Cultura Brasileira - O Negro

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Texto e fotos de Everton de Paula

Everton de Paula, revela nesta obra, o esprito do pesquisador, do homem interessado nos valores brasileiros, a partir da identidade cultural. Busca revelar nossas origens africanas ainda desconsideradas e se destaca como um estudioso das relaes raciais entre brasileiros: brancos, negros e indgenas. O leitor ter rpida apreciao as religies de nossos antepassados africanos; saber da histria e das lendas que envolvem a resistncia negra no Brasil. Impressionante a maneira objetiva pela qual so tratados temas caros comunidade afro-brasileira: Joo Cndido, o valente negro que liderou a revolta contra o desumano tratamento dispensado aos marinheiros; Quilombos, onde se destaca Palmares, (Zumbi); A greve no porto do Cear, para impedir o desembarque de africanos o que determinou a Abolio da Escravatura na antiga provncia; Candombl e Macumba, alm de outros. O autor no se esquece de mostrar o infame tratamento dispensado a homens e mulheres, desde a priso na frica, nos pores dos navios e no dia a dia dos trabalhos forados. Recorda as lutas abolicionistas e os interesses que determinaram a Lei urea. Denuncia o racismo brasileiro e desmente a democracia racial. Mostra a participao do negro na formao da nacionalidade brasileira e nas lutas libertrias. Enfim, o livro, constitui um documento a ser refletido por todos os brasileiros, porque trata com rara exatido o preconceito contra o negro. Carlos Alves Moura Assessor para assuntos da Cultura Negra do Ministrio da Cultura

Neste trabalho minucioso de focalizao do negro no contexto brasileiro desde a sua chegada, variveis relevantes foram devidamente apreciadas pelo autor, mostrando, atravs de uma linguagem objetiva e concisa, numa sntese, que a gama de dificuldades enfrentadas pelo negro no passado, aqui, ainda est presente na sua vida cotidiana. A falta de preparao para a sua libertao a fim de que a assumisse com dignidade, apenas, trouxe-lhes conseqncias inexeqveis tais como: sua marginalizao, seu descrdito, sua despersonalizao, levando-o a ter vergonha de si prprio. Apesar de ter sido o sustentculo da economia brasileira no passado, de ter contribudo para a formao tnica da nossa raa, dada a conotao negativa que se mistificou em torno do negro, muitos dos supostos brancos brasileiros preferem no abordar assuntos que os obrigue a refletir acerca de sua prpria origem. O jovem jornalista Everton de Paula patenteia, numa denncia calamitosa, que o preconceito racial acintosamente ainda est sendo demonstrado abertamente, entre ns, apesar das leis que o cobem. O que as autoridades constitudas tm feito? Oportunamente foi tratado neste estudo o Negro e suas crendices, suas lendas e ainda um retrospecto histrico das leis que gradualmente o libertaram da escravatura, mas no da pobreza, da incompreenso, no lhe dando, at hoje, o devido espao na sociedade. O livro Cartilha Razes Brasileiras em questo outra obra de grande porte de um autor que se preocupa com a interao das raas para o convvio humano, pacfico e progressista da sociedade brasileira. Sem margem de dvida, sua frente est uma leitura agradvel, interessante, comunicativa, que o colocar a par das nuances do sacrifcio ou seja do que significa ser negro. Jos S. Maia Ph.D em Educao nos Estados Unidos Professor da Universidade Federal de Ouro Preto

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Na poca em que os africanos eram trazidos para o Brasil, como escravos, o continente africano apresentava uma diviso diferente da atual. Vindos em grupos, fazia-se reconhecer pelo trao cultural representado. De acordo com estudos apresentados por Srgio Buarque de Holanda, sobressaram dois grupos: bantos e sudaneses. Os bantos ou bntu era um grupo lingstico que falava por milhes de africanos, dividindo-se em inmeras lnguas, em torno de 300 dialetos. Habitavam quase 2/3 da frica Negra, desde o Camerum at o Sul, incluindo Angola e Congo de onde vieram a maioria dos escravos. Desse grupo e cujas lnguas, Kimbundo e Kikongo, entre outras, so as que mais termos deixaram em nossa linguagem. Classificam-se ainda como bantos, os negros de Moambique e colnias portuguesas da poca. Os sudaneses, so povos que habitavam a regio entre o deserto do Saara e o Atlntico (Golfo da Guin), a chamada frica Intertropical. Hoje corresponde aos pases: Tchad, Niger, Sudo, entre outros. Os da Costa do Golfo: Nigria, Benin (antigo Daom), Togo, Gana (antiga Costa do Ouro), Costa do Marfim, estendendo-se at a Libria, Serra Leoa, Guin Bissau e Senegal. Esse grupo divide-se em dois (02), que muito contribuiu para a formao da cultura brasileira: os iorubs e os haus. Os iorubs eram povos sudaneses, habitantes da regio de Iorub (Nigria - frica Ocidental), se estendia de Lagos para o Norte, at o rio Niger (Oya) e algumas cidades de Benin e Togo. Na Bahia foram conhecidos tambm como Nags, dominando social e religiosamente seus irmos vindos de outras naes. Sua lngua foi a mais falada, abafando os demais dialetos. Iorub tinha como capital poltica "Oya" e a religiosa "If", onde a humanidade foi criada, segundo os mitos. Os hauas, habitavam o norte da Nigria, parte da Repblica do Nger e em certas comunidades da frica do Norte, Oeste e Equatorial. O dialeto "Kano" (da cidade de Kano que dizem ter mil anos) aceito como padro. Foi falada no Brasil, conhecidos tambm como mals ou muulmis (refere-se a religio dos muulmanos ou maometanos). Sua influncia pode ser notada nos trajes e amuletos dos cultos afro-brasileiros, como lembra o professor Saul Martins. Tambm no se pode esquecer de que certos elementos desse grupo lideram vrios movimentos de rebeldia, como a "Revolta dos Mals". A esse sub-grupo, o estudioso Arthur Ramos, denominou-se de guineano-sudaneses islamizados, ou negro-maometanos. O mapa apresentado antigo e mostra as regies de onde os negros vieram, e suas entradas no territrio brasileiro.

O desrespeito aos negros comea em sua prpria casa, ao serem iludidos com propostas fantasiosas ou capturados de maneira desabusada, na frica. J nos pores dos navios negreiros, podiam sentir o que os esperava no Novo Mundo, no caso o Brasil. Durante a travessia do Atlntico, recebiam tratamento de animais: acorrentados, presos dois a dois, pelo pescoo, como bois na canga; alimentao precria, marcados a ferro para identificao. A morte era-lhes o nico alvio. Ora provocada pelo banzo (estado emocional melanclico) ou pelo suicdio, atirando-se ao mar. No final da viagem, a "carga humana", bastante reduzida pelo nmero de mortos, era comercializada pelos traficantes. Trazidos com exclusividade para serem explorados como mo-de-obra escrava, aos poucos iam substituindo o indgena, considerado pelos portugueses elemento no apto para certos tipos de trabalhos. Existem teorias que levam a acreditar que o ndio brasileiro veio de outras regies do mundo, bem antes de 1500. Pela lgica, no seria ele o descobridor das terras? A exemplo do ndio, o negro, como influenciador da construo econmica do Brasil (pioneiro na derrubada do pau-brasil; movedor da terra, plantando cana-de-acar, cultivando o caf, explorando as minas de ouro, criando condies para Portugal explorar as riquezas e pagar suas dvidas Inglaterra; participando ativamente nas guerras, defendendo nossos interesses; contribuindo de um modo geral para a formao cultural brasileira) no seria tambm merecedor de uma fatia do bolo? So duas raas, integrantes do processo de construo do pas, que sempre foram consideradas inferiores e vivem marginalizadas. justo que assim seja? Em troca do trabalho prestado a esta terra, o negro vem recebendo o mnimo da classe dominante: recebe salrios inferiores aos do branco; discriminado na escola, no trabalho e em ambientes sociais. Voc j viu como a propaganda, na maioria das vezes, relaciona o negro com o trabalho mais rude? Se ele aparece em um comercial de tev, na cozinha, no tanque, na favela ou pedindo esmola. Isto comum nas publicidades do governo, em campanha para o "bem-estar social". As dificuldades enfrentadas pelo negro brasileiro so puro reflexo de seu passado, quando lhe foi negada a escolha de vida. Trabalhando em condies subumanas e sem receber pelo seu trabalho, ele no teve e no poderia ter outro destino seno o de ter um comportamento diferente na sociedade. Enquanto o branco prosperava economicamente, custa do trabalho escravo, o negro entendia apenas o que era receber ordens, enfrentando a dor e a humilhao de um chicote. A sua libertao no lhe devolveu a dignidade, no ofereceu condies para um novo estilo de vida que ele passou a enfrentar,

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aps a abolio. Como escolher um caminho, se no lhe deram condies? como um pssaro que viveu numa gaiola por algum tempo. Livre, ele no saber voar e fatalmente morrer.

Na opinio do antroplogo Manuel Digues Jnior, em "Etnias e Culturas do Brasil", no se pode dizer que a formao da cultura brasileira teve a participao pura do negro africano: "Quem passou a participar da formao brasileira no foi puramente o negro da frica, mas o negro escravo". A descaracterizao comea nos embarques nos portos africanos, na diviso dos grupos ou tribos, agravando-se mais com o desembarque no Brasil, quando famlias inteiras eram vendidas separadamente em atendimento ao pedido dos compradores, que procuravam, com isso, evitar o fortalecimento da rebelio em grupo. Com a convivncia diria, os negros de regies diferentes assimilavam certos elementos culturais e perdiam outros, sem se considerar a colaborao do branco em for-los a assimilar novos hbitos, deturpando sua cultura. Dessa mistura de costumes, surge o sincretismo e outros processos de vida. Por essa e outras razes o brasileiro foi tolhido de adquirir uma cultura genuinamente africana. Para o professor universitrio de Macei, coordenador do ncleo de Cultura da cidade - Unio dos Palmares (terra de Zumbi) - Zezito do Arajo, na escola que se deve comear a conscientizar as crianas sobre o problema do racismo na nossa cultura. Com uma certa preocupao ele afirma: "As escolas de primeiro e segundo graus no Brasil so racistas. Elas menosprezam a contribuio negra na formao da cultura brasileira. Vemos como o aluno e o professor negros so vistos pelos colegas. Quando um negro tem um comportamento igual ao do branco ou ocupa lugar de destaque, visto como um safado". Zezito cita um exemplo sentido na prpria pelo: "Quando eu era chamado para fazer trabalhos em grupos na escola, me davam as tarefas mais humildes". A cultura negra vista como fonte de divisas para o pas. O carnaval, o samba, as mulatas, as festas religiosas com manifestaes folclricas e at os jogadores de futebol negros servem de carto postal para promoverem o turismo no exterior. Se aqui sua posio inferiorizada, l fora, o valor notado, como pude atestar em conversa com o ex-Ministro do Planejamento de Angola, Jofre Rocha: "Preservar e cultivar a cultura negra no Brasil passo importantssimo para os estudiosos africanos, para que juntos, africanos e brasileiros, possam reconstituir a cultura dessas duas regies. Alm do fato de ser o Brasil o reconstrutor do flagelo que derramou o sangue africano...".

