. Com a independência do Brasil, aproibição do tráfico e a retirada de ne-gociantes da cidade, Benguela atraves-sou um período difícil. A criação da câ-mara, em 1835, dinamizou a vida dosmoradores e na década de 1840 a cida-de recuperou do marasmo anterior, re-construindo o que estava em ruínas.

Em 1845 tinha uma escassa popu-lação de cerca de 2.400 habitantes,dos quais mais de um terço eram es-cravos, sendo os outros traficantes,soldados e africanos livres. Em 1877, a vida dos habitantescontinuava a depender essencial-mente da actividade comercial, queconfigurou espacialmente os distin-tos bairros de Benguela.As relações comerciais de Benguelacom distantes regiões do interior ha-viam feito surgir “espaçosos arma-zéns” cheios dos mais variados produ-tos do sertão.Sendo muito heterogénea a popula-ção que nela habitava, Benguela eracaracterizada por fortes contrastessociais e culturais, assinalados no es-paço urbano de modo bem visível. Assim, os bairros onde vivia o “gen-tio” eram compostos por vielas tor-tuosas ladeadas de palhotas à misturacom vastos quintais cercados de mu-ros altos, que interceptavam o calor e aluz, onde se acumulavam centenas deafricanos vindos do sertão. O comércio de Benguela atraves-sou no início do século XX um perío-do de reestruturação em busca denovos produtos e mercados, duran-te o qual foram abertas novas viasde escoamento, em boa parte devi-do à construção do caminho-de-fer-

ro até à fronteira leste. Até meados do século XIX, a cidadeorganizava-se junto do forte, dispon-do-se as casas de adobe dos trafican-tes europeus e africanos.Em 1764, iniciara-se uma fase derenascimento urbano com a gover-nação de Sousa Coutinho, que do-tou Benguela de importantes edifí-cios públicos.O Senado da Câmara teve as suasprimeiras instalações erguidas em1772, na rua da Alfândega, a principalartéria da cidade comercial. O primei-ro Hospital Real funcionava desde1674, num grande edifício estreito ecomprido de um só piso elevado aci-ma do solo, restaurado em 1773, si-tuado no talhão onde mais tarde foiconstruído o Palácio do Comércio. Apesar das obras efectuadas, o as-pecto da cidade continuava a ser con-frangedor, cheia de capinzais e longosmuros, áreas pantanosas na estaçãodas chuvas e mosquitos.À acção camarária ficaram a dever-semedidas de saúde pública: aterro depântanos, construção do cemitério, ar-borização, limpeza das ruas e largos, aregulamentação do mercado, análisedas águas do Cavaco, do Catumbela edas cacimbas.Porém, na década de 1880 a “cidadebranca” era já descrita como “gracio-

HOMENAGEMÀ BENGUELA QUADRICENTENÁRIA

ECO DE ANGOLA | 3Cultura | 9 a 22 de Maio de 2017

1 Mpa antigo de Benguela

PAULA RUSSA

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4| ECO DE ANGOLA| 9 a 22 de Maio de 2017 | Cultura

sa, ampla, com longas avenidas arbo-rizadas, um formoso jardim, espaço-sas praças muito limpa e regularmen-te iluminada”. Os habitantes prefe-riam, contudo, o passeio junto à praiamorena, onde soprava à noite uma bri-sa pura e fresca do mar, ou no PasseioPúblico, uma bela alameda de acáciasrubras (100 x 125 metros), na estradapara o Cavaco. O crescimento da urbe ocorrera aolongo de 1.750 quilômetros na frentemarítima e dois quilômetros para o in-terior, atingindo uma área total de3,67 quilômetros quadrados onde ospoderes públicos haviam efetuado vá-rios melhoramentos, como novosaterros sanitários, instalação de umalinha telefônica para a Catumbela(1886), construção das pontes férreassobre o Rio Cavaco e o Rio Catumbela,da nova residência do governo, domercado e o restauro de construçõesantigas, como o cemitério.A condução da água do Cavaco atéaos chafarizes públicos foi instaladana década de 1890, enquanto a luz elé-trica só iluminou Benguela em 1905. Na sua malha irregular de talhõesamplos, ruas muito largas, extensas earborizadas, erguiam-se cento e de-zoito casas térreas de adobe, e só a re-sidência do governador tinha sobrado(actual ciclo velho). Com a prosperidade comercial nasúltimas décadas do século XIX, os maisricos negociantes construíram diver-sos “sapalalos”, casas de sobrado comprimeiro andar. Entretanto, nos bairros africanosexistiam cubatas de adobe e depau-a-pique barreadas e cobertasde capim, desalinhadas e rodeadasde vegetação. Estes bairros ou “partes” de Ben-guela rodeavam o núcleo centralonde tinha lugar a permuta, a Qui-tanda, praça quadrada com arma-zéns em volta, o açougue, tabernase pequenas tendas. Através das plantas de 1900 e1939 e do plano de urbanização de1948, pode constatar-se o acelera-do crescimento urbanístico de Ben-guela. A planta de 1900, por AlvesRoçadas, revela a configuração maisregular da cidade e suas artérias elargos principais. A planta de 1939 evidência a novafase do urbanismo colonial dos anos1930, quando o caminho-de-ferro ea instalação de empresas agrícolas episcatórias fizeram afluir os assala-riados africanos e europeus, e a po-pulação urbana ascendeu a cerca, re-querendo novas medidas de sanea-mento, a construção de novos bair-ros, como o Bairro Indígena, e novasestruturas viárias. Mas nos finais dos anos 1940, a ci-dade de Benguela perde importânciaface ao Lobito e ao desenvolvimentode Nova Lisboa. Porém, a condição decapital de distrito e pólo de desenvol-vimento regional assegurou a Bengue-la ser a mais importante cidade do sulde Angola. Além disso, o sisal e as pes-cas, assim como uma contida indus-

trialização, reanimaram-na a partir dadécada de 1930, e asseguraram o seucrescimento demográfico em 1950.No ano 1955 a cidade de Benguela,hoje município, converteu-se definiti-vamente na capital do Distrito de Ben-guela, no Governo de José Maria de Li-ma e Lemos o 266º Governador doDistrito que se tornou no principal im-pulsionador do processo de urbaniza-ção da cidade do ano 1949 a 1959.Nos anos 1960, a cidade atingiria os30.800 habitantes, como reflexo doaumento de trabalhadores do setor in-dustrial em plena expansão. Cidadeerguida sobre os pilares de uma mes-tiçagem cultural, com os espaços pú-blicos e edifícios de longas varandascobertas e quintais interiores.A cidade que hoje é o município deBenguela é conhecida como ”Cidademãe das cidades” que fez nasceremoutras localidades, tais como: Caten-gue, Caimbambo, Cubal, Ganda, AltoCatumbela, Quinjenje, Cuma, Longon-jo, Lepi, Caála e Huambo. O tráfico de escravos negrosna feitoria de BenguelaCom a chegada e fixação dos portu-gueses na cidade de Benguela no sécu-lo XVII, (1617) instalam-se militares etraficantes de escravos provocando aanimosidade da população local. O Local vai se transformar numaimportante base de penetração para ointerior de Angola. Posteriormente,São Filipe de Benguela tornou-se numgrande centro de tráfego de escravos,sendo recorrentes nos primeiros sé-culos as hostilidades contra os euro-peus. Com efeito, o objetivo destes eraadquirir mão-de-obra escrava para asplantações na América.

