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CULTURA DO QUEIXUME:
PERCURSOS DA DESMOTIVAÇÃO À MOTIVAÇÃO DOCENTE
Daiane de Bovi Tomazzoni 1 Daiane Zullian Scortegagna
Isadora Alves Roncarelli Tassiane Maria de Oliveira
Nilda Stecanela2 Rubia Paula Bamberg3
Resumo
Diante da indagação sobre o processo da (des)motivação nos percursos de professores e as
implicações no trabalho docente competente, realizou-se uma pesquisa na disciplina de Análise
Crítica da Prática Docente do curso de pedagogia da Universidade de Caxias do Sul, no primeiro
semestre de 2016. A mesma envolveu trabalho de campo, com vinte nove professores da
Educação Básica, das redes privada e pública de Caxias do Sul e região, através da participação
em entrevistas realizadas por meio de um questionário. Este foi composto por dezenove
questões fechadas e três questões abertas, proporcionando momentos de reflexão sobre a
prática docente. O presente artigo propõe analisar os elementos que causam a motivação ou a
desmotivação no exercício da profissão docente. A pesquisa apontou que alguns dos fatores que
influenciam nesse processo são o envolvimento da comunidade, a cultura do queixume por parte
dos professores, as políticas públicas e a auto afirmação da identidade docente. O artigo busca
fundamentar as informações coletadas durante a pesquisa através de diversos autores,
principalmente: CUNHA (2001), RIOS (2010), PIMENTA (2002 e 2004) e FREIRE (1982 e 1996).
Está dividido em três subitens denominados: Identidade docente: interfaces da subjetividade;
Contextos da (des)motivação: políticas públicas e comunidade escolar e Dados construídos: o
que os números revelam. Através destes, serão explicitados alguns aspectos relevantes que
englobam os percursos da desmotivação à motivação docente. O trabalho tem como finalidade
explorar os dados construídos e colaborar para a diminuição da cultura do queixume presente
no ambiente escolar, através da disseminação de boas práticas evidenciadas nas falas dos
docentes entrevistados.
Palavras-chave: Motivação ou desmotivação dos professores. Cultura do queixume. Identidade
docente.
INTRODUÇÃO
A (des)motivação dos professores é assunto recorrente em nossas
vivências, na mídia e no ambiente escolar. A pesquisa busca investigar o que
causam a motivação ou a desmotivação dos docentes no exercício de sua
profissão. Para isso foi elaborado um questionário contendo dezenove questões
fechadas e três questões abertas, na disciplina de Análise Crítica da Prática
Docente do curso de pedagogia da Universidade de Caxias do Sul, no primeiro
1 Acadêmicas do curso de Pedagogia, da Universidade de Caxias do Sul. 2 Docente da disciplina de Análise Crítica da Prática Docente e Orientadora. 3 Mestranda e estagiária da disciplina.
semestre de 2016. O mesmo foi dividido em três blocos contendo dados de
identificação, o percebido sobre a prática docente e desafios ao exercício da
docência.
Esta pesquisa envolveu trabalho de campo com aplicação de
questionários em que os entrevistados participaram de dois modos, com
respostas a questionário auto aplicado e também aplicados pelos
pesquisadores. O estudo envolveu vinte nove professores, de diversas faixas
etárias, entre eles professores iniciantes, medianos e quase aposentados, que
atuam na Educação Básica, nas redes privada e pública de Caxias do Sul e
região. Entre as hipóteses que motivaram o estudo e a formulação do problema
de pesquisa, podemos citar: enfrentamentos diários com a comunidade escolar;
falta de investimento adequado; tanto financeiro quanto nas metodologias da
formação continuada; a desilusão frente as políticas públicas; a baixa
renumeração; a necessidade de ter amor pela profissão e valorizar a interação
humana; a influência negativa de colegas já desmotivados, que normalmente
atuam a mais tempo na profissão; a cultura do queixume por partes dos
professores; a vitimização do professor que se acomoda no seu papel e a auto
afirmação da identidade docente. Algumas dessas hipóteses foram corroboradas
através dos dados construídos na pesquisa e serão analisados no decorrer
desse artigo.