No se sabe precisamente o nmero de escravos trazidos para o Brasil. Alguns escritores estimam em dezoito milhes, enquando outros baixam para trs milhes. A data de chegada dos primeiros escravos tambm no muito precisa, possivelmente entre 1516 e 1526, poca das instalaes dos engenhos. A princpio, as regies receptoras de escravos foram a Bahia e Pernambuco, (local de plantaes de cana-de-acar e lavoura de algodo). Da Bahia, os africanos eram levados para Sergipe; de Pernambuco, para Paraba e Alagoas. Do Maranho se espalhavam pelo Par. Com a explorao da minerao, Minas Gerais atraiu a mo-de-obra escrava. Devido expanso agrcola da cana-de-acar e do caf, so requisitados para trabalhar nas terras fluminenses (hoje, Rio de Janeiro), abrangendo os cafezais paulistas. Com a queda dos engenhos nordestinos, muitos escravos foram vendidos para o Sul do Pas. A partir da, de fazenda em fazenda, do trabalho na explorao das minas do Centro-Oeste ou em servio domstico aqui, ali, o negro foi-se espalhando e marcando sua presena em todo o Pas. A compra do escravo podia ser feita no local de desembarque como se fosse mercadoria. Eram eles escolhidos pelos dentes e pelo fsico. Os jornais tambm eram utilizados, com anncios de compra e venda de escravos, como registra o jornal "Dirio de Pernambuco", do dia quatro de maio de 1835: "Vende-se ou troca-se negra muito boa lavadeira e vendedeira de rua, por uma que engoma e coza". A troca por animais ou objetos domsticos fazia-se bastante comum: "... uma negra que saiba cozinhar e engomar ou um escravo que sirva de pajem, por uma canoa grande de carregar 1500 tijolos..."

O Nordeste, como porta de entrada do africano, tem em sua populao o maior nmero de descendentes negros. Na Bahia, 80% e no Piau, 82% da populao tm pele escura. Por incrvel que parea, foi nessa regio que encontrei preconceito racial mais acentuado. Na funo de guia de turismo, presenciei situaes chocantes, principalmente em Salvador. Cito apenas dois exemplos: o motorista de nossa excurso foi convidado "delicadamente" a fazer sua refeio na cozinha do hotel, de quatro estrelas, comendo um prato feito de comida amanhecida. Ao tomarmos conhecimento, indagamos o gerente do hotel o motivo da discriminao. Achamos que o motivo era das cortesias, permitidas pela Embratur, para a tripulao da excurso. Para nossa surpresa, nos foi esclarecido que "no fica bem um negro sentar-se ao lado do turista. Voc no v... so todos brancos... Em um dos restaurantes tpicos da cidade, foi proibido ao guia local sentar-se junto aos nossos passageiros,

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::::::::::Cultura Brasileira - O Negro::::::::::devido a sua cor. Alegou o mestre:

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"__Voc est trabalhando, come de graa, e depois pode algum "branco" no gostar..." Perguntei ao guia se ele no fazia valer a Lei Afonso Arinos (punidora de atos contra o racismo). Sua resposta foi a de quem j est acostumado com situaes como essas: "__Se formos buscar em leis o nosso direito, teremos de lanar mo delas todos os dias. Alm de ficarmos tempos aguardando solues, nem sempre a denncia levada a srio. Mesmo assim, quem vai vencendo geralmente o mais rico, que de ru passa a ser vtima. E, depois, o negro no Brasil no pode parar nem ficar manjado. Ele tem de dar duro, ou morre de fome, ou a polcia mete-lhe o cassetete". Enquanto no Nordeste brasileiro visvel o preconceito, no Sul do Pas, onde a populao abafada pelos descendentes europeus, no presenciei preconceito. Mas vale a pena registrar uma ocorrncia envolvendo uma passageira mineira, que se recusou a fazer o city tour em Porto Alegre, colocando em dvida a capacidade do guia local, simplesmente por ser ele um negro. RAMIFICAES DA RAA NEGRA Procedncia tnica 1. Negro X Branco 2. Negro X Negro 3. Negro X ndio 4. Negro Mulato 5. Pardo Denominao Mulato Crioulo Cafuzo (tambm chamado curiboca) Cabra Descendente dos cruzamentos secundrios entre mulato x mulato, crioulo x crioulo, mulato x mameluco (branco x ndio) etc., ou outras tendncias a cor escura

H estudiosos que acreditam na influncia da Revoluo Francesa (1789) e da Rebelio dos Haitianos (1791) nas rebelies dos escravos brasileiros. A pesquisa de Marco Morel ilustra essa influncia, a comear pelos relatrios do Imprio enviados a Portugal, citando referncias rebelio haitiana. Vejamos alguns itens: *Os escravos das fragatas francesas que aportavam clandestinamente no litoral brasileiro passavam informaes sobre ambas as revolues. Algumas dessas embarcaes j tinham passado pelo Haiti. As notcias corriam de boca em boca, de forma a provocar rebelies em diversos pontos do pas. *Sete anos aps a Revoluo Haitiana, acontece e Conjurao Baiana, chamada pelo historiador Afonso Ruy de "a primeira revoluo social brasileira". A participao maior era de negros e mulatos, defendendo objetivos semelhantes aos das revolues francesa e haitiana. *Em 1984, instala-se a Confederao do Equador, em Recife. Os negros se agruparam e massacraram os brancos, em represlia atitude de D. Pedro I em mandar os ingleses reprimirem os republicanos, os quais haviam prometido liberdade aos escravos. Durante os conflitos, os rebelados entoavam cantigas assim: "Qual eu imito Cristvo / Esse imortal haitiano / Eia! imitar o seu povo / meu povo soberano!" *Em 1831, durante a queda do Imprio, preso Cipriano Barata, conhecido como "malvado haitiano", defensor das ideologias de liberdade. *Em 1835, 1500 escravos reivindicam a liberdade, cujo movimento ficou conhecido como a "Revolta dos Mals". Bem planejada, a guerrilha atinge desde o meio rural at algumas provncias como o Rio de Janeiro, provocando mudanas no sistema escravocrata. *Em 1870, os abolicionistas Jos do Patrocnio e Lus Gama so acusados de "querer fazer do Brasil um Haiti".

As extensas reas brasileiras e o aumento da mo-de-obra escrava ameaavam o controle mundial do mercado aucareiro, at ento dominado pelos ingleses. Mas a prpria Inglaterra contribua, sem perceber, para esse desenvolvimento, transportando os escravos da frica para a colnia portuguesa. No se pode esquecer de que uma das fontes enriquecedoras dos ingleses foi o trfico de escravos. Quando os ingleses percebem o erro que esto cometendo, fortalecendo a produo de cana-de-acar no Brasil, eles passam a boicotar o transporte no Oceano Atlntico. Por volta da metade do sculo XVIII, j se fazia notar a revoluo industrial na Inglaterra, com conseqente aumento na sua produo de manufaturados. Essa expanso necessitava de novos consumidores para seus produtos. Os ingleses vem na classe escrava uma fonte de consumo. Mas como pagar a mercadoria, se o trabalho deles no era remunerado? A nica soluo seria defender as idias abolicionistas. Livres, eles receberiam pelo trabalho e teriam condies de comprar seus manufaturados. Como primeira medida, os ingleses lanam mo da dependncia econmica de D. Joo VI - rei de Portugal, exigindo deste a proibio do trfico de negros para o Brasil, uma vez que essa medida no traria nenhuma conseqncia econmica Inglaterra. Em franca expanso industrial, no mais precisariam do lucro obtido no trfico de escravos. Alis, s os beneficiaria, estariam livres do expansionismo da agricultura brasileira e protegeriam sua colnia na Amrica Central, a Jamaica, da ameaa representada pelo Brasil, que concorre com ela no mercado de acar. A princpio, a proibio no foi legalmente cumprida, criando-se srios atritos nas fiscalizaes em navios no alto mar. Os ingleses, no satisfeitos, exigem do governo o cumprimento do trato. Esse, em obedincia, sanciona a Lei Eusbio de Queirs, (1850), legalizando a proibio do trfico negreiro. Mas, com o passar do tempo, a aplicao da lei foi perdendo seu rigor e at hoje comum ouvir denncias semelhantes ao trfico negreiro. Exemplificando, o jornal "A Gazeta", de Vitria, Esprito Santo, do dia 31 de dezembro de 1984, denunciou um fato que nos fez remontar ao tempo da escravido: negros africanos estariam sendo enganados pelos comandantes de navios, com propostas de uma vida melhor na Amrica. Aps o embarque, eles so forados ao trabalho escravo; como denunciaram cinco africanos, "is capites de navios so verdadeiros feitores de escravos". Fatos como esse foram denunciados tambm em Santos, So Paulo. Foi revelado ainda que, aps a limpeza do navio, so atirados em alto mar. Um deles relatou polcia paulista como conseguiu escapar com vida: "Os marinheiros jogavam tambores para nos auxiliar. Fazamos um longo percurso at a praia".

Com a proibio do trfico, a lavoura sofria acentuada queda, por falta de mo-de-obra. Os produtores, ameaados, apelavam para a imigrao dos colonos europeus. Na nsia de resolver seus problemas, produtores defendem a mo-de-obra livre para salvar a situao. Aderem ao sistema de trabalho remunerado ou do meeiro (empregado planta nas terras do patro, dividindo a colheita) Acreditam esses senhores que, com o trabalho dos colonos, iriam economizar, sob alegao de "um colono valer mais que trs escravos"; alem disso havia outras vantagens, como: *poder dispens-los quando desejassem; *no ter responsabilidade para com eles durante todo o ano; *evitar gastos na captura de escravos fugitivos; *acabar com os constantes atritos entre escravos/patro; *no ter encargos na velhice; *no sofrer opresses como exploradores de mo escrava. E o escravo, como ficaria diante dessa situao? Dispensado como empregado, sem carteira assinada, sem direito ou a quem recorrer, era colocado margem da sociedade. A situao ficou pior. Antes, pelo

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menos tinha alimentao e moradia. Muitos se viram obrigados a se desdobrarem no trabalho, mostrando produo, impressionando o patro para no perderem o emprego. Aqueles sem condies fsicas perdiam o direito ao trabalho para os colonos. Vivendo na misria ou dos restos de comida dos ex-senhores. A feijoada, que se tornou um prato tpico brasileiro, exemplifica essa situao. que as sinhs jogavam fora certas partes do porco, como rabo, p, orelha, focinho. Essas partes eram aproveitadas pelos escravos, cozinhando-as no feijo. Surge ento a feijoada.

Em 1870, o Brasil era o nico pas que adotava o regime de escravido. O governo sofria srias presses externas. Para amenizar a situao, foi aprovada a Lei Rio Branco, conhecida como Lei do Ventre Livre (1811), visando a liberar todos os filhos de escravos nascidos a partir da sua aprovao. A propsito, toda essa farsa no passava de um engodo para beneficiar o patro, j que os filhos do escravo continuavam mesmo sob sua tutela ou do Estado, prestando servios da mesma forma. Essa lei interrompeu o ciclo de manifestaes abolicionistas, por algum tempo. Mais tarde reativado o movimento quando o deputado baiano Jernimo Sobr cobra dos abolicionistas maior empenho. Isso resulta no surgimento, no Rio de Janeiro, da Sociedade Brasileira Contra a Escravido e do jornal "O Abolicionista". Em So Paulo, o movimento se multiplica, enquanto os jornalistas antiescravistas estampavam manchetes a favor do escravo. Terminada a guerra do Paraguai (1870), os militares aderiram s propostas abolicionistas, tornando-se o Marechal Deodoro da Fonseca o mensageiro de um manifesto ao governo, pondo fim colaborao que prestavam na captura dos negros fugitivos. Essa atitude ocultava outros interesses, no passando de uma provocao dos militares monarquia, pois, pouco tempo depois, Deodoro proclamava a Repblica.

Tentando aplicar outro golpe nos movimentos abolicionistas, o governo cria a Lei Saraiva-Cotegipe (1885), ou seja, a Lei dos Sexagenrios, libertando todos os escravos com mais de 60 anos de idade. Essa lei favorecia mais o patro do que o escravo. Depois de lhe sugar todo o potencial, mandava-o embora de mos vazias.