O tráfico de escravos na feitoria deBenguela que tinha o seu porto de es-coamento no litoral (actual paia more-na), era processado por umas dezenasde comerciantes brasileiros e portu-gueses, com os seus parceiros africa-nos, atingindo no século XVIII o perío-do mais devastador. Segundo a Historiadora Cândido M.P. (2011) entre 1780 e 1850 Benguelaconverteu-se no principal centro decomércio de escravos, tendo sido nes-se período, retirados mais de 499.000negros. Ainda se refere que entre1700 e 1750, o número de escravosexportados de Benguela ascendia a22.596, entre 1751 e 1800, pelo me-nos 305.057 escravos zarparam doporto de Benguela, tendo a maioriadesembarcado em terras do conti-nente americano de entre os quais oRío de Janeiro e Bahía e outros de ex-pressão espanhola. Esse facto tevegrande impacto na população nativade Benguela, assim como no seu inte-rior e ainda naqueles lugares do con-

tinente americano para onde foramlevadas a força as pessoas “prove-nientes de Benguela”.O efeito de comércio de escravoscriou situações demográficas alteran-do as relações sociais, o próprio cená-rio político e a actividade econômica,pois centenas de milhares de escravosafricanos foram exportados para asAméricas desse porto.Benguela da actualidadeAs alterações político-administrati-vas ocorridas depois da Independên-cia de 1975 mantiveram, até agora, aantiga cidade de Benguela como a se-de da província, onde estão afixadosos principais órgãos do Estado e go-vernamentais provinciais, continuan-do a manter um lugar de destaque emtermos econômicos, sociais e culturaisdo país, jogando um papel estratégico,devido à sua posição geográfica, po-tencialidades agrícolas e à existênciade infraestruturas muito próximas co-

Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, Zélia M. Ferreira

Colégio das Madres, Benguela, Zélia M. Ferreira

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ECO DE ANGOLA | 5Cultura | 9 a 22 de Maio de 2017mo os Caminhos-de-Ferro de Bengue-la e o Porto do Lobito.Com a paz efectiva desde 2002, tem-se procurado investimentos públicose privados para programar projectosde reabilitação e de desenvolvimentodo município em todas as vertentes:habitacional, energético, infraestrutu-rais de diversos sectores, estradas,ruas, avenidas, jardins... A cidade de Benguela é um impor-tante centro urbano de Angola, centrode desenvolvimento comercial e in-dustrial, de atracção turística, além dedispor de uma importante comunida-de cultural. As ruas e avenidas são lar-gas e espaçosas, povoadas de acáciasrubras e é famosa pelas suas maravi-lhosas praias. A cidade de Benguela é consti-tuída por uma vasta zona asfaltadaque comporta edifícios antigos emodernos de entre os quais pré-dios, vivendas residenciais e umasérie de estruturas de prestação deserviços diversos, públicos e priva-dos, que servem a comunidade.Possui ainda, jardins públicos, al-guns deles que datam do século XIXe uma série de parques de estacio-namento. Possui, também, umavasta zona periférica composta porbairros antigos e recentes com suagente e suas histórias, todos liga-dos ao centro por estradas e ruasinternas que unificam todo o terri-tório do município.A cidade tem uma zona nobre que éa Zona Histórica, essa que se localizajunto à orla marítima, podendo des-tacar-se a conhecida Praia Morenacom as suas águas límpidas e azuis,

um vasto calçadão iluminado. Temcerca de um quilometro de areal quese estende em direcção norte com an-tigas e verdejantes árvores de casua-rinas à sombra das quais se sentamos visitantes para arejarem-se emtempos quentes.Ainda ao longo da costa destaca-sea Praia das Tombas, a sul, frequentadapor marinheiros e comerciantes depescado desde o raiar do dia ao anoi-tecer, onde se localiza ainda a velhaponte cais de betão, construída nas úl-timas décadas do período colonial.Ainda mais a sul do centro da cidadelocaliza-se a Praia “Baía de S. António”a “Praia da Caota” e a “Praia da Caoti-nha” que em poucos anos deixaram deser apenas locais de lazer à beira-marpara se converterem em localidadesde actividades pesqueiras e habitacio-

nais com vivendas e casas luxuosas ro-deadas de montanhas argilosas. _______________________________________REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIRMIGHAN, David, (1974) “A conquistaPortuguesa de Angola”. A regra do jogo, Por-to, Portugal.

BOLOTA, A.A.B.G., (1967), “Benguela Ci-dade Mãe de Cidades”, Câmara Municipal deBenguela, Edição comemorativa da passa-gem do 350ª aniversário da cidade de S. Fi-lipe de Benguela.

Câmara Municipal de Benguela (?), “Rotei-ro Turístico de Benguela”. Porto, Portugal.

CÂNDIDO, Mariana Pinho (2011), “Fron-teras de esclavización, esclavitud, comercioe identidadd en Benguela, 1780-1850”,Centro de estudios de Ásia y África, El Cole-gio de México, México.

CÂNDIDO, Mariana Pinho (2011), “Elpuerto de Benguela en el siglo XVIII”, Prin-ceton University, EUA

CAPELLO e IVENS (1886), “De Angola áContra Costa”, Impressa Nacional, Lisboa.

DELGADO, Ralph (1945), “O Reino deBenguel. Do descobrimento à criação do go-verno subalterno”. Imprenssa Beleza. Lis-boa.

GOVERNO do Distrito de Benguela, Pe-rintrel Anual (1964), S.C.C.L.A.

Governo da província de Benguela(2008), “Benguela, Tradição de desenvolvi-mento”, Benguela.

Monografia da província de Benguela(2007), CONSULT, Benguela._________________________

Segundo o historiador, escritor e editorArmindo Jaime Gomes, a origem da palavraBenguela provém “Do étimo mbenga, Ben-guela é a corruptela do verbo “okuvenga” dalíngua umbundu; okuvengela (sujar)/okumbengela ovava (sujar-me a água), re-lativamente às águas estagnadas e em lín-gua portuguesa é entendido como turvar,turvar-se, perturbar, alterar, transtornar,escurecer, embaciar, nublar, enuvear (Pe. Al-ves, A., 1951). Evoluído de “mbengela”, a to-ponímia passou a significar perda de trans-parência, de limpidez, de clareza, perturba-ção, fazer perder a razão, cobrir o céu de nu-vens, situação confusa, indefinição (op. cit.).Apesar de fazer parte da onomástica planál-tica, a exemplo de Katombela, Mbaka, Ka-konda, Civangulula, etc., a versão popularadmite que o topónimo tenha resultado dadistorção linguística nos primeiros contac-tos entre os portugueses e ambwi. Em vez donome da região que se pretendia saber, osintrusos receberam a justificação da turvêsdas águas lacustres e fluviais.”

Porta Aviões . Benguela, de Zélia Maria Ferreira

BENGUELA DOS 400 ANOSPAULA RUSSA

Parabéns Benguela!Benguela terra minha Eterna rainha,De recantos Dos meus encantos,De bairros humildesCom gente de virtudes,Da mulata mais belaCom gingar de gazelaDas fugazes quitandeirasQue vendem fruto de mangueiras,Do matrindinde cantanteSob o pôr do sol excitante.Parabéns Benguela! Benguela da praia Morena meu orgulhoOnde em suas águas eu mergulho,Das casuarinas verdejantes Que encantam os visitantesDo flamingo rosado Procriado no lugar acertadoDo morro do sombreiroQue faz do pescador um obreiro

Parabéns Benguela! Benguela dos caçulas monandengues Milhares oriundos de QuilenguesBenguela o meu, o teu, o nosso larA quem tu e eu temos muito a dar.Parabéns Benguela!

________________Paula Russa é o pseudónimo literário de Ana Paula de Je-

sus Gomes, huilana residente em Benguela, escritora, histo-riadora e investigadora cultural, filiada na União dos Escri-tores Angolanos.

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9 a 22 de Maio de 2017 |Cultura6 | LETRAS

Aquarta obra literária intitulada“Descompasso”, da autoria deOnofre dos Santos disponibiliza

ao público de expressão portuguesa um pro-duto cultural que transmite conhecimentosobretudo do âmbito histórico, memórias dasua experiência pessoal, memórias da vivên-cia em Angola e em Portugal de outros indi-víduos da sua geração e uma exposição dis-cursiva das suas ideias e do enredo de eleva-da delícia de se ler, incluindo a idiossincrasialinguística na expressão do português articu-lado no nosso quase perfeito quadrilátero na-cional, que é Angola.O editor do livro avisa-nos que “o roman-

ce histórico é ferramenta que permite rees-crever de forma sub-reptícia a percepção daverdade”, e também não deixe de assegurarao leitor que,embora os diálogos hajam sidocriação do autor e devam ser consideradospura ficção, contudo, os acontecimentoscríticos “foram escrutinados e verifica-dos”.Onofre dos Santos, acrescenta, no quenos parece ser uma citação (pág. 13), que“aos historiadores, e não aos romancistas,compete contar a História”.Na nossa humilde opinião, o livro não é

apenas uma reescrita de “uma forma sub-reptícia (da) percepção da verdade”, masele é, em grande parte, uma forma de apre-sentar a verdade, desprendida dos formalis-mos da escrita académica, no período bas-tante conturbado para os colonizadores ecolonizados de 1961-62.Mas também, a ficcionada descrição das

histórias do livro nos obriga, no mínimo, acurvarmo-nos perante o autor, em preito des-ta vez de respeito, pela forma muito agradá-vel como fideliza o leitor à sua leitura e, aomesmo tempo, incentiva-o ao esforçocívicode aprofundar o conhecimento sobre a fasci-nante epopeia dos nossos antepassados, pelareconquista do acervo material e imaterialidentitário de todos os povos, em termos dedispersão etnolinguística, que habitaram econstituíram o nosso país e dos quais descen-dem as gerações actuais.O autor sublinha a obra no âmbito do ma-