O contexto no qual os entrevistados se inserem influencia no resultado
da investigação realizada. Neste caso o número de professores entrevistados
que atuam na educação pública e privada se igualou, não intencionalmente,
tendo ainda um docente que atua nos dois segmentos. Todos entrevistados são
do sexo feminino, isso acaba impedindo uma comparação a respeito da
motivação presente em cada um dos dois gêneros, porém confirma a informação
de que atualmente, o número de docentes mulheres na educação básica é
superior ao número de professores homens, principalmente na educação infantil
e nos anos iniciais. A amostra da pesquisa evidencia que a maioria dos
professores entrevistados atua na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, provavelmente pela inserção e a proximidade que os
pesquisadores tiveram, no tempo disponível, na localização dos sujeitos.
O trabalho tem como finalidade explorar os dados construídos e
colaborar para a diminuição da cultura do queixume presente no ambiente
escolar, através da disseminação de boas práticas evidenciadas nas falas dos
docentes entrevistados. Para melhor interpretar os dados construídos, o artigo
está dividido em três subitens denominados: Identidade docente interfaces da
subjetividade; Contextos da (des)motivação: políticas públicas e comunidade
escolar e Dados construídos: o que os números revelam. Através destes, serão
explicitados alguns aspectos relevantes que englobam os percursos da
desmotivação à motivação docente.
1 IDENTIDADE DOCENTE: INTERFACES DA SUBJETIVIDADE
A identidade docente é constituída no convívio da subjetividade e no
relacionamento com o outro, ou seja, é formada no dia a dia, na interação entre
os colegas de trabalho, os alunos, a comunidade escolar e as demais
circunstâncias advindas do meio educacional. Dessa forma, compreende-se que
a formação da identidade profissional evolui e se desenvolve durante toda a vida,
permeando na coletividade ou na individualidade. Porém cada professor é
responsável pela formação de sua identidade, uma vez que, nenhum ser é
idêntico a outro e é através de nossa identidade que nos afirmamos
profissionalmente e transmitimos nossos conhecimentos, saberes e
pensamentos aos indivíduos de nossa convivência. Rios, afirma que a identidade
é influenciada pelos papéis que desempenhamos na sociedade, bem como,
pelas situações que enfrentamos:
A identidade aparece, assim, como algo construído nos limites da existência social dos sujeitos. Somos o que somos porque estamos numa determinada circunstância. E não podemos deixar de ressaltar que essa circunstância se configura de uma determinada maneira porque estamos nela, e a construímos de maneira peculiar. Somos porque estamos, ganhamos nossa identidade enquanto a construímos. (RIOS, 2010, p.121).
Nesse sentido, a identidade é constituída por uma série de processos
inter-relacionados. Esses processos a qual nos referimos inicia-se no
reconhecimento de ser cidadão por parte de cada indivíduo, passando pela
criação do sentimento de pertença à uma sociedade democrática, produzindo
assim, o sentimento de felicidade diante do relacionamento coletivo. Segundo
Pimenta (2002) essa articulação auxilia na formação da identidade individual de
cada sujeito, em especial a identidade docente, pois uma identidade profissional
se constrói a partir da significação social da profissão, na revisão das tradições,
ou seja, na reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que
permanecem significativas.
Estas práticas coexistem a partir de teorias, que são abordadas,
demasiadamente, nos cursos de licenciaturas. Muitos acadêmicos têm suas
primeiras experiências na docência durante os estágios obrigatórios, ou até
mesmo ao longo do curso, quando ingressam no magistério. Acontece que,
inúmeras vezes, há um impacto inicial com a realidade apresentada nas escolas,
já que conforme Behrens (1996, p.34), “O docente é apresentado pela sociedade
como profissional de menos valia.” Este impacto, pode ser tanto a ponto de
afastar os professores da carreira, ou desmotivá-los a prosseguir nela. Para
amenizar este choque, Pimenta e Lima sugerem que:
Os saberes, a identidade profissional e as práticas formativas presentes nos cursos de formação docente precisam incluir aspectos alusivos ao modo como a profissão é representada e explicada socialmente. (PIMENTA e LIMA, 2004, p.66).