Aproveitando a situao, a Inglaterra, movida pelo desejo comercial, passa a fortalecer o pensamento da abolio, criando srios problemas para o governo. Entretanto, os ingleses usavam a causa humana como poder poltico em benefcio de interesses econmicos. Sufocado, o governo provisrio da Princesa Isabel cede, assinando a Lei urea, acabando com a legislao da escravido no Brasil, em 13 de maio de 1888. O fim da escravido no Brasil no significou uma ao de

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http://www.pousadadascores.com.br/leitura_virtual/cultura_brasileira/...bondade por parte do governo. Resultou da soma das presses internas e externas. A Lei urea, na verdade, livrara o negro da escravido legalizada, mas no lhe ofereceu recursos para se livrar da dependncia econmica e financeira. Mais uma vez, os benefcios caram nas mos do governo e dos senhores, que no o recompensaram do trabalho prestado ao longo de sua vida, nem lhe garantiram o engajamento na sociedade, como defendeu o pesquisador de assuntos afro-brasileiros Edilson Carneiro, ao tratar da Lei urea: "foi a pior de todas as leis sobre o negro, pois s contribuiu para a marginalizao dele". A presente situao do negro, na segunda nao negra do mundo, reflete a verdadeira realidade do passado. Revolta dos Mals = De acordo com explicaes do historiador Dcio Freitas, "mal" um termo "revestido de um cunho pejorativo". Foi uma forma que os brancos encontraram para designar o movimento dos escravos na tentativa de tomar o poder.

A histria de So Tom das Letras, cidade no Sul de Minas, comea em 1770, com a construo da igreja, tendo como padroeiro esse santo. Corre na cidade um ar de mistrio, depositando entre as pedras uma lenda, para aqueles que a visitam para saber do seu passado. Sabe-se que, nessa regio, foi grande o sofrimento dos escravos. Fugiam para os morros do Leo e Gavio, evitando os maus tratos. Joo Anto foi um deles. Viveu 18 anos numa gruta, at o dia em que lhe apareceu um jovem bem vestido, esbanjando sabedoria. Ao ver o moo, Anto perguntou: __Uai! quem vois mec? No obteve resposta. Logo o visitante indagou: __Voc mora aqui? Por qu? __Fugi da casa grande. Sinh me oitava int virar *mulambo. Depois, banhava na salmora, ordenando nego ficar quarando no sol. Doa de indoidar. Atento s falas do escravo, o moo parecia imaginar quanto seus companheiros de senzala estariam sofrendo. Agoniado, escreveu um bilhete e chamou Anto: __V entregar este bilhete ao Quincas Areo. __Mas s s s!!! moo. quando sinh v eu com esse trem na mo vai fazer de mim *tilambo. __No! ele no vai mais fazer isso. Espere para ver e crer. Anto, num embalo, saiu em disparada com medo de perder a coragem. Chegou fazenda ressabiado. Entregou o bilhete ao patro. Esse ficou assustado ao ver o escravo, leu o tal bilhete, abrindo uma boca de todo tamanho e exclamando: __Uai, pensei que tinhas servido de alimento para as onas. Quem esse fulano? __No sei, apareceu l de repente. __L onde? __Na *ribeira do morro, donde fica a gruta. Chegando no local, no encontraram ningum. Apenas uma imagem de So Tom. Imaginou: __Foi So Tom, ele veio mostrar-nos que no h distino de cor. Somos todos iguais, portanto merecemos o mesmo tratamento, respeito e dignidade. Desde ento, Quincas mudou seu comportamento junto aos escravos.

As primeiras sementes a favor da liberdade foram plantadas pelos prprios escravos. Comearam a germinar logo na sua chegada. Era uma forma de eles mostrarem sua rejeio ao sistema opressor. Revoltados, fugiam, criando suas naes independentes e livres. Esses redutos tinham base poltica, econmica e social igual das naes africanas. Algumas alteraes so notadas devido abrigarem brancos e ndios, no concordantes com

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as leis dos senhores. Inicialmente, na Bahia, recebiam o nome de mocambos (derivao de mukambu). Depois, passaram a denominar-se quilombos (derivao de quimbundo). Normalmente surgiam em lugares que ofereciam proteo, como nas cumeiras das serras, ou prximo, facilitando que se avistassem os inimigos. Foram muitos os quilombos nas mais diversas regies do pas. Poucos foram historiografados. Hoje torna-se difcil a pesquisa, devido ao fato de o tempo ter apagado seus resqucios. No municpio de Campos do Jordo, no Vale do Paraba, em So Paulo, existe uma "Gruta d o Crioulo", conhecida como reduto dos escravos fugitivos. O morro do Espia, no municpio de Ibi, no Alto do Paraba, em Minas Gerais, foi outro quilombo que poderia revelar fatos importantssimos para a histria do pas. O Morro do Espia localiza-se na fazenda que leva o nome do escravo lder do quilombo: Ambrsio. Na regio, correm de boca em boca vrias lendas e encontra-se muita gente de cor. Seu Antnio da Silva, 76 anos, esposo de D. Silota, com oito filhos, relembra vagamente fatos como esses: "Oh moo! eles conta que no morro morava os nego revortoso. Fugia para l e ficava em liberdade. Ambrsio, o chefo da turma, ficava espiando no arto. Quando vinha os tropero carregado de oro, trocava tucaiado no p do morro. Na ora que eles tava perto, es vap! atacava e robava. Es conta que l tem munt'oro enterrado por perto". Apesar do tempo, podem-se encontrar pedaos de objetos da poca. S Antnio conta de uma roda que ele encontrou: "__Viajei por esse mundo abaxo. Encontrei uma roda duma grandeza e da artura de um p de mamo arto. Dis que era dos nego artero tomar lambada". (Pelas explicaes, deve ser uma roda d'gua onde amarravam os escravos. Ao girar, afogavam-se os castigados. "__E de seus pais, o senhor se lembra?" Ele suspira, deixando estampar sua saudade e desabafa: "__Meu pai foi escravo e dos valento! Es tinha medo dele. Trabaiado. Gente ninhuma pudia com ele na ferramenta. Os fazendero cubiava o trabaio dele. Foi vendido de uns fazendeiro pro outro, quando l no Bi (Ibi) ainda era So Pedro de Arcntara". A morada dos escravos fugitivos era ao p do morro. Nota-se que eram bastante precavidos. Ao redor de suas moradias, fizeram uma vala em forma de crculo que pode ser vista e deduzir-se a profundidade e largura. Provavelmente de dia usavam "pinguelas" para passagens, noite retiravam-nas evitando a entrada de inimigos. No h um estudo para mostrar se eles viviam na regio ou vinham de outras localidades. De acordo com explicaes de um dos herdeiros da fazenda "Ambrsio", Alexandre Alves Ferreira, provavelmente as tropas saqueadas vinham das regies mineradoras: "__As caravanas assaltadas provinham das regies mineradoras de Minas. Passavam por aqui em direo a Gois, na poca sendo desbravado. Ou ento, poderiam estar trazendo o ouro encontrado nas minas goianas". O ouro adquirido pelos escravos era colocado num tacho e enterrado, (de vez em quando algum cisma de cavucar no local, esperanoso de encontrar o tesouro). Segundo a lenda, Ambrsio revelava que tinha um objetivo com o ouro: "__Comprar um navio e voltar para a frica". Contam tambm que os viajantes saqueados eram jogados no rio. Ao serem lanados na gua gritavam por misericrdia; ento, o rio passou a chamar-se Rio Misericrdia. Por duas vezes os bandeirantes investiram contra o quilombo. Acredita Alexandre que "as tropas vinham de Pitangui", na poca, regio mineradora e de muitos bandeirantes. A primeira expedio no teve sucesso. Os escravos perceberam-na e fugiram. Obtiveram xito na segunda, conseguindo massacrar o grupo. Quem sabe a vida de Ambrsio no o revelaria um outro lder como Zumbi? Um dos poucos quilombos documentado pela histria foi "Palmares". Sobreviveu entre 1630 e 1695, na Serra da Barriga (hoje tombada pelo Patrimnio Histrico no Estado de Alagoas, na divisa com Pernambuco). Palmares comeou a formar-se com a invaso dos holandeses em Pernambuco. Os negros aproveitaram-se da confuso, fugindo e organizando-se num ponto estratgico do Estado. Em 1665, acontece o primeiro ataque a Palmares, exatamente quando nascia o futuro lder das povoaes palmarinas. Zumbi. Entre os prisioneiros estava esse beb. Ele foi dado de presente ao padre portugus Antnio de Mello, que o batizou com o nome de Francisco. Aprendeu a ler com facilidade e serviu como coroinha na parquia de seu criador. Aos 15 anos, rebelou-se contra a maneira pela qual foi criado, fugindo para o Quilombo dos Palmares. De uma capacidade extraordinria, Zumbi, tornou-se chefe dos palmarinos. Casou-se com D. Maria - uma branca. H duas verses sobre esta unio: a primeira alega ter sido ela roubada pelos negros; a outra diz que Maria acompanhou Zumbi espontaneamente. Depois de muitas lutas pela liberdade, Zumbi foi morto no dia 20 de novembro de 1695 (atualmente comemora-se nessa data o Dia Nacional da Conscincia Negra), trado por um amigo que o entrega aos inimigos. Sua cabea foi cortada e exposta em praa pblica como aviso aos revoltados. Se da semente lanada contra a opresso germinou a democracia nos quilombos, Ambrsio e Zumbi serviram de adubos s razes dessa semente, que mais tarde deu, como frutos, a liberdade.

De acordo com informao do antroplogo Saul Martins, toda lenda tem origem num fato histrico. Caso contrrio, passa a ser conto. Para ilustrar essa opinio, descrevemos a lenda de Chico Rei que, segundo alguns indcios, foi o criador do Reinado no Brasil. Chico Rei, batizado com o nome de Francisco Lisboa, foi rei africano. Governou durante muito tempo no Sul da frica at ser trazido para o Brasil como escravo. Nas primeiras dcadas do sculo XVIII, o territrio de Chico Rei foi invadido pelos portugueses. Prenderam-no com a famlia e toda a sua corte.

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http://www.pousadadascores.com.br/leitura_virtual/cultura_brasileira/...Jogados nos pores dos navios negreiros, vieram para o Brasil. No caminho, morreram muitos, salvando-se da famlia apenas Chico e seu filho mais velho. Na chegada ao Rio de Janeiro, eles foram vendidos para os mineradores de Vila Rica do Ouro Preto, em Minas Gerais. Por sorte Chico e seu filho foram comprados por um s dono. Esse senhor dava folga aos escravos mais produtivos aos sbados e domingos. Chico mostrou servio logo no incio, sendo contemplado com as folgas. Nesses dias, ele vendia seu trabalho ao prprio patro, na minerao ou na lavoura. O que ganhava tinha uma nica finalidade: comprar sua liberdade, o que conseguiu depois de dois anos. Alforriado, vendia seu trabalho a um portugus. Tornou a mina do portugus umas das mais produtivas de Vila Rica. Como prmio, ganhou o direito de minerar aos sbados em seu benefcio. Com o ouro comprou a liberdade de seu filho. Juntos, compraram a liberdade de outros negros e formaram uma espcie de cooperativa de escravos alforriados. O prestgio de Chico Rei crescia na regio. Com sua simpatia, ganhava amigos brancos e negros. Os brancos lhe ofereceram a explorao de uma mina inativa. Sua sorte brilhou novamente, conseguindo enriquecer-se nesta minerao. Chico Rei casou-se com uma filha de congols. Construiu a Igreja de Santa Efignia em louvor a Nossa Senhora do Rosrio, em Ouro Preto. Criou a irmandade dos pretos. Antes do trabalho, reunia-se com seus amigos para rezar em coro. Os padres, sentindo sua devoo, ajudam-no a criar sua corte real, acompanhada da Guarda de Congo ou

Reinados. Com sua opulncia Chico tornou-se Rei da guarda. Aos domingos aprontava a corte real: de coroa de ouro na cabea, de mantas bordadas, ao lado da esposa; o filho o protegia com a umbela bordada com franjas de ouro e carregada por mucamas. Na frente, os tocadores de instrumentos e danantes abriram caminho para a corte passar. As mulheres empoavam os cabelos com ouro. Subiam o morro para assistir missa na igreja construda por Chico. Terminada a cerimnia, as mulheres lavavam as cabeas na pia bastimal com gua benta, deixando as riquezas para a irmandade. A corte mantinha-se ordeira e pacfica, ganhando a confiana dos senhores. Com isso os escravos de melhor comportamento tinham permisso para fazer parte da corte do Chico Rei, nas horas de folga. O reinado de Chico Rei espalhou-se pelo Brasil. Com influncia do branco e dos ndios, foram-se criando outros grupos, como os moambiqueiros, a marujada, a caboelada e os catops. Hoje essa tradio mantida, principalmente no interior de Minas Gerais.

