Cultura Das Origens

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  • 8/20/2019 Cultura Das Origens

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    1  A origem da cultura

    2  A importância da cultura

    3  A antropologia contemporânea

    4  Comunidade: a contribuição dasociologia para o estudo da cultura

       B   E   T   T   M   A   N   N   /   C   O   R   B   I   S   /   L   A   T   I   N   S   T   O   C   K

    A cultura é resultado de conhecimentos acumulados pelo homem ao longo de milhares de anos. Na foto, oartista espanhol Pablo Picasso transmite a seu filho Claude rudimentos de pintura e desenho. 

    Cristina Costa

    CULTURA: DAS ORIGENSÀ ATUALIDADE

    SOCIOLOGIA

         C     A     P      Í     T     U     L     O     S

    1 •2 •3 •4 •5 •6 •7 •8 •9 •10 •11 •12

    5professor     m     ó     d    u     l    o

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    O homem e aprodução da cultura

    Objetivos

    Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de:

    ■  compreender o processo da formação das relações societáriasestabelecidas pelos seres humanos;

    ■  avaliar a contribuição da antropologia para o avanço das ciênciassociais;

    ■  compreender os vários conceitos de cultura;

    ■  relacionar a diversidade cultural com os diferentes processoshistóricos que cada grupo social vivenciou;

    ■  entender as implicações da globalização sobre as culturas.

    “Ignoramos como a arte começou, tanto quanto

    desconhecemos como teve início a linguagem. Se

    aceitarmos que arte significa o exercício de atividades

    tais como a edificação de templos e casas, a realização de

    pinturas e esculturas, ou a tessitura de padrões, nenhum

    povo existe no mundo sem arte. Se, por outro lado,

    entendermos por arte alguma espécie de belo artigo de

    luxo, algo para nos deleitar em museus e exposições,

    ou uma coisa muito especial para usar como preciosa

    decoração na sala de honra, cumpre-nos reconhecer que

    esse uso da palavra constitui um desenvolvimento bem

    recente e que muitos dos maiores construtores, pintores

    ou escultores do passado sequer sonharam com ele.”

    GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999. p. 40.

    Professor: Consulte oPlano de Aulas. As orien-tações pedagógicas esugestões didáticas faci-litarão seu trabalho comos alunos.

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    CAPÍTULO1  A origem dacultura

    1 Estudando a cultura

    Sociólogos, antropólogos, etnólogos, ar-queólogos, historiadores, psicólogos, biólo-gos e linguistas têm se dedicado ao estudodo surgimento da cultura, essa forma tão pe-culiar de os seres humanos se relacionarem,se expressarem, refletirem sobre o mundoque os cerca e de criarem hábitos e costumes

    diferenciados. Todos procuram responder àsperguntas que estão na origem das ciênciashumanas: Como nos diferenciamos dos de-mais animais? Como desenvolvemos formastão peculiares de existir?

    Não é possível dizer que haja apenas umaresposta a essas perguntas. Ainda há muitoa ser explicado. Cada autor, em sua área deconhecimento, procura identificar causas eefeitos dessa transformação capaz de engen-drar uma forma complexa de viver e de sereproduzir como a humana.

    Para o filósofo contemporâneo Ernst Cas-sirer, o processo de evolução que resultou nacriação da humanidade não encontra parale-lo em outra espécie animal, mas isso não nosautoriza a eliminar as explicações genéticasou históricas (figura 1).

    Figura 1 •   O comporta-mento de muitos animaisnos confunde a ponto denos fazer questionar senão os entendemos mal ouse eles, de alguma forma,são iguais a nós.

    Evolucionismo

    É um conjunto de teorias que veem a evolução como elemento fundamental geren-ciador da realidade. Foi aplicado às ciências sociais para explicar a diferença de cultu-ras e sociedades encontradas entre os seres humanos. No campo biológico, refere-seprincipalmente ao darwinismo, teoria desenvolvida por Charles Darwin (1809-1882)

    para explicar a evolução das espécies.

    1

    O fato da mutação súbita e da evolução emergente pode ser admitido. Abiologia moderna não fala mais da evolução nos termos do darwinismo primi-tivo, nem explica as causas da evolução da mesma maneira.

    CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem.São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 57.

       G   E   R   A   R   D   B   R   O   W

       N   /   D   O   R   L   I   N   G   K   I   N   D   E   R   S   L   E   Y   /   G   E   T   T   Y   I   M   A   G   E   S

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    2 Processo evolutivo humano

    Há cerca de 6 milhões de anos surgiram os primeiros antropoides. Desde esseperíodo até o aparecimento do Homo sapiens sapiens, a espécie humana passou porum longo processo de adaptação, favorecido por inúmeras causas, dentre as quaisse destacam importantes mudanças ambientais e geográficas.

    Períodos de aquecimento do planeta favoreceram a ampliação das zonas tempe-

    radas e forçaram alguns grupos de hominídeos a procurar alimento e ocupar áreasfora de sua origem, o continente africano.

    Esse aquecimento também seria responsável pela mudança de uma área de flo-resta em savana (figura 2). Tal fato teria feito que alguns grupos de antropoidesmodificassem sua forma de se deslocar. Nas florestas, eles viviam boa parte dotempo nas árvores e usavam os membros superiores para percorrer longas distân-cias, como fazem os macacos atuais. Nas savanas, seus descendentes tiveram de selocomover no chão. Diante dessa necessidade, adaptaram-se melhor aqueles quedesenvolveram o bipedalismo e a visão frontal, o que lhes permitiu enxergar osalimentos a distância e alcançá-los mais depressa do que os demais animais, que se

    mantiveram rentes ao chão.

    Figura 2 • As savanas afri-canas, na região do lago

    Turkana, no Quênia, abri-garam inúmeras espéciesde animais e de hominí-deos, além de uma abun-dante flora.

     A postura ereta libertou os membros superiores (figura 3) para a realização deoutras atividades, como a confecção de ferramentas rudimentares de pedra – traba-lho que tem ocupado os homens há mais de 2,5 milhões de anos. As machadinhassucederam os cortadores e raspadores feitos de lasca. Esse progresso tecnológicoserviu-se de ossos, dentes e mandíbulas, além de produtos vegetais, como matéria--prima para raspar, modelar e trançar. A conquista de território e a adaptabilidade

    eram mais valorizados que avanços tecnológicos, embora estes tenham tido cres-cente importância na história do homem.

    Glossário

    Antropoide.   Ma-caco destituído decauda e anatomica-mente semelhanteao homem, comoo orangotango, ochimpanzé, o gorila

    e os gibões.Hominídeo.  Famíliade primatas antro-poides, que com-preende o homem eseus ancestrais fós-seis, como os austra-lopitecos.

    Savana. Tipo de for-mação vegetal mistacomposta de extratobaixo e contínuo degramíneas e subar-bustos, com maior

    ou menor númerode pequenas árvoresespalhadas.2

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    Figura 3 • Os membros su-periores do  Austr alopit he-cus afarensis (à esquerda)da Etiópia são semelhantesaos dos seres humanos (àdireita), mas não são iguais, já que apresentam caracte-rísticas de um trepador deárvores com habilidade defabricar ferramentas.

    Figura 4 •   A dependên-cia dos filhos em relaçãoaos pais teria contribuídona formação de gruposhumanos familiares e vi-zinhos. Mudanças hormo-nais alteraram radicalmen-te a reprodução humana,atribuindo cada vez maiorimportância à sexualidade

    nas relações afetivas e re-produtivas.

     Além das conquistas promovidas pelo bipedalismoe pelo uso de ferramentas, os hominídeos mostraramuma incrível capacidade de transformação e adaptaçãoàs diferentes regiões e climas, podendo reagir e sobre-viver. Desenvolveram uma dieta variada que incluíavegetais e carne, o que permitiu a adaptação a climasfrios ou quentes. Essa flexibilidade e adaptabilidade fa-

    cilitaram percorrer o planeta e se ajustar a diferentesambientes.

    Outra novidade foi a organização em bandos decompanheiros, na maioria constituídos de parentes.Isso os tornou aptos a sobreviver sobretudo em ra-zão das novas formas de sociabilidade (a divisão e aespecialização das tarefas), e criou situação para quepudessem improvisar. Em bandos, criaram diferentesformas de sociabilidade. Essas coletividades tornaram-semais eficientes na busca por alimentos, na ocupação deterritórios mais amplos e na caça de grandes grupos de

    animais. A amplitude de relacionamentos diluiu conflitos, possibilitando a forma-ção, quando necessário, de pequenos grupos de dissidentes. Essa forma flexível desociabilidade é encontrada ainda hoje em grupos de caçadores-coletores.

    Um grupo social amplo e flexível deu lugar a formas econômicas cooperativasdependendo da estação do ano: a organização da vida social era mais coletiva nasépocas de fartura e mais individual em tempos de escassez. A pesca com rede, porexemplo, foi uma técnica de coleta que dependia dessa cooperação entre gruposhumanos numericamente amplos. O passo seguinte para essa experiência foi adivisão do trabalho, com homens desenvolvendo certas tarefas e mulheres, outras,ou então jovens e idosos com tarefas próprias e diferenciadas. A complexidade que

    essas tarefas exigiam, em termos de relacionamento e organização da vida social,mostrava que nossos antepassados estavam mais preocupados em desenvolver es-sas competências do que em criar uma tecnologia mais elaborada.