Expondo a realidade educacional aos acadêmicos, quando estes
assumirem a docência, estarão mais motivados a enfrentar os desafios e romper
com a cultura do queixume na escola, reafirmando assim, sua escolha pela
profissão e fortalecendo sua identidade docente.
Behrens (1996) destaca que todos estes aspectos que desvalorizam a
carreia dos professores, como os baixos salários, a falta de investimento na
educação por parte dos governos, a influência da mídia e o não reconhecimento
da docência como papel fundamental na construção da sociedade, acabam
incidindo na visão que o docente tem de si mesmo. Ou seja, o profissional passa
a se enxergar como vítima e incorpora na sua identidade docente este
comportamento. Acaba que, com o passar dos anos, essa vitimização toma
proporções maiores e começa a contagiar grande parte dos professores,
causando um estado de desmotivação coletiva no corpo docente.
É evidente que, os professores compartilham muito mais as más práticas
do que as boas. A cultura do queixume acaba contaminando os docentes, que
algumas vezes assumem o papel de vítima e por consequência se desmotivam.
É importante salientar que, em decorrência desta cultura, a identidade docente
acaba por modificar-se. O professor, por vezes, deixa de buscar novas
alternativas de ensino, abandona a formação continuada e passa a não planejar
suas aulas, precarizando sua prática pedagógica. Para evitar isso, é
imprescindível que todo profissional faça uma auto avaliação constante de seu
trabalho. São estes momentos de síntese e reflexão que irão contribuir para a
autoafirmação docente, para a construção da identidade e consequentemente,
para o aprimoramento de seu trabalho pedagógico.
Assim, quando o professor auto afirma a sua identidade docente e
através disso, desempenha o seu papel que é fundamental e muito importante
dentro de uma sociedade ele está consequentemente contribuindo para a
formação de um ambiente democrático, onde outras pessoas tem a possibilidade
de sentirem-se cidadãos providos de direitos e deveres. Outro aspecto que
contribui na formação da identidade do professor e que revela um trabalho de
boa qualidade e competente, segundo Rios (2010), é seguir uma linha de
trabalho baseada no reconhecimento do outro, no bem e no trabalho coletivo e
envolver-se através da comunicação criativa. Por meio da articulação desses
aspectos é que se produz práticas docentes competentes e consequentemente
se constrói o espírito da felicidadania.
Retomando constantemente essas ações no dia a dia e disseminando
as mesmas para demais colegas de trabalho e para a população da sala de aula,
ela resultará na diminuição da cultura do queixume no meio educacional e
formará cidadãos mais felizes. Uma vez que, quando um indivíduo reconhece e
afirma a sua identidade profissional ele se torna um sujeito mais crítico e
reflexivo, conhece os seus direitos e deveres como cidadão e diante das
situações problemas decorrentes do dia a dia, ao invés de favorecer o queixume,
consegue pensar maneiras criativas e inteligentes de reverter as circunstancias
negativas e promover a felicidade.
Existem também outros aspectos que influenciam na identidade
docente, como as políticas públicas da educação e o envolvimento da
comunidade escolar na instituição. Estes elementos podem motivar ou
desmotivar o professor a realizar um trabalho competente.
2 CONTEXTOS DA (DES)MOTIVAÇÃO: POLÍTICAS PÚBLICAS E
COMUNIDADE ESCOLAR
É inegável a influência do contexto social na escolha da profissão a ser
seguida, e da mesma forma isso ocorre na escolha da carreira docente. Mesmo
que indiretamente, as vivências familiares, as experiências escolares e as
relações construídas no meio social são fatores que contribuem com esta
decisão. Portanto, se as situações cotidianas levaram o indivíduo a optar pelo
magistério, por que a cultura do queixume se faz tão presente no contexto
escolar?