Com esta frase, extinguia-se a escravido na provncia do Cear, quatro anos antes da Lei urea. A colonizao do Cear deu-se pouco mais de um sculo aps o descobrimento. Os colonizadores tencionaram transformar a regio num vasto pasto para gado. Mas como, se faltava mo-de-obra? O recurso era lanar mo do trabalho escravo do indgena. Os ndios desempenharam bem o papel de vaqueiro. O problema surgiu quando rejeitaram os maus tratos. Com o apoio dos padres fugiam, causando srios prejuzos economia. Para evitar as constantes crises, os exploradores copiaram o sistema das outras provncias: utilizaram a mo-de-obra negra. Em algumas provncias brasileiras, os negros superavam a populao branca. No Cear, ao contrrio, a populao negra era relativamente pequena. Com o crescimento das presses em prol da liberdade, ficaria fcil para aquela regio solucionar o problema da mo-de-obra, caso houvesse extino da escravido. Surgiam as primeiras idias libertrias. Uma das mais notveis partiu de Jos Mariano, pai do romancista Jos de Alencar. Ele defendia a substituio da explorao escrava pelo trabalho de colonos estrangeiros. A 22 de maro de 1850, o deputado e jornalista Pedro Pereira da Silva Guimares apresentava no Congresso Nacional um projeto visando reduo do trabalho escravo, a comear pela libertao dos filhos nascidos dos escravos. O projeto no sensibilizou seus companheiros. Os senhores de engenho negaram qualquer colaborao aprovao. Passando essa etapa, a seca castiga o Cear, sobrando para os serviais a parcela maior de sofrimento. Lutavam contra a fome, a peste e desordem, causando insatisfao aos abolicionistas. Criam, ento, a "Sociedade Perseverana e Porvir", em 1879, objetivando proteger os escravos. Entre os benefcios, alforri-los. A primeira atitude foi comprar a liberdade de uma escrava de 10 anos. Houve ampla repercusso nas camadas poderosas. As mulheres abolicionistas angariavam mensalidades, doavam suas jias, promoviam leiles com as mesmas finalidades. No dia 8 de dezembro de 1880, instala-se no Centro de Fortaleza a "Sociedade Cearense Libertadora", tendo como lema: "um por todos, todos por um". No ano seguinte era fundado o jornal "Libertador", de linha agressiva aos escravistas da regio. Num de seus exemplares publicava: "que a sua misso era de amor, mas no vinha trazer a paz, (...) que a liberdade s se combatia com a espada, porque a tirania no cedia razo e nem conhecia o direito". Durante o intervalo de uma pea de teatro, Pedro Jos Artur de Vasconcelos convenceu os espectadores da necessidade da libertao dos negros. Os jangadeiros, liderados pelo mulato Francisco Nascimento, o Drago do Mar, apoiaram o movimento. Eram peas importantssimas neste movimento, transportavam os escravos dos navios at a praia onde eram vendidos. Por outro lado, o povo se alinhava com as idias abolicionistas. Na noite de 26 de janeiro de 1881, ancora no Cear um cargueiro de escravos. Os comerciantes estavam eufricos, pois ansiavam pela mercadoria. Mas, para surpresa geral, os jangadeiros

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boicotaram o transporte da mercadoria humana at as praias, onde os negros seriam vendidos. O povo, de prontido na praia, apoiava os jangadeiros, dando-lhes fora e impedindo qualquer ameaa dos policiais. A polcia perdeu o controle diante de aproximadamente 1500 pessoas que gritavam: "__No porto do Cear no se embarcam mais escravos!!!" Os traficantes revoltados mandam dizer aos promotores da manifestao: "__Ou os escravos embarcam ou corre sangue". A resposta veio imediatamente: "__Pois que corra sangue!" A situao foi acalmada por algum tempo. Os traficantes, aproveitando-se da situao, intimidam os jangadeiros para realizarem o transporte. No foram bem sucedidos. O inspetor da alfndega e o agente da Polcia Militar da Marinha aderem s idias libertrias. Jata, Bezerra e Isac, conhecidos como "os mosqueteiros", se encarregam de planejar a fuga de outros escravos amontoados no galpo. Combinam com os prprios negros colocarem fogo no capim. A populao se prontificou a dar alarme do incndio. Na algazarra, as portas foram abertas, facilitando a fuga deles. O plano deu certo. O povo saudava o "Drago do Mar". Ele convencer seus amigos a manter o trato, no transportar mais escravos nos portos cearenses enfatizando: "__No h fora bruta neste mundo que faa abrir o trfico negreiro". Os boatos corriam pelo interior, fortalecendo os movimentos pr-liberdade. A cidade de Redeno foi a primeira a dar o exemplo de abolio no pas, em 1883. O jornal "Libertador" estampava em suas pginas: "Dentro em poucos dias a Princesa do Norte ser a primeira capital livre do Imprio. Ento poder se repetir a frase da imprensa da Corte portuguesa, o Cear a terra da Luz". No dia 25 de maro de 1884, a luta tem sua glria. O povo bradou: "A provncia do Cear no tem mais escravos!!!" A abolio concretizava-se em toda a provncia. Nascida do povo para o povo. De baixo para cima. A notcia corria mundo. De Londres, o abolicionista Joaquim Nabuco emitia seu parecer: "O que o Cear acaba de fazer no significa, por certo ainda, o Brasil da Liberdade; mas modifica to profundamente o Brasil da escravido". A libertao dos escravos no Cear repercutiu em todo o pas. Fortaleceu ainda mais os movimentos pr-liberdade. Sufocou os escravocratas, deixando-os de sobreaviso. Tambm revelou mitos como o "Drago do Mar". Quem sabe, um dia a histria o revelar como um dos responsveis pela abolio no Brasil? Voc no acha? Libertados (?) os negros, tiveram de lutar contra outras bandeiras escravistas: a sobrevivncia e o preconceito.

Conta-se nas estncias do Rio Grande do Sul a lenda segunda a qual um estancieiro costumava explorar os servios de um negrinho de forma a satisfazer seus caprichos de mando. A bravura do gacho s poderia ser igualada de um burro desamestrado. Suas ordens eram sempre alm das possibilidades do guri: campear tropa de gado e cavalo sozinho, trabalho de gente grande. E a dele se acontecesse algo de errado com os animais: castigava-o na base do relho. Apesar de o Negrinho do Pastoreio no ser batizado, ele mesmo escolhera Nossa Senhora como madrinha. Nas situaes difceis, rogava por sua proteo. Numa das poucas tardes de inverno nevoento, poca em que os raios desfalecidos do sol desbotado lambiam a neve tmida no cume dos montes, provocando lgrimas em filetes, formando corredeiras pelos vales entre os morros, soou da casa grande um berro to forte que o sabi na porteira procurou logo abrigo, pensando ser um deslocamento de nuvens. "__*Pi vemmm... caa..." "__L vem ordem. E s o que o sinhozinho sabe fazer". Ao chegar varanda, ouviu do estancieiro: "__Amanh vou correr pelos pampas do oeste. Quero o cavalo *baio, arreiado na porteira, bem cedo. No mas vou atolerar seus retardos. Ouviu, tch!". __Sim, sim, sinh. T escutado". Preocupado ele voltou ao seu alojamento para descansar, j que o dia seguinte seria muito trabalhoso. A noite caminhava para a madrugada, quando o guri se ps de p. Acendeu o lampio, armou o lao, e antes que a madrugada fosse domada pelo claro da aurora, saiu montado num pangar *rengueado. Andou, andou lguas e mais lguas sem encontrar a encomenda do patro. Cabreiro como cavalo *bagua, voltou estncia: "__Sinh, campei por toda banda, nada fez top com o baio". O sangue nervoso subiu cabea do mandante. "__Barbaridade, tch! Vou procur-lo. Se encontr tu vai lev um *laao de invej sovaqueira *perebenta". O negrinho tremeu igual papagaio depenado no poleiro em dias de frio. "__Vamo, vamo l deixa de tremer, alma penada", ralhou o gacho.

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Saram os dois s galopadas. Por azar, encontraram o cavalo pastando num brejo. "__Tu mais cego que curiango no relmpago", exclamou o patro, cuspindo marimbondo. "__Olhei tudo, sinhozinho com esses ios que a terra vai com". "__Tu vai ver quem h de comer seus zoinhos, pi!" Amarrou os ps e mos do menino com cip. Deu-lhe chicotadas at o sangue correr pelo corpo. "__Isso pra tu ficar mais esperto, tch!" Enquanto isso o menino rogava: "__Valei minha santa fada madrinha!!!" Desfalecido foi jogado no formigueiro. Passaram-se dias, o gacho voltou ao local, deparando com o corpo mutilado de picadas das formigas. Arrependido pelo feito, deu uma de pecador arrependido: peca, peca sempre, na esperana de a confisso limpar todas as manchas. Da nasceu a lenda de que o menino foi para o cu e hoje a sua alma anda galopando pelos pampas do sul, com os olhos arregalados, procurando o amor e a felicidade, ou objetos perdidos de bondosas pessoas. Quanto ao gacho, grosso que nem tarugo de *pipa, cada um lhe deseja o que merece.

Nasceu em Angola, na frica, onde era membro de um principado. Veio parar na Bahia, vivendo livre at se tornar moa bela e formosa. Seus dotes fsicos despertavam interesse nos feitores que a cobiavam e lhe roubavam o sossego. Certo dia, trabalhando na moenda de cana, no se conteve e adoou o paladar com um torro de acar. Contudo, seu gesto foi isto pelo feitor de sua ala, que penalizou-a com uma mordaa. A partir de ento, passou a colecionar sofrimentos: tornou-se reprodutora de futuros trabalhadores para a lavoura e era obrigada a amamentar os filhos dos "senhores feudais". Mas o trabalho e os castigos no diminuam sua beleza que provocava despeito entre as "sinhs", a ponto de uma delas, acreditando-se trada por Anastcia, ordenar que colocassem um ferro de tortura em seu pescoo. Esse castigo provocou srios ferimentos em Anastcia, resultando numa gangrena. Ao saber dos ferimentos da criada, seu amo levou-a para o Rio de Janeiro, para tratamento mdico. Nada mais pde ser feito devido ao agravamento da doena. Como sempre acontecia, o remorso ou a compaixo era sentida pelos senhores somente quando o resultado de sua maldade atingia o extremo: a morte. Morte que chegou cedo para Anastcia, sendo enterrada com honras (?) de escrava liberta, na Igreja dos Negros Forros do Rio. Hoje, conhecida como Me Preta, ela venerada no Museu do Negro, no Rio (fica na parte superior da Igreja de Nossa Senhora do Rosrio e So Benedito - Rua Uruguaiana) ao lado da esttua funerria da princesa Isabel e de seu esposo, Conde d'Eu. com esta orao que os seus devotos acreditam ser ouvidos por ela, em seus tormentos; colocam-se diante do busto da ex-princesa e escrava, entrada do museu e pedem sua ajuda: "__... pedimos-te... roga por ns, protege-nos, envolve-nos teu manto de graas e com teu olhar bondoso, firme, penetrante, afasta de ns os males e os maldizentes do mundo..."