gistério geral e superior do governador lusoem funções nesse período e do seu secretárioprovincial de educação, saúde, trabalho e se-gurança social. Interessaram-me muito parti-cularmente essas iniciativas sociais o do es-

tabelecimento de escolas das primeiras le-tras, pelo senhor Amadeu Soares e a tentativarelativa aos estudos universitários, em Agos-to de 1962, pelo anteriormente mencionadogovernador e dos relevantes alvitres que o in-trépido Lourenço Mendes da Conceição,uma figura graúda da Liga Nacional Africa-na, apresentou na altura. Mas, embora nóspessoalmente houvéssemos sido dos benefi-ciários do projecto do estabelecimento da-quelas escolas nas aldeias, permitimo-nos-lembrar os presentes que já no período de1506-1541, quando era soberano em Mban-za Kongo, o rei Mbemba a Nzinga ou D.Afonso I, contemporâneo de D. Manuel I, oVenturoso, em Portugal, as escolas das pri-meiras letras (na linguagem actual, escolasprimárias) já estavam difundidas em todo oseu reino e um dos bolseiros nativos emPortugal veio a tornar-se um exímio profes-sor de gramática (q.d. de letras) nos liceusde Lisboa no século XVII. Salvador Correiade Sá e Benevides e André Vidal de Negrei-ros, governadores em Luanda, com iníciode funções em 1648 e 1663 respectivamen-te, fizeram desmoronar, pela guerra e ane-xação que lançaram àquela parcela seten-trional do nosso país, todo o desenvolvi-mento social que teria medrado se não hou-vesse ocorrido a invasão, ocupação e colo-nização dos nossos domínios.Um outro episódio que pode haver estado

relacionado com esse frenético impulso depromoção do magistério em Angola resideno facto das críticas a que Portugal esteveparticularmente mais submetido nos órgãosdas Nações Unidas logo no início da décadade sessenta do último século, onde muitospovos recém-libertos na altura perfaziam umcoro muito desfavorável aos lusos e onde oepisódio da humilhante denúncia internacio-nal do presidente da União Soviética, Niki-taKrutchew, ocorrido quatro meses antes dosacontecimentos de 1961 em Angola, em Ou-tubro de 1960, que apresentava Portugal co-mo um país miserável e de analfabetos, queem mais de 400 anos não tinham conseguidoconstruir um “único liceu” em Angola, gerouo maior escárnio à reputação lusa naqueleareópago internacional.Por conseguinte, sou obrigado a pensar

não em termos de gratidão para com os esfor-ços de difusão do ensino daquelas autorida-des coloniais em Angola, pois eles nos pare-cem haver sido umareacção aos contextos lo-cais e internacionais a que Portugal estavamuito desfavoravelmente submetido.Agradecemos ao autor pela divulgação da

participação da Liga Nacional Africana noesforços multifacetados a que fizeram recur-so os nossos antepassados para a libertaçãodos colonizados e dos colonizadores do com-plexo hegemónico de superioridade civiliza-cional, com o qual não apenas inibiram masreprimiram, durante séculos, a plena desen-voltura dos povos nativos que poderia haverconcedido à parte da humanidade de que so-mos membros na acepção de um povo, me-nos sofrimento, menos violência e maior ca-pacidade contributiva na rica diversidade

cultural e material da humanidade no geral.A maioria dos personagens nativos men-

cionados no livro, na pág. 17, sob o título“outros personagens” tiveram uma relaçãoimediata ou mediata com o funcionamentoda Liga Nacional Africana, cuja herançadoutrinária tem vindo a ser seguida pela ac-tual LIGA AFRICANA e alguns deles foramigualmente seus dirigentes. Figuras graúdas no associativismo insti-

tuído antes da nossa Independência sob aforma de Liga Nacional Africana foramcidadãos cujo afinco às questões da PátriaAngolana transcendeu o esforço que dedi-caram às questões pessoais e familiares enos dias hodiernos,constituíram-se, semque nenhum favor lhes seja feito, em figu-ras inemuláveis e de citação incontornávelnos cânones dos patriotas mais insignesque esta pátria gerou.Ao mesmo tempo que permitimo-nos

apresentar-vos a nossa nanopequenez, quan-do vos falamos desta mesa na qualidade dePresidente da Direcção Liga Africana, im-põe-nos o dever de exaltar a incomensurávelsuperioridade dos que nos antecederam nestaposição, como são os casos de António deAssis Júnior, advogado, escritor, Presidente

da Liga Africana em 1930 e degredado semregresso para Portugal na sequência dosacontecimentos de Lucala e Ndala-Tando eda defesa da sublevação das populações deCatete; Manuel Joaquim Mendes das Neves,o maior artífice da sublevação do 4 de Feve-reiro de 1961 e Presidente da AssembleiaGeral da Liga Africana na década de cin-quenta e desterrado para o Convento de Sou-telo, em Braga-Portugal, de onde regressoupor organização do nosso Governo e da LigaAfricana, décadas depois, sob a forma de res-tos mumificados, para serem finalmente inu-mados no Alto das Cruzes; ou João Baptistade Castro Vieira Lopes, médico ginecologis-ta e obstetra, bem como Professor Universi-tário, de saudosa memória, que integrou des-de 1961 o Movimento de Libertação que an-tecedeu o actual partido governante no nossopaís e sem deixar de mencionar a exaltaçãoque o Primeiro Presidente nosso, AntónioAgostinho Neto, também citado no livro, fezno seu poema “Içar da Bandeira” das activi-dades recreativas da Liga Nacional Africana,que eram um eufemismo lúdico dos esforçosde consciencialização da necessidade de noslibertarmos, todos, colonizados e coloniza-dores, do colonialismo.

DESCOMPASSO, DE ONOFRE DOS SANTOSUMA FORMA DE APRESENTAR A VERDADE NO PERÍODO BASTANTE CONTURBADO DE 1961-62

CARLOS MARIANO

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LETRAS | 7Cultura | 9 a 22 de Maio de 2017A NOITE DAS ESTÁTUAS

O primeiro conto inserido no livro,com o título “A noite das Estátuas”configura para nós a quintessênciana arte de historiar, romancear etransmitir seriedade recreando.As figuras lusas mencionadas são

Salvador Correia de Sá e Benevides(o restaurador da autoridade lusa emAngola), Paulo Dias de Novais, aquem é atribuída a fundação deLuanda (quanto a nós controversa,porque quando cá chegou pela se-gunda vez, a Ilha do Cabo já era po-voada com mais de 3000 almas ecerca de 40 europeus), Henriques(cremos o autor haver se referido aoAfonso e não ao Infante e se for nes-sa acepção trata-se do fundador dePortugal), o Diogo Cão (o primeiroluso que chegou à foz do rio Congo),o Luís Vaz de Camões (o infeliz poe-ta da corte, que findou os seus diasna miséria), Alexandrino Dias daCunha (efémero governador), oVasco da Gama(o que chegou pri-meiro a Moçambique e à Índia) eapenas uma figura africana, que é arainha Ginga ou na altura tambémconhecida Dona Ana de Sousa. To-das essas figuras não foram necessa-riamente contemporâneas.Mas vemos no enredo que se deu à

história uma evocação, ainda que re-

mota, do quanto o nosso país é, de fac-to, e como muitos países do mundoque estiveram submetidos ao colonia-lismo, expressão de um plano conce-bido e criado em Portugal no reinadode D. Sebastião, cuja implementaçãofoi materializada com os mais eleva-dos requintes de barbárie, pela ex-pedição invasora e ocupante chefia-da por Paulo Dias de Novais, netodo navegador Bartolomeu Dias, eque para o objectivarem realizaramo genocídio por via da guerra e dotráfico de escravos, desde pratica-mente o primeiro mês após a chega-da deles na Ilha de Luanda.Como não podiam os nativos de-

fender-se, embora esse exercício hou-vesse demorado, até ao seu êxito finalem 1975, justamente quatro séculos?

A LIGA AFRICANA contextua-liza-se nessa sucessão de formas or-ganizativas, uma actuando no inte-rior, outras no exílio, outras no de-gredo, que lutaram, resistiram e ven-ceram, para bem dos angolanos, dosportugueses e da humanidade, o in-fame colonialismo. A noite das estátuas mostra como o

diálogo é mais produtivo, pode geraramor e triunfa sempre sobre a usura dobelicismo, das chamadas conquistasfundadas nas descobertas e das pseu-dosuperioridades civilizacionais.