    Provavelmente em razão do bipedalismo e da postura ereta, as crias humanaspassaram a nascer mais imaturas, demandando cada vez mais cuidados por parte dosadultos (figura 4). A dependência dos filhos em relação aos pais foi se acentuando,fazendo que as primeiras formas de parentesco se afirmassem. Conciliar a vida eco-

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    4

       J   O   H   N   R   E   A   D   E   R   /   S   P   L   D   C   /   L   A   T   I   N   S   T   O   C   K

       R   O   S   A   G   A   U   D   I   T   A   N   O   /   S   T   U   D   I   O   R

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    Figuras 5 e 6 •   Formas

    complexas de relaciona-mento permitiram à espé-cie humana novas formasde organização social.

    5 6

       N   I   K   O   N

       E   R   N   I   K   O   N   E   R   /   S   H   U   T   T   E   R   S   T   O   C   K

       Y   U   R   I   A

       R   C   U   R   S   /   S   H   U   T   T   E   R   S   T   O   C   K

    nômica e as atribuições provenientes da divisão do trabalho à criação de filhos, quedeviam ser alimentados, passou a fazer parte do cotidiano desses bandos.

    Das transformações fisiológicas, a perda de pelos nos quais se seguravam osfilhos dos primatas superiores dificultou a locomoção das fêmeas que aprendiama carregar nos braços suas crias. A etapa seguinte seria a tendência à sedentari-zação e à prática da agricultura, como forma segura de se estabelecer num terri-tório delimitado, para produzir o necessário para a sobrevivência, sem constante

    perambulação.Desse modo, é importante perceber que a vida em bando se tornava mais com-

    plexa, exigindo desses hominídeos cada vez mais criatividade e improvisação, alémda capacidade de reorganizar e renomear o mundo.

    Para conduzir tantas modificações capazes de garantir a sobrevivência aos as-cendentes do Homo sapiens, estabeleceu-se uma forma muito peculiar de vida gru-pal – uma associação baseada nas relações consanguíneas e de parentesco, masflexíveis a ponto de incluir relações estabelecidas com base na troca e na coopera-ção. As relações sociais diversificaram-se, afastaram-se de sua origem genética, e asregras de convivência e tolerância tornaram-se mais importantes para a manuten-ção e reprodução do grupo. Milhões de anos devem ter sido gastos na elaboraçãodessas novas relações que se criavam no interior desses grupos humanos, fazendoconviver a divisão de trabalho com regras de parentesco, como a exogamia.

    Esse arranjo complexo, bastante inovador, que fundia comportamentos instin-tivos ordenadores da reprodução sexual com formas de trabalho cooperativo, tor-nou-se ainda mais complicado quando, inventando a agricultura, nossos antepas-sados puderam se fixar em um sítio e nele estabelecer princípios de propriedade.

    Para administrar esse complexo de relações foi necessário elaborar umanova sexualidade, a fim de aumentar a produção da espécie e de criar laçosduradouros para a manutenção da prole. Nessa nova dinâmica sexual, quedeu origem aos casais, devemos identificar o acasalamento que ocorre fora dos

    períodos férteis do ciclo menstrual das fêmeas, o jogo de sedução sexual ex-pressivo e duradouro, a monogamia e a exogamia como expectativa da relaçãoamorosa (figuras 5 e 6).

    Glossário

    Exogamia.  Cruza-mento de indivíduosnão aparentados oucom grau de paren-tesco distante.

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       R   U   B   E   N   S   C   H   A   V   E   S   /   P   U   L   S   A   R

    3 Humanização, simbolismo e linguagem

    O ser humano foi aos poucos se diferenciando dos demais primatas superio-res. Essas transformações implicaram o abandono do que chamamos de estadode natureza, no qual o homem integrava-se ao ambiente natural e agia guiadopor seus instintos e pelo conhecimento genético herdado dos antepassados. Esseconhecimento e as formas de comportamento instintivo que o faziam reagir de

    forma padronizada aos estímulos exteriores foram substituídos por novas ações eatitudes que caracterizam o estado de cultura. Esse comportamento, estabelecidopor convenção, foi sendo organizado pelos grupos humanos a partir do momentoem que perceberam que as condições em que se via obrigado a viver e a interagirexigiam respostas diferentes daquelas geneticamente condicionadas.

    Para analisar essa mudança no comportamento, o antropólogo americanoClifford Geertz associou os conceitos de natureza e de cultura, afirmando queas modificações que aqui são descritas só se tornaram possíveis porque foramimpulsionadas pela cultura.

    [A cultura foi] o ingrediente essencial e orientador na produção desse ani-mal: o homem.GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 

    Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1989. p. 59. 

    Uma mudança cultural importante diz respeito aoshábitos alimentares. O ser humano que estava acos-tumado a uma dieta basicamente vegetariana, comooutros primatas superiores, teve de se adaptar a umaalimentação carnívora nos períodos em que escassea-vam os vegetais e se encontravam disponíveis peque-

    nos animais com os quais ele dividia as savanas. Adotar uma alimentação carnívora e desenvolver

    formas de caça coletiva e colaborativa exigia a renún-cia de uma série de atitudes instintivas que diziamrespeito tanto à dieta como ao convívio e à sociabili-dade. Essa mudança não se faria sem que ele passassea perceber o mundo sob outra perspectiva e começas-se a agir sobre ele de forma diferenciada. As decisões,inovações e criações no estilo de vida deveriam ser

    compartilhadas e comunicadas aos membros desses grupos.Nesse processo, o simbolismo e a linguagem foram as ferramentas mais importantes.

    São eles que possibilitaram ressignificar o mundo e atribuir ao meio circundante novossentidos, ideias, conceitos e conteúdos. Cada palavra, gesto ou som passou a ter umsignificado, uma ideia, um sentimento ou um valor novo que deveria ser compartilhadopor todos, mesmo que em oposição aos impulsos herdados da espécie (figura 7).

    Figura 7 • Desde sua ori-gem, o Homo sapiens pro-curou meios de expressarseus sentimentos, apren-dizados e ideias. Por meiode grafismos, foi capaz decriar sistemas simbólicoscomplexos. Na foto, sítioarqueológico Talhada doGavião, em Carnaúba dosDantas (RN, 2007).

    Simbolismo

    É a capacidade mental e linguística especialmente atribuída ao ser humano que lhepermite se referir a determinado elemento da realidade objetiva ou subjetiva, pormeio de um signo (palavra, gesto ou grafismo) que o representa. É o simbolismo quepermite o compartilhamento de ideias e emoções entre os membros de um grupo,

    coletivizando suas experiências.

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    Figuras 8 a 10 • A lingua-gem humana dispõe desons, gestos e expressõesfaciais no ato da comu-nicação. Nesse processo,emocional e propositivo,os signos são articuladospara compor a mensagem.Nas imagens, Bill Clinton,durante discurso, faz ex-pressões e gesticula paradar ênfase às palavras.

    Linguagem humana

    Constitui-se de um conjunto limitado de signos verbais, sonoros, gestuais, musicaisou corporais articulados por um conjunto limitado de regras de combinação dessessignos, possibilitando a comunicação entre pessoas, a transmissão de conheci-mentos e de cultura. A comunicação envolve técnicas expressivas e meios de comu-nicação. E, embora todos os seres vivos usem a linguagem, entre os humanos é elaque permite a sociabilidade e a vida em grupo.

    8 9 10

       F   R   A   N   C   O   I   S   D   U   R   A   N   D   /   G   E   T   T   Y   I   M

       A   G   E   S

       D   A   V   E   H   O   G   A   N   /   G   E   T   T   Y   I   M

       A   G   E   S

       T   O   N   Y   B   A   R   S   O   N   /   W   I   R   E   I   M   A   G   E   /   G   E   T   T   Y   I   M

       A   G   E   S

     Assim, é possível definir cultura como o conjunto flexível, variável, arbitrá-rio e histórico de códigos e convenções construído artificialmente por gruposhumanos para a vida em comum. Eles medeiam as formas de viver, produzir ese relacionar uns com os outros e com o meio que os cerca. Conduzem as ex-pectativas, regulam e controlam as ações, para satisfazer as necessidades básicas,com base nos limites estabelecidos pela vida coletiva. Essa transformação nãoteria sido possível se o ser humano não houvesse modificado substancialmente

    seus processos internos de percepção, cognição e simbolização. Para que surgis-sem novos hábitos de locomoção, alimentação e relacionamento, era preciso seadaptar aos novos contextos, criar novos procedimentos e optar por eles. Issoequivale a dizer que foi preciso ao homem desenvolver certa independência emrelação a seu comportamento instintivo.

    Essa distância que se estabelece entre o comportamento culturalmente apren-dido do ser humano e aquele biologicamente determinado se reproduz em suacapacidade de processar, transformando sua experiência imediata com a reali-dade em ideias, conceitos, imagens pelas quais o ser humano representa simbo-licamente essa experiência. A capacidade simbólica ajudou-o a refletir, analisar,ordenar e decompor a realidade abstraída de sua relação com ela. Esse processomental foi provavelmente desenvolvido em associação com outra capacidade: o usoda linguagem humana (figuras 8 a 10).

    Foi o desenvolvimento mental, portanto, dotando o ser humano de capacidadesimbólica e linguística, que tornou possível sua passagem do estado de naturezapara o de cultura.

     A linguagem contribuiu para que o homem criasse novas relações entre os objetosdo mundo circundante e estabelecesse diferentes associações e significados entreeles. Possibilitou também a formação de pactos, contratos e convenções com osmembros de seu grupo, constituindo juízos de valor, princípios, restrições, objetivoscomuns, coletivos e arbitrários.