A palavra candombl provm bantos da frica: K-n-dmb-l-. Significa: culto, louvor, reza, inovao e o nome tambm dado aos lugares onde praticada a cerimnia. Apesar de ser difundido em todo o Brasil, na Bahia onde o candombl tem sua ascenso. Embora siga uma uniformizao, o candombl difere de acordo com as naes de onde vieram os escravos. Encontram-se na Bahia rituais das naes:jeje, ijex, haus, cabinda, keto (o de maior nmero) caboclo (influenciado pela pagelana-indgena). Para os baianos, o local onde so realizadas as cerimnias religiosas chama-se roa ou terreiro. Geralmente o barraco do orix tem um altar (peji). obrigatrio haver uma rvore sagrada, o ioko ou gameleira branca. O salo das cerimnias abertas ao pblico simples: algumas cadeiras ficam de frente para o trono da autoridade-maior-do-recinto, a ialorix (me-de-santo) ou do babalorix (pai-de-santo). Hierarquicamente, so as funes dos elementos no templo: Keker - me pequena, na falta da me-de-santo e assume; Ebomins ou Ebmi - pessoas com mais de sete anos e candombl; Las - pessoas iniciadas com mais de trs anos; Abians - as pessoas que vo iniciar na doutrina; Dogans - espcie de brao direito da

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::::::::::Cultura Brasileira - O Negro::::::::::me-de-santo; Ogs, Ekedes - so pessoas escolhidas para servir aos orixs; Ajibons - ajudante da me-de-santo; Alabs - tocadores de atavaques; Akirijebs - so ocupados por pessoas carregadeiras de despachos para "arriar" em lugares indicados.

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Os orixs de origem africana assemelham-se aos santos da igreja catlica. Tm como funo intermediar entre o homem e o Deus supremo do candombl, que recebe o nome de Olrum. Acreditam os candombleiros que Olrum foi o criador do mundo, portando identifica-se ao Deus da Igreja Catlica. Notamos algumas semelhanas no processo de beatificao dos santos catlicos aos orixs. No catolicismo, geralmente a biografia dos santos relata uma vida de aceitao do sofrimento sem revolta, s vezes pagando a penria na prtica de bondade, resultando na prtica de milagres. Entretanto, no candombl esses valores so notados nos orixs, mas salientam mais a sabedoria de um modo geral: poderes d desvendar os mistrios do homem e universo; o conhecimento astrolgico, psicolgico; a feitiaria tanto na prtica do bem como do mal; muitos tiveram cargos de poder como reis, rainhas ou heris divinos. Na prtica os orixs simbolizam as foras elementares da natureza: gua e terra, ar e fogo, alm dos fenmenos naturais: trovo, tempestade, arco-ris, relmpago e vento, os quais protegem as atividades econmicas primordiais do homem primitivo; caa, agricultura e minerao. Alguns tm poderes para curar e evitar doenas epidrmicas tais como a varola. Na frica, eram cerca de 600, para o Brasil foram trazidos talvez 50, que esto reduzidos a 16 no Candombl, dos quais apenas oito passaram Umbanda. Nas duas seitas, esses orixs podem variar de nomes e qualidades, como tambm podem identificar-se com santos catlicos diferentes, dependendo muito da regio africana de que foram trazidos para o Brasil, atravs dos escravos. Na frica conhecido como Obatal, responsvel pela criao da humanidade. Filho de Olorum, do qual recebeu poderes para governar o mundo. identificado como o Senhor do Bonfim, filho do Deus catlico, o mais cultuado na Bahia. Sua vida dividida em duas formas: Oxagui - mocidade - foi guerreiro cheio de vigor e nobreza; Oxaluf - velhice - dotado de bondade, apresentado curvado pelo peso dos anos, apoiado num cajado .Segundo o frade carmelita Elizeu Vieira Guedes, do Convento do Carmo da Bahia na elaborao do "Mapa da Divina Procedncia" os signos do zodaco tm relao com o Candombl. Levando em conta esse estudo, Oxal rege o signo de Leo, regendo a estrela Sol. Filho de Oxal e Nan. Orix das doenas de um modo geral, tanto pode distribu-las como cur-las, depende de como cultuado. Tido como mdico dos pobres. Em muitos candombls, seu peji fora de casa, devido a seu carter temvel. Identifica-se com So Lzaro (s vezes So Roque e So Bento). Rege o planeta Pluto e o signo Escorpio. Na Bahia, lembra Sant'Ana (em outros lugares sua semelhana com Santa Brbara ou Nossa Senhora das Candeias e outras). Considerada a mais velha orix das guas; talvez por isso seja bastante cultuada na morte. (No Norte e Nordeste, nas cerimnias fnebres, dedicam-lhe cantigas. Em certos mitos, aparece como "me-primitiva" dos gmeos Nawu (feminino) e Lissa (masculino), casal gerador da humanidade. (Estudos autorizaram-me a pensar na semelhana com Ado e Eva, os precursores da humanidade, segunda a Igreja Catlica). Planeta: Lua. Signo: Cncer. Me de todos os orixs e rainha das guas salgadas. Dela so descendente 15 orixs. Casada com o fundador de Oy, capital do reino Iorub/frica. Representa a gestao e a procriao. Identifica-se com Nossa Senhora da Conceio. No zodaco, Neturno e Peixes. Segundo os seguidores lembra So Bartolomeu. representado por uma serpente (na frica o arco-ris visto como uma grande serpente das profundezas que vem beber o cu, sendo tambm representado por uma serpente mordendo a prpria cauda, simbolizando a eternidade e continuidade). Durante a metade do ano mulher, na outra torna-se homem. No zodaco Urano e Aqurio. Poderoso, dizia lanar fogo pela boca. Foi o quarto rei de Oy - (capital de Iorub) na Nigria/frica Ocidental. Comanda o raio e o trovo. Distribuidor da justia, tinha trs esposas. Filho de Oxal, identifica-se com So Jernimo. Zodaco: Saturno e Capricrnio. Foi a primeira esposa de Xang. nica orix capaz de enfrentar os espritos dos mortos - os eguns. Muito sensual, autoritria e apaixonada. Foi divindade africana, rainha guerreira, dona dos ventos, raios e tempestades. conhecida em todo o Brasil pelo nome de Ians, embora o de Oy seja conservado nos terreiros de nag. (nome dado, no Brasil, ao grupo de escravos sudaneses procedente do pas Iorub). Identifica-se com Santa Brbara. Zodaco: Vnus e Libra. Segunda esposa de Xang, portanto uma das rainhas de Oy. Chamada carinhosamente de "Mame Oxum", orix das guas doces, muito faceira e vaidosa. Na Bahia, identifica-se com Nossa Senhora das Candeias e Nossa Senhora da Conceio, alm da Virgem Maria. No zodaco Vnus e Touro. Lembra Joana D'Arc. Tornou-se a terceira esposa de Xang, sendo a menos amada. Diz a lenda que foi enganada por Oxum, acreditando no conselho de cortar a orelha e colocar na sopa de Xang, na esperana de reviver o seu amor. O resultado foi contrrio, pois Xang repudiou-a. Quando aparece nas festas, para brigar com Oxum. Tem o ttulo de "Rei de Ketu" (antigo reino da frica Ocidental). Protetor de Od (caador), usa chapu de vaqueiro, s vezes carrega uma espingarda. Lembra So Jorge; j no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul identificado como So Sebastio. Zodaco: Jpiter e Sagitrio. Seu sexo difere em certos terreiros. Identifica-se com So Benedito e quando dana apia-se numa perna s. Protege a medicina e as folhas, pois sem essas nada se pode fazer nos cultos afro-brasileiros; as folhas sagradas so indispensveis para chamar o ax (foras msticas) dos orixs. Zodaco: Mercrio e Virgem. Conhecedor do futuro, sempre aparece com um opel (colar ou rosrio de if) ajuda nas adivinhaes. Mensageiro da luz, identifica-se com o Santssimo Sacramento ou Divino Esprito Santo. Protetor dos gmeos e dos partos mltiplos. Portanto, assemelha-se aos santos gmeos no catolicismo: So Cosme e Damio. Suas vestes so inspiradas nesses santos. Zodaco: Mercrio e Gmeos. Orixs das matas, protege a gameleira branca ou rvore iroko, sagrada no terreiro do candombl. De temperamento oscilante, ora guerreiro arrogante, ora humilde. Protege os pobres e gosta de receber oferendas no seu santurio, os ps das rvores. Lembra So Francisco. Um dos orixs mais cultuados no Brasil. Sua proteo para os trabalhadores em ferro, metal, juntamente com os agricultores e as artes manuais. Filho de Iemanj e Oranhi. Identifica-se com Santo Antnio. Zodaco: Marte e Ares. uma figura do mal interpretada na crena afro-brasileira. No candombl tradicional, age como mensageiro entre os orixs e os homens, embora de comportamento diferente dos orixs. Sua importncia de grande valia, sem ele nada se pode realizar. Tem a incumbncia de levar pedidos, trazer respostas, convencer os orixs a aceitarem oferendas. Abre o caminho para bons relacionamentos do mundo natural com o sobrenatural. Tanto protege, como castiga, principalmente aqueles no cumpridores das oferendas. Cada orix tem seu Exu com nome especial. Na Umbanda e cultos de influncia bnto (lngua e dialeto diversos, falados por inmeros africanos), Exu confundido com o Diabo dos catlicos. Apresentam-no de chifre, garfos, dentes de vampiro, coberto de capas vermelhas. tido tambm como o mensageiro das trevas. Esta pesquisa foi realizada na Bahia. Portanto, as identificaes entre os santos catlicos e candombleiros so locais. H variaes de terreiro para terreiro e regio para regio, por exemplo: Oxum na Bahia assemelha-se com Nossa Senhora das Candeias e Nossa Senhora da Conceio e a Virgem Maria; j no Recife, lembra Nossa Senhora do Carmo. Tanto no Rio de Janeiro quanto em Porto Alegre, Oxum identificado com Nossa Senhora da Conceio. As fotos dos orixs foram colhidas no Museu do Homem do Nordeste/Fundao Joaquim Nabuco, onde tambm so conhecidos como Xang do Nordeste. Na Bahia ou em outras regies puderam sofrer modificaes nos trajes e nas cores - fator marcante pra os adeptos da seita.

