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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS CULTURA INDÍGENA 1 1. “ÍNDIO” 1.1. PRIMEIRA ACEPÇÃO: Indicativo de um estado cultural, claramente manifestado pelos termos que em diferentes o podem vir a substituir – silvícola, íncola, aborígene, selvagem, primitivo, entre outros. Todos carregados com um claro denotativo de morador das matas, de vinculação com a natureza, de ausência dos benefícios da civilização. A imagem típica, expressa por pintores, ilustradores, artistas plásticos, desenhos infantís e chargistas, é sempre de um indivíduo nu, que apenas carrega consigo (ou exibe em seu corpo) marcas de uma cultura exótica e rudimentar, que remete à origem da história da humanidade. (Oliveira, p. 79) 1 Material didático organizado por Ana Guiomar Rêgo Souza

Cultura Indígena

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS ESCOLA DE MSICA E ARTES CNICAS

    CULTURA INDGENA1

    1. NDIO 1.1. PRIMEIRA ACEPO: Indicativo de um estado cultural, claramente manifestado pelos termos que em diferentes o podem vir a substituir silvcola, ncola, aborgene, selvagem, primitivo, entre outros. Todos carregados com um claro denotativo de morador das matas, de vinculao com a natureza, de ausncia dos benefcios da civilizao. A imagem tpica, expressa por pintores, ilustradores, artistas plsticos, desenhos infants e chargistas, sempre de um indivduo nu, que apenas carrega consigo (ou exibe em seu corpo) marcas de uma cultura extica e rudimentar, que remete origem da histria da humanidade. (Oliveira, p. 79)

    1 Material didtico organizado por Ana Guiomar Rgo Souza

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    "Famlia de um chefe Camac se preparando para a festa" Jean-Baptiste Debret

    Famlia de Botocudos em Marcha Jean-Baptiste Debret.

    1.2. SEGUNDA ACEPO:

    ndio indica um indivduo pertencente a um segmento da populao brasileira que enfrenta problemas de adaptao sociedade nacional em decorrncia de sua vinculao com tradies pr-colombianas. Como um mecanismo compensatrio queles que foram os primeiros moradores do territrio nacional, a legislao assegura aos ndios uma assistncia especial por parte da Unio, entre essas atribuies salientando-se o reconhecimento e a salvaguarda das terras que se fizerem necessrias para a plena reproduo econmica e cultural destes grupos tnicos. (Ibidem)

    Estatuto das Sociedades Indgenas

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    Indgena a denominao dada s coletividades que se distinguem entre si e no conjunto da sociedade em virtude de seus vnculos histricos com

    populaes de origem pr-colombiana.

    1.3. TERCEIRA ACEPO:

    Para os antroplogos, indgena o termo dado para toda coletividade que se auto-identifique como tal, sendo ndios todos os indivduos que so por ela reconhecidos enquanto membro desse grupo tnico.

    Essa nova forma de pensar o indgena rompe com o senso comum e procura dar conta de fenmenos histricos atuais, como os processos de revitalizao existentes em muitas sociedades indgenas, a emergncia de novos grupos tnicos e possibilitando ainda compreender o surgimento de novas identidades (pan-indgenas, pluritnicas ou ainda regionais).

    Os povos indgenas, tal como os ocidentais, tm uma histria, que inclui guerras e migraes, trazendo consigo a redefinio das unidades scio-culturais, algumas vezes com a fragmentao e outras com a incorporao em unidades maiores. Uma vez que esto situados dentro da histria, tais povos passam igualmente por enormes mudanas culturais, que decorrem seja da adaptao a um meio ambiente novo ou modificao (inclusive por suas prprias aes), seja da influncia ou troca cultural realizada com povos vizinhos, ou ainda por um dinamismo interno quelas culturas. (Ibidem, p. 79)

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    ndio Patax

    POVOS INDGENAS EMERGENTES

    Da esquerda para a direita: Dona Tereza Kariri, Bida Jenipapo-Kanind, Cacique Pequena Jenipapo-Kanind,

    Fernando Trememb e Jamille Kariri. Participantes do II Encontro do Povo Kariri, realizado em Crates