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    Retomada dos conceitos

    Professor: Neste exer-cício é possível explo-rar o tema do surgi-mento da escrita. Talfato ocorreu há cercade 6 mil anos. Alémdisso, ressalte a impor-tância dela para a vidadiária, para a ciênciaetc. Mostre como aliteratura é um pode-roso meio de comuni-cação. Também desta-que, para os alunos,

    que a escrita marca oinício da história.

    1  (UFPE, adaptado) Leia o texto e responda à pergunta.

     A arte literária

     A Literatura é uma das artes mais complexas. Seu instrumento, a pa-lavra, gera possibilidades infinitas de expressão, já que cada uma delasadmite várias flexões e sentidos.

     A linguagem é o ponto mais sofisticado de um processo que custou muitotempo a se consumar na evolução da humanidade. A aquisição da linguagemoral, sua organização e seus códigos exigiram expedientes requintados deassociações. A palavra, um sopro de ar articulado, ainda que impalpável, eratão reveladora e transformadora que o homem teve necessidade de represen-tá-la materialmente. Então, apareceram os alfabetos, e vários idiomas, poucoa pouco, começaram a ter uma representação gráfica.

    Por meio da palavra escrita, o homem fez registros de ordem documen-

    tal e prática, firmou acordos e contratos, enviou mensagens, colecionouinformações e dados.

    Porém, um dia usou graficamente a palavra, como expressão de suasideias e sentimentos mais profundos, como a formalização de seu olharsubjetivo sobre o mundo... e a Literatura se fez.

     Ao que se sabe, os fenícios foram os primeiros a inventar um alfabe-to, mas não nos deixaram obras literárias. Outros povos antigos, porém,legaram-nos textos artísticos que venceram os milênios, quer pela mensa-gem que soube capturar o que há de essencial na condição humana, querpela criatividade e imaginação reveladas. Muitos desses textos versavamsobre religiões, exprimindo a necessidade humana de expressar o divino,

    o metafísico. Chineses, persas, hindus, hebreus e egípcios, entre outros,produziram obras de interesse universal que ecoam até nossos dias.

    De fato, a Literatura é parte fundamental da cultura dos povos. Sofreo crivo do tempo, pois, pela relação interativa entre o ser humano e seutempo, periodicamente, as tendências artísticas se transformam: é o quechamamos de estilos de época, ou movimentos, ou escolas. E sofre o crivo dasindividualidades, pois cada indivíduo recebe distintamente a ação dessasinterferências. O mundo e a realidade podem ser fenômenos objetivos,mas os olhares que recaem sobre eles são sempre subjetivos. É natural que,ao expressar sua percepção de mundo, o indivíduo o faça de modo parti-

    cular, manifestando, portanto, um estilo individual.OLIVEIRA, Clenir Bellezi de. Arte literária brasileira.São Paulo: Moderna, 2000. p. 9-10. (Adaptado.)

      Relacione esse texto com o que foi estudado no capítulo sobre a evoluçãohumana.

    Resposta pessoal.

     

    Professor: Consulte o Banco de Questões e incentiveos alunos a usar o Simulador de Testes.

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       R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o  p  r  o   i   b   i   d  a .   A  r   t .   1   8   4   d  o   C   ó   d   i  g  o   P  e  n  a   l  e   L  e   i   9 .   6   1   0   d  e   1   9   d  e   f  e  v  e  r  e   i  r  o   d  e   1   9   9   8 .

    12

    Leitura visual

      Lascaux, na França, é um complexo de cavernas que abriga um grande conjunto de

    pinturas realizadas por hominídeos durante o Paleolítico Superior. No Brasil tambémhá diversos sítios arqueológicos com manifestações de arte rupestre. O maior delesfica no Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí. Percebe-se nessas pinturas oapuro técnico e o desejo de expressão, seja por motivos estéticos, religiosos ou sim-plesmente de representação do cotidiano.

    Agora responda:

    1  De que forma a pintura rupestre comprova o aparecimento da cultura nos temposremotos da evolução humana?

    Apesar de não ser possível determinar com precisão o significado das pinturas

    nem a intenção de quem as pintou, pode-se perceber que o ser humano daquela

    época já era capaz de observar agudamente, de estabelecer proporções e de

    identificar os traços essenciais que dão ao desenho a expressividade desejada.

    Sua produção mostra que havia a intenção de transmitir uma ideia ou mensagem.

    2  De que modo as pinturas do sítio arqueológico localizado no Parque Nacional Serrada Capivara, no Piauí, mostram que a tentativa de expressão do homem por meioda linguagem pictórica é universal?

    Apesar de muito mais tardio do que os sítios arqueológicos europeus, o sítio

    também apresenta pinturas em que são representadas cenas da vida cotidiana,

    como caçadas, animais etc.

    Simbolismo pré-histórico

    Representação de animais em pintura ru-pestre das cavernas de Lascaux.

    Manifestação de arte rupestre do Parque Nacional Serra da Capivara.

       A

       L   B   U   M   /   A   K   G  -   I   M   A   G   E   S   /   L   A   T   I   N   S   T   O   C   K

       F   A   B   I   O   C   O   L   O   M   B   I   N   I

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    CAPÍTULO2  A importânciada cultura

    1 Cultura humana

     A organização em grupos e o desenvolvimento da cultura foram alguns dosfatores que favoreceram que indivíduos ou grupos se impusessem sobre outros.Por exemplo, quando os persas expulsaram os medos da região do planaltoiraniano e formaram um império cerca de 500 anos a.C., subjugaram diversospovos da Antiguidade. Compreender como se dá a relação e a interação entregrupos econômicos, sociais e culturais diferentes é um dos interesses da socio-

    logia e da antropologia. O resultado desses estudos permite comparar culturase formular hipóteses para melhor compreender como os grupos estão organi-zados internamente.

     Ao se observar a vida cotidiana, identificam-se diversos comportamentos pa-dronizados e regulados não apenas pela vontade, desejo ou crença individual mastambém por hábitos e costumes estabelecidos socialmente. Tão logo o indivíduotomou consciência de si, viu-se sujeito aos imperativos da vida social e das expecta-tivas em relação a seu comportamento e a suas ideias (figura 1).

    Figura 1 • Os imperativosda vida social estabelecem

    o que é certo ou errado so-cialmente, ditando a me-lhor maneira de procederdiante das mais diversassituações.

     A educação ou socialização é o processo que adapta o indivíduo a essas expec-tativas, transformando-o em membro de um grupo. Inicia-se na família, depoisestende-se à escola e aos grupos com os quais o indivíduo se relaciona.

     Assim, o indivíduo desenvolve atitudes e formas de comportamento que são de-terminadas por princípios anteriores a ele e o integram à vida em sociedade. Os estí-mulos externos e as respostas internas são os elementos formadores do indivíduo.

    O conjunto de regras e princípios que guia os seres humanos e os faz agir demodo semelhante e compatível, capazes de entender as intenções e expectativas

    1

       L   A   W   R   E   N   C   E   M   I   G   D   A   L   E   /   P   H   O   T   O   R   E   S   E   A   R   C   H   E   R   S   /   L   A   T   I   N   S   T   O   C   K

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    uns dos outros, tanto na vida familiar e no trabalho quanto na guerra, chama-secultura. Por outro lado, a cultura não é um conjunto de determinações rígido eacabado; ao contrário, ela integra de forma dinâmica os padrões das ações e rea-ções humanas. Muito embora haja a pressão da cultura sobre a formação do cará-ter e da personalidade do indivíduo, a cultura é feita numa relação dupla na qualaquele que sofre suas influências ajuda a produzir novas relações.

     A cultura pode, então, ser entendida como um ambiente de ação coletiva do

    qual fazemos parte ao nascer e onde passamos a interagir, tornando-nos um deseus agentes. Podemos dizer que a cultura é o meio pelo qual as forças sociais setornam perceptíveis, fazendo-nos tomar consciência de não sermos apenas um in-divíduo, mas também o membro de um grupo que age e pensa de forma recíproca,inteligível e convergente.

    2 Os sentidos da palavra “cultura”

     A palavra “cultura” veio do latim e, originalmente, designava ao mesmo tempocerimônia religiosa de homenagem a uma divindade e cultivo da terra. Essa sínteseé compreensível se pensarmos que, nas religiões antigas, a agricultura compreen-dia não só atividades de plantio ligadas à terra como também uma série de açõesde cunho religioso, com as quais se pretendia garantir o auxílio e os favores dosdeuses para uma boa colheita.

    Com o tempo, porém, a cultura passou a ser entendida não só como o resultadodo plantio mas também, de forma metafórica, como aquilo que se obtém comesforço, cuidado e determinação. “Cultivar” passou a significar o aperfeiçoamentoem relação a uma dada ação. Foi durante a Ilustração, na Europa, entre os séculosXVII e XVIII, que a palavra começou a significar “o cultivo abstrato de ideias”. Assim, o termo “cultura” popularizou-se como o conjunto de princípios, conheci-

    mentos e saberes que os homens são capazes de acumular. Mas esse é um sentido

    Figura 2 • Com a ascensãoda burguesia aos estratosmais altos da sociedade, acultura foi valorizada comoelemento de status  socialnos séculos XVII e XVIII.Molière foi o escritor queretratou essa mudança. Nafoto, encenação da peçaUm Molière imaginário, no

    Festival de Teatro de Curi-tiba, 1997.