Ser professor exige uma constante busca pelo conhecimento, que se
encontra na formação continuada formal ou informal, a fim de manter sua prática
em sala de aula atrativa e competente. Porém nem sempre o professor está
preparado para enfrentar as mudanças em sala de aula, que são naturais e
decorrentes das transformações sociais, iniciando assim, o ciclo do queixume,
no qual o professor vitimiza-se e responsabiliza alunos, gestores e políticas
públicas pelo seu insucesso e desmotivação.
O trabalho do professor está cada vez mais complexo e exige uma responsabilidade cada vez maior. As demandas contemporâneas estabelecem nova dinâmica ao cotidiano das instituições de ensino, que reflete diretamente no trabalho do professor e de sua profissionalidade. (GATTI et al. 2009, p.145,146).
Apesar de alguns avanços notáveis no cenário educacional de nosso
país, de fato somos fruto de uma sociedade que há pouco tempo passou a
preocupar-se com a oferta de ensino para todos e, sobretudo com a qualidade
deste. Caminhamos a passos lentos no que se refere às políticas públicas
educacionais, e isso diz respeito à qualidade das escolas, do ensino e da
valorização de seus profissionais. Arroyo (2000) contribui dizendo que não se
trata de abandonar a dimensão política, a ênfase nos vínculos entre poder,
escolas, recursos públicos e a escolarização básica e as condições de afirmação
de seus profissionais. Assim, o professor deve apoiar-se nas políticas presentes,
mas também deve haver seu esforço próprio para melhoria do trabalho docente.
Rios (2010) explica que a dimensão política da ação docente apoiada
nas demais dimensões, pode ser um elemento fundamental para a diminuição
da cultura do queixume presente no ambiente escolar. Pois através disso se
trabalha o bem comum, que por sua vez, proporciona a felicidade. É possível
considerar que este aspecto é um meio essencial para a motivação do trabalho
docente e a transformação de uma cultura de queixume para uma cultura de
professores competentes e consequentemente felizes.
Outra observação relevante que a autora apresenta é que não é de
inteira responsabilidade dos professores as condições para uma ação docente
de boa qualidade, mas também depende dos alunos, dos colegas, da direção e
dos dirigentes do sistema educativo. Todavia isso não pode levar o professor a
uma postura ingênua e pessimista acreditando que seu trabalho só será
competente quando todas as condições “que não depende dele” se
concretizarem. É preciso incorporar atitudes críticas, reflexivas e responsáveis
no decorrer da profissão para contribuir na construção de uma sociedade mais
humanitária, pois é em meio à crise que se cria mobilizações para a mudança.
A criação de situações críticas da realidade em que vivem, deve levar os professores à conquista de políticas públicas que os apoiem e os valorizem, mas, antes disso, deve ser iniciativa da própria classe, dos sujeitos da prática educativa, dos professores e dos alunos. (BEHRENS, 1996, p.36).
Com isso, a autora reforça a ideia de que, apesar das políticas públicas
serem importantes para o bom funcionamento da escola, elas não são as únicas
responsáveis por isso. Muitos professores, utilizam a falta de investimentos na
educação, por parte dos governos, como pretexto para o queixume e a
desmotivação na escola. Porém, é imprescindível que o docente, mesmo com
todas as dificuldades apresentadas, esteja disposto a enfrentá-las e desenvolver
seu trabalho com competência, a fim de conquistar o reconhecimento e a
valorização que almeja. Deste modo, o professor passa a ser sujeito ativo nas
lutas pela afirmação da docência na sociedade, que com o tempo, refletem em
condições mais dignas de trabalho.
Outro aspecto a ser considerado são as aspirações da família em
relação à escola e ao trabalho docente, visto que, geralmente há um
distanciamento entre a escola idealizada pela família e as relações que
realmente ocorrem neste espaço, que deve considerar todas as adversidades
presentes neste processo. Esta falta de interação entre as partes, também é
considerada um fator relevante na cultura do queixume, onde um culpa o outro
pela não efetividade do trabalho. Sendo assim, aproximar a comunidade escolar,
a fim de desenvolver um trabalho cooperativo, no qual família e escola estão
cientes de suas responsabilidades e por isso participam ativamente no contexto
escolar, certamente promoverá um ambiente motivador de ensino e
aprendizagem.