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Na frica, as mulheres no dirigiam candombl. No Brasil, os primeiros terreiros fundados por mulheres. O cargo lhes confere funes de sacerdotisa. Em Salvador, Me Menininha do Gantois um exemplo de como a religio se desenvolve em terras brasileiras. A ialorix fala fluentemente o nag, lngua dos escravos. Vem de uma famlia nobre da frica: seus pais viviam no palcio do rei de Abeokuta, trazidos para o Brasil como escravos. Sua av em nag chamava-se Omonid, a me, Akala, e seu pai, Okurind. Ele ocupava o cargo de Assoju Ob (secretrio do rei). Me Menininha iniciou-se no candombl atravs de sua tia Puquria - a Keker do terreiro da famlia. Com a morte de Puquria, foi indicada pelos orixs, em 1922, para assumir o comando do terreiro. "__Os orixs quiseram - diz Menininha do Gantois. Eles me escolheram, me deram posse, no foram pessoas no! Primeiro foi Oxsse, depois Xang, Oxum e Obalu. Me deram esse cargo de felicidade que estou ocupando at o dia em que Deus e Oxal quiserem". No caminho como me-de-santo encontrou muitos empecilhos; preconceito religioso, perseguio policial. Seu templo foi invadido por diversas vezes pela polcia, que aoitava os adeptos dos orixs, prendia os que no conseguiam fugir. Nessa poca, o candombl no era reconhecido como religio. As autoridades acreditavam ser ele uma feitiaria. "__Para entender o candombl de linha - alega Menininha - preciso voc freqentar, ver, estudar muito. Isso no coisa de brincadeira para curioso, no!" A ialorix acredita: "Deus um s. Ele existe. Pouco importa o nome que lhe damos". Defende a f como o caminho para chegar at Deus: "Toda f nos leva at Ele". Para ela, as religies nunca foram unidas. Agora querem sincretizar o candombl: "Pr mim, Oxssi Oxssi e So Jorge So Jorge. Quando baixa no terreiro ningum fala que So Jorge, e sim Oxssi. Do mesmo modo quando se manda celebrar uma missa ningum diz que para Oxssi e sim para So Jorge.

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::::::::::Cultura Brasileira - O Negro::::::::::Os que chamam por Oxal na Igreja do Bonfim (em Salvador) no so os verdadeiros adeptos da religio. So os que querem fazer folclore". Correm pela cidade de Salvador vrias histrias sobre Me Menininha. Um deles refere-se ao poeta Vincius de Morais. Ele confessou estar temeroso de andar de avio. Ela rogou aos orixs, recebendo o aviso de que "de desastre de avio voc no morrer". A partir da, o poeta passou a viajar tranqilamente. "__Quando algum melhora e vem me dizer, voc no sabe da minha alegria", confessou ela. A quem a procura para fazer maldade, ela esclarece: "Esse negcio de vir me procurar para descasar pessoas, amarrar os passos dos outros, perder tempo. Mesmo que eu soubesse no poderia fazer. No sei, no sei mesmo! No conheo os segredos do mal, no minha linha. Agora, para curar desgraas, tirar perturbaes, fao tudo que estiver ao meu alcance. Rogo aos encantados; me esforo!" Sua fama conhecida alm-mar. Na frica, o sumo sacerdote da religio da Nigria, rei de Ijebu Od, a considera a "prpria orix". Nascida no sculo passado, seis anos aps a Lei urea, com seus 92 anos tida como um patrimnio vivo da cultura negra no Brasil. Seu nome Maria Escolstica Nazar ou, simplesmente, Me Menininha do Gantois.

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De l pr c, de c pr l. Domi, na praia, estava olhando pro mar. Sua imaginao viajava nas ondas pro outro lado das guas. Quem sabe no podia abraar seus irmos africanos, separados desde a vinda para a Amrica. Sentou-se na areia e pos-se a matutar. Sentindo as frescas espumas borbulharem nos ps. Lavando com o sal a dor e a saudade no peito: __Se esta gua banhasse as costas d'frica, mandaria um recado: oi, gente, estou da banda de c. A alegria fazia-se presente ao recordar o passado. Naquele dia, embarcou seu pensamento em busca de suas juras sagradas do tempo de criana. Aportou seu pensar no litoral africano, onde seu amigo Minguinho viu a me de Deus. Lembrando: Era sete de outubro, Minguinho foi praia com as mos cheias de pedrinhas agradecer a Nossa Senhora pela pesca do dia; a cada agradecimento lanava uma pedrinha no mar, dizendo: "__Senhora! o jac trouxe pouco peixe. Mas o bastante pra nos abastar. Bendito este alimento, senhora!!!" Era sua forma de rezar, pois desconhecia o uso do tero. Ao jogar a ltima pedrinha, sentiu as ondas se enfurecerem, a luz do sol apagou-se, as borbulhas rolavam na areia, deixando pegadas na praia com os caranguejos. Num relmpago o vento trouxe o trovo, acalmando a atmosfera, enquanto as guas davam luz um claro de cor azul do cu. "__Hoo!!! exclamou Minguinho - ser Nossa Senhora?" "Vestida de branco ela apareceu trazendo na cinta as cores do cu". Nos braos portava uma criancinha, na mo, o rosrio. Sua capa verde-mar flutuava no ar, provocando cimes nas guas do oceano. "__A bno minha rainha - pediu ele. __Eu vs abeno com o rosrio de Maria - respondeu ela. __Ah! ento Nossa Senhora do Rosrio? "__Sim, eu vim para lhes ensinar a rezar o tero". Aproximando-se deu-lhe um rosrio dizendo: "__O rosrio ser a misericrdia do homem". Ele recebeu com alegria e acrescentou: "__A orao pode ser o adoante no nosso momento de amargura". Minguinho saiu para anunciar a apario da Santa. Formaram-se grupos para visit-la. Primeiro vieram os caboclos, representando os ndios, danando e cantando: "Minha Virgem do Rosrio / hoje Vosso dia. / Ns viemos festejar..." A esperana de t-la entre eles foi levada pelas ondas. Restava apenas ir embora, saudando-a: "Adeus, minha Virgem Santa / esposa do So Jos. / At pro ano / se Deus nosso sinh quiser..." Chegou a Marujada, representando os marinheiros, fazendo as mesmas evolues: "Oh, minha Virgem do Rosrio / ns viemos festej. / A Virgem Santa Maria..." Da mesma forma ela ficou. Esttica em alto mar. S o vento se fazia mensageiro, levando as ressonncias dos cantantes: "O rei mandou lhe chamar / se chama eu vou / No Palcio da rainha / nunca vi tanta ful..." Acreditando um dia poder voltar, os marujos foram-se cantarolando: "Zum... zum... zum... l no meio do mar / o vento que nos atrai, / o mar que nos atrapalha / pr no porto chegar, / zum... zum... zum..." O terceiro grupo a visit-la foi os Catops. Pessoas simples de cor negra. Minguinho entre eles cantava: "Viva a rainha do cu, / viva o rei, viva a rainha / Donde vai parar do rosrio / Donde vai morar, ora l..." Flutuando e caminhando de mansinho, ela se ps beira mar, louvando os danantes com suas palavras: "__A simplicidade e a humildade so essenciais para o crescer espiritual de cada um".

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Colocando-se entre eles, dirigiu-os capela, enquanto cantavam: "Ave Maria, canta l do cu. / Sua casa cheia de ful de laranjeira / vamo embora, semeando flores, / por este caminho a fora..." Na porta da capela, movidos pela f, aclamaram-na protetora dos negros: "Entremos nesta casa com prazer e alegria, pois dentro dela mora, o filho da Virgem Maria..." Convidada a subir ao altar, ela ouviu: "Deus salve a casa santa / onde fez a morada / onde mora o clix bento / e a hstia consagrada". Miguinho, representando seus companheiros, exclamou: "__Senhora! com o rosrio vamos ficar mais prximos da perfeio". Respondeu a Santa: "__Vocs ho de encontrar, nas contas do rosrio, foras para enfraquecerem as barreiras atiradas em seu caminhos". Desde ento o rosrio de Maria foi proclamado nos lares de quem queria. Domi, um africano que deixou de governar em terra natal, para reinar como escravo nas minas de ouro do Brasil, voltou realidade com um desejo: "__Vou debulhar as contar do rosrio, igualmente o lavrador debulha uma grada espiga de milho: com amor e esperana de novas boas safras". *Numa s lenda aparecem variantes de regio para regio. A lenda de Nossa Senhora do Rosrio um exemplo. A estria acima foi pesquisada na Festa do Rosrio, na cidade do Serro, Minas Gerais. Foi acrescida de interpretaes do autor. As personagens Domi e Minguinho foram inspiradas no nome de So Domingos. Segundo a Igreja Catlica, foi ele quem recebeu o rosrio das mos de Nossa Senhora do Rosrio. O autor datou o fato como ocorrido em sete de outubro, porque nesse dia comemora-se o dia da Santa do Rosrio. E outubro o ms do rosrio.

Contada por Mestre Didi, um baiano mstico que carrega consigo os casos do tempo da escravido, assemelha-se lenda do Negrinho do Pastoreio. Provavelmente com as vendas d escravos do Nordeste para o Sul, os fatos eram levados e adaptados aos acontecidos na nova terra. Este poder servir de exemplo: Viviam numa fazenda no interior baiano o dono com seu filho e um menino, mantido como escravo. O filho, tal como o pai, divertia-se *malinando como negrinho, *abodegando, s para v-lo *avexado. medida que o tempo passava, cobravam-lhe mais trabalho. "__Veja s! gloriava o fazendeiro - o pitoco de gente t *enhatando a voz, j pode campear a tropa". No primeiro dia da nova tarefa no resistiu ao cansao e foi dominado por uma madorna. Quando despertou, assustou-se: "__Vixe Maria, cad os bois?" Foi contar ao seu dono e ouviu dele: "__ *xente! s pode ser mutrecaje tua". "__Vixe Santssima! foi no sinh". Se sentindo no fuzu dos infernos, o negrim rogou por proteo divina. "__Diga a! minha Nossa Senhora, donde t os bois do s Hom. Me tirre dessa *muzenga. Valei minha santa". No passou muito tempo a tropa foi entrando pelo curral. Sabendo do milagre, o filho do dono tratou de divertir-se mais uma vez, espantando novamente a tropa, desta vez para bem longe. "__Ch! ch! ch! boiada..." O fazendeiro, sem procurar saber da verdade, tratou logo de castigar o seu subordinado. "__O *bichim! toma esta *tilambada que pra tu ficar mais esperto nos *mandalecos".

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Esgotando a raiva, o fazendeiro jogou-o na boca de um formigueiro dizendo. "__Veja l se serve pelo menos pra alimentar as cabeudas". Passaram-se trs dias e ele voltou para dar uma "espiadela" no corpo do menino. Surpreso, viu-o caminhando entre as caatingas vestido como anjo, de mos dadas com Nossa Senhora. Corre o boato na Bahia que o negrim anda *arretado pelos cerrados, como anjo generoso, ajudando as pessoas de bem a encontrarem seus animais perdidos.