    Cear, em junho de 2007

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    Nua, no Parque Nacional da Serra do Divisor (Acre) Tupinamb, Maitapu, Apium e um grupo Munduruku

    desconhecido, na regio do Alto Rio Tapajs (Par) Kaxix, na regio de Martinho Campos e Pompeu, e Aran, no Vale

    do Jequitinhonha (Minas Gerais) Kariri, Kalabaa, Tabajara, Tapeba, Pitaguary, Trememb,

    Kanind no Cear. Tupinamb, em Olivena, e Tumbalal, em Abar e Cura

    (Bahia) Kalank, em Pariconha, e Karuazu, em gua Branca (Alagoas) Pipip, em Ibimirim (Pernambuco)

    2. POVOAMENTO DA AMRICA DO SUL Pesquisas arqueolgicas em So Raimundo Nonato, Piau (55 stios arqueolgicos), organizadas pela arqueloga Nide Guidon, registram indcios da presena humana na regio h pelo menos 60 anos. Junto com essa descoberta outra antiga teoria caiu por terra. At meados do sculo passado, imaginava-se que o nico caminho possvel para o homem ter chegado ao continente americano teria sido via Hemisfrio Norte, mais precisamente pelo Estreito de Bering, que separa a Sibria, na Rssia, e o Alasca.

    Ao provar que o homem estava na regio onde hoje o Estado do Piau h pelo menos 60 mil anos, a pesquisadora aponta para a possibilidade de terem existido outras correntes migratrias pelo sul do continente.

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    Parque Nacional da Serra da Capivara

    Chapado do Sul Mato Grosso divisa com Gois

    2.1. NA POCA DA COLONIZAO

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    Estimativas da populao indgena na poca do descobrimento apontam que existiam no territrio Brasileiro, mais de 1 000 povos, sendo dois a seis milhes de indgenas. Hoje em dia, so 227 povos, e sua populao est em torno de 300 mil. As razes para isso so muitas, desde agresso direta de colonizadores a epidemias de doenas para as quais os ndios no tinham imunidade ou cura conhecidas.

    2.2. OS POVOS INDGENAS DO BRASIL

    Mapa de Reservas Indgenas Brasileiras.

    A denominao mais conhecida das vrias etnias no quase nunca a forma como seus membros se referem a si mesmos, e sim o nome dado a ela pelos brancos ou por outras etnias, muitas vezes inimigas, que os chamavam de forma depreciativa, como o caso dos caiaps.

    Entre as primeiras obras publicadas sobre os povos indgenas brasileiros, no sculo XVI, encontram-se os livros escritos pelo mercenrio alemo Hans Staden, pelo missionrio francs Jean de Lry e pelo historiador portugus Pero de Magalhes Gndavo. O primeiro inventrio dos nativos brasileiros s foi feito em 1884, pelo viajante alemo Karl von den Steinen, que registrou a presena de quatro grupos ou naes indgenas, de acordo com as suas lnguas: tupis-guaranis, j ou tapuias, nuaruaques ou maipurs e carabas ou caribas. Von den Steinen tambm assinala quatro grupos lingsticos: tupi, macro-j, caribe e aruaque.

    Reservas Indgenas

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    Marechal Cndido Rondon.

    A definio de reas de proteo s comunidades indgenas foram lideradas por Orlando Villas Bas que em 1941 lanou a expedio chamada Roncador-Xingu. Em 1961 foi criada a primeira reserva, o Parque Indgena do Xingu com forte atuao de Villas Bas, seus irmos Leonardo, Cludio, Marechal Rondon, Darcy Ribeiro, entre outros, para que a natureza, os povos nativos da regio, suas culturas e costumes fossem preservados. O modelo de criao das reservas indgenas mostrou-se como um dos nicos meios para que a cultura, os povos pr-coloniais remanescentes e mesmo a natureza sejam preservados nesses reservas. Em 1967 foi criada a Fundao Nacional do ndio (FUNAI), que passou a definir polticas de proteo s comunidades indgenas brasileiras.

    2.3. CULTURA INDGENA

    ndia guajajara e seu filho.

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    H grande diversidade cultural entre os povos indgenas no Brasil, mas h tambm caractersticas comuns:

    A habitao coletiva, com as casas dispostas em relao a um espao cerimonial que pode ser no centro ou no.