    2

       O   T   A   V   I   O   D   I   A   S   D   E   O   L   I   V   E   I   R   A   /   F   O   L   H   A   I   M   A   G   E   M

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    popular que acabou se associando ao desejo da burguesia, que tinha acesso à edu-cação formal, de sobressair ao resto da população, que era analfabeta e iletrada emsua maioria. No fim do século XIX, cultura passou a designar algum esnobismo nofalar e certo virtuosismo em demonstrar leituras e conhecimentos dos poucos quetinham acesso à educação.

    O termo “cultura” no sentido figurado começa a se impor no século XVIII.Ele faz sua entrada com este sentido no Dicionário da Academia Francesa (edi-ção de 1718) e é então quase sempre seguido de um complemento: fala-se de“cultura das artes”, da “cultura das letras”, da “cultura das ciências”, como sefosse preciso que a coisa cultivada estivesse explicada.

    CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais.Bauru: Edusc, 1999. p. 20.

    Entre os séculos XVII e XIX, surgiu a maior parte das nações modernas naEuropa e houve a ascensão da burguesia (figura 2). Esse esforço realizado para a

    formação das nações não dependeu apenas de medidas políticas e econômicas mastambém de certa unificação de ideias e sentimentos em relação ao território queentão se tornava comum às pessoas que nele viviam. Uma série de medidas – comoa criação de museus, a valorização da história nacional, a valorização das tradiçõespopulares e dos costumes rurais – foi estimulada para que esse sentimento de per-tencimento a uma nação, que chamamos nacionalismo, se desenvolvesse entre aspessoas. Esses traços distintivos dos povos passaram a ser designados como cultu-ra. Cultura, desse modo, veio a designar um conjunto de tradições e hábitos paraos quais os homens de uma nação se voltavam e com os quais se identificavam. Assim se fortalecia a ideia da cultura nacional.

    Esse período histórico foi também de grande expansão da Europa pelos conti-

    nentes da África e da Ásia, numa acirrada disputa colonial que colocava os euro-peus diante de civilizações muito diferentes. O choque em torno de ideias, hábitose costumes acabou transformando o estudo da cultura num dos elementos maisimportantes das ciências sociais, cabendo à antropologia a função de explicá-la.Cada vez mais se consolidava o conceito de cultura como um conjunto de tradi-ções, valores, crenças e ritos que distinguem um povo de outro, seja ele compostopelos habitantes de uma tribo, de uma aldeia ou de um país europeu. É impor-tante salientarmos que os estudos da cultura passaram a identificar, por um lado,homogeneidades internas a um grupo social e, por outro, as diferenças entre duascoletividades em espaços e tempos próprios.

    3 O conceito científico de cultura

    na antropologia

    O primeiro autor a formular um conceito de cultura foi Edward Burnett Tylor,que a definiu como o conjunto composto por conhecimento, crenças, arte, moral,costumes e direito, adquirido pelo homem na vida em sociedade. Racionalista eevolucionista, Tylor teve suas ideias influenciadas pela crença no progresso do serhumano e na de que todas as sociedades se desenvolvem segundo lei semelhanteàquela que Charles Darwin concebeu para explicar a seleção natural das espéciesbiológicas – a sobrevivência dos mais aptos e dos mais fortes. Aplicando essa teoria

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    à análise das diferentes sociedades e culturas, procurou mostrar que todas elastêm um passado comum e um processo histórico progressivo e necessário, que asleva de um estágio selvagem ao caminho da civilização.

    Tylor classificou essas culturas como primitivas ou avançadas, conceitos quepoderiam ser aplicados às diferentes sociedades de acordo com um rigoroso méto-do comparativo, que estudava diversas variáveis, como a religião (figuras 3 e 4).

    Figuras 3 e 4 • Até o séculoXIX, as sociedades africanase asiáticas eram considera-das “primitivas”. Nas fotos,

     jovem africana da tribo Ma-sai, no Quênia, e esquimóde Quebec, no Canadá.

    Edward Burnett Tylor (1832-1917)

    Etnólogo evolucionista inglês, cuja principal obra foi Primitive culture, publicado em 1871.Tylor foi sensível às questões das diferenças culturais, embora acreditasse que, ao ladodessas distinções, existisse uma natureza humana universal. Foi professor e pesquisadorna Universidade de Oxford.

    Tylor acreditava também que havia uma “unidade psíquica do gênero humano”perceptível nas mais diferentes manifestações culturais, atestando a racionalidademesmo em culturas primitivas. Dessa forma, procurava combater o preconceitovigente, segundo o qual os povos não europeus teriam um tipo de subjetividade ecapacidade mental diferentes e, para muitos, seriam menos desenvolvidos do queos ocidentais europeus.

    Foi muito importante para o desenvolvimento das ciências sociais, em geral,e da antropologia, em particular, a concepção de Tylor de cultura como um con- junto de traços comportamentais e psicológicos adquiridos e não herdados biolo-gicamente, como era comum se acreditar na época. Fundamentava-se o princípiode que a bagagem cultural de uma sociedade era transmitida por aprendizado, po-

    dendo ser difundida, de um grupo para outro, independentemente das diferençasbiológicas entre seus membros.Franz Boas acrescentou importantes elementos ao conceito de cultura e às teo-

    rias que explicavam as diferenças culturais. Ele recusou o evolucionismo e lançouas bases da antropologia moderna ao pensar cada sociedade como um sistema in-tegrado, resultante de um processo histórico peculiar. Em seu trabalho, procuroumostrar que a cultura existe independentemente de traços biológicos e físicos, eque se deveriam combater preconceitos ainda presentes nas ciências sociais naépoca. Ao contrário de Tylor, Boas se recusou a comparar culturas diferentes comoparte de um mesmo processo histórico. Ele propõe uma análise da cultura huma-na em sua múltipla diversidade e não como um objeto único. Renuncia também

    à ideia de um padrão único de racionalidade humana, assim como aos princípiosevolucionistas comuns entre os pensadores dessa época.

    3 4

       C   I   D

       S   H   E   R   M   A   N   H   I   N   E   S   /   M   A   S   T   E   R   F   I   L   E   /   O   T   H   E   R   I   M   A   G   E   S

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    Franz Boas (1858-1942)

    Cursou física, matemática e geografia, até se interessar pela antropologia. Em 1887,emigrou para os Estados Unidos. Entre suas principais obras, destacam-se The Mind ofPrimitive Man ( A mente do homem primitivo) e Race, Language and Culture (Raça, linguageme cultura). Influenciou uma geração de autores, entre eles o sociólogo Gilberto Freyre, queem seu livro Casa-grande & senzala admite ter seguido suas ideias.

    Para analisar essa pluralidade de culturas, Boas desenvolveu o método indutivona pesquisa de campo, que consiste na análise pormenorizada e individualizada decada sociedade, permitindo ao pesquisador, pela acumulação de dados, elaborarexplicações mais gerais. Tal metodologia rejeitava análises generalistas que pro-curavam dar conta de uma realidade que se mostrava múltipla e diversificada. Ométodo de Boas foi também descrito como:

    (...) Estudo cuidadoso e muito detalhado de fenômenos locais, dentro de umaárea bem definida e geograficamente pequena, com as comparações limitadas à áreacultural que forma a base desse estudo. Desse estudo emergiram histórias da cultura

    de diversas tribos. Apenas pela comparação dessas histórias individuais de cresci-mento é que as leis gerais do desenvolvimento humano poderiam ser descobertas.

    KAPLAN, David; MANNERS, Robert A. Teoria da cultura.Rio de Janeiro: Zahar, 1972. p. 113.

    4 As contribuições da teoria funcionalista:

    Malinowski e Radcliffe-Brown

    No início do século XX, surgiu uma escola antropológica que sucedeu ao evolu-

    cionismo: o funcionalismo – respondendo em parte às críticas que a ele se faziampor seu eurocentrismo e etnocentrismo.

    De acordo com a escola funcionalista, cada sociedade deve ser estudada comouma totalidade integrada e constituída de partes interdependentes e complementa-res, cuja função é satisfazer necessidades essenciais de seus integrantes (figura 5). Emseu livro Uma teoria científica da cultura, Bronislaw K. Malinowski definiu o conceitode função como a resposta da cultura às necessidades básicas do homem, como ali-mentação, defesa e habitação.

    Figura 5 • Os funcionalis-tas procuravam analisar asculturas não europeias apartir de suas peculiarida-

    des. Na foto, ritual de triboafricana.

    Glossário

    Eurocentrismo. Ten-dência a interpretaras sociedades nãoeuropeias a partirdos valores e princí-pios europeus, istoé, tomar a sociedadeeuropeia como mo-

    delo e padrão.E t n o c e n t r i s m o .Princípio tenden-cioso de conside-rar uma raça comopadrão e modelo,ponto mais elevadoatingido pela espé-cie humana.

    5

       C .   N   O   R   M   A   N   /   C   P

      -   K   E   Y   S   T   O   N   E

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     A função, nesse aspecto mais simples e básico do comportamento humano,pode ser definida como a satisfação de um impulso orgânico pelo ato adequado.

    Dado, entretanto, que as necessidades da espécie humana não se resumiam aquestões biológicas, a função social de determinados costumes e instituições deveriaresponder às necessidades sociais do grupo.

     A função das relações conjugais e da paternidade é obviamente o processo dereprodução culturalmente definido.