Congada, Guarda de Congo, Reinado so denominao de grupos de danas. Geralmente so acompanhados de reis e rainhas, capites, juzas e mestres de guarda, formando o cortejo real. Tm a finalidade de louvar os santos das irmandades dos pretos: Tm a finalidade de louvar os santos das irmandades dos pretos: Nossa Senhora do Rosrio, So Benedito, Santa Efignia, entre outros. Provavelmente sua origem do reinado coincide com a necessidade de Chico Rei manter seus estados: "rei em minha terra, rei fora dela". Em Minas Gerais, alm da corte de cada guarda, existem o rei e a rainha Conga, que representam o Estado de Minas. Atualmente so eles: Geraldo Artur Camilo, da Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio, de Contagem, filho dos fundadores da Comunidade Negra dos Arturos e descendentes de escravos. A rainha Conga Ceclia Alves Gomes, filha de rainha Conga da guarda, neta de escrava. Mora em Sete Lagoas. Por volta de 1980, iniciei uma pesquisa sobre as congadas de Minas. Fui apresentado ao Estado Maior do Reinado da poca: Maria Cassimiro dos Anjos e Raimundo Nonato. Atuando como reis de Estado, quase sempre nos encontrvamos pelo interior nas festas de reisado. Com mais intimidade, passei a trat-los de V e V. Ao me ver nas festas, ela logo dizia: "__ia s! o cachorrinho a. Anda farejando as festas do congado". Lembro-me de uma passagem com a v rainha. Na festa de Nossa Senhora do Rosrio, em Conceio do Mato Dentro, sentada na porta da igreja, bastante cansada, eu lhe perguntei: "__A senhora no vai seguir o cortejo?" "__No, meu fio, a veia t muito cansada". Contei-lhe da minha fome. Ela chamou sua filha Isabel (hoje rainha do Terno Treze de Maio) pediu a sacola, tirou um pedao de po seco: "__Toma! come essa massa pra tapiar o bucho". Repartimos o po. Ela comia naturalmente, como uma rainha, recebe a comida na bandeija de prata. Valeu-me sua boa inteno. Continuei o trabalho at os reis festeiros (que promovem a festa) oferecem o almoo. Maria Cassimiro nasceu no dia quatro de maro de 1906, em Betim/MG. Sua famlia participava do cortejo das congadas. Antes de completar um ano de idade, ela integrou o reinado. Ao longo de sua vida, cresceu na hierarquia do Congo: foi princesa, juza-comum, rainha de Vara de Prata, depois de Ouro. Em 1944 fundou sua prpria Guarda de Moambique Treze de Maio, tornando-se rainha dela. Por ocasio do IV Centenrio do Rio de Janeiro, foi indicada para representar Minas nas comemoraes da Igreja do Rosrio dos Pretos. Nessa ocasio, foi eleita Rainha Conga do Estado de Minas Gerais, junto com o rei Campolina, j falecido, dando lugar ao Rei Congo Raimundo Nonato. O rei Nonato nasceu no dia cinco de setembro de 1901, em Santa Luzia. Seus pais foram descendentes de escravos. "Minha v foi escrava de um fazendero, S Quinquim", dizia ele. Aos dez anos foi prncipe, depois tocador de caixa, capito de Congo, rei da Guarda de Congo de So Jorge. Mais tarde fundou sua guarda de Moambique, Santo Antnio de lisboa. Finalmente, Rei Congo do Estado de Minas, ttulo conquistado em 1979. Ambos so falecidos; ela em 1984, ele em 1983, legando aos seus descendentes a tradio das festas em louvor aos santos dos pretos. Na casa da rainha Maria Cassimiro as festas no pararam com sua morte. Sua filha Isabel assumiu o posto de Rainha da Guarda e mantm a tradio. No ms de maio comemora-se a Abolio dos Escravos. As comemoraes iniciam-se com as chamadas "trezenas", devido durao de treze dias. Durante os festejos, o boi da manta sai s ruas, pedindo donativos para homenagear os santos. Atrs, vai o caixeiro tocando e cantando: "h! boi / h! boi / Esse boi bonito / h! boi / Ele de So Benedito / h! boi / D esmola pra meu boi / h! boi / Agradeo sua esmola / h! boi / Eu te convido para essa festa / h boi..." A meninada sau atrs cutucando o boi e levando investida dele. No dia oito de maio, levanta-se o primeiro mastro, com estampa de um dos santos. As mulheres preparam as comidas: doces e salgados. A rainha com sua guarda sai em busca da bandeira da Senhora do Rosrio. Geralmente ela est na casa de um dos congadeiros que fez promessa de guard-la. De volta casa da rainha, vem cantando: "Senhora do Rosrio / Sua casa cheira / Cravo e rosa e flor de laranjeira...". Em seguida levanta-se outro mastro, com estampa de Nossa Senhora do Rosrio, cantanto: "L vai subindo, oi / L vai, subindo pro cu / l vai nossa me pro cu...". Em volta do mastro com velas acessas o rei com o basto fala: "__Oh! Maria / Santa Me de Deus / Abenoa esses filhos, meu Deus...". Faz-se silncio e a rainha declama:"__Viva Senhora do Rosrio / Viva Santa Isabel / Viva quem chegou / Viva treze de maio..." Aps as saudaes, desfaz-se o reinado. Todos colocam seus pertences no altar. No dia seguinte, tocam-se os tambores bem cedo, chamando os companheiros. A rainha oferece caf, enquanto se ouve: "Hoje dia de festa no cu / Oh! minha me do cu / Quem no tem me / no tem nada..." A Guarda prepara-se para buscar os reis e rainhas, pagadores de promessas. Eles se vestem como seus santos de devo: Rainha Santa Efignia, Rainha do Divino Esprito Santo, Rainha de Santa Catarina, Rainha Joana D'Arc, Rainha Nossa Senhora do Rosrio, Rei Santo Antnio de Catiger, Rei So Benedito... Terminada a busca dos reis promesseiros, servem-se comestveis na casa da rainha, enquanto as Guardas convidadas vo chegando, cantando: "Oi, d licena, senhora / Oi d licena, tambores de guerra / Os marinheiros chegaram / Para festejar Nossa Senhora... Prapara-se o cortejo real para a Missa Conga (missa comum com a participao dos congadeiros) na igreja mais prxima (Bairro Concrdia). Os Reis Congos colocam-se mais atrs, sob a proteo de um plio conduzido pelas mucamas. Na frente vo as Guardas de Conga cantando e danando com seus reis e rainhas. Outros levam imagens de santos. Na porta da igrekja, um capito declama (publicamos alguns versos): "__h! no tempo da escravido / Moo branco que mandava, / quando sinh ia missa / era ngo quem levava / ... Sinh entrava pra dentro / Ngo l fora ficava / ... Se ngo tava cansado / de chicote ele apanhava / ... Chegando na sua senzala / que ngo ia rezar / ... pedindo ao Deus do cu / que tenha pena dessas almas..." Depois dessa exposio sobre o tratamento dado ao negro no tempo da escravido, o Capito da Rainha bate na porta da igreja, pedindo: "__Santo padre, abre a porta / que ngo qu entr, / pra ouvir a santa missa / que o Pai Eterno vai celebr O padre abre a porta, recebe-os com um abrao fraterno. A corte real tem permisso

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para entrar. As Guardas acompanham cantando e danando: "Deus salve a casa santa / onde Deus fez a morada / Que j o clix bento / e a hstia consagrada..." Inicia-se a missa com a participao do Capito da Rainha: "T caindo ful / Oi t caindo ful / L do cu / l na terra / Oi t caindo ful..." Antes do evangelho faz-se outra saudao: "Quando Deus andava pelo mundo, / oi! que beleza! / Ele curava todo mundo, / oi! que beleza!" Durante o ofertrio, o padre recebe dos reis Congos suas coroas, espadas e bastes, simbolizando a oferenda. Nesse momento canta-se: "h! entregai, Oh! rainha / h! Entregai vossa coroa, rainha..." Quando o celebrante exibe a hstia fazendo a consagrao, os tambores ressoam. Eles cantam: "h! que mesa to bonita / toda cheia de nobreza..." Aps os agradecimentos, o celebrante devolve as coroas e pertences aos donos, enquanto ouvimos" Arrecebei esta coroa, h minha rainha. Arrecebei..." Os reis as recebem beijando-as. O padre faz a coroao. No final da missa a confraternizao: "Um abrao dado de bom corao, / o mesmo que uma prece meu irmo..." Todos se retiram da igreja. Caminham at a casa da Rainha, onde so exibidas diversas danas de origem africana. Danas das Manguaras e o Candombe (no confundir com candombl). Possivelmente Chico Rei se inspirou no candombe para criar sua congada. danado com o corpo curvado, batendo os ps no cho. Nessa dana, usam-se os instrumentos: o chama, o santaninha, a cuca, o guai. Quando o Rei ongo Raimundo puxava a cantiga ele dizia: "__h! eu tava dormindo, s rainha me cham / h! acordo ngo, cativeiro j cab / h! v julh no p de Nossa Sinh, pra gradec..." No ltimo dia das festividades, 13 de maio, celebra-se a Missa Conga no terreiro da casa da Rainha, com a participao de todos. Com o trmino da missa, do-se por encerradas as festividades, cantando-se: "Se a morte no me matar / tamborim. Se a terra no me comer / tamborim. Para o ano eu voltarei... se Deus quiser".

Assim o escritor Candido Emanuel Flix define a palavra Umbanda: " originria da frica. Designa o sacerdote do culto que os pretos bantos prestavam divindade. No Brasil, a palavra passou a identificar o conjunto do ritual umbandista". Para ele, a Umbanda uma religio, levando-se em conta que em toda ela se cultua um Deus, ou outra divindade, por meio de ritos, preces ou mandamentos; ele esclarece: "Sem a menor dvida temos que aceitar a Umbanda como uma religio das mais elevadas. A Umbanda tem, por alta finalidade, mostrar que o mundo no apenas matria, visto que existem seres invisveis. So eles espritos dos que partiram, mas continuam entre ns, e que se incorporam aos mdiuns (pessoas capacitadas e se comunicarem com eles). A finalidade principal do culto umbandista o servio s criaturas humanas, bem como os espritos encarnados ou desencarnados. Isto , tanto por meio da doutrinao como por meio espiritual, visando as dificuldades materiais, morais, o alvio e a cura de enfermidades. O culto deve ser prestado sempre com a maior humildade, pureza e caridade, requisitos indispensveis na prtica do umbandismo". J o pai-de-santo Ary Barreto define sua prtica como religio existente h mais de mil anos, trazida pelos negros africanos para a Bahia. Diz ele: "__Em tempos passados quem possua certos poderes era tido como filho de Satans. Chamava-se magia negra e isso era proibido. Os negros se reuniam em determinado local, concentravam a pedir ajuda aos seus deuses, a faziam o ritual espiritual." Ele fala da perseguio e da prtica da religio: "__Quando descobriam os rituais mandavam queimar o recinto e o chefe como bruxo. S depois da abolio da escravido que os negros da Bahia comearam a firmar sua religio". Consultado sobre o tema, o presidente do Supremo Conselho Sacerdotal da Confederao Espiritualista Umbandista no Estado de Minas Gerais, Antnio Pereira Camlo, que esteve na frica, esclareceu: "__Os negros fugitivos do cativeiro e revoltados contra o regime a que estavam sujeitos formaram os quilombos, (lugares longe e aldeia de Xang), que eram cercados para evitar qualquer invaso dos brancos. Dentro dos quilombos, construam a Casa do Governo que era dirigida por um negro Zambi ou Mucambo Zambi (negro de Deus), responsvel pelos ensinamentos da religio". Segundo o presidente umbandista, dentro dos quilombos era feito o Abac (terreiro) reservado aos cultos. Ali se realizavam todas as prticas religiosas, "sem exceo de credo ou seita". Se os quilombos abrigavam tantos negros (de regies diferentes da frica) como ndios e brancos, certamente todos praticavam suas religies no local. No teriam as religies, somando-se, umas s outras, resultado na fuso religiosa umbandista? Entretanto, Olga Gudolle Cacciatore, autora do "Dicionrio de Cultos Afro-Brasileiros" chegou seguinte concluso: " uma religio formada no Brasil (apesar de o negarem alguns crentes) por uma selao de valores doutrinrios e rituais". Acredita ela que a Umbanda surgiu da unio de diversos cultos africanos (nag - congo-angola - mals islamizados), alm das influenciadas pela Pajelana (culto indgena), do catolicismo e do espiritualismo e posteriormente pelo ocultismo. Sobre alguns desses cultos Olga Gudolle, esclarece: "A princpio chamados de Macumba no Rio de Janeiro, empregavam a magia negra. Essa corrente de Umbanda chamada "Quimbanda" pelos umbandistas da "linha branca". O termo "macumba" ficou para os leigos, como sinnimo de feitiaria". Tive a oportunidade de visitar diversos terreiros e tendas em beira de mar, no Esprito Santo e So Paulo; em lagoas como a da Pampulha, em Belo Horizonte, e Lago do Parano, em Braslia, cada um com rituais e adeses de outras religies diferentes. Alguns aceitam at rituais dos pases do Oriente. Com essas influncias, a Umbanda vai perdendo sua originalidade. O trabalho da Confederao dos Umbandistas visa a preservar a integridade da religio, como esclarece seu presidente: "No posso aceitar e ver uma miscelnea provocada e organizada por pessoas que se metem muito a saber e, como sbios, vo criando uma Umbanda que satisfaa sua convenincia. Se respeitassem os sagrados princpios da Umbanda, estaria num plano mais elevado". A Umbanda espalhou-se por todo o Brasil e foi exportada para a Argentina e Estados Unidos. As cerimnias so realizadas em terreiros, centros, tendas ou cabanas. As oferendas aos orixs podem ser feitas nas matas, praias, cachoeiras, beiras de rio e lagoas etc. Nos rituais usam-se diversos aparatos como nos ritos catlicos: velas, flores, essncias, alm de charutos, plvora, bebidas, defumadores. Sacrificam-se animais em agradecimento aos orixs.