    A vida cerimonial a base da cultura de cada grupo, com as festas que renem pessoas de outras aldeias, os ritos de passagem dos adolescentes de ambos os sexos, os rituais de cura e outros

    A arte (no sentido amplo do termo) faz parte da vida diria. encontrada nos potes, nas redes e esteiras, nos bancos para homens e mulheres, e na pintura corporal, na cestaria, nos adereos plumrios, nas bonecas, nas dobraduras.

    A educao das crianas se faz por todos os habitantes da aldeia, desde cedo aprendem a realizar as tarefas necessrias sobrevivncia, tornando-se independentes

    A famlia podia ser monogmica ou poligmica. Deixaram forte herana cultural nos alimentos: mandioca, milho, guaran, palmito, pamonha, canjica; nos objetos: suas redes, jangadas, canoas, armadilhas de caa e pesca; no vocabulrio: em topnimos como Curitiba, Piau, etc; em nomes de frutas nativas ou de animais: caju, jacar, abacaxi, tatu. Ensinaram algumas tcnicas como o trabalho em cermica e o preparo da farinha. E deixaram no brasileiro hbitos como o uso do tabaco, mas sobretudo o excelente costume do banho dirio.

    3. VIDA RITUAL

    ndios cantando no Kuarup

    Dana Terena nos Jogos dos Povos Indgenas em Olinda

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    Dana Tupiniquim de protesto em Aracruz, Esprito Santo

    Uma das bases do sistema social indgena so os grandes rituais como o Kuarup, o Yawari, o Iamurikum e os rituais de iniciao. Estes cerimoniais, dos quais muitos so intertribais, se constituem em representaes sociais; uma lngua franca de comunicao no-verbal entre etnias diversas. Segundo Franchetto e Basso, as festas costuram a sociedade alto-xinguana, um circuito cerimonial que veicula alianas e metaboliza conflitos, absorvendo ritualmente a alteridade. (...) Esta viso do ritual intertribal como linguagem franca coloca a msica no cerne do sistema xinguano, considerando-se que estes rituais so, por excelncia, rituais musicais" (In Piedade, 2006)

    3.1. O KUARUP

    O Kuarup um ritual de homenagem aos mortos ilustres celebrado pelos povos indgenas da regio do Xingu, no Brasil. O rito centrado na figura de Mawutzinin, o demiurgo e primeiro homem do mundo da sua mitologia. Kuarup tambm o nome de uma madeira. Em sua origem o Kuarup teria sido um rito que objetivava trazer os mortos de novo vida.

    O RITUAL

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    O Kuarup uma grande honra prestada a uma pessoa, colocando-a no mesmo nvel dos ancestrais que viveram no tempo em que Mawutzinin andava entre os homens, e incorporando-a histria mtica.

    1) Tipicamente, o ritual inicia com a chegada de grupos de ndios de outras aldeias, que ocorre em meio a muitas danas. Depois alguns ndios vo ao mato e cortam um tronco de kuarup, constroem uma cabana de palha em frente Casa dos Homens, e sob ela fincam o tronco no cho.

    2 ) A seguir o tronco recebe uma decorao, acompanhada de cantoria que elogia o aspecto formoso do morekwat (chefe) que est sendo homenageado, falando com ele como se se tratasse de uma pessoa viva.

    3 ) Aps estes preparativos, chegam os ndios restantes, e acomodam-se na periferia da aldeia. Arma-se uma fogueira em frente ao tronco, sucedem-se danas e cantos, e um ndio de cada grupo vai ao fogo recolher uma chama para acender as fogueiras dos grupos.

    4 ) noite acontece o momento de ressurreio simblica do chefe homenageado, sendo um momento de grande emoo. Ento as carpideiras comeam o choro ritual, sem que os cantos em volta sejam interrompidos.

    5 ) Ao raiar do dia seguinte o choro e o canto cessam, os visitantes anunciam sua chegada com gritos, e iniciam competies entre os campees de cada tribo, seguidas de lutas grupais para os jovens. Ento o morekwat da aldeia que sedia o Kuarup se ajoelha diante do morekwat de cada tribo visitante e, em sinal de boas vindas, lhe oferece peixe e biju, que so distribudos entre os seus.