    Se essa sociedade aparece ao pesquisador como desordenada ou desintegrada, isso

    se deve somente a seu desconhecimento em relação a ela, que apenas será superadoapós um longo processo de investigação em que o antropólogo deixará seu gabinetede trabalho para conviver com o grupo estudado. É a chamada observação partici-pante, método de pesquisa que revolucionou os estudos antropológicos, substituindoa análise de informações superficiais e questionários inadequados pelo estudo siste-mático das sociedades. O investigador, inserido na cultura, desvenda seus significa-dos, guiado por suas informações e não por teorias externas à realidade estudada.

    Malinowski (1884-1942)

    Bronislaw Kasper Malinowski nasceu na Polônia e teve, inicialmente, formação em ciênciasexatas. Continuou seus estudos na Alemanha e depois na Inglaterra, onde se tornou antro-pólogo e professor. Entre 1914 e 1918, desenvolveu seu grande estudo de campo entre oshabitantes das ilhas Trobriand, próximas à Nova Guiné. Obras suas, referentes ao enormematerial trobriandês, são: Argonautas do Pacífico Ocidental  (1922), Crime e costume na so-ciedade selvagem (1926), Sexo e repressão na sociedade selvagem (1927),  A vida sexual dosselvagens (1929), Magia, ciência e religião (1948) e Uma teoria científica da cultura (1961).

    Função social

    A função de um costume ou hábito numa dada sociedade pode ser entendida

    como sua contribuição para o todo social, pensado como um conjunto integra-do de partes. Assim, para o cientista descobrir essa função, ele precisa entendera sociedade como um sistema composto de inter-relações. Malinowski definiu funçãode um fato ou traço social como a resposta de uma cultura a uma necessidadebásica do homem.

    Funcionalismo

    Escola desenvolvida nas ciências sociais, tendo por modelo as ciências naturais ebiológicas, que concebem o organismo como uma totalidade composta de partesinterdependentes, cuja natureza é definida por sua contribuição para com a sobre-vivência do todo. Transposto para o estudo das sociedades, esse princípio preten-dia entender a função das instituições, das crenças e da cultura na manutenção,equilíbrio e conservação da sociedade.

    O principal sistematizador do funcionalismo e do método da observação participan-te foi Malinowski, o primeiro a organizar e a sintetizar uma visão integrada e totalizantedo modo de vida de um povo não europeu. Graças a seu conhecimento da língua na-tiva – condição que ele considerava essencial para esse trabalho – e a uma observação

    intensa e sistemática, conseguiu reconstituir os principais aspectos da vida trobriandesa(figura 6), sejam as grandes cerimônias ou os singelos aspectos do dia a dia.

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    Figura 6 • Fotografia, feitapela equipe de Malinowski(1915-1918), da ilha Kiriwi-na, a maior das ilhas Tro-briand. Nela, pode-se verhomens preparando as ve-las para uma viagem.

    Segundo Malinowski, a tarefa do antropólogo se inicia com a observação de

    cada detalhe da vida social – mesmo aqueles aparentemente sem importância e in-coerentes –, tentando descobrir seus significados e inter-relações. A etapa seguinteé um esforço de seleção daquilo que é mais importante e significativo para o en-tendimento da organização do todo integrado. Finalmente, o antropólogo deveráconstruir uma síntese na qual se revele o quadro das grandes instituições sociais– conceito essencial do funcionalismo referente a núcleos ordenados da sociedadeque compreendem um código, um grupo humano organizado, normas, valores euma infraestrutura material e física.

    Outro funcionalista importante foi o inglês Alfred R. Radcliffe-Brown, que, in-fluenciado pelas teorias e pelo método de Émile Durkheim, procurou adaptá-losao estudo das sociedades não europeias. Como Malinowski, considerava essas so-

    ciedades como totalidades integradas de instituições que têm por função satisfazernecessidades básicas de alimento, segurança, abrigo e manutenção da vida social.Podemos dizer que os evolucionistas e os funcionalistas iniciaram o estudo

    científico da cultura, que passou a ser um objeto privilegiado de pesquisa empíri-ca. Além disso, começaram a combater fortemente os estereótipos e preconceitoscom os quais as diferenças culturais eram percebidas e interpretadas. Nesse esforçoteórico, os antropólogos criaram conceitos que foram, depois, amplamente utiliza-dos pela sociologia, como função social e sistema social.

     As contribuições do funcionalismo ao desenvolvimento da antropologia foraminquestionáveis. Esses antropólogos foram os primeiros a dar as costas à Europa eao evolucionismo para estudar o mundo não europeu como uma realidade de igualqualidade e capaz de ser entendida em si mesma. Foram eles que desenvolveram

    um método científico eficiente – e ao mesmo tempo responsável – de estudo dasdiferentes culturas, respeitando suas especificidades. Apesar disso, muitos deles

    Radcliffe-Brown (1881-1955)

    Alfred Reginald Radcliffe-Brown, inglês, iniciou seus estudos em ciências médicas. Maistarde, em Cambridge, estudou economia e psicologia experimental. Sua primeira pes-quisa de campo foi entre os nativos das ilhas Andaman, no golfo de Bengala, a sudoesteda Birmânia (atual Mianmar). Esteve na Universidade de São Paulo (USP), como professorvisitante. Entre suas obras destacam-se: Sistemas políticos africanos de parentesco e casa-mento (1950) e Estrutura e função na sociedade primitiva (1952).

    6

       L   O   N   D   O   N   S   C   H   O   O   L   O   F   E   C   O   N   O   M   I   C   S   A   N   D   P   O   L

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    20

    foram acusados de conivência com a política colonial europeia e com as elitesbrancas, que se estabeleceram em países africanos e asiáticos colonizados. Nessaatitude de contemporização, deixaram de enfocar em seus estudos os abusos pra-ticados pelas metrópoles em suas colônias e o desrespeito à diversidade étnica ecultural dos povos colonizados.

    5 Padrões culturais, cooperação,competição e diversidade

    Considerado por muitos como funcionalista e, por outros, como culturalista,outro autor que se dedicou ao estudo da cultura em sociedades tribais e complexasfoi Ralph Linton. Procurando entender o esforço da sociedade em manter a inte-gração de seus membros em torno de determinados princípios de vida coletiva,desenvolveu o conceito de padrão cultural (figuras 7 e 8).

    O fato de a maioria dos membros da sociedade reagir a uma dada situação

    de determinada forma capacita qualquer um a prever o comportamento comum alto grau de probabilidade, se bem que jamais com absoluta certeza. Essaprevisão é um pré-requisito em todo tipo de vida social organizada (...). Aexistência de padrões culturais é necessária tanto para o funcionamento dequalquer sociedade como para sua conservação.

    LINTON, Ralph. O indivíduo, a cultura e a sociedade.Em: CARDOSO, Fernando Henrique; IANNI, Octavio. Homem e sociedade.

    São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968. p. 99.

    Ralph Linton defende, em seu conjunto, que a sociedade representa um siste-

    ma organizado de padrões culturais que regem a reciprocidade entre as pessoas. A complexidade da cultura exige que os indivíduos sejam introduzidos na vidasocial, passando por constantes processos de aprendizado. Essa socialização doindivíduo faz do homem um permanente aprendiz – estamos continuamenteatualizando nossos padrões e acompanhando as transformações culturais.

    Se Linton preferia, contudo, pensar a sociedade como um todo integrado, quepossui recursos para manter sua homogeneidade em torno de certos padrões, outros

    Figuras 7 e 8 •  Os hábi-tos de um povo formam opadrão cultural. No Brasil,costuma-se oferecer caféàs visitas, ao passo quena Inglaterra o hábito éservir chá.

    7 8

       F   E   R   N   A   N   D   O   F   A   V   O   R   E   T   T   O   /   C   R   I   A   R   I   M   A   G   E   M

       D   M   I   T   R   I   Y   S   H   I   R   O   N   O   S   O   V   /   S   H   U   T   T   E   R   S   T   O   C   K

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       R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o  p  r  o   i   b   i   d  a .   A  r   t .   1   8   4   d  o   C   ó   d   i  g  o   P  e  n  a   l  e   L  e   i   9 .   6   1   0   d  e   1   9   d  e   f  e  v  e  r  e   i  r  o   d  e   1   9   9   8 .

    22

    6  Como Malinowski definiu o conceito de função?

    Função era a resposta da cultura às necessidades básicas do homem, como

    alimentação, defesa e habitação.

    7  Como a escola funcionalista contribuiu com os estudos sobre cultura?

    Os funcionalistas começaram a combater fortemente os estereótipos e preconceitos

    com os quais as diferenças culturais eram percebidas e interpretadas. Nesse

    esforço teórico, os antropólogos criaram conceitos que foram, depois, amplamente

    utilizados pela sociologia, como função social e sistema social.

    8  Qual é o significado do conceito de padrão cultural em Ralph Linton?

    Padrão cultural é o esforço de cada sociedade de manter a integração de seus

    membros em torno de determinados princípios de vida coletiva.

    Retomada dos conceitos

    1  (UFC-CE, adaptado) Leia o texto a seguir e responda à pergunta.

    (...) Fascinado com aquelas coisas novas que em tão pouco tempo mo-dificaram o perfil da capital, o cronista concluía que, de fato, a “civiliza-ção” enfim chegava a Fortaleza.

    PONTE, Sebastião Rogério. A Belle Époque em Fortaleza: remodelação e controle.Em: Uma nova história do Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000. p. 162.

    Que relação se pode estabelecer entre esse conceito de civilização e aquele analisa-do neste capítulo?