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As vestimentas so simples, de preferncia de cor branca. As mulheres geralmente usam roupas baiana. No salo de cultos (abass) h um altar (peji ou gong) com imagens de santos catlicos, de ndios (caboclos) e negros (pretos velhos). Os instrumentos geralmente so os mesmos do Candombl: atabaque, agog e agu, entre outros. A divindade maior o Zmbi, entidade angola-conguense.

Vindo de pais escravos, nascido em 1880, no distrito de Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, Joo Cndido, acompanhado de sete irmos, viveu numa fazenda at os dez anos de idade, quando foi recrutado para a Marinha, como represlia s suas rebeldias. Nessa poca era comum elementos tidos como desordeiros serem encaminhados escola de correo da Marinha. Mas seu esprito irrequieto fez com que muito cedo Joo Cndido abraasse a causa em favor dos direitos humanos em alto mar. Por ocasio do movimento contra o ento Presidente da Repblica Floriano Peixoto, Joo Cndido, nessa poca com treze anos, faz sua primeira viagem, como aprendiz de marinheiro. Pouco antes de completar 20 anos, torna-se instrutor de escolas da Marinha, tendo oportunidade de presenciar fatos interessantes: a revolta de Plcido de Castro, no Acre, quando bolivianos tentaram invadir o territrio brasileiro; participou do traslado do esquife do Embaixador Joaquim Nabuco, dos Estados Unidos para o Brasil; fez parte da tripulao de Benjamim Constant, para supervisionar o trmino da construo do navio "Minas Gerais" (mais tarde, esse navio serviu de palco a uma rebelio contra o mau trato na Marinha) em um estaleiro na Inglaterra. Sua condio de rebelde lhe valeu um comentrio do Comandante Pereira da Cunha que emitiu um parecer, mais tarde, condenando a atitude de seus comandados, sugerindo que o integrante da comitiva deveria apresentar atestado de bons antecedentes. Eis a ntegra de seu parecer: "Em contato com a Marinha Inglesa, evoluda um sculo sobre o nosso pessoal, essa gente foi sofrendo a inevitvel influncia da comparao". Averiguando a vida coerente dos colegas estrangeiros que aportavam no cais britnico, Joo Cndido tornou-se um dissidente do regime adotado pelos comandantes brasileiros. Passou a questionar, o sistema, influenciando seus companheiros, em busca de condies mais humanas. Propunha tambm o fim dos castigos corporais, do excesso de trabalho, dos salrios baixos e da m alimentao, sugerindo uma nova relao com a Marinha, para a qual os marinheiros "no passavam de meros escravos da Armada Brasileira". Na poca, o Ministro da Marinha classificou essa tomada de conscincia como uma posio anarquista, com este comentrio: "L sofreram as piores influncias dos centros anarquizados pelas idias subversivas de um liberalismo mal compreendido". A morte do Presidente Afonso Pena (1909) chega ao conhecimento de Joo Cndido, na Inglaterra. Em seguida, fica sabendo da posse do novo Chefe de Estado, Nilo Peanha, de quem era simpatizante. Manda desenhar um retrato a carvo do novo Presidente, fixando-o no "Minas Gerais". Chegando ao Rio, Joo Cndido indicado para fazer a mostragem do navio ao Presidente e seu Ministrio. Oportunamente, mostrou o quadro ao visitante, o que lhe valeu um convite ao Palcio do Catete. Por ocasio da visita ao Palcio, Joo Cndido narra ao Presidente as ms condies a que eram submetidos os marinheiros. Pede a abolio da chibata e reivindica melhores condies de vida. O atendimento dessas reivindicaes ficou s na esperana, pois Nilo Peanha, mesmo que desejasse atend-lo, no teria tempo, porque deixou o governo pouco tempo depois. H rumores de que esse governo, depois, acobertou o levante de 22 de novembro de 1910. Com o objetivo de se promoverem, alguns polticos defendiam os marujos. Rui Barbosa foi um deles, s que suas posies contraditrias o tornavam um poltico sem muita credibilidade. Ao mesmo tempo que defendia pontos de vista favorveis causa dos marujos, valorizava a criao da Campanha Correcional - uma lei que agredia os direitos humanos. O jornalista gacho Paulo Ricardo de Morais, pesquisador da vida de Joo Cndido, questiona o fato de Rui Barbosa ter mandado queimar a documentao referente escravido no Brasil, sob alegao de que esse passado era vergonhoso para a Nao e, por isso, deveria desaparecer. No incio do novo governo, a violao aos direitos humanos na marinha aumentou consideravelmente. Surgem, ento, os primeiros indcios de nova rebelio na esquadra brasileira, enviada s comemoraes do I Centenrio da Independncia do Chile. Durante a viagem, os castigos tornam-se insuportveis, provocando um motim contra a Armada. O marinheiro Francisco Dias Martins escreve uma carta e a coloca debaixo da porta da cabine do comandante, esclarecendo: "Venho por meio destas linhas pedir no maltratar a guarnio deste navio, que tanto se esfora para traz-lo limpo. Aqui nungum salteador, nem ladro. Desejamos paz e amor. Ningum escravo de oficiais e chega de chibata. Cuidado! Assinado, Mo Negra". Faziam parte da frota os navios "So Paulo", "Bahia", Deodoro" e o "Minas Gerais", no qual Joo Cndido e mais 887 marujos prestavam servios a uma tripulao de 107 oficiais e oito chibatadores. Na volta, a situao agrava-se devido ao enquadramento de oito marinheiros na Correcional. Um deles teve suas mos e ps atados, recebendo 250 chibatadas para servir de exemplo aos demais rebeldes. Foi a gota que faltava para a exploso da revolta, forando a antecipao, para o dia 22, do lanamento do plano de recusa aos maus tratos, anteriormente marcado para o dia 24 de novembro de 1910. O comit do compl decide assumir o controle do "Minas Gerais" e troca o toque de silncio pelo de combate. Prende os oficiais nos camarotes e entra em contato com os outros navios dos quais receberam apoio. J nas imediaes da Capital Federal - Rio de Janeiro - a esquadra ancora em alto mar. Na cidade, o Presidente Hermes da Fonseca e seus Ministros assistiam a uma pera, quando tomaram conhecimento da seguinte mensagem passada pelo telgrafo: "No queremos de volta a chibata. o que pedimos ao Presidente da Repblica e ao Ministro da Marinha. Queremos respostas, j e j. Caso no as tenhamos, bombardearemos a cidade e os navios que no se revoltarem". Os revoltosos, para provar que estavam dispostos a levar em frente o movimento, enviam corpos de dois oficiais do "Minas Gerais" a plataforma da Marinha. Esse gesto provocou desespero na populao e algumas famlia procuravam refugiar-se fora da cidade. A cpula da Marinha, apreensiva, envia o Deputado gacho Jos Carlos Carvalho para agir como mediador junto aos revoltosos. O poltico ouviu o pedido enftico dos marujos: "Nada queremos, seno o alvio dos castigos corporais. Que nos dem meios para trabalhar, compatveis com as nossas foras. Vossa Senhoria pode percorrer o navio, para ver como ele est em ordem. S queremos que o Presidente nos d liberdade, abolindo as barbaridades que sofremos, dando-nos alimentao e folga no servio. Ns temos, ou no razo?" O deputado levou ao Presidente as reivindicaes dos marujos, mas o governo no se disps a atend-las, forando os marinheiros a recuar nos dilogos. Imediatamente, o Senador Rui Barbosa entra em cena e apresenta um projeto de anistia aos rebeldes. Joo Cndido consente na retomada das negociaes e passa uma mensagem ao conterrneo mediador pelo telgrafo: "Entraremos amanh, ao meio-dia. Agradecemos os seus bons ofcios em favor da nossa causa. Se houver qualquer falsidade, o senhor sofrer as conseqncias. Estamos dispostos a vender caro as nossas vidas". No dia 26 de novembro cumprem o prometido. Os navios entram na barra. Em terra firme, a anistia revogada e os marinheiros so apanhados desprevenidos. Joo Cndido preso e enviado para uma masmorra na Ilha das Cobras. L permanece por 18 meses. Ele mesmo contou a Edmar Morel, autor de "A Revolta da Chibata", como viveu este perodo: "__Foi horrvel! Dos dezoito camaradas, instalados num mesmo cubculo, s escaparam dois: eu e o Pau de Lira, que trabalhava na estiva (no poro do navio) no cais dos Mineiros, no Caju. O resto foi comido pelo cal, que se misturava com gua, era jogada dentro do subterrneo. Outros, de to inchados, pareciam sapos... Alguns, corrodos pela sede, bebiam a prpria urina. Fazamos necessidades num barril que, de

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to cheio, rolou inundando tudo. Resistimos a po e gua. Quando abriram a porta, havia gente podre. Retiraram os cadveres, deixando apenas ns dois. L fiquei, at ser internado como louco". Aps receber alta, Joo Cndido retorna mesma priso, permanecendo por l at o dia em que o Senador Rui Barbosa o elogiou no Congresso, pela atitude como comandou a revolta dos marinheiros, evitando um confronto de maiores conseqncias. Lembra o jornalista Paulo Ricardo que, na mesma poca, enquanto Joo Cndido usava de estratgias para evitar ataque sangrento, o Presidente, Marechal Hermes da Fonseca, permitia o bombardeio da Bahia. Absolvido, com auxlio de uma junta de advogados contratada pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio dos Pretos, Joo Cndido aclamado pelos amigos como o "Almirante Negro", fazendo jus frase que ouvira mais tarde, de um marinheiro: "__A sua histria ficou na Marinha. Hoje, no apanhamos, temos soldo regular e comemos bem. Agradecemos tudo isto ao Senhor". Em liberdade, enfrenta o preconceito, as doenas adquiridas na priso e as dificuldades financeiras. Para sobreviver, sujeita-se a trabalhar desde carregador de navio a vendedor de peixe. A Marinha nem sequer lembra-se de ajud-lo pelo fim da chibata, um fato marcante na sua histria, mas sufocado pelas batalhas dos almirantes. Casou-se com Marieta, constituiu famlia e veio a falecer no dia 6 de dezembro de 1969, no Rio, vtima de um cncer. As pedras em seu caminho tortuoso foram muitas e muitas, mas mesmo assim conseguiu foras para retir-las, com dignidade, sagrando-se um heri do povo, como disse Edmar Morel: "Voc dignificou a espcie humana. Adeus, Joo Cndido..."

Um baiano dono de engenho tinha como prazer criar galinhas; para muitas aves, apenas um galo. Quando