ADRIANO DE MELO |Abertura e maior divulgação é o quese espera, em Novembro, das criaçõesliterárias angolanas a serem apresen-tadas na Guiné Conacri, a “CapitalMundial do Livro” deste ano. O convitefoi feito pelo presidente da Associaçãodos Escritores da Guiné Conacri, La-mine Kamara “Capi”, que visitou o paísno âmbito da semana da francofonia.“Conhecer a África em mil livros” é aproposta que o escritor guineense fezaos angolanos, numa cerimónia realiza-da na União dos Escritores Angolanos(UEA), onde falou também um poucodos passos dados pela Guiné Conacripara tornar-se a “Capital do Livro”.A festa, que começa no próximo dia23, Dia Mundial do Livro e dos Direitosde Autor, é um dos principais pontos deprojecção da literatura africana e abrea possibilidade de afirmação noutrosmercados para a maioria dos partici-pantes. Este ano, Angola pode levar dezautores, de gerações distintas. A UEA fi-cou com o encargo de os seleccionar.Sem pretensões de limitar-se ape-nas a literatura angolana, Lamine Ka-mara abriu ainda as portas para as ou-tras artes nacionais. “Durante dez diasas pessoas vão ter a chance de conhe-cer um pouco mais sobre a cultura deAngola, através dos debates e de expo-sições artísticas.”

O dia de Angola será a 11 de Novem-bro, data que o país celebra mais umaniversário da sua independência. Co-mo antecâmara para a participação dopaís, o secretário geral da UEA, CarmoNeto, ofereceu uma antologia angola-na a Lamine Kamara, para este ter jáuma noção do que é feito no país emtermos de literatura. Outro projecto proposto pelo escri-tor é a criação de convenções e parce-rias editoriais com Angola e outrospaíses africanos, falantes de línguascomo o português ou inglês, para atradução dos seus trabalhos em fran-cês. “É uma forma de aproximar maisvárias culturas, assim como os seuspovos, que passam a conhecer, pela li-teratura, mais sobre a realidade deoutros países.”

O projectoA “Capital Mundial do Livro” é umtítulo atribuído pela UNESCO (Organi-zação das Nações Unidas para a Edu-cação, Ciência e Cultura) e por grandesrepresentantes da indústria editorialmundial todos os anos a uma cidade,como reconhecimento da qualidadedos seus programas de promoção dolivro e da leitura.“O mais importante é apresentarprojectos inovadores e que chamem aatenção dos organizadores”, disse,adiantando que pretendem colocar nomercado, até 2018, mais de mil livrossobre África e de autores africanos.Os pontos de leitura também são es-senciais e a organização pretende criar133, a serem espalhados por toda a Gui-né Conacri. Como a falta de livros na Gui-

né Conacri é um problema, a UNESCOprometeu doar dois milhões de títulospara as bibliotecas e outros pontos deleitura. O incentivo à escrita é outro pro-pósito da organização, que, através deLamine Kamara, lançou um desafio aosdirigentes do país: que estes escrevam assuas memórias e as publiquem em livro.“Porém, o legado que queremos deixarno final da actividade inclui ainda a cons-trução de mediatecas e de outros locaisde incentivo a leitura, porque, apesar denão ser uma realidade em muitos paísesafricanos, na Guiné boa parte da popula-ção não tem acesso a educação e os jo-vens tendem a abandonar cedo a escola,em busca de uma profissão”, explicou.Por isso, disse, a principal “arma”usada pela Guiné Conacri para obter otítulofoi a alfabetização, através de umprojecto ousado e que levou anos a serimplementado. A dimensão da inicia-tiva, que primava não só pela alfabeti-zação das pessoas na língua oficial dopaís, francês, mas também nos seusvários dialectos, levou a UNESCO a re-conhecer o país.Atenas, a capital da Grécia, é a próxi-ma “Capital Mundial do Livro”. O pro-jecto, que começou em 2001, já pas-sou por 16 cidades do mundo, desde aÁfrica, Américas, Ásia e Europa. Cona-cri é a 17.ª capital escolhida. O anúnciodas próximas capitais, depois de Ate-nas, ainda não foi feito oficialmente.

CONVITE DE LAMINE KAMARA

Onofre dos Santos no final do lançamento

Lamine KamaraO livro é o mestre mudo

Literatura Angolana na Capital Mundial do Livro

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9 a 22 de Maio de 2017 |Cultura8 | ARTES

JOSÉ LUÍS MENDONÇA|

IPaulo Kussy já atingiu o nervo do silêncio. A metempsicose da ilusão plástica. Cada

tela encaixa peixes de seda, ouro e prata puríssima na memória de um palco de Ballet.Que se transfere de uma tela a outra, na imensa pluriversidade de estilizações do ideal daBeleza, essa deusa inebriante que se derrama em certas quantificações da matéria e dá aperecer o que já foi ou está para ser, ou – ilusão das ilusões – o que nunca pode vir a ser.

PAULO KUSSY: METEMPSICOSE DA ILUSÃO

IISerá a música das formas que conduz Paulo Kussy à progressão quase infinita de

imaterialização do corpo mais acabado até aqui da Mão de Deus?Há dentro do pintor um cão de faro muitíssimo apurado, dir-se-ia um lobisomem que, nos

momentos de intensa solidão agride o silêncio com o seu Uivo esteticamente sublimado emgeometrias angustiadamente expansivas e deixa voar na alvura do Tempo desenhos caninosque surpreendem o próprio corpo do autor já acordado de exposição em exposição.

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ARTES | 9Cultura | 9 a 22 de Maio de 2017IIIPode-se tocar esse felino de dentes azuis e vermelhos até ao brilho de Plutão. Quando o

pincel de Paulo Kussy o subtrai da correnteza do Ser e o difere para a dimensão pré-Arte,onde levita a perfeição absoluta. Nessa dimensão, assiste-se à robotização da própria ilu-são, o metal das ideias se dobra, estica se formata em composturas icónicas de entrega totalà transfusão mecânica dos afectos. É nesse campo imenso onde a hipocrisia nunca faz eco,que se verifica uma torção irreversível do Amor.

IVMIXTAPE – FITAS MAGNÉTICAS reproduz essa ilusão reconfigurada de silêncio em

silêncio, em que cada forma expele um fio de música a formar paisagens de Reincarnação eDor, Anulação do Eu, Reintegração Dual, Horizontalidade sem Fim, até à próxima mostra (oupossessão lunática), ao próximo Uivo do Artista.

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10 | ARTES 9 a 22 de Maio de 2017 |Cultura

JOSÉ LUÍS MENDONÇAO secretário de Estado da Cultura,Cornélio Caley, abriu a quarta cele-bração em Angola do Dia Internacio-nal do Jazz, no Sábado, dia 29, na salaAngola do hotel Epic Sana, recupe-rando, na sua voz jazística, as raízesdessa arte de criar a música com osolhos secos ou cheios de lágrimaschamada Jazz, da grande viagem pelaalma e a geografia mundial que foi asaga do homem acorentado. E rela-cionou o Jazz com o Cubismo e o Sur-realismo, de Picasso e Salvadior Dali,respectivamente, que beberam daArte Africana os traços e nuances. Naverdade, o Jazz é surreal e cubista pe-las imensas possibilidades de recria-ção daquela que foi a magistral artede cantar a dor e o espírito de liber-dade dos negros que construíram,com o seu sangue e o seu suor, os Es-tados Unidos da América.Por isso, o Jazz carrega no seuâmago melódico um som que vem domar, do vento que sopra, da lua quebrilha sobre o mastro da caravela,dos suspiros de solidão, esse som deviagem cosmopolita, universal, queinduz à Paz nos corações e à Solida-riedade entre os Povos. Foi isso mesmo que se viu e ouviuno passado dia 29 com reentrânciaaté ao dia seguinte (Dia Mundial doJazz), naquela sala plena de fiéis e in-condicionais amantes do Jazz, ao lon-go do concerto em que Kizua Gourgelprocessou a química da guitarra elec-tro-acústica na imaterialidade do es-paço e consagrou uma rapsódia à mu-lher, com Illia Kushner a fazer vibraro saxofone tenor. De seguida, NicolasKrassik (violino) e Gian Correa (vio-lão) foram buscar à alma brasileira osritmos populares com roupa nova dejazz. A Sound Trip Band, levou ao pal-co Dilson Groove (bateria), Benny(piano eléctrico), KD (baixo eléctri-co), Larson (guitarra eléctrica), José(sax tenor), para acompanhar Kati-liana no seu canto desgarrado e fre-nético. João Oliveira fez nascer dopiano solo acordes experimentais, defazer sonhar os pássaros da noite.Por último, o Ngola Jazz Trio trans-portou a voz intensa de Bevy Jackson,no embalo do violão e do pienao eléc-trico de José Afonso e da percussãoanímica de Dalú Roger.Como esclareceu o pai-grande doJazz em Angola, “Nós, membros daequipa J.J.Jazz, continuamos muitoempenhados em prestar um Tributo àHistória do Jazz, democratizar o aces-so ao Jazz, incrementar o interesse pe-lo Jazz em Angola e também propor-cionar o intercâmbio entre os váriosmúsicos e intérpretes da "músicaJazz" entre nós, desenvolvendo o diá-logo e a aproximação entre músicosangolanos de diversas gerações eoriundos de outras áreas geográficas.”