    6 ) Terminadas as lutas ocorre um ritual de troca, moitar, onde cada aldeia oferece produtos de sua especialidade. O ritual encerrado com o tronco sendo lanado s guas.

    4. MSICA INDGENA A msica indgena brasileira parte do vasto universo cultural dos vrios povos indgenas que habitaram e habitam o Brasil. Sendo uma das atividades culturais mais importantes na socializao das tribos, a msica dos ndios brasileiros polimorfa e de enorme variedade, tornando impossvel um detalhamento extenso.

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    A msica indgena tem recebido alguma ateno do ocidental desde o incio da colonizao do territrio, com os relatos, por exemplo, de Jean de Lry sobre alguns cantos tupinamb, em 1558, e de Antonio Ruz de Montoya, cujo extenso lxico inclui um universo de categorias musicais do guarani antigo. Estudos recentes tm-se multiplicado e hoje a msica indgena objeto de estudo e interesse de muitos pesquisadores de todo o mundo. (Bastos, 1999; Arajo, s/d) Alguns grupos foram contactados de imediato pelos Jesutas no sculo XVI, os quais, atravs das Misses ou Redues, principiaram o processo de aculturao. Ali contriburam ativamente, como instrumentistas, cantores e construtores de instrumentos, para criar uma cultura musical de caracterstica hbrida, infelizmente conhecida apenas atravs de relatos literrios. Supe-se, no entanto, que vestgios do modalismo medieval, presente no folclore de regies como o Nordeste, deve-se, em parte, a essa troca cultural.

    Ao contrrio do que se poderia supor, a tradio musical indgena no um objeto de antiqurio (alis como nenhuma tradio o ), mas algo vivo e sempre em mutao, incorporando material no-indgena, ainda que mantendo seus valores e formas essenciais. Nesse sentido, a msica indgena se constitui na concretizao em formas sonoras de suas vises de mundo.

    4.1. Origem e Carter da Msica Indgena

    Carter transcendente e mgico: a maioria dos povos indgenas associa sua msica ao universo transcendente e mgico, sendo empregada em todos os rituais religiosos.

    A msica indgena ligada desde suas origens imemoriais a mitos fundadores e usada com finalidades de socializao, culto, ligao com os ancestrais, exorcismo, magia e cura. importante tambm nos ritos catrticos, quando a msica "ao trabalhar com propores, repeties e

    variaes, instaura o conflito ao mesmo tempo em que o mantm sob controle. (Coelho, 2007).

    Presente dos deuses: os quais entristecidos com o silncio que imperava no mundo dos humanos, criaram a msica.

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    Originria do mundo dos sonhos onde vivem as tribos mticas de animais e dos ancestrais. a) Ali conhecida pelas pessoas sem esprito, aquelas que por algum motivo estiveram no limiar da morte e de l

    retornaram, tornando-se introdutoras de novas melodias aps esse contato com o mundo do alm. b) Menos dramtica e mais comumente, a criao de novas msicas se deve aos pajs, que as intuem em seus transes onde estabelecem contato com deuses e ancestrais, ou c) aos guerreiros mais

    distinguidos da tribo, que sonham com elas.

    Carter socializador: a msica est presente em festividades grupais e na esfera privada, sendo um elemento fundamental do processo de construo do mundo social e conceitual, e no como um mero epifenmeno ou reflexo deste. As relaes sociais so assinaladas musicalmente, delimitando, por exemplo, faixas etrias, status social, estados afetivos, gneros sexuais, individualidades e grupos. (Coelho, 2006) Por fim, o canto e a dana cumprem tambm um papel fisiolgico na prpria constituio dos estados psquicos, atualizando a experincia dos eventos mticos" (Montardo, 2007). Nesse sentido social, a msica indgena parece ser predominantemente coletiva, sendo que os casos de cantores solitrios ou de estruturas meldicas mais variadas so considerados, por alguns, influncias de outras culturas, em muitos casos africanas (Coelho, 2006).