    O autor apresenta o sentido de civilização no âmbito evolucionista, que estabelece

    a existência de estágios evolutivos para os povos que saem do estado primitivo

    até o civilizado, correspondendo esse estágio ao alcançado pelos europeus

    ou americanos.

    2  Elabore uma tabela com o significado da palavra cultura ao longo da história.

    PERÍODO HISTÓRICO SIGNIFICADO

    Antiguidade Benefícios da terra e dos deuses.

    Antiguidade clássicaAlém do sentido anterior, de forma metafórica, aquiloque se obtém com esforço, cuidado e determinação.

    Iluminismo Começa a significar o cultivo abstrato de ideias.

    Século XIXPassava a ser um conjunto de tradições e hábitos deuma nação com os quais o grupo se identificava.

    Professor: Consulte o Banco de Questões e incentive osalunos a usar o Simulador de Testes.

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       R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o  p  r  o   i   b   i   d  a .   A  r   t .   1   8   4   d  o   C   ó   d   i  g  o   P  e  n  a   l  e   L  e   i   9 .   6   1   0   d  e   1   9   d  e   f  e  v  e  r  e   i  r  o   d  e   1   9   9   8 .

    23

    3  Complete a tabela com os significados da palavra cultura na antropologia.

    AUTOR OU ESCOLA SIGNIFICADO

    Início dos estudos antropológicosIdentificava as homogeneidades internas a umgrupo social e as diferenças entre duas coletividadesem espaços e tempos próprios.

    Edward Burnett TylorConjunto composto por conhecimento, crenças,arte, moral, costumes e direito, adquirido pelohomem na vida em sociedade.

    Franz Boas

    Propõe pensar cada sociedade como um sistemaintegrado, resultante de um processo históricopeculiar. A cultura não dependente de traçosbiológicos e físicos. Ele propõe uma análise dacultura humana em sua múltipla diversidade e nãocomo um objeto único.

    MalinowskiA função social de determinados costumes einstituições deveria responder às necessidadessociais do grupo.

    Ralph Linton

    Desenvolveu o conceito de “padrão cultural”como sendo o esforço da sociedade em mantera integração de seus membros em torno dedeterminados princípios de vida coletiva.

    4  Ainda hoje as ex-colônias estudadas pelos primeiros antropólogosno século XIX aparecem no imaginário ocidental por seu exotismo.É o que ocorre, por exemplo, com as mulheres-girafa, na Tailândia:

    Tailândia oferece surpresas para quem já viu tudo

    Ma Nam, 41 anos, é a estrela da aldeia Mae Hong Jong,na fronteira da Tailândia com Myanmar: ela ostenta nadamenos do que 25 anéis no longo pescoço. Sinal de bele-za, marca das mulheres karen long neck, também conhecidascomo mulheres-girafas. Da colorida e delicada arquiteturaaos exóticos temperos e perfumes, o país oferece aos visitan-tes atração para todos os sentidos, no suave clima produzidopelo budismo. Para quem imagina já ter visto de tudo.

    O Estado de S. Paulo, São Paulo, Caderno Turismo, mar. 1996.

    Agora responda: de que maneira o choque em torno de hábitos ecostumes de civilizações muito diferentes das ocidentais transfor-mou o conceito de cultura?

    O choque em torno de ideias, hábitos e costumes dessas civilizações consolidava

    o conceito de cultura como um conjunto de tradições, crenças e ritos que

    distinguem um povo do outro, seja ele uma tribo ou um país europeu. A cultura

     passou a identificar homogeneidades internas a um grupo social e as diferenças

    entre duas coletividades em espaços e tempos próprios.

       J   A   N   B   U   T   C   H   O   F   S   K   Y  -   H   O   U   S   E   R

       /   C   O   R   B   I   S   /   L   A   T   I   N   S   T   O   C   K

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       R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o  p  r  o   i   b   i   d  a .   A  r   t .   1   8   4   d  o   C   ó   d   i  g  o   P  e  n  a   l  e   L  e   i   9 .   6   1   0   d  e   1   9   d  e   f  e  v  e  r  e   i  r  o   d  e   1   9   9   8 .

    24

    Maniçoba: um padrão cultural

    Pesquise com seus amigos sobre o prato maniçoba e responda às questões a seguir.

    Professor: a atividade pro-

    põe que o aluno reflita so-

    bre as diferenças culturais.

    Pode ser ressaltado que

    a i n d a é c o m u m , n o

    Ocidente, ver peculiarida-

    des de outros povos usa-das como foco de um es-

    tranho interesse. Em pro-

    gramas televisivos, por

    exemplo, o que é uma par-

    ticularidade de uma cultu-

    ra pode ser mostrado co-

    mo uma extravagância ou

    convite para uma viagem

    de turismo, ou ainda passar

    a ideia de algo sem senti-

    do, porém curioso.

    Figuras 11, 12 e 13 • Nasnovelas e nas minisséries,o modo de falar predo-minante são os do Rio deJaneiro e de São Paulo. Ofalar regional aparece natelevisão em casos pontu-ais como em Senhora dodestino, Tieta e A casa das7 Mulheres.

    Leitura visual

       D   U   D   U   C   A   V   A   L   C   A   N   T   I   /   O   L   H   A   R   I   M   A   G   E   M

    INGREDIENTES

    3 kg de maniva moída (folha da mandioca--brava)1/2 kg de toucinho1/2 kg de carne-seca1/2 kg de linguiça portuguesa1/2 kg de paio1/2 kg de lombo de porco1/2 kg de orelha de porco

    1/2 kg de rabo de porco Alho e pimenta-de-cheiro a gosto

    MODO DE PREPAROComece quatro dias antes de servir.

    No primeiro dia, coloque a maniva moída numapanela grande com bastante água pela manhã eferva até anoitecer, em fogo brando, sem deixarsecar a água. No segundo dia, acrescente o tou-cinho e ferva novamente pelo dia inteiro. No ter-ceiro dia, escalde todas as carnes e coloque-as napanela da maniva. Ferva de novo pelo dia intei-ro, mexendo às vezes. No quarto dia, acrescenteo alho espremido e a pimenta. Ferva por maisseis horas, mexendo às vezes. Sirva com arrozbranco e farinha de mandioca.

    Disponível em: .

     Acesso em: 22 jul. 2009.

    1  A maniçoba é típica de qual estado brasileiro? A que outro prato ela se assemelha?A maniçoba era originalmente um prato preparado pelos índios no Pará e hoje

    é encontrado em feiras populares por toda a região Norte do país. Ela se

    assemelha à feijoada. Uma das diferenças é que usa maniva em lugar de

    feijão preto.

    2  De que modo podemos caracterizar a maniçoba como um padrão cultural?

    A maniçoba é um prato tradicional do Pará, com raízes históricas, em torno do

    qual hoje as famílias ainda se reúnem por dias para prepará-la e apreciá-la.

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       R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o  p  r  o   i   b   i   d  a .   A  r   t .   1   8   4   d  o   C   ó   d   i  g  o   P  e  n  a   l  e   L  e   i   9 .   6   1   0   d  e   1   9   d  e   f  e  v  e  r  e   i  r  o   d  e   1   9   9   8 .

    25

    CAPÍTULO 3  A antropologiacontemporânea

    1 Antropologia no século XX

    Durante o século XIX, quando a Europa entrou em contato definitivo com so-ciedades completamente diferentes, as teorias evolucionistas eram predominantesnas análises das ciências humanas e, por sua influência, a diversidade de culturasera vista como diferença de estágios de um mesmo processo civilizatório.

    Na passagem do século XIX para o XX, ocorreram diversas modificações sociais,políticas e culturais. Por um lado, a Europa entrou em crise, os países europeuspassaram a disputar territórios e hegemonia política dentro e fora do continente,colocando em risco a sobrevivência dos países envolvidos. Por outro, diversasciências humanas – como a psicologia, a psicanálise e a linguística – desenvolve-ram-se, tendo por princípio a ideia de uma natureza humana única e de correspon-dente complexidade e evolução, existente nas diferentes sociedades (figura 1).

    Essas duas tendências – uma que colocava em dúvida a superioridade europeiae outra que atribuía a todas as culturas um correspondente padrão de desenvolvi-mento social e humano – promoveram uma mudança na teoria da cultura, origi-

    nando explicações baseadas menos nos elementos visíveis da ação humana e maisem seus aspectos simbólicos, linguísticos e cognoscivos.

    C  Í  R C  U LO  P O L A R   Á R T  I C  O 

    EQUADOR

    T R Ó P I C O  D E  C  ÂN C E R 

    T RÓPICO DE C APRICÓRNIO

        M    E    R    I    D    I    A    N    O    D    E

        G    R    E    E    N    W    I    C    H

    REPÚBLICAARGENTINA

    MÉXICO

    CANADÁ

    ESTADOS UNIDOSDA AMÉRICA

    DO NORTE

    Bahamas (Br.)

    Bermudas (Br.)

    Aruba (Hol.) Curaçao(Hol.)

    CUBAJamaica

    (Br.)

            S  .         D       O        M         I         N

           G       O        S

    HONDURAS (Br.)

    VENEZUELA

    GUIANAS

    Br. Hol.Fr.COLÔMBIA

    EQUADOR

    BRASIL

    Rio de Janeiro

    PERU

    BOLÍVIAP    A    R    

    A    G    U    A    I    

    CHILE

    URUGUAI

    Malvinas (Br.)