ORIGEM DO DIAEm Novembro de 2011, durante aConferência Geral da UNESCO, a co-munidade internacional proclamouque o 30 de Abril seria o Dia Interna-cional de Jazz, como forma de sensibi-lizar, especialmente os jovens, sobre

os valores universais de jazz.Porquê um Dia Internacional Jazz?• O jazz quebra as barreiras e criaoportunidades para a compreensão etolerância mútua.• O Jazz é um símbolo de unidade ede paz.• O Jazz reduz tensões entre indiví-

duos, grupos e comunidades.• O Jazz promove a igualdade de gé-nero.• O Jazz reforça o papel da juventu-de na mudança social.• O Jazz incentiva a inovação artísti-ca, improvisação e novas formas deexpressão.

LUANDA AO SABOR DAS ONDAS DO JAZZ

Fim do concerto (Parabéns a você, dedicado ao Dia Internacional do Jazz pelo seu 7º aniversário)

Bevy Jackson, voz do Ngola Jazz Trio Secretário de Estado da Cultura, sentado à esquerda

Kizua Gourgel (voz e guitarra) e Ilia Kushner (sax tenor);Katiliana

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Cultura | 9 a 22 de Maio de 2017 GRAFITOS NA ALMA |11No dia 25 de Maio de 1963, os líde-

resdos 32 Estados africanos inde-pendentes assinaram a carta de

fundação da Organização de Unidade Afri-cana (OUA) em Addis Abeba, na Etiópia. Es-ta efeméride tem vindo a ser comemoradacomo Dia de África.Que tipo de balançofariam hoje Jomo Ke-

nyatta, Kwame Nkrumah e Leopold Senghorda qualidade de vida dos africanos?Passados cinquenta anos, os países africa-

nos debatem-se com severos problemas co-mo fatri e genocídios,que separam e des-troem comunidades; elevada taxa de analfa-betismo; panóplia de confissões religiosas, oque entorpece as sociedades; mutilação ge-nital feminina; trabalho infantil; pandemias;difícil acesso aos sistemas básicos da cidada-nia como habitação, educação e emprego;desigualdade social; insegurança das popu-lações; alto nível de inflação; contribuiçãoténueda produção nacional para o ProdutoInterno Bruto, etc.Cabe aqui a recuperação do apelo, feito

no ano passado, pela presidente cessanteda Comissão da União Africana, Nkosa-zana Dlamini Zuma, para a solidariedadee autoconfiança entre os africanos para aconstrução de “uma União Africana vira-da para aspessoas.”Algum avanço se conseguiu, nesse senti-

do, como é disso exemplo o ensino de exce-lência ministrado pelas universidades sul-africanas da Cidade do Cabo e a de Witwa-tersrand, que ocupam, honrosamente, a 265ªe a 176º posições no ranking das 1000 me-lhores universidades à escala mundial. Re-cordemos igualmente o primeiro Campeona-to do Mundo de Futebol em continente afri-cano, a COPA do Mundo 2010, organizadode modo prestigiante pela África do Sul.De resto, o apelo da presidente Zuma há

muito que é vivenciado por inúmeras, anóni-

mas e batalhadoras mulheres africanas, mo-tivo de orgulho da humanidade pelas adver-sidades que enfrentam quotidianamente, nocontexto precário do continente.Na infância, a mulher africana tem de se

adestrar nas lides caseiras, por exemplo,participando na educação dos manos. Naadolescência, depara-se com parcos apoiosestatais, tendo de conviver com a dificulda-de no acesso à instrução ou com o drama dagravidez precoce. Ao atingir a fase adulta, amulher experencia o dissabor de não lhe serreconhecida a sua emancipação efectiva,por uma sociedade acentuada e ancestral-mente patriarcal que amiúde lhe diz: “isto ésó para homens!”Pelo espírito de sacrifício, o economista

bengali, banqueiro do povo, Muhammad Yu-nus, elegeu a mulher como elemento motordo crescimento da economia africana. É porisso que a prosperidade de África dependeigualmente da participação activa delas nosdestinos do respectivos países.Passado meio século da assinatura da

Carta Magna da instituição da OUA, o fu-turo do continente continua a ser promis-sor, como atesta a recentíssima criação, emLuanda, do primeiro banco de recursos na-turais de África, Natrabank, com o objecti-vo de solidificar a economia africana eapoiar a preservação dos recursos naturais.Esta medida constitui um importante eoportuno exemplo do tipo de cooperaçãoque deve ser implementado em ordem àedificação de um continente uno e próspe-ro.Acreditamos que projectos desta estir-pe, ao alavancarem as economias nacio-nais, contribuirão para o estancamento dofenómeno do êxodo de africanos para ocontinente europeu. Efectivamente, é che-gada a era de se actualizar o slogan “um sópovo, uma só nação”, para “um só povo,um só continente!”

De facto, para que o continente, berço dahumanidade,ultrapasse o subdesenvolvi-mento, deixando de ser “o corpo inerte ondecada abutre debica o seu pedaço”, é imperio-sa a concretização depolíticas dignificantespara os africanos: maior e melhor distribui-ção da riqueza;maior e melhor justiça social;diminuição do fosso entre o tipo de vida doscidadãos muito ricos e os que vivem em po-breza extrema; reforço da classe média; for-talecimento da equidade do género, permi-tindo às africanas maior preponderância nagovernação das respectivas nações, etc. Quando se conseguir isso, os activistas

pioneiros da unidade africana, como HaileSelassie, no Além, ou ondequerque este-jam, sentir-se-ão recompensados pela lutaque entabularam paraconferir uma vidadigna aos conterrâneos.No que concerne ao nosso país, temos

contribuído para a unidade do continenteatravés de, por exemplo, a pacificação dosteatros de guerra africanos, como na Regiãodos Grandes Lagos.Esta acção pacificadora é ilustrativa do

progresso da sociedade angolana cujo epi-centro é o desempenho da OMA (Organiza-ção da Mulher Angolana) para a integraçãodas mulheres nas diversas áreas profissio-nais, mesmo naquelas que eram exclusivida-de dos homens. Demonstraçãoda integraçãoe dignificação sociais da mulher africana foia eleição da cidadã Leila Lopes para MissUniverso, em 2011.Claro que a dignidade deve ser buscada e

materializada em cada um dos nossos actosde cidadania! É chegada a hora de cada ango-lano abandonar a inércia cómoda de uma vi-dinha socialmente descomprometida: “eusozinho nada resolvo”, “o país tem dono”…Constrange-nos observar o muito que há pa-ra fazer e o pouco, ou quase nada, que se fazpara a melhoria das infra-estruturas dos pré-

dios e bairros onde vivemos, por falta decultura de participação efectiva dos muníci-pes, por exemplo, em administrações decondomínio ou em comissões de bairro. In-felizmente, o costume é alimentar a esperan-ça hebraica e vã de os governantes, com umtoque de Midas, resolverem todos os proble-mas das populações. Como africano, cada angolano deve ser

parte da solução para os problemas que as-solam o continente. Para isso, temos quenos tornar mais proactivos em matéria decidadania: conhecer, respeitar e dar a co-nheceras nossas tradições; defendermos etransmitirmos os valores ancestrais; sermosmelhores profissionais e pais, pois Áfricacomeça em nós, connosco, em casa, no nos-so país.Copiemos o exemplo das criançasque levam o banquinho para receberem li-ções debaixo de árvores. Que este exemplode tenacidade diária e sacrificada nos cata-pulte a darmos o melhor de nós em prol deum continente melhor. Só com esta posturatelúrica, esclarecida e reiterada será possí-vel uma vida digna em África!Até porque se não formos nós, quem? Se

não for agora, quando?