Uma boa relação entre a comunidade escolar e o corpo docente começa
a partir do respeito, tolerância e diálogo. A escola precisa estar aberta às
famílias, para que estas participem das principais decisões da instituição, isso
faz com que os pais sintam-se parte importante da escola, instigando assim uma
maior participação da comunidade na educação das crianças e jovens que
frequentam a instituição.
Proporcionar momentos de conversa e esclarecimentos também
contribuem para que a família compreenda o plano pedagógico e institucional da
escola. Como consequência, os pais irão ter mais clareza sobre como ocorre o
trabalho do docente em sala de aula, exercitando assim, uma valorização maior
em relação ao professor. Isso faz com que o educador se sinta motivado a
desenvolver um trabalho competente, preocupando-se mais em reinventar seus
processos de ensino, do que contribuir para a cultura do queixume,
culpabilizando a comunidade escolar pela sua desmotivação.
Tanto as políticas públicas – ou a falta delas - quanto o envolvimento da
comunidade escolar podem influenciar no trabalho dos professores. Porém, é
importante ressaltar que, apesar destes aspectos evidenciarem uma
desvalorização do magistério, eles não são os únicos fatores determinantes na
competência do ofício do professor. Portanto, cabe aos educadores lutarem por
melhores condições de trabalho e deixarem de lado a vitimização e o queixume,
construindo assim uma nova concepção para o fazer docente.
3 DADOS CONSTRUÍDOS: O QUE OS NÚMEROS REVELAM
A pesquisa proporcionou momentos de reflexão aos pesquisadores, pois
corroborou hipóteses evidenciadas anteriormente, além disso, revelou aspectos
surpreendentes relacionados à (des)motivação na prática docente. A fim de
interpretar os dados construídos, teceu-se uma análise reflexiva em torno deles,
a ser desenvolvida no presente capítulo.
Umas das pretensões da pesquisa era constatar como os docentes se
sentem no ambiente de trabalho, na maioria dos dias da semana, além disso,
destacar qual aspecto consideravam mais comprometedor em sua prática
docente.
Gráfico 1: Questionamento sobre como os entrevistados se sentem no
exercício da profissão.
Fonte: Elaborado pelas acadêmicas.
De acordo com o gráfico acima, bem como com os dados construídos,
observa-se que apesar da totalidade dos entrevistados se sentirem satisfeitos ou
felizes no exercício de sua profissão, 68,72% deles relataram que o aspecto que
julgam ser mais comprometedor em sua prática, é a cultura do queixume e da
auto vitimização presente entre os professores. O que seria de certo modo
0
10
20
30
40
50
60
44,82
51,72
3,46
Como se sente no exercício da profissão na maioria dos dias da semana
Satisfeito e feliz no ambiente detrabalho
Feliz, porém inconformado comalguns aspectos.
Indiferente
contraditório, em uma situação em que praticamente todos professores se dizem
contentes com o exercício de sua profissão, demonstrarem o inverso para o
grupo. A explicação de Rios nesse sentido, é esclarecedora:
Afirmar uma dimensão estética na prática docente é trazer luz para a subjetividade do professor, subjetividade construída na vivencia concreta do processo de formação e de prática profissional. É necessário considerar, também, que a subjetividade não se diz de um único sujeito, de uma existência singular. Subjetividade se articula com identidade, que é afirmada exatamente na relação com alteridade, com a consideração do outro. (RIOS, 2010, p.98).
Assim, no primeiro momento, percebe-se que os professores
consideram sua prática de forma isolada do grupo, de modo a considerá-la
agradável e satisfatória, porém quando confrontados sobre a influência do meio,
vem à tona a subjetividade existente na prática docente, que está estritamente
ligada ao coletivo, influenciando diretamente na identidade profissional de cada
um.