    ALASCA(EUA)

    PORTO RICO(EUA)

    Is.Virgens (EUA)

    Guadalupe (Fr.)Martinica (Fr.)

    Barbados (Br.)Trinidad (Br.)

        N   O    R    U    E   G   AISLÂNDIA

    (D.)RÚSSIA

    GRÃ-BRETANHA

    ALEMANHA

       S    U    É   C    I   A

    FRANÇA

    B.H.

      H  U  N G

      R  I A

     Á  U  S  T  R  I A   MONGÓLIA

    MANCHÚRIA

    Porto Artur (Jp.)

    Wei-hai-Wei (Br.)

    Kiaut-Chéu (Al.)

    I  T   Á   L I  A  

      E S  P A  N

      H APORTUGAL  TURQUESTÃO   COREIA

    (Jp.)

    Sakalina(Jp.)

    CHINA

    JAPÃO

          T    u    n

          í    s       i    a 

    TURQUIA

      A   F   E

      G  A   N   I  S   T   Ã

      O

      M A  R  R  O  C

      O  S

    Açores (Port.)

    Canárias (E.)

    SIÃO

    COSTA DO MARFIM (Fr.)COSTA DO OURO

    (Br.)

    Ascensão (Br.)

    Santa Helena (Br.)

    Cabo

    TOGO(Al.)

    LIBÉRIA CAMARÕES(Al.)

    GABÃO(Fr.)

    D  A O  M  É   (   F   r  .  )  

         R     I    O

          D     E

         O     R    O

       (     E .    )

       S    O    M    Á    L    I    A

        (     I   t .    )

    Cingapura  S  a  r  a  w

      a   k

    Timor(Hol.-Port.)

    Soembava (Hol.)

    BORNÉUCélebes

    JAVA

    Soemba (Hol.)

    (Hol.)

         E     Q      U     A     T     O     R     I     A     L

    CONGOBELGA

    ABISSÍNIA

    QUÊNIA(Br.)

    N  O  V  A  G  U  I  N  É  

    ANGOLA(Port.)

        M   O   Ç    A    M    B    I   Q     U    E

         (      P   o    r    t

     .     ) 

        M   A    D   A   G   A   S   C   A    R

        (      F   r .     )  Maurícia (Fr.)

    Seychelles (Br.)

    Reunião (Fr.)

    UNIÃOSUL-

    -AFRICANA(Br.)

       N  O   V  A

       Z   E   L  Â

       N   D   I  A

      (    B  r.   )

    GROENLÂNDIA(D.)

    AUSTRÁLIA

    PÉRSIASÍRIATIBET

    ARGÉLIA(Fr.)

    TRIPOLITÂNIA(It.)

    EGITOI     N     D    O    C     H     I     N     A     (     F    

    r   .  )    

    ÍNDIA(Br.)

    BIRMÂNIA

    SUDÃOANGLO-

    -EGÍPCIO

    Is.do Cabo Verde(Port.)

    E   R   I   T   R   E   I   A  

      (   I   t  .  )   

    FILIPINAS(EUA)

    ÁFRICA OCIDENTALFRANCESA

    SENEGAL

    GUINÉ (Port.) NIGÉRIA(Br.)

    Djibuti (Fr.) Karikal (Fr.)

    Pondicherry (Fr.)Áden (Br.)Socotora (Br.)

    Ceilão (Br.)Nicobar (Br.)

    (Br.)

    (Al.)

    Andamam (Br.)

    Macau

    Kuang-Tcheú (Fr.)Hong Kong (Br.)

    Is.Gilbert (Br.)

    Is.Salomão (Br.)

    Is.Fidji (Br.)

    Novas Hébridas(Fr.-Br.)

    Nova Caledônia (Fr.)

    Formosa (Jp.)Chandernagor (Fr.)

    Yanaon (Fr.)

    Mahê (Fr.)

    Diu (Port.)

    GOA(Port.)

    Damão (Port.)

    Gibraltar (Br.)

    ARÁBIA

    GÂMBIA (Br.)

    SERRA LEOA (Br.)

    ÁFRICAORIENTAL

    ALEMÃ

    SUDOESTEAFRICANO

    ALEMÃO

    TASMÂNIA(Br.)

     Í  N D  I

     A  S   N  E  E   R   L   A N D  E  

    S  A 

    S  OCEANO

    PACÍFICO

    OCEANO

    PACÍFICO

    OCEANO

     ATL ÂN TI CO

    OCEANO

     ATL ÂN TI CO

    OCEANO

    ÍNDICO

    Estados Unidos (EUA)

    Dinamarca (D.)

    Grã-Bretanha (Br.)

    Alemanha (Al.)

    França (Fr.)

    Portugal (Port.)

    Japão (Jp.)

    Itália (It.)

    Holanda (Hol.)

    Bélgica (B.)

    Espanha (E.)

    1 COLONIALISMO EUROPEU EM 1914

    Fonte: Atlas histórico escolar . Rio de janeiro:MEC, 1979. p. 122-123.

    1.860 km

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       R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o  p  r  o   i   b   i   d  a .   A  r   t .   1   8   4   d  o   C   ó   d   i  g  o   P  e  n  a   l  e   L  e   i   9 .   6   1   0   d  e   1   9   d  e   f  e  v  e  r  e   i  r  o   d  e   1   9   9   8 .

    26

    Teorias desenvolvidas por Sigmund Freud atribuíam a todos os seres humanosuma psique e uma subjetividade, analisando mitos e tabus presentes nas mais dife-rentes culturas. Estudos como o de Ferdinand de Saussure, na linguística, mostra-vam que a linguagem humana, em qualquer tempo e lugar, baseava-se em um mes-mo conjunto de princípios sistêmicos, fosse ela oral ou escrita, gestual ou resultadode expressão corporal. Dessa forma, reconhecia-se como da mesma importância acomplexidade na produção simbólica de povos tribais ou industrializados.As análises

    de Karl Marx, por seu lado, mostravam as contradições intrínsecas do capitalismo edemonstravam que a história do homem havia apenas alterado formas de exploraçãohumana. Todas essas teorias, que passaram a predominar no pensamento científicodo século XX, obrigavam os cientistas sociais a rever seus princípios e suas análisesda cultura. Como resposta, surgiram teorias que levavam em conta essas propostasinovadoras, revendo os princípios comparativos das relações interculturais.

     Além desses avanços e reformulações no campo científico no início do séculoXX, houve o processo de descolonização da África e Ásia, decorrente, entre outrasrazões, das duas guerras mundiais e da perda da hegemonia europeia no mundo. As lutas pela independência levaram as antigas colônias a adotar novo estatuto e apensar sobre si próprias. Começaram a surgir nesses países independentes univer-

    sidades e estudos consistentes de ciências sociais. Desenvolveu-se o autoconheci-mento. Era a independência científica que se processava.

     As escolas antropológicas surgidas no século XX apresentavam novas aborda-gens da cultura, baseadas menos na observação empírica, na cultura material e nacomparação evolucionista e mais no relativismo cultural, na interpretação simbó-lica e na análise da subjetividade humana.

    2 Estruturalismo: uma nova abordagem

    antropológica

    Uma das correntes da antropologia a trazer importantes contribuições ao es-tudo da cultura foi o estruturalismo, que teve como um dos principais nomes ode Claude Lévi-Strauss (figura 2), propondo um novo método de investigação einterpretação antropológica da cultura.

    O estruturalismo desenvolveu-se em diferentes ciências humanas com base emalgumas ideias apresentadas no Curso de linguística geral, de Ferdinand de Saus-sure, e teve especial aceitação na década de 1960. Além de um princípio teórico,tratava-se de uma postura metodológica que visava explicar as diferentes realida-des empíricas por modelos teóricos capazes de dar conta das variedades nas quaisdeterminados fenômenos se apresentam ao cientista.

    Por meio do emprego de análises qualitativas e quantitativas, os cientistas dessacorrente tentavam mostrar que as relações de parentesco, as formulações linguís-ticas, os tabus e os mitos poderiam ser interpretados por matrizes teóricas asso-ciadas entre si. A ideia de que todas as sociedades são traduzíveis nessas mesmas

    estruturas e que elas podem ser comparáveis está na base do que ficou conhecidocomo análise estrutural. Assim como a língua se apresenta como uma estrutura

    Relativismo cultural

    Pressuposto ideológico e político-social que se baseia na ideia de que as diversas

    culturas não podem ser comparadas entre si, segundo critérios de superioridadeétnica, racial e tecnológica.

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       R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o  p  r  o   i   b   i   d  a .   A  r   t .   1   8   4   d  o   C   ó   d   i  g  o   P  e  n  a   l  e   L  e   i   9 .   6   1   0   d  e   1   9   d  e   f  e  v  e  r  e   i  r  o   d  e   1   9   9   8 .

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    Glossário

    Heurística.  Méto-do que serve para adescoberta ou inves-tigação de fatos por

    meios próprios.

    Claude Lévi-Strauss (1908-2009)

    De origem belga, iniciou estudos jurídicos e filosóficos em Paris. Entre 1934 e 1937,lecionou na Universidade de São Paulo. No Brasil, publicou seu primeiro trabalho decaráter antropológico, a respeito dos índios bororo. De sua vasta produção intelectual,destacam-se Tristes trópicos (1955), As estruturas elementares do parentesco, Antropologia

    estrutural , O pensamento selvagem e Mythologiques.