Painel de Neves e Sousa

MÁRIO ARAÚJO

ÁFRICA E OS ANGOLANOS

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9 a 22 de Maio de 2017 |Cultura12 | HISTÓRIAESTÁCIO CAMASSETE | SAMBO

Lourenço Kañgoma, 42 anos, foi en-tronizado no final do mês de Abril,como novo rei do Sambo, no muni-

cípio da Tchikala Tcholohanga, em substitui-ção de Cipriano Kaningui, falecido no dia 26de Abril por doença, em cerimónia carregadade muita cultura e tradição.As cerimónias tiveram início no dia 26

de Abril, com a trasladação do crânio dofalecido rei, do cemitério real para o localsagrado conhecido por “Akokoto”, umaespécie de santuário, onde repousam oscrânios dos antepassados reis do referidoreino, acompanhados de fortes manifesta-ções culturais com ritmos de batuques edanças de Tchinganji.Antes da entronização, tiveram lugar na

madrugada do mesmo dia danças em estilosolundongo, até ao raiar do sol, que termina-ram com a chegada de convidados vindosdos restantes três reinos da província.Após à sua chegada foram dirigidos ao

local da cerimónia, conhecido por “Utalawa Huvi” (Altar Sagrado), situado junto deuma mulembeira, onde todos os visitantes,incluindo o governador provincial, JoãoBaptista Kusumua e membros do governoda província tiveram de pegar obrigatoria-mente no prato contendo unção de óleo depalma e folhas de elimbui, para afugentaros maus espíritos.Seguiu-se o momento de aconselhamentos

ao novo rei e sua esposa, a rainha, “inaculo”,feito pelos mais velhos da corte, “Ombala”,para o sucesso da sua governação e prosperi-dade do reino, tendo no final recebido ofertasdos seus convidados.Lourenço Kañgoma invocou os seus ante-

passados diante dos convidados suplicando apaz, prosperidade, boas colheitas nas campa-nhas agrícolas, bem como sucessos durante oseu mandato.Depois da oração ter sido aceite pelos ante-

passados, ofereceu uma cabeça de gado e umcabrito, que foram imediatamente sacrifica-dos no local, como acção de graças e a carneconsumida na hora sem qualquer tempero,simplesmente assada com sal.Os animais sacrificados revelam o poder

económico do rei, segundo a tradição da re-gião do Sambo, considerando que o rei nãopode ser pobre, a soberania tradicional e odomínio económico vão ajudá-lo a impor asua capacidade governativa e de dirigir o po-vo que lhe foi confiado.Com essas condições completas, o rei foi

convidado a dançar o estilo olundongo, ba-lançando o chifre do animal morto na ceri-mónia para mostrar a todos a sua capacida-de económica.Dita a cultura e a tradição dos reinos

ovimbundo que o rei que não abate animaisna sua entronização revela pobreza e podenão ser respeitado pelos membros da suacorte e do povo. O rei Lourenço Kañgoma optou o nome de

Tumbulula, que em língua nacional umbun-do significa reconstruir, pela missão que temde reconstruir o seu reino, os usos e costumese a tradição do Sambo.Dirigindo-se pela primeira vez ao seu po-

vo, o novo soberano prometeu trabalharcom as autoridades do município da Tchi-

kala Tcholohanga e com o governo provin-cial para o bem de toda a população do rei-no, na abertura de mais estradas, para faci-litar o escoamento dos produtos do campo ea construção de mais postos e centros desaúde e escolas nas aldeias e no abasteci-mento de água potável.Referiu que as populações precisam

igualmente de ajuda com fertilizantes e ou-tros meios agrícolas para o incentivo daagricultura e da pecuária nas comunidades,contribuindo deste modo, para o combate àfome e à pobreza.Lourenço Kañgoma manifestou o inte-

resse de trabalhar também com os restan-tes reinos vizinhos no processo de dirigir acomunidade que lhe foi confiada pelosseus antepassados, bem como manter umarelação saudável e de fidelidade às autori-dades governamentais.“Eu sou jovem na idade, mas pela expe-

riência que tenho, sou mais velho porque jáandei muito tempo com o rei falecido e todasas responsabilidades que ele deixou terão asua continuidade, nada vai parar, as popula-ções devem ter calma”, garantiu o novo rei.O governador do Huambo, João Baptista

Kusumua, presente na cerimónia, disse quepara que o país se desenvolva tem de se estu-dar a nossa cultura, respeitar as tradições, osusos e costumes e ouvir os conselhos dosmais velhos, por serem eles os protagonistase testemunhas heróica da resistência dosovimbundo contra ocupação colonial.O rei Kamunda Keseque foi um dos lideres

mais destacados da conhecida guerra deKandumbo, no inicio do século XX, onde de-pois de fortes combates, tombou o rei Livon-gue, do Huambo, o que ditou a ocupação doPlanalto Central pelos portugueses.“O reino do Sambo e seus soberanos puse-

ram uma grande pedra importante na cons-trução desta grande Angola independente,desta Nação, que queremos que continue aser una, porque o povo que habita neste paístem uma grande riqueza que é a diversifica-ção cultural”, disse o governador..O reino do Sambo vem dos anos 1.400, a

sua história leva mais de 600 anos, poucoantes da chegada dos portugueses e a pri-

meira dinastia reinante foi iniciada pela rai-nha Alemba Olui, esposa de um príncipe daombala Yalundo, hoje Bailundo, que se fi-xou na zona entre-os-rios Kaningue e Tchi-tiva, estabelecendo um reinado que dura atéaos dias de hoje.Desde a rainha Alemba Olui, até hoje pas-

saram mais de trinta reis pelo Sambo, entro-nizados no mesmo local. Os nomes e realiza-ções destes reis perderam-se no tempo, mas atradição oral apenas regista nomes dos reis

como Hambu, Adjunde, Lundungu I, LukapaKandjamba, Usiñgalwa I, Handa, UsiñgalwaII, Kamuogule, Tchongolola, Lundungu II,Ekuikui, Lwandi, Tchitangueleka, KamundaKeseque e Cipriano Kaningue, antecessor deLourenço de Lourenço Kañgoma, que reinacom o nome de Tumbulula.Estiveram na cerimónia da entronização

do novo rei do Sambo, os reis do Huambo,Armando Chimuco, de Tchingolo, AntónioMoreira e da Tchiaka, Joaquim Cambele.

NOVO REI DO SAMBO SOBE AO TRONO

Dançarinos

O rei com o seu séquitode sobas

Rei do Sambo ao centro

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Aexposição “Conexões Afro-Ibero-Americanas 2.01”,uma iniciativa da UCCLA edo Colectivo Multimédia Perve, en-cerrou a 30 de Abril e contou com apresença de 63 importantes autores,oriundos de África (Angola, Cabo Ver-de, Guiné, Moçambique e São Tomé ePríncipe), Península Ibérica (Portu-gal e Espanha) e continente america-no (Brasil, Chile, Argentina e Cuba),que são exemplo: Cruzeiro Seixas,Mário Cesariny, Salvador Dalí, PabloPicasso, Joan Miró, Malangatana, Wi-fredo Lam, Marcelo Grassmann, Fer-nando Botero, Eduardo Nery, Mito,entre tantos outros.O programa artístico desta exposi-ção, da responsabilidade do curadorCabral Nunes, foi organizado em trêsnúcleos dedicados aos temas “Autori-tarismo, Ditames e Resistência”, “ODealbar das Democracias” e “PresenteFuturo”, por forma a reflectir sobre ospercursos e conexões que a arte, pro-

duzida num contexto Afro-Ibero-Americano, tem registado, em espe-cial a que foi materializada a partir dadécada de 1940 até ao presente.1.º Núcleo Temático: “Autorita-

rismo, Ditames e Resistência”O primeiro momento expositivo in-tegra obras de autores cujo trabalhocomeçou a afirmar-se durante o pe-ríodo em que vigoraram regimes au-toritários fascistas na Península Ibé-rica (Estado Novo 1933-74 e Fran-quismo 1939-75), nos países coloni-zados em África e durante as ditadu-ras militares que vigoraram na Amé-rica Latina no decurso da GuerraFria, que medeia o final da SegundaGuerra Mundial (1945) e a extinçãoda União Soviética (1991). Esse foium período de enorme violência àqual a generalidade dos artistas seopôs, resistindo e enfrentando, atra-vés da arte, o jugo ditatorial.

2.º Núcleo Temático:“O dealbar das democracias” Segundo momento expositivo, inte-grando obras realizadas no decurso (eapós) os processos revolucionários deafirmação democrática na AméricaLatina, África e também em Espanha ePortugal, onde a liberdade que se se-guiu a décadas de repressão se fezsentir de modo particular no desen-volvimento artístico.3.º Núcleo Temático:“Presente-Futuro”Terceiro e último momento da mos-tra, procura apresentar a criação ar-tística que se tem vindo a verificar nacontemporaneidade, fruto de uma ge-ração que, felizmente, não passou pe-las agruras das gerações precedentesmas que, num contexto de mundo in-terconectado, enfrenta desafios devalidação e identidade quiçá nunca

antes observados no meio artístico.Esta geração de autores tem conse-guido precisamente isso: a sua afir-mação no contexto de democraciasconsolidadas ou das que ainda estãoem processo de consolidação, não fu-gindo à responsabilidade de enfren-tar os (novos) desafios colocados pelaera da Globalização.