    4.2. A Msica nos Rituais

    H rigorosas prescries para uso de determinadas melodias e para quem ser o intrprete, e para quando sero executadas (Peret).

    H msicas e instrumentos exclusivos dos homens, outros s de

    mulheres. Melodias cantadas apenas em um certo rito ou com uma funo

    especfica. Em diversas etnias existe um ciclo de rituais de grande importncia

    relacionados s flautas sagradas, sendo realizados apenas por homens e com um instrumental cuja viso vedada s mulheres.

    A interpretao musical pode ser cercada de rituais menores, propiciatrios ou facilitadores, como a pintura de uma linha sobre o

    ouvido e lbio para facilitar o aprendizado de canes, colocar um ramo de enodoru orelha para no esquecer a melodia, e uma srie de outras

    prticas.

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    4.3. Caractersticas de Linguagem Gneros

    Cano das mulheres Wauja para os homens (Mello; Bencke) Traduo da letra: olha a minha pintura (o meu sinal) depois; eu vou pintar para voc depois; dizem que falou meu irmo; e ha ku ha ha

    No seguindo o sistema tonal ocidental, a sua sonoridade apresenta uma enorme sutileza e complexidade especialmente nos timbres e nas alturas, sendo de difcil transcrio para a partitura ocidental.

    No existe desenvolvimento de polifonia ou harmonia num sentido ocidental, sendo de uma espcie mondica ou no mximo heterofnica,

    com alguns exemplos de composio antifonal.

    No existe notao, e o acervo de composies antigas transmitido pela prtica continuada entre as geraes.

    A voz e o canto so dominantes na msica indgena, mas existe um variado instrumental de apoio.

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    Na maioria dos casos a msica associada dana ritual. O ritmo , em geral, binrio ou ternrio, s vezes alternado-se em um mesmo verso.

    Como a msica no est baseada na existncia de uma unidade de pulso rgida, h uma contnua flutuao de andamento (Bastos e Piedade, 1999)

    A estrutura das composies tambm diverge da ocidental, e enormemente variada, dependendo bastante do texto que ilustra, tendo

    as repeties e pequenas variaes um papel central.

    As diferentes texturas musicais so relacionadas s esferas sociais: no nvel coletivo geral h uma maior preciso de alturas e intervalos; no nvel

    dos cls o timbre preponderante em relao s faixas de altura e massa sonora; nos ciclos danados, a textura mais densa e utiliza ntidas oposies grave-agudo sem intervalos de passagem. Ocorre,

    portanto, uma progresso acstica que acompanha a complexificao dos nveis sociais (Bastos e Piedade, 1999).

    Alm disso, o som relacionado espacialidade fsica. As canes so um caminho, nomeiam os lugares, e articulam a cartografia da floresta ao

    movimento dos seus habitantes, alm de estarem ligadas ao mundo espiritual dos pssaros. (Montardo, 2006)

    4.3. Gneros

    Existem canes para praticamente todos os momentos e atividades da vida, sendo praticadas em festas para homenagear os mortos, como canes para crianas, em festas sazonais e festas guerreiras, em ritos de passagem, no culto dos espritos e ancestrais, e nas festas de congraamento entre as tribos.

    No mbito familiar o repertrio vocal pequeno: entre os cls de sangue as sutes para instrumentos, que usualmente so propriedade de grupos familiares, so executadas tambm vocalmente, em uma espcie de solfejo. Nos grandes ciclos danados a voz e instrumentos adquirem igual importncia, e por fim, como pice da vocalidade, os cantos de guerra so executados a capella.

    4.4. Msica e Oralidade

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    A cultura indgena basicamente oral, nela a msica uma extenso da fala, e seus limites s vezes so sutis e imprecisos. Um discurso pode acabar em canto, ou o inverso. Dentre as espcies vocais, existem subdivises de acordo com o objetivo de cada cano:

    Narrativas: falas com diferentes graus de formalidade, desde as cotidianas entoadas por qualquer pessoa at as falas restritas a homens adultos executadas na praa central.

    Instrutivas: narraes veiculando regras, costumes e tradies, transmitidas atravs do canto ou prdica emocional pelos adultos a crianas; relatando de expedies de caa e narrativas mticas.