Considerando que o foco principal da pesquisa é emergir dados sobre o
processo de motivação ou desmotivação entre os professores atuantes, os
mesmos foram questionados sobre suas percepções pessoais e momentâneas
a respeito do assunto como mostra a Tabela 1.
Tabela 1 - Questionamento sobre a motivação profissional
VOCÊ SE CONSIDERA UM PROFISSIONAL MOTIVADO? QUANTIDADES FREQUÊNCIAS
1. Não. Porque sou novo na área e não fui bem recebido pelosdemais colegas.
0 0%
2. Não. Porque estou quase me aposentando e já fiz a minha parte. 0 0%
3. Não. Pois ganhando pouco é difícil motivar-se. 1 3,46%
4. Sim. Não nego as dificuldades, mas procuro pontos positivos emtudo o que experiência
16 55,17%
5. Sim. Me realizo na prática docente e com o crescimento dos meusalunos.
9 31,03%
6. Não sei. Prefiro não opinar. 3 10,34%
7. Outra. Qual? 0 0%
Fonte: Elaborado pelas acadêmicas.
Percebe-se que mais da metade, 55,17% dos entrevistados, se sentem
profissionais motivados, porém não omitem as dificuldades decorrentes desta
profissão, buscando pontos positivos para prosseguir sua trajetória. Apenas um
dos participantes, 3,46%, relaciona sua desmotivação à questão salarial da
atualidade. Mayo aborda o tema motivação profissional dizendo:
As pessoas emprestam seu capital humano para uma organização,
mas a real contribuição delas depende de sua motivação e de seu
comprometimento. Pessoas motivadas dão o seu melhor. Ainda que o
esforço pessoal, os valores e as circunstancias desempenhem um
papel importante, a motivação é mais influenciada pelo ambiente de
trabalho. O ambiente é uma combinação da cultura subjacente -
valores, rituais, processos e sistemas de organização[...] (MAYO,
2003, p. 148).
Nesse sentido, criar um ambiente de trabalho favorável e agradável para
os professores é um ponto chave para garantir motivação e um envolvimento
ainda maior no desempenho de suas atividades.
A respeito da forma com que o docente desempenha o seu trabalho,
Cortela (2014), recomenda ao professor “fazer o melhor que você pode, na
condição que você tem, enquanto não tem condições melhores para fazer melhor
ainda”.
Em relação a isso, dezesseis dos vinte e nove professores entrevistados
consideram estar desempenhado um bom trabalho enquanto onze deles
afirmam desempenhar um ótimo trabalho. Neste contexto apenas dois
professores consideram estar desempenhando seu trabalho de maneira regular,
um número baixo diante dos resultados apontados.
Sobre o envolvimento e o empenho dos professores em relação à
comunidade escolar, três docentes o consideraram razoável e apenas dois
admitiram fazerem o seu trabalho sem perceber a necessidade de envolvimento
com a comunidade. É considerável a parcela de educadores que disseram estar
envolvidos e ajudando além de suas obrigações, totalizando vinte e quatro dos
entrevistados.
No cotidiano escolar ocorrem situações, que muitas vezes envolvem a
comunidade e dependem da iniciativa e esforço de todos os sujeitos que
integram a escola. A respeito disso, Perrenoud afirma que:
A cooperação profissional sempre está na ordem do dia. Seus motivos são muito razoáveis, inclusive o da rejeição da solidão do profissional. No entanto seus mecanismos são menos transparentes: na cooperação, há transparência e segredo, partilha e concorrência, desinteresse e cálculo, poder e dependência, confiança e medo, euforia e raiva. (PERREROUD, 2002, p.61).
Os dados da pesquisa e as palavras do autor levam a perceber que o
trabalho docente é repleto de interações, não somente com os alunos, mas
também com os demais professores, gestores e envolvidos na comunidade
escolar. Para tanto é preciso estar disposto a compartilhar seus saberes, auxiliar
o outro e enfrentar os desafios desta interação, o que parece fazer parte do
cotidiano dos entrevistados, já que nenhum deles afirmou estar na escola apenas
para cumprir suas obrigações.