    Estruturalismo

    Movimento complexo de ideias que se desenvolveu predominantemente nas ciên-

    cias sociais e que buscou entender a realidade como um conjunto sistêmico de par-tes integradas e interdependentes que caracterizam diferentes configurações sociais.De maneira geral, os autores estruturalistas procuraram desvendar as relações entreas relações sociais e os sistemas de expressão simbólica de determinado grupo.

    2

    formada de elementos gramaticais e fonéticos, a vida social se mostra como umacombinação de elementos, relações e instituições.

    De modo análogo, Lévi-Strauss propõe estudar as diferentes sociedades comoformas particulares de combinação de elementos para solucionar problemas uni-versais. As diferentes regras de parentesco, observáveis em todas as sociedades, se-

    riam formulações particulares para resolver questões universais, como a distribui-ção das mulheres entre os homens disponíveis, a garantia do casamento exogâmico(entre cônjuges que não sejam parentes diretos) e o estabelecimento de formas desucessão e hereditariedade. Essas regras que definem os casamentos e as relaçõesde parentesco – interdições, obrigações, contratos – recaem também nas demais

    regras de relacionamento entre famílias e entre sexos, assim como nas formulaçõeslinguísticas e nos mitos, que justificam o modo de ser de determinada cultura.

    Podemos dizer que cada cultura representa, metaforicamente, um jogo de car-tas em que diferentes sociedades compatibilizam as regras possíveis com as cartasrecebidas, as táticas aprendidas e as jogadas dos demais jogadores. Aprender essasregras e as escolhas feitas e explicar historicamente as jogadas são a função docientista social, cuja análise resulta no desvendar das estruturas sociais, de paren-tes, linguagem e produção.

    Lévi-Strauss propõe um conceito de estrutura que tem um valor heurístico, ouseja, capaz de desvendar os mecanismos da vida social para o investigador. Para

    Figura 2 •   O an t rop ó-logo belga Claude Lévi--Strauss em seu escritó-rio no Collège de France,Paris, 2001.

       J   O   E   L   R   O   B   I   N   E   /   A   F   P   /   G   E   T   T   Y   I   M   A   G   E   S

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       R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o  p  r  o   i   b   i   d  a .   A  r   t .   1   8   4   d  o   C   ó   d   i  g  o   P  e  n  a   l  e   L  e   i   9 .   6   1   0   d  e   1   9   d  e   f  e  v  e  r  e   i  r  o   d  e   1   9   9   8 .

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    ele, a estrutura é uma elaboração teórica construída a partir dos dados empíricosobtidos da análise da sociedade. Utilizando uma metáfora, poderíamos dizer queesse conceito, para Lévi-Strauss, corresponde à estrutura de um edifício que, mes-mo estando oculta, organiza, distribui, relaciona e sustenta todos os elementosobserváveis dessa construção – os andares, as unidades habitacionais, as entradas,as saídas e os corredores.

    Do mesmo modo, é a estrutura social que organiza, conecta e relaciona as

    diversas instâncias, estabelecendo as múltiplas relações entre os elementos, osgrupos e as instituições. A construção desses conjuntos de teorias se dá pela aná-lise dos dados empíricos e do entendimento de seus significados. Os elementosconstitutivos da estrutura – relações de parentesco, instituições ou grupos sociaisdiversos – se organizam sob a forma de um sistema, isto é, são elementos in-terdependentes e que estão em inter-relação. Qualquer modificação em uma daspartes tem por consequência a mudança em cadeia de todas as outras.

    Os estruturalistas aceitavam a existência de diferentes tipos de sociedades:as mais simples, ou tradicionais, e as complexas, ou modernas. Distinguiramessas sociedades também como capitalistas e não capitalistas, mas afirmavam

    que essa diferença só poderia ser explicada pela própria história e pela relaçãoque cada sociedade mantém com o meio natural e social. Os estruturalistas nãopropunham nenhuma lei ou princípio explicativo que regulasse a passagem deuma estrutura mais simples para outra mais complexa.

    Raymond Firth foi um dos antropólogos que, mesmo adotando o métodoestruturalista de interpretação da sociedade, procurou dar relevo à questãoda mudança social. Para ele, o fato de a estrutura constituir-se de elementosinterdependentes tende a favorecer a transformação social, na medida em quequalquer modificação em um dos seus componentes acarretaria a transforma-ção da estrutura como um todo.

     Ao estudar a sociedade Achech, em Sumatra, Firth percebeu que quem deci-dia o casamento de uma jovem menor era um parente direto da linha paterna,o próprio pai ou o avô. A jovem que não tivesse esses parentes vivos estarianuma situação de anormalidade e contradição, pois as regras sociais impu-nham que ela se casasse antes da maioridade, ao mesmo tempo que impediamas menores de escolher o noivo por sua própria conta. Diante desse conflito,a sociedade Achech adota um critério retirado da lei muçulmana, o walij, queinstitui um tutor para decidir sobre o casamento das jovens que não têm painem avô. A adoção desse comportamento não previsto pela estrutura Achechintroduz mudanças nas relações sociais, na hierarquia e na distribuição de fun-ções. Inovam-se papéis e regras sociais.

    De qualquer maneira, os teóricos estruturalistas tenderam sempre a dar maisênfase aos estudos sincrônicos, isto é, aqueles que valorizam mais as análisesdas justificativas de por que as sociedades chegam a ser como são e comoassim permanecem do que as análises das contradições e dos processos quelevam à mudança, ditos estudos diacrônicos.

    Duas contribuições são relevantes – os estruturalistas admitem que as socie-dades primitivas ou totêmicas e as sociedades complexas podem ser estudadaspelo mesmo método, aceitando uma mesma forma de ser e de se organizar siste-micamente. Eles pensam a cultura não como evidências, mas como construçõesteóricas, fruto da pesquisa empírica, assim como de interpretações e diagnósti-

    cos. E, ainda, como contribuição importante, esses autores partem do pressupos-to de uma logicidade interna às diversas culturas que devem justificá-las.

    Glossário

    Sincronia. Estado delíngua consideradonum dado momento,independentementeda evolução históricadessa língua.

    Diacronia. Descriçãode uma língua ou deuma parte dela aolongo de sua histó-ria, com as mudan-ças que sofreu. Na

    antropologia e nasociologia, o termorepresenta o conjun-to dos fenômenossociais, culturais queocorrem e se desen-volvem no tempo.

    Totemismo. Crençade determinado gru-po na existência deuma relação místicade afinidade e paren-tesco dos membroscom o totem (planta,

    animal ou objeto).

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       R  e  p  r  o   d  u  ç   ã  o  p  r  o   i   b   i   d  a .   A  r   t .   1   8   4   d  o   C   ó   d   i  g  o   P  e  n  a   l  e   L  e   i   9 .   6   1   0   d  e   1   9   d  e   f  e  v  e  r  e   i  r  o   d  e   1   9   9   8 .

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    3 As contribuições dos estudos marxistas

    O marxismo também trouxe importantes ideias para o estudo da cultura. Ana-lisando criticamente o capitalismo e expondo suas contradições internas, autoresmarxistas, como George Balandier, abalaram a crença na superioridade da socie-dade europeia e da civilização ocidental, ajudando a fortalecer uma postura relati-vista baseada no princípio das relações de dominação existentes entre metrópoles

    europeias e suas colônias.

    Figura 3 • Guernica (1937),de Pablo Picasso, foi feitapara expressar a indigna-ção perante o bombardeioda cidade espanhola demesmo nome pelas forçasnazistas que apoiavam o

    general Franco. Óleo sobretela, 349,3 776,6 cm.

    Por outro lado, o estudo da ideologia, como sendo a consciência do ser humanomoldada pelas relações de produção, levou Marx e seus seguidores a reconhecer naprópria ciência uma atitude ideológica (figura 3). Assim, ao pensarem as socieda-des não europeias como manifestações de um estágio passado da humanidade, osantropólogos, a serviço dos países europeus, justificariam toda forma de interven-ção destinada a levar essas sociedades a um pretenso progresso. Daí certas políticasdesenvolvimentistas que abalaram crenças religiosas e liquidaram com formas pro-dutivas mais artesanais ou tecnologicamente consideradas rudimentares.

    Os estudos marxistas da cultura, portanto, voltaram-se para uma análise crí-tica da própria sociedade europeia, expondo as relações de dominação política,econômica e ideológica que o colonialismo estabelecia entre nações e continentes.Tais estudos expuseram até mesmo os preconceitos que guiaram os cientistas naidentificação do diferente como exótico, tropical ou tradicional. Dessa forma, pro-punham uma nova metodologia de trabalho que chamaram anticolonialismo, ouseja, um estudo da cultura que respeita a especificidade dos povos não europeus eos anseios de seu povo, assim como sua autodeterminação.

    Essa teoria propõe ainda a análise crítica da sociedade estudada, por meio demétodos que não intervenham em seu destino, abdicando de toda pesquisa quesirva para fornecer informações a governos coloniais ou defender interesses econô-micos de grupos metropolitanos, apoiando sempre movimentos de independência

    George Léon Émile Balandier (1920-)

    É etnólogo e sociólogo francês que participou ativamente do processo de independên-cia das colônias africanas. Foi o criador da expressão “Terceiro Mundo” para designar ospaíses que sofreram a colonização europeia. Essa expressão remete ao Terceiro Estado,

    existente na Revolução Francesa.

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       M   U   S   E   U   N   A   C   I   O   N   A   L   C   E   N   T   R   O   D   E   A   R   T   E   R   A   I   N   H   A   S   O   F   I   A ,   M   A   D   R   I

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