    A vocalizao muito flexvel e expressiva, e o cantor serve-se de recursos de entonao, timbrsticos, fonticos e rtmicos para dar

    sentido a seu enunciado.

    Canes: identificadas por seus contedos textuais, os quais freqente se referirem a algum animal e a seu comportamento, sendo que na ao ritual as identidades do cantor e do animal so combinadas. Muitas se referem ao amor e ao prazer sexual de modo desinibido, feliz e direto. Freqentemente se transita entre a cantoria e a narrativa gestualizada no-musical.

    Invocaes: executadas, geralmente em voz baixa, com fins prticos ou medicinais.

    4.5. Msica Instrumental

    ndios Kamaiur: Tocando uma flauta tpica, o uru

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    nas festas dedicadas aos Apapaatai, uma classe de poderosos espritos, que acontece a maior parte da msica instrumental. As festas Apapaatai tm como motivo essencial a cura xamnica (Mello, 1999).

    AS FLAUTAS SAGRADAS:

    Dentre toda a msica instrumental indgena as peas para as flautas sagradas ocupam uma posio de destaque. Estas flautas so elementos fundamentais na cosmologia xinguana, o que expresso concretamente

    pela existncia de uma casa das flautas, onde so guardadas; casa que tambm chamada de casa dos homens: um espao exclusivamente

    masculino localizado sempre no centro das aldeias. Seu uso est cercado de tabus. Quando so tocadas as mulheres e crianas se fecham em suas casas. Se uma mulher v os instrumentos, penalizada com um

    estupro coletivo.

    O repertrio para as flautas , entre algumas culturas, altamente sofisticado, compondo sutes completas, sendo que apenas uma sute

    tocada em cada ocasio, embora s vezes de forma incompleta. Todas as sutes tm uma ordem ideal, mas esta, freqentemente, modificada

    durante a sesso. So construdas atravs do princpio da alternncia entre um eixo horizontal (meldico) e um vertical: sucesses de solos pontuais e trechos com partes simultneas. A estrutura meldica

    caracterizada por um contorno meldico e no por uma seqncia exata de intervalos. Cada pea formada por um tema repetido sem alteraes durante vrios minutos. Cada tema formado pela

    justaposio de dois tipos de motivos, A e B: os motivos A so variveis e identificam cada pea enquanto que os B no o so e fornecem a

    assinatura temtica da sute. (Piedade, 1999)

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    4.4.1. Instrumentos

    Seu instrumental inclui instrumentos de percusso e sopro, mas classificaes prprias dos ndios fazem distines diferentes, com dezenas de categorias para "coisas de fazer msica". Os instrumentos podem ser feitos de uma variedade de materiais, como sementes, madeiras, fibras, pedras, objetos cermicos, ovos, ossos, chifres e cascos de animais. (Antunes, s/d)

    Idiofones: instrumentos que vibram por si mesmos ou por percusso ou atrito, podendo ser tocados diretamente ou soarem em decorrncia de movimentos indiretos. Incluem toras de madeira, bastes de percusso, fragmentos de tbuas, chocalhos, guizos, cabaas cheias de pedrinhas ou sementes, crnios etc.

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    Membranofones: instrumentos que soam pela vibrao de uma membrana neles distendida, como os tambores. So raros entre os indgenas brasileiros e acredita-se que os existentes sejam cpias de antigos modelos conhecidos atravs dos primeiros europeus que aqui chegaram.

    Aerofones: soam pela ao do ar no seu interior. Podem ser agitados ou soprados. So os instrumentos mais numerosos e comuns. Sua diversidade enorme, incluindo instrumentos com funcionamento semelhante s trombetas, buzinas, apitos e sobretudo as flautas, de um a vrios tubos, com embocadura perpendicular ou longitudinal, havendo mesmo exemplares para sopro nasal.

    Zumbidores: soam quando agitados no ar. Consistem de um cabo decorado ligado por uma corda a uma pequena pea de madeira oval. Ao ser girada rapidamente a pea produz um zumbido forte. Em muitas tribos tem relao direta com a morte, sendo utilizados em cerimnias funerrias e proibidos s mulheres ou crianas. Em outras, porm, serve de brinquedo infantil.

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