Grande parte dos docentes entrevistados afirmaram que o que mais lhes
motiva a continuar na profissão é ver a evolução, o reconhecimento e o
aprendizado de seus alunos. Em contraponto, Kuenzer e Caudas (2009)
nomeiam o professor como produtor e o aluno como produto, para explicar o
trabalho que um dispunha através do outro. Consideram este trabalho
insatisfatório, ao ponto que o produtor nunca consegue ver sua obra concluída,
pois ao findar de cada ano o vínculo é rompido, impossibilitando o retorno
completo de todas as energias demandadas pelo produtor em função daquele
produto. E por este motivo, muitos professores acabam por escolher “o não
envolvimento como forma de evitar o sofrimento, uma vez que a ação do
cuidador será sempre limitada pela natureza de seu trabalho e de suas formas
de organização”. (KUENZER; CAUDAS, 2009, p.28).
Ora, se a percepção do progresso do desenvolvimento dos alunos é um
meio de motivação para os docentes, este meio de evitar o sofrimento acaba por
ser uma barreira para a auto realização de sua carreira. Visto isto, é preciso
superar tais preceitos para que o educador consiga se envolver e criar relações
com os sujeitos que constituem o seu trabalho. É preciso ter a compreensão que
suas ações vão para além da margem que seu olhar alcança, e que isso não o
impede de sentir as alegrias que compõe o caminhar docente. Freire e
Guimalhães (1982, p.84) revelam que “O educador, não pode cansar de viver a
alegria do educando [...] o momento em que ele já não se alegra, não se arrepia
diante de uma alegria, da alegria da descoberta, é que ele já está ameaçando
de burocratizar a mente”.
Este envolvimento, entre professor e aluno, traz alegrias que constituem
o papel do docente na escola e evidencia a maneira que se enxerga neste, ou
seja, qual a sua identidade profissional. A identidade docente se constitui ao
longo de toda sua carreira, pois o docente só se faz docente através de suas
vivências como tal. Então este é um processo contínuo de buscas,
aprendizagens, questionamentos e reflexões, entretanto é a prática e o contato
com as vivências do contexto escolar que irão oferecer os elementos essenciais
para esta construção. Portanto quando o professor consegue perceber sua
importância na formação dos educandos, e motivar-se com isso, ele está
reafirmando sua escolha pelo magistério.
É interessante ressaltar que para Cunha (2001, p.27) “(...) a importância
e significado do papel do professor não dependem exclusivamente dele”, mas
também de toda sociedade, e este é um dos queixumes de alguns entrevistados,
que afirmam gostar de lecionar “Apesar de estarmos em uma situação onde o
professor não é valorizado financeiramente e na sociedade, como deveria” (Q3),
e ainda: “Acredito na educação, mas também estou decepcionada com tanta
falta de incentivo por parte das políticas públicas.” (Q28). Fica visível que apesar
de ter amor pela profissão, corroborando uma das hipóteses iniciais desta
pesquisa, os professores percebem e vivenciam as dificuldades que permeiam
a educação no Brasil.
Outro aspecto que reflete os percursos da (des)motivação docente fica
evidenciado na fala de uma das entrevistadas quando afirma que o que lhe
mantém na profissão é: “A chegada da aposentadoria.” (Q23), indo ao encontro
da hipótese levantada de que os professores que atuam a mais tempo na
educação básica tendem a estar mais desmotivados e consequentemente
influenciarem os demais.
Foram solicitados aos docentes entrevistados, que fizessem
recomendações para os acadêmicos de licenciatura. Muitas foram as sugestões
para que os futuros professores iniciem e terminem sua carreira motivados, entre
tantas, vale a pena salientar, a fala da maioria dos participantes, abordando o
amor pela profissão como combustível fundamental deste longo percurso.