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“CONEXÕES AFRO-IBERO-AMERICANAS” COM 63 ARTISTAS DE 3 CONTINENTES

DIÁLOGO INTERCULTURAL |13Cultura | 9 a 22 de Maio de 2017

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Independência efémera foi essa – acrescentava o Pernambuko – porque,reorganizadas as tropas reforçadas de outras fortalezas, partiram sobre a deS. Miguel, desalojaram os independentistas e novamente hastearam a bandei-ra das quinas.Acrescentava ele que ouvira muitas vezes contar que, mal tinha sido dado oprimeiro toque na corneta para que começasse o saque, partiram os soldadosem alta velocidade, tropeçaram sobre o corneteiro, a corneta perdeu-se nomatagal que circundava a fortaleza e que o saque que então começara só aca-baria quando a corneta fosse novamente tocada. Daí que houvesse muitaspessoas mirando ansiosamente a encosta a ver se encontravam a corneta pa-ra tocá-la. Porém, anos a fio, a corneta não fora encontrada. E por isso tudocontinuava a acontecer como na história do macaco e do milho.– Conhecem? – Perguntou o Pernambuko na roda de amigos. – Respondeu-lhe o silêncio. – Então, vou contar: há muito tempo, numa certa aldeia, as la-vras de milho eram continuamente saqueadas pelos macacos. Então, os maisvelhos reuniram e juraram que não permitiriam mais que os macacos conti-nuassem a comer o milho deixado pelos seus antepassados. Se não fosse feitopor eles, sê-lo-ia através dos seus sobrinhos e se não fosse através destes, sê-lo-ia através dos seus netos. Decidiram então que deviam caçar os macacos.Cada macaco que fosse apanhado era castigado. Assim que os primeiros ma-cacos foram apanhados e castigados, o problema desapareceu. Mas, uma ouduas semanas depois, lá estavam novamente os macacos a roubar o milho e adestruir as lavras. Decidiram então reunir-se novamente para encontrar umasolução definitiva. Discutida a questão, concordaram que, caçar e castigar osmacacos um a um não era a solução e o melhor seria caçar o chefe dos maca-cos. Pegaram em várias cabaças, puseram dedém dentro delas e dispersaram-nas pelas lavras. No dia seguinte, quando foram ver… lá estava o chefe dos ma-cacos com a mão enfiada numa das cabaças. Quando viu os homens, pôs-se acorrer, sempre com a mão na cabaça. Como sabem, quando o macaco peganum dedém não larga, não abre a mão. Correu, correu… mas com o peso da ca-baça não conseguiu fugir. Acabou mesmo por ser apanhado. Levaram-no parao povo e decidiram fazer-lhe um tratamento para não mais roubar. Chamaramos melhores kimbandas da região e começaram a fazer o tratamento. Inicial-mente o macaco foi amarrado mas ao fim de quinze dias, já andava solto pelaaldeia em são convívio com as pessoas. Ao fim de um mês, os mais velhos con-cluíram que o macaco já estava curado. Chamaram-lhe então e disseram: – Olha, já estás praticamente tratado. Portanto, quando saíres daqui, tensque te lembrar e dizer aos outros que na mata há muita comida e frutas paracomerem. Não é roubar as lavras alheias. Ouviste? – Sim ouvi. – Concordou o macaco. Então, disseram-lhe os mais velhos:– Para terminar o tratamento, só falta darmos-te um banho. E assim pode-rás ir-te embora. Mas, para isso, tens de ir buscar água no rio.Os mais velhos pegaram então num balde e deram ao macaco, para que fos-se ao rio buscar água, destinada ao seu banho de final de tratamento. Passadoalgum tempo, uma meia hora mais ou menos, lá vinha o macaco com o seu bal-de na mão: pim…pim…pim…Quando chegou, aproximou-se dos mais velhos e entregou o balde… Quan-do os mais velhos foram ver… O balde estava cheio de milho…!– É esta a história do macaco e do milho – concluiu o Pernambuko.A noite já ia avançada quando o grupo de amigos se dispersou. Pelo cami-nho iam pensando na corneta e na história do macaco e do milho. Pela épocaem que se perdera, seguramente era de prata e de grande valor pois, de entãoàqueles dias, muitos anos e muitos regimes se tinham passado.Mas que história esta da corneta!... Tem de ser encontrada o raio da corne-ta. Se já foi feita a acumulação primitiva de capital, o saque tem de acabar. Éhora de pôr o país na ordem e o capital acumulado ao serviço do desenvolvi-mento nacional, em vez de continuar no estrangeiro. Há que tocar a corneta –cogitava o Narciso.E foi assim que certo dia tomou a decisão: também ele procuraria encon-trar a corneta. Do Sambizanga, encaminhou-se para as barrocas e aí deteve-se, pois queria chegar à Fortaleza ao cair da noite. A sua experiência de ho-mem do mato assim o aconselhava. Espraiou o olhar sobre a Ilha das Cabras láao longe, já então chamada Ilha do Cabo e onde há muitos anos atrás, com osseus setecentos homens, desembarcara Paulo Dias de Novais, ele que man-

dou construir a Fortaleza de S. Miguel, em cuja escarpa jazia a corneta, per-correu o olhar à direita sobre a estação do Bungo e a Fortaleza do Penedo. Pe-las quatro e meia da tarde, encaminhou-se para a baixa, passando pela Igrejada Nazaré, percorrendo todo o antigo Bairro da Praia. Com o olhar foi avalian-do o pouco que restava dos edifícios construídos no primeiro quartel do sécu-lo XX e que lhe davam um aspecto peculiar. Concluiu que do século XVI maisnão restava do que a Torre da Igreja dos Remédios, antiga Sé Catedral. Os tem-pos eram outros mas, mesmo assim, tal como já acontecera nos primeirosanos do século passado, talvez o pouco que restava não viesse a resistir aos in-teresses do momento.Terminava a tarde quando se encaminhou para o Bairro da Alta, de ondedesceria para a Marginal. Àquela hora os sinos repicavam sobre os murmú-rios das águas das fontes dos jardins: eram seis horas da tarde. A brisa que vi-nha do sul beijava-lhe o rosto e, por entre os jardins bem cuidados e edifíciosde moderna arquitectura que agora se erguiam, deixou levar os seus pensa-mentos a afogar-se no Atlântico. Passou pelo Palácio das Convenções onde so-bre o terraço uma bela e vistosa buganvília de flores vermelhas baloiçava aovento recordando-lhe poemas guardados na memória, sonhos e promessasesquecidas. Pelos vistosos e modernos carros em frente, seguramente, lá den-tro, uma plêiade de ilustres envergando fatos “trois piéces” e gravatas de se-da, reafirmavam os caminhos do renascimento africano e da identidade cul-tural. Eram já seis e meia da tarde, quando se encaminhou para a Marginal eem frente à fortaleza esperou o anoitecer. Homem do mato, de olhos de lince, rapidamente entre os arbustos, viu algoreluzir. Sorrateiramente dirigiu-se ao lugar. Não se enganara: ali estava a ma-jestosa corneta. Pegou nela, meteu-a em baixo do casaco que levava e regres-sou para o Sambinzanga. Lá em casa, apenas ao tio explicou o que se passava. E ali ficou a corneta

PRIMO NARCISO(V parte)