Destacamos a fala da entrevistada Q5 que justifica com clareza a abrangência
deste sentimento: “Amor acima de qualquer coisa, pois as dificuldades virão e
sem amor, nada superará as mesmas”. Além disso, a constante busca pelo
conhecimento foi outro conselho pertinente trazido em diversos depoimentos
como: “Sabedoria, saber observar, ser justo, analisar o contexto. E nunca parar
de aprender” (Q15).
Esses conselhos cruzam-se com o pensamento de Rios, que também
pondera alguns sentimentos como a felicidade na prática educativa:
[...] A felicidade não está presente na escola na hora do recreio, na festa junina ou na comemoração dos aniversários – ela está presente quando se aprendem os conteúdos necessários para a inserção na sociedade, quando se respeitam os direitos de todos, quando se
aprimoram as condições de trabalho. (RIOS, 2010, p. 131).
Assim sendo, o enlace entre sentimentos, subjetividades e
conhecimentos produzem a satisfação em ser professor e consequentemente
trazem melhorias no ambiente de trabalho.
Acreditamos que o fator amor esteve presente em grande parte das
respostas, devido à maior parte do público entrevistado atuar na Educação
Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, onde o vínculo afetivo entre
professor e aluno é forte e passa a ser construído dia após dia nas relações de
ensino e aprendizagem, tornando-se um importante fator motivacional para os
docentes.
Freire considera o “querer bem aos educandos” um saber essencial à
prática docente:
Esta abertura ao querer bem não significa, na verdade, que, porque professor, me obrigo a querer bem a todos os alunos de maneira igual. Significa, de fato, que a afetividade não me assusta, que não tenho medo de expressá-la. Significa esta abertura ao querer bem a maneira que tenho de autenticamente selar o meu compromisso com os educandos, numa prática específica do ser humano. (FREIRE, 1996, p.159).
Este querer bem não se restringe apenas a amorosidade na relação
aluno e professor, mas refere-se a tudo que envolve a prática educativa.
Diante disso percebemos que muitas vezes as falas dos docentes
entrevistados foram contraditórias em relação às ações que dizem ter. Já que,
apesar de estarem envolvidos com a comunidade, desenvolverem um trabalho
com empenho e valorizarem a relação com seus alunos, a cultura do queixume
ainda se faz presente de forma significativa entre eles.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo trouxe os resultados da pesquisa realizada na
disciplina de Análise Crítica da Prática Docente do curso de pedagogia da
Universidade de Caxias do Sul, no primeiro semestre de 2016. Esta pesquisa
abordou aspectos referentes a (des)motivação dos professores no exercício de
sua profissão e quais as implicações destes no percurso da carreira docente.
Através dos dados construídos identificamos como o queixume e a
vitimização influenciam a identidade docente, uma vez que, esta identidade se
constrói no dia a dia de sua prática, através das relações com os sujeitos. Apesar
desta influência dos outros profissionais, cada um é responsável pela formação
de sua própria identidade, no momento em que decide deixar ou não influenciar-
se por isso. Percebemos a necessidade do professor se autoconhecer a fim de
aperfeiçoar sua prática e reafirmar sua identidade docente.
Em relação ao envolvimento da comunidade escolar e as políticas
públicas, foi possível constatar que são fatores significativos para a motivação
ou desmotivação docente, porém não são determinantes. É possível que o
professor procure formas de superar estes desafios, evitando ceder à vitimização
e a disseminação da cultura do queixume.
Por fim, os dados construídos evidenciaram que há uma contradição
entre o fazer docente e seu discurso. Isto ficou confirmado pois, mesmo estando
preocupados com a relação entre comunidade e escola, com a certeza de
estarem desenvolvendo um trabalho competente apesar de suas limitações e
valorizarem o envolvimento com seus alunos, ainda é recorrente a cultura do
queixume e vitimização entre os docentes.
Tanto a (des)motivação profissional, quanto a cultura do queixume são
temas que nunca se esgotam. Portanto este artigo é um passo inicial que
impulsiona uma longa caminhada de pesquisas e reflexões acerca do assunto.
REFERÊNCIAS
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