CONTO DE ANTÓNIO FONSECA

14| BARRA DO KWANZA| 9 a 22 de Maio de 2017 | Cultura

Escultura de VAN

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BARRA DO KWANZA |15Cultura | 9 a 22 de Maio de 2017guardada, embrulhada num saco de serapilheira. Estava bofocada e tinha apalheta quebrada. Era preciso arranjá-la para poder ser tocada.Alguns anos a fio ali permaneceu até que, por altura do Carnaval, um amigode casa, funileiro de profissão, que nessa altura estava na azáfama de prepa-rar os adereços para a grande festa, aceitou uma confidência do Narciso: que-ria que lhe reparasse a corneta para que também desfilasse no Carnaval. E co-mo era uma corneta de verdade, concerteza que o júri distinguiria o grupo pe-la inovação. Reparada a corneta, porém, Narciso desistiu do Carnaval, não lhefossem perguntar de onde tinha saído aquela preciosa corneta. Ficou pois acorneta silenciosa no Sambizanga, só que agora guardada com um segredo atrês. Corriam os dias com o Narciso torturado pelo segredo que tinha deixadode o ser, pois agora era repartido por três.Haviam passados vários anos e acontecimentos desde aquele em que Nar-ciso dividira com o amigo funileiro o segredo da corneta. Era então um ho-mem dos seus sessenta e muitos anos que, tendo sido dispensado dos servi-ços em que trabalhava, por estarem paralisados devido à guerra, ganhava a vi-da com a cantina que montara no quintal, ainda no seu velho Sambinzanga.Homem conservador de hábitos, preferira ali continuar e ter criação no quin-tal, em vez de subir para os prédios, como acontecera depois da Independên-cia. Ali, no seu quintal, e na cantina, convergiam velhos e novos amigos parabebericar um copo de vinho, uma cerveja, uma aguardente e por vezes umagasosa, comer um torresmo ou um peixe frito ou mesmo cortar o cabelo. Acantina tinha o nome e seguia o modelo do estabelecimento do seu patrono epor isso mesmo, na tabuleta pendurada em cima da porta de frente, se podialer: “Cantina Padrinho Rui – Comes e Bebes, Petiscos, Corta-se Cabelo – EntraFeio sai Bonito”.Por aquela altura, avidamente ali se ouviam os noticiários da rádio e datelevisão e contavam-se anedotas sobre dirigentes que, como se dizia, eraquase certo que “sairiam do poleiro”. Desabridamente falava-se do Chefe Istoe do Chefe Aquilo e discutiam-se todos os assuntos, da importação de cimentoà captura de camarão, passando pelo domínio dos casinos, negócios que se di-zia serem dominados por ministros, governadores e generais. Falava-se tam-

bém de possíveis alianças de ocasião com alguns que pretendiam vender oseu apoio ao Maior e das muitas divisões internas entre aqueles que tinhamfeito a libertação e entre aqueles que tinham feito a guerra. Cada um evocavaos seus argumentos de razão. Nessas ocasiões, o então já chamado Velho Per-nambuko e outros do seu tempo, voltavam à história da corneta, mal sabiameles que ela estava mesmo ali ao seu lado.E foi assim que naquele, dia glorioso, de tanto ouvir falar da corneta, logopela manhã, não fosse o diabo tecê-las e o Velho Pernambuko ter razão, Narci-so enfiou a mão em baixo da cama, puxou o saco de serapilheira, correu para oquintal, vazio àquela hora, pôs-se em sentido em frente à bandeirinha que ti-nha colada na parede, deu voz de comando a si mesmo, ergueu o braço até à al-tura dos lábios, encheu o peito de ar e fez soar a corneta. Que se lixasse se lheroubassem a corneta; já a tinha tocado, pelo sim pelo não, não fosse repetir-sea história do macaco e do milho. Acabava-se também o segredo com o amigofunileiro e, se o grupo do bairro o quisesse, até poderia levá-la para o Carnavalda Marginal – disse intimamente o Narciso. Desceu então a rua e chegou à As-sembleia de Voto. Abeirou-se da mesa e identificou-se; pôs a cruz no boletim e depositou-o;marcou o dedo com a tinta indelével.Já cá fora, na direcção do sol radioso, levantou o indicador da mão direita,mirou-o e remirou-o e dentro de si fez confiança no futuro.Desceu a rua. Quando chegasse a casa, para o Carnaval que se avizinhava,iria compor e ensaiar a dança do novo dia. FIM

__________________________________1) Ministério do Ultramar, Decreto-Lei 39:666, Boletim Oficial de Angola, I Série, nº

22, 2 de Junho de 1954, Imprensa Nacional.2) Lima Foguetão, Pedro Benga, Percursos Espinhosos, INALD, Luanda, 2007.3) A independência de Angola, in O Tomate, 8 de Fevereiro de 1891.4) Idem5) Ibidem6) Ibidem

(QUE VOZ É ESSA QUE SE CALA QUANDO ACORDO?)Nem dormi, nem li…- Talvez, sabes dizer onde?… o cabo carvoeiro nas agruras do

feroz mar entrando com as suas subtisvagas, sei que nem só isso, o mar quan-do invade também leva a espuma queflutua sobre si, rodopiando e tantasvezes gemendo também, respeito pelochefe que é a força dos antípodas, es-sas águas são tantas vezes selvagens eignorantes que levam até inocentes,meninos e mastros, onde marinheirose não só sucumbem, bandos de madei-ra levada e morte não devolvida, a es-puma teme o chefe e por isso respon-de, indo com ele, sabemos que é o mare o que com ele existe, miséria, misté-rio, beleza, força, morte…- Aprendi na ria. … e tu cansada nessa cama quem medera, olhavas para as nuvens que ru-mavam ou mesmo que sem rumo, teguiavam ao Egipto e sobre esfinges, pi-râmides, o seco duro na terra, pensasnum deus e sabes do mar, deitada so-nhas como Epicuro, viajas como Dio-go, voas como Sacadura em aviões

com asas de água, afagas com umamor o engenho nazi, o suor seca…- Sonho margens e séculos e não pa-ro, toca-me! … ponta de sagres adormece, e sobos seus pés um frio do sul este marnem dorme, nunca dorme, é noite e diaassim, fere e apazigua, Saramago diziasem mar não escrevo, Antunes diz semmar não escrevo, Beckett vivia no mar,Pessoa andava pelo mar nas suas es-finges de latão e subia o mediterrâneonuma canoa de pau e sem remos, velasquem sabe ou como seria possível na-vegar ostras e durezas tão duras comoo metal dos céus a caírem sobre os te-lhados, Cardoso num bar e eu sem na-da aqui, escrevera nevralgias para queos destinos não adormeçam, fria a cer-veja na trindade com Hélder, barbudoe de chapéu vendido, largo longo e es-curo porque nem sei, se um dia per-guntasse responder-me-ia o dilúvio,escrito num guardanapo de óleos sa-cados dos lábios no marisco comidoentre coisas bebidas, e a rua desce, umcansaço sem fim entre aspas, após anoitada nem sei se é descida ou subidaou coisa nenhuma, como se a noite fos-se Portimão a eclodir-se nas castas dodouro. Os homens não se contam nemencantam. Dizem-se. Imagino umaselva ou uma serra, um deserto ou umcastelo onde um dia Kafka invadirafingindo-se o agrimensor prometido,ou nas cartas de Checoslováquia parauma Alemanha vencida pela dor e du-reza dos homens sãos e bons que ma-tavam, a razão ali era o fio definhado

da lucidez que faltava aos demais, seUlisses de Joyce uma quimera ou odis-seia reli a sustentação de que Borgessugerindo-me, a escrita de deus nocárcere inventava grãos de areia quecresciam a cada sonho. Dei o meu cor-po e a minha alma esvaziou-se numafalésia. Enternecidas estas gemasvoam sobre prantos famintos, e o quesei é que foi, e o que foi, foi, se volta nãosei nem quero, premissa miserávelmeu Deus, se o céu fosse o habitáculodos sonhos desfeitos na planície, cân-taros vazios por entre os tédios, fume-gantes e repletos nasciam na distân-cia, à beira os cervos gatinhavam osareais despidos de petulância, cresci-dos, fosse a vida uma certeza qual-quer, ou consternação apenas. Ou sepueril acima dos ombros num peso debradar, o silêncio da vigília neste cantoinventado repleto de muros sem cor asaírem dos casebres cobertos de di-vindade, a voz nua subindo carreirosnuma janela vermelha deste lugar quedescubro a cada sonho que sinto, ve-rosímil o silêncio das hostes, num marque refuta, o pó laico da tarde numacasa que se perde a cada sombra quenasce numa noite que se arromba, co-mo uma vírgula que divide uma frase,estendida na cama da verdade alojadano quintal de anos depois, acordadonum relento de tempos esquecidos evencidos e de mortes sem destino esem nada, acima mais, coisa nenhuma,quem perde a alma, a ordem, quem sedeslumbra na vitória, esquece quandoperde, como quem sofre e se socorre

dos vazios deixados após o dilúviodeste mar recuado num tsunami dementira e sou, um sono prolongado.Acordar no vazio refrescante da praia.Numa praia de ilha. Num mar de sol,quente, um mar azul deste distante eintenso sonho entre paredes morda-zes, um dia um choro em mim sobre acara cremada num desejo queimado,neste saco branco a morte que me levaaos deuses do fim, na terra encobertode quilos e pesos para acorrentar o fimque o destino cria.(Excerto)

VÍTOR BURITY DA SILVA

Tecelagem de Maria Belmira

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